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UNIVERSIDADE ÓSCAR RIBAS

CURSO DE DIREITO

AULAS RESUMIDAS DE
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO
DIREITO

DOCENTE: CELESTINO KALANJA1

Luanda, 2020
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Doutorando em Direito, Mestre em Governação e Governação em Gestão Pública e Licenciado e
Direito.

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11/03/2020

Aula n.º 1 e 2
Sumário:

1. Apresentação do Docente versus Discentes


2. Objecto e Fim da Disciplina de Introdução ao Estudo do Direito
3. Discrepância entre Introdução ao Estudo do Direito e outros Ramos do
Pensamento Jurídico

2. Objecto e fim da Disciplina de Introdução ao Estudo do Direito

Várias são as discrepantes apreciações que os autores ou doutrinadores


apresentam em sede do objecto de estudo da presente disciplina, configurada por
excelência no primeiro ano do Curso do Direito.
Assim, diante de um leque de visões doutrinais diferentes, imprime-se a
necessidade de se perceber e considerar quais sejam as referidas opções. Neste
sentido, o que não se pode denegar é a posição adoptada pelo autor que seguimos
ou perfilhamos.
Como não podemos abraçar todas as posições doutrinais, dada a incapacidade ou
limitações de acesso as mesmas, mais ainda pela “homenagem” da referência
obrigatória da posição do autor que seguimos, o objecto de estudo da nossa
disciplina de Introdução ao Estudo do Direito é o Direito.
Vale sublinhar que, não se pode confundir o objecto de estudo desta disciplina
Introdução ao Estudo do Direito com a Teoria Geral do Direito Civil, muito
menos com a Enciclopédia Jurídica ou outra cadeira afim, as quais serão
abordadas em sede das matérias discrepantes da nossa disciplina em tópicos
subsequentes.

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Quanto ao fim da disciplina de Introdução ao Estudo do Direito, visa munir,
acomodar, capacitar ou mesmo preparar o estudante do primeiro ano do curso do
Direito com as matérias “especiais” de todo um pouco dos distintos ramos do
direito, para que diante dos inúmeros casos jurídicos com que se possa deparar
durante a sua trajectória poder dirimi-los sem sobressaltos.

3. Discrepância entre Introdução ao Estudo do Direito e outros Ramos


do Pensamento Jurídico

A disciplina de Introdução ao Estudo do Direito tal como apresenta conexões


com muitos outros ramos da ordem jurídica, que igualmente disciplinam o
fenómeno da vida social, no mesmo formato, não lhe é alheio determinadas
disciplinas ou ramos do pensamento jurídico discrepantes, que cabe fazer
referência, ainda que dogmaticamente não se possa considerar que pertençam ao
mesmo ramos do direito.
Entre estes ramos, encontra-se, desde logo, a Teoria Geral do Direito Civil, a
Filosofia do Direito e a Enciclopédia Jurídica.

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13/03/2020

Aula n.º 3, 4 e 5
Sumário:

1. O Homem e a Sociedade
1.1. A Natureza Social do Homem
1.2. A Ordem Social. Instituições Sociais
1.2.1. Noção e Função
1.2.2. Necessidade

I – ORDEM SOCIAL

I – I – RELAÇÃO DO HOMEM COM A SOCIEDADE

O Homem tem natureza social Aristóteles “O Homem é um animal político”

Por natureza o Homem vive em sociedade. Aristóteles constatou que o Homem


não é auto-suficiente, sozinho não sobreviveria, precisa da convivência com os
outros para obter os elementos e as influências necessárias ao equilíbrio que
precisa para que se possa manter vivo.
Daqui podemos concluir que a relação pretensa entre o Homem e a Sociedade é
algo de inato, é algo que transcende a vontade humana, é algo que resulta da
própria natureza do Homem.
Na análise da relação entre o Homem e a Sociedade podemos concluir que o
Homem pertence a dois (2) mundos ou a dois (2) universos distintos:

1 – MUNDO NATURAL – em que o Homem é parte de todo um


conjunto, que integra um ecossistema na exacta medida em que todos os outros

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seres Animais, Vegetais ou Minerais, seres vivos ou inertes, o fazem. O Homem
não passa de uma partícula desse conjunto.
Contudo, o Homem tem sobressaído nesse ecossistema, na medida em que tem
características e qualidades que lhe permitem a distinção sobre os restantes seres
e, até, o domínio sobre as restantes espécies.
É por isso, que se mantém ainda actual uma perspectiva antropocêntrica do
universo, onde o Homem é o centro de todas as preocupações universais. O
núcleo que dá força ao próprio sistema, apesar de existirem posições que
afirmam uma perspectiva diversa desta, nomeadamente, as posições ecocêntrica e
económico-cêntrica.
A primeira coloca os factores ecológicos no centro das preocupações actuais,
onde todos os seres, vivos ou inertes, merecem a mesma protecção. A Segunda,
económico-cêntrica, coloca o acento tónico das preocupações nos recursos
naturais e na maximização do sustentado, pelo que, os seres, vivos ou inertes,
desempenham um papel cuja relevância há-de depender da possibilidade do seu
aproveitamento.

2 – MUNDO CULTURAL – em função da sua inteligência, porque o


Homem trabalha, procura produzir para viver melhor e este aspecto é um aspecto
que, sem margem para qualquer dúvida, distingue o Homem dos restantes seres,
porque estes desenvolvem uma conduta de mera subsistência.
Assim sendo, só o Homem pertence ao mundo cultural, e é neste mundo que ele
se afirma, que ele se desenvolve, através da convivência com os outros.
È este mundo cultural que servirá de base à nossa análise, porque neste âmbito o
Homem desenvolve relações sociais, relaciona-se com os outros, e é preciso que
existam regras disciplinadoras da vida em Sociedade.

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II – A ORDEM E AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

II – I NOÇÃO E FUNÇÃO DE INSTITUIÇÃO SOCIAL

O termo Instituição tem um carácter polissémico, na medida em que são


diversos os sentidos ou perspectivas em que o termo Instituição pode ser
analisado:
1 – numa perspectiva etimológica, ou seja, tendo em conta a origem da
palavra, instituir significa criar e preservar, significa tudo aquilo que nasce e não
é perene, ou seja, é tudo que permanece ou que perdura, que se mantém numa
Sociedade em evolução;
2 – o termo instituição é analisado segundo a linguagem corrente, atento
o uso que no quotidiano lhe é dado, e aqui, Instituição, corresponde a um
conjunto complexo, mais ou menos extenso, de leis, de normas ou de outras
realidades;
3 – o termo Instituição pode ser analisado do ponto de vista jurídico ou
técnico. È esta a perspectiva de análise do termo Instituição que mais interessa
no âmbito da nossa análise, e aqui, ele corresponde a um conjunto de normas que
disciplinam ou regulam um conjunto ou um tipo de relações sociais, normas
essas que estão subordinadas a princípios comuns e que se organizam de uma
forma sistemática, ou seja, numa perspectiva técnico-jurídica, instituto é
sinónimo de sistema.
Desempenham uma função de Instituição de grande relevo, porque ajuda na
resolução dos problemas do Homem e da Sociedade. A existência de uma
instituição confere estabilidade ao Homem e às relações sociais, dá-lhes certeza
normativa. A existência de uma Instituição, também ela, fonte de segurança
jurídica, segurança essa que é imprescindível à correcta planificação do futuro. A
existência de uma Instituição, de um conjunto organizado, unifica, identifica e
rótula os seus membros.

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II – II TIPOS DE INSTITUIÇÃO

Existem essencialmente 2 tipos de Instituição:


1 – Instituições fundamentais – e aqui temos por fundamentais aquelas
Instituições que são absolutamente imprescindíveis à subsistência humana,
segundo o paradigma social, ou seja, sem elas hoje não seria possível a regular
convivência social .Estas são fundamentais, porque sem elas não seria possível
viver em Sociedade (Ex. ordens normativas, onde se inclui a ordem jurídica,
ordem religiosa, ordem moral e a ordem do trato social; Ex. a Família, porque é
desta Instituição que saem ou resultam as demais Instituições; Ex. a Propriedade,
é hoje pedra angular do nosso sistema político e social é essencial ao nosso
modelo de organização; Ex. o Estado, é uma facto agregador e de unidade do
povo e, por isso, é uma Instituição onde se integram todos os que comungam de
algumas características, como sejam as de viver num determinado território).
2 – Instituições secundárias – estas Instituições não têm a essencialidade
das primeiras, mas têm por objectivo completar ou dar-lhes eficiência (Ex.
Escolas; Associação académica; Fundação; Igreja; Sindicato).

II – III NECESSIDADE DAS INSTITUIÇÕES

Já vimos que o Homem, de uma forma inata, vive em Sociedade, mas, além
disso, o Homem é por natureza inacabado, está em permanente mutação. Ora,
tudo isso faz com que o Homem sinta necessidade de orientação permanente. As
instituições são, por isso, necessárias para o Homem, porque são elas que traçam
o caminho que o Homem deve percorrer, é nas Instituições que o Homem
encontra instrumentos de orientação, um rumo de acção no meio em que ele se
integra.
Ora, todas as instituições desempenham esta função de escola, de factor de
aprendizagem e todas as Instituições são fontes de conhecimento.

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18/03/2020

Aula n.º 6 e 7
Sumário:

1. Abordagem Geral sobre as Ordens Normativas


1.1. Preliminares
1.2. Ordem Religiosa
1.3. Ordem Moral
1.4. Ordem de Trato Social
1.5. Ordem Jurídica
2. Trabalho Investigativo dos Distintos Grupos da Turma Sobre os Temas.

Como é sobejamente sabido, a sociedade enquanto meio que por virtude da qual
os homens mantém ou estabelecem vínculos está submissa a inúmeras e
deferentes ordens normativas.
Neste sentido, no quadro do estudo da disciplina de Introdução ao Estudo do
Direito imprime-se sem sombra de dúvidas a necessidade de se saber quais a
referidas ordens, os aspectos que as justificam ou caracterizam para as distinguir
uma da outra
Neste quadro de análise, para o efeito, dos três grupos de trabalho existentes na
turma, far-se-á a distribuição dos temas conforme em tópico, para pesquisa,
apresentação e debate na turma, com excepção da ordem jurídica que será
ministrada pelo professor.
Importa realçar que, depois de apresentado os temas pelos distintos grupos, o
professor efectuará a consolidação e o resumo dos mesmos.

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20/03/2020

Aula n.º 8, 9 e 10
Sumário:

1. Apresentação e Debates Sobre os Trabalhos Investigados


2. Consolidação e Resumo dos Temas.

III – ORDENS

O homem tem uma inata necessidade de viver em Sociedade. A subsistência


humana depende do estabelecimento de relações entre os seres humanos. Essas
relações, chamadas relações sociais, podem assumir diversas configurações,
podem ser:
- relações de coordenação – por exemplo as relações entre 2 sócios de
uma sociedade por quotas;
- relações de subordinação – por exemplo as relações dos pais com os
filhos, trabalhadores e empregados;
- relações de integração – característica essencial das relações religiosas.

A existência desta diversidade de relações, exige que se conceba um regime


fortemente disciplinador, regime composto por normas, cujo objectivo é regular
os comportamentos do Homem em Sociedade.
Essas ordens normativas, essas normas, que pretendem regular os
comportamentos humanos, circunscrevem-se ao mundo cultural, são leis
culturais que se referem a valores e, por isso, têm natureza axiológica (valores)
ou teleológica (finalidades, objectivos).

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III – I LEIS NORMATIVAS E LEIS FÍSICAS

As LEIS FÍSICAS - são meramente explicativas ou exemplificativas, assentam


em factos e retractam fenómenos naturais, dizem aquilo que existe e reportam-
se ao ser e são invioláveis.
Ao contrário destas, as leis normativas regulam ou disciplinam comportamentos,
determinam não o ser mas o dever ser e porque se dirigem a pessoas e apelam à
sua vontade são violáveis.
As LEIS NORMATIVAS - estabelecem-se com base em padrões
comportamentais, em atitudes ou condutas idealizadas. Aquilo que a ordem
jurídica, moral, religiosa ou do trato social fazem integrar nas suas normas são
comportamentos, ideais, perfeccionistas e partem de valores (Ex. a preservação
da vida humana é um valor, é uma máxima a atingir. Ora, se a preservação da
vida humana é um valor a atingir, para a sua protecção serão criadas normas
dirigidas ao homem para que esse valor se preserve. E, assim, o código penal diz
nas suas norma que quem matar outro será punido).
Esta norma tem um fundamento axiológico, que é a preservação da vida humana,
mas porque se trata de uma norma assente em valores e não em factos, ela dirige-
se à vontade humana e, nessa medida, pode ou não ser respeitada. E ser ou não
respeitada não tem influência na validade da norma, mas meramente na sua
eficácia e, portanto, a norma será mais ou menos eficaz consoante seja mais ou
menos respeitada.
As LEIS FÍSICAS, a contrário, não partem de valores nem se dirigem à vontade,
são demonstráveis de forma empírica (Ex. lei da gravidade; lei da vida, etc.).

III – II ORDENS

1 - ORDEM RELIGIOSA – Criada por um ser transcendental tem pano de fundo


divino, na medida em que as suas normas se fundam em Deus. Procura na
vivência humana fazer com que os homens vivam à imagem e semelhança de
Deus e, assim, consigam eternizar a vida e obter a realização divina.

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A religião é composta por um conjunto de regras, tal como o é o direito, e
importa, por isso, traçar a fronteira entre direito e religião.
Nessa medida, a ordem religiosa possui 3 características que identificam as suas
normas e que permitem a correcta distinção entre religião e Direito:
1ª - as normas religiosas têm um carácter instrumental, não são um fim
em si mesmas, mas limitam-se a preparar e a tornar possível aquilo que não
pertence ao mundo terreno mas à transição para a vida eterna;
2ª - são normas intra - individuais, porque se dirigem, essencialmente, aos
aspectos internos, aos pensamentos, às sensações e às vocações, negligenciando,
ou colocando em 2º plano os actos e os factos;
3ª - as normas religiosas são normas, em regra, com cariz sancionatório,
são dotadas de sanção, nomeadamente, o remorso.
A aplicação das sanções religiosas é uma competência alheia à vontade do estado
e circunscrita à actividade das igrejas. Nessa medida, a sua aplicação não é
caracterizada pela coercibilidade, ou seja, não pode ser imposta pela força.
Cumprir as normas religiosas significa alcançar as metas a que a ordem se
propõe. A vida eterna é a forma de retribuição que a ordem religiosa estabelece
para quem acata os seus ditames. O remorso é o castigo, é a sanção para os
prevaricadores, quem não cumpre.
Ao longo da história assistimos a alguma confusão promíscua entre a religião e o
Direito, aliás o Direito Romano em muito se funda em normas religiosas. O
próprio conceito de Ius, associado à deusa Iustitia, demonstra a origem divina do
Direito e, portanto, numa perspectiva embrionária o Direito teve uma fonte
eminentemente religiosa. Ao longo do tempo assistimos a uma secularização do
Direito e à laicização do Estado, ao ponto de podermos hoje afirmar que o direito
e religião são coisas distintas, são coisas diversas, o que não quer dizer que não
existam ligações ou relações entre Religião e Direito, aliás, o Direito é ainda
muito influenciado pela religião, essencialmente pela católica: ao nível da
criminalização de atitudes, o incesto censurável; o aborto ainda hoje é assim;

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2 - ORDEM MORAL – É caracterizada pela interioridade e espontaneidade. É,
por isso que a Ordem Moral tem uma esfera ou âmbito de aplicação muito
alargado. Os limites da Ordem Moral definem-se com base nos limites das
projecções da consciência humana. Dizemos, por isso, que a Ordem Moral vai
até onde chegar a consciência humana e, ela, consiste num conjunto de regras
obrigatórias para com a consciência do Homem, normas essas que procuram
regular o comportamento do Homem em sociedade.
Ora, esta definição de Moral é abrangente e pode colocar a Moral em rota de
colisão com o Direito.
Torna-se, por isso, imperioso o estabelecimento de um critério que permita
distinguir o Direito da Moral. São 6 os critérios propostos para obter e referida
distinção:
1 – Critério Teleológico – A teleologia é a ciência que estuda as
finalidades, os objectivos. Segundo este critério o Direito é diferente da Moral
porque a Moral tem um fim pessoal, que consiste na plena realização do Homem,
ao passo que o Direito tem um fim social, que consiste na justiça e na segurança.
Este critério apontado para distinguir o Direito da Moral não é um critério
rigoroso e nós não o aceitamos porque, não raras vezes, a Moral tem fins sociais,
por exemplo quando as suas normas se preocupam com o bem estar de uma
comunidade (esmola a um pedinte) e, por outro lado, também é frequente ver
Direito na busca de fins pessoais, como é o exemplo típico das normas de higiene
e segurança no trabalho;
2 – Critério da Perspectiva – Segundo este critério o que interessa para
distinguir o Direito da Moral é a forma de abordagem normativa e, assim, ao
passo que a Moral recai ou incide sobre aspectos interiores ou intrínsecos sobre a
chamada motivação, o Direito preocupa-se com o aspecto externo, com actuação
humana.
Este critério também não merece a nossa aceitação, porque são inúmeras as
normas do Direito que valoram atitudes e motivações, veja-se o exemplo da
premeditação no homicídio e também abundam normas Morais que se

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preocupam com o comportamento, por exemplo é imoral não cumprir um
contrato.
3 – Critério da Imperatividade – Segundo este critério a Moral distingue-
se do Direito na medida em que tem um carácter unilateral ou unidimensional, ao
passo que o Direito tem um carácter bilateral, na medida em que ao mesmo
tempo que impõe um dever a uma pessoa, correlativamente, atribui um direito a
outro, por exemplo a Ordem Moral impõe a todos o dever de ajudar os mais
desprotegidos, mas aos mais desprotegidos não atribui o direito de auferir essa
ajuda. A Ordem jurídica tem um carácter bilateral na medida porque e por
exemplo, quando se atribui um dever a uma pessoa (ex. o dever do inquilino
pagar a renda) automaticamente a outra parte, no caso o senhorio, adquire um
direito de crédito que é o direito de receber tal montante.
Este critério é objecto de crítica porque, embora seja verdadeiro, o carácter
bilateral do Direito não espelha a realidade jurídica, e por várias razões. Desde
logo porque existem normas sem sanção (leis imperfeitas), em que nada acontece
a quem não as cumpre, por outro lado existem normas permissivas, que não
impõem condutas, simplesmente as permitem (por ex. as normas que permitem a
celebração de negócios jurídicos).
4 – Critério dos Motivos da Acção – Segundo este critério o Direito
distingue-se da Moral porque a Moral tem a sua fonte na consciência de quem a
deve cumprir ou respeitar. A Moral é, por isso, autónoma, o criador da Moral, o
autor das suas normas é a mesma pessoa que lhes deve respeito e obediência, ao
passo que no Direito as normas são fruto da vontade de uma pessoa diferente
daquela que é o destinatário das mesmas. O Direito tem, por isso, um carácter
heterónomo.
Este critério não espelha a realidade porque, embora a Moral seja um imperativo
categórico em que cada indivíduo tem o poder de apreciar a validade das normas,
a Ordem Jurídica ou o Direito tem um carácter hipotético porque se limita a
estabelecer os pressupostos da sua aplicação.

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Assim sendo, também no Direito existe autonomia porque as suas normas são
criadas na sociedade e para a sociedade. O ente criador do Direito não é diferente
do núcleo das pessoas a quem as suas regras serão aplicáveis.
5 – Critério da Forma ou dos Meios – Segundo este critério a distinção
entre a Moral e o Direito se faz na exacta medida em que as normas morais não
são coercivas, não são susceptíveis de aplicação com recurso à força sempre que
possível e necessário. O cumprimento das normas morais têm, por isso, um
carácter espontâneo, ou seja, só cumpre quem quiser e pela força ninguém pode
ser obrigado a cumpri-las. O Direito é caracterizado pela coercibilidade porque
quem não cumpra uma norma jurídica será obrigado a fazê-lo com recurso à
força sempre que possível e necessário.
Este critério também não serve porque a coercibilidade não é uma dimensão
essencial no Direito, não é uma característica nuclear das normas jurídicas
porque são inúmeras as normas jurídicas que não são dotadas de coercibilidade.
6 - Critério do Mínimo Ético ou das Circunferências Concêntricas –
Segundo este critério todas as normas jurídicas tinham um mínimo de ética, todas
as normas jurídicas eram moralmente aceites, mas o inverso não é verdade,
porque nem todas as normas morais teriam relevância jurídica. O mundo da
Moral absorve no seu conteúdo o mundo do Direito.
Este critério também não nos satisfaz porque, embora admitamos que, do ponto
de vista histórico, tenha sido esse o percurso do Direito, ao longo da história
assistimos à crescente separação entre o mundo do Direito e o mundo da Moral.
ENTÃO:
- qual a distinção entre Moral e Direito?
O Direito distingue-se da Moral na exacta medida em que a Moral se caracteriza
pela autovinculação e pela importância que dá à motivação das condutas, ou seja,
a Moral preocupa-se, essencialmente, com aspectos interiores a casa ser humano,
faz depender o seu respeito da vontade de cada um. Enquanto que o Direito não
se preocupa com o Homem individualmente considerado, mas com o Homem
quando em relações com os outros, no que diz respeito à sua vida em sociedade.

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3 – ORDEM DO TRATO SOCIAL – Existem comportamentos que em
sociedade são adoptados em obediência a regras ou normas que emergem da
própria sociedade. Estas regras têm 2 características:
1ª - são impessoais, na medida em que não têm origem na vontade
humana, resultam de factores aleatórios relacionados com aspectos da
convivência humana, aspectos esses que são considerados acessórios,
colaterais ou não essenciais à subsistência da própria sociedade. Esta
impessoalidade transmite às normas do trato social alguma abstracção e
irracionalidade, são muitas vezes normas que têm fundamento em atitudes,
em convicções, mas não espelham a vontade nem o querer de ninguém:
2ª - as normas do trato social são caracterizadas pela coactividade, e têm
essa característica porque se impõem através do mecanismo da pressão
social, onde a força do conjunto, a força da própria sociedade, servem de
instrumento através do qual se consegue impor o cumprimento dessas
normas.
É nesta coactividade que se pode desenhar a existência de sanção. As
normas do trato social são dotadas de sanção porque existem
consequências negativas para quem não as cumpra, não as respeite, como
são os exemplos da perda de prestígio e da marginalização social.

Por causa destas 2 características (impessoalidade e coactividade) as normas do


trato social são verdadeiros usos sociais que servem para tornar mais agradável e
até mais fácil a convivência social. Não é a existência destas normas que produz
influência na existência de uma comunidade. Mas, as normas do trato social
desempenham um relevante papel ao nível da eficácia da ordem jurídica, porque
respeitar as normas do trato social é normalmente um barómetro aferidor do
cumprimento das normas jurídicas. Diz-se até, que quem tem socialmente
atitudes e comportamentos rectos são pessoas juridicamente correctas.
Como exemplos de normas do trato social temos as normas de etiqueta e as
normas de educação.

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As normas do trato social são distintas das normas jurídicas essencialmente
porque, embora ambas possam ser dotadas de sanção, nas normas jurídicas
existem instituições como órgãos de Polícia e os Tribunais, cuja específica
função é aplicar as sanções aos prevaricadores, a quem não cumpre as normas
jurídicas, ao passo que nas normas do trato social a sanção existe, mas não existe
o órgão ou instituição vocacionada à sua aplicação.

4 – ORDEM JURÍDICA (sinónimo de Direito) – A primeira tentação com que


se depara alguém que estuda um tema é a sua definição. A abordagem de um
tema, de um assunto, para ser correcta pressupõe a sua sustentação numa
definição ou pelo menos que se parta à procura dessa definição.
Definir significa balizar, significa sintetizar e resumir um conteúdo com uma
formula que circunscreva toda a realidade abordada. È, por isso, lógico que
quando se estuda o Direito a primeira tentação seja defini-lo. Contudo, as
características intrínsecas à própria ordem jurídica tornam impossível, do ponto
de vista técnico, encontrar uma definição, ou uma noção de Direito. Essa
dificuldade prende-se essencialmente com 2 razões:
- porque a ideia de Direito sempre andou associada à ideia de Justiça, e o
conceito de Justiça é um conceito muito vago, abstracto, difícil de
aprisionar numa noção. Ora, se nós apresentamos todas estas
dificuldades para definir Justiça e se sabemos da relação que existe
entre a Justiça e o Direito, necessariamente devemos concluir pela
impossibilidade de definira Direito;
- Direito mantém uma profunda relação com a sociedade, porque as
normas jurídicas existem para regular comportamentos sociais.
Sabemos, porque é visível através da história, que os comportamentos
sociais têm sofrido grandes mutações. A sociedade está em permanente
evolução, e aquilo que hoje é um comportamento aceite, pode amanhã
não o ser. Ora, se a sociedade desempenha o papel de “motor” do
Direito e sabendo que aquela evolui, forçoso é concluir que o Direito
também há-de mudar, também há-de evoluir, e, também por essa razão,

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é impossível definir Direito, porque qualquer definição de Direito
poderia cair numa desactualização, porque as definições são estáticas,
inflexíveis, e o direito exige flexibilidade.

Noção aproximada de Direito – O Direito seria um conjunto organizado de


normas jurídicas que procuram regular o comportamento do Homem em
sociedade com 2 finalidades específicas:
- Em primeiro a Justiça e em segundo a segurança jurídica. -
Esta noção divide-se em 3 partes:
1º - Direito como conjunto organizado de normas;
2º - Direito que regula comportamentos sociais;
3º - Fins do Direito (Justiça e segurança jurídica).
Quanto à primeira parte, dizemos que o Direito é um conjunto de normas, porque
se trata de um sistema, sistema em que as partes integrantes se relacionam entre
si e que aí são colocadas em obediência a critérios racionais.

CARACTERÍSTICAS DA ORDEM JURÍDICA

1 – NECESSIDADE – Já Aristóteles dizia que “o Homem é um animal social”.


Uma das suas características inatas é a propensão para a vida em sociedade. É
por isso que dizemos que a vida humana só é possível quando o Homem conviva
com os outros. Trata-se de uma convivência necessária e não de uma opção.
Nestes termos, podemos dizer que para exista o Homem, tenha que existir uma
sociedade, um conjunto de relações mais ou menos intensas ou extensas, em que
cada Homem dependa dos outros e não é mais do que uma ínfima parte do todo.
A existência de uma sociedade pressupõe a existência de regras. Não é possível
desenhar um conjunto de relações sociais sem que exista um regime que seja
aplicável a essas mesmas relações, regime esse que deve funcionar como garante
da existência e sustentabilidade da própria sociedade, e compete ao Direito
encontrar o regime jurídico com o qual se pretende regular as relações sociais.

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Assim, podemos dizer que, para que o Homem exista tem que existir uma
sociedade, para que a sociedade subsista tem que existir Direito, logo, para que o
Homem subsista tem que existir Direito. È, por isso, que dizemos que o Direito é
necessário, é útil e imprescindível à subsistência humana, mas também não deixa
de ser verdade uma análise inversa, porque o Direito depende da sociedade, a
sociedade depende do Homem, logo, o Direito depende do Homem
(característica essencial do Direito).

2 – ALTERIDADE (alter-ego; o outro eu) – tal como a necessidade, a alteridade


é também ela uma característica essencial do Direito, na exacta medida em que o
Direito se define como um modelo que pretende regular relações sociais, ou seja,
o Direito não é estático, é dinâmico, é relacional, ele não se preocupa com o
Homem individualmente considerado, mas com os comportamentos do Homem
com os outros. O que caracteriza o Direito não é a análise nem a incidência sobre
a pessoa individualmente considerada, mas sobre as relações que uma pessoa
mantém com as outras.

3 – EXTERIORIDADE – tem a mesma essencialidade das outras 2 característica


já analisadas e que resulta delas, porque na verdade o Direito preocupa-se com os
comportamentos humanos, com a exteriorização de vontades e não com os
sentidos, as vocações ou sentimentos.
Estes 2 aspectos, considerados íntimos, não deixam de ter relevância jurídica,
mas só na exacta medida em que tais aspectos interiores sejam secundados por
actuações exteriores.

4 – IMPERATIVIDADE - Consiste na postura que o Direito pretende assumir


perante a sociedade, porquanto, as suas normas são verdadeiras imposições, são o
chamado “dever ser”, em que às pessoas é dito como é que elas têm de actuar. A
imperatividade não é uma característica absolutamente essencial ao Direito por 2
razões:

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- porque há normas cuja imperatividade é discutível, por exemplo as
normas supletivas;
- é que dentro das normas imperativas há vários graus de
imperatividade, onde umas são mais imperativas que outras, por
exemplo, a norma que diz “é proibido matar” é muito mais imperativa
que a norma que diz que o pagamento de uma prestação contratual
pode ser feita no prazo de 30 dias.

5 – COERCIBILIDADE – Consiste no recurso à força sempre que possível e


necessário para compelir ao cumprimento das normas, ou seja, uma norma que
voluntariamente não seja respeitada, se-lo-á através da força. Esta característica
não é essencial ao Direito. Desde logo, porque a força não é característica do
Direito, é algo de exterior ao Direito e a que o Direito só recorre quando sente
necessidade.
Assim sendo, a coercibilidade não é uma característica essencial do Direito, mas
um instrumento ou utensílio ao serviço do Direito. Por outro lado, são inúmeras
as normas jurídicas incoercíveis, não dotadas de coercibilidade, porque em
circunstância alguma é possível impor o seu respeito através do recurso à força.

6 – ESTATALIDADE – Segundo esta característica, todo o Direito provém do


estado, é aquilo a que se chama Monismo Jurídico. Segundo esta característica, a
única fonte de Direito é a lei. Também esta característica não é essencial ao
Direito, porque, embora o facto de hoje a lei ser a primeira fonte de Direito, não é
a única e a história demonstra-nos que não foi a primeira das fontes de Direito.

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25/03/2020

Aula n.º 11 e 12
Sumário:

1. Ordem Jurídica
1.1. Direitos Subjectivos Privados
1.1.1. Noção
1.1.2. Modalidades
1.1.2.1. Direito Subjectivo no Sentido Estrito ou Propriamente
dito
1.1.2.2. Direito Potestativo
1.1.3. Classificação
1.1.4. Direito de Direcção, Poderes Deveres ou Poderes Funcionais

IV – ORDEM JURÍDICA

IV – I - DIREITOS SUBJECTIVOS PRIVADOS

DIREITOS SUBJECTIVOS PRIVADOS – É prerrogativa, a faculdade ou o


poder que a ordem jurídica, o direito, atribui ou confere a uma pessoa jurídica de
exigir ou pretender de outrem um determinado comportamento. Este
comportamento pode ser positivo (facere) ou negativo (non facere). Também
temos um direito subjectivo quando a ordem jurídica permite que um sujeito por
si só, ou através de uma decisão judicial possa produzir efeitos jurídicos na esfera
jurídica de outrem, efeitos esses, que no caso concreto se produzem de forma
inelutável, inevitável.

20
RELAÇÃO JURÍDICA – É uma relação social tutelada ou protegida pelo
Direito. Esta relação contém 4 elementos:
- sujeitos;
- objecto;
- facto jurídico;
- garantia.
SUJEITOS – Sujeitos de uma relação jurídica são pessoas entre as quais se
desenvolve a relação jurídica (exemplo: o mútuo tem 2 sujeitos, o mutuante e o
mutuário).
ESFERA JURÍDICA – É o local imaginário onde se depositam os direitos e
deveres de um determinado sujeito. A esfera jurídica tem 2 hemisférios:
- de um lado temos hemisfério pessoal onde estão os direitos e deveres
pessoais, não patrimoniais ou insusceptíveis de avaliação pecuniária
(exemplo: direito à vida).
- Do outro lado temos o hemisfério patrimonial onde temos os direitos
e deveres susceptíveis de avaliação pecuniária.

EFEITO JURÌDICO – É todo e qualquer facto ou acontecimento que provoca a


constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica. Sempre que algo
trás algo de novo do ponto de vista jurídico, essa novidade denomina-se efeito
jurídico, pelo que, merece a protecção do Direito.

Os sujeitos da relação jurídica são no mínimo dois e ocupam posições distintas.


Assim, nós temos 2 tipos de sujeito:
- o sujeito activo;
- o sujeito passivo.
Nas relações jurídicas consideradas complexas, a mesma pessoa pode ao
mesmo tempo ser sujeito activo e sujeito passivo.

21
SER SUJEITO ACTIVO – significa ter uma posição jurídica de vantagem, ou
seja, tem um direito subjectivo ou interesse legítimo (interesse legalmente
protegido).
SER SUJEITO PASSIVO – implica estar numa posição de desvantagem, ou seja,
estar vinculado, ou adstrito a um dever jurídico ou estado de sujeição.

DIREITO SUBJECTIVO (NOÇÃO) – Resulta, desde logo, uma distinção entre 2


tipos de direitos subjectivos:
- Direitos subjectivos em sentido estrito;
- Direitos potestativos.

DIREITOS SUBJECTIVOS EM SENTIDO ESTRITO – Temo-los sempre


que o seu titular, que ocupa o lado activo da relação jurídica, tem o poder ou
faculdade de exigir de outro sujeito, que ocupa o lado passivo da relação jurídica,
um determinado comportamento, positivo ou negativo. O que caracteriza o
direito subjectivo em sentido estrito é o domínio da acção, porque, neste caso, a
efectiva realização ou satisfação do direito do sujeito activo depende do
cumprimento do dever pelo sujeito passivo. O sujeito passivo está vinculado a
um dever jurídico, quando ele cumpre esse dever o direito do sujeito activo
satisfaz-se, quando não o cumpra o direito do sujeito activo não se satisfaz.

DIREITOS POTESTATIVOS – Consiste no poder que a ordem jurídica


confere a uma pessoa de fazer precipitar ou recair efeitos jurídicos na esfera
jurídica de outrem. Este outrem é o sujeito passivo e está num estado de sujeição.
Estar num estado de sujeição significa que não tem o domínio da acção, que não
é dele que depende a satisfação do direito do sujeito activo e que os efeitos se
produzem na sua esfera jurídica de forma irreversível, quer ele queira quer não
queira (exemplo: servidão; divórcio litigioso).
Do ponto de vista do efeitos, os direitos Potestativos podem ser de 3 tipos:
1º - Direitos potestativos constitutivos – porque o seu exercício
implica o surgimento ou a constituição de uma nova relação jurídica,

22
como é o exemplo do direito à servidão legal de passagem prevista no
art.º 1550º do C.C..
2º - Direitos potestativos modificativos – são aqueles direitos cujo
exercício provoca uma alteração na relação jurídica pré-existente,
como é o caso da separação de bens2, e também é o exemplo do direito
à modificação do contrato prevista no art.º 437º do C.C..
3º - Direitos potestativos extintivos – este direito é aquele que pelo seu
exercício faz cessar ou extinguir uma relação jurídica pré-existente,
como é o caso do direito ao divórcio litigioso3, por violação dos
deveres conjugais4. Outro exemplo é o que está previsto no art.º 437º
do C.C. – direito à resolução do contrato por alteração superveniente
das circunstâncias.

IV – II – NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS SUBJECTIVOS

O Direito subjectivo tem um cariz egoístico, individualista, porque é susceptível


de apropriação individual. Reporta-se à pessoa jurídica isoladamente
considerada, pelo que, urge encontrar uma justificação para a sua existência.
É na procura da justificação para a existência e para a concepção que temos de
Direito subjectivo que importa analisar a sua natureza. Sobre isso existem
diversas perspectivas da doutrina:

1 - TEORIA DA VONTADE – É uma perspectiva da autoria de Savigny apoiada


na filosofia de Cante. Savigny defende a relevância suprema da vontade. Tem
uma perspectiva liberal e, segundo ele, o Direito subjectivo não é mais do que
um instrumento, cujo objectivo é permitir, tornar possível, a liberdade de acção.
E, nesse sentido, o Direito subjectivo não é mais do que o poder da vontade
protegido ou tutelado pela ordem jurídica.

2
Pesquisar a base legal no Código da Família angolano
3
Idem
4
Idem.

23
A vontade humana é o factos propulsor do Direito subjectivo e este encontra
naquela a razão da sua existência.
CRÍTICA – Não defendemos esta teoria por 6 razões:
– as pessoas juridicamente incapazes do exercício de Direitos (ex:
menores e interditos por anomalia psíquica) são pessoas que a lei
rotulou de incapazes com o objectivo de os proteger. A incapacidade
não é uma sanção, é sim um mecanismo de protecção. Nesses casos, o
legislador entende que a vontade dessas pessoas, juridicamente, não é
relevante e apesar disso não deixa de lhes reconhecer a titularidade de
Direitos subjectivos.
– As pessoas colectivas, também designadas pessoas FALTA UMA
PALAVRA, são pessoas jurídicas construídas pelo Direito para
responder a determinadas necessidades das populações. É inegável que
as pessoas colectivas têm Direitos subjectivos, mas, apesar disso, é
muito discutível que tenham vontade autónoma, porque há quem
defenda uma teoria orgânica da vontade, segundo a qual, a vontade das
sociedades corresponde às vontades das pessoas que integram os
órgãos sociais dessas pessoas colectivas.
– Direitos acéfalos – existem situações de Direitos subjectivos que ficam
latentes, a pairar (ex: é o caso da herança jacente e os nascituros), ou
seja não existe pessoa titular desses Direitos e, assim não existe a
vontade.
– Existem direitos cuja titularidade e exercício é irrenunciável, são os
chamados Direitos imprescindíveis, porque a pessoa não pode abdicar
ou ceder a outrem esse Direito (ex: Direito à vida; Direito ao salário,
férias, etc.).
– Existem direitos que o seu titular ignora, não sabe da sua existência,
muito menos pode ter vontade no seu exercício (ex: se perder uma
caneta durante muito tempo, continua-se e ter o direito de propriedade
(direito subjectivo), mas não se sabe da sua existência).

24
– Nos Direitos renunciáveis é perfeitamente possível que a pessoa titular
desse Direito não exija do sujeito passivo o seu respeito (ex: António
comprou um automóvel a Bento. António tem o Direito de exigir de
Bento que este lhe entregue o automóvel, mas este Direito existe
sempre quer o António exija ou não a Bento).

2 – TEORIA DO INTERESSE – É defendida por Ihering, que parte de uma


convicção de existência de um permanente conflito entre a Sociedade e o Direito.
Distingue pela primeira vez o Direito objectivo do Direito subjectivo como
sendo 2 momentos, 2 fases, da mesma realidade:
- a primeira, a do Direito objectivo, uma fase estática e abstracta, como
um conjunto de normas em vigor;
- a segunda, a do Direito subjectivo, uma fase dinâmica, que
corresponde à aplicação do Direito objectivo aos casos concretos.
Na sequência desta distinção Ihering encontra 2 momentos dentro do próprio
Direito subjectivo:
- o primeiro momento, é um momento formal, que consiste na protecção
que a ordem jurídica confere às situações concretas;
- o segundo momento, ou momento material que consiste na posição
jurídica da pessoa que merece a tutela ou a protecção do Direito,
correspondente ao interesse, à aspiração que a ordem jurídica protege.
É com estes fundamentos que o Direito subjectivo se justifica ou deve a sua
natureza à protecção jurídica de interesses.
CRÍTICA – também não defendemos esta teoria por 5 razões:
- o interesse é efectivamente um fim do Direito. A ordem jurídica atribui
Direitos subjectivos porque existem interesses que devem ser
satisfeitos. Contudo, Direito subjectivo e interesse são coisas distintas,
porque o Direito subjectivo não é mais do que um simples instrumento,
através do qual se consegue satisfazer os interesses. O direito é o meio,
o interesse é o fim, e os meios não devem ser confundidos com os fins.

25
- Se, como afirma a teoria do interesse, este seria essencial ao Direito,
não seria pensável que o Direito subjectivo pudesse existir sem
interesse, o que acontece, porque são inúmeras as situações em que as
pessoas são titulares de Direitos e não têm interesse.
- Também pode acontecer a situação inversa à referida no caso anterior,
porque também são inúmeras as situações em que as pessoas têm
interesses dignos de protecção jurídica e que o Direito protege, mas
sem atribuir o correspondente Direito subjectivo.
- Existem ainda situações em que a ordem jurídica pretende proteger
interesses, mas em vez de atribuir Direitos, em vez de proteger os
titulares desses interesses, impõe deveres, obrigações (ex: é proibido
matar o pombo bravo).
- Existem também situações em que a ordem jurídica atribui o Direito
subjectivo a uma pessoa quando o interesse é de outra, é o que
acontece nos chamados contratos a favor de terceiros, muito típicos no
domínio dos seguros.

3 – TEORIA NORMATIVISTA – Kelsen na análise que fez sobre a ordem


jurídica constatou que habitualmente os fenómenos jurídicos eram influenciados
por outras ordens de valores, nomeadamente, pela ética, pela economia e pela
sociologia. Na sua opinião era necessário tratar o Direito numa perspectiva
exclusivamente jurídica, o que fez decorando o Direito dos elementos não
jurídicos. Nessa sequência, chegou à conclusão que aquilo que releva no Direito
são os seus elementos formais, o que interessa é a forma e não o conteúdo.
Devemos, por isso, atender à protecção conferida pelo Direito à simples forma
pela qual o Direito concebe essa protecção, independentemente da substância ou
do conteúdo da protecção conferida. Para Kelsen o que importa é a norma
jurídica, o comportamento tipo ou padrão que ela prescreve, o dever ser e não os
factos que ela regula, a realidade ou o ser.
Por tudo isso, Kelsen concluiu que não faz sentido a dualidade, defendida por
Ihering, entre Direito Objectivo e Direito subjectivo, porque a norma jurídica

26
estabelece o dever ser, aquilo que todos e cada um de nós devemos fazer, e o que
Ihering chama Direito subjectivo não é mais do que uma simples consequência
ou um reflexo deste mesmo dever.
Analisada a teoria de Kelsen, podemos concluir que a tutela que o Direito
confere às pessoas e que nós chamamos Direito subjectivo, tem o seu
fundamento na própria norma jurídica no Direito subjectivo.
CRÍTICA – esta teoria não é aceite por 2 razões:
- Kelsen ao não admitir a dualidade, Direito objectivo Direito
subjectivo, implicitamente, não admite a existência do Direito
subjectivo, mas sem razão, porque os Direitos subjectivos existem e,
logo, a diferença entre Direito subjectivo e Direito objectivo é também
ela uma realidade.
- Nem sempre as normas protegem as posições jurídicas dos
destinatários. Ao contrário do que afirma Kelsen, existem posições
jurídicas que não se sustentam em normas jurídicas porque encontram
fundamento em regras sobre as quais nenhuma lei foi elaborada, como
é o exemplo dos costumes e dos princípios gerais do Direito. Por outro
lado, também não são raras as situações em que, embora a norma
jurídica pretenda proteger a posição jurídica do cidadão, não o faz
através da atribuição de direitos subjectivos, mas através da protecção
de interesses, da concepção de faculdades ou da imposição de deveres.

4 – TEORIA NORMATIVO-INTEGRANTE (Prof. Castanheira Neves) –


preocupou-se em aperfeiçoar a teoria de Kelsen e, segundo ele, o direito
subjectivo consiste, essencialmente, na afirmação jurídica de autonomia pessoal.
Os homens inseridos numa sociedade desenvolvem relações entre si numa lógica
de paridade, porque todos são iguais perante a lei. Existir um direito subjectivo
significa constatar que a posição jurídica do seu titular sobressaiu, ou seja, essa
pessoa é mais visível para o direito, existe, por isso, uma dialéctica, uma relação
em movimento entre o indivíduo e a sociedade e entre o direito subjectivo e o
direito objectivo.

27
Assim, o autor afirma, ao contrário de Kelsen, que existe uma dualidade porque
existe direito subjectivo e direito objectivo, apesar de ambos não passarem de
duas faces da mesma moeda, de dois momentos da mesma realidade. Um é
imprescindível ao outro e, por isso, o direito subjectivo o direito subjectivo tem
fundamento no direito objectivo e essa é a sua natureza jurídica.
Contudo, Castanheira Neves, apesar de ter aperfeiçoado a teoria normativista de
Kelsen e de ter eliminado a 1ª das críticas apontadas, não consegue diluir a 2ª
crítica afirmada, que se mantém e, por isso, também não aceitamos a teoria
normativo-integrante de Castanheira Neves.
3 – TEORIA ACTUAL (Orlando Carvalho) – Segundo Orlando Carvalho o
direito subjectivo é um importante instrumento de tutela do poder de
autodeterminação. O direito subjectivo reconhece a todos os cidadãos o poder de
autodeterminação, o qual consiste no poder que cada um de nós tem para, de
acordo com a sua vontade, delinear a sua actuação, definir o seu modelo de vida,
e o direito subjectivo desempenha um papel imprescindível na protecção deste
poder de autodeterminação.
É com base na experiência, com base nas situações de prevalência nas
composições de interesses, é com base nas auscultação da realidade vivida que o
direito objectivo elabora as suas normas e, por isso, o direito tem que proteger
umas posições em detrimento de outras. Afirma, por isso, o autor que o direito
subjectivo é um de entre vários instrumentos utilizados pelo direito objectivo e
por ele tutelado ou protegido, através do qual se procede à concreta delimitação
da posição jurídica de cada pessoa titular do respectivo poder, poder de interferir
na esfera jurídica de outrem, através do exercício do direito subjectivo, cuja
existência o direito objectivo reconhece (É A TEORIA DEFENDIDA).

IV – III – CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS SUBJECTIVOS PRIVADOS

Os direitos subjectivos são objecto de 6 classificações distintas nomeadamente:


1ª - Direitos inatos e direitos não inatos – são inatos os direitos
inerentes à pessoa humana e que surgem automaticamente com o

28
nascimento da própria pessoa, nascimento que se produz nos termos
do art.º 66º do C.C., ou seja, nascimento completo e com vida, como é
o exemplo à personalidade jurídica.
Os direitos não inatos são todos os outros, aqueles que nem todas as
pessoas têm. Os direitos de personalidade (art.ºs 70º e ss. do C.C.) são
em regra inatos, contudo existem 2 não inatos: o direito ao nome,
porque só se adquire com o registo na Conservatória do registo civil;
os direitos de autor, porque só se adquire em função de uma
actividade de criação;
2ª - Direitos essenciais e direitos não essenciais – são essenciais
aqueles direitos que inelutavelmente estão associados à pessoa
humana, esta não subsiste sem a sua titularidade, como é o caso dos
direitos de personalidade.
São não essenciais aqueles direitos que se podem conceber sem a
pessoa, que se podem desligar da pessoa, que a pessoa pode existir e
subsistir sem ser titular deles, como é o caso do direito de
propriedade;
3ª - Direitos patrimoniais e direitos não patrimoniais ou pessoais – são
patrimoniais os direitos que pelas suas características sejam
susceptíveis de avaliação pecuniária, ou seja, o direito pode ser
traduzido numa determinada quantia em dinheiro (ex: direito de
propriedade).
Os não patrimoniais ou pessoais são aqueles que não são traduzíveis
em dinheiro, como é o exemplo dos direitos de personalidade ( o art.º
496º do C.C. prevê a necessidade de compensar e não avaliar os
direitos patrimoniais);
4ª - Direitos absoluto e direitos relativos – são aqueles que conferem
ao seu titular um poder directo e imediato sobre uma coisa. São
direitos de exclusão porque produzem efeitos erga omnes, ou seja,
sobre todas as outras pessoas que não sejam titulares daquele direito,

29
que se encontrem, por isso, na chamada obrigação passiva universal
(ex: direito de propriedade).
Direitos relativos não incidem sobre coisas mas sobre condutas ou
prestações, são direitos de colaboração porque estão circunscritos às
pessoas que o lado passivo da relação jurídica e, por isso, produzem
efeitos inter partes (ex: direito de crédito).
5ª - Direitos disponíveis e direitos indisponíveis – são disponíveis os
direitos que a pessoa pode prescindir, renunciar ou abdicar, por
exemplo o direitos de propriedade.
São indisponíveis os direitos que não se podem desligar do seu titular,
aqueles que a pessoa não pode abdicar (ex: direito ao salário, às férias,
à greve, etc.).
6ª - Direitos simples e direitos complexos – são direitos simples
aqueles que consistem numa pretensão específica, está correctamente
determinado o que o meu direito impõe, é o caso do direito de crédito.
Há outros direitos que são complexos, aqueles que consistem num
feixe ou conjunto de possibilidades os faculdades de actuação (ex:
direito de propriedade – art.º 1305º do C.C.).

V – PODERES FUNCIONAIS
V – I – PODERES / DEVERES OU DIREITOS DE DIRECÇÃO

A doutrina discute a qualificação desta realidade como direitos subjectivos.


Tratam-se de poderes, situações activas que são acompanhadas por deveres,
situações passivas, e isso porque os interesses a protegem nessas situações. Não
são interesses de quem é titular do poder (é o exemplo típico do poder paternal,
em que os pais tem o poder, o dever de zelar pelos filhos, de proteger os
interesses destes.
Quanto à natureza jurídica destes poderes / deveres existem divisões:
- Baptista Machado e Orlando Carvalho defendem que se trata de
verdadeiros direitos subjectivos, porque o que está em causa é o bom

30
exercício de uma função (por exemplo a de pai, porque estes embora
defendam interesses que não são seus, mas dos filhos, fazem-no como
se fossem titulares desses interesses. A ordem jurídica entrega aos pais
os interesses dos filhos, mas ao mesmo tempo obriga os pais quanto ao
modo de gestão desses interesses.
- Contrariamente a esta posição, Miguel Reale, partindo de que existe o
entendimento que o direito subjectivo permite sempre ao seu titular o
poder de o usar ou não. Partindo do pressuposto de que a uma
pretensão corresponde sempre uma protecção não considera os
poderes/deveres como direitos subjectivos.
Em conclusão, defendemos que os poderes/deveres são verdadeiros direitos
subjectivos e o facto apontado por Miguel Reale não procede porque o interesse
nem sempre está associado aos direitos subjectivos, como já vimos nas críticas
apontadas à teoria do interesse.

31
27/03/2020

Aula n.º 13, 14 e 15


Sumário:

1. Retrospectiva da Aula Anterior


2. Ordem Jurídica
2.1. Direitos Subjectivos Públicos
2.1.1. Noção. Perspectiva Histórica
2.1.2. Natureza

V – II – DIREITOS SUBJECTIVOS PÚBLICOS

Os direitos subjectivos públicos são posições jurídicas tituladas pelos cidadãos e


protegidas pela ordem jurídica, através das quais os cidadãos podem exigir
comportamentos positivos ou negativos às pessoas colectivas de direito público.
É discutível a determinação da natureza jurídica destes direitos subjectivos e, a
propósito disso, existem duas teorias:
- Doutrina contratualista – a qual defende que os indivíduos, os cidadãos
precederam o Estado. Antes de surgir o Estado já existiam os cidadãos
e cada um deles era titular de direitos. Nesse momento, em que os
indivíduos existiam, mas não existia o Estado, defende a doutrina que
se vivia num estado de natureza. O aparecimento do Estado deve
respeitar esse estado de natureza e esses direitos que as pessoas tinham
antes dele surgir. É aí que encontramos fundamento para os direitos
subjectivos públicos que o Estado tem que respeitar.
No desenvolvimento desta doutrina surgiram duas variantes:

32
1ª - Defendida por Jonh Lock - segundo o qual no estado natural o homem tem
direitos naturais, como por exemplo o direito à vida, mas falta-lhe a organização,
falta ordem que discipline os conflitos que surgem entre os direitos adquiridos
nesse estado de natureza. Ora, foi essa necessidade que justificou a celebração do
contrato social. O contrato social consiste num pacto, através do qual surgiu a
figura do Estado e, consequentemente, o estado civilizacional que se contrapõe
ao estado natural que prevalecia no momento anterior à criação do Estado. Ora, o
Estado, porque foi criado pelos cidadãos, é fruto da vontade destes, tem que
respeitar as posições jurídicas que os mesmos cidadãos detinham antes de surgir
o Estado.
2ª - Jean Jacques rousseau - defende que no estado natural, antes do
aparecimento do Estado, existia uma harmonia nas relações sociais, havia
igualdade entre as pessoas e, por isso, tudo era perfeito.
Contudo, diz o autor que alguém, de forma pouco sensata, teve a ideia de
sobrevalorizar o egoísmo e o individualismo porque vedou a propriedade e disse:
“isto é meu”. Ora, isso, simbolicamente, representa o surgimento dos direitos de
exclusão. A propriedade foi desde logo um foco de instabilidade porque é um
factor de desigualdade entre os homens. E foi com o objectivo de remediar este
desequilíbrio que apareceu o Estado e, através do contrato social, passou-se de
um estado natural para um estado civilizacional.
Com este contrato social, diz o autor, o homem cede direitos ao Estado, mas em
contrapartida o Estado devolve-lhe os direitos naturais recebidos, convertidos em
direitos civis num estado civilizacional, direitos que por isso são garantidos e
protegidos pelo próprio Estado.
Critica – Nós não concordamos com a doutrina contratualista, qualquer que seja
a sua versão, porque esta assenta numa ficção. O estado natural nunca existiu
porque o homem sempre teve natureza social, sempre vivemos em sociedade.
Ora, nessa medida, não é possível conceber-se a hipótese de o homem em algum
momento ter vivido sem uma ordem que o disciplinasse. Até podia não ser
Estado, mas que sempre houve uma ordem isso é inegável, logo, estado natural
nunca existiu.

33
- Teoria da auto-limitação – teoria defendida por yering. Segundo este
autor compete ao estado delimitar o que pertence ao indivíduo. Quando
o cidadão tomou a iniciativa de conceber a figura do Estado, foi
também por sua iniciativa que esse mesmo cidadão circunscreveu a sua
acção. O Estado no exercício soberano de poder e pela sua iniciativa
delimita o âmbito da sua acção. Quando o Estado executa essa
actividade ele está a criar direitos subjectivos públicos.

34
1/04/2020

Aula n.º 16 e 17
Sumário:

1. Figuras Afins do Direito


1.1. Meros Interesses Jurídicos
1.2. Faculdades em Sentido Restrito
1.3. Direitos Reflexos
1.4. Expectativas Jurídicas

V – III – FIGURAS AFINS DOS DIREITOS

Existem determinadas posições jurídicas que mantêm uma relação de


proximidade com os direitos subjectivos privados, pese embora as diferenças
estruturantes, pelo que, não são direitos subjectivos.
São 4 as essas figuras afins ou próximas:
- Meros interesses jurídicos - existem situações em que a ordem jurídica
tutela ou protege interesses dos cidadão sem que lhes atribua direitos
subjectivos. O interesse do Direito é proteger o cidadão, o seu
objectivo ou aspiração, mas essa protecção não permite que o cidadão
tenha o poder de exigir de outrem qualquer comportamento. É o caso
do interesse na boa conservação das estradas, na actuação da polícia e
a vacinação;
- Faculdades em sentido estrito – são meras possibilidades de actuação
que o Direito permite, garante, mas sem atribuir direitos subjectivos,
como é o exemplo da possibilidade de circular numa rua ou de
frequentar um jardim;

35
- Direitos reflexos – são posições jurídicas protegidas na exacta medida
em que a ordem jurídica impõe deveres a outrem para proteger uma
pessoa. O Direito não lhe concede direitos subjectivos, mas impõe
deveres jurídicos a outrem, é o caso dos filhos em relação aos pais, os
filhos têm direitos reflexos porque a sua posição está protegida na
medida em que a ordem jurídica impõe obrigações a outrem (os pais);
- Expectativas jurídicas – tem uma expectativa jurídica a pessoa que
ainda não é titular de um direito subjectivo, mas que com grande
probabilidade conta vir a tê-lo. Trata-se por isso de uma esperança que
o Direito julga legítima e que, por isso, a protege. É o caso típico do
art.º 877º do C.C., segundo o qual a validade da venda de pais ou avós
para filhos ou netos de um bem imóvel exige o consentimentos dos
outros filhos ou netos.

36
3/04/2020

Aula n.º 18, 19 e 20


Sumário:

1. Fins do Direito
1.1. A Justiça
1.1.1. Considerações Gerais
1.1.2. Elementos Lógicos
1.1.3. Modalidades
1.1.4. Equidade
1.2. Segurança Jurídica
1.3. Relação entre a Justiça e a Segurança Jurídica

VI – FINS DO DIREITO

O direito, como conjunto de normas ou regras através das quais pretende


regular as relações sociais, tem 2 finalidades, isto é 2 objectivos a atingir
nomeadamente: a JUSTIÇA e a SEGURANÇA JURÍDICA.
Estes fins, além de serem o destino para o qual o Direito caminha, são
também elementos aferidores da validade das próprias normas jurídicas, por isso,
não há ordem jurídica, não há Direito se as suas regras, as suas normas não
procurarem as referidas finalidades.
Assim, face as finalidades supracitadas, começamos o estudo com a justiça

VI – I ANÁLISE DE JUSTIÇA

A justiça é uma virtude, mas é uma virtude social, através da qual se


regula ou ordena a vida do Homem em sociedade. Ao Direito compete, de forma

37
contínua, realizar a justiça. esta justiça, assim entendida, deve distinguir-se de
outras acepções que o mesmo termo contempla, como é o caso da Moral e da
Religião, ordens que dão ao conceito de justiça conteúdos diversos dos que ela
encerra no campo jurídico.
Para o Direito a justiça tem 3 características:
- Impessoalidade – a justiça é impessoal, não contempla subjectivismos,
estabelece um limite e uma medida daquilo que o Homem pode ou
deve fazer no campo jurídico;
- Dinamismo – a justiça não é finita, está em constante evolução. Aquilo
que hoje é justo pode amanhã ser injusto e, por isso, nós dizemos que o
Direito que temos é permanentemente injusto. Compete ao Direito
evoluir, mudar as suas regras, para ser cada vez mais justo, razão pela
qual, nunca de uma forma plena a justiça se realiza no Direito. A
justiça não é algo que o Direito atinja, mas aquilo para onde ele
caminha;
- Alteridade – a justiça coloca-se entre a vida pessoas e a vida social. Ela
procura estabelecer equilíbrios entre os Homens que vivem em
sociedade, ela não se preocupa com o ser individualmente considerado,
mas com o relacionamento interpessoal e, por isso, nós não falámos na
justiça das pessoas, mas na justiça das relações, na justiça dos
comportamentos.
A justiça contempla, além das referidas características, 3 elementos lógicos,
elementos esses que “não” fazem parte integrante do conteúdo de justiça, mas
que servem como referências para a determinação do comportamento que deve
ser considerado justo:
- Proporcionalidade – a ideia de proporção é um aspecto essencial de
justiça. as normas jurídicas para que sejam justas é necessário que
sejam proporcionais, aos factos praticados exige-se uma
proporcionalidade directa entre o facto verificado e a consequência que
o Direito para ele preconiza;

38
- Igualdade – segundo este princípio, as situações iguais merecem igual
tratamento pelo Direito e as diversas exigem tratamento diferente. Se
duas situações iguais merecessem, pelo Direito, tratamento diverso, aí
não haveria justiça. se duas situações diferentes merecessem o mesmo
tratamento pelo Direito, aí também não haveria justiça. É por causa
deste princípio de igualdade, é para, cumprindo-o, se realizar justiça
que as normas jurídicas são gerais e abstractas, ou seja, elas aplicam-se
a um conjunto indeterminado de pessoas ou a um conjunto
indeterminado de situações. A igualdade exige que a arbitrariedade
seja afastada do Direito;
- Alteridade – a alteridade, que como vimos, é característica da justiça é
também seu elemento lógico. O Direito não pode formular juízos sobre
as pessoas. O Direito só pode formular juízos sobre os
comportamentos ou as condutas. A justiça exige que o âmbito de
regulamentação do Direito não interfira na esfera pessoal de casa
pessoa. A justiça exige que o Direito só se preocupe com as acções, os
comportamentos a as atitudes que o Homem mantém com os outros.

Estes 3 elementos lógicos delimitam a justiça no campo formal, porque se


preocupa essencialmente com a aparência do Direito, com as formas e os
procedimentos que ele utiliza.
Urge, por isso, identificar os requisitos através dos quais se consegue realizar a
justiça no plano material. Para o fazer é preciso ter em conta a participação do
Homem na sociedade. Analisar a justiça no campo material implica concretizar
os seus elementos lógicos, dar-lhes conteúdo, pelo que, nesse ponto de vista, só
temos justiça quando, analisado o conteúdo da norma, se cumpram 3
pressupostos;
- Pressuposto material – a justiça assenta sobre uma sociedade real,
verdadeira, e formula juízos sobre ela. Deve a justiça ser uma
afirmação crítica em relação aos comportamentos sociais para
proteger, harmonizar e hierarquizar os valores sociais.

39
Só olhando para a sociedade pode o Direito realizar justiça, porque ao
resolver os conflitos sociais está a fazer opções;
- Pressuposto da participação pessoal – através da justiça o Direito
procura atingir a realização de cada Homem na sociedade, razão, pela
qual, é necessário que o Direito reconheça que cada Homem deve ter
um espaço de autonomia, de liberdade de decisão;
- A justiça material exige integração comunitária – para que cada
Homem sobreviva e se realize é necessário que haja
complementaridade, colaboração entre todos, razão, pela qual, a justiça
também exige co-responsabilidade e solidariedade.
Por tudo isso, podemos afirmar que embora no campo formal a justiça se realize,
desde que respeite os princípios da proporcionalidade, igualdade e alteridade, no
domínio material a realização da justiça exige a intersecção entre a pessoa, a sua
autoridade e a própria comunidade.
É da dialéctica, ou do permanente relacionamento entre estes 3 factores que se
consegue a justiça material e, por isso, quando o Direito procura realizar a justiça
ele deve procurar encontrar o ponto óptimo entre estes 3 factores.

VI – II – MODALIDADES DE JUSTIÇA

São 3 as modalidades que a justiça se pode revestir:


1ª - Justiça comutativa - nesta modalidade a justiça é analisada numa
perspectiva de sinalagmaticidade (o que exige reciprocidade). Aqui a justiça
procura corrigir eventuais desequilíbrios factuais, assegurando a equivalência
entre as prestações e entre os danos e as indemnizações, atribuindo a cada um
aquilo que realmente é seu.
Esta modalidade de justiça assenta, essencialmente, no princípio da igualdade e
pretende que haja equilíbrio nas relações jurídicas. A ideia de reciprocidade está
associada à equivalência entre as prestações assumidas pelas partes nas relações
jurídicas.

40
A justiça comutativa é uma modalidade de justiça, essencialmente, aplicável nas
relações de coordenação, pelo que, o seu campo de aplicação por excelência é o
direito privado. Nesse domínio, atingir a justiça implica conceber normas
jurídicas com as quais se consiga evitar desequilíbrios negociais, impondo a cada
um a obrigação de cumprir o que assumiu.
2ª - Justiça distributiva – a justiça distributiva procura regular a repartição
de bens comuns pelos membros de uma sociedade, aplicando um critério de
igualdade proporcional, cujo objectivo é o de ter em conta o fim da distribuição e
a situação, os méritos e as necessidades dos sujeitos. Ela não assenta numa ideia
de reciprocidade, mas, essencialmente, numa ideia de adequação, o que está em
causa não é fazer um juízo de mérito sobre a actuação de uma pessoa, mas
formular normas jurídicas através das quais possamos utilizar os bens comuns de
acordo com as necessidades de cada um e não com o respectivo merecimento.
Esta modalidade de justiça tem, essencialmente, por aplicação o domínio do
direito público no âmbito das relações de subordinação.
3ª - Justiça legal ou geral – este conceito de justiça procura regular a
participação dos indivíduos na sociedade e procura aferir ou determinar qual
deve ser a quota parte com que cada um deve participar para a preservação do
conjunto. O que está em causa é determinar se a participação de cada pessoa para
se obterem as receitas necessárias à efectuação da despesa com a sociedade deve
ser feita na base da igualdade ou na base da proporcionalidade. Aqui, o legislador
optou por um critério de proporcionalidade, impondo a uns encargos superiores,
mais gravosos, do que impostos a outros, como é o caso típico do direito fiscal.

VI – III – EQUIDADE

A equidade consiste na justiça do caso concreto. Por essa razão, justiça e


equidade são realidades distintas. A justiça corresponde a uma intenção
normativa, tem um carácter geral, ao passo que a equidade evita a generalidade e
abstracção caracterizadoras da justiça, na medida em que muitas vezes essa
justiça geral e abstracta provoca injustiças individuais e concretas.

41
Afirmar, no campo teórico, geral e abstracto, que uma norma jurídica é justa não
quer dizer que ela não possa, da mesma forma, ser aplicada a casos diversos e, de
forma diversa, a casos iguais.
A equidade não se preocupa com a formação das normas jurídicas, mas com a
sua aplicação. Nessa medida, e porque ocupam funções distintas, justiça e
equidade são perfeitamente compatíveis no mesmo ordenamento jurídico.
Importa, por isso analisar as funções desempenhadas pela equidade5:
- Função dulcificadora – a equidade consegue humanizar o Direito,
suavizar o vigor que no campo abstracto caracteriza as normas
jurídicas;
- Função decisória – a equidade é um critério de decisão dos casos
concretos e que se substitui à aplicação da lei. Em inúmeras situações o
próprio legislador estabelece que o Tribunal possa aplicar uma lei
segundo juízos de equidade, o que acontece com frequência na fixação
da prestação de alimentos;
- Função integradora – a equidade é uma forma de integrar lacunas no
Direito. Quando exista um espaço vazio que não foi regulado pelo
Direito é possível, através da equidade, encontrar uma solução jurídica
para o caso em apreço.

VI – IV – SEGURANÇA JURÍDICA

O Direito procura regular comportamentos sociais e, porque esse é o seu objecto


de acção, ele não pode deixar de se preocupar com a paz e a tranquilidade.
O Homem por natureza procura obter certeza quanto àquilo que pode ou tem que
fazer. A segurança jurídica é, por isso, uma necessidade do Homem e à própria
convivência humana.
A segurança jurídica implica, por isso, certeza, definitividade e previsibilidade
de consequências para as acções de cada um.

5
PESQUISAR AS DEMAIS FUNÇÕES DA EQUIDADE

42
A segurança jurídica pode contudo ser analisada em 4 sentidos ou acepções
diferentes:
1º - Podemos configurar a segurança jurídica enquanto ordem imanente à
própria existência e funcionalidade do Direito - O Direito, na medida em que se
procura a paz e a ordem, previne e reprime as agressões. A forma utilizada para
atingir esses objectivos resulta do conceito de segurança jurídica. Neste sentido, a
segurança jurídica é essencial ao Direito, não como um fim do Direito, mas como
fundamento e a razão de funcionalidade do Direito.
Ora, porque nós damos segurança jurídica esse valor, porque ela não é mais do
que um objectivo para onde o Direito caminha, porque dela não depende a
validade nem a eficácia do Direito, defendemos que esta acepção de segurança
jurídica não procede, a segurança jurídica não é isto que se afirma neste sentido;
2º - Segurança jurídica como certeza do Direito – na medida em que os
cidadãos precisam de, antes de adoptarem um comportamento, conhecer os
efeitos jurídicos a que esse comportamento conduz. O Direito dá-nos segurança
jurídica ao prever, de uma forma geral e abstracta, quais serão as consequências
para os casos em que adoptemos determinado comportamento.
É nisto que consiste a certeza do Direito. O Direito dá-nos certeza porque afasta
indefinições, porque o Direito existe, porque existem regras, nós podemos
planear a nossa vida, as nossas acções em bases firmes e sustentáveis.
Sem segurança jurídica a vida seria uma permanente surpresa, tudo seria precário
e instável.
Ora, esta acepção de segurança jurídica, porque permite estabilidade social,
tranquilidade e assegura o normal desenvolvimento das relações sociais, trata-se
de um verdadeiro sentido ou acepção de segurança jurídica.
3º - Segurança perante o Estado – num estado de direito, o Estado e as
demais pessoas colectivas de direito público devem obediência e respeito ao
Direito, por isso, é obrigação do Estado respeitar a autonomia individual, os
direitos subjectivos e os interesses legítimos de cada um, na exacta medida em
que o Estado está vinculado ao Direito os cidadão estão por inerência protegidos.
Esta protecção é, ela própria, manifestação de segurança e quem nos dá essa

43
segurança é o Direito. Por isso, também aqui, é legítimo e pertinente afirmar-mos
a existência de um verdadeiro sentido ou acepção de segurança jurídica.
4º - Segurança jurídica como sinónimo de segurança social – aqui a
segurança jurídica é entendida em termos sociais. Segurança jurídica que procura
assegurar que cada um consiga bens materiais suficientes para a sua própria
subsistência. É, por isso, um sentido de segurança jurídica que está intimamente
relacionado com o direito do trabalho, nomeadamente com as prerrogativas que
se pretendem atribuir aos trabalhadores ( ex: salário mínimo; férias; idade
mínima; horário máximo; justa causa para despedimento). Analisadas estas
características, de entre outras que o direito do trabalho contempla, com o
objectivo manifesto de proteger o trabalhador, enquanto parte mais débil da
relação laboral, defende-se que isso é segurança jurídica, com o que também não
podemos concordar, porque o objectivo do legislador ao proteger o trabalhador,
estabelecendo normas como as já referidas, criando um mecanismo de subsídio
de desemprego, de segurança social e de protecção de rendimentos mínimos,
limita-se a debelar um problema social. Não são, por isso, preocupações jurídicas
que estão subjacentes a essas normas, são preocupações meramente sociais e,
quando muito, podemos aqui falar em segurança ou estabilidade social, mas
nunca em segurança jurídica.

VI – V – RELAÇÃO ENTRE JUSTIÇA E SEGURANÇA JURÍDICA


(justiça e segurança jurídica - os dois fins do Direito)

Em regra e como ideal o Direito devia em simultâneo e de igual forma pretender


atingir esses dois fins, esses dois valores, a justiça e a segurança jurídica.
Contudo, existem situações em que não é possível em simultâneo atingir esses
dois fins, razão pela qual em algumas regras, normas ou institutos jurídicos, um
dos fins prevalece sobre o outro. Às vezes, prevalece a justiça, mas normalmente
e quando da mesma forma não é possível proteger o mesmo fim, prevalece a
segurança jurídica.

44
Nem sempre um direito pode em simultâneo e em igual grau realizar os seus fins,
isto, não porque a justiça e segurança jurídica sejam 2 valores antagónicos, mas
porque na solução a encontrar para os casos concretos às vezes é necessário que
se façam opções. Estas opções, são sempre fruto de uma ponderação entre os 2
valores e, apesar das disfuncionalidades constatadas nos diversos exemplos,
nunca a opção por um dos fins é radical, porque nunca será possível realizar de
forma plena um dos fins do Direito sem que o outro tenha uma realização
mínima.
A justiça sem segurança seria injusta e a segurança sem justiça seria insegura.
Logo, toda a norma jurídica pretende atingir estes fins. O que pode acontecer é
que, às vezes, a vocação normativa para a justiça se superiorize à vocação para a
segurança e vice-versa, mas este resultado só pode existir quando,
simultaneamente e em igual grau, o legislador não consiga realizar a justiça e a
segurança jurídica.

45
8/04/2020

Aula n.º 21 e 22
Sumário:

1. Estado, Nação e Direito


1.1. Nação
1.2. Estado
1.2.1. Noção, Elementos e Origem
1.2.2. Funções
1.2.3. Fins
1.3. Estado e Direito
1.4. O Estado de Direito

VII – NAÇÃO, ESTADO E DIREITO

VII – I – NAÇÃO

A primeira nota a considerar no quadro da presente temática prende-se


precisamente com a confusão que muito se tem registado entre a Nação e o
Estado. Neste sentido, para melhor compreensão, urge a necessidade da sua
abordagem de forma separada e objectiva, começando pelo estudo da Nação6.
Uma nação é uma comunidade de homens assente na convivência que entre eles
se desenvolve, atenta a ligação entre eles existente, porque partilham da mesma
língua ou da mesma etnia ou das mesmas tradições.

6
O estudo da Nação e do Estado é aprofundado e densificado por excelência em sede da Disciplina de
Ciência Política e Direito Constitucional.

46
Segundo o autor Santos Justo, nação “é uma comunidade (que) assenta numa
convivência mais ou menos longa de homens ligados pela mesma etnia, pela
mesma língua e pelas mesmas tradições sedimentadas naquela convivência”7.
Pelas considerações supra, fácil se torna perceber que a nação caracteriza-se pela
existência de um pontos convergentes, pontos comuns a um conjunto de homens.
A nação fornece valores aos homens, valores que estes se encarregam de
transmitir de geração em geração, valores que servem de factor de agregação nos
quais convergem os membros dessa comunidade, que se entre ajudam
mutuamente ao longo do tempo. É neste sentido que o autor que seguimos
considera algumas notas que a permitem caracterizar8.
Ou seja;
4 são os aspectos que permitem caracterizar uma nação:

1. A Nação é uma forma de vida, que pertence à essência ontológica do


Homem. Todo o Homem possui uma dimensão nacional, factor que se
revela decisivo na formação da personalidade de cada um. Logo, a ideia
de Nação é vital para o crescimento e a formação do próprio homem.
2. A Nação corresponde a uma comunidade cimentada pelos seus valores e
pode compreender pequenas comunidades de carácter económico,
cultural, idiomático, etc.
3. Os valores que a Nação realiza fazem parte integrante da sua própria
cultura. Cada Nação tem especificidades, aspectos que a caracterizam e a
distinguem das demais, aspectos identificativos que podem ir desde a
religião à música ao Direito, mas que são aspectos reveladores de uma
identidade e que, por isso, impedem que uma Nação se possa confundir
com as demais.
4. A Nação forma-se a partir de tradições, com base na ideia de continuidade
entre passado, presente e futuro. A Nação constitui, por isso, uma unidade

7
A. Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª Edição, Coimbra Editora, Outubro, 2009, pág. 83.
8
Idem, pág. 84.

47
de destino, por essa razão, não existe necessariamente qualquer relação
com o Estado, são realidades distintas que podem coexistir.

VII – II – ESTADO

1. NOÇÃO

O conceito de Estado é um conceito polissémico, porque pode comportar


diversos sentidos.
O conceito de Estado varia conforme o ângulo em que é considerado, isto é, de
país para país e de autor para autor.
Para este fim, o Estado é pessoa jurídica territorial soberana. Pessoa jurídica é a
unidade de pessoas naturais ou de patrimónios, que visa a consecução de certos
fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações.
O Estado é uma instituição, organizada política, social e juridicamente, ocupando
um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma constituição
escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna
com externamente. Um Estado soberano é sintetizado pela máxima "Um
governo, um povo, um território.
Partindo destes pressupostos e, à luz do pensamento do autor Benvindo
Luciano, pode-se entender o Estado como sendo “um agrupamento social
politicamente organizado, gerido de acordo com a prossecução de objectivos em
comum, obedecendo a determinadas normas jurídicas em território certo e
definido, sob tutela de um poder soberano, representado por um grupo
independente” (...).9
O Professor Gomes Canotilho, considerou o Estado como sendo “uma forma
histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que a
distinguem de outros “poderes” e “organização de poder.”10

9
Cf. Benvindo Luciano, Descentralização e Desconcentração Administrativa em Angola, Escolar Editora,
Lobito, 2012.
10
Cf. Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,5ª Edição., Almedina
Coimbra, 1997.

48
Jorge Gouveia, considera o Estado como “a estrutura juridicamente
personalizada, que num dado território exerce um Poder Político soberano, em
nome de uma comunidade de cidadãos que ao mesmo se vincula.”11
Para o autor que seguimos, Santos Justo, o vocábulo Estado tem-se usado
estritamente para referir quer uma comunidade territorial politicamente
independente integrada por governantes e governados (Estado - comunidade ou
Estado - sociedade) quer o poder do governo dessa comunidade (Estado-poder ou
Estado-governo). “O Estado é sociedade que se fixou num determinado território
e se organizou politicamente em termos autónomos e soberano.”12
Uma nota a não perder de vista é de que, o aspecto essencial do Estado que o
distingue da Nação é a organização.
A Nação é caracteristicamente desregulada ou desorganizada, o Estado acentua a
necessidade de um regime, de uma ordem e de uma disciplina e, por isso, ao
passo que a Nação se delimita ou se baliza tendo em conta aspectos íntimos,
valores que as pessoas comungam, a delimitação de Estado assenta em aspectos
objectivos e razões formais.

2. ELEMENTOS ESSENCIAIS DO ESTADO

O Estado é composto por 3 elementos essenciais:


- O Povo – Enquanto conjunto de cidadãos, conjunto de pessoas ligadas
ao Estado pelo vinculo da nacionalidade, o conceito de Povo tem, por
isso, um carácter político-jurídico, por exemplo o Povo angolano é
constituído por todas as pessoas que tenham nacionalidade angolana.
Este conceito é diferente do conceito de população porque o critério
para definir população não é jurídico, mas económico-demográfico e,
portanto, a população angolana é o conjunto de pessoas que vivem em
território angolano. Distingue-se também do conceito de Nação porque

11
Cf. Jorge Barcelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, Vol. I, 2ª Edição., Coimbra, Almedina,
página 109 e seguintes, 2007.
12
Cf. António Santos Justo, Introdução ao Estudo do Direito, 8ª Edição., Coimbra Editora, 20017,
página. 84 e 85.

49
o factor determinante duma raça não é jurídico nem demográfico, mas
cultural, religioso ou linguístico.
- O Território – Que corresponde ao espaço que integra o solo, o
subsolo, o espaço aéreo e a zona marítima. O território corresponde,
por isso, à área onde o Estado exerce a sua competência. O território é,
por isso, delimitado por fronteiras físicas ou artificiais.
- O Poder Político – Consiste na faculdade que o Povo tem, por
autoridade própria, de instalar órgãos que vão exercer o domínio ao
nível legislativo, administrativo e judicial. O poder político é do Povo,
o qual nomeia representantes cuja competência é exercer esse poder
político em nome, em representação do Povo.

3. ORIGEM DO ESTADO13

A primeira nota a considerar em sede da temática em apreço prende-se com a


ideia segudo a qual, inúmeras e discrepantes são as alegações que concoerrem em
sede do fundamento histórico do Estado. Porém, no quadro da referida análise,
uma das primeiras questões que se argumenta era de saber qual a razão da
invenção da figura do Estado.
Para o efeito, em respostas, entende-se que as razões da invenção do Estado
segundo G. Burdeau, o homem teria inventado este poder abstracto para
assegurar, para além da pessoa do chefe, do monarca, a continuidade do poder
e para dissimular, santificar e, assim, facilitar a obediência concreta a um outro
homem, apresentando-se a essência do poder político como abstracta, supra-
humana ou mesmo divina na sua origem, conferiu-se-lhe uma legitimidade que
poderá justificar o seu carácter absoluto.
Segundo o Professor Jorge Miranda, o Estado é um fenómeno historicamente
situado, uma manifestação do político que ocorre em certas circunstâncias e se
reveste de características específicas, assumindo diversa configuração consoante

13
Ler atentamente a doutrina do autor Santos Justo que seguimos, sobre esta temática, contida na página
85 e seguintes.

50
os condicionalismos a que se encontra sujeito. Pode emergir em qualquer época,
lugar ou civilização, mas as suas características essenciais estão ligadas, para o
que aqui importa, á instituição estadual de matriz europeia.
A expressão Estado provem do latim status, que traduz o modo de estar, situação,
condição, etc. Segundo o dicionário enciclopédico, o Estado designa “nação
politicamente organiza, divisão territorial de certos países, organismo político-
administrativo que, como nação soberana ou divisão territorial, ocupa um
território determinado, é dirigido por governo próprio e se constitui pessoa
jurídica de direito Público, internacionalmente reconhecida”14. Sua formação e
generalização são fruto duma longa evolução que começou no século XVI e só
ficou concluída no século XVIII com o Renascimento. A partir do renascimento
os tempos modernos iriam paulatinamente aperfeiçoar até se considerar
definitivamente consolidada no racionalismo triunfante do século XVIII.
A partir do século XVIII verifica-se a substituição Estado moderno-da
legitimidade divina por uma legitimidade humana, social ou mesmo popular. O
conceito parece ter origem nas antigas cidades-estado que se desenvolveram
na antiguidade, em várias regiões do mundo, como a Suméria, a América
Central e no Oriente. Os agrupamentos sucessivos e cada vez maiores de seres
humanos procedem de tal forma a chegarem à ideia de Estado, cujas bases foram
determinadas na história mundial com a Ordem de Wetsfalia (Paz de Vestfália)15.
A instituição Estatal, que possui uma base de prescrições jurídicas e sociais a
serem seguidas, evidencia-se como "casa forte" das leis que devem regimentar e
regulamentar a vida em sociedade. Desse modo, o Estado representa a forma
máxima de organização humana, somente transcendendo a ele a concepção
de Comunidade Internacional.
Ainda na senda da mesma análise, importa salientar que, a expressão Estado
numa perspectiva terminológica, nem sempre foi o vocábulo designado para o
denominar, sendo um atributo de recente conquista. Nisso foi decisiva a obra de

14
. Voz: “Ambiente”, in: DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DA LÍNGUA PORTUGUESA, Alfa, 1992.
15
Cf. Carlos Bianco de Morais, pág. 22.

51
Nicolau Maquiavel.16 A partir da qual, essa nomenclatura definitivamente se
instala na doutrina político-constitucional.
Apesar de existirem inúmeras teorias explicativas com fundamentos antagónicos
quer do ponto de vista das premissas como do ponto de vista das conclusões
relativamente a origem do Estado, ainda assim, autores como John Locke,
Thomas Hobbes, Jean Jack Rousseau concorrem de forma notória para
abordagem do seu fundamento.
Neste sentido, concorrem em seu torno as teorias da origem familiar -
considerada bastante arcaica e apoia-se na derivação da humanidade de um casal
originário, considerado como de fundo religioso; teoria patrimonial - que
afirmava que a posse da terra gerou o poder público e deu origem à organização
estatal e a teoria da força também chamada da origem violenta do Estado - que
sustenta que a organização política resultou do poder de dominação dos mais
fortes sobre os mais fracos. Dizia Bodin que, “o que dá origem ao Estado é a
violência dos mais fortes.

4. FUNÇÕES DO ESTADO

Como é sobeajemente sabido, mormente em sede da História das ideias Políticas,


a ordenação dos poderes das colectividades políticas remonta à Antiguidade
Clássica, onde pontificou, dentre outros, o ensinamento aristotélico sobre esta
matéria17. Com isto, pretende-se dizer que a abordagem sobre as funções do
Estado remonta necessáriamente para Antiguidade Clãssica, portanto, não é de
hoje.
Assim, sem preteir a antigudade, e, a recorrer à Idade Moderna, foi John Locke, o
expoente referencial do liberalismo aristocrático e individualista que esboçou
uma quadripartição das funções do Estado que foram decompostas nas seguintes
actividades: a legislativa (que atribui ao parlamento e eregiu a função
dominante); a executiva (centrada na aplicação das leis); a federativa (respeitante

16
Cf. Nicolau Maquiavel, O príncipe, Lisboa, 1990, páginas 8 e seguintes, e Discourses on Livy, Chicago
/ London, 1996, páginas 20 e seguintes.
17
Carlos Bianco de Morais, pág. 24.

52
ao exercício de actividades de política externa); e a actividade de “prerrogativa”
(aprovação dos actos de guerra, exceção, e necessidade)18.
Montesquieu, inspirado no sistema britanico no seio de uma visão subjectiva e
não incontroversa, precedeu a uma definição tripartida dos poderes do Estado;
função legislativa ( a qual reconheceu o primado); função executivia
(condensaria os poderes de segurança interna , guerra e política externa, com
observância ao direito das gentes) ; jurisdicional ( traduzida na faculdade de
punir crimes e resolver litígios)19.
Constant sustentou uma divisão quadritómica dos poderes, colocando o poder
“moderador”, do Rei, acima dos poderes legislativos, executivo e judicial20.
León Duguit, referência do objectivismo Francês do virar século, ordenou as
funções do Estado segundo a tripartição clássica enformada pelo poder
legislativo, executivo e judicial21. A seu propósito considerou que: o poder
legislativo suporia a emissão de actos regra; o poder executivo a edição de actos
condição e de actos subjectivos e o judicial, actos vocacionados a resolução de
questões de direito22.
Kelsen considerou que no plano jurídico as funções do Estado seriam duas,
nomeadamente a legislativa (criação de direito) e a executiva (aplicação do
direito)23. Kelsen, contudo, posteriormente reconheceu que nas constituições
modernas a actividade de execução das leis se decomporia na actividade
administratva e no poder juricial.
De acordo a formulação do Professor Doutor Marcello Caetano citado por
Machete (1991), as funções do Estado dividem-se assim em: funções jurídicas e
não jurídicas.24 Na mesma senda sublinha o supracitado Professor que, as
funções jurídicas são: a legislativa e a executiva. A função legislativa é definida
como «a actividade dos órgãos do Estado que tem por objecto directo e imediato

18
Carlos Bianco de Morais, pág. 26.
19
Carlos Bianco de Morais, pág. 26.
20
Carlos Bianco de Morais, pág. 26.
21
Carlos Bianco de Morais, pág. 27.
22
Carlos Bianco de Morais, pág. 28.
23
Carlos Bianco de Morais, pág. 28.
24
Cf. Rui Chancerelle Machete, Estudos de Direito Público e Ciência Política, Fundação Oliveira
Martins, Centro de Estudos Administrativos, Portugal, 1991, página 22. Ver também Carlos Bianco de
Morais, pág. 29.

53
estatuir normas jurídicas de carácter geral e impessoal cujos preceitos não
correspondem a mera disciplina da execução de outras normas anteriores. A
função legislativa, ao contrário do poder legislativo, diz respeito unicamente à lei
em sentido material, caracterizada pela sua generalizada e novidade, e não à lei
em sentido formal. O Estado não pode, porém limitar-se a elaborar leis,
desinteressando-se depois da sua aplicação; resultaria daí um direito ineficaz.
À actividade dos órgãos do Estado que tem por objecto directo e imediato
promover e assegurar o cumprimento das leis e aplicar sanções aos infractores,
chama-se função executiva.
A função executiva ainda reveste-se de dois processos de exercícios. Umas
vezes, a lei é aplicada por um órgão do Estado imparcial e passivo que, na
aplicação do direito, procede, sobretudo mediante operações intelectuais - é o
processo jurisdicional da execução de leis;
Outras vezes, os órgãos do Estado procedem como se fossem eles próprios os
titulares dos interesses que a lei quer ver defendidos, agindo como verdadeiras
partes, e temos o processo administrativo de execução das eleições caracterizado
pela parcialidade e pela iniciativa.25
Ao lado das funções jurídicas, temos, porém, como vimos às funções não
jurídicas que se subdividem ainda em: função política e função técnica. Num
Estado praticam-se actos que são anteriores à existência de normas jurídicas ou
independentes delas. Quando, por exemplo, um povo proclama a sua
independência e organiza um poder político supremo e independente (soberana)
«cria a própria fonte do Direito positivo por meio de actos que para buscarem
algum fundamento jurídico só no Direito natural poderia alicerçar-se». Pertence
igualmente à função política a fixação pelos governos ou parlamentos dos
programas de acção e dos objectivos a serem posteriormente prosseguidos pelas
leis. Esta função, que corresponde ao que a maioria dos autores designa com a
equívoca expressão de «função governamental», pode definir-se como «a
actividade dos órgãos do Estado cujo objecto directo e imediato é a conservação

25
Cf. Rui Chancerelle Machete, Estudos de Direito…, página 22.

54
da sociedade política e a definição e prossecução doo interesse geral mediante a
livre escolha dos rumos ou das soluções consideradas preferíveis» .26
Quanto às funções técnicas segundo Duguit, Kelsen citado Machete (1991) «a
execução material» da lei, entrevieram certas actividades dos agentes estaduais
que não podem rigorosamente classificar-se como jurídicas. Trata-se de campos
em que predomina a eficiência de acordo com as normas de certa Ciência ou
Arte. Quanto o Estado ensina, educa, assiste ou cura, há, ao lado de uma
actividade que é jurídica, exercida pelos agentes que regem administrativamente
as escolas, os asilos e os hospitais, uma actividade meramente técnica: a dos
professores e médicos, etc., cujos actos profissionais escapam, na sua matéria ou
no seu conteúdo, à disciplina do direito.
Estas actividades dos órgãos do Estado, «cujo o objecto directo e imediato é a
produção de bens ou a produção de serviços destinados à satisfação de
necessidades colectividades de carácter material ou cultural», são as funções
técnicas27.
Finalmente, se por um lado o Professor Jorge Miranda considera como sendo as
funções do Estado a função política (legislativa e política); a função
administrativa e a função jurisdicional, por outro lado, o Professor Gomes
Canotilho e o Professor Marcelo Ribelo de Sousa consideram as funções do
Estado como sendo a função política; a função legislativa e a função judicial28.
Em síntese entendemos que o Estado desempenha 2 tipos de funções:
- Funções Primárias – Tratam-se das funções principais dentro das
funções desempenhadas pelo Estado e dentro das funções primárias
temos 2 tipos de função:
a) – Função Política – que consiste na definição e execução dos interesses
essenciais da comunidade (ex: elaboração de uma constituição);
b) – Função Legislativa – que consiste na criação de regras e normas
jurídicas.

26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
Carlos Bianco de Morais, pág. 28.

55
- Funções secundárias - são funções subordinadas, dependentes e que
consistem na execução das funções primárias. O Estado desempenha 2
tipos de funções secundárias:
a) – Função Judicial – que consiste na aplicação da lei aos casos
concretos, solucionando os litígios sociais com relevância jurídica;
b) - Função Administrativa – que consiste na realização do interesse
público, na satisfação de necessidades sentidas pela comunidade.

5. FINS DO ESTADO

Os intereses gerais prosseguido pelo Estado - ordenamento consistem nos seus


fins ou tarefas dominantes29.
No quadro da análise sobre esta pertinente questão, inúmeras e diversas têm sido
as doutrinas ou teorias que discorrem em torno dos mesmos, pois que, apesar
das contradições nas suas premissas e conclusões, o problema é dos mais difíceis,
porquanto a ciência do direito e da ciência política não dispõem de elementos
absolutamente seguros e acabados para reconstituir uma posição pacífica
universal.
Nesta senda, o entendimento em sede dos fins do Estado remete necessáriamente
ao problema da formação originária do Estado, visto existir uma ligação inegável
e profunda entre elas.
Assim, em torno da análise que se faz a respeito da formação originária do
Estado, o problema que se levanta prende-se necessariamente com o papel
representado pelo Estado no desenvolvimento da História da humanidade.
Para responder tal questão, a par de outras visões que entendem que os fins
dependem de cada época histórica a que se situa o Estado, a doutrina maioritária
tem entendido que o Estado carece para existir de paz interna e externa. Para que
possa existir a paz é impreterível que cada um dos elementos humano da
comunidade tenha garantida a segurança da sua pessoa e dos seus bens, definida
e mantida por normas jurídicas. A paz externa pressupõe a inviolabilidade das

29
Carlos Bianco de Morais, pág. 28.

56
fronteiras e a manutenção da integridade territorial, perante as ameaças vindas do
exterior. A comunidade humana ao organizar-se em Estado, tem por objectivo
substituir o arbítrio da justiça pelas próprias mãos, próprio das sociedades
primitivas, por um sistema de regras que evite a injustiça entre os cidadãos e
entre estes e a colectividade. Os homens, individualmente, são incapazes de
satisfazerem todas as suas necessidades materiais e espirituais, pelo que, o
Estado, através do poder político que exerce, se justifica também e hoje ainda
mais, para suprir as necessidades cada vez mais alargadas de um cada vez maior
número de cidadãos, o que leva o poder político do Estado a cumprir a finalidade
do bem-estar económico e social.
É neste sentido que o formula o Professor Marcelo Caetano que,
tradicionalmente, os fins principais ou existenciais do Estado constituem na
segurença, justiça e o bem estar30.
A segurança - a justiça, nas suas vertentes comutativa e distributiva e o bem-
estar social e económico, constituem assim, abstractamente os fins clássicos do
Estado.31.
A segurança, como fim abstracto do Estado, traduz-se na garantia da integridade
do território e na protecção da liberdade das pessoas e dos seus bens, o que
significa a organização jurídica do poder, de acordo com normas jurídicas
estáveis que traduzam uma concepção do bem comum legitimada por aquilo que
a comunidade pensa sobre esse bem comum.
A justiça, pressupõe a existência de regras ou normas inspiradas por princípios
de justiças, para que nas relações entre os membros da comunidade não exista
desproporção entre os valores comutados – justiça comutativa e, bem assim, uma
remuneração adequada à contribuição de cada um para o todo - justiça
distributiva.

30
Marcelo Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, I, Coimbra, 1995, pág 149.
Apud Carlos Bainco de Morais, pág. 22.
31
Cf. Marcelo Caetano, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, Cit. páginas 143 e
seguintes; Marcelo Ribelo de Sousa, Direito Constitucional, Introdução à Teoria da Constituição, Cit.
páginas 229 e seguintes, António José Fernandes, Ciência Politica:Teorias. Métodos e Temáticas.
cit.,pánas130 e seguintes.

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Afirma o Professor Marcelo Caetano, “na justiça comutativa a regra é a
igualdade das duas partes intervenientes na permuta, ao passo que, na justiça
distributiva a regra é da desigualdade para remunerar cada qual segundo o seu
mérito.32
O bem-estar económico e social, constitui uma razão da existência do próprio
Estado, na justa medida em que aquele promove a afectação de bens económicos,
sociais e culturais em ordem a satisfazer as necessidades colectivas e a melhorar
a qualidade de vida do povo, em níveis cada vez mais amplos.
O poder político do Estado começa por promover o povoamento e cultura das
terras, facilitar o comercio, alargar o culto, passa depois a abrir estradas,
canalizar águas, instituir escolas, construir navios criar albergarias e hospitais e a
medida que as necessidades se multiplicam com a civilização e que vão
aparecendo novos processos técnicos de satisfaze-las cada vez avulta a
importância deste fim do Estado.33
Ora por aqui se vê que os fins do Estado não são imutáveis, no seu entendimento
e relevo, por isso que as finalidades abstractas referidas são diversas em cada
época histórica e de acordo com a conjuntura e mesmo com o tipo de regime
político e económico, acabando por condicionar a realização desses mesmos fins.
É que os fins do Estado, abstractamente considerados, podem reconduzir-se a
ideia de bem comum adoptada pelas comunidades, a sua realização concreta, a
sua maior ou menor extensão, a sua importância relativa, variam
substancialmente de acordo com a evolução histórica do Estado, com o tipo de
regime político e mesmo o regime económico.
Essa razão leva a que, em rigor, devamos falar de fins prosseguidos pelo poder
político do Estado, como se antes se alvitrou, de forma a traduzir mais
adequadamente o enlace existente entre as assinaladas finalidades abstractas e a
sua tradução histórica e concreta.
Muitos autores entendem as preocupações finalísticas dos Estado estão
intrinsecamente ligados às relações históricas do Estado com o mercado.34 Assim,

32
Cf. Marcelo Caetano, Manual…, página 147.
33
Ibidem.
34
Cf. Franklim Dehousse, Introduction au Droit Public, Liége, págnas 331 e seguintes.

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enquanto as tarefas básicas do Estado, do ponto de vista tradicional, se podiam
reconduzir à segurança, justiça e bem-estar social, as novas finalidades alargar-se
– iam `protecção” contra os excessos do funcionamento do mercado”
designadamente a protecção do ambiente, da natureza e dos recursos vivos.
Em qualquer caso, e importa sublinhar este ponto, os fins do Estado não
representam uma justificação última do poder e das instituições politicas alheios
à pessoa humana, ao povo, à comunidade de gentes, fixadas naquele território. O
Estado, como sociedade política organizada, existe para servir e valorizar a
pessoa humana e não para servir a ele próprio, qual figura monstruosa e
divinizada, alimentada por uma “qualquer razão de Estado” tão bem ilustrada
pelo “Leviatã “ de Hobbes35, que esqueça e espezinhe a pessoa humana. Assim,
os fins do Estado para serem correctamente entendidos têm de ser avaliados à luz
da época histórica considerada, da concreta situação jurídico – constitucional do
regime político e económico existente36.

VII – III – ESTADO E DIREITO

Interessa aqui analisar a relação existente entre o Estado e o Direito.


A propósito disso, existem 2 teorias:
- Teoria Normativista de Kelsen – segundo o qual o Estado é uma
ordem jurídica centralizada, limitada no seu domínio espacial e
temporal. O Estado personifica o Direito e identifica-se com ele. Ora,
se existe identidade entre o Estado e o Direito é óbvio que o Estado
actua sempre de acordo com o Direito, razão pela qual, para Kelsen
não faz sentido falar da limitação do Estado pelo Direito;
- Teoria Marxista – defendida por Karl Marx, segundo o qual quer o
Estado, quer o Direito não são mais do que instrumentos que uns
utilizam para conformar e delimitar a actividade de outros. Quando for

35
Cf. Reinhold Zipellius, Teoria Geral do Estado, Lisboa, 3ª ed.,1997.págnas161 e seguintes. Ver
detalhamente em Diogo Freitas do Amaral, História do Pensamento Político Ocidental, Almedina,
Coimbra, págna19.
36
O que significa que a discussão acerca dos fins ou tarefas do Estado não é ideologicamente neutra, Cf.
Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1992, página 167.

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exterminada a classe capitalista termina a luta de classes e o Estado
torna-se uma figura retórica, desnecessário e, por isso, desaparece.
O mesmo acontece ao Direito, porque no mundo da felicidade não
existem conflitos.
Logo, para este autor, não faz sentido falar na limitação do Estado pelo
Direito porque ambos vão desaparecer.
Qualquer uma das perspectivas não espelha a verdade, por um lado, não é
verdade que o Direito se confunda com o Estado, porque ao contrário do que
afirma Kelsen o Direito limita e legitima o Estado, por outro lado, e ao contrário
do que afirma Marx, o Direito nunca poderá ser um instrumento de opressão e
nunca pode tolerar injustiças. Logo, ao contrário do que afirma Marx, não
podemos aceitar que o Direito seja um instrumento ao serviço do Estado.
Por tudo isso, concluímos que o Estado só pode ser um Estado de Direito. É o
Direito quem define e fundamenta as competências do Estado. E na luta que o
Direito, ao longo da história, travou contra a arbitrariedade e pela submissão do
Estado às suas regras, podemos marcar 3 etapas:
- 1ª - nos finais do Século XVIII consistiu na luta contra o arbítrio
judicial. Com a revolução liberal (1789), uma das ideias de força foi a
obrigação de os juizes na apreciação dos litígios obedecerem à lei;
- 2ª - consistiu no controlo constitucional das leis, que emergiu no
Século XX, em que as leis ordinárias deviam e devem respeitar a
constituição;
- 3ª - na década de 80 institui-se um sistema de justiça administrativa,
pelo que, os Tribunais administrativos assumiram a caracterização de
verdadeiros Tribunais, logo, com competência para apreciar as
decisões da administração.
Percorridas estas 3 fases podemos afirmar que temos um Estado de Direito, um
Estado estritamente vinculado e com dever de obediência ao Direito, o que,
desde logo, é visível pelas seguintes razões:
- existe uma hierarquia das normas, em que a lei constitucional se
superioriza a todas as outras;

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- os Direitos fundamentais têm carácter inviolável;
- todas as decisões administrativas podem ser impugnadas;
- a própria actividade legislativa é objecto de controlo da
constitucionalidade, através do exercício da função do Tribunal
Constitucional.

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10/04/2020

SEXTA FEIRA SANTA

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