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ÓRGÃO ESPECIAL
Representação por Inconstitucionalidade nº 0057833-20.2013.8.19.0000
RELATOR: DES. HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA

CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR


INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 5.527/12 DO
MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. PRIORIDADE DAS
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OCUPAREM VAGAS EM
ESTACIONAMENTOS DE VEÍCULOS. AUSÊNCIA DE
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA.
Representação por Inconstitucionalidade da Lei nº 5.527/12 do
Município do Rio de Janeiro que assegura prioridade de
deficientes em vaga de veículo nos estacionamentos privados e
impõe à Guarda Municipal o dever de fiscalizar e punir
eventuais irregularidades.
Conforme disciplina o artigo 358, I, II, da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro, o município tem competência
legislativa para assuntos de interesse local e suplementar às leis
federais e estaduais, no que couber.
Na hipótese dos autos a lei impugnada trata de proteção e
integração social das pessoas portadoras de deficiência, tema de
competência legislativa concorrente apenas entre o Estado e a
União na forma do artigo 74, XIV, da Constituição do Estado
do Rio de Janeiro e não pode ser considerada de interesse local.
Ao determinar à Guarda Municipal do Rio de Janeiro fiscalizar
e punir infratores a norma revela vício de inconstitucionalidade
por invadir esfera de competência privativa do chefe do Poder
Executivo Municipal. Violação aos artigos 7º e 122, § 1º, II,
“d”, da Carta Estadual.
Inconstitucionalidade declarada.
Procedência do pedido.

A C Ó R D Ã O

HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA:000009674 Assinado em 15/04/2014 14:38:58


Local: GAB. DES HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
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Vistos, relatados e discutidos estes autos da Representação por


Inconstitucionalidade nº 0057833-20.2013.8.19.0000, em que figuram como
Representante EXMO. SR. PREFEITO DO MUNICÍPIO DO RIO DE
JANEIRO e Representado EXMO. PRESIDENTE DA CÂMARA
MUNICIPAL DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO,

A C O R D A M os Desembargadores que compõem o Órgão Especial do


Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em
julgar procedente o pedido nos termos do voto do Relator.

EXMO. SR. PREFEITO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO oferece


Representação por Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.527/12 editada
pela CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO que altera a Lei Municipal
nº 2.324/95 a fim de assegurar aos portadores de deficiência prioridade na
ocupação das vagas em estacionamentos de veículo privados. Sustenta violação
ao artigo 74, XIV, da Constituição Estadual porque compete à União e aos
Estados legislarem sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de
deficiências, e não aos municípios. A lei viola o princípio da independência dos
poderes previsto no artigo 7º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, uma
vez que determina aos Guardas Municipais, autarquia da administração indireta
do Município do Rio de Janeiro, fiscalizar e aplicar multas, mas a atribuição deve
partir de iniciativa do Poder Executivo Municipal como preveem os artigos 112, §
1º, II, “d”, e 145, VI, da Constituição Estadual. A norma ainda fere o princípio da
livre iniciativa. Pede a declaração da inconstitucionalidade.
A fls. 14/22 (pasta 14) informações do Representado pela
constitucionalidade da lei municipal, pois trata de assunto de interesse local sem
invadir a esfera de competência dos demais entes públicos. Nega a ofensa ao
princípio da livre iniciativa.
As doutas Procuradorias Gerais do Estado e de Justiça se manifestaram
pela procedência do pedido (fls. 25/30-pasta e 32/39-pasta 32).

É o Relatório.
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Cuida-se de Representação por Inconstitucionalidade da Lei nº 5.527/12 do


Município do Rio de Janeiro que alterou a Lei Municipal nº 2.324/95 e possui a
seguinte redação:

LEI Nº 5.527, DE 25 DE SETEMBRO DE 2012


Modifica a Lei nº 2.324, de 15 de maio de 1995, que assegura às
pessoas com deficiência prioridade na ocupação das vagas nos
estacionamentos de veículos de propriedade privada, situados
no Município.
Art. 1º A ementa da Lei nº 2.324, de 15 de maio de 1995, terá a
seguinte redação:

“Assegura às pessoas com deficiência prioridade na ocupação


das vagas nos estacionamentos de veículos de propriedade
privada, situados no Município e dispõe sobre a previsibilidade
de aplicação de multas para veículos estacionados
irregularmente nas vagas a estes destinadas”.(NR)

Art. 2º Acrescente-se ao art. 5º os parágrafos 1º, 2º e 3º.

“ Art. 5º .....

§ 1º Cabe à Guarda Municipal, por meio de seus Agentes, a


fiscalização e aplicação de multas aos veículos infratores.

§ 2º Os veículos não adaptados, que não sejam conduzidos por


pessoas com deficiência ou usados para o transporte delas, bem
como aquelas reservadas para os idosos, se estacionarem em
vagas a elas reservadas, estarão sujeitos a multa no valor de R$
200,00 (duzentos reais), cobrada em dobro em caso de
reincidência.

§ 3º A multa prevista no § 2º será atualizada anualmente pela


variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA,
apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-
IBGE acumulada no exercício anterior, sendo que, no caso de
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extinção deste índice, será adotado outro índice criado pela


legislação federal e que reflita a perda do poder aquisitivo da
moeda."

Art. 3º Os responsáveis pelos estacionamentos deverão proibir o


descumprimento desta norma, requerendo a retirada do veículo
por responsável pelo mesmo, ou com auxilio de força Policial.

Art. 4º O não cumprimento das normas desta Lei, sujeita os


responsáveis pelo estabelecimento à multa no valor de R$
5.000,00 (cinco mil reais).

Parágrafo único. Se houver reincidência a multa será aplicada


em dobro.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.·.

Nos termos do artigo 125, § 2º, da Constituição Federal, o controle de


constitucionalidade no âmbito estadual tem por objeto exclusivamente as leis ou
atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual. Em
obediência ao princípio da simetria, esta a regra contida no artigo 161, IV, “a”, da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro ao prever que o Tribunal de Justiça
julgará originariamente a “representação de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo, estadual ou municipal, em face da Constituição Estadual”.
No caso, a lei procura assegurar às pessoas com deficiência vaga de veículo
nos estacionamentos privados e impõe à Guarda Municipal o dever de fiscalizar e
punir eventuais irregularidades.
O artigo 358, I e II, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro estabelece
a competência legislativa dos municípios sobre assuntos de interesse local e de
forma suplementar à legislação federal e estadual, no que couber, mas com
expressa referência aos temas que enuncia.
Na hipótese em exame, a Constituição Estadual não outorga competência
legislativa ao município para legislar sobre a proteção e integração social das
pessoas portadoras de deficiência, pois nos termos do artigo 74, XIV, da
Constituição do Estado do Rio de Janeiro esta cabe ao “Estado, concorrentemente
com a União”. Assim, o município não pode nem mesmo de forma suplementar
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legislar sobre o tema por falta de previsão constitucional. A matéria é de


competência exclusiva da União e Estado.
Ao contrário do que alude o Representado, a integração e proteção das
pessoas com deficiência não constitui matéria de interesse local, não pode ser
considerada apenas como específica da sociedade do Município do Rio de
Janeiro. A questão possui importância também para o Estado e a União, por isso
nem mesmo sobre este enfoque assiste razão à defesa. Em casos semelhantes este
E. Órgão Especial decidiu no mesmo sentido:

Representação de Inconstitucionalidade. Lei Municipal do Rio


de Janeiro nº 4.321, de 27 de abril de 2006, que institui
benefício para a formação profissional em artes cênicas de
pessoas com deficiência. Iniciativa do Poder Legislativo, que
desrespeita o disposto nos arts. 7º, 112, § 1º, II, d, da
Constituição Estadual. Procedência da Representação.
(0020470-09.2007.8.19.0000 – DES. LEILA MARIANO -
Julgamento: 04/10/2007 - ÓRGÃO ESPECIAL)

Quanto à previsão na lei de a Guarda Municipal do Rio de Janeiro fiscalizar


e punir os infratores, mais uma vez a norma apresenta vício de
inconstitucionalidade por invadir esfera de competência privativa do chefe do
Poder Executivo Municipal, na medida em que cabe a este a iniciativa legislativa
por se tratar de atribuição imposta a servidor da administração indireta municipal,
a configurar manifesta a violação aos artigos 7º e 122, § 1º, II, “d”, da Carta
Estadual.
Também sobre este tema o E. Órgão Especial no julgamento da
Representação por Inconstitucionalidade nº 0039333-37.2012.8.19.0000, Relator
o Desembargador JESSÉ TORRES, decidiu da mesma forma:

REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. Lei


municipal nº 5.403, de 16 de maio de 2012, que, por iniciativa
do Poder Legislativo local, "Determina a proibição da
participação de crianças no desfile de agremiações
carnavalescas e grupos assemelhados, no âmbito do Município
do Rio de Janeiro", classifica-a como atividade de polícia
administrativa a cargo dos órgãos competentes do Poder
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Executivo e comina penalidades. Vício formal na imposição de


atribuições ao Executivo municipal: violação dos artigos 7º e
112, § 1º, II, alínea "d", da Carta estadual. Procedência do pleito
declaratório de inconstitucionalidade.

Nestes termos, julga-se procedente o pedido para declarar inconstitucional


a Lei nº 5.527/12 do Município do Rio de Janeiro com efeitos ex tunc.
Comunique-se.

Rio de Janeiro, 14 de abril de 2014.


Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira
Relator

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