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Definitive formation of the tax credit and prosecution for tax evasion
Resumo
Este artigo tem o objetivo de analisar se o crédito tributário deve necessariamente estar
definitivamente constituído para que haja justa causa nas ações penais movidas em face de
delitos de sonegação fiscal. Para atingir este desiderato abordamos questões penais e
processuais penais tais como o significado da sonegação, os tipos penais envolvidos e os
requisitos para a propositura da ação penal entre os quais as condições de procedibilidade, a
justa causa e as questões prejudiciais externas. Dentro deste contexto, também são analisadas
as funções extrapenais da ação penal por sonegação fiscal, entre as quais a de reforço da
execução fiscal e de proteção à livre concorrência.
Abstract
This article aims to examine whether the tax credit must necessarily be definitely constituted
so that there is just cause in criminal cases brought against tax evasion offenses. To achieve
this goal we address criminal or procedural issues such as the meaning of evasion, criminal
types involved and the requirements for the bringing of criminal proceedings including the
conditions of admissibility or “procedibilidade”, the just cause and preliminary questions.
Within this context, are also analyzed non-criminal functions of prosecution for tax evasion,
including the strengthening of judicial recovery of taxes and protection of free competition.
Key words: tax credit, definitive constitution, tax evasion, criminal proceedings
1. Introdução
O interesse de agir espelha a utilidade do processo para o autor da demanda e esta é útil
quando for necessária e adequada. O processo penal é sempre necessário quando houver crime por
causa do princípio nulla poena sine iudicio, já que não há outro meio de se aplicar a pena criminal. Já
a adequação apenas não estará presente quando o autor se valer de uma ação inapta no lugar de outra
apta para afastar a lesão, sendo sempre oportuno o uso de uma ação penal condenatória quando se
quiser a aplicação do direito de punir.2
A legitimidade de partes estará presente quando autor (parte ativa) for o Ministério Público
nas ações penais públicas, bem como o próprio ofendido nas ações penais privadas ou nas ações
privadas subsidiárias. A legitimidade passiva é, invariavelmente, de titularidade do acusado3.
A última e mais importante condição da ação para os fins do nosso estudo é a justa causa que é
definida por Badaró (2008, p.72) como:
A justa causa da ação penal em face de delitos de sonegação fiscal envolve um debate
interessante na doutrina e jurisprudência no que se refere ao elemento da justa causa denominado de
materialidade delitiva ou prova da existência do crime.
1
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito Processual Penal: tomo I. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008,
p.69.
2
Ibidem, p.70.
3
Ibidem, p.71.
questão relativa ao significado da expressão sonegação fiscal, os tipos penais abrangidos, o bem
jurídico tutelado e as leis aplicáveis.
Em seguida, trataremos da classificação dos delitos de sonegação fiscal para definir em quais
casos a constituição “definitiva” do crédito fiscal pode ser entendida como justa causa para a ação
penal tendo por base a classificação do delito.
Por derradeiro, analisamos dois papéis extrapenais desempenhados pela ação penal nos crimes
de sonegação fiscal, quais sejam os de reforço da execução fiscal e o de proteção à livre concorrência e
à isonomia entre concorrentes no Mercado.
Sonegar é, segundo Aulete: “[...] dizer que não tem, tendo; não dizer que possuí, possuindo
(entende-se sempre a intenção de defraudar o fisco ou um terceiro ou de iludir a lei. Deixar de pagar
ou de contribuir com (a quantia devida) iludindo a lei [...]”4.
A sonegação fiscal também pode ser entendida como uma economia tributária ilícita ou uma
evasão fiscal, obtida por meio de simulação de negócios jurídicos ou por outros meios ilícitos,
contrapondo-se à economia lícita ou elisão5.
4
“Verbete original” (cf. AULETE, F. J. C.; VALENTE, A. L. dos S. “Sonegar”. iDicionárioAulete. [s.l.]:
Lexikon Editora Digital Ltda,20--?. Disponível em: http://www.aulete.com.br/sonegar#ixzz3PO1vJ8A0>.
Acesso em: 20 jan. 2015).
5
Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito Penal tributário: crimes contra a ordem tributária e contra a
previdência social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.105.
6
BRASIL. Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010.
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua
natureza ou circunstâncias materiais (Lei nº 4.502, de 1964, art. 71, inciso
I); e
A sonegação fiscal como nomen júris abrange variados comportamentos que compartilham
entre si a falsidade e a fraude7.
A sonegação fiscal era disciplinada pela lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965 como crime no
seu art.1º e seus incisos. Esta lei também alterou o art.334 do Código Penal no crime de descaminho.
Estes dispositivos envolviam diversas condutas, praticadas tanto por particulares quanto por
servidores públicos.
Contudo, a lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965 foi revogada tacitamente pela lei nº 8.137, de
27 de dezembro de 1990 que disciplinou inteiramente a matéria dos crimes contra a ordem tributária 8,
mantendo intacta, entretanto, a disciplina do crime de descaminho previsto no art.334 do Código
Penal, além de incriminar novas condutas 9.
Podemos comprovar que houve a revogação da lei 4.729/1965 pelo disposto na Lei de
Introdução às normas do Direito Brasileiro:
Deste modo, os crimes de sonegação fiscal, antes disciplinados pela lei 4.729/1965 são
atualmente disciplinados pela lei 8.137/1990 nos seus artigos 1º, 2º e 3º que definem os crimes contra
a ordem tributária e pelo Código Penal nos seus artigos: 168-A (Apropriação Indébita
Previdenciária), 334 (define o crime de descaminho), 334-A ( contrabando) e 337-A (Sonegação de
contribuição previdenciária).
Segundo Prado (2007, p.309), nos crimes da lei 8.137/1990, o bem jurídico tutelado é:
7
Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.702.
8
Ver nesse sentido: Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Op.cit. (nota 7), p. 699.
9
Cf. SEGARRA, G. C. G. “Algumas peculiaridades da Lei 8.137/1990”. Revista Liberdades nº 15. São Paulo:
IBCCRIM, janeiro/abril de 2014. Disponível em: < http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/
outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=188 > Acesso em: 20 jan. 2015.
“[...] o Erário (patrimônio da Fazenda Pública) não no sentido
simplesmente patrimonialista (ou individualista), mas sim como bem
jurídico supraindividual, de cunho institucional. Tem por escopo proteger a
política socioeconômica do Estado, como receita estatal, para obtenção dos
recursos necessários à realização de suas atividades. [...] A ideia de bem
jurídico mencionada não se vincula de per si à função cumprida pelo
tributo10.
No caso dos tipos penais de Descaminho e de Contrabando, segundo Cezar Roberto Bitencourt:
“[...] O bem jurídico tutelado específico, no entanto [...] é, acima de tudo, a salvaguarda dos interesses
do erário público, diretamente atingido pela evasão de renda resultante dessas operações clandestinas
ou fraudulentas”12.
Temos, assim, que o erário representado pelas receitas públicas tributárias é o bem jurídico
supraindividual a ser protegido pela tutela penal nos crimes de sonegação fiscal, já que é através destas
receitas que o Estado realiza os seus objetivos de construir uma sociedade livre, justa, solidária e de
erradicar a pobreza conforme o art.3º da Constituição Federal de 198814.
A seguir trataremos da classificação dos crimes de sonegação fiscal, tema este relevante para
definirmos a necessidade ou não da constituição definitiva do crédito tributário como elemento
essencial da consumação destes delitos e também da justa causa para a ação penal.
Para os fins deste artigo nos valeremos das classificações que distinguem os crimes em crimes
de dano e de perigo por um lado, e também, em crimes material e formal ou de mera conduta. Assim
temos que:
10
Cf. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal econômico: ordem econômica, relações de consumo, sistema
financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário, lavagem de capitais. 2.ed. ver.atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2007, p.309.
11
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, volume 3. 6. ed.rev., atual. e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p.251.
12
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 5: parte especial: dos crimes contra a
administração pública, dos crimes praticados por prefeitos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, pp.250-251.
13
Ibidem (nota 12), p.282.
14
Cf. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. (nota 10), p.305. Ver também: SEGARRA, G. C. G. Op.cit. (nota 9).
consuma com a simples criação do perigo para o bem jurídico protegido,
sem produzir um dano efetivo. [...] O crime material ou de resultado
descreve a conduta cujo resultado integra o próprio tipo penal, isto é, para a
sua consumação é indispensável a produção de um dano efetivo. [...] O
crime formal também descreve um resultado, que, contudo, não precisa
verificar-se para ocorrer a consumação. [...] no crime formal o legislador
antecipa a consumação, satisfazendo-se com a simples ação do agente [...] 15
Com base nesta classificação geral podemos afirmar que as condutas do art.1º da lei
8.137/1990 consubstanciam-se em crimes materiais ou de dano16, já que não basta ao sujeito ativo do
delito praticar uma das condutas fraudulentas arroladas em um dos incisos deste art.1º, mas se mostra
indispensável à consumação do delito que o resultado consistente em suprimir ou reduzir tributo
ocorra efetivamente17.
O verbo típico “suprimir significa omitir, não cumprir a obrigação tributária devida, não
recolher o que deveria ser pago. É a evasão total. Reduzir equivale a diminuir, restringir o quantum de
tributo a ser recolhido. É a inadimplência parcial ou incompleta da obrigação[...]” 18
Contudo, o legislador da lei 8.137/1990 recaiu numa atecnia ao se valer da expressão suprimir
ou reduzir tributo como núcleo da conduta típica realizada pelo particular. Tal fato ocorre porque os
tributos só podem ser suprimidos ou reduzidos mediante lei específica conforme o Art.97 do Código
Tributário Nacional e o Art.150,§6º da Constituição Federal de 1988. Por isso, devemos ler o caput do
art.1º desta lei como suprimir ou reduzir o pagamento de tributo como núcleo das condutas típicas
possíveis de serem realizadas por um particular19.
No art.2º da lei 8.137/1990 temos crimes formais ou de mera conduta 21, em relação aos quais
não há exigência de que ocorra efetiva supressão ou redução do pagamento de tributos para a sua
consumação 22.
15
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral.14.ed. rev., atual.e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2009, pp.224-225.
16
Nesse sentido: Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Op.cit. (nota 7), p. 699.
17
Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Op.cit. (nota 5), p.109.
18
Cf. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. (nota 10), p.312.
19
Cf. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. (nota 10), p.312.
20
Cf. Súmula Vinculante nº 24.
21
Em sentido contrário: Cf. CARVALHO, Cristiano; JOBIM, Eduardo. “Crimes contra a ordem tributária:
autonomia ou dependência entre processo penal e o processo administrativo tributário?”. In: PEIXOTO, M. M.;
ELALI, A.; SANT’ANNA, C. S. (coords.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005, pp.90-91.
Para os autores só existe o crime fiscal se houver tributo sonegado, de modo que para eles é inadmissível que a
ação penal tramite anteriormente ou concomitantemente ao processo administrativo fiscal, mesmo em se tratando
dos crimes previstos no art.2º da lei 8.139/1990.
O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência pacífica nesse sentido:
No art.3º, da lei 8.137/1990 temos os crimes funcionais contra a ordem tributária, tais crimes
são próprios, ou seja, só podem ser cometidos por funcionários públicos e são também formais nos
incisos II e III, ou seja, não demandam um resultado para a sua consumação.
No que se refere aos delitos de sonegação previstos no Código Penal, a Apropriação Indébita
Previdenciária é crime formal ou de mera conduta segundo o entendimento de Cezar Roberto
Bitencourt29.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido inverso, de que o delito em questão é
omissivo material:
22
Cf. PRADO, Luiz Regis. Op.cit. (nota 10), p.329.
23
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Decisão Monocrática. Reclamação 14.178- Medida Cautelar,
Rel.Min.Joaquim Barbosa, julgamento em 13.8.2012, DJe de 17.8.2012. Ver também: Inquérito 2.634 / RJ, Rel.
Min. Celso de Mello, Julgamento: 18/09/2009, DJe-181de 25/09/2009 e Embargos de Declaração em Recurso de
Habeas Corpus n. 90.532/CE.Plenário.Rel.Min. Joaquim Barbosa.Julgamento: 23.9.2009. DJ de 06.11.2009.
24
Bitencourt, Cezar Roberto. Op.cit. (nota 12), p.106.
25
Ibidem, p.123. Contudo, para o autor a Corrupção Passiva somente é crime formal na modalidade “solicitar”,
sendo crime material ou de resultado nas modalidades de “receber” e “aceitar” vantagem indevida.
26
Ibidem, p.153.
27
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recursos Ordinário em Habeas Corpus nº 108.822 – GO,
Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento de 19.2.2013.
28
Nesse sentido: Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Op.cit. (nota 5), p.110. Ver também: Cf.
CARVALHO, Cristiano; JOBIM, Eduardo. Op.cit. (nota 21), p.94.
29
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit. (nota 11), p.253-254.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME - ESPÉCIE.
A apropriação indébita disciplinada no artigo 168-A do Código Penal
consubstancia crime omissivo material e não simplesmente formal.
INQUÉRITO - SONEGAÇÃO FISCAL - PROCESSO
ADMINISTRATIVO. Estando em curso processo administrativo mediante o
qual questionada a exigibilidade do tributo, ficam afastadas a persecução
criminal e - ante o princípio da não contradição, o princípio da razão
suficiente - a manutenção de inquérito, ainda que sobrestado 30.
Mais recentemente a Corte Superior passou a entender que se trata de crime formal, nos
moldes da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
30
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Agravo Regimental no Inquérito nº 2.537-2/GO, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento de 10.3.2008, DJe de 13.6.2008.
31
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit. (nota 12), 2011, p.253.
32
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus nº 139.998 – RS, Rel. Min. Jorge Mussi,
julgamento de 25.11.2010.
33
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus 99.740/SP, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de
01.2.2011. Ver também nesse sentido: Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. AgRg no Recurso
Especial nº 1.435.165 – PR, Rel.Min. Rogerio Schietti Cruz, julgamento de 18.11.2014.
34
Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Op.cit. (nota 7), p.700. Em sentido contrário, de que o delito é formal ou de
mera conduta: Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit. (nota 12), p.285.
sustentar tratamento distinto ao tipo previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90 e
àquele previsto no art. 337-A do Código Penal. [...]. Assim, a sistemática de
imputação penal por crimes de sonegação contra a Previdência Social deve
se sujeitar à mesma lógica aplicada àqueles contra a ordem tributária em
sentido estrito35.
Realizada a classificação dos delitos de sonegação fiscal entre materiais e formais, opinamos
que a constituição definitiva do crédito tributário nos moldes da Súmula Vinculante n º 24 só se
consubstancia em condição de procedibilidade da ação penal nos crimes de sonegação que sejam
materiais ou de resultado, já que nos delitos formais existe justa causa para a ação penal mesmo sem a
constituição definitiva do crédito no âmbito administrativo.
4. Ação penal por sonegação fiscal: condições de procedibilidade, justa causa e questões
prejudiciais
No período de vigência da lei 4.729/1965 a jurisprudência se consolidou no sentido de que “é
pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal”, já que os delitos de sonegação
eram todos formais ou de mera conduta, não sendo exigível a comprovação administrativa de que
havia tributo devido e não pago fraudulentamente38.
Mas, já na vigência da lei 8.137/1990 que revogou a lei 4.729/1965, foi instituída a regra do
art.83 da lei 9.430/199639 que disciplinou a representação fiscal para fins penais.
35
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Inquérito 3.102, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
25.4.2013, DJe de 19.9.2013.
36
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma .Habeas Corpus 232.877/CE, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 26/08/2014, DJe 02/09/2014.
37
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus 95.443, Voto do Ministro Cezar Peluso,
julgamento em 2.2.2010, DJe de 19.2.2010.
38
Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de direito penal tributário. São Paulo: Atlas, 2002, p.112.
39
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts.
1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts.
168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao
Seria esta representação fiscal uma condição de procedibilidade na ação penal por sonegação
fiscal?
Segundo Hugo de Brito Machado a resposta a esta indagação é afirmativa 40, porque os crimes
previstos nos arts.1º e 2º da lei 8.137/1990 seriam crimes de ação penal pública condicionada à
representação referida no art.83 da lei 9.430/1990. Mesmo no delito formal do art.2,II desta lei, seria
essencial o exaurimento da via administrativa para que ficasse comprovado o dolo específico de
sonegar o tributo, o qual não existiria se não houver tributo devido 41.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a representação fiscal é uma mera
comunicação de crime (notitia criminis), obrigatória para as autoridades fiscais, e que não representa
condição necessária à propositura da ação penal por delitos tributários, já que esta ação é publica e
incondicionada:
Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do
crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)
40
Nesse sentido: Cf. GALVÃO, Marcelo Lavocat. A constituição do crédito tributário como pressuposto da ação
penal nos crimes contra a ordem tributária. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, p.92.
41
Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit. (nota 38), p.122;168. Ver também: Cf. ANDRADE FILHO, Edmar
Oliveira. Op.cit. (nota 5), pp.127-128. Para este autor o esgotamento das instâncias administrativas é também
condição objetiva de punibilidade nos crimes do art.2º da lei 8.137/1990.
42
Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei
nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social,
inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
43
Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit. (nota 38), pp.113;119.
44
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.571-1/UF, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgado em 10.12.2003, DJ de 30.4.2004.
Aspecto também relevante da ação penal é a sua justa causa. Nos crimes de sonegação fiscal
ditos materiais é essencial que haja lançamento definitivo do tributo ou em outras palavras, a
constituição definitiva do crédito tributário para que haja a justa causa para a ação penal.
Nestes crimes não há materialidade delitiva, que é um dos elementos formadores de justa
causa, antes da constituição definitiva do crédito no âmbito administrativo. Assim, o Supremo
Tribunal Federal entendeu que:
I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento
do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de
justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição
enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1.
Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal
(ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime
tipificado no art. 1º da L. 8137/90 - que é material ou de resultado -,
enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de
lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição
objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo 45.
De modo que, sendo tributo elemento normativo do tipo penal, este só se
configura quando se configure a existência de tributo devido, ou, noutras
palavras, a existência de obrigação jurídico-tributária exigível. No
ordenamento jurídico brasileiro, a definição desse elemento normativo do
tipo não depende de juízo penal, porque, dispõe o Código Tributário, é
competência privativa da autoridade administrativa defini-lo. Ora - e aqui me
parece o cerne da argumentação do eminente Relator -, não tenho nenhuma
dúvida de que só se caracteriza a existência de obrigação jurídico-tributária
exigível, quando se dê, conforme diz Sua Excelência, a chamada preclusão
administrativa, ou, nos termos no Código Tributário, quando sobrevenha
cunho definitivo ao lançamento. (...) E isso significa e demonstra, a mim me
parece que de maneira irrespondível, que o lançamento tem natureza
predominantemente constitutiva da obrigação exigível: sem o lançamento,
não se tem obrigação tributária exigível. (...) Retomando o raciocínio, o tipo
penal só estará plenamente integrado e perfeito à data em que surge, no
mundo jurídico, tributo devido, ou obrigação tributária exigível. Antes disso,
não está configurado o tipo penal, e, não o estando, evidentemente não se
pode instaurar por conta dele, à falta de justa causa, nenhuma ação penal 46.
Outro aspecto que pode implicar a falta de justa causa para a ação penal nos crimes de
sonegação fiscal é a incidência do princípio da insignificância ou de bagatela que exclui a tipicidade
da conduta e, por conseguinte, a justa causa para a ação penal 47.
Isto ocorre já que “ a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens
jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens é suficiente para configurar o
injusto típico”48.
45
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Habeas Corpus 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 10.12.2003, DJ de 13.5.2005.
46
Habeas Corpus 81.611, Voto do Ministro Cezar Peluso.
47
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit. (nota 15), pp.21-22.
48
Ibidem, p.21.
No caso dos delitos de sonegação fiscal que tem como bem jurídico principal a proteção do
erário ou a arrecadação tributária, aplica-se o princípio de bagatela nas situações em que nem mesmo o
fisco está autorizado a cobrar seu crédito.
Em sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que este novo limite
fixado em portaria viola o princípio da legalidade:
O Supremo Tribunal Federal, por outro lado, vem validando o limite fixado pela Portaria-
MF nº 75/2012:
49
Art. 1º Determinar: II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor
consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Ver também: Cf. ATHAYDE, Laura Tuma
de. “Limites quantitativos para a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra a ordem tributária”.
In: ZILVETI, F. A. (coord.). Direito Tributário Atual. n. 32. São Paulo: Dialética, 2014, p.240 e SEGARRA, G.
C. G. Op.cit. (nota 9).
50
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. AgRg no AREsp 242.049 / PR, Rel. Min. Regina Helena
Costa, julgado em 10.12.2013, DJe de 13.12.2013.
51
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Habeas Corpus 120.617 / PR, Rel. Min. Rosa Weber,
julgado em 04.2.2014, DJe de 20.2.2014.
Devemos deixar claro que a aplicação do princípio da bagatela envolve “ a consideração
global da ordem jurídica52”, ou seja, a avaliação do caso concreto pode indicar a inaplicabilidade do
referido princípio em razão da presença de outros elementos de reprovabilidade, tais como a reiteração
delituosa e a comercialização de produtos proibidos53. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça se pronunciaram:
Fator também relevante que pode implicar o arquivamento da ação penal ao lado da falta de
justa causa é a presença de uma questão prejudicial externa facultativa, nos termos do art. 93 do
Código de Processo Penal:
52
Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit. (nota 15), p.22.
53
Cf. ATHAYDE, Laura Tuma de. Op.cit. (nota 49), pp.242-243.
54
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus 115.226 / MG, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgado em 14.5.2013, DJe 21.11.2013.
55
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. AgRg no REsp 1.399.327 / RS, Rel. Min. Laurita Vaz,
julgado em 27.3.2014, DJe de 03.4.2014.
56
Cf. GALVÃO, Marcelo Lavocat. Op.cit. (nota 40), p.81, “A matéria tributária adstringe-se ao que o Código de
Processo Penal convencionou chamar ‘juízo cível’”.
prosseguir o processo, retomando sua competência para resolver, de fato e de
direito, toda a matéria da acusação ou da defesa.
§ 2o Do despacho que denegar a suspensão não caberá recurso.
§ 3o Suspenso o processo, e tratando-se de crime de ação pública,
incumbirá ao Ministério Público intervir imediatamente na causa cível, para
o fim de promover-lhe o rápido andamento.
Nesta situação, há justa causa para a ação penal conforme a Súmula Vinculante nº 24.
Todavia, pode o contribuinte que se ache inconformado com a decisão administrativa propor ação
anulatória de débito fiscal conforme art.38 da lei 6.830/1980 ou da decisão administrativa conforme
art.169 do CTN.
Outra situação em que a ação penal pode ser suspensa nos termos do art.93 do CPP é aquela
em que o delito de sonegação é formal (art.2 da lei 8.137/1990 p.ex.) e a ação penal é instaurada
concomitantemente ao processo administrativo fiscal. Aqui, mesmo não havendo necessidade de
constituição definitiva de um crédito para que haja justa causa para a ação penal, pode o juiz penal
entender que o deslinde do processo administrativo pode levar à atipicidade da conduta no âmbito
penal e à correspondente falta de justa causa no decorrer do processo.
Por isso, a aplicação do art.93 do CPP nos casos de concomitância entre o processo
administrativo e o processo penal para apurar crime de sonegação pode evitar ou excluir o indesejável
paradoxo descrito por Luis Eduardo Shoueri:
57
Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Op.cit. (nota 7), 2011, p.702. Nesse sentido: Cf. CARVALHO, Cristiano;
JOBIM, Eduardo. Op.cit. (nota 21), p.97, “Parece-nos, pois, pouco coerente advogar no sentido que poderá o MP
obter a condenação por crime tributário de contribuinte que, pela autoridade fazendária legitimada a proceder ao
lançamento, seja considerado não devedor de qualquer obrigação, nem a Fazenda credora de qualquer débito.”
Ver também: Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Op.cit. (nota 38), p.167.
Em prol de uma solução coerente para este paradoxo, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Mais uma razão para a aplicação do art.93 do CPP com o propósito de afastar o paradoxo de
uma condenação criminal e uma absolvição administrativa pela prática da mesma conduta é a
necessária dupla tipicidade para se configurar o crime tributário:
A principal causa de suspensão da pretensão punitiva na ação penal por sonegação fiscal é a
inclusão do acusado em programa de parcelamento conforme art.83,§2º da lei 9.430/1996 60. Mas, esta
inclusão devia ocorrer antes do recebimento da denúncia.
Contudo, a lei 10.684/2003 passou a admitir que a inclusão do contribuinte, a qualquer tempo,
em programa de parcelamento é causa de suspensão da pretensão punitiva. Já a lei 11.941/2009 no seu
art.68 fixou a suspensão da pretensão punitiva pela inclusão em parcelamento, mas não definiu se a
inscrição no parcelamento deveria ou não ocorrer antes do recebimento da denúncia 61.
58
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma .RECURSO ESPECIAL Nº 1.413.829 – CE, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, julgamento de 11.11.2014.
59
Cf. NOGUEIRA, R. W. L. “A propósito do ilícito tributário”. In: PEIXOTO, M. M.; ELALI, A.;
SANT’ANNA, C. S. (coords.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005, p.362.
60
§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em
que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no
parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia
criminal. (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).
61
Cf. ATHAYDE, Laura Tuma de. Op.cit. (nota 49), p.236.
A lei 12.382/2011, que alterou o art.83 da lei 9.430/1996, voltou a definir que a adesão ao
parcelamento deveria ocorrer antes do recebimento da denúncia para que ocorra a suspensão da
pretensão punitiva62.
Caso o acusado quite integralmente seu parcelamento estará extinta a punibilidade na esfera
penal por crime de sonegação conforme o art.83, §4º da lei 9.430/199663.
A lei 9.249/1995 dispõe no seu art.34 que é extinta a punibilidade nos crimes de sonegação
fiscal quando o acusado efetua o pagamento de seus débitos tributários antes do recebimento da
denúncia64.
Contudo, a lei 10.684/2003 conferiu um tratamento mais benéfico aos acusados nos processos-
crime nos delitos de sonegação ao estabelecer que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, ou seja,
antes ou depois do recebimento da denúncia, exclui a punibilidade 65. Nesse sentido, decidiu o
Supremo Tribunal Federal:
Mesmo com o advento da lei 11.941/2009 que apenas mencionou a extinção da punibilidade
no âmbito de pagamento integral de parcelamento 67, ou seja, foi mais restritiva que a lei 10.684/2003,
esta última continua em vigor por não ter sido revogada expressamente e por ser mais benéfica aos
62
Ibidem, pp.236-237.
63
§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica
relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que
tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. (Incluído pela Lei nº 12.382, de 2011).
64
Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei
nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social,
inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.
65
Art. 9o É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei
no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes
estiver incluída no regime de parcelamento. § 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo
quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos
e contribuições sociais, inclusive acessórios.
66
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Habeas Corpus 81.929 / RJ, Rel. p/ o Acórdão Min. Cezar
Peluso, julgado em 16.12.2003, DJ de 27.2.2004.
67
Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o
agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive
acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. Parágrafo único. Na hipótese de pagamento
efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1o desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o
pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal.
contribuintes. De modo que o pagamento, a qualquer tempo, dos tributos, extingue a punibilidade nos
crimes de sonegação fiscal68.
68
Nesse sentido: Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Op.cit. (nota 7), 2011, p.705. Ver também: Cf. ATHAYDE,
Laura Tuma de. Op.cit. (nota 49), p.235.
69
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário
575.071/SP, Rel. Min. Luis Fux, julgado em 05.2.2013.
70
Ver nesse sentido: Cf. SEGARRA, G. C. G. Op.cit. (nota 9) e Cf. GALVÃO, Marcelo Lavocat. Op.cit. (nota
40), p.90.
Segundo Hugo de Brito Machado, este papel da ameaça de pena criminal como reforço da
execução fiscal seria inadmissível no Brasil em decorrência da vedação às sanções políticas
indiretas71.
Como sabemos, os crimes de sonegação fiscal prejudicam a arrecadação dos entes públicos
competentes, atingindo com isso o interesse coletivo tutelado, tendo natureza patrimonial. Esta
natureza ganhou um enorme respaldo com a lei 10.684/2003 ao possibilitar aos contribuintes poderem
se desvencilhar do processo criminal pagando seu débito com o fisco a qualquer momento. Com isso a
função arrecadatória do Estado foi amplamente robustecida e satisfeita, deixando de existir a lesão ao
bem jurídico representado pelo patrimônio público desfalcado e também a necessidade de tutela penal
como ultima ratio72.
Já para Janczeski os crimes fiscais e, por conseguinte, a ação penal por sonegação,
“justificam-se como sanção-coação na tentativa de manutenção de bons índices de adimplemento e
arrecadação 74.”
Com isso percebemos um primeiro papel extrapenal desempenhado pela ação penal nos crimes
de sonegação fiscal que é o de reforço da cobrança efetuada em execuções fiscais. O Estado utiliza o
Direito Penal para tentar minimizar o grande problema de sonegação fiscal que provoca enorme
desfalque de receitas. Apenas a título de exemplo, no ano de 2013, a perda estimada com a sonegação
fiscal foi da ordem de R$ 415 bilhões75.
6.2. A ação penal nos crimes de sonegação fiscal e a proteção da livre concorrência
Outro papel relevante da ação penal nos crimes de sonegação fiscal é a sua contribuição ao
restabelecimento da igualdade de condições entre concorrentes no Mercado76, atendendo aos desígnios
de defesa da concorrência presentes no art.173,§4º da CF/198877.
71
Cf. MACHADO, Hugo de Brito. (nota 38), p.239.
72
Cf. KAUFFMANN, Carlos . Crime previdenciário e tributário: o reforço para a execução fiscal. Jornal Valor
Econômico. [s.l.]. 01 dez. 2004. Seção de Legislação e Tributos. Disponível em: <http://rfk.com.br/ Publicacoes
.html>, Acesso em: 15 jan. 2015.
73
Cf. SEGARRA, G. C. G. Op.cit. (nota 9).
74
Cf. JANCZESKI, C. A. “Crimes fiscais: tipo e elementos”. In: PEIXOTO, M. M.; ELALI, A.; SANT’ANNA,
C. S. (coords.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005, p.67.
75
Brasil já perdeu mais de R$ 106 bi com sonegação de impostos neste ano. Jornal Valor Econômico. [s.l.]. 19
mar. 2014. Brasil. Disponível em: < http://www.valor.com.br/brasil/3486322/brasil-ja-perdeu-mais-de-r-106-bi-
com-sonegacao-de-impostos-neste-ano>, Acesso em: 4 fev. 2015.
76
No sentido de que os crimes de sonegação tutelam a concorrência leal e a isonomia entre os concorrentes,
temos: Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. AgRg no Recurso Especial nº 1.435.165 – PR,
Rel.Min. Rogerio Schietti Cruz, julgamento de 18.11.2014.
Isto se dá quando o sonegador é um agente econômico que tira proveito dos demais players
em desvantagem concorrencial por terem pago os tributos incidentes sobre sua atividade econômica e
o sonegador é “persuadido” ao pagamento dos tributos para se ver livre do processo criminal.
Com isto, a vantagem inicial que o sonegador teve ao não pagar seus tributos é neutralizada
quando ele paga o que deve ao Fisco para ver extinta sua punibilidade no ilícito fiscal.
Nesse sentido, a tutela penal de bens e interesses jurídicos relevantes tais como, a arrecadação
tributária e a livre concorrência, se mostra plenamente adequada tendo em vista garantir o equilíbrio
na produção, circulação e distribuição de riqueza entre os grupos sociais 78.
Por outro lado, para Rothmann a criminalização da sonegação 79, tal como prevista na lei
8.137/1990 não se mostra como o meio mais apropriado para combater este fenômeno
anticoncorrencial, tendo em vista que no Brasil, o sistema tributário é falho e o ônus tributário é
exacerbado80. Sendo uma tarefa impraticável se ter um direito penal tributário certo e justo num país
com um direito tributário incerto e injusto 81.
Do lado dos consumidores brasileiros, em grande parte dos casos, a sonegação é até vista com
bons olhos ao possibilitar a aquisição de produtos e serviços por preços muito mais baixos do que os
praticados pelos que suportam uma carga tributária por volta de 37% do PIB83.
Do lado dos agentes econômicos, temos como motivações para sonegar: a) a ponderação de
riscos entre a maximização de seus lucros e o risco de ser punido; b) evitar a falência de sua empresa,
77
§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
78
Cf. ALMEIDA, Fernanda Afonso de. Proteção penal do patrimônio e sonegação fiscal: uma abordagem à luz
da teoria crítica. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2012.
79
Em sentido contrário: Cf. ALMEIDA, Fernanda Afonso de. Op.cit. (nota 78), p.58, para a autora: “..., não há
como negar que a criminalização de condutas lesivas à arrecadação tributária, em última instância, minimiza a
desigual distribuição de riquezas e facilita o acesso de todos à aquisição daquela propriedade. Destarte, o furto
defende a propriedade individual em si, ao passo que a sonegação fiscal agasalha a possibilidade de que todos
adquiram aquela propriedade.”
80
Nesse sentido: Cf. JANCZESKI, C. A. Op.cit. (nota 74), p.67. Para o autor a carga tributária no Brasil é
excessiva e vai além, em muitos casos, da capacidade contributiva dos contribuintes, aumentando a rejeição da
população ao respeito à legislação.
81
Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. “Tributação, sonegação e livre concorrência”. In: FERRAZ, R. C. B.(coord.).
Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da Ordem Econômica e a Tributação. São Paulo: Quartier
Latin, 2009, pp.362;369.
82
Ibidem, p.361.
83
Ibidem, p.362.
nos casos em que o empresário se encontra em estado de necessidade; c) a complexidade da legislação
fiscal que leva ao seu desconhecimento por parte dos contribuintes; d) o efeito carona: sonego porque
todos sonegam; e) o enfraquecimento do dever cívico de pagar tributos num país no qual os
contribuintes presenciam constantes malversações dos recursos públicos por agentes públicos; f) a
sonegação é vista como “delito de cavalheiros” 84, não tendo a mesma má reputação social de delitos
contra o patrimônio como furto, roubo, etc85.
Em nossa opinião, a par das medidas de reforma tributária a fim de racionalizar o sistema
tributário e trazer mais justiça à tributação, entendemos que a persecução penal nos crimes de
sonegação também contribui para a diminuição da sonegação no país, devido ao efeito intimidador ou
pelo menos embaraçoso do processo criminal para os sonegadores88.
Nesse sentido, Fernanda Almeida justifica a tutela penal da arrecadação tributária com as
seguintes ponderações:
84
Cf. ALMEIDA, Fernanda Afonso de. Op.cit. (nota 78), pp.52;132, “Em uma primeira perspectiva, o delito
econômico define-se por aspectos subjetivos, ou seja, relacionados ao status do agente. O crime econômico é
aquele praticado por pessoas de alto escalão no exercício de sua atividade, por pessoas de certas profissões ou
praticado no domínio da empresa. Trata-se do conceito de white collar crime sugerido inicialmente por Edwin H.
Sutherland.” Acrescente-se que a sociedade não se sente vítima dos crimes de colarinho branco porque
envolvem, muitas vezes, condutas complexas e de difícil compreensão para o público, que também desconhece
tais fatos que não são devidamente divulgados, junte-se a isso que o típico businessman que pratica a sonegação
não se amolda a figura do delinquente e goza de elevada reputação social.Por isso, apesar de sua grande
danosidade social, tais delitos parecem ao público menos danosos que os delitos mais comuns e que atingem o
patrimônio individual.
85
Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. Op.cit. (nota 81), pp.363-364.
86
Ibidem, pp.367-368.
87
Ibidem, pp.370-371.
88
Nas palavras do Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do Habeas Corpus 81.611: “ao estigma e às
agruras de toda sorte do processo criminal”.
atividades sociais pelo Estado. A prática de condutas lesivas à arrecadação
de tributos, de tal modo, merece máxima blindagem do ordenamento 89.
7. Conclusão
Nos crimes de sonegação classificados como formais ou de mera conduta há justa causa para a
persecução criminal independentemente de lançamento definitivo do crédito fiscal, podendo o
processo administrativo e o penal tramitarem concomitantemente.
Nesta situação, a fim de evitar o paradoxo de decisões contraditórias que lesam a necessária
dupla tipificação dos delitos fiscais, pode o juiz criminal suspender o processo criminal com base no
art.93 do Código de Processo Penal e aguardar a decisão administrativa que pode afastar a tipicidade
da conduta e a justa causa da ação penal.
Além disso, a ação penal nos delitos de sonegação fiscal não tem apenas uma função
repressora de condutas ilícitas, muito pelo contrário, ela se destina precipuamente a desempenhar
papéis extrapenais como de reforço à execução fiscal e de tutela da livre concorrência.
O papel de reforço à execução fiscal fica claro pelo fato de que a ação penal é usada como um
meio de intimidar os contribuintes a pagarem ou parcelarem seus débitos fiscais e também pelo fato de
que a inclusão em parcelamento suspende a ação penal por crime fiscal e o pagamento, a qualquer
tempo, extingue a punibilidade dos referidos crimes.
Tudo isso indica o interesse preponderante do Estado em receber seus créditos e não em punir
os contribuintes que praticaram tais delitos.
89
ALMEIDA, Fernanda Afonso de. Op.cit. (nota 78), pp.56-57.
Outro papel extrapenal da ação penal por sonegação fiscal é a de defesa da concorrência leal e
da isonomia entre os agentes econômicos, já que tenta estimular uma cultura de respeito à legislação
tributária, perseguindo criminalmente aqueles que agirem com meios fraudulentos para iludir as
autoridades tributárias.
No entanto, o direito penal como ultima ratio não se presta a substituir todas as reformas de
nosso sistema tributário necessárias para torná-lo mais justo, eficiente e também menos oneroso para
os contribuintes, de modo a induzir condutas conformes ao ordenamento jurídico tributário.
Referências bibliográficas:
a) Doutrina
1. ALMEIDA, Fernanda Afonso de. Proteção penal do patrimônio e sonegação fiscal: uma
abordagem à luz da teoria crítica. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
2. BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito Processual Penal: tomo I. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2008.
3. Brasil já perdeu mais de R$ 106 bi com sonegação de impostos neste ano. Jornal Valor
Econômico. [s.l.]. 19 mar. 2014. Brasil. Disponível em: <
http://www.valor.com.br/brasil/3486322/brasil-ja-perdeu-mais-de-r-106-bi-com-sonegacao-
de-impostos-neste-ano>, Acesso em: 4 fev. 2015.
5. Cf. ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito Penal tributário: crimes contra a ordem
tributária e contra a previdência social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007, pp.104-135, 149-190.
6. Cf. ATHAYDE, Laura Tuma de. “Limites quantitativos para a aplicação do princípio da
insignificância nos crimes contra a ordem tributária”. In: ZILVETI, F. A. (coord.). Direito
Tributário Atual. n. 32. São Paulo: Dialética, 2014, pp.227-244.
7. Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, 5: parte especial: dos crimes
contra a administração pública, dos crimes praticados por prefeitos. 5. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, pp.249-269.
8. Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral.14.ed.
rev., atual.e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009, pp.21-22;224-225.
9. Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte especial, volume 3. 6.
ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p.251.
10. Cf. CARVALHO, Cristiano; JOBIM, Eduardo. “Crimes contra a ordem tributária: autonomia
ou dependência entre processo penal e o processo administrativo tributário?”. In: PEIXOTO,
M. M.; ELALI, A.; SANT’ANNA, C. S. (coords.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP
Editora, 2005, pp.87-101.
11. Cf. GALVÃO, Marcelo Lavocat. A constituição do crédito tributário como pressuposto da
ação penal nos crimes contra a ordem tributária. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002, pp.65-102.
12. Cf. JANCZESKI, C. A. “Crimes fiscais: tipo e elementos”. In: PEIXOTO, M. M.; ELALI, A.;
SANT’ANNA, C. S. (coords.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005, pp.67-
85.
13. Cf. KAUFFMANN, Carlos . Crime previdenciário e tributário: o reforço para a execução
fiscal. Jornal Valor Econômico. [s.l.]. 01 dez. 2004. Seção de Legislação e Tributos.
Disponível em: <http://rfk.com.br/Publicacoes.html>, Acesso em: 15 jan. 2015.
14. Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Estudos de direito penal tributário. São Paulo: Atlas, 2002,
pp.75-81, 111-171, 222-247.
15. Cf. NOGUEIRA, R. W. L. “A propósito do ilícito tributário”. In: PEIXOTO, M. M.; ELALI,
A.; SANT’ANNA, C. S. (coords.). Direito Penal Tributário. São Paulo: MP Editora, 2005,
pp.353-377.
16. Cf. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal econômico: ordem econômica, relações de consumo,
sistema financeiro, ordem tributária, sistema previdenciário, lavagem de capitais. 2.ed.
ver.atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, pp.303-340.
17. Cf. ROTHMANN, Gerd Willi. “Tributação, sonegação e livre concorrência”. In: FERRAZ, R.
C. B.(coord.). Princípios e Limites da Tributação 2 – Os princípios da Ordem Econômica e a
Tributação. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp.333-371.
18. Cf. SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 687-705.
b) Jurisprudência
20. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma .Habeas Corpus 232.877/CE, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 26/08/2014, DJe 02/09/2014.
21. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. AgRg no AREsp 242.049 / PR, Rel. Min.
Regina Helena Costa, julgado em 10.12.2013, DJe de 13.12.2013.
22. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. AgRg no REsp 1399327 / RS, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 27.3.2014, DJe de 03.4.2014.
23. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Quinta Turma. Habeas Corpus nº 139.998 – RS, Rel. Min.
Jorge Mussi, julgamento de 25.11.2010.
24. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma .Recurso Especial nº 1.413.829 – CE, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgamento de 11.11.2014.
25. Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Sexta Turma. AgRg no Recurso Especial nº 1.435.165 –
PR, Rel.Min. Rogerio Schietti Cruz, julgamento de 18.11.2014.
26. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática. Inquérito 2.634 / RJ, Rel. Min. Celso
de Mello, Julgamento: 18/09/2009, DJe-181de 25/09/2009.
27. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Agravo Regimental no Inquérito nº 2.537-2/GO,
Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento de 10.3.2008, DJe de 13.6.2008.
28. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Embargos de Declaração em Recurso de Habeas
Corpus n. 90.532/CE. Rel.Min. Joaquim Barbosa.Julgamento: 23.9.2009. DJ de 06.11.2009.
29. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Habeas Corpus 120.617 / PR, Rel. Min.
Rosa Weber, julgado em 04.2.2014, DJe de 20.2.2014.
30. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Habeas Corpus 81.929 / RJ, Rel. p/ o
Acórdão Min. Cezar Peluso, julgado em 16.12.2003, DJ de 27.2.2004.
31. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus 95.443, Voto do Ministro
Cezar Peluso, julgamento em 2.2.2010, DJe de 19.2.2010.
32. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Habeas Corpus 99.740/SP, Rel. Min.
Ayres Britto, DJe de 23/11/2010.
33. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus
115.226 / MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 14.5.2013, DJe 21.11.2013.
34. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº
108.822 – GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento de 19.2.2013.
35. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1.571-1/UF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10.12.2003, DJ de 30.4.2004.
36. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Inquérito 3.102, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgamento em 25.4.2013, DJe de 19.9.2013.
37. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Proposta de Súmula Vinculante 29 – DF,
Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 19.2.2010.
38. Brasil. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Habeas Corpus 81.611, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgamento em 10.12.2003, DJ de 13.5.2005.
39. Brasil.Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. Agravo Regimental no Recurso
Extraordinário 575.071/SP , Rel. Min. Luis Fux, julgado em 05.2.2013.