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nº 183 • Maio | Junho | Julho • 2015

A subjetividade da criança e do adolescente: a contribuição do olhar


da Psicologia para que o Estatuto seja efetivamente implementado
í ndice

MATÉRIA ESPECIAL | PELA AMPLIAÇÃO DA IDADE DO BRINCAR


Resgatar o aspecto lúdico no desenvolvimento da criança e do adolescente
protege o jovem de uma lógica adulta que suprime direitos fundamentais. 4
MUNDO MELHOR | CULTURA É TERAPIA NA PERIFERIA
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Experiências socioculturais em bairros pobres de São Paulo, Guarulhos
Publicação do Conselho Regional de Psicologia
e Campinas ajudam a reduzir vulnerabilidade de crianças e adolescentes. de São Paulo, CRP SP, 6ª Região

Diretoria
Presidenta | Elisa Zaneratto Rosa
UM DIA NA VIDA | ACOLHER PARA TRANSFORMAR
Vice-presidenta | Adriana Eiko Matsumoto

9
Trabalho de psicólogo em medidas socioeducativas mostra que a profissão Secretário | Guilherme Luz Fenerich
Tesoureira | Gabriela Gramkow
tem papel relevante na mudança de vida de jovens em conflito com a lei.
Conselheiros
Alacir Villa Valle Cruces, Aristeu Bertelli da Silva,
PSICOLOGIA E COTIDIANO | DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS Bruno Simões Gonçalves, Camila de Freitas Teodoro,
Dario Henrique Teófilo Schezzi, Graça Maria de

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Especialistas avaliam que o entendimento sobre ato infracional cometido por
Carvalho Camara, Gustavo de Lima Bernardes Sales,
crianças e adolescentes muda conforme a classe social a que pertencem. Ilana Mountian, Janaína Leslão Garcia, Joari Aparecido
Soares de Carvalho, Jonathas José Salathiel da Silva,
José Agnaldo Gomes, Livia Gonsalves Toledo, Luis
PERSPECTIVA DO USUÁRIO | PAPO RETO E CHEIO DE OPINIÃO Fernando de Oliveira Saraiva, Luiz Eduardo Valiengo
Berni, Maria das Graças Mazarin de Araujo, Maria

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Crianças e adolescentes falam sem rodeios sobre como veem e agem diante Ermínia Ciliberti, Marília Capponi, Mirnamar Pinto
das dificuldades no âmbito escolar, familiar e social. E dizem como melhorar. da Fonseca Pagliuso, Moacyr Miniussi Bertolino Neto,
Regiane Aparecida Piva, Sandra Elena Spósito,
Sergio Augusto Garcia Junior, Silvio Yasui.

CAPA | 25 ANOS DO ECA Realização Linha Fina

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O olhar da Psicologia para a subjetividade da criança e do adolescente e como Jornalista responsável Milton Bellintani (MT b 18.122)
Reportagens Adriana Carvalho, Denise Ramiro,
podemos contribuir para que o Estatuto seja efetivamente implementado. Milton Bellintani
Direção de arte Cláudio Franchini
Foto da capa Ilustração CRP SP
ORIENTAÇÃO | REDE DE ACOLHIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA FAMILIAR Revisão Linha Fina
Impressão Rettec Artes Gráficas

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Atuar em situações de agressão física e sexual a crianças e adolescentes Tiragem 89.000 exemplares
exige ação coordenada da Psicologia com outros dispositivos de proteção.
Sede CRP SP

23
Rua Arruda Alvim, 89, Jardim América
Cep 05410-020 São Paulo SP
PROCESSOS ÉTICOS | PENALIDADES ÉTICAS Tel. (11) 3061-9494 | fax (11) 3061-0306

E-mails
SUBSEDES | CONFERÊNCIAS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE
Atendimento | atendimento@crpsp.org.br

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Participação dos jovens foi destaque no estado de São Paulo. Conheça Diretoria | direcao@crpsp.org.br
Informações | info@crpsp.org.br
as atividades realizadas em Ribeirão Preto, São Vicente e Bauru.
Centro de Orientação | orientacao@crpsp.org.br
Administração | admin@crpsp.org.br
Comunicação | comunicacao@crpsp.org.br
MURAL
Site

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Confira ações realizadas pelo CRP SP na luta contra a redução da maioridade
www.crpsp.org.br
penal e a série de vídeos do Programa Diversidade sobre os 25 anos do ECA.
Subsedes CRP SP
Assis | tel. (18) 3322-6224, 3322-3932
MATÉRIA ESPECIAL | BRINCAR PRA VALER. VALER PRA BRINCAR Baixada Santista e Vale do Ribeira
tel. (13) 3235-2324, 3235-2441

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Campanha do CRP SP marca a celebração do 25º aniversário do Estatuto Bauru | tel. (14) 3223-3147, 3223-6020
da Criança e do Adolescente reconhecendo-os como sujeitos de desejos. Campinas | tel. (19) 3243-7877, 3241-8516
Grande ABC | tel. (11) 4436-4000, 4427-6847
Ribeirão Preto | tel. (16) 3620-1377, 3623-5658
São José do Rio Preto | tel. (17) 3235-2883, 3235-5047
ESTANTE | TÍTULOS
Dicas de livros e vídeos sobre temas de interesse da categoria. 31 Sorocaba | tel. (15) 3211-6368, 3211-6370
Vale do Paraíba e Litoral Norte | tel. (12) 3631-1315

2 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


E ditorial

O futuro que queremos para as


crianças e adolescentes do nosso país:
um compromisso para a Psicologia
H á 25 anos nossa sociedade conquistou o ECA, Esta-
tuto da Criança e do Adolescente. À época, um país
em que muitas crianças e adolescentes viviam em situa-
ções precárias e aviltantes ganhava uma das legislações
mais avançadas do mundo, no sentido dos direitos pre-
conizados e do papel a ser desempenhado pela socieda-
de e pelo Estado na sua garantia. A legislação vindoura,
nesse contexto, embora pudesse ser denunciada por
alguns setores como uma grande contradição, possuía
mesmo a potência de uma positiva contradição que, se
Foto: Linha Fina Imagens

contrapondo à realidade existente, impulsionava trans-


formações. O novo marco legal redirecionava a ação do
Estado e o investimento em políticas públicas, no claro
compromisso de reverter a situação da infância e da ju-
ventude do Brasil. O ECA não somente expressava, como
reafirmava uma mudança importante de perspectiva e
de cultura, no sentido do reconhecimento de que é pre- saúde, de educação, de assistência social, na clínica e
ciso cuidar das nossas crianças e adolescentes se quiser- em tantos outros espaços, são autores dessa história. E
mos cuidar do futuro do nosso país. temos ainda muita história para transformar. Sabemos
O nosso ECA expressa aquilo que queremos para nos- que crianças e adolescentes são ainda as maiores víti-
sas crianças e adolescentes, aquilo que queremos para mas da violência produzida em nossa sociedade, assim
cada cidadão brasileiro em seu futuro e aquilo que que- como existem muitos deles privados do direito à mora-
remos como compromisso coletivo. Reconhece as crian- dia, à convivência familiar e comunitária, explorados
ças e os adolescentes como sujeitos de direitos, como no trabalho, em que pese os avanços conquistados.
prioridade absoluta e compromete a todos, família, co- Talvez um dos maiores desafios no período que se ini-
munidade, Estado, sociedade, com a sua proteção inte- cia seja trabalhar com os adultos, agora filhos do ECA,
gral, como garantia de seu pleno desenvolvimento. sobre a importância do reconhecimento do direito de
A Psicologia brasileira tem em sua trajetória um impor- ser criança e adolescente, com todas as garantias de pro-
tante encontro com esse momento da história da infân- teção e direitos para o futuro que precisamos. É preciso
cia e da adolescência. O reconhecimento das crianças e resgatar a história e as condições que tornaram possível
dos adolescentes como sujeitos e o compromisso com as o ECA para reconhecer o que não queremos que se repi-
condições capazes de garantir seu pleno desenvolvimen- ta, o que queremos que se transforme, o que queremos
to encontram na Psicologia ancoragem fundamental. O que se aprimore. É prec iso olhar para a história para que
que é preciso para que possam, nesse tempo histórico, es- avancemos nos direitos conquistados. É hora de fazer o
sas crianças e adolescentes se formarem como cidadãos seu balanço. A Psicologia faz parte dessa história e deve
capazes de produzir trajetórias de vida transformadoras se comprometer com o futuro que construiremos para
e de estabelecer relações humanas enriquecedoras? Na as crianças e adolescentes brasileiros. Os jovens, filhos
resposta a essa questão, a Psicologia se compromete com do ECA, podem ser nossos importantes parceiros nesse
as crianças e adolescentes. novo tempo. Que façamos o caminho para o futuro que
Somos muitas/os as/os psicólogas/os envolvidas/os queremos de mãos dadas com eles e com nossas crian-
em nosso trabalho com a proteção integral da criança ças e adolescentes. O presente do futuro que queremos é
e do adolescente. Ao longo dos últimos 25 anos, contri- aquele em que todas as crianças e adolescentes possam
buímos para fazer avançar a garantia de direitos em brincar, possam se divertir e possam sonhar.
nosso país. Os índices de mortalidade infantil já não são
os mesmos, nem tampouco aqueles relativos à evasão XIV Plenário do Conselho Regional
escolar. As/os psicólogas/os que atuam nos serviços de de Psicologia de São Paulo

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m atéria especial

Pela ampliação da
idade do brincar
Resgatar o aspecto lúdico no desenvolvimento da criança e do adolescente também é uma forma de
proteger o jovem de uma lógica adulta que, em vez de assegurar, suprime garantias fundamentais

A
história de Peter Pan, o meni- a isso. E a legislação vigente tam- espaços privados que favorecem o
no que se recusava a crescer, bém. A infância tem como fron- isolamento, como os jogos eletrô-
é conhecida. Mas a mágica teira etária a passagem dos 11 para nicos. A rua, nesse contexto, se con-
Terra do Nunca em que ele e outras os 12 anos. E nenhum adolescente funde com um espaço de desaten-
crianças desafiavam as maldades pode trabalhar antes de completar ção, abandono e de perigos.
do Capitão Gancho nunca esteve 15. O direito ao lazer, de brincar e No texto Adolescentes em situa-
tão longe da Terra da vida real, em divertir-se, também está previsto. ção de rua, publicado no caderno
que o modelo de competividade do Com isso procura-se garantir à in- Adolescência & Psicologia - Con-
universo dos adultos invadiu sem fância e à juventude proteção para cepções, práticas e reflexão críticas,
cerimônia o espaço infantil e vem um desenvolvimento físico, men- do Conselho Federal de Psicologia
moldando as novas gerações à sua tal e intelectual sadios. em 2002, a psicóloga Silvia Hele-
imagem e semelhança. No dia a dia Cabe à família, à sociedade e ao na Koller e o psicólogo Lucas Nei-
de pouca magia desse mundo em Estado assegurar tais direitos. va afirmam que divertir-se é uma
que as obrigações parecem fazer das formas que o jovem tem de
sombra sobre os direitos, complexo Se essa rua fosse minha relacionar-se. “O ato de brincar é
de Peter Pan virou diagnóstico de Nas grandes cidades, a noção de de grande importância para o de-
imaturidade. Mas quando, afinal, que o espaço público deixou de ser senvolvimento infanto-juvenil,
a criança tem de fazer a passagem seguro para o brincar e socializar-se independentemente do contexto
do reino do brincar para a república vem reduzindo a dimensão social da e apesar dos potenciais riscos que a
do trabalhar? O Estatuto da Crian- diversão como ato coletivo, social, rua apresenta”, dizem. “A atividade
ça e do Adolescente é claro quanto dando lugar a formas lúdicas em lúdica é de especial interesse para

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o profissional que busca realizar al- que define uma família são os laços onde podem ir. “Muitas vezes, os
guma intervenção junto a esses ado- de afetividade e de cuidado”, diz o pais são modelos de ausência de li-
lescentes. Constitui uma das princi- texto da publicação. mites para elas. Não percebem que
pais formas de estabelecimento de Essa rede de afetos tem função são a primeira referência ética dos
vínculo entre um adulto, em prin- primordial no processo educacional filhos. As crianças vivem modelos
cípio desconhecido, e o adolescente. das crianças e adolescentes, essen- de adultos em uma sociedade que
Dependendo da idade do adoles- cial à constituição de seus valores e propõe o limite a ser superado. Li-
cente com o qual o adulto interage à sua possibilidade de plena partici- mite significa limitação, barreira.
e do número de pessoas envolvidas, pação na vida social: é por meio dela Temos limitações. Se ganho 3 mil
inúmeras atividades podem ser de- que se estabelecem canais de diálo- por mês, tenho uma limitação. Se
senvolvidas com o objetivo de apro- go com a juventude capazes de ga- gasto mais, fico endividado. Limite
ximar a relação, conquistar a con- rantir que o estabelecimento de li- tem a ver com delimitação e com
fiança mútua e, em consequência, mites – como forma de educar para superação. O limite é um desafio,
estabelecer vínculos.” a vida – resulte do entendimento de mas também uma oportunidade.
que têm legitimidade para isso. Um convite à superação”, define.
Rede de afetos Para Lino de Macedo, professor
Esses vínculos são mais sólidos e orientador no Programa de Pós Brincar para a vida
quando compõem o que a criança e Graduação em Psicologia Escolar e Na orientação ao adolescente e à
o adolescente entendem como sen- do Desenvolvimento Humano do criança cabe ao profissional explicar
do a sua rede de proteção: seus afe- Instituto de Psicologia da Universi- a diferença entre limites que buscam
tos. Na cartilha A Psicologia e sua dade de São Paulo, uma das tarefas protegê-los e restrições que tolhem
interface com os direitos das crian- da Psicologia é ajudar a criança e sua liberdade e desenvolvimento.
ças e dos adolescentes, do CRP SP, o o adolescente a entender o signifi- Crianças e adolescentes sempre
papel dessa rede em seu desenvol- cado dos limites – geralmente um receberam atenção especial da Psi-
vimento é realçado pela capacida- ponto de conflito com a família. Se- cologia. A infância e a adolescên-
de que ela tem de ajudar o jovem gundo ele, a grande queixa dos pais cia são fases do desenvolvimento
a transpor obstáculos, sejam cau- – e também da escola – está rela- humano em que as pessoas apren-
sados pela intolerância, pela pobre- cionada à dificuldade de aceitarem dem códigos de relacionamento e
za ou pela violência. Essa rede de regras. “As crianças têm problemas conhecem instrumentos que usa-
afeto inclui não só sua família, mas para estabelecer e aceitar limites”, rão ao longo da vida. E o brincar,
os amigos, os colegas, os professo- afirma. Mas isso não acontece ape- que também contempla regras e
res, os profissionais de saúde e de nas porque desafiam a autorida- limites, é uma ferramenta essen-
ONGs inseridos em suas vidas. “O de dos mais velhos para saber até cial nessa etapa.

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m undo melhor

Cultura
é terapia na periferia
Experiências sociais e culturais em bairros pobres das cidades de São Paulo, Guarulhos e
Campinas mostram a força que a construção de vínculos na comunidade tem para a constituição
da identidade e redução da vulnerabilidade de crianças e adolescentes

F
azer poesia é como jogar ca-

Foto: Luiz Pattoli/ Flickr Creative Commons


poeira. O golpe deve ser bem
dado, como a palavra coloca-
da. A ginga tem que ser boa, como
o poema ritmado. Nasci e cresci na
periferia. Já vi e previ muitas desgra-
ças. No entanto, também conheci
o amor. Tudo ali, no mesmo lugar.”
Quem assina esses versos é o escritor
paulistano Marcio Vidal Marinho.
Aos 31 anos, ele é um exemplo vivo
do poder transformador dos projetos
sociais que crescem e se multiplicam
na periferia das grandes cidades.
Marcio passou a infância e ado-
lescência no Jardim Ângela, na zona
sul de São Paulo, um dos bairros com
indicadores sociais críticos na cida-
de. Ali ele conheceu duas iniciativas
que marcaram a sua vida: uma li-
gada à capoeira e a outra, à poesia.
Aos 14 anos começou a fazer aulas A cultura hip hop engloba variadas formas de manifestação
na Associação Cultural de Capoei- dos adolescentes da zona sul paulistana
ra Corrente Libertadora, vinculada
ao Centro de Defesa dos Direitos da “Já naquela época eu gostava de dando”, conta Vaz. Aquele menino
Criança e do Adolescente (Cedeca) escrever poesia, mas não tinha com da periferia cresceu, se formou em
de Interlagos, que atua com crianças quem conversar a respeito e jamais Letras pela Universidade Paulista
e adolescentes em situação de risco poderia sonhar em publicar um li- (Unip) e está concluindo seu mes-
pessoal e social. Ele conta que seus vro. Em 2004, um amigo com quem trado em Literatura Comparada de
mestres de ginga ensinaram muito trabalhei na ong me falou sobre os Língua Portuguesa pela Universi-
mais do que jogar com movimentos saraus que aconteciam na Cooperi- dade de São Paulo (USP). Tem dois
corporais. “Frequentar a capoeira me fa e eu resolvi aparecer por lá”, diz livros publicados: Receitas para
fez conhecer o Estatuto da Criança e referindo-se à iniciativa criada há Amar no Século XXI e A Vida em
do Adolescente e me levou a refletir 15 anos pelo poeta Sérgio Vaz e que Três Tempos, lançados por edito-
sobre diversas questões relativas à toda quarta-feira lota o bar do Zé ras independentes. “O terceiro livro
adolescência. Me colocou em con- Batidão, no Jardim São Luiz. Ali, pes- está a caminho”, diz Marcio. “Devo
tato com as políticas públicas e me soas de todas as idades se reúnem lançar assim que terminar o mes-
mostrou que adolescentes podem para declamar poemas que guarda- trado.” Atualmente ele trabalha na
ser protagonistas de suas vidas”, vam na gaveta, ouvir outros poetas formação de educadores em servi-
conta. Anos depois, Marcio passou e participar de sessões de cinema ços de medidas socioeducativas na
um período como educador social no seguidas de debate. “O Marcio apa- periferia da zona sul paulistana.
mesmo Cedeca, atendendo crianças receu para mostrar sua poesia e dela A psicóloga Michelle Nicolau re-
e adolescentes em situação de rua. tirou a vontade de continuar estu- lata que nos bairros periféricos é

6 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


comum as crianças e adolescentes balho com uma nova turma na insti-
receberem mensagens negativas tuição sempre perguntava se alguém
o tempo todo, “como se fossem um gostava de poesia. Invariavelmente,
peso e como se fosse melhor que ouvia que não. Diante das negativas
eles não existissem”. Ela afirma que, passou a declamar letras de músicas
como regra geral, têm poucas opor- como Negro Drama, do grupo Racio-
tunidades de exercer seu lado criati- nais. Vaz conta que os rostos dos me-
vo e de fazer atividades que expres- ninos se iluminavam, admirados por
sem seus anseios. “E é justamente perceber que poemas também po-
isso que oferecem os diversos proje- dem contar histórias como as que eles
tos sociais, culturais e esportivos que conhecem bem. “Todo mundo gosta
existem nesses locais. Eles represen- de poesia, só não sabe que gosta”, cos-
tam uma chance de dar vazão à cria- tuma repetir Sérgio Vaz nas oficinas e


tividade e de mostrar aos jovens que palestras que faz em escolas públicas.

Foto: Pablo Caro/Flickr Creative Commons


há uma outra vida possível. E que ela “Infelizmente, o governo não percebe
é boa.” Michelle, que já trabalhou em o valor da educação. A cidade de São
assistência a crianças em situação de Paulo ficou 90 dias sem aula na rede Negro drama
rua, hoje presta serviços a projetos pública e a sociedade não se mobi- Tenta ver
vinculados ao Ministério da Saúde e lizou. Quem defende propostas de E não vê nada
à Secretaria da Saúde da cidade. redução da maioridade penal parece A não ser uma estrela
Nos saraus da Cooperifa, conta acreditar que se não vamos educar, Longe, meio ofuscada
Sérgio Vaz, “a poesia desce do pe- temos que punir”, afirma. Sente o drama
destal e se apaixona pela periferia”. O preço, a cobrança
Para ele, os encontros desmistifi- O desafio do vínculo No amor, no ódio
cam a literatura como algo inaces- Mateus é o nome fictício de um A insana vingança
sível. “Ao perceber que também é adolescente que vivia em situação de
capaz de criar poesias, o menino co- rua na cidade de Campinas, no inte- Negro drama
meça a se expressar e vai ganhando rior de São Paulo. Sua história é igual Eu sei quem trama
mais gosto pelo estudo. Se dá conta a de muitos. Ele dizia que apanhava E quem tá comigo
de que precisa continuar na escola muito da mãe. Contava também que O trauma que eu carrego
para ter uma vida melhor”, diz Vaz, sofria preconceito na escola por ser Pra não ser mais um
que conta já haver desenvolvido ati- negro. Ao reclamar da perseguição
preto fodido”
vidades com poesia para crianças e dos colegas com a diretoria, não se
sentia escutado e nem apoiado. Como Negro Drama, Racionais
adolescentes na Fundação Casa.
Ele recorda que ao começar o tra- consequência, abandonou os estudos

Poesia como cartão de visitas, com narrativas


que vão das questões pessoais às sociais e saiu de casa. “Conheci esse menino
quando trabalhei dando aulas de ca-
poeira a crianças e adolescentes em
situação de rua, entre 2007 e 2010”,
diz o contramestre de capoeira Leo Lo-
pes. “Criamos um vínculo de confian-
ça. Ele conseguiu elevar a autoestima
com a ajuda de muitas conversas.”
Lopes conta que o processo foi
lento. Os ensaios do grupo aconte-
ciam embaixo de viadutos e em pra-
ças. Eles criaram uma orquestra de
Foto: Luiz Pattoli/ Flickr Creative Commons

berimbaus, batizada de Navio Ne-


greiro. Os ensaios serviam também
para conversarem. “Nos encontros
discutíamos questões como racis-
mo e que eles eram sujeitos de direi-
tos. Esse menino conseguiu proces-
sar os problemas que enfrentava,
reconstruiu os laços com a família
e voltou para casa”, conta. Recente-

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m undo melhor

mente ele encontrou o ex-aluno em

Foto: reprodução
um evento de jongo, animado com
a dança africana. “Ele estava bem.
Não voltou mais pra rua.”
Michelle Nicolau acredita que a
Psicologia pode aprender com essas
experiências e assim contribuir para
que crianças e adolescentes em sofri-
mento, em conflito familiar ou com
a lei possam superar suas dificulda-
des. Para ela, trabalhos como esse
ensinam a estabelecer vínculos em
situações diferentes da observada
em uma clínica social ou consultório.
Para quem vive em situação de rua,
segundo a psicóloga, o fato de ter um
dia e um horário para realizar uma
atividade ajuda a organizar não só a
rotina como a cabeça. “Uma ativida-
de que consegue sucesso nisso mere-
ce ser olhada com atenção pela Psico- Dia do Joelhaço na Cooperifa: homens pedem perdão às mulheres por preconceito
logia”, afirma. Da mesma forma, ela
defende que é importante notar que uma comunidade de 20 mil famílias vidades são estimulados a refletir so-
oficinas, cursos e palestras são fer- vive no bairro Jardim Santa Edwi- bre sua condição social e sobre aspec-
ramentas que facilitam a expressão ges. Ali, como em outras regiões de tos da sociedade que podem levá-los
de sentimentos, reforçam a valoriza- baixa renda na cidade, faltam sane- a um comportamento destrutivo. “O
ção e autoconfiança dos jovens. “Me amento básico, pavimentação nas consumismo é um ponto muito dis-
lembro de um garoto em situação de ruas, escolas e serviços de saúde. As cutido. Dizemos que eles não preci-
rua que atendi, que com frequência atividades culturais voltadas para o sam da roupa de marca, de cabelo ali-
passava pela Fundação Casa. Ele não desenvolvimento de crianças e ado- sado e de celular bacana para serem
sabia escrever, mas com o tempo foi lescentes acontecem por iniciativa aceitos. Muitos atos infracionais são
se aproximando. Um dia pediu que da Associação Cultural e Educacional cometidos para satisfazer a necessi-
eu escrevesse uma poesia que ele ha- Movimento Hip Hop Revolucionário dade de consumo”, diz.
via criado. Por meio dela conseguiu (MH2R). Bobcontroversista, um dos De acordo com ele, a reflexão em
expressar sua história e a organizar fundadores do movimento, conta grupo produziu efeitos na comunida-
melhor seu pensamento”, conta. que ele começou em 1993, quando de. O escambo vem se tornando uma
um grupo de jovens se reuniu para forma de economia sustentável no lo-
Busca de protagonismo para promover a cultura Hip Hop, cal. Por exemplo, um adolescente que
Em 2012, Leo Lopes levou o traba- com dança, música e artes. Todas produz um vídeo para a cobertura de
lho com crianças e adolescentes em essas formas de expressão, segundo um evento às vezes não é pago em
situação de vulnerabilidade a esco- ele, são maneiras de levar os jovens a dinheiro e sim com uma compra de
las e espaços culturais de Hortolân- fazerem uma leitura crítica do mun- supermercado para sua família. Até
dia, na Região de Campinas. Desde do e a serem protagonistas na defe- uma moeda social circula no local,
então ele também dá aulas na Asso- sa dos próprios direitos. A partir de com validade em outras comunida-
ciação de Moradores do Jardim São 2001, o movimento se tornou uma des ligadas ao Hip Hop: o quilombo,
Sebastião, na periferia da cidade. As organização não governamental e com valor de troca equivalente a um
primeiras atividades culturais com passou a disputar editais públicos real. “Se faço um evento de Hip Hop
a capoeira foram o estopim de um de cultura para ampliar sua capaci- na casa de Bauru, ganho alguns qui-
movimento cultural dos moradores dade de atuação. “Hoje temos ações lombos. Depois posso trocar por um
da região que teve desdobramentos fortes em fotografia, dança, vídeo e serviço da minha escolha.”
políticos. “Antes não havia sequer grafite. Os jovens que abraçam essas Outros resultados desse trabalho
uma praça no bairro. Os moradores atividades têm uma alternativa dife- “de formiguinha”, como ele classifi-
se uniram e conseguiram que fosse rente. Com essas oportunidades eles ca, são expressos na quantidade de
criada. Além da capoeira, também se afastam da criminalidade, do risco jovens que evoluíram nos estudos.
se movimentaram para levar outras de exploração sexual e de pequenos “Muita gente que passou pelas nos-
atividades culturais ao local”, diz ele. atos infracionais”, afirma Bob. sas atividades agora está em cursos
Na periferia de Guarulhos, na Re- As crianças a partir de 7 anos e os técnicos ou na universidade”, conta,
gião Metropolitana de São Paulo, adolescentes que participam das ati- orgulhoso, Bobcontroversista.

8 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


u m dia na vida

Acolher
para transformar
A rotina de trabalho do psicólogo Bruno Rodrigues Campos, que atua como técnico em medidas
socioeducativas na periferia de São Paulo, mostra que a profissão tem um papel relevante na
mudança de vida de crianças e adolescentes em conflito com a lei

Foto: Linha Fina Imagens


Bruno atua como Técnico do Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência no Cedeca Sapopemba

U
m sorriso, um aperto de loroso percurso repleto de episódios do dentro dos princípios humanos”,
mão. “Bom dia. Seja bem- de violência, agressão, humilhação diz o psicólogo e técnico em medi-
-vindo. Gostaria de uma e afronta a direitos. O tratamento das socioeducativas do Cedeca Bru-
água ou um café?” Para a maioria cordial desde o contato inicial, por- no Rodrigues Campos. “Aderir a um
das pessoas, ser recebido assim em tanto, é o primeiro passo dado pela processo socioeducativo depois de
um local aonde se chega pela pri- equipe do Centro de Defesa do Direi- ter passado por tudo que ele passou
meira vez pode parecer absoluta- to da Criança e Adolescente (Cedeca) antes de chegar aqui é difícil.”
mente normal. Mas para crianças, Mônica Paião Trevisan para estabe- Formado em 2011 pela Universida-
adolescentes e familiares de jovens lecer vínculos com as crianças e ado- de Cruzeiro do Sul, Bruno fez estágio
que iniciam a rotina de cumprimen- lescentes em conflito com a lei. na ONG Lar Sírio Pró Infância, que
to de medidas socioeducativas uma A população atendida por esta or- atende crianças e jovens expostos a
recepção respeitosa e acolhedora ganização não governamental, cria- situações de risco e vulnerabilidade
geralmente causa surpresa. Afinal, da em 1991, é de moradores do distri- social, antes de começar seu traba-
após a ocorrência do ato infracional, to de Sapopemba, na zona sudeste lho no Cedeca em 2012. “Os jovens
a passagem por delegacias, juizados de São Paulo. “Por mais que o jovem chegam aqui muito fragilizados.
e, algumas vezes, locais de interna- tenha que ser responsabilizado pela Alguns até se esquivam de abraços
ção, se mostra quase sempre um do- infração que cometeu, deve ser trata- por estarem machucados”, conta.

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u m dia na vida

Desde o primeiro contato, procura-se ção de 24,65% dos alunos matricu-


oferecer um tratamento diferente. lados no ensino médio – bem aci-
“Temos que desconstruir muita coi- ma da média da cidade, de 17,79%
sa para construir outras. Para come- segundo o Instituto Brasileiro de
çar, dizemos que não precisam nos Geografia e Estatística (IBGE). O ins-
Aprendi no Cedeca
chamar de senhor ou senhora. Que tituto também revela que 16,67%
podem nos chamar pelo nome”, diz dos nascidos vivos na região eram que, em primeiro lugar,
Bruno, que mora no bairro de Arican- filhos de mães com menos de 19 é necessário conhecer o mundo
duva, na zona leste paulistana, e que anos de idade, superando mais uma e a realidade do indivíduo para
todos os dias faz de ônibus o trajeto vez a média paulistana: 12,50%. Em que seja possível entender
de casa ao trabalho. número de leitos hospitalares, Sapo- o que acontece com ele”
A visão que tinha quando entrou pemba também ostenta números Bruno R. Campos
no Cedeca e a que tem hoje são bem preocupantes: 0,98 por mil habitan-
diferentes. “Saímos da faculdade tes, quando a média da cidade é de
com a visão do atendimento clínico. 2,55 por mil habitantes. Equipamen-
Cheguei impregnado pela ideia de tos culturais como museus, salas de
fazer avaliação psicológica e de que show, centros culturais ou cinemas nosso tempo a relatórios do Poder
era preciso entender o que aconte- não haviam sido registrados na Judiciário e a visitas domiciliares e
ce com a pessoa para encaixá-la em mais recente pesquisa do IBGE, de institucionais. Reservamos as terças
um padrão já estabelecido. Depois 2012, e apenas 1,81% dos equipamen- e quintas para os acolhimentos. Às
percebi que isso deixa o processo tos públicos esportivos do municí- quartas fazemos reuniões internas e
de atendimento parecido com uma pio concentravam-se nessa região discussões de casos. Às sextas tam-
receita de bolo”, afirma o psicólogo. da cidade onde a taxa de homicídio bém fazemos visitas domiciliares e
Até fevereiro ele atendia casos de juvenil é de 18,22 óbitos por 100 mil articulações com o Fórum Regional
crianças e adolescentes em conflito habitantes do sexo masculino com de Educação, que acontece uma vez
com a lei. A partir de março passou a idades entre 15 e 29 anos. Esse pano- por mês”, conta Bruno.
atuar no Serviço de Proteção Social a rama dá uma dimensão de quantos
Crianças e Adolescentes Vítimas de direitos são negados às crianças e Acompanhamento
Violência do Cedeca. adolescentes da região e de como Os técnicos em medidas socio-
“Quando estava na faculdade, essa falta de perspectivas influencia educativas do Cedeca fazem visi-
alguns professores diziam que a na ocorrência de atos infracionais. tas, a pé ou utilizando o transporte
formação acadêmica não oferece “Precisamos entender a cabeça e a público, aos jovens e suas famílias.
nem 5% de entendimento do que vida desses meninos. Eles estão em Sempre em duplas. “Nosso papel
é a profissão na prática. Avalio que uma região que carece de boas esco- é acompanhar o adolescente para
esse número é ainda menor. Apren- las, de serviços de saúde, de esporte, poder assisti-lo. Se esse menino está
di no Cedeca que, em primeiro lu- de lazer, de espaços de profissiona- fora da escola, temos de verificar o
gar, é necessário conhecer o mundo lização. Eles veem que a mãe ou o motivo e agir para ele retornar aos
e a realidade do indivíduo para que pai têm trabalhos humildes, mas estudos, garantindo sua permanên-
seja possível entender o que acon- são criados em uma cultura social cia e frequência. Se há um problema
tece com ele”, afirma. Para Bruno, que valoriza o consumo. Nesse con- de saúde, precisamos identificar
levar em conta as particularidades texto, muitos acreditam que dentro se a família está na área de atendi-
que envolvem o universo da criança do tráfico terão um caminho de de- mento de uma Unidade Básica de
e do adolescente oferece uma visão senvolvimento pessoal. Fora, não Saúde, se há um agente de saúde
muito diferente de como precisa ser enxergam perspectivas”, diz Bruno. para acompanhar o caso. Também
a intervenção profissional. “Para Para conhecer mais a fundo a reali- verificamos se ele precisa de docu-
esse trabalho precisamos ter uma dade dessas crianças e adolescentes, mentações. Enfim, a gente tem o
atuação mais abrangente que a do o psicólogo e os demais técnicos em papel de averiguar tudo o que diz
acolhimento e um olhar multidisci- medidas socioeducativas não se res- respeito a direitos básicos e quando
plinar para a questão”, afirma. tringem ao acolhimento individual necessário interferir para que o ado-
ou em grupo realizado nos quatro lescente e sua família tenham aces-
A realidade de Sapopemba núcleos do Cedeca localizados em so a eles”, explica Bruno.
A realidade das crianças e adoles- diferentes bairros do distrito. Visitas Ele justifica porque o trabalho
centes que vivem em Sapopemba, às residências dos jovens e também costuma ser feito em duplas tanto
como atestam as estatísticas, não é a escolas, unidades de saúde e a ou- no atendimento em medidas socio-
fácil. Com cerca de 300 mil habitan- tras instituições que os atendem educativas quanto no de crianças
tes, o distrito tem graves carências. fazem parte da rotina de trabalho e adolescentes vítimas de violên-
No que diz respeito à educação, por da equipe de nove psicólogos. “To- cia. “Primeiro porque duas pessoas
exemplo, registra taxa de reprova- das as segundas-feiras dedicamos na intervenção representam duas

10 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


cabeças pensando. E também por que criminalizam os jovens da pe- da rede de atenção, atua para ajudá-lo
questão de segurança. Um dá su- riferia têm como público principal a entender sua singularidade e, dessa
porte ao outro quando fazemos visi- justamente quem vive ali. Eles dão forma, superar a vitimização e o impul-
tas a lugares que não conhecemos.” peso exagerado a um número de so de reagir com violência e à margem
De acordo com o psicólogo, a pro- casos baixíssimos de violências co- das normas quando se sente acuado ou
ximidade com a realidade das crian- metidas por adolescentes. Isso con- se crê sem alternativas de atender seus
ças e adolescentes em conflito com tamina totalmente a forma como anseios. Para ter sucesso nisso, busca
a lei permite compreender a ima- se enxerga a questão. Percebemos mudar a visão hegemônica, distorcida,
gem que esses meninos e meninas que isso tem repercussão depois que se tem sobre crianças e adolescen-
têm de si próprios. “Há alguns anos, no atendimento que fazemos com tes em conflito com a lei.
a temática da vez era a questão da esses jovens”, diz ele. Da mesma Essa linha de trabalho foi reconheci-
internação compulsória. Hoje é a re- forma, segundo o psicólogo, faltam da em 2001 pelo Unicef e pelo Instituto
dução da maioridade penal. Quando às escolas conhecimento, debate e Latino-Americano para Prevenção ao
discutimos esses assuntos, muitas informação correta sobre o Estatuto Delito e Tratamento do Delinquente
vezes eles se percebem condenando da Criança e do Adolescente (ECA). (Ilanud), que concederam ao Cedeca o
a si próprios e se mostrando favorá- “Os jovens e suas famílias chegam prêmio de instituição que melhor de-
veis à redução ou à internação”, diz aqui sem conhecimento do que é o senvolvia trabalhos em meio aberto.
Bruno. Para ele, isso decorre do fato ECA ou reproduzindo a visão de que Esse reconhecimento resultou também
que muitos não se enxergam como foi criado para defender bandidos.” do fato de que mais de 80% dos jovens
sujeitos de direitos. Assim, não per- assistidos pela ONG à época passaram
cebem que são vítimas de condições Reconhecimento por todo o período de liberdade assisti-
que levaram aos atos infracionais. O trabalho do Cedeca visa con- da sem cometer nenhum ato infracio-
O discurso da grande imprensa, tribuir para que o jovem em con- nal – percentual que tem se mantido.
segundo ele, colabora para essa flito com a lei cumpra as medidas “Uma de nossas funções é mostrar aos
percepção distorcida. “Programas socioeducativas não apenas com o jovens que eles podem ter errado, mas
de televisão de cunho sensaciona- objetivo de prevenir que ele reinci- que agora têm a chance de construir
lista focados em noticiário policial da em atos infracionais. Como parte um futuro diferente”, diz Bruno.

Foto: Linha Fina Imagens

Bruno e parte da equipe de psicólogos do Cedeca Sapopemba: Jonas da Silva Almeida, psicólogo e técnico de Medidas
Socioeducativas em Meio Aberto – Nucleo Sinhá; Danilo Ramos Silva, psicólogo e técnico de Medidas Socioeducativas
em Meio Aberto – Madalena; Heloisa Calemi Tonello, psicóloga e técnica de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – Nucleo
Sinhá; e Elza Aparecida Calleja, psicóloga e técnica de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – Pro Juta

psi • junho/ julho / agosto 2015 11


p sicologia e cotidiano

Dois pesos
e duas medidas
Especialistas avaliam que visão sobre ato infracional cometido
por crianças e adolescentes muda conforme a classe social a que
pertencem. A lei, que deveria ser igual para todos, na prática não
é interpretada ou aplicada de maneira imparcial

P
ivetes furtaram um carro: pre- há quarenta anos trabalha com a
sos”. O título da notícia, publi- temática de crianças e adoles-
cado em 1961 no extinto jornal centes em situação de vulnera-
carioca Última Hora se referia a uma bilidade, a análise dessas duas
dupla de adolescentes que havia “pu- histórias é um exemplo de
xado” um carro. Os jovens roubaram como a sociedade enxerga
um veículo apenas para dar umas de maneira diversa os atos
voltas e se divertir. Ambos foram de- infracionais dependendo da
tidos e fichados na delegacia. O nome classe social a qual perten-
de um dos pivetes é bem conhecido: cem os indivíduos envol-
Francisco Buarque de Hollanda, que vidos. “Um dos sujeitos é
apenas cinco anos depois se trans- o Chico Buarque, filho de
formaria no menino dos olhos cor família tradicional. O ou-
de ardósia e unanimidade nacional tro poderia ser o ‘meu
como autor de A banda. O cantor e guri’ da canção es-
compositor Chico Buarque tinha, na crita por ele”, diz
época, 17 anos. Em junho, completou Broide, referindo-se
71. A foto usada em sua ficha policial à música que descreve
estampa o álbum Paratodos, de 1993. o menino pobre e anônimo
Menos sorte teve um adolescente que “chega estampado, man-
de 13 anos que em 2010 ganhou des- chete, retrato, com venda nos
taque na mídia ao ser preso pela 13ª olhos, legenda e as iniciais”.
vez por furtar um veículo na zona sul Meninos e meninas, indepen-
de São Paulo. “Estava só ouvindo um dentemente de sua classe social, de-
som alto”, declarou na época o garo- veriam receber o mesmo tratamento
to então mantido na carceragem do da lei. Mas para Broide isso não signi-
98º Distrito Policial, no Jardim Mi- fica que ambos deveriam ser levados
riam, à espera de ser transferido para à detenção. “Tanto os Chico Buarques período de transição no qual o jovem
uma unidade da Fundação Casa. O como os ‘guris’ devem ser verdadei- experimenta modos de estar e de se
destino ou o nome desse menino não ramente escutados. Do ponto de vis- relacionar com o mundo. Além disso,
se conhece e a única imagem que se ta clínico, o ato infracional é o sinto- o adolescente vivencia a necessidade
tem dele foi a publicada na ocasião ma de algo que não pode ser dito por de pertencimento e do encontro de
pelos jornais dentro de um cambu- esse jovem. É sintoma de algo que grupos com os quais se identifique.
rão da polícia. A foto da capa do disco não foi escutado e nem compreendi- Segundo Pereira, falando de forma
e a imagem do garoto estampada do. Uma forma de agredir o outro ou geral, o ato infracional não expressa
no jornal dão a exata medida da di- a si mesmo”, afirma. uma ou outra coisa específicas, mas
ferença de tratamento dispensado a É necessário compreender o ato in- envolve diversos aspectos relacio-
um adolescente residente no bairro fracional como um problema de dife- nados ao universo do jovem como
nobre do pacaembu e outro que nas- rentes causas, explicam em uníssono a ruptura de regras com as quais ele
ceu na quebrada. Rodrigo Pereira, Beatriz Saks Hahne não se identifica ou que não estão
Para o psicólogo e psicanalista Jor- e Danielle Tsuchida, psicólogos do claras para ele. Mais do que isso, o de-
ge Broide, professor do curso de Psi- Instituto Sou da Paz. Para eles, a ado- lito propicia uma sensação de “liber-
cologia da PUC de São Paulo e que lescência deve ser vista como um dade” e de “potência”.

12 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Recursos Para Danielle Tsuchida, quando o “O ECA foi um extraordinário
Até aqui, a reflexão se refere a to- assunto é ato infracional se percebe avanço e essa proposta de redução
dos os adolescentes, sem distinção. uma tolerância maior com adoles- da maioridade penal não contribui
Mas uma bifurcação em relação ao centes vindos da classe média. A em nada para a sociedade”, afirma
entendimento dos atos infracionais primeira diferença de tratamento é Jorge Broide. “O que temos que fazer
começa quando se avaliam as condi- que, quando cometem um delito, em é avançar em questões de atendi-
ções de vida dos diferentes grupos so- geral são entregues aos pais e não à mento, melhorar a forma de escutar
ciais e os recursos que cada um deles autoridade policial. “Há o que a cri- esse jovem.” Ele dá como exemplo o
tem para elaborar e resolver os con- minologia crítica denomina de se- fato de que em geral, durante os pro-
flitos pelos quais passam. Conforme letividade penal: escolhe-se aqueles cessos de medidas socioeducativas,
ressalta Broide, na pobreza ou numa que poderão ser julgados ou encar- as/os psicólogas/os e outros profis-
situação social complexa os recursos cerados em função de origem social, sionais que atendem jovens focam
que os jovens têm para elaborar essas gênero, raça”, diz ela. A psicóloga ain- em conversar com o adolescente e
situações são muito menores que os da levanta outro aspecto, que versa com sua família. Mas muitas vezes
recursos que o adolescente de classe sobre a construção da divisão de clas- deixam de ouvir outras pessoas ou
média tem para encarar seus proble- se social que cada vez mais tem sido entender outros contextos que têm
mas. Este pode contar com ferramen- reforçada pelos meios de comunica- significado importante para ele e que
tas como terapia psicológica, mudar ção de massa. “Não temos como des- são os motivos de que ainda sejam
de escola se encontra dificuldades na considerar a capacidade da mídia de movidos pelo impulso de vida. “Uma
que está matriculado ou morar com produzir a subjetividade e reafirmar vizinha, uma namorada, um amigo.
um parente se passa por um período posições ideológicas da população Os fios que mantêm esses jovens ain-
difícil em casa. Ao contrário dele, o como um todo. Frases lidas em notí- da atados à vida muitas vezes estão
jovem da periferia dificilmente con- cias como ‘menor mata adolescente’ além da família e é preciso ouvi-los
ta com esse arsenal como suporte. ilustram esta construção histórica”, e inseri-los no contexto da orienta-
“Há ainda outra questão: o jovem da afirma Danielle, para quem as pala- ção para ajudar o adolescente a se
periferia não consegue traçar para si vras não são ditas de forma inocente. reconstruir”, explica ele. Para Broide,
mesmo um projeto de vida”, diz Broi- Ao construir discursos assim, que a Psicologia tem que ir atrás das bre-
de, acrescentando que por isso esse usam dois pesos e duas medidas para chas onde a vida se mantém.
adolescente fica tão a mercê de fato- avaliar os atos infracionais, a mídia
res de risco como o tráfico de drogas. também acaba reforçando estereóti-
pos que são usados como argumen-
Tolerância seletiva tos para quem defende propostas
“Na experiência acumulada no como a redução da maioridade penal.
atendimento de adolescentes em “Não estamos diante de um deba-
cumprimento de medidas socioedu- te novo. Ele se arrasta há mais de 20
cativas, as várias manifestações dos anos no Brasil e a cada troca de legis-
jovens indicavam que os atos infra- latura temos mais ou menos luz nes-
cionais eram representados como se debate. Não restam dúvidas que a
instrumentos de intimidação, poder população em geral tem uma sensa-
e, principalmente, de sobrevivência” ção de insegurança e, pior, de impuni-
afirma Pereira, coordenador da Área dade. Assim, quando tem a possibili-
de Prevenção do Sou da Paz. Atual- dade de opinar sobre assuntos como
mente, o instituto desenvolve estu- esse fica tomada passionalmente”,
dos diagnósticos sobre o atendimen- avalia Beatriz Hahne. Para ela, a pro-
to aos jovens em conflito com a lei posta não deveria prosperar. Ao in-
e suas famílias – e também lançará vés disso, defende que o Estatuto da
em breve um projeto para a criação Criança e do Adolescente seja mais
de novas metodologias para medi- divulgado e que a sociedade perceba
das socioeducativas. A experiência que ele já é uma legislação bastante
da instituição nesse campo mostrou rigorosa com os adolescentes que co-
que, no imaginário dos adolescen- metem atos infracionais e que prevê
tes acompanhados, o vínculo com a a responsabilização desde os 12 anos.
cultura do crime era percebido como O Instituto Sou da Paz considera es-
uma alternativa existencial e uma tratégico investir na qualificação das
possibilidade instrumental e concre- políticas de atendimento socioedu-
ta de acesso ao consumo, além de cativo e a efetiva implementação do
uma forma de pertencer a um grupo Estatuto no que se refere aos direitos
e ser incluído em seu meio social. sociais básicos.

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p erspectiva do usuário

Papo reto
e cheio de opinião
Crianças e adolescentes do interior e do litoral paulista falam sem rodeios sobre
como veem e agem diante das dificuldades no âmbito escolar, familiar e social.
E dizem o que é preciso fazer para melhorar

Q
uem cai na conversa vazia de de opinião sobre o tema. “Eu era a fa- diz que não estudamos. Aí eu respon-
que criança e adolescente não vor. Depois de discutir o assunto na do que ela não deu conteúdo para ti-
tem o que dizer é porque anda palestra passei a ser contra”, diz Bian- rarmos nota melhor.”
conversando com gente que perdeu ca. “O que o jovem precisa é de mais
a pista de onde anda o pensamento educação, não de prisão.” Professores
da juventude. As novas gerações es- A escola é motivo de muitas crí- Stephani fala com convicção. “Os
tão aprendendo a comunicar o que ticas. Os jovens reclamam especial- professores têm que aprender mais
querem a públicos de todas as idades mente de professores e da infraestru- para ensinar melhor.” Sua xará Stefa-
e lugares. E têm suas próprias estra- tura escolar. “Tem professor que fica ni Xavier Ribeiro de Andrade, 16 anos,
tégias para conseguir. Em outras pa- a aula toda mexendo no WhatsApp”, também moradora de São Vicente,
lavras, estão fazendo política. E des- diz Kayo Melo de Santana, 11 anos, faz uma proposta para aproximar
de cedo, como revela o papo reto de aluno do 7º ano do Ensino Médio da professores e alunos. “Criar projetos
jovens ligadíssimos que costumam Escola Estadual Prof. Alcides Correa, que envolvam quem ensina e quem
participar de conferências, palestras também de Ribeirão Preto. “Quando aprende ajudaria a melhorar o conví-
e ações que tratam de seus direitos. a gente tira nota baixa, a professora vio entre a gente.” Ela se queixa que
Essa garotada fala com desenvoltura
sobre a capacidade de seus profes-
Kamilly Rodrigues Amorim criou um grupo para “melhorar a escola”
sores e das instalações nas escolas,
sobre o subemprego ou desemprego
dos pais e vizinhos e das poucas op-
ções de cultura e lazer existentes nos
bairros onde vivem.
Nesse processo de formação que
retoma a pegada dos jovens con-
testadores dos anos 1960 e 1970 no
Brasil, França e Estados Unidos, a pri-
meira lição que aprendem é que têm,
sim, direitos – independentemente
de classe social, cor da pele e orienta-
ção sexual. “Antes não sabia de nada
sobre isso. Agora sei que tenho direi-
to à cultura e ao lazer”, diz Stephani
Barbosa, 11 anos, moradora de São Vi-
cente, no litoral Sul de São Paulo.
Foto: Progen - Projeto Gente Nova

A estudante do 2º ano do Ensino


Médio do Centro Educacional Ma-
rista Ir Rui Leopoldo Depiné, Bianca
Aparecida Andrade dos Santos, 17
anos, de Ribeirão Preto, assistiu a
uma palestra sobre a proposta de re-
dução da maioridade penal e mudou

14 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


os professores não respondem às per- cipal na sua cidade e afirma que tem oportunidades e a opção de escolher
guntas e que quando respondem, “é consciência dos seus direitos e está “a entre o lado bom e ruim.”
sem jeito ou com ignorância”. fim” de lutar por eles. “Minhas falas Esse grupo de cinco jovens atuan-
A adolescente conta que na escola estão mudando o Brasil”, afirma sem tes também tem opinião sobre a fa-
em que estudava antes, a professora qualquer modéstia. mília. Para Stefani, o núcleo familiar
“mandava” os alunos calarem a boca. está “muito tumultuado”. Eles acre-
“Agora que aprendi os meus direi- Vida Social ditam que a falta de oportunidades
tos, faria um abaixo-assinado para Kayo é outra criança que demons- de desenvolvimento e o desemprego
tirar essa professora da escola”, diz. tra maturidade nessa idade. Depois contribuem para isso. “Emprego, só
Ela e sua xará de 11 anos são frequen- de participar das etapas municipal de faxineira para as mulheres e de
tadoras do Projeto Camará, de São e regional das conferências sobre os gari para os homens. Isso não é em-
Vicente. “Aqui aprendi não só sobre direitos das crianças e adolescentes, prego, é subemprego”, afirma Stefa-
os meus direitos como também de- ele vai representar os colegas como ni. Bianca reclama que falta trabalho
veres. E também que devo ser mais delegado na etapa estadual. Entre também para os jovens. Aos 17 anos,
leve no trato com os amigos, dialogar as propostas que serão levadas estão ela diz que quer trabalhar, que procu-
mais”, diz a Stefani adolescente. não só o direito ao lazer e ao esporte, ra trabalho mas não consegue vaga.
A infraestrutura das escolas tam- como à qualificação profissional. “Parece que tem que ser perfeito para
bém é alvo de críticas. A questão da O direito ao lazer é uma questão arrumar um emprego.”
higiene nos banheiros é a que mais séria para esse público. Kayo diz que Bianca está terminando um curso
causa indignação. “Nem sei se eu falo onde mora tem uma praça “legal”. básico de fotografia e diz que quer
sobre isso... Vou falar. Não tem papel O problema, segundo ele, é que “o trabalhar para juntar dinheiro para
higiênico no banheiro”, conta Kayo. pessoal destrói tudo”. Dos bancos aos comprar uma câmera melhor e po-
“Se a gente precisar, tem que ir até aparelhos de ginástica. “Não precisa der ganhar a vida com isso. “Meu
a diretoria pegar. Sabe por que? Eles nem construir mais nada, só preci- maior sonho é ajudar a família.” Ela
não confiam em deixar o papel higi- sa cuidar”, afirma. Ele sugere que vive com a mãe, que tem paralisia
ênico no banheiro.” A estudante da se promovam mais eventos educa- nas pernas, uma irmã que tem sín-
6ª série da Escola Municipal de Edson cionais voltados para as crianças e drome de Down e o padrasto, que
Luiz Chavez, de Campinas, Kamilly adolescentes e que envolvam toda a “já tem mais de 60 anos e não con-
Rodrigues Amorim, de 11 anos, tam- comunidade. “Seria bom, porque tem segue mais emprego”. Hoje, ele “se
bém se indigna sobre esse assunto. gente que acha que não deveríamos vira catando lixo reciclado na rua”.
“No banheiro da escola não tem por- nem ter direitos.” A jovem também critica a qualidade
ta. A gente tem que fazer as neces- Com um currículo vasto para os do transporte público. “Minha mãe
sidades de porta aberta. E não tem seus 16 anos, Stefani já participou desistiu de levar minha irmã à Apae
pia. Lavamos as mãos no bebedor de vários encontros sobre crianças (Associação de Pais e Amigos dos Ex-
e a água é quente!” A quadra de es- e adolescentes. Através do Projeto cepcionais) porque o ponto de ônibus
portes, “esburacada e suja”, também Camará, ela já esteve em São Pau- é muito longe”, diz.
é malcuidada. “Quando chegamos lo, Belo Horizonte, Sergipe, Porto Kamilly, apesar da pouca idade,
para a aula de educação física, tem Alegre e Brasília. Agora se prepara demonstra já ter noção de problemas
camisinha e cacos de vidro no chão.” para ir a Fortaleza “como convidada do mundo dos adultos. “No lugar
Às vésperas de entrar na adoles- do evento da Aliança Nacional dos onde vivo, as mães que trabalham
cência, Kamilly já atua politicamente. Adolescentes”, conta, uma iniciati- têm que pagar alguém para cuidar
Depois de participar da Conferência va de jovens que integram a Rede dos filhos. Não tem creche para elas
Municipal dos Direitos de Crianças e ECPAT Brasil e o Comitê Nacional deixarem as crianças”, diz.
Adolescentes em sua cidade, em que de Enfrentamento à Violência Sexu- Apesar de enfrentarem problemas,
foi eleita suplente para a etapa regio- al contra Crianças e Adolescentes. eles apostam num futuro melhor.
nal, ela criou com colegas um grupo “Agora que já tenho idade, vou so- Bianca quer ser perita criminal. A
de melhorias para a escola. “Ouvimos zinha de avião”, diz entusiasmada. Stephani de 11 anos, psicóloga. A xará
o que as outras crianças querem. Pe- Para ela, o que falta à juventude é adolescente ainda não se decidiu
dimos para fazerem desenhos sobre “mais união e compreensão entre a pela carreira a seguir. Kayo diz que
isso e levamos para a diretoria”, con- gente”. Stefani apresenta o diagnós- “ainda” não sabe qual é o seu sonho.
ta. Além da escola, a menina é fre- tico e também o caminho para supe- “Muita gente diz que eu deveria ser
quentadora do Projeto Gente Nova, rar o problema. “É preciso aprender a político, mas eu só quero continuar
Progen Jardim Bassoli, de Campinas, dialogar. Parece que tudo é questão estudando. Depois decido o que que-
um serviço de convivência e fortale- de briga: na escola, na comunidade, ro”, explica. Não ter pensado no as-
cimento de vínculos para crianças e na família.” Ela conta ter aprendido sunto não significa falta de opinião.
adolescentes de 6 a 14 anos. a fazer isso participando do Projeto Ao ser perguntado “nenhum sonho
A menina Stephani Barbosa tam- Camará. “Deveria ter muitos pro- mesmo, Kayo?”, ele é categórico:
bém participou da conferência muni- jetos como esse. Aí o jovem teria “Não. E ponto final.”

psi • junho/ julho / agosto 2015 15


c apa

Filhos da
era de direitosAprovado em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente se tornou a referência
de profissões que atuam na atenção à infância e juventude, como a Psicologia, e entra
na plenitude da idade adulta sob o desafio de ser efetivamente implementado

16 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Naquele dia, uma sexta-feira, o
Brasil ainda vivia atordoado pelo
atribulado início do governo do pre- Segundo o Censo
sidente Fernando Collor de Mello, 1991 do Instituto
que começou seu mandato negan- Brasileiro de Geografia
do o direito básico de as famílias e Estatística (IBGE), o Brasil
acessarem suas poupanças acima tinha à época 59 milhões de
de 50 mil cruzeiros, o nome resti- crianças, adolescentes
tuído à moeda nacional pelo presi- e jovens adultos até 24 anos
dente recém-empossado depois de que representavam 40%
quatro anos se chamando cruzado. da população
Talvez por isso a aprovação do Es-
tatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) não tenha chamado a aten-
ção como deveria. O país mesmo
mal havia iniciado seu aprendizado avanços proporcionados pelo ECA
sobre direitos, tendo se completa- a mudança de perspectiva sobre a
do apenas cinco anos da derrota do criança e o adolescente. “Ele permi-
candidato presidencial da ditadura tiu a superação da visão paternalis-
no Colégio Eleitoral indireto – que ta que os tratava como objetos de
decretou formalmente o fim da era intervenção social e jurídica. Não
de 21 anos de autoritarismo – e me- estão mais à mercê da boa vontade
nos de dois anos da promulgação da família, da sociedade ou do Esta-
da Constituição de 1988 – apelida- do. Os jovens se tornaram sujeitos
da de Constituição Cidadã por ser a de direitos, tendo a possibilidade
primeira da história nacional a ser de exigir tais direitos nos tribunais
desenhada como um marco de ga- e perante os responsáveis. O ECA
rantias fundamentais e universais. também incluiu a sociedade civil
Segundo o Censo 1991 do Instituto organizada no sistema de proteção
Brasileiro de Geografia e Estatística desses direitos, por meio da repre-
(IBGE), o Brasil tinha à época 59 mi- sentação em conselhos”, diz ela.
lhões de crianças, adolescentes e jo- A executiva da Fundação Abrinq
vens adultos até 24 anos que repre- diz que sob a vigência do Estatuto o
sentavam 40% da população. Eles Brasil também avançou nas estraté-
nasceram e cresceram num período gias de redução da mortalidade in-
em que o padrão era negar direitos. fantil, no combate à exploração do

O
trabalho infantil e na ampliação da
s brasileiros que no dia 13 de Balanço destaca avanços oferta de educação. “De 1992 a 2013,
julho completaram 25 anos A socióloga Denise Cesario, geren- a exploração do trabalho de crianças
pertencem à primeira gera- te executiva da Fundação Abrinq – e adolescentes foi reduzida em 59%
ção nascida sob a promessa de que Save the Children, avalia que o ECA nas cadeias produtivas formais. E se
o país lhes garantiria viver cada fase é um grande divisor de águas na conseguiu a quase universalização
de suas vidas de acordo com a idade. promoção dos direitos das crianças do acesso ao Ensino Fundamental.”
Como crianças, teriam assegurado o e adolescentes brasileiros. A insti- Os desafios para a implementação
direito de brincar e se divertir. Antes tuição, criada meses antes da apro- do ECA passam, segundo ela, pela
de terem autonomia para fazerem vação do Estatuto, tem como estra- garantia desses direitos. “Hoje, cerca
isso sozinhos, na primeira infância, tégias o “estímulo e pressão para de 3,2 milhões de crianças e adoles-
o direito a uma família, que nos implementação de ações públicas, centes continuam sendo utilizados
anos seguintes os acompanharia e fortalecimento de organizações não em redes ilegais, na agricultura e no
cuidaria – assim como a escola e o governamentais e governamentais trabalho infantil doméstico. Na edu-
Estado, na qualidade de principal para prestação de serviços ou defe- cação, o desafio é equacionar a oferta
zelador desses direitos e de outros: o sa de direitos, estímulo à responsa- de creches na faixa até 3 anos e atuar
direito à saúde, ao desenvolvimento bilidade social, articulação política na passagem para o Ensino Médio,
pessoal, ao trabalho digno e à igual- e social na construção e defesa dos onde há grande evasão escolar. Te-
dade de oportunidades. Em resumo, direitos e conhecimento da realida- mos de priorizar o investimento para
um claro horizonte apontando para de brasileira quanto aos direitos da aumentar a qualidade do sistema
o direito a se construírem como ci- criança e do adolescente”. educacional, melhorando a infraes-
dadãos plenos. Denise destaca entre os principais trutura e a formação docente com

psi • junho/ julho / agosto 2015 17


c apa

vistas a um ensino de qualidade.” adolescentes e é um afunilamento o ECA representa um marco funda-


Denise qualifica como um grande do processo de criminalização da ju- mental na história da Psicologia bra-
retrocesso a tentativa de diminuir a ventude negra”, declarou. sileira. “Ele nos deu parâmetros de
maioridade penal e chama a aten- atuação na perspectiva dos direitos
ção para os indicadores de violência Manobra na madrugada humanos, a partir do paradigma de
contra crianças e adolecentes. “Os A polêmica aprovação pela Câ- proteção integral. Define a criança
jovens são as principais vítimas de mara dos Deputados, em primeiro como prioridade absoluta. O Esta-
assassinatos”, adverte. turno, da proposta de redução da tuto ofereceu esse contorno ao tra-
Uma das representações a que ela maioridade penal (para homicídio, balho psi para o desenvolvimento
se refere é o Conselho Nacional dos lesão grave e crime hediondo prati- saudável da infância e adolescência
Direitos da Criança e do Adolescen- cados por adolescentes a partir de 16 e isso é coerente com o compromisso
te - Conanda, órgão ligado direta- anos), na madrugada de 2 de julho, da profissão.” A trajetória profissio-
mente à Secretaria de Direitos Hu- causou indignação. A proposta de nal de Maria de Lourdes inclui sua
manos da Presidência da República. redução da maioridade penal de 18 participação no esforço de implanta-
Trata-se de um órgão colegiado anos para 16 anos foi repudiada por ção do ECA. Ela escolheu o tema dos
permanente de caráter deliberati- todas as entidades representativas direitos da criança e do adolescente
vo e composição paritária, que tem da Psicologia e demais categorias como um eixo central de atuação,
entre seus integrantes uma repre- profissionais, além de outras orga- em especial daqueles que vivem em
sentante indicada pelo Conselho nizações da sociedade civil. O pro- condições de vulnerabilidade. Tra-
Federal de Psicologia (CFP). Nos dias jeto será votado em segundo turno balhou com adolescentes em confli-
que antecederam ao aniversário do após o recesso parlamentar de ju- to com a lei na antiga FEBEM (atual
ECA, em lugar de festejar os avanços lho. Se aprovado, irá a votação no Fundação Casa) e atuou em diversas
proporcionados pelo Estatuto o Co- Senado, também em dois turnos. ONGs que atendem jovens. Fazendo
nanda veio a público para defender Em março, o CRP SP lançou a um balanço das conquistas obtidas a
a não criminalização da juventude. campanha “Diga não à redução da partir do ECA, ela aponta os avanços
O vice-presidente do Conselho, Car- maioridade penal – Diga não à PEC registrados nos serviços de acolhi-
los Nicodemos, afirmou que os in- 171/93” e desde então vem dando mento e medidas de proteção. “Es-
dicadores de violência no país não destaque ao debate sobre o assunto, sas são duas áreas em que se andou
corroboram a tese de redução da além de promover discussões regu- muito”, diz. “A Psicologia contribuiu
maioridade penal. “A aprovação da lares a respeito. para isso, dando forma a esses servi-
emenda é um retrocesso na agen- Segundo a psicóloga e psicanalis- ços juntamente com as organizações
da de cidadania das crianças e dos ta Maria de Lourdes Trassi Teixeira, e instâncias promotoras.”

18 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Maria de Lourdes considera que ECA mostrando diferentes momen- gem, para neutralizar o preconceito.
a atuação na área da violência do- tos de sua cobertura no período, pu- “O mundo adulto se movimentou
méstica está em pleno desenvol- blicado no início de junho no site do pouco nesse sentido. Hoje a utopia
vimento, estimulada pelo olhar e CRP SP, traz a psicóloga Maria Cristi- é criançar o descriançável, inclusive
prática psi. “O trabalho clínico e es- na Vicentin chamando a atenção já no mundo adulto.”
tudos sobre o assunto mostram que em 2000 para a estigmatização do
a profissão abraçou essa vertente e jovem no noticiário da mídia tradi- Fora da ordem social
está criando metodologias de aten- cional. Segundo ela, que coordena O jornalista Bruno Paes Manso,
ção”, afirma. O ponto crítico que o Núcleo de Lógicas Institucionais pesquisador do Núcleo de Estudos
desafia não só a Psicologia como ou- e Coletivas da PUC São Paulo, é ne- da Violência da Universidade de
tras profissões, para ela, é a atuação cessário trabalhar com o universo São Paulo (NEV), fundador e re-
com adolescentes privados de liber- dos adultos, onde ecoa essa mensa- pórter do coletivo de jornalistas
dade por terem incorrido em ato in-
fracional. “Pesquisa recente com es-
ses jovens revela que eles se sentem
abandonados nas instituições. Nes-
se contexto, a privação de liberdade
não reeduca e sim gera ressenti- Infância roubada
mento”, diz. Ela se refere à nota téc- A ditadura civil-militar de 1964-
nica O Adolescente em Conflito com 1985 não perseguiu apenas os adul-
a Lei e o Debate sobre a Redução da tos que protagonizaram a resistência
Maioridade Penal, escrita pelo Insti- ao arbítrio. Além de prender, torturar
tuto de Pesquisas Econômicas Apli- e assassinar adolescentes como Mar-
cas (Ipea) – órgão também ligado à cos Antônio Dias, desaparecido aos 14
Secretaria de Direitos Humanos da anos, e Ivan Seixas, preso ilegalmen-
Presidência da República. te aos 16 mas que sobreviveu para
contar sobre as atrocidades sofridas
Esse estudo apresenta dados so-
no DOI Codi de São Paulo, utilizou fi-
bre adolescentes em conflito com
lhos de presos políticos para pressio- taram todo o núcleo familiar dessas
a lei que cumprem medida com nar os pais sob tortura a fornecerem pessoas perseguidas. Terceiro, por-
restrição de liberdade. Em 2013, informações. Muitas dessas crianças que revela como a ditadura funcio-
95% eram do sexo masculino e sofreram tortura psicólogica e física. nou como um verdadeiro laboratório
destes 60% tinham idade entre 16 Essas e outras histórias estão con- de produção de subjetividades que
e 18 anos. Há dois anos, quando a tadas no livro Infância Roubada, pro- ainda se manifesta, pelas continui-
fase de apuração da pesquisa foi duzido pela Comissão da Verdade Es- dades de uma transição controlada,
realizada, 23,1 mil adolescentes es- tadual “Rubens Paiva” da Assembleia em nossa democracia. A despeito
tavam privados de liberdade em Legislativa de São Paulo. O advogado dos avanços das últimas décadas, a
todo o país, dos quais 15,2 mil (64%) Renan Quinalha, que integrou a Co- violência de Estado contra crianças
missão e foi um dos responsáveis e adolescentes, sobretudo nas perife-
cumpriam medida de internação.
por essa publicação, afirma que a rias das grandes cidades, ainda é bas-
Sobre o assunto, Enid Rocha, uma
visibilização dessa violência contra tante marcante e remete às heranças
das técnicas responsáveis pelo tra- um segmento já vulnerável pelo da ditadura.”
balho, declarou que destes apenas Estado autoritário é importante por Para Quinalha, o ECA é um dos
3,2 mil jovens haviam cometido diversas razões. “Primeiro, porque exemplos bem sucedidos de como o
infrações graves como homicídios, rompe com a narrativa de que a dita- direito pode ser, por vezes, um instru-
estupros e latrocínios – as que acar- dura não violou direitos de crianças e mento efetivo de transformação so-
retam internamento. “Para o Esta- adolescentes, ao contrário da Argen- cial e cultural. “A proteção da infância
tuto da Criança e do Adolescente, tina e do Uruguai, países nos quais e da adolescência diante dos riscos à
as medidas de internação devem a apropriação de bebês foi praticada integridade existentes no ambiente
respeitar os princípios da brevida- largamente. Segundo, porque reco- doméstico, nos espaços públicos e no
nhece e nomeia formas psicológicas mercado de trabalho avançou com o
de e da excepcionalidade. Quando
e morais de sofrimento, ampliando advento do Estatuto. Muito ainda há
olhamos esses dados, observamos
as políticas de reparação do Estado, que se caminhar nesse sentido, mas
que os princípios não são segui- na medida em que se compreende as hoje temos o pleno reconhecimento,
dos”, declarou na recente apresen- diversas dimensões da dor imposta no ordenamento jurídico, da criança
tação pública do trabalho. Na práti- a crianças que tiveram seus pais as- e do adolescente enquanto sujeitos
ca, segundo o IPEA, a aplicação das sassinados, desaparecidos, presos ar- de direitos que merecem total prote-
medidas não têm correspondido à bitrariamente, torturados, exilados, ção e cuidado. Isso já é aceito social-
gravidade dos atos cometidos. forçados à vida clandestina, dentre mente graças, em grande medida, ao
O programa Diversidade que outras situações de privação que afe- ECA”, diz ele.
abordou o aniversário de 25 anos do

psi • junho/ julho / agosto 2015 19


c apa

Ponte – que faz reportagens sobre


segurança pública, justiça e direi-
tos humanos –, diz que a sociedade
ainda não encontrou a forma de
lidar com os adolescentes que co-
metem atos infracionais. “A maio-
ria é pobre e vive à margem do país
institucionalizado. O que os torna
presas fáceis do crime organizado
não é a situação de pobreza em si,
mas a percepção de que a desigual-
dade que os separa dos jovens que
vivem em um mundo de oportuni-
dades é um beco do qual não veem
saída”, afirma. Bruno cobriu a área
de segurança pública para o jor-
nal O Estado de S. Paulo e conhece
bem os dois mundos, assim como
o abismo que separa as realidades
dos jovens de diferentes origens so-
ciais na cidade de São Paulo. Nas úl-
timas semanas, a Ponte produziu a
série “Sobre Crimes e Castigos”, dis-
ponível no site ponte.org, apresen-
tada como “um projeto documen- Mortalidade da Secretaria de Vigi- mos promotores de saúde e que
tal com diversos pontos de vista lância em Saúde do Ministério da temos de apoiar as pessoas que
sobre as contradições da proposta Saúde, de 1990 a 2013 foram assas- estão em sofrimento mental.”
de redução da maioridade penal sinados cerca de 180 mil crianças e De acordo com o Censo IBGE
em pauta no Congresso Nacional”. adolescentes em todo o país. 2010, o Brasil tem cerca de 63 mi-
Para muitos jovens que nascem Lourdes afirma que a sociedade lhões de crianças e adolescentes.
nos cinturões de pobreza das gran- tem sido omissa no que classifica Cuidar para que atinjam a idade
des cidades, a arte é a forma de se- como “genocídio de jovens”. Seja adulta tendo respeitados o direito
rem aceitos por quem vive do lado como vítimas de disputas na ca- ao desenvolvimento pleno define
de cá das pontes que separam o deia produtiva do crime organiza- desde já o mundo em que vive-
centro expandido das periferias. Em do, de crimes na família, em rixas remos não daqui a mais 25 anos,
depoimento ao portal, o rapper Crio- entre adolescentes ou como re- mas no futuro imediato.
lo – que protagoniza o anúncio de sultado da ação ilegal de policiais. A Psicologia tem um papel a
um festival de música patrocinado Para ela, o medo social precisa de cumprir na construção de espa-
por uma grande marca de produtos um bode expiatório e isso alimen- ços e disseminação do conceito
cosméticos ao lado da cantora Ivete ta uma mentalidade vingativa dos do Brincar pra valer. Os governos
Sangalo – declarou que a única cer- que se sentem ameaçados pelo es- e a sociedade como um todo têm
teza que se tem ao nascer na que- tereótipo criado de que o criminoso a responsabilidade de construir
brada é que “você não vai ser nada”. provável é jovem, preto ou pardo. saídas que garantam que é Valer
Mulato, ele relatou que na infância “Nesse contexto, o adolescente pra brincar.
viveu um episódio traumático ao aparece como o responsável pela
ser levado pelo pai, que é negro, a insegurança”, diz.
um pronto-socorro. “Quando saí, Para ela, o modelo de sociedade
minha mãe discutia com um poli-
cial tentando explicar que ela e Cle-
em que a capacidade de consumir
define o prestígio social e protago-
O que a
on eram meus pais. O PS chamou a nismo gera a contradição entre o Psicologia tem
polícia porque achou que o homem apelo à compra que as crianças e a ver com isso
preto havia me sequestrado.” adolescentes de famílias de baixa Leia mais sobre o tema na
renda recebem e a possibilidade cartilha A Psicologia e sua
180 mil assassinatos concreta de acessar os bens alme- interface com os direitos das
Segundo o estudo Mapa da Vio- jados. “Essa omissão é ainda mais crianças e dos adolescentes, da
lência 2015, que utiliza como fonte grave em nossa profissão, se con- Série Comunicação Popular CRP
principal para analisar os homicí- siderarmos que o Código de Ética SP, no site www.crpsp.org.br.
dios o Sistema de Informações de do Psicólogo determina que so-

20 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


o rientação
Foto: Dollar Photo Club

Rede de acolhimento contra a


violência familiar
Atuação da Psicologia em situações de agressão física e sexual a crianças e adolescentes
exige ação coordenada com outros dispositivos de proteção, como organizações que
aplicam medidas socioeducativas, Conselhos Tutelares e Varas de Família e da Infância

N
o dia a dia, psicólogas/os são clínica é essencial para quem cada um deve ser capaz de resolver
que atuam isoladamente atua em situações de agressão a sozinho suas questões de trabalho e
em consultórios, empresas, direitos de crianças e adolescentes, as dúvidas são vistas como sinais de
instituições e também no Judiciá- especialmente as que envolvem fraqueza”, diz ela.
rio podem sentir falta de espaços de violência na própria família – sofri- Algumas vezes são as próprias
discussão em que tenham a oportu- da ou cometida por eles. “A equipe organizações que atuam na defesa
nidade de apresentar suas indaga- clínica é o lugar em que todos co- dos direitos de crianças e adoles-
ções sobre como escutar jovens em locam seu trabalho em discussão e centes que têm dúvidas pontuais
atendimento e, então, receber ques- têm o compromisso de opinar sobre sobre como atuar em determina-
tionamentos de colegas que pode- o trabalho dos colegas.” Segundo dos quadros. Angela cita o exemplo
riam contribuir para uma eventual ela, o ganho evidente que se tem de um equipamento da periferia da
reavaliação do caminho escolhido. ao contar com um espaço de troca zona norte de São Paulo, cuja técni-
Para a psicóloga Maria Angela San- profissional é desafiado pela prática ca procurou o Nuraaj para buscar
ta Cruz, psicanalista e coordenadora de muitas organizações em que a orientação quanto à situação de
do Núcleo de Referência em Aten- visão de trabalho em equipe é me- um adolescente em medida socioe-
ção à Adolescência e à Juventude ramente retórica. “Nada disso cos- ducativa (mse) em meio aberto. “À
(Nuraaj) da Clínica Psicológica do tuma acontecer em ambientes em medida que ouvia as dúvidas dela,
Instituto Sedes Sapientiae, a discus- que prevalece a expectativa de que achei que extrapolavam o caso es-

psi • junho/ julho / agosto 2014 21


o rientação


pecífico apresentado”, conta. Ao tervenção e acompanhamento do
questioná-la sobre isso, confirmou Conselho Tutelar.
sua intuição. Depois de colocar a “Atuar em situações de violên- Realizar atendimento
demanda em análise na Clínica cia contra crianças e adolescentes em grupo com crianças
Psicológica, decidiu-se por oferecer costuma ter respostas melhores e adolescentes tem vantagens
à organização apoio caso quisesse quando se trabalha em rede”, sobre sessões individuais.
redesenhar o atendimento. “Aca- afirma Angela Santa Cruz. “Mas O jovem tem o impulso
bamos desenvolvendo um traba- funciona melhor com redes vivas, de se integrar
lho de dois anos com toda a equipe quentes, que inserem esse jovem
Maria Angela Santa Cruz
de mse, contribuindo para que o em dinâmicas sociais dentro e fora
serviço se reconfigurasse.” dos espaços de terapia.”
Em se tratando de crianças e Angela conta que, em geral,
adolescentes, Angela acredita que crianças e adolescentes respon-
o atendimento em grupo apresen- dem bem à orientação quando No caso do jovem que tentou se
ta vantagens na comparação com percebem que existe comprome- matar, a psicóloga que procurou
sessões individuais. “O jovem tem timento da equipe clínica. “Eles o Conselho Tutelar inicialmente
o impulso natural de se integrar. Na tendem a sair de situações de compartilhou sua leitura com esta
vida social busca aqueles com quem risco mais rapidamente do que instância. A forma de conduzir a
se identifica”, explica. Assim, estar adultos”, diz ela. “Mas para isso orientação se baseia na articulação
em um grupo cuja identidade é ter é preciso que haja três coisas: in- com outros dispositivos de prote-
tido direitos fundamentais atingi- vestimento, desejo de ajudar esse ção da infância e juventude e, fun-
dos pelos próprios familiares pode jovem e capacitação. Não se ajuda damentalmente, na discussão clí-
facilitar a evolução da psicoterapia ninguém sem estar bem prepara- nica. “Recebemos muitos pedidos
de cada um. Esse espaço coletivo e do quanto à formação e conhecer de atendimentos de juízes de Va-
potente muitas vezes é encontrado exemplos concretos de situações ras, particularmente via Centro de
nas dinâmicas grupais em organi- análogas.” Referência às Vítimas de Violência
zações que aplicam medidas socio- Para atuar com jovens e adoles- (CNRVV) do Sedes Sapientiae, que
educativas, Conselhos Tutelares e centes, diz, é essencial entender o também atua em casos de violên-
Varas de Família e da Infância. potencial das redes de proteção, cia familiar”, conta.
As incertezas que costumam como funcionam os Conselhos Tu- De acordo com ela, a resistência
surgir em quadros de violência fa- telares, as Varas de Família e da In- ao trabalho em rede parte muitas
miliar se referem a estratégias de fância, as políticas públicas e a le- vezes de onde menos se esperaria: a
envolvimento da família para tra- gislação. “A começar do Estatuto da escola. “Entender como chegamos a
tar e superar o problema e, quando Criança e do Adolescente”, afirma. isso abre outra discussão. Em muitas
ela se recusa ou as tentativas não Segundo Angela Santa Cruz, o ocasiões tanto a direção como pro-
dão resultado, sobre o momento trabalho em rede não exige ne- fessores não quiseram se envolver,
em que se deve apresentar o caso cessariamente o estabelecimento porque entendem que o comporta-
ao Conselho Tutelar. Muitas vezes prévio de procedimentos formais, mento daquele estudante é um pro-
sequer é preciso que a violência como assinatura de protocolos. blema que não lhes dizia respeito.”
seja atuada de maneira concreta,
física, pois a tensão psicológica
gerada por uma dinâmica fami- Maria Angela Santa Cruz e equipe do Nuraaj realizam discussão clínica sobre atendidos
liar destrutiva pode afetar esse jo-
vem a ponto de colocá-lo em risco.
Foi o caso de um adolescente de 16
anos com histórico de agressões
físicas entre os pais, que em co-
mum o desqualificavam sistema-
ticamente. Ele tentou o suicídio
por, segundo contou, não supor-
tar esse lugar de atravessamen-
to entre os dois. Num ambiente
com este nível de desintegração,
Foto: Linha Fina Imagens

a possibilidade de convocar a fa-


mília para o tratamento pode não
dar o resultado pretendido. Nesse
exemplo, como se pode supor, não
deu e foi necessário solicitar a in-

22 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


p rocessos éticos

Os 25 anos do ECA e
a Ética profissional
N
o caso em análise, uma atitudes de uma pessoa que não vez, se torna um local de produção
psicóloga foi procurada foi avaliada pela profissional. de provas para o processo judicial.
por uma mãe para emi- Diante do exposto, ficou com- Em avaliações psicológicas, cabe
tir atestado psicológico da filha provado que a psicóloga infringiu: a análise crítica do profissional
de 4 anos e sua relação com a sobre quais as demandas que lhe
figura paterna. A profissional Resolução CFP 010/2005 são feitas (mas nem sempre ex-
realizou duas sessões com a Código de Ética Profissional plicitadas), além dos efeitos e im-
genitora e oito sessões com a do Psicólogo: pactos daquilo que lhe é pedido.
criança, utilizando caixa lúdica Considerar o contexto em que se
e material gráfico. O trabalho Art. 1º - São deveres fundamen- dão tais demandas ajuda a delimi-
se estendeu pelo período de tais do Psicólogo: tar o alcance do trabalho realiza-
três meses e ela alega que não ... do e das conclusões a que se pode
se ateve a uma abordagem teó- c) Prestar serviços psicológicos chegar. Nesse sentido, o trabalho
rica específica. de qualidade, em condições de tra- da/o psicóloga/o não deve apenas
O pai, por sua vez, queixa- balho dignas e apropriadas à na- cumprir o solicitado, mas, com tal
-se que a psicóloga elaborou tureza desses serviços, utilizando análise crítica, ser também inter-
‘Parecer Psicológico’ para ser princípios, conhecimentos e técni- ventivo naquilo que produz as
anexado em processo de regula- cas reconhecidamente fundamen- condições psicológicas da crian-
mentação de visitas, contendo tados na ciência psicológica, na ça avaliada, afastamento entre
julgamento sobre seu estado ética e na legislação profissional. pais e filhos, conflitos e disputas,
psicológico e índole. visando o bem-estar familiar e a
No documento consta que foi Art. 2° - Ao psicólogo é vedado: construção de encaminhamentos
realizada a avaliação psicológi- ... pertinentes ao cuidado de todos.
ca da “menor” e diagnosticada g) Emitir documentos sem fun- Essa é uma lógica de trabalho
dificuldade no relacionamento damentação e qualidade técnico- que também considera o Estatuto
pai-filha. A relação tem sido espo- -científica. da Criança e do Adolescente (Lei
rádica, por não residirem na mes- 8.069/90), que prioriza a convivên-
ma casa, e tumultuado. A profis- Resolução CFP 007/2003 cia familiar e estabelece que, em
sional considerou que o pai expõe Manual para elaboração uma eventual dificuldade de rela-
a criança a riscos, além de causar de documentos escritos cionamento, outras medidas po-
prejuízos psicológicos e morais à pelo psicólogo. dem ser adotadas, como a reapro-
criança. Em razão disso, recomen- ximação gradual do convívio entre
dou a suspensão das visitas. É importante extrair deste pai e filha, quando não representar
caso a reflexão sobre aquilo que situação de risco ou violação de di-
Após analisar os autos, a Co- é solicitado às/aos psicólogas/os reito à proteção.
missão de Ética ponta que o nos serviços prestados, sobretu- É importante destacar também
documento carece de funda- do em situações de litígio como que o termo “menor”, muitas ve-
mentação técnico-científica a disputa pela guarda e regu- zes utilizado por psicólogas/os,
que sustente suas conclusões. lamentação de visitas. Nessas remete ao paradigma do antigo
Este não menciona os indícios situações, é comum que psicó- Código de Menores, de 1979. Desde
levantados em sua análise para logas/os deparem apenas com a publicação do ECA, em 1990, foi
chegar à conclusão de prejuízos uma das partes envolvidas no abandonado o uso do termo “me-
provocados pelo pai. Destaca, processo, que frequentemente nor”, substituído por “criança e
ainda, que as afirmações sobre está tomada pelo conflito ins- adolescente”, anteriormente con-
o pai não foram apresentadas taurado, fazendo a lógica judi- siderados “em situação irregular”,
em forma de hipótese, mas sim ciária extrapolar para o atendi- e agora como “sujeitos de direitos”,
conclusivas sobre as intenções e mento psicológico, que, por sua inclusive à proteção integral.

psi • junho/ julho / agosto 2015 23


s ubsedes

O pensamento das crianças e


adolescentes, por eles mesmos
Participação dos jovens foi destaque nas Conferências Municipais dos Direitos da
Criança e do Adolescente no estado de São Paulo. Conheça as atividades realizadas
em Ribeirão Preto, São Vicente e Bauru

O
Conselho Regional de Psi- conferências convencionais. Este lescentes; Proteção e Defesa dos
cologia de São Paulo (CRP ano, o tema central instituído pelo Direitos; Protagonismo e Partici-
SP) participou das Confe- Conselho Nacional dos Direitos da pação de Crianças e Adolescentes;
rências Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conde- Controle Social e Efetivação dos
Criança e do Adolescente, realiza- ca) foi a Política e Plano Decenal Direitos e Gestão da Política Na-
das entre os meses de abril e maio dos Direitos Humanos de Crianças cional dos Direitos Humanos de
no estado. Como destaque, a parti- e Adolescentes: Fortalecendo os Crianças e Adolescentes.
cipação de crianças e adolescentes Conselhos dos Direitos da Criança As conferências se realizaram no
nas conferências lúdicas superou e do Adolescente. Foram debati- contexto das comemorações dos
a dos adultos (profissionais mul- dos os seguintes eixos: Promoção 25 anos de criação do Estatuto da
tidisciplinares e familiares) nas dos Direitos de Crianças e Ado- Criança e do Adolescente (ECA).

São Vicente repudia projeto de


redução da maioridade penal
A X Conferência Municipal dos Direitos Huma- No final, foram eleitos 13 delegados e 3 suplentes

Fotos: divulgação
nos da Criança e do Adolescente de São Vicente, adultos, 7 adolescentes e 2 crianças para participa-
realizada no dia 30 de abril de 2015 no salão da As- rem das etapas seguintes das conferências.
sociação Comercial, Industrial e Empresarial, reuniu
328 participantes. A Conferência Convencional so-
mou 81 pessoas, que no final do encontro aprovaram
duas moções: uma de apoio à greve dos professores
da rede pública de São Paulo e a outra de repúdio à
redução da maioridade penal.
A Conferência Lúdica, que contou com a presença
de 247 crianças e adolescentes, surpreendeu o estu-
dante de Psicologia Guilherme Guedes Reis, 20 anos,
estagiário da Prefeitura de São Vicente. Ele monito-
rou a conferência das crianças, a maioria entre 7 e
11 anos de idade, que tinha como meta a proposição
de ao menos sete propostas. “Achei que seria difícil
atingir essa meta, mas os participantes foram além:
criaram 12 propostas”, conta. Entre os temas debati-
dos, questões ligadas à escola (falta de professores
substitutos e de merenda de qualidade) e comunida-
de (problemas com coleta de lixo e segurança). “Foi
um evento muito rico. As crianças estão fazendo po-
lítica desde cedo. Aprendi muito com elas”, diz Reis.

psi • junho/ julho / agosto 2015 25


s ubsedes

Ribeirão Preto diz que


adultos aprenderam a ouvir
O
s adultos ouviram as crianças de Freitas Souza, que participou das em Saúde da Secretaria Municipal da
e adolescentes”, afirma o ado- conferências convencionais, destaca Saúde de Ribeirão Preto, considerou o
lescente Vitor Hugo Lacerda como fatores negativos a fragilidade encontro muito positivo. Conselheiro
Tosta, 17 anos, estudante do 1º ano do na articulação e participação da so- de Direitos no Conselho Municipal dos
Ensino Médio do Centro Educacional ciedade civil, assim como para a inex- Direitos da Criança e Adolescente, Co-
Marista Ir Rui, de Ribeirão Preto. Para pressiva presença do Poder Público bra afirma que a presença de crianças
ele esta foi a grande conquista dos – o que gerou nota de repúdio apre- e adolescentes na Comissão de Organi-
jovens que participaram da VI Con- sentada na Conferência Regional. zação foi um dos pontos altos da etapa
ferência Lúdica de Direitos Humanos Joelma avalia que as propostas Lúdica. “Eles apresentaram ideias im-
das Crianças e Adolescentes, realiza- aprovadas resultaram de debates portantes, em especial quanto à pro-
da na Câmara Municipal de Ribeirão produtivos. “Tivemos a presença de gramação cultural”, afirma.
Preto, no dia 24 de abril. Ele citou a pessoas engajadas, que construí- Uma das atrações culturais da Con-
palestra sobre Direitos da Criança e ram propostas com interface com as ferência foi a apresentação do grupo
do Adolescente como o ponto alto do apresentadas pelas crianças e ado- de teatro independente Proscênio,
encontro. “Eu sabia que tinha direi- lescentes na Conferência Lúdica. Um que encenou um ato sobre os dilemas
tos, mas não conhecia quais eram”, exemplo são as sugestões apresen- a respeito do sim e do não – sobre as
conta Vitor Hugo, que diz ter apren- tadas na etapa Municipal, na qual possibilidades que cada um tem a par-
dido sobre os direitos à saúde, educa- as instituições foram estimuladas a tir das escolhas que faz.
ção, moradia, entre outros. promover maior espaço de participa- Cobra enfatizou o nível de amadure-
O grupo de jovens aprovou as pro- ção e envolvimento das crianças nas cimento dos jovens participantes, que
postas apresentadas pelos seus re- atividades e ações oferecidas, bem influenciaram nos debates e em al-
presentantes, como aumentar os cui- como ampliar a atuação dos grêmios gumas propostas que saíram da Con-
dados com as comunidades em que escolares e assim aumentar sua legi- ferência. Dos temas tratados, foram
vivem. Foi a primeira participação de timidade”, diz. Na Conferência Regio- abordadas questões sobre segurança
Vitor Hugo em um evento desse tipo. nal, segundo Joelma, um destaque (necessidade de um relacionamento
O adolescente foi eleito para repre- positivo foi a proposta de criação positivo da polícia com a comunida-
sentar o grupo na Conferência Regio- de representação de crianças e ado- de), saúde (sedentarismo, educação
nal, que ocorreu no dia 12 de junho. lescentes nos Conselhos de Direitos alimentar e vacina HPV) e educação
Ribeirão também foi palco da X como “conselheiro titular”. (estímulo e atualização das escolas
Conferência Municipal da Criança A Conferência Municipal reuniu com relação aos livros didáticos e
e do Adolescente (25/4) e das Confe- cerca de 200 representantes de vá- demais materiais). “Nossas crianças
rências Regionais Lúdica (12/6) e Con- rias escolas e ONGs de Ribeirão Preto. e adolescentes estão cada vez mais
vencional (13/6). A diretora do Centro O psicólogo Bruno Tessari Cobra, exercendo a cidadania, fazendo políti-
Educacional Marista Ir Rui, Joelma chefe da Divisão de Planejamento ca e cobrando seus direitos”, diz.

Bauru quer fortalecimento de grêmios estudantis


A Conferência Municipal dos
Direitos Humanos da Crian-
ça e do Adolescente de Bauru,
to e explicam que cada um dos
cinco eixos temáticos abordados
no tema central da conferência
as propostas a serem votadas na
plenária final.
Segundo Padoveze, os participan-
realizada dias 29 e 30 de abril, – Política e Plano Decenal dos tes apresentaram propostas como
aconteceu no Projeto Social Casa Direitos Humanos de Crianças e a formação de grêmios nas esco-
do Garoto (Conferencia Lúdica) Adolescentes: Fortalecendo dos las, para estimular a participação e
e no ITE – Instituição Toledo de Conselhos dos Direitos da Crian- protagonismo da criança e do ado-
Ensino (Convencional). As/os ça e do Adolescente – foram dis- lescente, a exigência de garantia de
psicóloga/os e educadores so- cutidos por grupos de 25 pessoas, transporte para todas as escolas e a
ciais Camila Domeniconi e André em média, nos quais se debate- criação de mecanismos de fiscaliza-
Padoveze participaram do even- ram os temas e foram elaboradas ção para a garantia de direitos.

26 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


m ural

No momento em que o ECA completa 25 anos, façamos um


ano do avanço e não do retrocesso na defesa do futuro do país.
Conheça algumas publicações e vídeos do CRP SP
na Luta Contra a Redução da Maioridade Penal

Diversidade
mostra ECA - 25
Anos de História
No mês em que o Estatudo da
Criança e do Adolescente comemora
25 anos de existência, o CRP SP, em
parceria com a TV PUC, apresenta
uma série de quatro vídeos sobre a
importância do ECA.
Os dois primeiros episódio podem
ser vistos no Canal do CRP SP no You
Tube: Acesse: www.youtube.com/
user/crpspvideos. Compartilhe.
Assista sempre ao Programa Diver-
sidade, o espaço da Psicologia na TV.

O futuro do Brasil
não merece cadeia Carta Contra Criminalização
Veja também o documentá-
rio O Futuro do Brasil não merece da Infância e Adolescência
cadeia, produzido pela então Co-
missão de Criança, Adolescente e Em agosto de 2014, o CRP SP divul- das medidas de responsabilização já
Família do CRP SP, na gestão 1998- gou carta alertando sobre a crimi- previstas, mas, garantir que em seu
2001. Assista, baixe, compartilhe. nalização dos jovens. Em uma das cumprimento não lhes sejam avilta-
www.crpsp.org.br/portal/ passagens, o texto afirma: “No to- dos direitos, sobretudo, à dignidade”.
comunicacao/O_Futuro_do_ cante aos atos infracionais – mesmo Acesse a íntegra deste importan-
Brasil_nao_merece_cadeia/O_ os graves – entendemos que refutar te documento no site: www.crpsp.
Futuro_do_Brasil_nao_merece_ quaisquer proposições que evoquem org.br/portal/comunicacao/artes-
cadeia.html. a redução da maioridade penal não -graficas/arquivos/2014-carta_cri-
significa alienar as/os adolescentes minalizacao.pdf.

Conte onde e como você faz


Queremos mapear e dar visibi- a Psicologia no cotidiano. Para fazer
lidade às muitas práticas feitas da isso, grave um vídeo de até 1 minuto
Psicologia no estado de São Paulo. e 30 segundos e envie ao CRP SP.
Mostrar como os diversos campos Usuários dos serviços de Psico-
de atuação de nossa categoria estão logia também podem participar,
fazendo a diferença na sociedade. contando: De que maneira a Psi-
Vamos dar visibilidade às nossas cologia contribuiu para transfor-
práticas e conhecer os diversos mé- mar a sua vida?
todos que têm sido aplicados pelos Confira os vídeos já enviados por
profissionais. A ideia é democratizar psicólogas/os no endereço abaixo:
o conhecimento. www.crpsp.org.br/psicologiatodo-
Então, conte para nós e a todos os diaemtodolugar.
demais colegas como você constrói Participe. Divulgue. Compartilhe.

psi • junho/ julho / agosto 2015 27


m atéria especial

Brincar pra valer


Valer pra brincar
CRP lança campanha de celebração dos 25 anos do ECA com programação anual
composta de 25 rodas de conversa em todo o estado, em que jovens, psicólogas/os
e jornalistas debaterão temas fudamentais relacionados à infância e adolescência

28 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


C
omo as crianças e adoles- lo lançou a campanha Brincar pra
centes veem o Estatuto valer. Valer pra brincar.
criado há 25 anos para de- Durante um ano, julho de 2015
fender seus direitos e o utilizam a julho de 2016, esta iniciativa re-
como referência de seu lugar na alizará rodas de conversa públi-
família, escola, trabalho e vida cas para debater, de forma parti-
social? De que maneira a Psicolo- cipativa, questões fundamentais
gia e outras profissões cuja atu- relacionadas à infância e à ado-
ação tem nesse público um eixo lescência: Racismo; Etnia; Diver-
fundamental, como o Direito e o sidade sexual; Sexualidade na es-
Serviço Social, têm atuado nessa cola; Transtornos; Internamentos
temática? Finalmente, como a mí- socioeducativos; Trabalho infantil;
dia retrata esse debate? Para bus- Publicidade e televisão; Criança e
car respostas para essas questões, consumo; Acolhimento institucio-
que sejam construídas com base nal; Direito a divertir-se; Direito ao
na soma dessas visões, o Conselho brincar; Esporte/Cultura e relação
Regional de Psicologia de São Pau- com o território; Violência intrafa-
miliar; Saúde; Educação; Bullying;
Adoção; Morte/suicídio; Direito
a voz/reconhecimento; Relação
criança e adulto; Direito à cidade
Os temas rodas de conversa
e ao espaço público; Habitação/ objetivo é privilegiar em cada lo-
em cada um dos 25 locais
moradia/rua; Alimentação e obe- cal que sediará uma roda o assun-
serão distribuídos de acordo to que mais impacta a juventude e
sidade; Aleitamento materno; e
com um levantamento sobre a comunidade do entorno.
Drogas. Esses temas iniciais ainda
as questões de maior impacto podem ser reagrupados ou am- A questão dos limites aos jovens,
na cidade e região que pliados. Isso porque o conjunto de uma das preocupações da família
sediarão encontros assuntos a serem debatidos está e da escola, é transversal a vários
em discussão com as entidades dos temas propostos. Na perspecti-
parceiras do CRP SP na construção va da Psicologia, a produção de um
da agenda de rodas de conversa. O contorno de continência – compos-

Destaques das campanhas anteriores


Veja alguns dos temas de campanhas do CRP SP relacionadas ao ECA

2000 2005 2008

Confira a exposição
virtual, completa,
no site do CRP SP:
www.crpsp.org.br/
portal/comunicacao/
exposicoes.aspx

psi • junho/ julho / agosto 2015 29


m atéria especial

to pela presença do adulto, de per- impulso de satisfazer os seus an- A singularidade


tencimento à família e de cuidados seios como indivíduos que as mo- da contribuição da Psicologia
que a criança e o adolescente rece- biliza para, na vida em sociedade, no debate do 25º aniversário
bem, sem privá-los da liberdade – construírem a agenda comum de do Estatuto da Criança e do
é a referência a ser buscada para direitos capaz de contemplar to- Adolescente está na gênese de sua
ajudar esse jovem a encontrar o dos sem distinção. Assim, a cam- atuação, que entende as pessoas
seu lugar e aprender a se mover no panha Brincar pra valer. Valer pra como sujeitos de desejos antes
meio social em condições de igual- brincar nasce impulsionada pelos até de serem vistas como
dade com os demais. afetos relacionados à infância e sujeitos de direitos
As discussões acontecerão na à adolescência, tendo a aborda-
sede e em subsedes do CRP SP, gem sobre seus direitos entendida
como também em espaços de ou- como consequência e parte indis-
tras instituições e organizações da sociável dessa visão.
sociedade civil parceiras na campa- Para entender porque todo jo- e do entendimento equivocado de
nha e outros espaços do território. vem tem direito a brincar, se diver- parte da sociedade de que os jo-
Cada roda de conversa será aber- tir, ter uma família, estudar, viver vens que ainda não têm acesso a
ta por um vídeo de apresentação da sua sexualidade, estar no espaço esses direitos, por não lhe dizerem
questão de até 3 minutos, criado por público e trabalhar, como requisi- respeito, devem contar com a pró-
jovens. Em seguida, uma criança tos para se desenvolver e viver de pria sorte para sair da exclusão.
ou adolescente falarão sobre a im- modo digno, é preciso conhecer Cuidar da infância e da adoles-
portância do assunto em sua vida como essas questões atuam em cência de hoje determina o adulto e,
e desenvolvimento. Depois, uma/ seu imaginário e desejos. consequentemente, o tipo de socie-
um psicóloga/o, advogado ou assis- A campanha pretende ser um dade que todos teremos amanhã.
tente social dirão como essas pro- instrumento para a Psicologia con- As 25 rodas de conversa serão
fissões têm atuado com a temática. tar como tem cuidado da criança e gravadas e difundidas no site do
Fechando as falas introdutórias, da adolescência pensando em seu CRP SP e nas mídias sociais. A ex-
um jornalista da cidade/ou região desenvolvimento integral e, ainda, pectativa é que a presença de jor-
contará sua visão sobre o assunto e debater como a profissão pode con- nalistas neste ciclo que se inicia
como a mídia – local e nacional – re- tribuir para que o ECA seja efetiva- em agosto também contribuirá
trata a questão. Feitas as apresenta- mente implementado, superando para aprofundar as abordagens da
ções, a roda se abrirá para que haja limites que estão colocados devido mídia quanto aos temas relaciona-
troca de visões e experiências. à incompreensão de seus objetivos dos à infância e adolescência.
A proposta da roda de conversa
é promover o diálogo entre todos
os que trabalham com a temática
da criança e da adolescência, tendo
sempre a participação de jovens
nessa interlocução e não como re-
ferências meramente teórica. O
CRP SP acredita que o troca de co-
nhecimentos potencializará o tra-
balho de todos os que trabalham
com essa agenda.
Consulte o site do Conselho Regio-
nal de Psicologia para acompanhar
a construção da agenda de conver-
sas e conhecer a programação passo
a passo: www.crpsp.org.br.

Sujeitos de desejos
A singularidade da contribuição
da Psicologia no debate provoca-
do pela celebração do 25º aniver-
sário do Estatuto da Criança e do
Adolescente está na gênese de sua Temática dos direitos da infância
atuação, que entende as pessoas e da adolescência é um dos eixos de
como sujeitos de desejos antes até atuação da Psicologia a que o CRP SP
de serem sujeitos de direitos. É o dá visibilidade permanentemente

30 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


E stante

FILMES

Belíssima Mary et Max.


(Itália, 1951) Luchino Visconti, Drama, 108 minutos. (Austrália, 2010) Adam Elliot, Animação, 92 minutos.
Maddalena (a superestrela Anna Magnani) é uma mulher Mary Daisy Dinkle é uma menina solitária de 8 anos, que
esforçada, que faz de tudo para que sua filha possa ter a chance de vive em Melbourne. Max Jerry Horovitz tem 44 anos e vive
uma vida melhor. Uma das obras-primas do diretor, que asssina em Nova York. Obeso e também solitário, ele tem síndrome
também o roteiro – em parceria com Suso Cecchi D’Amico e de Asperger. Mesmo com a distância e a diferença de idade
Francesco Rosi – o filme aborda o tema tão atual da exploração do entre eles, Mary e Max desenvolvem uma forte amizade, que
trabalho infantil pela indústria do entretenimento. transcorre de acordo com os altos e baixos da vida.

De Menor
(Brasil, 2014) Caru Alves de Souza, Drama, 67 minutos.
Vencedor do Festival do Rio 2013, o curta-metragem coproduzido
pela diretora e Tata Amaral conta a história de Helena (Rita
Batata), uma advogada recém-formada que divide sua rotina
como defensora pública de crianças e adolescentes no Fórum
de Santos e os cuidados com o jovem Caio (Giovanni Gallo). O
relacionamento dos dois é colocado à prova quando Caio comete
um delito. Parte do elenco é formada por jovens de Santos que
tiveram sua primeira experiência com o cinema.

LIVROS
Joaquim Toco e amigos Crianças Como Você - Uma
na Terra do Gãr: crônicas emocionante celebração
do cotidiano Kaingang da infância no mundo
Hilda Beatriz Dmitruk e Leonel Barnabas Kindersley e Anabel
Piovezana, com ilustrações de Gina Kindersley, Editora Ática, 2014.
Zanini, Ministério Público Federal, 2015. Celina, do Brasil; Ji-Koo, da Coreia do Sul;
Joaquim Toco e seus amigos na Terra do Houda, do Marrocos; Meena, da Índia;
Gãr, de forma fresca e bem humorada, Esta, da Tanzânia... Neste livro infantil
introduzem os leitores no mundo da em forma de relatos com ares de repor-
atual geração de Kaingang. Por meio das tagem, as crianças não só são os perso-
aventuras de Toco, Luar, Kusé e Cesário, nagens das histórias como as próprias protagonistas. Em depoi-
somos convidados a conhecer aspectos da vida cotidiana nas mentos reais, elas falam e escrevem sobre sua vida e seu jeito de
comunidades indígenas da região Oeste de Santa Catarina. O ser em diferentes culturas ao redor do mundo. Através da obra,
livro, que está sendo distribuído nas escolas públicas da cidade o leitor conhece o cotidiano da infância a partir do próprio olhar
de Chapecó e região, será disponibilizado pela Procuradoria da infantil. Editado em associação com o Unicef, o Fundo das Nações
República em Santa Catarina para download. As histórias foram Unidas para a Infância, o livro apresenta as situações da infância
colhidas e elaboradas nas próprias comunidades indígenas, em em sua diversidade, unidas pelo traço comum da relação lúdica
pesquisa da UnoChapecó em parceria com o MPF. Participaram da criança com a escola, a família e a vida em sociedade. Ensina
do processo, para que a obra fosse construída de forma que a vida das crianças tem cores, sabores e hábitos diferentes,
transdisciplinar, antropólogos, historiadores e educadores. mas que meninas e meninos são iguais em qualquer parte.
e-mail: prsc-prmchapeco@prsc.mpf.gov.br www.atica.com.br
| Tel.: (49) 3313-1200 | Tel.: (11) 4003-3061

psi • junho/ julho / agosto 2015 31


25 anos de
afirmação
Desde a aprovação do ECA, em 1990, o CRP SP desenvolve campanhas
e participa de ações para fazer avançar a garantia de direitos

1 psi • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo

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