Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
1. Introdução
O Islamismo é uma das três religiões monoteístas existentes no planeta. Sua origem remonta
ao século VII na Península Arábica, entretanto, os muçulmanos veem sua religião como uma
restauração do monoteísmo original praticado por Abraão, tendo Deus escolhido Muhammad para
ser o último mensageiro e profeta a ser enviado aos seres humanos.
Os muçulmanos não veem o Islã apenas como uma religião, mas como um modo de vida que
integra todos os campos existentes, incluindo a questão ambiental. No Islã, a integração dos seres
humanos com o meio ambiente é norteada pela doutrina de que os primeiros são “califas” de Deus na
Terra, isto é, são vice regentes ou mordomos responsáveis pela administração do capital natural do
planeta a fim de que possam ser utilizados pelas gerações futuras (AMERY, 2010). Percebe-se,
portanto, que o conceito de sustentabilidade já estava contido na doutrina islâmica desde seus
primórdios.
Nas últimas décadas, acompanhando os estudos sobre os efeitos da ação antrópica no
ambiente natural, vem aumentando o número de ambientalistas muçulmanos que afirmam ter o Islã
uma solução de paradigma para a questão ambiental, incluindo os problemas relativos à água (DIEN,
2010). Nos meios acadêmicos europeus e norte-americanos já se fala em uma eco-teologia, isto é, um
discurso ambiental global que conecta temas ecológicos com a ética islâmica (ISLAM, s/d), cujos
fundamentos repousam sobre o Alcorão e os registros dos ditos e feitos do Profeta Muhammad – a
Suna.
No rastro do eco-Islã e também por conta dos gravíssimos problemas ambientais enfrentados
nos países de maioria muçulmana, sobretudo no Oriente Médio e norte da África, estudiosos de
diversas áreas do conhecimento tem voltado seus interesses para o passado da civilização islâmica
numa tentativa de resgate de soluções éticas e técnicas para a sustentabilidade de um dos mais
problemáticos ecossistemas existentes: os urbanos, pois a maior parte da população desses países
vive em grandes cidades.
São muitas as razões que explicam a formação de império tão vasto em um curto espaço de
tempo, pois a maior parte das terras conquistadas já havia sido integrada pouco mais de cem anos
após a morte de Muhammad (figura 1). Entre as razões podemos citar que os árabes eram uma força
organizada com habilidades e experiências militares, o fervor da convicção de que estavam
espalhando a verdadeira religião de Deus, o fato dos Impérios Bizantino e Sassânida estarem
enfraquecidos por causa de muitas guerras e de epidemias e o fato de, nas áreas dominadas,
manterem a segurança, a paz e impostos razoáveis, permitindo que cristãos e judeus continuam-se
praticando suas religiões e seus negócios (HOURANI, 2006).
Nos territórios conquistados e anexados ao Império Islâmico estão inseridos boa parte dos
biomas com menor disponibilidade de água do planeta: os desertos do Saara e da Arábia, e o bioma
mediterrâneo (extremo norte africano e sul da Europa).
O bioma desértico pode ser definido como uma área que perde mais água por meio da
evapotranspiração do que ganha com a precipitação. Um lugar é considerado árido quando recebe
menos de 500 milímetros de precipitação no ano e os desertos do Saara e arábico recebem menos de
250 milímetros por ano (SILVEIRA, 2003). Outro fator que contribui para a existência dos desertos
é a irregularidade das chuvas e, devido à falta de umidade, há uma grande variação anual e diária da
temperatura (amplitude térmica). De acordo com Miller (2008) os desertos citados são classificados
como tropicais: têm pouquíssimas plantas (as existentes são do tipo xerófitas), animais com
qualidades próprias de adaptação (sendo o camelo o mais utilizado pelos seres humanos) e uma
superfície áspera, castigada pelo vento e coberta por areia e pedras, resultantes da erosão eólica.
3
Além dos pontos citados, que regulamentavam o macro, a nível micro (bairro e vizinhança)
a lei previa o Qawa’id fiqhiyya, definida como uma regra geral estabelecida pelos juristas e que era
aplicada aos particulares, também definida como uma regra abrangente, que se aplicava aos vários
níveis de uma determinada situação ou problema (AL-HUSSAINI, 2005; HAKIM, 2010).
Os cinco princípios mais importantes do Qawa’id e que influenciaram no ambiente
construído são:
La darar wala dirar: não prejudicar os outros e não sofrer prejuízo (princípio norteador
de toda a lei).
Al-umur bi-maqasidiha: os assuntos são determinados pelas suas intenções.
Al-yaqin la yazul bi-l-shakk: a segurança não é removida pela dúvida.
Al-mashaqqa tajlib al-taysir: a dificuldade vem com o alívio (no sentido de socorro,
ajuda).
Al-ada muhakkima: o costume tem o peso da lei (contanto que não contradiga os
princípios revelados no Alcorão e na Suna).
A lei também destaca cinco direitos do proprietário de um ambiente construído, que são:
Liberdade para agir, contanto que não seja causado dano às propriedades adjacentes de
terceiros – a chamada ibaha – liberdade que é limitada pelo que é proibido (haram).
Direito de precedência, isto é, o respeito às construções feitas anteriormente. Se uma
pessoa construir uma estrutura adjacente a uma já existente, deverá ter cuidado com a
questão da privacidade de seu vizinho.
A pessoa que primeiro constrói tem o direito de controlar sobre as realizações do
próximo construtor.
Um vizinho tem o direito ao abut, isto é, construir ao lado de uma parede já existente,
contanto que não cause danos à parede vizinha ou à estrutura da construção. Já que as
casas nas cidades muçulmanas foram construídas ao redor de um pátio, que provê luz e
ar, tal direito facilitou o ajuntamento das construções.
O acesso a um edifício é feito através de um espaço chamado fina (ou harim),
aproximadamente 1 a 1,5 metros de largura ao redor da parede exterior do edifício,
sendo que o espaço também se estende verticalmente, contanto que não atrapalhe o
tráfico de cargas, animais e pessoas (HAKIM, 2010).
Desta forma, se pode colher da revelação corânica e da Suna os princípios e critérios para a
boa convivência entre os habitantes desse ecossistema urbano específico (cidades muçulmanas
tradicionais) e sua sustentabilidade, entendida do ponto de vista islâmico como a realização
7
Os ecossistemas urbanos fazem parte do conjunto maior dos ecossistemas terrestres. Sua
principal característica é a forte presença da atividade humana transformando o ambiente natural que,
neste caso, não é perfeitamente adequado à vivência humana por causa da grande aridez. Além da
xaria, um conjunto de técnicas, procedimentos e inventos foram postos em práticas pelos habitantes
desse ecossistema, em particular para que pudessem alcançar um nível de conforto ambiental
adequado às suas necessidades.
Existem diversos ecossistemas urbanos por causa de suas particularidades históricas,
socioeconômicas e culturais, sendo que o diferencial que distingue as cidades muçulmanas
tradicionais dos demais ecossistemas é a semelhança morfológica resultante da xaria.
Edifícios e ruas tinham uma forma compacta nas cidades muçulmanas tradicionais. Os
objetivos principais eram criar grandes espaços de sombra e evitar que o ar quente e as tempestades
de areia entrassem nos mesmos. Para que pudessem ter algum conforto em meio ao ambiente árido
certas diretrizes foram estabelecidas (GOOD, s/d apud BELKACEM, 1982; EL-SHORBAGY, s/d):
Localização e orientação das estruturas para tirar partido do sol, vento e água.
Utilização de materiais tradicionais para proporcionar isolamento térmico natural:
terracota, tijolo, madeira e cal.
Espaços interiores das casas organizados para minimizar a troca de calor com o
ambiente externo.
Pátios internos abertos onde eram plantadas árvores frutíferas e plantas ornamentais,
além da instalação de fonte d’água com o objetivo de refrescar o ar quente nos verões e
trazer certa umidade em todas as estações.
Casas de construção introvertida, pois o pátio é o elemento central da casa e os
cômodos são dispostos ao seu redor.
Presença de torres (malqaf) nos telhados ou terraços das casas para a captação do vento
(ar frio) e eliminação/expulsão do ar quente.
6.1. O waqf
Como foi dito, os biomas de deserto e mediterrâneo apresentam escassez de água. Esta é
encontrada em aquíferos subterrâneos, lençóis subterrâneos, cursos de água intermitentes, oásis
(trechos dos lençóis subterrâneos que atingem a superfície) e em alguns rios perenes, como o Nilo, o
Tigre e o Eufrates (SILVERIRA, 2003).
Uma das soluções encontradas para a captação da água que seria utilizada nas cidades e no
campo (irrigação) foi a construção de qanats, invenção persa apropriada pelos muçulmanos e
divulgada por estes em toda a área do Império Islâmico. Mais tarde, depois da conquista espanhola
sobre a América, o mesmo princípio foi aplicado nas colônias.
Os qanats, mistura de poço com aqueduto, são túneis horizontais de baixa declividade,
escavados nas montanhas para captar a água infiltrada. Os túneis têm aberturas na superfície que
variam entre 0,60 a 1,20 m e a abertura que vai da superfície ao túnel varia entre 1,20 a 2,10 m. Tais
túneis são curtos, tendo em média de 5 quilômetros de extensão. Entretanto, há grandes qanats que se
estendem por 40 e 50 quilômetros (VILLIERS, 2002; BERNABÉ, 2006). A baixa declividade serve
para que a água possa fluir até seu destino somente pela gravidade. Como o sistema ocorre alguns
metros abaixo da superfície, a água é protegida da evaporação provocada pelo sol.
8. Considerações finais
9. Referências bibliográficas:
ABU-LUGHOD, J. L. The Islamic city – historic myth, Islamic essence and contemporary relevance.
International of middle east studies, v. 19, n. 2, maio, 1987. Disponível em:
<http://links.jstor.org/sici?=0020- 438%28198705%2919%3A2%3C155%3ATICMIE%3E2.0.CO
%3B2-R. > Acesso em: 20 nov. 2010.
ABUMOGHLI, I. Sustainable development in Islam. In: THE CANADIAN LEARNED SOCIETIES
CONFERENCE, 1992. Disponível em:
<http://waterwiki.net/images/8/85/Sustainable_Development_in_Islamic_Law-
yad_Abumoghli.doc>. Acesso em: 7 julho 2010.
AL-HUSSAINI, D. et al. Legislation and the built environment in the Arab Muslim city. Centerfor
the Study of the Built Environmnent, 2005. Disponível em:
<http://www.csbe.org/e_publications/arab-muslim_city/index.htm>. Acesso em: 13 nov. 2010.
AMERY, Hussein A. Islam and the environment. The International Developement Research Centre.
Disponível em: < http://www.idrc.ca/en/ev-93950-201-1-DO_TOPIC.html>. Acesso em: 7 jul. 2010.
10
AQUINO, Rubim et al. História das sociedades: das sociedades antigas às sociedades medievais.
Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989.
BARNABÉ, Alberto Evaristo. Utilização sustentável de água subterrânea como forma de ganho de
competitividade e disponibilização de recursos hídricos para a população. Dissertação de mestrado
apresentada à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Disponível em:
http://www.peamb.eng.uerj.br/producaolinha.php?linha=1&aed=0. Acesso em 16 janeiro 2011.
DEEN, Izzi. Islamic environmental, ethics, law and society. Disponível em:
<http://www.mbcru.com/Texas%20Tech%20Mypage/Conservation%20Biology/Assigmnet
%202/IzziDeenIslamicEcol.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2010.
EL-SHORBAGY, ABDEL-MONIEM. Traditional islamic-arab house: vocabulary and syntax.
International Journal of Civil & Environmental Engineering. Jedah, v. 10, n. 4, [s.d.]. Disponível em:
< http://www.ijens.org/104104-3838%20IJCEE-IJENS.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2010.
GOOD, Dion. The middle eastern Islamic city: type and morphology. Disponível em:
<http://bss.sfsu.edu/guo/geog%20432/Aeticles/GoodMECitiesPaper.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2010.
HAKIM, Besim S. The generative nature of Islamic rules for the built environment. International
Journal of Architectural. v 4. , n. 1, mar. 2010. Disponível em:
<https://archnet.otg/gws/IJAR/10502/files_10281/4.1.14-b.%hakim%20208-212.pdf>. Acesso em:
14 jun. 2010.
HOTEIT, A.Y. Cultura, espacio y organización urbana em La ciudad islâmica. In: Cuadernos de
Investigacíon Urbanística. Madrid: Instituto Juan de Herrera, 1993. Disponível em:<
http://www.aq.upm.es/out>. Acesso em: 28 nov. 2010.
HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
LAMAND, Francis. La charia o ley islâmica. In: Islam – civilizacíon y sociedades. Madrid: Siglo
XXI de España Editores, 1994. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?
id=rCofd298CXEC&pg=PA27&dq=La+charia+o+ley+islamica&hl=pt-BR#v=onepage&q=La
%20charia&20o%20ley> Acesso em: 20 jul. 2010.
LAMAS, José M. Ressano Garcia. Morfologia urbana e desenho da cidade. Porto: Fundação
Calouste Gulbenkian; Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 2004.
MILLER, G. Tyler. Ciência ambiental. São Paulo: Cengage Learning, 2008.
MORAN, E. F. Adaptabilidade humana: uma introdução à Antropologia Ecológica. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 1994.
SHINAQ, Mazen Suleiman. La ciudad musulmana y la influencia del urbanismo occidental em su
conformacíon. In: Cuadernos de Investigacíon Urbanística. Madrid: Instituto Juan de Herrera, 2001.
Disponível em: < http://www.aq.upm.es/out>. Acesso em: 6 nov. 2010.
SILVEIRA, Ieda. A geografia da gente: água, meio ambiente e paisagem. São Paulo: Ática, 2003.
VILLIERS, Marq. Água. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
11