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Reconstruindo Histórias: utilização da Sistematização de Experiências na


Pesquisa Qualitativa

Silvana Maria Ribeiro1, Cláudia Maria Bógus1, Helena Akemi Wada Watanabe1

1 Departamento de Política, Gestão e Saúde, Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo, Brasil.
silmaribe@gmail.com; claudiab@usp.br; hwatanab@usp.br

Resumo. A sistematização de experiências é uma metodologia de pesquisa qualitativa de cunho participativo


que, por meio de diferentes técnicas e abordagens, possibilita a reconstrução reflexiva de uma experiência
coletiva. Entretanto, são escassos os estudos sobre sua utilização na área da Promoção da Saúde. O objetivo
deste artigo é relatar a experiência de utilização desta metodologia na avaliação do projeto “Colhendo
Sustentabilidade: Práticas Comunitárias de Segurança Alimentar e Agricultura Urbana” (PCS) desenvolvido no
município de Embu das Artes, SP, Brasil. Participaram deste processo vinte e quatro pessoas em 4 sessões. A
utilização dessa metodologia permitiu às autoras a identificação como elementos positivos do seu uso a
possibilidade de recuperação de aspectos objetivos dos fatos, a percepção subjetiva dos participantes sobre
a experiência avaliada e a identificação de fraquezas e fortalezas do processo vivenciado demonstrando ser
um bom recurso dentro do contexto da pesquisa qualitativa e também um instrumento potencialmente
empoderador.

Palavras-chave: Sistematização de Experiências; Oficinas; Educação Popular; Pesquisa Qualitativa

Reconstructing Stories: Experiences Systematization use in Qualitative Research


Abstract. The systematization of experiences is a qualitative and participative research methodology that,
through different techniques and approaches, enables the reflexive reconstruction of a collective experience.
However, there are few studies about its use in the area of Health Promotion. The objective of this article is
to report the experience of using this methodology in the evaluation of the project known as "Harvesting
Sustainability: Community Practices of Food Security and Urban Agriculture” (PCS) developed in the city of
Embu das Artes, SP, Brazil. Twenty four persons participated in this process in 4 sections. The use of this
methodology allowed the authors to identify as positive elements the possibility of recovering objective
aspects of the facts, the subjective perception of the participants about the experience and the identification
of weaknesses and strengths of the experienced process, proving to be a potentially empowering instrument.
Keywords: Systematization of Experiences; Workshops; Popular Education; Qualitative Research

1 Introdução

A crescente utilização da pesquisa qualitativa nas áreas científicas que interligam Educação, Saúde e
Ambiente mostra a necessidade de aprimorarmos metodologias que possam ser utilizadas em estudos
cujo objeto articule elementos no âmbito do coletivo e do participativo. A pesquisa qualitativa (PQ)
consiste num conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo em uma
série de representações. Por envolver uma abordagem naturalista, interpretativa e para o mundo, os
pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais para entender ou interpretar o significado
de determinados fenômenos para indivíduos e coletivos (Denzin & Lincoln, 2006). A PQ reconhece os
aspectos subjetivos do ser humano e sua relação com o mundo que o cerca, trabalhando com o
universo de significados, representações, crenças, valores e atitudes dos atores inseridos em
determinado grupo social, cabendo ao pesquisador focalizar sua pesquisa no sentido de descobrir,

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examinar e descrever as pessoas, seus ambientes naturais e as teias relacionais que se estabelecem na
sociedade (Medeiros et al., 2007). A ascensão de metodologias em PQ deve-se à necessidade de maior
articulação entre teoria e prática na produção do conhecimento, com participação ativa e direta dos
sujeitos e pela oportunidade destes em compartilhar suas necessidades, anseios, valores e saberes e
interferir com aprimoramentos metodológicos (Toledo, Giatti, & Jacobi, 2014; Jara-Holliday, 1996).
Durante o delineamento do estudo, veio à tona a primeira reflexão para realização da pesquisa a qual
este artigo se refere: Como desenvolver uma pesquisa qualitativa para descrever a experiência de um
projeto de agricultura urbana, identificando valores, crenças, representações e significados que dela
emergiram? Nestes questionamentos e na procura por uma metodologia adequada, encontramos a
sistematização de experiência que muito contribuiu, desde a elaboração do projeto, para cumprir os
objetivos específicos da pesquisa: i) sistematizar o histórico da experiência analisada; ii) identificar o
significado da participação na experiência para os envolvidos; iii) refletir sobre a experiência sob o
ponto de vista da Promoção da Saúde; iv) contribuir para a ressignificação da experiência vivida sob a
ótica da Promoção da Saúde.
Neste artigo, apresentamos um relato da utilização da metodologia sistematização de experiências na
avaliação do Projeto Colhendo Sustentabilidade: Práticas Comunitárias de Segurança Alimentar e
Agricultura Urbana (PCS).
O PCS desenvolveu-se entre 2008 e 2011, no município de Embu das Artes, região metropolitana de
São Paulo, sendo dividido em duas fases: a primeira ocorrida entre novembro de 2008 e janeiro de
2010 por meio de parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a
Prefeitura de Embu das Artes e a organização não-governamental Sociedade Ecológica Amigos do
Embu (SEAE); a segunda ocorrida de abril de 2010 a setembro de 2011 por meio do convênio
estabelecido entre a Prefeitura de Embu das Artes e a SEAE.
A sistematização de experiências tem seus antecedentes no campo do Trabalho Social, entre 1950 e
1960, época em que havia necessidade de uma maior profissionalização da área que, naquele
momento, também era conhecida como “assistência social” ou “serviço social” e sofria influência
norte-americana pelo fato do trabalho ocorrer sem questionamentos (Jara-Holliday, 2012). Neste
contexto é que profissionais do Serviço Social passaram a utilizar a sistematização de experiências
como um método capaz de justificar as intervenções e publicar os resultados da área (Sanches, 2011).
O termo sistematização foi caracterizado pela intencionalidade de recuperar, ordenar, precisar e
classificar o saber do Serviço Social (Jara-Holliday, 2012), proporcionando um caráter científico-técnico
à profissão e contribuindo para elevar seu posicionamento frente a outras especialidades. Foi entre as
décadas de 1950 e 1970, sobretudo na América Latina, que intelectuais desenvolveram produções que
contribuíram para rupturas que estavam sendo demandadas no plano epistemológico (Sanches, 2011).
O surgimento da Educação Popular, anteriormente conhecida como “Pedagogia da Libertação” é um
exemplo deste movimento, pois marcou uma nova forma de compreender o processo educativo (Jara-
Holliday, 2012). A proposta da educação popular com origem no Movimento de Educação de Base e
Centros Populares de Cultura baseava-se numa filosofia educativa renovadora voltada para o
estabelecimento das relações entre ser humano, sociedade, cultura e educação e a sistematização de
experiências, na Educação Popular, passou a ser considerada um instrumento privilegiado “de
questionamento e de busca, alternativo a esses métodos ortodoxos, em geral positivistas, que
dominavam o campo da investigação e da avaliação educacional” (Jara-Holliday, 2012, p. 51). Na
perspectiva de educação libertadora, a “pedagogia-problematizadora-libertadora” de Paulo Freire
colaborou com o desenvolvimento de propostas para a sistematização de práticas educativas, além de
outras produções no campo da Educação Popular, na atuação dos partidos de esquerda, nas igrejas,
nos movimentos sociais, entre outros (Sanches, 2011).
Na Promoção da Saúde, que tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida e representa uma
estratégia para enfrentar os problemas de saúde de forma a incidir sobre os determinantes da saúde,

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a sistematização de experiências pode contribuir para processos de empoderamento no reforço da


ação comunitária e no desenvolvimento de habilidades, uma vez que se utiliza da ação coletiva para
promover autonomia, poder de decisão e participação ativa dos envolvidos. A apropriação dos
determinantes do processo saúde-adoecimento, no âmbito da promoção da saúde, passa pela
autonomia e empoderamento, de indivíduos e coletividades, como parte da mobilização em torno da
garantia da saúde enquanto um direito e, neste sentido, processos de educação, a partir de práticas
problematizadoras, colaboram e incentivam o desenvolvimento da autonomia individual e coletiva de
modo a enfrentar as iniquidades e a exclusão (Bógus & Westphal, 2007).
A escolha pela utilização da Sistematização de Experiências centrou-se na necessidade de se obter uma
compreensão mais refinada sobre o PCS com o objetivo de melhorar a própria prática; compartilhar
os aprendizados com outras experiências semelhantes; conduzir à reflexão teórica os conhecimentos
surgidos a partir da sistematização e contribuir com a produção de conhecimento nas áreas estudadas.
Uma peculiaridade da sistematização de experiências é a condição do sistematizador ter vivenciado a
experiência, sendo sua participação um pré-requisito para a realização da sistematização, pelo fato
deste ter posse de registros sobre a experiência e contribuir com o fornecimento de informações a
partir de sua própria experiência (JARA-HOLLIDAY, 1996). No presente caso, tendo a pesquisadora
participado da experiência investigada, o PCS, nos anos de 2008 a 2011, a reconstrução da história do
projeto em conjunto com os atores sociais implicados no trabalho possibilitou a aplicação da
sistematização na experiência apresentada.

2 Metodologia

A sistematização da experiência avaliada foi realizada ao longo de quatro oficinas, sendo as três
primeiras realizadas em 2012 e a quarta em 2013. Participaram das oficinas os seguintes atores sociais:
técnicos dos serviços públicos, participantes do projeto e equipe técnica (técnicos-educadores,
agrônomos, etc), num total de vinte e quatro pessoas, dos quais quatro representavam a equipe
técnica do PCS (execução do projeto); quatro representavam o corpo de funcionários da Prefeitura e
dezesseis pessoas representavam os participantes do PCS. Estes sujeitos da pesquisa foram convidados
para participar das oficinas.
Essas oficinas tiveram o suporte de uma consultora especializada em mediações de grupos,
denominada de “facilitadora”, que contribuiu com a coleta de dados (relatos, desenhos, painéis)
durante os quatro encontros. Participaram de todas as oficinas: agricultores urbanos do PCS
(participantes do projeto), equipe técnica da SEAE e técnicos do serviço público municipal (agentes de
saúde, enfermeiros, técnicos, assistentes sociais.
A seleção dos sujeitos que compuseram o grupo que representava o “institucional” teve como critério
a participação na execução do projeto, reconhecido como função atribuída a eles pelo serviço, dentro
de suas funções formais de trabalho, não sendo esse grupo contratado pela Prefeitura exclusivamente
para acompanhar os trabalhos do PCS. O grupo de funcionários da Prefeitura que, dentro de suas
responsabilidades profissionais, incorporou mais esta atividade, teve no projeto a função de:
acompanhar os técnicos e os participantes do PCS; participar e observar os trabalhos realizados nas
hortas; analisar os benefícios e resultados obtidos; e vivenciar, juntamente com os demais
participantes, os desafios enfrentados durante todo o período de realização. A equipe técnica e os
agricultores urbanos foram aqueles diretamente envolvidos com o projeto, pois participaram da maior
parte das atividades realizadas nas hortas, enfrentando desafios e obstáculos, mas também se
beneficiando dos resultados obtidos no decorrer do processo.
A seguir, apresentamos os propósitos de cada oficina:

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Oficina 1: Resgatar a história do projeto com agricultores urbanos do PCS, técnicos da equipe executora
da SEAE e técnicos da Prefeitura de Embu das Artes;
Oficina 2: Identificar o impacto do projeto na vida cotidiana de todos os envolvidos (com os mesmos
participantes da Oficina 1) sob a ótica da Promoção da Saúde;
Oficina 3: Obter informações acerca das Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças (FOFA) do PCS.
Esta oficina contou com a participação de dois agricultores urbanos, além dos técnicos da equipe
executora da SEAE e dos funcionários da Prefeitura de Embu das Artes. A escolha por convidar apenas
dois agricultores urbanos se deu pelo grau de envolvimento destes com as duas instituições durante a
operacionalização do PCS.
Oficina 4: Fazer a devolutiva dos resultados obtidos e validá-los junto aos sujeitos da pesquisa.
O critério estabelecido para a seleção dos sujeitos da pesquisa nas oficinas de sistematização foi
relacionado exclusivamente ao tempo de participação/envolvimento com o projeto, correspondente
a um período mínimo de seis meses. A idade dos participantes variou de 28 a 77 anos. Do total de vinte
e quatro pessoas que participaram das oficinas, oito eram do sexo masculino e dezesseis do sexo
feminino.
Os sujeitos da pesquisa que participaram das oficinas de sistematização e tiveram seus discursos
analisados foram identificados pela função de “agricultores urbanos/agricultoras urbanas” ou pela
função desempenhada na instituição de origem; e pela idade, no momento da realização das oficinas.
A pesquisa de mestrado a que este trabalho está vinculado obteve aprovação do Comitê de Ética em
Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo sob o nº 2323 de 27 de fevereiro
de 2012. Além disso, este estudo foi conduzido como parte de um projeto maior, FAPESP 2011/23.187-
3, intitulado de “Agricultura Urbana, Promoção da Saúde e Segurança Alimentar e Nutricional no
município de Embu das Artes”.

3 Resultados e Discussão

A sistematização é um processo metodológico formado por um conjunto de elementos: práticas,


conhecimentos, ideias, dados até então dispersos e desordenados (Berdegué, Ocampo, & Escobar
(2004). Para Martinic (1984), ela ocorre dentro de um processo de reflexão, obtendo-se, com isso,
explicações sobre o curso que assumiu determinado trabalho.
A proposta de sistematizar uma experiência deve estar relacionada a um processo histórico que se
conecta com diferentes elementos, em movimentos e inter-relações permanentes, capaz de produzir
troca de experiências, informações, novos conhecimentos, numa dinâmica contínua e simultânea, pois
os saberes empíricos e os científicos são colocados lado a lado e cada aspecto se constitui no todo e o
todo permeia cada aspecto (Berdegué, Ocampo, & Escobar, 2004).
A 1ª oficina objetivou resgatar a história do projeto. A facilitadora inaugurou o dia com uma dinâmica
de abertura visando trazer tranquilidade ao grupo, dado que alguns dos participantes não se
encontravam, há algum tempo, envolvidos com o PCS, servindo para que todos “aterrissassem” e se
concentrassem no que se desenvolveria ao longo do encontro. O passo seguinte foi uma apresentação
individual de cada um dos presentes de forma a esclarecer o papel que cada um exercia naquele dia,
sendo: representantes do grupo de pesquisa (cinco pesquisadores que auxiliaram na observação e
suporte geral das atividades); sujeitos da pesquisa (todos os envolvidos no processo), facilitadora das
oficinas e a pesquisadora.
A dinâmica utilizada para o “resgate do processo histórico” foi denominada de “Linha do Tempo”, em
que os participantes receberam fichas de cartolina e orientação para registrarem, individualmente, os
fatos mais marcantes na história do projeto, sendo um fato para cada ficha. Os participantes da oficina
foram convidados a colar as fichas ao longo de uma linha do tempo, que passou a ser dividida por ano.

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Após a leitura de cada uma das fichas, as mesmas foram fixadas em ordem cronológica e de forma a
possibilitar que diferentes participantes dessem suas contribuições e discutissem o histórico da
experiência de forma coletiva.
A Linha do Tempo, construída a partir das fichas, foi sistematizada em uma Planilha de Excel para
permitir o trabalho com filtros. A planilha foi composta por quatro colunas principais contendo: ano,
acontecimento narrado, visão, departamento/horta e para todas elas foram aplicadas auto-filtros para
auxiliar a análise. Nesta oficina, a facilitadora buscou animar o diálogo e manter viva a construção da
história do projeto. Em função do tempo restrito, não foi possível buscar a sequência dos fatos, com
isso, o foco deste dia foi a coleta das diversas experiências e fatos destacados pelos sujeitos da
pesquisa com base na participação no PCS. Esta oficina foi importante para ativar a memória dos
participantes, que puderam contribuir com informações importantes acerca do projeto como
instituições envolvidas, relacionamento com o poder local, facilidades e dificuldades encontradas.
A sistematização só é possível em vivências práticas, em processos sociais dinâmicos e complexos, em
que se inter-relacionam de modo contraditório um conjunto de fatores objetivos e subjetivos, entre
os quais destacamos: as condições do contexto em que se desenvolvem tais experiências; situações
particulares a se enfrentar; ações dirigidas para se conseguir determinado fim; percepções,
interpretações e intenções dos diferentes sujeitos que intervêm no processo; resultados esperados e
inesperados que vão surgindo ao longo do processo; relações e reações entre os envolvidos e assim
por diante (Jara-Holliday, 1996).
A 2ª oficina teve o propósito de identificar os impactos do PCS na vida dos envolvidos. Neste encontro,
o dia foi inaugurado com uma dinâmica na qual todos os participantes foram convidados a realizar um
exercício de respiração e concentração, sendo considerado pela facilitadora como preparatório para
as atividades seguintes. Na sequência, os participantes foram convidados para um exercício de resgate
de memória, voltado à construção da imagem de suas vidas antes e depois da participação no PCS.
Este exercício foi feito no formato de uma meditação guiada pela facilitadora. As perguntas
norteadoras foram: Como me percebo antes e depois do projeto? O que está diferente? O que as
pessoas percebem que mudou em mim? O que é diferente em mim, na relação com minha
família/comunidade depois que participei do projeto? O que sei fazer hoje que não sabia fazer antes?
O que deixei de fazer? O que mudou em minha saúde e na forma como me alimento? Em seguida, os
participantes receberam folhas de papel, giz de cera e canetas para expressarem e registrarem as
respostas por meio de desenho ou escrita, dando-lhes a liberdade de escolher a melhor forma de
expressão. Aqueles com dificuldade de escrita receberam apoio da equipe para fazerem seus registros;
muitos o fizeram por meio de desenhos. Após o registro individual foi solicitado aos participantes que
se dividissem em grupo para compartilharem seus registros com o intuito de compartilharem seus
textos e/ou desenhos. Em seguida, os participantes foram orientados a montar uma apresentação
coletiva sobre os impactos do projeto na vida de todos os membros do grupo; cada subgrupo realizou
as apresentações para o grupo maior e demais presentes. Todos tiveram direito a voz; a facilitadora
procurou incentivar as falas individuais, mesmo a dos mais tímidos. Na apresentação dos subgrupos
para a plenária, foram coletados as percepções e os sentimentos de todos, porém de forma agrupada.
A apresentação do primeiro grupo foi feita apenas oralmente, porém para a análise, tivemos o apoio
da transcrição do áudio, uma vez que todas as oficinas foram gravadas e transcritas. Ao final das
apresentações, os subgrupos entregaram suas anotações coletivas, feitas no papel do flip chart, à
pesquisadora.
Na sistematização de experiências o intuito é promover o diálogo e a aproximação entre ciência e
sociedade. A dialética é a forma predominante nos processos investigados em face de uma
preocupação voltada à efetiva interação entre os atores sociais envolvidos, de modo que possam
refletir, compreender e agir sobre realidades complexas, a partir do compartilhamento de experiências
e futuras tomadas de decisões (Sanches, 2011; Jara-Holliday, 1996).

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A 3ª oficina teve o objetivo de extrair do grupo quais eram as forças, oportunidades, fraquezas e
ameaças do PCS por meio de uma dinâmica conhecida como FOFA. Para a dinâmica de abertura deste
dia, foram realizados exercícios de movimentos com o corpo, massagem e respiração com todos os
presentes. Para provocar uma reflexão acerca das “forças” e “oportunidades” do PCS, a facilitadora
convidou os participantes a fazerem um resgate individual sobre uma situação em que o projeto havia
tido alguma oportunidade aproveitada. As perguntas norteadoras para reflexão sobre a situação
foram: O que contribuiu positivamente para que o processo acontecesse? Com que recursos
(financeiros, pessoais, parcerias, relações) pudemos contar? O que identifico que é interno e o que é
externo ao projeto que contribuiu para o êxito da situação? Em seguida, os participantes foram
divididos em subgrupos para compartilhar suas reflexões individuais, sendo orientados a montar uma
apresentação coletiva sobre as forças e as oportunidades do PCS. Ao final dessa tarefa, cada subgrupo
realizou as apresentações para o grupo maior. Na atividade voltada para o resgate das “fraquezas” e
“ameaças” do PCS, os participantes foram convidados a fazer um resgate individual sobre momentos
em que o projeto passou por uma situação ameaçadora e que não houve uma solução exitosa. As
perguntas norteadoras para reflexão sobre a situação foram: Que fatores impactaram negativamente
a situação e comprometeram seu êxito? O que faltou (internamente e externamente ao projeto) para
vencer os obstáculos encontrados? No segundo exercício reflexivo, o exercício não ocorreu
individualmente em função do tempo. Mesmo assim, os participantes foram convidados a sempre
remeterem a uma situação vivida para conseguir listar as fraquezas e as ameaças do projeto. Ao final,
cada subgrupo realizou apresentações para os demais.
A utilização da ferramenta denominada SWOT, ou FOFA, no idioma Português, permite uma análise
específica dos recursos, que compreendem, pontos fortes e pontos fracos, além de ameaças e
oportunidades para a organização. Essa ferramenta é denominada de modelo SWOT, que segundo
Machado (2005) e Wright, Kroll, & Parnell (2000), têm os seguintes significados: strenghts (força);
weaknesses (fraquezas); opportunities (oportunidades) e threats (ameaças).
A análise FOFA fornece uma orientação estratégica bastante significativa sobre o processo seja para
realização de um novo projeto de semelhante teor ou para continuidade do mesmo, pois de acordo
com Machado (2005) esta técnica permite eliminar pontos fracos nas áreas pelas quais a organização
enfrenta ameaças graves e tendências desfavoráveis perante o cenário em que se encontra, além de
revelar oportunidades a partir de seus pontos fortes; corrigir pontos fracos nas áreas em que a
organização vislumbra oportunidades potenciais; monitorar áreas onde a organização possui pontos
fortes a fim de não ser surpreendida futuramente por possíveis riscos e incertezas.
No que se refere ao processo, a sistematização de experiências é baseada no “resgate-reflexão-
planejamento” de uma determinada experiência no intuito de se evitar os mesmos erros e/ou
aprimorar futuras experiências ou, ainda, servir de modelo para experiências semelhantes. O “fazer-
coletivo” deve ser conduzido por estudiosos e mediadores comprometidos com os princípios de
participação dentro de movimentos cíclicos. Além disso, a sistematização de experiências tem como
objetivo maior o protagonismo individual e coletivo, sendo este método considerado um potente
instrumento para a transformação social (Sanches, 2011; Jara-Holliday, 1996).
As experiências, na ótica desta metodologia, são sempre vivas e carregadas de riquezas, constituindo
um processo inédito e único. Precisamente pela originalidade das experiências, todos os aprendizados
devem ser aproveitados, sendo necessário compreender a objetividade e subjetividade de cada
vivência, extraindo os ensinamentos intrínsecos, comunicando-as e compartilhando-as e, nesse
sentido, a arte de sistematizar experiências é um instrumento privilegiado para realizar tudo isso
(Berdegué, Ocampo, & Escobar, 2004).
A 4ª oficina de sistematização contou com a presença dos sujeitos da pesquisa e dos membros do
Grupo de Pesquisa e teve o intuito de realizar a devolutiva e fazer a validação dos resultados da
pesquisa. A pesquisadora apresentou os resultados obtidos na terceira oficina de sistematização

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denominado FOFA e apresentou os demais resultados da pesquisa sob a ótica da Promoção da Saúde.
A validação dos resultados foi feita por etapas, bem como complementada por comentários dos
sujeitos da pesquisa. Também foi passado para o público presente um vídeo com imagens das três
primeiras oficinas para que todos pudessem se recordar dos trabalhos realizados anteriormente. Ao
final desse encontro, a facilitadora solicitou alguns minutos de silêncio para uma reflexão individual e
posteriormente pediu que cada um compartilhasse com os demais as seguintes questões: Como foi
participar das oficinas? O que significou essa participação? Após a rodada de depoimentos, foi
celebrado o encerramento dos trabalhos.
A sistematização de experiências contribui para pesquisas científicas, principalmente quando o objeto
de estudo refere-se a iniciativas, programas e/ou projetos com foco na participação social e na
construção coletiva, registrando fatos, compartilhando resultados e produzindo conhecimento. Ao
proporcionar uma concepção dialética, esta metodologia traz à tona a interdisciplinaridade e favorece
processos colaborativos, reflexivos, dialógicos, dinâmicos e educativos, e sua aplicação pode se dar em
trabalhos nas áreas de Educação, Saúde e Meio Ambiente.
Em termos pedagógicos, a sistematização de experiências consiste num processo investigativo capaz
de integrar saberes e ciências, tendo como propósito a construção de um conhecimento autônomo e
comprometido com a mudança de pensamentos, estruturas e subjetividades. Esta metodologia baseia-
se na utilização de ferramentas que interrelacionam a construção do conhecimento e a recuperação
da aprendizagem gerados durante o processo de reflexão, além de contribuir para o desenvolvimento
de habilidades cognitivas complexas capazes de perceber e captar uma maior diversidade de variáveis
repletas de subjetividades; ajudar a contextualizar sem determinações rígidas; relacionar saberes com
os sentidos e possibilitar a compreensão de problemas cada dia mais globais (Sanches, 2011).
Pensada como uma ferramenta empoderadora de indivíduos e coletivos, esta metodologia pode
auxiliar no aprimoramento de processos ligados à saúde, pois se pauta pela ação coletiva dentro do
contexto político e sociocultural dos participantes, promovendo autonomia, poder de decisão e
participação ativa no processo.

4 Conclusões

A sistematização de experiências é uma metodologia que está situada dentro de uma concepção
dialética capaz de lidar com fatos complexos; realizando um recorte temporal sobre um processo já
concluído, além de ter a função de aprimorar processos em curso e/ou contribuir na realização de
novos processos. Utilizada neste estudo para avaliar e reconstruir a experiência do PCS, a metodologia
demonstrou que quando é vinculada ao desenvolvimento de um projeto coletivo auxilia na ação
reflexiva e crítica do processo que está sendo investigado.
Pelo seu caráter sistemático de resgate de uma história vivida pelos sujeitos da pesquisa, a
sistematização pode servir de base para a geração de conhecimentos, diálogos e compartilhamento
de experiências, além de produzir aprendizado e qualificação do processo; análise da importância dos
efeitos desta participação nas pessoas e difusão de resultados (Moyses & Moyses, 2012).
A coleta e a transcrição de relatos obtidos durante as quatro oficinas de sistematização contribuíram
para a sistematização do PCS permitindo a ressignificação do processo vivido a partir da visão dos
envolvidos.
A utilização da sistematização de experiências, apoiada nos processos de educação popular, permitiu
uma melhor compreensão sobre a dinâmica, o alcance e os resultados do trabalho desenvolvido no
projeto; o reconhecimento dos papéis desempenhados pelos diversos atores sociais; o entendimento
sobre o processo de empoderamento, de participação, de resgate cultural, de desenvolvimento de
habilidades, de aquisição e multiplicação dos conhecimentos, entre outros. Permitiu, ainda, identificar

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os princípios e campos de ação da Promoção da Saúde presentes no PCS e a interface com a Segurança
Alimentar e Nutricional.
Merecem destaque algumas percepções sobre a participação dos envolvidos nas oficinas de
sistematização. A primeira relaciona-se à contribuição dos participantes do projeto para a presente
investigação, o que foi motivo de orgulho para eles, pois perceberam a importância de fornecerem
informações necessárias para sistematização do PCS, objeto de uma pesquisa científica e, sobretudo,
perceberam o quanto a sistematização permitiu a eles identificar a importância de seu trabalho, além
da conscientização de todos os participantes (sujeitos da pesquisa, pesquisadora, facilitadora, demais
pesquisadores) sobre a importância de terem vivenciado tais processos.
A segunda esteve ligada à avaliação participativa do projeto através da metodologia FOFA, aplicada
em uma das oficinas de sistematização, que contribuiu para elevação da autoestima dos participantes,
uma vez que se perceberam como protagonistas do projeto, da atividade avaliativa sobre o trabalho
desenvolvido e das oficinas de sistematização enquanto metodologia utilizada em pesquisa acadêmica.
A terceira percepção esteve relacionada à devolutiva e a validação dos resultados obtidos na pesquisa,
pois proporcionou aos participantes a oportunidade de manifestarem o significado da participação no
PCS e na pesquisa científica, enquanto atores sociais envolvidos na experiência de agricultura urbana
e implicados na pesquisa científica. Além da oportunidade de manifestação, possibilitou à
pesquisadora fazer a validação dos resultados obtidos adicionando ressalvas e/ou comentários que
emergiram dos participantes durante este momento. Ressaltamos, aqui, o caráter acolhedor e
integrativo da sistematização de experiências, pois permite a combinação com outros métodos,
técnicas e/ou instrumentos, como no caso da presente pesquisa em que dentro dos encontros, outras
técnicas foram introduzidas, tais como: a Linha do Tempo, na primeira e a análise FOFA, na terceira
oficina de sistematização.
A sistematização de experiências também nos conduz a reflexões individuais e coletivas contribuindo
para a aprimoramento de futuras experiências e/ou beneficiando experiências semelhantes com
informações apreendidas, além de ser multifuncional dentro da pesquisa social, pois atua no resgate
dos saberes, na produção coletiva de novos conhecimentos e na transformação da realidade
investigada.
Como limitação, destacamos a escassez de material bibliográfico atualizado sobre a metodologia de
sistematização de experiências, sendo a maioria delas publicadas há mais de cinco anos.
Por fim, a sistematização de experiências enquadra-se dentro de processos voltados à construção
coletiva, pois incentiva a reconstrução de determinado trabalho ou situação, por meio do resgate
memorial dos fatos que mais se destacaram; na reflexão da história reconstruída pelos atores
envolvidos e na análise dos fatos ocorridos pensando em perspectivas futuras, seja na melhoria de
algo já existente ou na realização de algo novo.

Agradecimentos. As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico


(CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelos apoios financeiros recebidos
através de bolsa de mestrado e auxílio à pesquisa no processo CNPq no. 153903/2011-2, vinculada ao projeto
FAPESP 2011/23.187-3.

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Referências

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Bonetti, O. P., Pedrosa, J. I. dos S., & Albuquerque Siqueira, T. C. de (2011). Educação popular em saúde
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Bógus, C. M., & Westphal, M. F. (2007). Participação social e cidadania em movimentos por cidades
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