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A GREVE DOS PROFESSORES REFEM DO ECONOMICISMO.

Os professores reunidos em assembleia no Vão do Masp decidiram iniciar uma greve.


Deve-se destacar que a forma da assembleia deixou bastante a desejar no sentido de
democratizar a fala para os professores que estão na base da categoria. Falam apenas os
membros da cúpula do sindicato. Tem mais voz certos deputados em relação ao próprio
professor que labuta no quotidiano das escolas. Se isto já seria um motivo de despolitização, o
discurso para a greve é mais prejudicial em vista de seu teor economicista.

A grande questão é que as reivindicações da direção do sindicato, como também as


divergências das correntes, não explicitam o problema central que aflige a educação paulista e
brasileira. O quadro não vai mudar enquanto permanecer uma politica de Estado com viés
absolutamente neoliberal para a educação, como também para os outros serviços públicos.
Estes passaram a ser vistos pelo capital como possibilidade de acumulação e, portanto, objeto
de parcerias privadas, terceirizações e privatizações. O discurso dos dirigentes sindicais não
elabora tal problemática, pois incorre em duas falácias: uma perspectiva personalista, pois o
culpado é o Geraldo Alckmin; uma ação sindical negocial e, consequentemente, em nada
revolucionária, pois entende que a educação pode ser de qualidade através de remendos no
capitalismo neoliberal. Neste sentido, tal entendimento limita uma ação política mais
contundente que poderia se efetivar em transformações mais qualitativas para estudantes e
professores.

Isto pode ser constatado na despolitização das propostas anunciadas. Quando se


critica a privatização do IAMSPE – Hospital do Servidor, não se elabora qualquer perspectiva de
luta em favor de um SUS efetivo. Pior, existe uma ligação com o mercado da saúde, via
UNIMED. Um total contrassenso, uma limitação para uma prática minimamente progressista e
combativa. Outra contradição: a análise das medidas da secretária de educação é no mínimo
reducionista, ou seja, trata-se de uma discordância com os elementos (as partes) descurando
da maldição da estrutura destas medidas. No fundo, a forma como a direção encara as
medidas do governo causa confusão para os professores, pois não se estabelece as conexões
entre as medidas, como se fossem simplesmente maquinações ou maluquices do governo. O
que precisa ficar claro é: privatização do Iamspe, prova de mérito, escola de tempo integral,
bônus, precarização das condições de trabalho, escolas como depósito (cadeia) de alunos,
violência contra professores etc fazem parte da mesma política de transformar a educação em
mercadoria, pois o capital precisa de novos horizontes para se reproduzir.

Assim, tenta-se argumentar que a melhoria da qualidade da educação passa pela


valorização dos professores. Aparentemente tudo certo, porém, na atual lógica neoliberal,
tanto a baixa qualidade, como a desvalorização do professor (e não nos esqueçamos o brutal
esquecimento do aluno por parte do governo, tratado como mero objeto, mera estatística) são
consequência da mesma política de destruição dos serviços públicos. Mais grave ainda: não
existe um empenho efetivo da sociedade brasileira para melhoria da educação. É uma falácia
dizer que os empresários brasileiros estão preocupados com a baixa qualidade da mão de
obra. A escola pública, escola dos trabalhadores, não tem como missão formar mão de obra
qualificada, que inclusive nem é tão primordial assim para o atual estágio da politica industrial
brasileira. No fundo, estamos em um nível industrial de regressão neocolonial, como apontam
alguns economistas mais críticos, o que explica que muitos alunos (neste caso com uma visão
mais aguçada que os próprios formadores) não se entusiasmem muito com a escola, pois vão
precisar de muitas poucas coisas estudadas para continuar em seu mesmo nível de vida atual,
sabendo que a mudança social passa cada vez menos pela formação escolar.

Enfim, de nada adianta valorizar o professor e manter o mesmo modelo educacional,


com suas premissas neoliberais atuais. O discurso dos sindicalistas precisa urgentemente
destruir a chaga meritocrática, pois ela é o elemento ideológico mais nefasto para a
organização dos professores, que infelizmente ainda são muito saudosistas de sua profissão,
acreditando inclusive que devam ser tratados de forma superior a outras profissões, um ranço
de classe média que precisa ser questionado.

As reivindicações oficiais do sindicato ainda tem muita dificuldade de assinalar que não
podemos mais falar na existência da categoria “O”. Somos todos professores. Mais ainda:
somos todos trabalhadores. A meritocracia deixa alijado um discurso classista na perspectiva
da greve, pois não denuncia que a situação dramática de muitos alunos é fruto da exploração
da força de trabalho sob o capitalismo, que atinge suas famílias e inclusive muitos daqueles
que estudam e trabalham. Todavia, a ausência de um discurso de ruptura quanto a
meritocracia impede que nos sintamos em condições de horizontalidade com nossos alunos,
inclusive responsabilizando-os pelos problemas na escola. Colocamo-nos em posições
contrárias, quando deveríamos estar contrários aos governos e empresários da educação.

Neste sentido, nem aparece na proposta da greve o abandono da comissão paritária


de negociação (enganação). Não se cogita a constituição de um fundo de greve para sustentar
um movimento mais duradouro. Não se rejeita a meritocracia, afirmando um processo de
evolução através do tempo de trabalho e de cursos de formação que o próprio Estado se
empenhe em realizar. Em momento algum temos um discurso contra o capitalismo neoliberal
como promotor do atual estado de calamidade da educação. Poupa-se o governo federal por
mera associação partidária, um temor para a liberdade de crítica. Não se afirma
contundentemente que queremos uma educação de qualidade e não uma educação para o
trabalho ou pior, uma educação para o mercado. Enfim, a pauta economicista embarga a
busca de uma educação para a transformação social e impede a realização de uma greve
efetivamente política que questione o Estado burguês como promotor de uma educação a
serviço do capital e da manutenção da exploração do trabalhador e das desigualdades sociais.
Podemos até ganhar alguns por centos, mas não estaremos ganhando forças para construir
uma sociedade alternativa. É uma pena, somos formadores e não conseguimos fazer uma
greve que forme para a mudança e transformação social.

O encerramento da greve confirma as premissas que desenvolvemos acima. A direção


do sindicato confirma sua total falta de sintonia com a base da categoria. Diz o blog da
presidente que tal encerramento levou em conta a fragilidade do movimento e as negociações
com o secretário da educação. Na verdade, o movimento grevista nunca foi efetivamente
forte, muito por conta da falta de credibilidade que atingiu a direção do sindicato, em vista de
sua opção apenas negocial e pouca combativa já há algum tempo. Ao mesmo tempo, como
confiar nas palavras de um secretário que sempre tergiversa sobre mudanças positivas para o
professorado. Foi assim, no caso da lei do 1/3. A direção publicou que o governo iria cumprir a
lei. Não o fez. Depois anunciou que o governo faria o cumprimento de forma escalonada.
Outra vez não cumpriu sua palavra, se é que existia uma palavra efetiva neste sentido, pois das
outras vezes, como nessa também, não existe nada por escrito.

O mais grave é que a direção não promove a politização da manifestação. É uma ação
economicista, como já dissemos. Ou seja, não se descortina que a situação do professorado é
uma consequência de uma politica de Estado que atinge todos os servidores públicos e
também os trabalhadores em geral. A recusa de unificação com outros profissionais da
educação e mesmo com outros trabalhadores é uma prova incontestável da ausência de uma
perspectiva classista e de luta combativa por parte da direção do sindicato. Seria um momento
impar para organizar uma luta contra a politica neoliberal que destrói e corrói os ganhos dos
trabalhadores e sustenta o aumento da lucratividade do capital.

Por fim, chega a ser ridículo, ou para ser mais generoso, é desmobilizador para a
categoria aceitar mais uma comissão de negociação salarial quando na verdade já deveríamos
ter abandonado qualquer comissão paritária que apenas atrasa a luta dos professores, sempre
na espera (que principio mais conservador) de algum resultado. Ridículo e assombroso é dizer
que a luta conseguiu os 8% de aumento, mas comprova o aspecto economicista do sindicato,
ou seja, sua visão de ação apenas no tocante ao momento de aumento salarial. Isto, por si só,
demonstra que precisamos de uma revolução no sindicato dos professores. A APEOESP precisa
que os professores promovam uma ruptura total na perspectiva de sindicato que temos hoje.
Não basta apenas uma desvinculação de partidos, aliás, este nem é o centro do problema.
Precisamos de um sindicato combativo, que entenda que a educação não pode melhorar
enquanto os governos promoverem politicas neoliberais, que são executadas em nível federal,
estadual e municipal. Um sindicato feito para os professores, com vinculação efetiva com os
servidores em geral, que se sinta e promova uma perspectiva de que SOMOS TODOS
TRABALHADORES. COMO TRABALHADORES DEVEMOS TODOS NOS UNIR, para recuperar um
convite feito há muito tempo por um lutador contra as mazelas do capitalismo.

Flavio Eduardo Mazetto, professor da escola pública – Itapira (SP) e cientista político.

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