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Dimensão Literária Do Apocalipse - Xavier Alegre
Dimensão Literária Do Apocalipse - Xavier Alegre
O Apocalipse de
São João
Xavier Alegre
D im en sã o lit er ár ia
Par a uma com pree nsão ade qua da do Apo cali pse é esse
ncia l o estu -
do de seus elem ento s liter ário s, com o o dem ons tra a abu
nda nte liter atur a
espe cial izad a que foi pub lica da nest es últim os anos
. Foi just ame nte a
con trib uiçã o dos mét odo s hist óric o-cr ítico s o que tem
faci litad o uma lei-
tura, verd ade iram ente ecu mên ica, do Apo cali pse que
sup ere as inte rpre -
taçõ es abe rran tes e fant ásti cas que freq üen tes vez es
oco rrem . .
I. O TE XT O
Gra ças às pesq uisa s sob re o livro do Apo cali pse real izad
as no cam po da
crítica text ual, 1 hoje pod emo s con fiar que as ediç ões críti
cas mod erna s nos
oferecem, no fund ame ntal , o text o orig inal do Apo cali
pse e clas sific ar me-
lhor os dive rsos man uscr itos que dão test emu nho de seu
texto.
A hist ória da form ação do text o greg o do Apo cali pse pod
e ser siste ma-
tizada em qua tro corr ente s. Em prim eiro lugar, o den omi
nad o texto .neutro,
1 Cf. H. e. Hosk ier, Conc ernin g the Text ofthe Apoc alyps
e, 2 vols. (Lon dres 1929 ); J. Schm id,
Studien zur Gesc hicht e des griec hisch en Apok alyps etext
es, 2 vols. (Mun ich 1955 -1956 ), que é a obra
funda ment al do pont o de vista da crític a textu al; além
disso , cf. a atual izaçã o deste s estud os que J .
Delo bel fez, Le texte de l'Apo calyp se. Prob leme s de
méthode, em J: Lamb recht (ed.), L'Ap ocaly pse
johan nique et l'Apo calyp tique dans le Nouv eau Testa
ment (Lou vam 1980 ) 151-1 56, com a bibli o-
grafi a que ele ofere ce na nota 1 da págin a 151 cf. tamb
ém, A. Strob el, Apok alyps e des Joha nnes , em
TRE 3, 180.
194 Dimensão literária
2. A linguagem e o estilo
b) Sintaxe
c) Semitismos
Das construções sintáticas, tipicamente gregas, faltam sobretudo, as
que não têm correspondên cia no hebraico da época. Assim, por exemplo,
não encontramos no Apocalipse nenhum genitivo absoluto, coisa que não
ocorre em João. As construções de infinitivo com acusativo são pouco
freqüentes; desta forma encontramos com dei, porque não existe alterna-
tiva, mas quando existe alternativa, só se encontram em 2,2.9; 3,9.
d) O estilo
Os especialistas concordam em considerá-lo inimitável, único. É tí-
pica do Apocalipse a repetição de determinados argumentos. Co~o o tí-
tulo Aquele que é, Aquele que era, Aquele que vem (1,4; 1,8; cf. também
11,17 e 16,5, onde já não se diz Aquele que vem, pois quando se iniciam
os acontecimento s finais, como a encarnação/ exaltação de Jesus, João
considera que "já veio"). Ou a fórmula que é repetida três vezes, kai
semeion (mega / a/lo) ofthe en to ourano (12,1.3; 15,1). Ou a exortação
ho echon ous akousato ti to pneuma legei tais ekklesiais, com que conclui
cada uma das cartas, a segunda e a terceira. Ou a repetição de allelouia
em 19,1-8.
196 Dimen são literár ia
Para pode r interp retar bem o Apoc alips e é preci so que nos situe mos
dentr o da corre nte da litera tura apoca líptic a que flore sceu entre os sécu-
los II a.e. a I d.C. (obse rvar mais à frente). Aqui obser varem os algum as
de suas carac teríst icas gerai s, que nos dão a chav e para a interp retaç ão de
sua mens agem .
b) Os símbo los
A lingu agem simb ólica é um dos aspec tos mais espec íficos da litera -
tura apoca líptic a e contr ibui para conv ertê-l a em litera tura cifrad a. No
Apoc alips e as imag ens são toma das, freqü entem ente, do Antig o Testa -
ment o. Se levar mos em consi deraç ão as citaç ões e as alusõ es ao Antig o
Testa ment o, o Apoc alips e pode ria ser visto como um puzzl e ( queb ra-ca -
beças ) do Antig o Testa ment o.
Os símb olos costu mam conte r imag ens comp licad as freqü entem ente
barro cas, tirada s da natur eza ( anim ais e plant as) ou da arte (estátu as, pen-
sar em Dani el). De fato, o ponto de partid a do simb olism o apoca líptic o é
o sonho , que no mund o bíblic o é interp retad o como uma revel ação de
Deus (cf. Gn 20,3; 28,12ss; 37,5- 10; Dn 7,lss ; Mt 1,18- 23; 2, 12.13ss.18ss).
O sonh o evolu iu para visão , às vezes com imag ens sobre carre gada s, im-
possí veis de imag inar, pelo que o sábio tem a funçã o de interp retá-l as,
coisa que costu ma fazer freqü entem ente servi ndo-s e do "anjo intérp re-
te", ao-qu al se atribu i a missã o de ir decif rando o signi ficad o das imag ens
ou dos fatos (17,7 ss; Me 16,6) .
A lingu agem simbólica, além de ser mais suges tiva, tem a vanta gem de
universalizar a mens agem . Pois, ainda que os símb olos esteja m se referindo,
primariamente, a uma realidade que está sendo vivid a pelo autor, não obstante,
a lingu agem simbó lica ajuda a toma r consc iênci a de que a sua mens agem é
válid a para todas as época s. Isto apare ce muito clara ment e em alguns dos
simbolismos utilizados pelo Apoc alipse e que foram toma dos da tradição
profética e apoca líptic a do Antig o Testa ment o, onde eram aplic ados aos im-
périos da época que amea çavam o povo de Israel.
Ezequiel e o segundo Isaías 197
A . .
~ . sszm, por exemplo, no Apocalipse cap. 17 e 18, o autor quer falar do
lmperzo Ro":°;,n~ que persegue a comunidade, e o fará denominando-o de "a
grande Babzlonza, a mãe de todas as prostitutas e das abominações da terra"
0 7,5 ), uti!izando imagens que Isaías e Ezequiel haviam utilizado para identi-
ficar as ~idades opressoras de Israel, sobretudo Babilônia, que se converteu
para os Judeus em símbolo do mal e do perigo da idolatria que cega o povo
crente. Dentro da mesma linha pode denominá-la também "a Besta da terra"
(13,lss) e a descreverá dizendo que "se parecia com uma pantera, seus pés
contudo eram como2 de um urso e sua boca como a mandíbula de um leão"
( 13,2), atribuindo-lhe, desta forma, os símbolos que em Dn 7,4-6 eram aplica-
dos aos impérios babilônico, medo e persa. Com isso, se indica que o poder de
Roma é como o dos três impérios juntos. E se a Besta tem sete cabeças - sete
é símbolo de plenitude, como veremos logo a seguir- e em 17,9 diz que tais
cabeças simbolizam "sete colinas" -Roma era conhecida, já na antiguidade,
como a cidade das sete colinas - ou "sete imperadores", com isso se dá ao
leitor/ouvinte iniciado algumas pistas para decifrar o significado do símbolo.
Não esqueçamos que 17,10-11 parece aludir a Domiciano, que, pela.sua cru-
eldade e perseguição dos cristãos, poderia ser visto como uma concretização
da lenda que supunha que Nero voltaria à vida e o seu reino seria ainda mais
horroroso do que o foi da primeira vez.
2 o uso da partícula como é típico da linguagem a~oca~íptica, por isso, os seus au~ores estão
conscientes de que suas visões somente podem ser aprox1mat1vamente expressas por me10 de com-
parações e símbolos; cf. por exemplo Me l,10; At 2,3.
198 Dimensã o literária
cevada - custa um denário , quer dizer, o salário de uin dia (cf. Mt 20,2).
O cavalo esverde ado (6,7-8) é símbol o de peste e de morte.
Alguns dos símbolos são fáceis de ser interpretados, sobretudo se estamos
familiarizados com o Antigo Testamento. Assim os chifres são símbolos clás-
sicos do poder e, por isso, João representa com sete chifres tanto o Cristo
(5,6) como o diabo (12,3). E a Besta da terra tem sete cabeça s e dez chifres
(13,1; 17,3), significando as dez coroas de seus chifres (17,2) os reis vassalos
que receberão seu poder de Roma. Quanto à mulher que, em Apocal ipse 12,
está coroad a de doze estrelas - símbolo das doze tribos de Israel; observa r
também os doze patriarcas e os doze apóstolos que aparece m em 21,22 - e dá
à luz um filho varão que o dragão quer devorar, mas quando nasce "foi arre-
batado para junto de Deus e de seu trono" (12,5; cf. também 12,4-5), simbo-
liza o povo de Deus,3 que no Calvário dá à luz o Messia s libertador: ao ser
glorificado Jesus, Satanás fica vencido, destronado; lembre mos que o ser
expulso do céu, que é narrado em 12,7-12, é um modo simból ico de expres-
sar à conseqüência fundamental da ressurreição, enquan to esta é o início dos
tempos novos e do triunfo definitivo de Deus sobre a morte e o mal, simboli-
zados pelo demônio; uma idéia familar no Novo Testamento aparece em Lc
10,18 e Jo 12,31.
Todos os símbol os têm em João uma função eminen tement e religio-
so-polí tica, pois com eles se está dando ao leitor, por um lado, a Boa
Notícia (14,6) de que o império injusto que está perseg uindo os cristão s
cairá (ver 16,18 e a alegria com que lhe canta a queda emAp 18); e, por
outro lado, serve de advertê ncia ao leitor para que manten ha sempre viva
e alerta e a militân cia cristã. Pois quando Roma cair, Babilô nia pode vol-
tar a ressurg ir em um outro império , visto que o monstr o, o dragão , renas-
ce sem cessar em um mundo injusto, enquan to não tenha se tomado rea-
lidade o triunfo pleno de Deus (20, 7-1 O) e não tenha descido à terra a
Jerusal ém celestia l, o novo céu e a nova terra (21,1- 22,5), que Deus tem
promet ido, como nova criação , para o final dos tempos . Neste sentido , o
simbol ismo ajuda a tomar consciê ncia de que a mensag em do Apocal ipse
é uma mensag em válida para todos os tempos , enquan to a Igreja continu -
ar peregri na na terra.
e) Os número s
Os número s são uma das chaves fundam entais para poder interpre-
tar o pensam ento apocalí ptico e põem em realce a sistema tização própria
do gênero . João os utilizá profusa mente em sua obra. O número 7 aparece
Cf. o que afirmarem os mais adiante, pois trata-se de uma questão debatida, como veremos.
3
Texto 199
4
Cf. R. H. Mounce, The Book of Revelation (Grand Rapids 1977) 39-45.
Dimens ão literária 201
final do século I. 2) A interpr etação histori cista que acredit a descob rir no
Apocal ipse um anúnci o antecip ado de diverso s aconte ciment os históri -
cos até o momen to atual. De acordo com isto, cada autor vai aplican do as
"prediç ões", freqüe ntemen te de modo peregr ino, aos aconte ciment os his-
tóricos que foram vivido s até o momen to no qual se escrev e. 3) A inter-
pretaçã o futuris ta ou escato lógica que sublin ha que o Apoca lipse coloca
ênfase na vitória final de Deus sobre as forças do mal. 4) A interpr etação
idealist a ou atempo ral, que susten ta que o Apoca lipse não faz nenhu ma
referên cia aos aconte ciment os históri cos, mas preten de muito mais ex-
pressar os princíp ios fundam entais, de acordo com os quais Deus atua na
Históri a.
Se bem que o Apoca lipse seja um livro único no Novo Testam ento -
isto não imped e que encont remos no Novo Testam ento alguns fragme n-
tos apocal ípticos , como em Me 13 (cf. os paralel os Mt 24 e Lc 21; e
também em 2Ts 2; lCor 15,20- 28) -, convém ter muito presen te que o
fenôme no apocal íptico era freqüe nte no mundo antigo e, sobretu do, no
bíblico e extrab íblico; assim, exceto Daniel , sobretu do 7 - 12, e divers os
fragme ntos que encont ramos no Antigo Testam ento, como em Is 24 - 27;
Zc 9 - 14; e Joel, temos obras muito signifi cativas no mundo apócri fo,
tanto judaic o quanto cristão . Entre os livros apócrif os são muito signifi -
cativos os escrito s atribuí dos a Henoc - sobretu do 1º Henoc ou Henoc
etíope, que contém fragme ntos que vão desde o século III a.e. até a pri-
meira metade do século I d.C. - e dois textos judaic os, contem porâne os
do Apoca lipse, 4º Esdras e 2º Baruc ou Baruc siríaco .
Às caracte rística s de lingua gem cifrada e pseudo nímia (sobre a
pseudo nímia ver adiante , pp. 254-25 6) que já vimos no Apoca lipse, con-
vém acresc entar aqui que, a partir de uma certa visão dualist a do mundo
que encont ramos també m no Apoca lipse, é típico da apocal íptica que a
revelaç ão - que pode ser em forma de epifani a, visão, audiçã o, viagem ao
mundo celesti al, recepç ão de um livro celeste oculto - não seja recebi da
diretam ente de Deus, mas por meio de um anjo ou de Cristo. O conteú do
destas revelaç ões pode girar em tomo de dois centros fundam entais, os
segredo s da nature za - o que serve para fixar o calend ário ou para falar
dos astros - e o descob riment o daquil o que ·ocorre rá no futuro. Fre-
qüente mente, revela- se como são os lugare s do prêmio e castigo na outra
vida (cf. 1 º Henoc e Apoca lipse de Pedro) . É própri o també m da
apocal íptica que, ao acentu ar-se a transce ndênci a de Deus, os anjos e os
a
D im en sã o li te rá ri
20 2
sd
el im p o rt an te n o s a c o n te c im e n to es te
en h em u m p ap
d em ô n io s d es em p
mundo.