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Introdução sobre o trotskismo brasileiro

Por Luis Siebel

Publicado originalmente em espanhol no boletim no. 13, março/abril de 2010, do CEIP Leon
Trotsky (Argentina), juntamente com uma seleção de documentos inéditos em espanhol.

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As origens da Oposição de Esquerda no Brasil

A Oposição de Esquerda foi a única corrente organizada na URSS que representava uma verdadeira
alternativa ao stalinismo. Tal “crime” condenou o seu destino, representado pelo extermínio dos
processos de Moscou, o exílio, o trabalho clandestino, vinculados às tarefas de reagrupar a
vanguarda revolucionária em torno de uma nova bandeira. Dos seus primeiros anos até o exílio de
Trotsky em 1929, ocorreram além das questões internas da URSS – ou seja, o processo de formação
do stalinismo -, dois importantes processos da luta de classes: as grandes greves na Inglaterra em
1926 e a segunda revolução chinesa de 1925-1927, que definiram de uma vez por todas as idéias da
Oposição.

O trotskismo brasileiro foi parte do primeiro impulso da Oposição de Esquerda Internacional (OIE),
que se desenvolveu a partir do Sexto Congresso da Internacional Comunista, no qual cópias de uma
crítica de Trotsky ao pensamento central da ala stalinista circularia pelos círculos da IC e que se
encerra em 1933, quando iniciam o chamado pela construção de uma nova internacional [1].

É assim que Rodolfo Coutinho, destacado membro da direção do PCB que se encontrava na Europa,
e Mário Pedrosa, que após uma viagem cancelada à URSS participou de núcleos da Oposição na
Alemanha, convergiram com um processo de crise que ocorria no Partido Comunista do Brasil e
formaram o primeiro grupo oposicionista, o Grupo Comunista Lênin no início de 1930.

Internacionalmente a OIE se estendia como fração da IC em diversos países, a partir da perspectiva


de retomar o que considerava ser a tradição de Outubro; no entanto, por mais que o centro da sua
atuação fosse a recuperação do curso da IC e seus partidos, ao mesmo tempo buscava constituir
fortes grupos de diferenciação ideológica em seu interior:

“Quando lutamos, com todas as nossas forças, pela regeneração da Comintern e pela continuidade
de seu futuro desenvolvimento, não fazemos a mínima concessão a um puro fetichismo de forma. O
destino da revolução proletária mundial está para nós acima do destino organizativo da Comintern.
Realizem-se as piores variantes; sejam os partidos oficiais de hoje, a despeito de todos os nossos
esforços, arrastados à ruína pela burocracia stalinista; queira isso significar, num certo sentido,
recomeçar tudo de novo pelo princípio; - então, a nova internacional derivará a sua genealogia das
idéias e dos quadros da Oposição Internacional de Esquerda” [2].

Também o cenário estratégico no qual se formou a oposição de esquerda se colocou para os


militantes brasileiros, tal como demonstra a “declaração de guerra” à política do PCB:

“Cumpre-nos primeiramente assinalar que a tarefa a que vos dedicais na escala internacional é a
mesma que procuramos realizar na escala nacional. Procuramos reunir todos os elementos
divergentes da política seguida pela direção do P. C. em torno de uma plataforma única. [...] A
acumulação dos erros do partido, o burocratismo crescente suscitaram novos descontentamentos e a
formação de novos elementos de oposição, cuja unificação procuramos obter. Para atender a este
objetivo devemos realizar logo que possível, reuniões em que todos estes elementos se congreguem
em torno às críticas às teses do 3º Congresso do Partido Comunista do Brasil e de uma plataforma.
Desde agora, porém, por deliberação de nossa reunião de 13 de abril, estamos autorizados a declarar
que nosso grupo adota a mesma posição de Trotski e de VERITÉ em três questões: a teoria da
edificação do socialismo num só país, a questão do Comitê Anglo-Russo e a questão chinesa”. [3]

Além disso, na gênese do grupo de trotskistas brasileiros, estamos de acordo com estudo
panorâmico de P. Broué, sobre a história das organizações da OIE na América Latina, pois difere da
Europa “em razão de sua pré-história”:

“Foi assim que na América Latina, por muitas vezes por partes inteiras ou, até por PCs, ao menos
de importantes frações de seus quadros ou mesmo direções, passaram-se para a Oposição de
Esquerda e mais tarde à Quarta Internacional. Do ponto de vista de seus efetivos, as seções assim
constituídas sustentavam por vezes comparações vitoriosas com os partidos oficiais, que na época,
estavam longe do que se poderia chamar de partido de massa” [4]

Por exemplo, a IC, por via da Internacional Sindical Vermelha, notaria em 1931 o importante relevo
no movimento operário que os trotskistas possuíam em São Paulo, particularmente no sindicato dos
gráficos, considerando que no período que vai da greve de 1929 até 1934, ganharam uma
hegemonia na União dos Trabalhadores Gráficos (SP e RJ) e, que foi eixo de outros processos de
mobilização proletária, como a Coligação de Sindicatos, em 1934 e, no mesmo ano, parte da FUA
(Frente Única Antifascista):

“Os trotskistas assumiram a liderança de muitos sindicatos – não somente pequenos sindicatos, mas
também de importantes organizações como o novo sindicato dos transportes e eletricidade com
milhares de membros e o velho e revolucionário sindicato dos gráficos. Eles definitivamente
possuem influência da União dos Têxteis de São Paulo” [5]

A elaboração da LCI sobre a formação do capitalismo no Brasil

Uma das questões que desde os anos 1980 “ganhou legalidade” nos círculos intelectuais brasileiros
são aquelas vinculadas à elaboração teórica dos trotskistas, no período compreendido entre a ruptura
com o PCB e a FUA, que ao mesmo tempo eram uma discussão crítica com o PCB e também uma
leitura das idéias de Trotsky a partir da formação do capitalismo no Brasil:

“Constitui o primeiro texto que alicerça teoricamente as teses da Oposição de Esquerda sobre o
Brasil. Nele são traçadas pela primeira vez as diferenças fundamentais de análise dos oposicionistas
com as teses do Partido Comunista do Brasil. Pioneiro na análise apurada de questões hoje
consagradas pela historiografia, como a Revolução de 1930, o ‘Esboço’ é um dos raros documentos
marxistas da esquerda comunista brasileira da época e, apesar de sua brevidade, apresenta uma
lúcida crítica da situação social do Brasil” [6]

No que diz respeito à crítica fundamental dos oposicionistas ao PCB, desenvolveram o que
chamavam de “concepção retalhista” (etapista) da revolução baseados em estudos sobre a realidade
histórica, política e social do país e desta maneira buscavam superar o universo conceitual do PCB:

“Como se sabe, tem-se pretendido vulgarizar a idéia abstrusa de que o proletariado primeiro deve
resolver os problemas nacionais da burguesia, para depois realizar a obra de sua libertação! A outra
coisa, senão à traição mais evidente dos interesses vitais da classe operária, não podia conduzir a
concepção estreitíssima de que a revolução deva ser feita a retalhos”. [7]

Os textos inaugurais dos oposicionistas brasileiros eram uma tentativa frontal de superar a
elaboração do PCB, que historicamente se referenciou nas teses de Octávio Brandão, tendo este
autor sido um “pioneiro” do que se conheceu posteriormente como a concepção etapista clássica da
Internacional Comunista.

O PCB teve duas fases de elaboração de suas teses fundamentais: a primeira em meados dos anos
1920, que se encerrou com uma crise importante no partido, da qual os trotskistas representam parte
dos resultados e que fundamentou a atividade do partido no Bloco Operário e Camponês; a segunda,
a partir dos anos 1930, que se inseriram mais diretamente nos esquemas da IC para os países
coloniais e semi-coloniais, como uma suposta negação das teses dos anos 1920, algo que os
trotskistas demonstravam ser o seu contrário:

“No que concerne à direção do partido, podemos dizer que a tentativa mais séria, mais meticulosa e
mesmo mais “heróica”, foi a do camarada Brandão, com o seu ‘Agrarismo e Industrialismo’.
Desgraçadamente, foi também a mais antimarxista e a mais desastrosa. A linha do Partido sofre,
ainda hoje, a influência desse bazar de monstruosidades teóricas, se bem que a direção da I.C.,
fingindo penitenciar-se da consagração que dele fizera por largos anos, procure dissimular o seu
oportunismo com o simples ato de aplicar às costas do camarada Brandão o selo do ‘imposto único’
menchevista.”

Outro exemplo importante trata-se da análise sobre a “revolução” de 1930 que levou Getúlio Vargas
ao poder, motivando posições ambíguas por parte do PCB e, mais importante, descolou uma ala do
movimento tenentista em torno de Prestes que seria de grande importância para os processos
posteriores da luta de classes, no sentido do abandono da independência de classe do proletariado
em favor de uma frente popular e da etapa anterior de uma revolução burguesa no Brasil, tal como
afirmado pelos cânones do stalinismo. Sobre isto, afirmavam os trotskistas ao realizar um balanço
da “revolução” de 1930 que levou Vargas ao poder:

“Nenhuma fração da burguesia, por mais liberal que seja o seu rótulo, pode efetivar as promessas
democráticas. A luta de classes é mais poderosa do que as abstrações do liberalismo político. Na
fase imperialista do capitalismo, a democracia burguesa, - democracia formal – não passa de
mistificação. A burguesia não tem mais interesse direto na realização das reivindicações
democráticas. [...] No próprio dia em que os generais depunham Washington Luiz, mandaram
espingardear o povo, na defesa do patrimônio do conde Pereira Carneiro, ameaçado com
empastelamento do “Jornal do Brasil”. No dia seguinte, um comício da Confederação Geral do
Trabalho era dissolvido e encarcerados os oradores proletários.” [8]

Os trotskistas e a luta de classes

Após o Grupo Comunista Lênin, de efêmera existência, os trotskistas fundaram a Liga Comunista,
que existiu entre 1931 e 1933. Em sua Segunda Conferência Nacional, em outubro de 1933,
mudaram o nome para Liga Comunista Internacionalista, fazendo parte do movimento da Oposição
em chamar a construção de uma nova internacional, após a derrota do proletariado alemão.
Elencaremos os principais processos nos quais os trotskistas tiveram participação decisiva. Os
momentos mais importantes de sua existência política são os processos de 1934 e, como
conseqüência destes, o ano de 1935 e as tentativas de insurreição da ANL, na qual o PCB possuiu
papel determinante.

A Frente-Única Antifascista (1934)

A luta da classe operária contra a ascensão do fascismo é um dos problemas mais importantes do
movimento operário nos anos 1930, já que envolveu posteriormente a adoção, por parte do
stalinismo, das Frentes-Populares, algo que também teve importância capital após a Segunda
Guerra-Mundial. Na década de 1930 esta questão esteve na ordem do dia na Espanha, sendo o
“campo” republicano derrotado na Guerra Civil, na França, na Alemanha e na Áustria, pois foram
países nos quais a situação chegou às vias de fato de processos revolucionários e contra-
revolucionários.

No caso do Brasil, se a situação política geral não era exatamente similar àquela dos países
europeus, sofria as mesmas tendências sociais, inclusive a ponto de em 1937 Vargas instaurar um
golpe bonapartista, além de possuir fortes tinturas fascistas e de eventualmente alentar o
integralismo a serviço destes interesses. Assim é que os trotskistas brasileiros conseguem levar à
frente a tática proposta por Trotsky para a Europa, criando um laboratório daquilo que para ele era
de crucial importância no terreno internacional, particularmente no processo que se desenvolve
entre 1929-1933 na Alemanha e que culmina na vitória do fascismo. A proposta da FUA era, pois,
definida em termos da independência da classe trabalhadora, aportando questões específicas do
Brasil e, em um primeiro momento, dedicada a combater a ascensão do integralismo:

“No Brasil, se bem que esse fenômeno não resulte diretamente de condições objetivas locais, dado o
atraso lamentável em que ainda se encontra o movimento operário, existem, entretanto, outros
fatores bastante ponderáveis que nos levam a considerar, não só como provável mas como
perfeitamente lógico, o triunfo de uma aventura fascista ou fascistizante, se não forem tomadas
medidas práticas em tempo para uma contra-ofensiva. E, verificada a existência desses fatores, entre
os quais se encontra, em primeiro plano, o caráter mundial da economia capitalista, determinando,
na situação de crise generalizada, a necessidade de uma política mundial correspondente, o baixo
grau de organização da massa trabalhadora, diante da repercussão fenômeno em nosso país, só pode
constituir um obstáculo à ação de resistência”. [9]

O fato mais conhecido da atuação dos trotskistas é aquele ligado ao dia 7 de outubro de 1934, a
“revoada dos galinhas verdes” (integralistas), que foi o produto da atividade pela frente-única da
classe operária levada à frente pelos trotskistas e outras organizações operárias e significou a
organização da auto-defesa proletária nos sindicatos e uma derrota da qual o integralismo nunca se
levantou no país. Fúlvio Abramo, militante veterano do trotskismo, ao relembrar em 1984 os seus
50 anos, referia-se ao 7 de outubro como o dia em que a cidade de São Paulo viveu 4 horas de
ditadura do proletariado.

Um aspecto menos debatido é influência que a FUA teve no interior do PCB. A primeira delas, diz
respeito a política na cidade de São Paulo, que posteriormente seria um fator de experiência a mais
nas rupturas posteriores do PCB:

“Em setembro de 1933, o Comitê Regional (CR) paulista do PC, através de Hermínio Sacchetta,
iniciou conversações com a FUA e, ainda que criticando os ‘trotskistas’, concordou em assinar
manifesto convocando os antifascistas a participar do comício de 14 de novembro de 1933.
Entretanto, ainda que participando da FUA e, portanto, descumprindo a orientação política nacional
do partido e do Comintern, o CR paulista tentava colocar-se como o orientador da frente,
esvaziando assim o caráter frentista da FUA.” [10]

Nos altos círculos do PCB, ao verificarem o peso da proposta da FUA na cidade de São Paulo,
orientavam o Comitê Regional a superar a “capitulação diante da frente única trotskista” propondo,
como uma contradição nos termos, a criação de uma frente de classe à margem daquela já existente
para, ao mesmo tempo, “romper com o sectarismo” e ganhar as massas. No interior do PCB
configurava-se uma disputa entre participar de uma frente única do proletariado e a conformação de
uma frente popular. Este processo, que culminaria finalmente na formação da Aliança Nacional
Libertadora, foi assim descrito pelos trotskistas:

“Os stalinistas, tomando uma posição cada vez mais oportunista, dissolveram a frente única num
amálgama confuso, abrangendo todos os terrenos e todos os objetivos do movimento operário, com
a criação da Comissão Jurídica e Popular de Inquérito, à base de adesões individuais e procurando
lançar mão do prestígio de certos nomes burgueses de destaque. [...] Desta vez a iniciativa de frente
única por parte dos stalinistas ainda tinha menos razão de ser, em face de sua política de apoio à
‘Aliança Nacional Libertadora’. Se eles fazem uma aliança orgânica com elementos da burguesia,
abandonando o seu programa por um programa nacionalista aceitável para estes elementos, a frente
única está substituída com isso pela fusão, por uma fusão em bases muito elásticas, suprimindo o
princípio marxista da luta de classes para abranger também a burguesia nacional”. [11]

As razões para tal virulência no ataque às posições do PCB tinham suas origens em uma questão
estratégica formulada pelos trotskistas: 1. a luta pelas tarefas democráticas nos países de
desenvolvimento capitalista atrasado seriam subproduto da luta de classe do proletariado, já que a
burguesia destes países não foi capaz de levar à frente as tarefas de sua própria revolução e 2. Na
conjuntura específica da década de 1930, os regimes democráticos, tanto dos países europeus, os
EUA, quanto do Brasil, erodiam-se nos preparativos da guerra mundial em regimes bonapartistas ou
fascistas. Desde modo, invariavelmente as tarefas do proletariado partiam da independência de
classe frente a burguesia ou às lutas entre as suas frações, mesmo quem em suas primeiras etapas
houvesse uma cisão uma fração “democrática” e outra fascista ou bonapartista.

Coube aos trotskistas ao mesmo tempo em que combatiam para manter a independência da classe
trabalhadora, incidir nos processos de reacomodação do PCB no período compreendido entre 1930-
1935, que se iniciou com crise do partido e a intervenção da Internacional Comunista (1930), e
passou por uma série de giros que oscilavam entre o esquerdismo e a conciliação de classes. Assim,
com o desenvolvimento, ou melhor, a superação da luta organizada pela FUA a partir do
surgimento da ANL, os trotskistas mantiveram a mesma postura de independência da classe
trabalhadora:

“Eis porque, cumprindo o nosso dever de lutar sob a legenda da Aliança Nacional Libertadora,
enquanto esta tiver realmente um caráter antifascista, queremos participar de toda e qualquer ação
revolucionária contra as hostes de Plínio Salgado, mas nunca deixaremos de mostrar as massas o
verdadeiro caminho; o caminho de Lenine e o não o de Chiang-Kai-Chek, o caminho da Revolução
Proletária e não o caminho da Revolução Nacional”. [12]

Nas páginas de A Luta de Classe se expressaram as primeiras críticas e análises sobre o movimento
da ANL – na verdade, uma análise bastante aprofundada, algo que a historiografia brasileira
demorou décadas para alcançar -, tanto no que diz respeito à dinâmica da passagem do ano 1934,
ano de greves proletárias e de grande atividade das massas, para 1935, ano no qual o PCB buscou
canalizar os setores ativos do proletariado para a política de conciliação de classes com a burguesia.
Em síntese: “Com antecedência de um ano estavam claramente postos todos os elementos da análise
que conduziriam às rebeliões de 1935” [13]

Deste modo, afirmavam os trotskistas sobre o desenvolvimento da situação e as propostas do PCB:


“A força motriz principal da revolução já não é o proletariado, mas a pequena burguesia. O
instrumento principal da revolução, da realização da aliança operária e camponesa, não mais o
partido da vanguarda proletária, o partido forjado por Lenin, o partido bolchevique, mas um
‘movimento’ de pequenos burgueses pela libertação nacional do Brasil, isto é, pela burguesia
nacional.

Essa fase começou em outubro do ano passado [1934], fazendo, da noite para o dia, uma reviravolta
de 180° e desmentido tudo o que vinha sustentando ainda na véspera, resolveu se fazer frente única
com as outras organizações políticas proletárias, por uma questão de simples oportunismo
eleitoralista, de um lado, e para cobrir a sua retirada, do outro.

Realizado esse objetivo, o stalinismo nacional procurou dissolver a frente única prévia, de partidos,
com objetivos concretos, imediatos, numa ‘frente popular’ onde cabem gato e cachorro, sem caráter
de classe, sem objetivo concreto, sem responsabilidade ideológica” [14].

A importância relativa da política proposta pelos trotskistas não reside na maior ou menor eficácia
em defender os princípios do marxismo, mas na relação que houve entre os processos de 1934, que
foram uma derrota importante do integralismo e o ano de 1935, que poderia significar uma derrota
importante do varguismo e, conseqüentemente, da ditadura do Estado Novo. Para nós, esta é a
correta analogia entre os dois processos da luta de classes, ou seja, que a tática da FUA deveria se
estender para uma luta generalizada contra o regime varguista.

A Aliança Nacional Libertadora, o PCB e o novembro de 1935

Em outro plano, além da elaboração estratégica os trotskistas buscaram dar conta da aplicação
concreta das concepções do PCB para além da análise do processo iniciado em 1930, tal como a
conformação do Bloco Operário e Camponês e, posteriormente, as ações de novembro de 1935. O
caráter destas críticas demonstravam que a orientação do PCB não era mais do que uma extensão
das suas concepções fundadoras e que ao longo do tempo se fundiram com a dogmática
estabelecida pela IC.

Assim, desde os inícios identificaram o BOC como uma “importação” da política da IC na segunda
revolução chinesa que foi o grande tema que alimentou os debates da cisão no movimento
comunista e que moldou o desenvolvimento de todo o pensamento de Trotsky e das organizações
solidárias aos seus pontos de vistas – em outras palavras, tratava-se da luta da “teoria da revolução
permanente” contra a “teoria do socialismo em um só país”.

Afirmava Aristides Lobo, importante orador do partido e que foi peça central na organização da
Liga Comunista, por ocasião da sua expulsão do PCB e realizando um balanço das concepções em
torno do BOC: “Foi ela a autora da monstruosidade Kuomintanguista e da “aliança política e
ideológica” com os militares rebeldes, a que chamava “pequena burguesia revolucionária”. Foi ele
que lançou o órgão confusionista “A Nação”, por meio do qual namorava o então general Luiz
Carlos Prestes, endeusando-o numa frente única com a imprensa burguesa oposicionista desse
tempo, e até procurando seduzi-lo com a promessa de o colocar entre os maiorais da burocracia
dirigente, caso ele assinasse a papeleta da adesão ao partido” [15].

O BOC levantava como consigna de agitação do proletariado no Brasil “Por um Kuomintang


brasileiro”, ou seja, desejava que houvesse uma reprodução dos acontecimentos chineses em nosso
país, não obstante a catástrofe que isso significou naquele país. Esta política da IC esteve para os
anos 1920 assim como as frentes populares estiveram para os anos 1930, ou seja, parte do princípio
de que a luta de classe entre o proletariado e a burguesia é uma chave secundária no interior do
processo revolucionário, de sua “primeira etapa”.

O cenário para o desenvolvimento da política do PCB com a ANL era uma extensão da experiência
do BOC, substanciada em torno da intervenção da IC no partido brasileiro. O PCB transformava a
anterior política do BOC, uma ilusão de frente-popular - segundo a própria IC no famoso
documento de 1930 [16] - e, também, uma antecipação da mesma política aplicada em distintos
países (Áustria, França e Espanha) posteriormente nos anos 1930, na tática central do partido via
ANL, recuperando ainda a “tragédia chinesa” [17]. Os trotskistas, antecipando em certo sentido a
derrota de novembro de 1935, afirmaram:

O que se processou na China na escala da tragédia, reproduz-se no Brasil, na escala da comédia. Se


o proletariado seguir os líderes pequeno-burgueses da Aliança Nacional Libertadora, se o
proletariado não lutar pelos seus próprios objetivos, a derrocada do regime capitalista, fará apenas o
jogo da burguesia, correndo atrás de um fracasso certo que, a não se processar tragicamente pelo
massacre, processar-se-á ridiculamente pela desmoralização das organizações operárias que
seguirem na cauda da Aliança Nacional Libertadora [18].

***

Os trotskistas foram os primeiros a realizarem uma análise do programa e da prática da ANL,


demonstrando que até 1937 o partido não desenvolvia outra “linha” que não aquela traçada como
mestra para a insurreição de 1935. O primeiro elemento de análise que buscamos é captar as
distintas temporalidades políticas que agiam no interior do partido, tal como demonstra Löwy, em
um dos textos historiográficos pioneiros sobre o período:

“Em certa medida, pode-se dizer que a insurreição fracassada de novembro de 1935 ocorreu num
momento de transição entre duas etapas da orientação do Comintern: representou, ao mesmo tempo,
um último vestígio do ‘Terceiro Período’ esquerdista (1929-1933) e o primeiro passo no caminho
da tática frente-populista que ira ser dominante a partir dessa época. O método de luta – insurreição
armada – pertencia ao período anterior; o programa moderado, democrático-nacional, anti-fascista,
anunciava já a nova linha” [19] Partindo deste ponto de vista, os documentos dos trotskistas
apontavam para esta combinação de um programa de conciliação de classes, baseando-se no fato de
que o “acidente insurrecional” poderia somente acelerar ou constituir-se como o prelúdio de uma
inevitável derrota do movimento de massas organizado em torno da ANL. A associação com a
segunda revolução chinesa, que apontamos anteriormente, reaparece em 1935, menos como
consigna central tal como figurava nos estandartes do Bloco Operário e Camponês, e mais
precisamente como a realização prática, no Brasil, de um movimento análogo.

Os trotskistas projetavam com precisão quais seriam os resultados da política do PCB, associando
esta questão ao problema estratégico das forças motrizes da revolução. Por ocasião do fechamento
da ANL em agosto, já prefiguravam a derrota, buscando imputar ao PCB o peso de principal força
dentro do movimento:

“O fracasso da direção foi absoluto e total. E desse fracasso vergonhoso foram igualmente
responsáveis tanto os ‘tenentes’ super-revolucionários da Aliança, como os grandes dirigentes de
massa do PCB, com o seu messias Luís Carlos Prestes. [...] Quanto aos estrategistas do stalinismo,
estes ficaram falando sozinhos. Não lhes adiantou a demagogia nacionalista e patrioteira em que
caíram e com que desmoralizaram a bandeira internacionalista do comunismo. A ANL está morta.
[...] Os estalinistas, de todos os elementos que aderiram à Aliança, foram os mais responsáveis pelo
seu fracasso, e foram os mais coerentes, tanto no oportunismo quanto no aventurismo. Luís Carlos
Prestes, dentro do campo da Aliança foi o maior fator da derrota”. [20]

Para os trotskistas, após 1934 o PCB jogava fora a perspectiva de um partido de classe para
construir a ANL, o que seria o prelúdio de uma derrota ainda maior. O balanço das ações de
novembro foi a confirmação:

“Como partido de vanguarda proletária o atual PC esta irremediavelmente condenado. O seu destino
preso para sempre ao do prestismo, é de prosseguir na política de confusão, de colaboração e de
aventura. Sem perspectiva de conquistar a legalidade, mesmo com o seu novo programa
vulgarmente democrático e nacionalista burguês, não lhe resta outro caminho do que enveredar
pelos desvãos do conspirativismo golpista. A perda de sua base proletária e seus ganhos, à direita,
entre elementos pequeno burgueses e militares, agravavam-lhe esta fatalidade”. [21]

Do ponto de vista das tarefas de partido, o grande giro da Oposição foi o chamado a construção de
novos partidos comunistas e uma nova internacional, após o março de 1933 na Alemanha. No
Brasil, estas tarefas de construção partidária não se colocaram desde este ângulo prático tão
fortemente antes da experiência da ANL. Se era certo que na Liga Comunista havia frações que há
muitos anos defendiam a construção de uma organização independente, esta tarefa continuou se
dando a partir da diferenciação ideológica e de experiências da luta de classes como a Frente-Única
Antifascista. Após 1935, com a destruição das organizações operárias, manter e fortalecer o partido
revolucionário eram as únicas vias do proletariado emergir para derrotar a ditadura varguista:

“O Partido stalinista quebrou a sua espinha no ‘putsch’ de novembro. Já não poderá voltar as suas
origens bolchevistas, porque seria desmentir-se a si mesmo, e contraria as diretivas do sétimo
congresso da Internacional Comunista stalinizado, o qual não foi mais do que o seu congresso de
dissolução, vindo consagrar a fusão com os reformistas da segunda Internacional, a política de
colaboração de classes, abandonando-se a luta pela revolução proletária a troco do apoio a governos
burgueses ‘democráticos’ para ‘evitar’ fascismo, a defesa nacional em regime capitalista e o social-
patriotismo”. [22] Também o ano 1935 encerrou, para os trotskistas, uma fase que, nos dois anos
subseqüentes, desenvolveu-se de maneira desigual e absolutamente privada da atividade pública, já
que em certos aspectos e, em particular para a classe trabalhadora e os partidos operários, já se
iniciava o Estado Novo.

A Oposição Classista do PCB (1935-1936)

A linha do PCB para a ANL e, em particular, para a insurreição de novembro não foi compartilhada
por distintos setores de importância no partido, sendo o mais notável deles o ex-secretário geral
antes de Miranda, Heitor Ferreira Lima [23].

Contudo, as mais valiosas críticas sobre o processo político de novembro foram aquelas que se
constituíram em torno da Oposição Classista do PCB. Esta fração é mais conhecida pelo episódio de
Alberto Besouchet, um tenente comunista que foi lutar na Guerra Civil Espanhola e lá assassinado
pela GPU com fortes indícios de colaboração direta do PCB.

Embora Alberto não formasse parte dos quadros da OC, todos os seus irmãos eram membros e
juntos foram expulsos do partido [24]. Antes de partir para a Espanha, os trotskistas publicaram
uma carta sua que embora não fosse ‘trotskista’ foi interpretada enquanto tal, principalmente pela
relação política e pessoal que possuía com os irmãos e pelo chamado a uma Espanha proletária.

Eram também membros da fração Barreto Leite Filho e Febus Gikovate e em uma primeira carta de
novembro de 1935, estes militantes refletiam as conseqüências políticas e estratégicas das opções
do PCB, questionando os próprios fundamentos da consigna “Todo poder à ANL” e se
aproximavam das posições dos trotskistas:

“Estamos informados que o partido prepara, de comum acordo com Prestes e numerosos militares e
políticos burgueses e pequeno-burgueses, um golpe de quartel para as próximas semanas.
Consideramos isso um erro aventureirista que poderá trazer conseqüências mortais para a revolução
e instalar por anos inteiros a mais negra reação no Brasil, com o desmantê-lo completo das
organizações operárias”. [25]

Em documento mais conhecido, Barreto Leite Filho desenvolve outros aspectos da crítica à política
do PCB, concluindo que se tratava de “um golpe à revelia das massas”:

“A nossa ascendência sobre o movimento de massas diminui de modo nunca visto. O movimento
camponês, apesar de muita bravata que se conta, está em um atraso lamentável. E, segundo é
corrente entre os militantes mais informados, o Partido prepara aceleradamente, através da incrível
mais conspiração, um golpe militar para dentro de poucas semanas. Das antigas grandezas, só uma
coisa resta: a armação militar para o motim. Mas esse motim não terá uma participação nem sequer
deficiente das massas”. [26]

O Partido Operário Leninista, organização fundada após da LCI, é subproduto direto desta fusão.
Em seu processo de constituição a Liga Comunista passou a incorporar um elemento analítico
ausente nas elaborações anteriores ao novembro de 1935, especificamente sobre a diferenciação
ideológica das frações formadas no PCB, num primeiro momento provocando uma forte resistência
às políticas do partido e, posteriormente, expulsões sumárias.

A importância da Oposição Classista é ter antecipado a diferenciação ideológica dentro do PCB em


torno das forças motrizes da revolução brasileira, tema fundamental da cisão em 1937 (Sacchetta), a
mais importante cisão do comunismo no Brasil.

A fundação do POL, o Estado Novo e o movimento operário

O reagrupamento de setores de vanguarda era conseqüência, na visão dos trotskistas, da necessidade


de superar o PCB após as derrotas de 1935, que condenou esse partido como instrumento da
vanguarda dos trabalhadores e não poderia forjar uma verdadeira resistência ao varguismo.

Assim, havia uma relação indissolúvel entre os as derrotas do proletariado nos processos anteriores
da luta de classes e a ascensão do Estado Novo, que se realizava no interregno dos anos 1935-1937.
De acordo com os documentos do POL, não era possível compreender o processo ocorrido no
movimento operário sem notar que um corte cindia uma incipiente ascensão das lutas proletárias.
Afirmavam ainda, sobre a “união entre duas etapas distintas” que:

“A LCI, cuja justeza de linha revolucionária vinha sendo comprovada por uma série de
acontecimentos não só nacional, como internacionalmente, transformou-se no Grupo Bolchevique-
Leninista, como passo inicial no sentido do reagrupamento da vanguarda revolucionária. Assim, o
GBL representou no momento histórico o traço de união entre duas etapas distintas. Enquanto os
stalinistas, partidários do ‘socialismo num só país’ seguiam a todo o vapor no caminho da morte da
revolução internacional, adotando após o mais extremado sectarismo, uma política absurda de
conciliacionismo com a burguesia, os bolcheviques-leninistas, lutando a um só tempo contra as
calúnias e mistificações do stalinismo e a reação brutal da classe inimiga, recolocaram o problema
da revolução dentro dos fundamentos do socialismo científico, ou seja, da luta de classes”. [27] Em
um primeiro momento, os trotskistas indicavam um balanço da situação nacional: 1. Houve, a partir
de 1934, uma abrupta ascensão industrial, que acelerou o processo de diferenciação política das
classes dominantes que foi interrompido em 1935 após a insurreição da ANL; 2. Durante o processo
repressivo contra o proletariado inicia-se novamente este processo que tem como subproduto a
abertura do início de 1937 [28]; 3. Mesmo sem a intervenção do proletariado como classe, o
processo que se desenrola era assim demonstrado nas palavras de A Luta de Classe sobre a
campanha eleitoral:
“A participação da massa trabalhadora na campanha eleitoral, embora a reboque da burguesia, a
forma violenta da luta contra o integralismo, o aparecimento de um grande número de organizações
e, ainda que objetivos confusos, mostravam claramente que se estava processando um
amadurecimento político rápido no seio da massa.” [29]

No mesmo jornal, buscavam ligar o processo apreendido a partir da dinâmica das classes com a
derrota de 1935, indicando que a política empreendida pelo PCB era a principal responsável por tal,
assim como, por exemplo, na Espanha:

“Os últimos acontecimentos, que se desenrolaram com uma rapidez vertiginosa, criaram uma
situação que nos impõe tarefas árduas e difíceis. [...] Não encontrando em sua frente um
proletariado organizado e com consciência de classe, capaz de arrastar as massas trabalhadoras do
campo e da cidade, Getúlio não teve grandes dificuldades na realização do golpe de estado
bonapartista e na instauração de um regime fascista. Só o proletariado poderia ter impedido o golpe
de estado e só o proletariado será capaz de derrubar o regime fascista instituído em 10 de novembro.
” [30]

Desta maneira, o POL definia o seu trabalho como um pólo de reagrupamento político dos
trabalhadores, sem que deixasse de compreender que o caráter da etapa pelo Estado Novo era
bastante distinto dos regimes instáveis que se seguiram após 1930: “Grande número de fatos
permite prever, como hipótese mais provável, uma relativa estabilização, mais ou menos duradoura,
da atual situação política.” [31] Em outro plano, escrevia a caminho exílio Mário Pedrosa, um
pouco na contramão das atuais análises historiográfica que resumem o POL a uma agrupação
secundária, quando na verdade se trata de compreender as particularidades de sua ação política,
assim demonstrada:

“Estamos aqui concordes que o golpe [de] Getúlio abriu uma nova fase no desenvolvimento da
situação. Num certo sentido, comparável ao que se passou na Alemanha com o advento de Hitler:
isto é, é preciso começar tudo de novo. O PC, que já estava em agonia, volatilizou-se, e aqui as
perspectivas de renascimento são muito menores, tendo em vista a situação geral do mundo e a
decadência pronunciada da IC. Não há tradições teóricas e organizatórias ponderáveis. Nós
poderemos assim nos manter, e aproveitar o tempo para criarmos os primeiros quadros, isto é, tarefa
propagandística e educadora em primeiro lugar. A fase de estabilização relativa, diante de nós, e a
profunda derrota e depressão sofridas impõem a todos nós começar tudo outra vez do começo. Mas
agora com maior experiência e maior concentração de esforços.” [32]

A crise do PCB (1937-1938)

A análise política e estratégica dos trotskistas reverberou também na luta de frações dentro do PCB,
a última e mais importante desde a sua fundação, considerados os seus primeiros 20 anos de
existência. Toda a narrativa anterior encerra-se, por assim dizer, nos registros da luta de frações
entre a direção nacional do PCB e o Comitê Regional de São Paulo, em um período muito antes
desta fração se dividir tendo finalmente uma das suas alas aderido ao trotskismo. Por exemplo, no
documento escrito por Hermínio Sacchetta após o comunicado de expulsão do PCB, afirmava,
retomando praticamente todo o teor das análises dos trotskistas:

“Recurso que demonstra a fraqueza de suas posições, a sua absoluta incapacidade de argumentar no
terreno doutrinário-político e, sobretudo, o indiscutível fracasso de suas ‘teses’ oportunistas
esmagadas pelos acontecimentos que culminaram com o golpe de estado de 10 de novembro” [33]
Outro membro histórico do PCB que, no entanto, acompanhava o partido em constantes processos
de reaproximação e posteriormente abandonou a militância prática, Leôncio Basbaum, notava que:
“O que estava na ordem do dia não era mais a Revolução Proletária, os trabalhadores unidos aos
camponeses, a famosa ‘Aliança’ de que falava Lenine. Falava-se agora numa ‘democracia liberal’,
numa aliança com, a burguesia, em luta pela industrialização que ‘provocaria a reforma agrária’
[...]. Todo o ano de 1937 foi de discussão em torno desse tema: quem faz e dirige a revolução
democrático-burguesa? Com quem deveríamos fazer aliança, com a burguesia ou com os
camponeses? Ou com as classes médias? Fora disso, fazíamos propaganda da candidatura de José
Américo, até que a 10 de novembro Getúlio deu o golpe e fechou o Congresso”. [34]

Inicialmente, os trotskistas acompanharam passo a passo a luta de frações, já se estendeu por todos
os Comitês Regionais do PCB e, por alguns momentos, a ala de Sacchetta tendia a tomar o controle
do partido – por um período também o jornal A Classe Operária, edição nacional, saiu sob a direção
do CR-SP.

As primeiras análises do POL demonstravam as contradições presentes na ala dissidente, o que


futuramente iria se confirmar na ruptura entre membros que permaneceram no PCB, como Heitor
Ferreira Lima, e outros que rumaram para o trotskismo, o próprio Sacchetta como ator central e
Rocha Barros.

Os meses seguintes representaram um desenvolvimento da fração do CR-SP chegando ao


questionamento das forças motrizes da revolução, o balanço dos acontecimentos de 1935 e
finalmente da identificação da política do PCB com todo o arcabouço da Internacional Comunista
nos anos 1930. É assim que na “Resolução do CR de São Paulo do PCB” de março de 1939, que
expulsava a fração, todos os argumentos giravam em torno da adesão destes às idéias trotskistas.

Isto foi subproduto de uma ação sustentada defendida no interior do POL pelo menos desde janeiro
de 1938. Em documento de Febus Gikovate, de janeiro de 1938, afirmava:

“A atual luta de grupos no seio do stalinismo é sem dúvida conseqüência das fragorosas derrotas
sofridas ultimamente e acarretadas pela política de traição da burocracia do PCB. Mas indica no
mesmo tempo que, apesar do baixo nível ideológico dos militantes stalinistas, nem tudo está
irremediavelmente podre e corrompido nas hostes do PC. O vulto da cisão e a extrema
combatividade de seus componentes, permite prever a evolução possível de muitos centristas de
hoje, para posições claramente revolucionárias. Esta evolução não se dará, em hipótese alguma,
espontaneamente. Os que lutam hoje nas fileiras do PCB contra a atribuição à burguesia do papel
dirigente na revolução e contra a teoria do imperialismo democrático não estão em condições de
tirar por si só todas as conseqüências das posições que defendem”. [35]

Finalmente, a luta de frações no PCB foi influenciada diretamente pela elaboração teórica e política
dos trotskistas. Após a expulsão da ala de Sacchetta, quase que automaticamente constituiu-se um
comitê para reagrupar a vanguarda, que contava basicamente com o CR-SP e o POL, tendo fundado
o PSR no ano de 1939, encerrando neste momento a história da primeira geração de trotskistas no
Brasil, que durante os anos 1940 seguiriam por projetos diversos aos da Quarta Internacional.

São Paulo, dezembro de 2009

ANEXO – Guia sobre as cisões do PCB e o trotskismo nos anos 1930

1. PCB - As crises do partido e as primeiras rupturas (1928 – 1930)


Cisão Joaquim Barbosa, 1928; Rodolfo Coutinho e Mário Pedrosa e a Oposição Internacional,
Cisão Grupo Comunista Lênin, 1929, formação da Oposição Internacional de Esquerda como fração
da Internacional Comunista, 1930.

2. Grupo Comunista Lênin, a 1ª tentativa política e organizativa e acerto de contas teórico (1930 –
1931)
Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil (Mário Pedrosa e Lívio Xavier),
1931.

3. Liga Comunista (1931 – 1933)


1ª. Conferência Nacional (funda LC), formação do movimento por uma nova internacional, 1933;
ação prática no movimento operário (União dos Trabalhadores Gráficos – RJ/SP).

4. Liga Comunista Internacionalista (1933 – 1936)


Frente Única Antifascista, Coligação de Sindicatos, Coligação das Esquerdas, 1934. Crise
organizativa em 1935 (tournant francês); ruptura do núcleo dirigente Pedrosa-Xavier, primeira
conferência do mov. pela IV Internacional, 1936.

5. PCB – Sob a bandeira da Aliança Nacional Libertadora (1935)


Cisão Oposição Classista, 1935/6, núcleo LCI –SP (Hilcar Leite).

6. Partido Operário Leninista (1937 – 1939)


Fusão de LCI e Oposição Classista; em curso a luta fracional no CR-SP (PCB); Comitê pelo
reagrupamento da vanguarda revolucionária no Brasil (organização prévia à fundação do PSR),
fundação da IV Internacional, 1938.

7. PSR, 1ª fase (1939 – 1943)


Fusão de POL e CR-SP (PCB) ou cisão Sacchetta; cisão na IV Internacional (Pedrosa) representa
fim da primeira geração (obs. Reagrupa-se no pós-guerra jornal Vanguarda Socialista e PSB).

Principais militantes: Mário Pedrosa, Lívio Xavier, Rodolfo Coutinho, João Dalla Déa, João da
Costa Pimenta, Wenceslau Escobar Azambuja, Benjamin Péret, Aristides Lobo, Plínio Gomes de
Mello, Fúlvio Abramo, Lélia Abramo, Salvador Pintaúde, Victor de Azevedo Pinheiro, Manoel
Medeiros, Febus Gikovate, Barreto Leite Filho, Augusto Besouchet, Hermínio Saccheta, Alberto
Rocha Barros, Edmundo Moniz, Hilcar Leite.

Luis Siebel é diretor das Edições ISKRA e dirigente da LER-QI.


[1] Trata-se do documento por ele redigido intitulado A Terceira Internacional depois de Lênin
(1929).M Sobre o processo de fundação da QI ver SIEBEL, L. As origens da Quarta Internacional
no Brasil in Revista Iskra no. 2, São Paulo, novembro de 2009.

[2] TROTSKY, L. O único caminho in Revolução e Contra-Revolução. Rio de Janeiro, Laemmert,


1968, pág. 342.

[3] Ao Secretariado Internacional Provisório. Rio de Janeiro, 20/04/1930. Fundo Lívio Barreto
Xavier, cópia datilografada (Acervo Cedem).

[4] BROUÉ, P. O movimento trotskista na América Latina até 1940, pág 175, Caderno AEL no.
22/23, 2005. Ressaltamos que outro estudo comparativo, afirmava que “A organização trotskista
politicamente mais forte neste período é, sem dúvida, a do Brasil”, COGGIOLA, O. O trotskismo
na América Latina. São Paulo, Brasiliense, 1984, pág. 30.

[5] Conf. COGGIOLA, O. O trotskismo no Brasil (1928-1964) in MAZZEO, A.C. e LAGOA, M. I.


(orgs.) Corações Vermelhos. Os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo, Cortez, 2003.

[6] KAREPOVS, D., MARQUES NETO, J. C. e LÖWY, M. Trotsky e o Brasil in MORAES, J. Q.


(org.) História do Marxismo no Brasil, vol. 2: Os influxos teóricos, pág. 235.

[7] Nossos Propósitos, A Luta de Classe, no. 1, maio de 1930 (Acervo Cedem).

[8] Aos trabalhadores do Brasil, Boletim da Oposição. No. 1, Janeiro de 1931 (Acervo Cedem).

[9] Manifesto da Frente Única Antifascista ao povo do Brasil, São Paulo, 14/07/1933.

[10] CASTRO, Ricardo Figueiredo de A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no


Brasil (1933-1934) Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 354-388.

[11] O Fracasso da política de frente única e os responsáveis por ele, O Proletário, no. 1º Maio de
1935 (Acervo Cedem).
[12] O Dever dos comunistas no movimento da Aliança Nacional Libertadora, A Luta de Classe no.
25, junho de 1935 (Acervo Cedem).

[13] PINHEIRO, P. S. Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. São Paulo,
Companhia das Letras, pág. 279.

[14] A Aliança Nacional Libertadora e a confusão do movimento operário, A Luta de Classe, no.
25, 25 de Junho de 1935 (Acervo Cedem).

[15] LOBO, Aristides Carta aberta aos membros do Partido Comunista, folheto impresso, 4 pág
(Acervo Cedem).

[16] Este documento marcou o início de uma transição do núcleo dirigente fundador do PCB
(Astrojildo e Brandão) para a “stalinização”, condenando o Bloco Operário e Camponês. Após a
derrota da classe operária na Alemanha em 1933 e a ascensão do fascismo, a IC operou um “giro à
direita” com a política das frentes-populares, aproximando-se das próprias formulações do PCB nos
anos 1920.

[17] Dirigentes do PCB explicitaram a nova analogia política ANL-Kuomintang no Sétimo


Congresso da Internacional Comunista. Sobre a relação do Bloco Operário e Camponês com a
questão chinesa pode-se consultar o trabalho extensivo de KAREPOVS, Dainis A Esquerda e o
Parlamento no Brasil: o Bloco Operário e Camponês, 1924-1930. Tese de Doutorado, USP, 2001.

[18] A Luta Contra o imperialismo, A Luta de Classe. no. 22, abril de 1935 (Acervo Cedem).

[19] LÖWY, M. Do movimento operário independente ao sindicalismo de Estado, 1930—1945 in


Introdução a uma história do movimento operário brasileiro no século XX. Belo Horizonte, Vega,
1980, pág. 42.

[20] O fracasso da ANL e as tarefas da vanguarda operária, A Luta de Classe, no. 26, agosto de
1935 (Acervo Cedem).

[21] O desastre de novembro e o naufrágio do stalinismo e do prestismo, A Luta de Classe, no. 28,
abril de 1936 (Acervo Cedem).

[22] Idem.

[23] Conf. LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos percorridos: memórias de militância. São Paulo,
Brasiliense, 1982, pág. 180.

[24] Conf. A Classe Operária, no. 196, Rio de Janeiro, 25 de Dezembro de 1935, pág. 7 (Acervo
Cedem).

[25] BESOUCHET, Augusto e outros. Carta aberta ao Bureau Político do CC do PC do Brasil, Rio
de Janeiro, 20/11/1935. Original datilografado, 6 pág, Arquivo DOPS-RJ.

[26] Carta de Barreto Leite Filho a Prestes, Rio de Janeiro, 26/11/1935 in VIANNA, Marly de
Almeida Gomes (org.) Pão Terra e Liberdade. Memória do movimento comunista de 1935. Rio de
Janeiro, Arquivo Nacional, 1995, pág 149.

[27] Idem.

[28] Desenvolvidos no documento A situação nacional, CC Provisório do POL, junho de 1937,


Original Datilografado, 20 pág.

[29] O golpe de estado bonapartista, A Luta de Classe no. 34, dezembro de 1937 (Acervo Cedem).

[30] Editorial A nova fase da A Luta de Classe, A Luta de Classe, no. 34, dezembro de 1937
(Acervo Cedem).

[31] Idem. O Estado Novo começou a ruir no início da década de 1940 no contexto da Segunda
Guerra-Mundial, ainda que a força de Vargas tenha se mantido até a sua morte na década de 1950.
Este período da história brasileira mantém uma série de traços até hoje.

[32] Carta de Mario Pedrosa a Lívio Xavier, Rio de Janeiro, 03/12/1937 (Acervo Cedem).

[33] SACCHETTA, Hermínio Carta Aberta a todos os Membros do Partido, Rio de Janeiro, Janeiro
de 1938 in O Caldeirão das Bruxas e Outros Escritos Políticos. Campinas, Pontes, Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1992, pág. 59.

[34] BASBAUM, Leôncio Uma Vida em Seis Tempos: Memórias. São Paulo, Alfa-Omega, 1976,
p. 165.

[35] Carta circular de Febus Gikovate [Andrade], secretário do CC Provisório do POL, São Paulo,
15 de janeiro de 1938, original datilografado, 3 pág (Acervo Cedem).

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