Você está na página 1de 21

Psicologia Jurídica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Z13 Zacariotto, William Antonio

?
Informática: Tecnologias Aplicadas à Educação. / William
Antonio Zacariotto - São Paulo: Editora Sol.

il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-006/11, ISSN 1517-9230.

1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título

681.3

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo Okida


Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Janandréa do Espírito Santo
Caros alunos,

Bem‑vindos à disciplina Psicologia Jurídica on‑line.

Esta disciplina tem como objetivo descrever e caracterizar a Psicologia Jurídica como área de atuação
do psicólogo e sua interface com o Direito. As discussões encontradas nesta disciplina permitirão ao
aluno a inclusão da subjetividade no contexto jurídico a partir da compreensão desta e dos diversos
atores envolvidos. Também discutiremos a identificação e a descrição das várias competências e funções
do psicólogo inserido em diversas instituições jurídicas, como varas de família, conselhos tutelares, varas
da infância e juventude, abrigos e prisões, reconhecendo, ao final, os elementos presentes nas medidas
jurídicas sob o ponto de vista psicológico, discriminando suas causas e os efeitos possíveis na vida dos
sujeitos envolvidos. Para o desenvolvimento de habilidades e competências tão específicas, o estudante
em formação deverá conhecer a legislação nacional (Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do
Idoso e Lei Maria da Penha) e suas implicações para a prática da Psicologia Jurídica, bem como aprender
a identificar as especificidades do atendimento em Psicologia Jurídica e diferenciá‑lo do atendimento
clínico tradicional.

Você é responsável por sua vida acadêmica, portanto, deve administrar seu tempo para o estudo
da disciplina on‑line de forma que possa ter o melhor aproveitamento possível. É importante que
você dedique ao menos duas horas por semana para esta disciplina, estudando os textos sugeridos
e realizando os exercícios de autoavaliação. Planeje sua semana e o conteúdo a ser estudado com
antecedência. Dessa forma, seu aproveitamento será infinitamente maior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Básica

BRANDÃO, E. P.; GONÇALVES, H. S. (org.) Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2004.

SHINE, S. A. Espada de Salomão: a psicologia e a disputa de guarda de filhos. São Paulo: Casa do
Psicólogo. 2007.

SIQUEIRA, A. C.; JAEGER, F. P. & KRUEL, C. S. Família e violência – conceitos, práticas e reflexões críticas.
Curitiba: Juruá Editora, 2013.

Complementar

SHINE, S. Avaliação psicológica e lei: adoção, vitimização, separação conjugal, dano psíquico e outros
temas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

LAGO, V. M. et al. Um breve histórico da Psicologia Jurídica no Brasil. Estudos de Psicologia (Campinas).
Vol. 26, no. 24, p.483‑491, 2009.

5
MOREIRA, M. M. N.; PRIETO, D. “Da sexta vez não passa”: violência cíclica na relação conjugal.
Psicologia IESB. Vol. 2, n. 1, 58‑69, 2010.

AMAZARRAY, M. R.; KOLLER, S. H. Alguns aspectos observados no desenvolvimento de crianças vítimas


de abuso sexual. Psicologia: reflexão e crítica. Porto Alegre. vol. 11, no 03, 1998.

CEZAR‑FERREIRA, V. A. da M. Família, separação e mediação: uma visão psicojurídica. 3. ed. São Paulo:
Método, 2011.

Links para pesquisa:

Guia para atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência (Instituto Sedes Sapientiae e
SMADS ‑ Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de SP, 2008).

Capa: http://www.sedes.org.br/Centros/12357_Capas.pdf

Miolo: http://www.sedes.org.br/Centros/12357_Miolo.pdf

Re‑construção de vidas: como prevenir e enfrentar a violência doméstica, o abuso e a exploração


sexual de crianças e adolescentes (Instituto Sedes Sapientiae e SMADS ‑ Secretaria de Assistência e
Desenvolvimento Social da Prefeitura Municipal de SP, 2008).

Capa: http://www.sedes.org.br/Centros/12358_Capas.pdf

Miolo: http://www.sedes.org.br/Centros/12358_Miolo.pdf

O fim da omissão: a implantação de polos de prevenção à violência doméstica (Fundação ABRINQ, 2002).

Link: http://www.sedes.org.br/Centros/O%20fim%20da%20omissão. pdf

Cartilha ‘Navegar com segurança: protegendo seus filhos da pedofilia e da pornografia infanto‑juvenil
na internet’ do Instituto WCF‑Brasil

Link: http://www.wcf.org.br/pdf/Navegar_com_Seguranca.pdf

Serviço de proteção a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e suas famílias: referências
para a atuação do psicólogo – CREPOP.

Referências técnicas para atuação do psicólogo em vara de família – CREPOP – 2009.

Referências técnicas para atuação do psicólogo no âmbito das medidas socioeducativas em unidades
de internação – CREPOP.

6
Orientações técnicas: serviços de acolhimento para crianças e adolescentes (junho de 2009) ‑
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Conselho Nacional de Assistência Social

Disponível: www.mp.rs.gov.br/areas/infancia/arquivos/conanda_acolhimento.pdf

Estatuto da Criança e do Adolescente

Estatuto do Idoso

Direitos Humanos

Lei Maria da Penha

A seguir você encontrará textos referentes à temática de cada aula. Esses textos representam o
conteúdo mínimo que você deve estudar. Recomendamos também a leitura dos textos básicos para que
você possa aprofundar as questões.

Bons estudos!

7
PSICOLOGIA JURÍDICA

Unidade I
1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA PSICOLOGIA JURÍDICA – A
INTERDISCIPLINARIDADE.

Como dissemos no início deste material, a Psicologia Jurídica atua na interface com o Direito, mas
esta também atua na interface com a Assistência Social – a partir da formulação de políticas públicas de
combate à violência doméstica e o cuidado integral à criança e ao adolescente – conforme determinado
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). Desta forma, discutiremos a seguir alguns
tópicos importantes a respeito deste assunto.

Vamos conhecer um pouco sobre este sistema e sobre assistência social. Todo mundo paga imposto
para o governo. Uma parte do preço pago por cada uma das coisas que consumimos tem embutido
algum tipo de imposto. Os impostos, junto com outras fontes de arrecadação, formam o Orçamento
Público (instrumento legal que gerencia o dinheiro público e determina em que e como ele será gasto).
Aí, o governo usa esse dinheiro para pagar as contas da saúde, da educação, da segurança, o salário dos
servidores municipais, da construção das estradas, os gastos com assistência social.

A assistência social é um direito de toda pessoa que precisa dos mínimos sociais, que são: vida digna,
saúde, educação, cultura, lazer, segurança, trabalho e renda.

Existia uma época em que a assistência social não era vista como um direito. O governo cuidava dos
mais pobres quando queria e como queria. Normalmente era a primeira‑dama – nos municípios – quem
fazia este trabalho, por meio de campanhas de arrecadação de alimentos ou roupas. Era uma questão
de caridade. Este tipo de trabalho era muito interessante, mas não modificava – efetivamente – a vida
das pessoas que recebiam estes benefícios.

Depois de muita mobilização e luta, a assistência social foi reconhecida como DIREITO do cidadão e DEVER
do Estado reconhecido pela Constituição Federal – que é um conjunto de leis a ser respeitado em todo o país.
No final de 2004, foi aprovada a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), construída coletivamente com
o objetivo de implementar o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, criado no ano seguinte.

O SUAS – que articula duas estruturas: a de proteção social básica e a de proteção social especial (de
média e alta complexidade) – é uma espécie de gerente das ações da assistência social e a inspiração veio
da compreensão de que as pessoas são por inteiro e nossos direitos são indivisíveis e nossas necessidades
são interligadas.

Para tal organização foram criados os CRAS e os CREAS. Os CRAS são os Centros de Referência de
Assistência Social e trabalham com a proteção social básica, mais especificamente com as famílias – e
isto ocorre porque temos na família o primeiro espaço de proteção e socialização. Quando a família
9
Unidade I

é cuidada e recebe atenção, é fortalecida e todos que nela estão também são. O núcleo familiar é a
referência e o ponto de partida para a garantia dos direitos e lugar de prevenção.

O CRAS faz parte de uma rede de atendimento municipal (composta por pessoas, equipamentos,
políticas públicas, programas e projetos conversando entre si e se conectando nos níveis municipal,
estadual e federal) e é responsável por oferecer condições favoráveis às famílias que precisam de
oportunidades de renda e de trabalho, de convivência comunitária, segurança, de proteção e ações de
prevenção à vulnerabilidade e risco. Para isso, ele aciona os seguintes direitos: serviços socioeducativos
e sociocomunitários, bolsa‑família, benefício de prestação continuada (no caso dos idosos) e benefícios
emergenciais ou eventuais.

1.1 Vulnerabilidade e risco

Quando ocorre um problema grave em um núcleo familiar, ela fica em condição de vulnerabilidade,
porque se esta situação perdurar, suas condições de manutenção e estabilidade estarão ameaçadas.
Quando uma criança abandona a escola, ou é abandonada por ela (não tem vaga disponível), ela passa
a ficar muito tempo nas ruas com o risco de envolver‑se em situações perigosas – situações em que
seus direitos não são respeitados. Assim, é necessário um trabalho de prevenção, oferecendo às famílias
possibilidades de superação e autonomia.

Existem casos ainda em que os vínculos com a família ou com a sociedade se rompem e, nesses
casos, as pessoas precisam de proteção social especial. São casos que demandam acolhimento, abrigo,
família substituta e atenção integral. Quem cuida da proteção social especial é o CREAS – Centro de
Referência Especializado de Assistência Social. Seguem alguns exemplos: crianças com direitos violados
e que precisam de medidas de proteção; mulheres vítimas de violência e que precisam se afastar
de seus agressores; adolescentes que cometeram atos infracionais e que precisam cumprir medidas
socioeducativas; e idosos que precisam de cuidados continuados.

Por força do SUAS, devem ser garantidas equipes mínimas para atendimento à população, quem
contam com assistente social, psicólogo, pessoal administrativo e outros profissionais que se façam
necessários. E por que um psicólogo na equipe interdisciplinar? Porque ele pode contribuir com seu
conhecimento e formação, agregando e valorizando o aspecto das experiências subjetivas no individual,
coletivo e no social; as relações podem ser compreendidas de uma maneira mais ampla e as alternativas
podem ser mais abrangentes; ele pode cuidar das pessoas e pensar com elas formas de retomar o
processo de protagonismo de suas próprias vidas, e também contribuir no fortalecimento dos vínculos
familiares, na estruturação de habilidades sociais necessárias à sua realidade e desenvolvimento de
potencial criativo e empreendedor, além da capacidade de resolução de problemas.

1.2 A Psicologia Jurídica: definições e início

Uma boa definição:

“A Psicologia Jurídica é compreendida como uma especialidade que


desenvolve um grande e específico campo de relações entre os mundos do
10
PSICOLOGIA JURÍDICA

Direito e da Psicologia – nos aspectos teóricos, explicativos e de pesquisa,


como também na aplicação, na avaliação e no tratamento” (COLÉGIO
OFICIAL DE PSICÓLOGOS, 1997).

A Psicologia Jurídica é, portanto, uma área da Psicologia que se relaciona com o Sistema de Justiça e
o termo “jurídica” é adotado porque é abrangente e refere‑se aos procedimentos ocorridos nos tribunais,
bem como aqueles que são fruto da decisão judicial, ou ainda, aqueles que são de interesse do jurídico
ou do Direito (FRANÇA, 2004).

O Conselho Federal de Psicologia (2001) assim definiu quem é o Psicólogo Jurídico:

“Atua no âmbito da Justiça, colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania,


direitos humanos e prevenção da violência, centrando sua atuação na orientação do dado psicológico
repassado não só para os juristas como também aos indivíduos que carecem de tal intervenção, para
possibilitar a avaliação das características de personalidade e fornecer subsídios ao processo judicial,
além de contribuir para a formulação, revisão e interpretação das leis:

Avalia as condições intelectuais e emocionais de crianças, adolescentes e adultos em conexão


com processos jurídicos, seja por deficiência mental e insanidade, testamentos contestados, aceitação
em lares adotivos, posse e guarda de crianças, aplicando métodos e técnicas psicológicas e/ou de
psicometria, para determinar a responsabilidade legal por atos criminosos; atua como perito judicial nas
varas cíveis, criminais, Justiça do Trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos,
pareceres e perícias, para serem anexados aos processos, a fim de realizar atendimento e orientação a
crianças, adolescentes, detentos e seus familiares; orienta a administração e os colegiados do sistema
penitenciário sob o ponto de vista psicológico, usando métodos e técnicas adequados, para estabelecer
tarefas educativas e profissionais que os internos possam exercer nos estabelecimentos penais; realiza
atendimento psicológico a indivíduos que buscam a Vara de Família, fazendo diagnósticos e usando
terapêuticas próprias, para organizar e resolver questões levantadas; participa de audiência, prestando
informações, para esclarecer aspectos técnicos em psicologia a leigos ou leitores do trabalho pericial
psicológico; atua em pesquisas e programas socioeducativos e de prevenção à violência, construindo
ou adaptando instrumentos de investigação psicológica, para atender às necessidades de crianças e
adolescentes em situação de risco, abandonados ou infratores; elabora petições sempre que solicitar
alguma providência ou haja necessidade de comunicar‑se com o juiz durante a execução de perícias,
para serem juntadas aos processos; realiza avaliação das características da personalidade, através de
triagem psicológica, avaliação de periculosidade e outros exames psicológicos no sistema penitenciário,
para os casos de pedidos de benefícios, tais como transferência para estabelecimento semiaberto,
livramento condicional e/ou outros semelhantes.

Assessora a administração penal na formulação de políticas penais e no treinamento de pessoal para


aplicá‑las. Realiza pesquisa visando à construção e ampliação do conhecimento psicológico aplicado
ao campo do direito. Realiza orientação psicológica a casais antes da entrada nupcial da petição, assim
como das audiências de conciliação. Realiza atendimento a crianças envolvidas em situações que
chegam às instituições de direito, visando à preservação de sua saúde mental.

11
Unidade I

Auxilia juizados na avaliação e assistência psicológica de menores e seus familiares, bem como
assessora no encaminhamento às terapias psicológicas quando necessário. Presta atendimento e
orientação a detentos e seus familiares visando à preservação da saúde. Acompanha detentos em
liberdade condicional, na internação em hospital penitenciário, bem como atua no apoio psicológico à
sua família. Desenvolve estudos e pesquisas na área criminal, constituindo ou adaptando os instrumentos
de investigação psicológica”.

A Psicologia Jurídica nasceu da Psicologia Clínica – especificamente da área de avaliação psicológica –


porque a Justiça necessitava de investigações psicológicas para compreender o comportamento humano.

Mas infelizmente não há um único marco histórico que defina o início do trabalho da Psicologia
Jurídica. Sua história confunde‑se, e muito, com o reconhecimento da própria profissão de psicólogos
(o reconhecimento da profissão foi em agosto de 1960) – o que regulamentou nossa profissão em todo
território nacional.

A inserção dos psicólogos em processos judiciais e em trabalhos no Tribunal de Justiça deu‑se de


forma lenta e gradual e sempre por intermédio de trabalhos voluntários – ou seja, psicólogos que
tinham contato com juízes e advogados e eram chamados a fornecer um parecer (mesmo que informal)
sobre determinado caso (LAGO et al, 2009).

Assim, os primeiros trabalhos foram na área criminal, em estudos sobre adultos “criminosos” e
adolescentes em conflito com a lei. Embora se tenha conhecimento de psicólogos atuando no sistema
prisional há mais de 50 anos, foi somente a partir de 1984 e após a promulgação da Lei Federal de
Execução Penal (7210/84) que o trabalho do psicólogo no sistema prisional foi reconhecido legalmente
(LAGO et al, 2009).

A participação de psicólogos no Tribunal de Justiça de São Paulo começou em 1980, quando um


grupo de voluntárias foi convidado a dar orientações às famílias em litígio e a posterior reestruturação
do lar e manutenção das crianças em disputa em um ambiente saudável. Em 1985, o Presidente do
Tribunal de Justiça apresentou à Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto criando o cargo de
Psicólogo Judiciário – o que significou a consolidação do posto de psicólogo no sistema judiciário
(SHINE, 2005).

Antes de 1990, o trabalho do psicólogo destacava‑se no Juizado de Menores, em perícias e no Direito


de Família – principalmente nos casos de adoção. A partir da implantação do ECA (Estatuto da Criança e
do Adolescente), em 1990, os Juizados da Infância e Juventude passam a exigir a presença do psicólogo
nas equipes mínimas de trabalho e sua atuação expande para as medidas socioeducativas e outros –
artigos 150 e 151 determinam a equipe mínima e suas atribuições, bem como a livre manifestação
destes profissionais. O objetivo desta equipe é prestar atendimento de orientação e encaminhamento às
pessoas e famílias que recorrem ao judiciário, bem como o de auxiliar o juiz na aplicação e administração
da Justiça (BRASIL, 1990).

O Direito de Família tem se destacado na busca do trabalho do Psicólogo Jurídico. Quando pensamos
em situações muito particulares e que são levadas à Justiça para uma solução – como é o caso das
12
PSICOLOGIA JURÍDICA

disputas de guarda em processo de separação litigiosa, o juiz não se sente apto a decidir e exatamente
por isso, solicita o trabalho de um “expert” no assunto. No caso destas questões que envolvem respostas
pautadas no emocional, o psicólogo jurídico é com certeza o profissional melhor habilitado para isso.

Assim, o psicólogo pode atuar como perito ou como assistente técnico em casos de demanda judicial.
Nestes casos, o psicólogo pode e deve agir com isenção, conduzindo seu trabalho segundo os referenciais
técnicos e éticos de sua área. Dentro da prática pericial, existem os assistentes técnicos e alguns, imbuídos
pela lógica adversarial, pretendem que o seu laudo fique a favor de quem o contratou, não existindo
nenhum compromisso com a imparcialidade ou isenção – estes são chamados de “pistoleiros”, pois são
antiéticos ao defenderem uma das partes ou determinado resultado, por meio da omissão de dados
desfavoráveis (SHINE, 2005).

A avaliação psicológica realizada deve ser traduzida em um relatório, que chamamos laudo pericial,
e juntada nos autos para que o juiz possa se valer de mais esse cabedal teórico e técnico, antes de dar
sua sentença sobre o caso.

Deve‑se considerar que, obrigatoriamente, todo e qualquer documento deve se basear na ética e
no rigor técnico que esta produção exige. Os laudos, pareceres e os relatórios psicológicos precisam
estar baseados e devem ser elaborados seguindo de forma rigorosa e criteriosa os parâmetros exigidos
pela Resolução n. 007/2003 – elaborada e publicada pelo Conselho Federal de Psicologia e que institui
normas e regras para elaboração de documentos escritos produzidos pelos psicólogos e compartilhados
com outros profissionais e usuários.

1.3 Principais campos de atuação do psicólogo jurídico

• O psicólogo jurídico trabalha na elaboração de laudos e relatórios e, em alguns casos, sua atuação
restringe‑se à questão avaliativa dos atores jurídicos envolvidos na questão.

• Assessoramento: trabalhando como perito assistente em casos de litígio e divergência de opiniões


entre as partes.

• Intervenção: planejamento e realização de programas de prevenção, tratamento, reabilitação e


integração de atores jurídicos na comunidade, no meio penitenciário – tanto individual quanto
coletivamente.

• Campanhas de prevenção social contra a criminalidade em meios de comunicação.

• Pesquisa.

• Vitimologia (atenção às vítimas de crimes e maus‑tratos).

• Direito de Família: separação, disputa de guarda, regulamentação de visitas, destituição do poder


familiar.

13
Unidade I

• Direito Civil: interdição, perícia para indenizações.

• Direito Trabalhista: perícia psicológica para indenizações

• Direito Penal: corpo de delito, exame de sanidade mental, estudo sobre redução de penas, indultos.

• Mediação de conflitos.

2 TRABALHO DO PSICÓLOGO COMO PERITO NAS VARAS DE FAMÍLIA:


REGULAMENTAÇÃO DE GUARDA E DE VISITA EM CASOS DE LITÍGIO
CONJUGAL – A QUESTÃO DO LITÍGIO E SEUS EFEITOS NOS FILHOS DO CASAL

O objetivo básico do serviço de Psicologia no Poder Judiciário é elaborar um esboço, o mais fidedigno
possível, acerca da situação das crianças e de suas famílias. Esse perfil auxilia a decisão do juiz em: processo
de separação e divórcio; disputa de guarda e regulamentação de visitas. Os processos de separação, que
envolve a participação do psicólogo, são na sua maioria litigiosas – as partes não conseguiram acordar
em relação às questões envolvidas, tais como: partilha de bens, guarda de filhos, pensão alimentícia e
direito de visitação.

O psicólogo pode atuar como mediador nos casos em que os litigantes se disponham a tentar um
acordo. Esta possibilidade de atuação permite ao psicólogo propor às partes um momento de escuta
de suas angústias e dificuldades envolvendo o processo de separação. Este momento de acolhimento
pode servir como uma oportunidade de ajuda aos litigantes e quem sabe até – a proposta de um
acordo amigável onde as partes podem acertar os pontos divergentes e com isso acelerar o processo de
resolução do problema.

Quando o juiz não considerar viável a mediação, ao psicólogo pode ser solicitada uma avaliação de
uma das partes ou do casal como um todo. Assim, seja como avaliador ou mediador, o psicólogo buscará
os motivos que levaram o casal ao litígio e os conflitos subjacentes que impedem um acordo em relação
aos aspectos citados. Esta percepção e este conhecimento são muito importantes para uma proposta
de resolução do conflito. Nota‑se que existem muitos casais que perpetuam as brigas, de preferência
judicialmente, pois esta é uma forma de estender o laço conjugal. Mesmo que este casal não consiga
mais dialogar, mesmo que não haja mais vínculo afetivo entre ambos, quando este litígio não se encerra,
isto ocorre porque – provavelmente uma das partes não aceita a separação e/ou sente dificuldades de
lidar com isso de uma forma saudável emocionalmente e por esse motivo arrasta esta disputa na justiça.

O maior prejuízo observado nestas disputas é a saúde e a estabilidade emocional dos filhos deste
casal – que pouco participam deste processo de forma ativa e sempre são solicitados a opinar sobre. Vale
ressaltar que são solicitados a opinar não pelo Poder Judiciário e sim pelos próprios pais – que “usam os
filhos” – como moeda de troca nas disputas litigiosas – e em momento algum pensam nestes (nos filhos)
como parte integrante desta dinâmica.

A avaliação psicológica do perito será realizada mediante as preferências e escolhas técnicas do


profissional que a realiza – não havendo protocolo específico para tal. Na maioria dos casos, são feitas
14
PSICOLOGIA JURÍDICA

entrevistas semidirigidas com as pessoas envolvidas, além da aplicação de testes – quando necessário.
Entrevistas com terceiros envolvidos e instituições podem ser feitas e são muito comuns.

Na regulamentação de visitas, os conflitos variam desde uma queixa de uma das partes reclamando
de impedimentos de visitas ao filho por parte do ex‑cônjuge, que detém a guarda da criança, até a
tentativa da mudança de horário de visita.

Na modificação de guarda, a disputa gira em torno da guarda dos filhos, e, na maioria das vezes,
são feitas acusações graves contra o detentor da guarda e/ou o outro, gerando, em alguns casos, até a
possibilidade de instalação da Síndrome de Alienação Parental (SAP).

A SAP caracteriza‑se por um processo que consiste em programar uma criança para que odeie um
de seus genitores sem justificativa, por influência do outro genitor com quem a criança mantém um
vínculo de dependência afetiva e estabelece um pacto de lealdade inconsciente. Quando esta síndrome
se instala, o vínculo da criança com o genitor alienado torna‑se irremediavelmente destruído. Para
que este quadro seja considerado, é necessário que se tenha garantias de que o genitor alienado não
mereça – de forma alguma – as acusações que lhe são feitas. Após a percepção real da instalação deste
quadro, é necessário que um trabalho psicológico intensivo seja iniciado e que seja capaz de neutralizar
os efeitos da SAP.

3 MEDIDAS PROTETIVAS CONTEMPLADAS NO TRABALHO DO PSICÓLOGO


NAS VARAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE – GUARDA, TUTELA, ACOLHIMENTO

Segundo o ECA (BRASIL, 1990), parágrafo 3, toda criança e adolescente goza de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana e deve ter assegurado, por força desta lei, pleno desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade.

Em seu artigo 4º, o ECA diz:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder


Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.”

Desta forma, sempre será ou deverá ser primazia do Estado o desenvolvimento de políticas públicas
voltadas aos adolescentes e às crianças, pois elas estão em pleno desenvolvimento e precisam desta
prioridade para ter este direito garantido.

Já em seu artigo 19, o ECA (BRASIL, 1990) assegura que toda criança e todo adolescente têm o
direito de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta – e
ainda assegura a ela a obrigatoriedade de ter uma convivência familiar saudável e em ambiente livre de
substâncias entorpecentes.

15
Unidade I

É preciso que se compreenda a diferença entre família natural, família extensa ou ampliada e família
substituta. A família natural é aquela formada pelos pais ou por qualquer um de seus descendentes.
Já a família extensa ou ampliada é aquela que esse estende para além da unidade pais e filhos e é
formada por parentes próximos (avós, tios) e que mantém uma vinculação afetiva. A família substituta
é aquela formada por um núcleo fora dos âmbitos da família e pode ser representada pelas mães sociais
e casas‑lares.

O ECA prevê a possibilidade de colocação em família substituta quando necessário, mas esta medida
será tomada em casos extremos e todos os cuidados para tal serão tomados – tais como avaliação
periódica e cuidadosa da família – bem como adaptação da criança e/ou adolescente a esta medida.

Os juízes da Vara da Infância e Juventude têm evitado tomar este tipo de atitude ao máximo –
sempre que casos de negligência e maus‑tratos são encaminhados ao Judiciário com os respectivos
pedidos de providência por parte dos Conselhos Tutelares – estes têm sido devolvidos com determinação
de encaminhamento destas famílias à programas oficiais de auxílio financeiro (quando necessário) e
programas oficiais de acompanhamento psicológico e social – sempre na expectativa de melhora deste
quadro e a manutenção da criança em seu núcleo familiar de origem.

O trabalho do psicólogo em situações como estas é o de avaliar e ponderar a capacidade das famílias
de acolher a criança em situação de vulnerabilidade. Além disto, é preciso que se avalie também a
real necessidade de retirada da criança do ambiente familiar e posterior encaminhamento às famílias
extensas ou substitutas. Nada é comparado à família de origem ou natural em termos de acolhimento
e convivência, mas é fato que alguns núcleos familiares permeados por violência doméstica e outros
não são saudáveis para o desenvolvimento de uma criança e de um adolescente. Desta forma, o poder
judiciário, quando detentor deste conhecimento decide pela retirada da criança do ambiente e posterior
encaminhamento. Deve‑se considerar que esta família, que temporariamente está destituída de seu
poder familiar e da guarda de seus filhos, não ficará sozinha, nem mesmo abandonada. Esta deverá
ser encaminhada a programas de orientação e auxílio e serão periodicamente reavaliadas. Tão logo o
Juizado entenda que esta família tem condições de receber suas crianças de volta, o poder familiar será
restaurado e esta será a medida adotada e terá preferência em relação a qualquer outra medida.

Se a criança for encaminhada a um programa de acolhimento institucional, esta não poderá


ultrapassar mais de dois anos, salvo comprovada necessidade contrária.

Se for comprovada a necessidade de acolhimento, a criança deve ser encaminhada a uma instituição
que siga à risca todas as determinações do ECA e que seja cadastrada e fiscalizada pelo Conselho
Municipal do Direito da Criança e do Adolescente, além do Conselho Tutelar do município. Em 18 de
junho de 2009, foi aprovado o documento de Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes e este tem a finalidade de dar parâmetros claros, procedimentos técnicos e
orientações metodológicas para que estes serviços tenham qualidade ímpar, sem perder de vista o
caráter transitório, porém reparador desta medida.

A ênfase no trabalho de inserção familiar que atualmente orienta as políticas de acolhimento coloca
um desafio para os trabalhadores destes serviços: vincular‑se afetivamente às crianças e, ao mesmo
16
PSICOLOGIA JURÍDICA

tempo, prepará‑las para o desligamento da instituição e/ou serviço de acolhimento e retorná‑las às suas
famílias de origem. Daí a importância do preparo destes trabalhadores do intenso apoio dos profissionais
da Psicologia – tanto para as crianças quanto para os profissionais.

4. Vitimização de crianças e adolescentes – maus‑tratos perpetuados por familiares ou conhecidos


contra a integridade física e psicológica de crianças e adolescentes

As crianças e os adolescentes vítimas de violência doméstica e maus‑tratos perpetuados por


familiares ou conhecidos apresentam sinais e sintomas característicos. Muitos casos dependem de uma
observação atenta e cuidadosa do profissional responsável pela avaliação, pois a violência tende a ser
encoberta, principalmente quando a criança ou o adolescente são vítimas dos próprios pais ou parentes
próximos.

O que se observa com muita frequência é que estas famílias são isoladas da convivência com outras
famílias e seus membros pouco interagem com vizinhos, amigos ou afins. Nota‑se a presença do chamado
“complô do silêncio”, que envolve todo o contexto da violência, no qual os familiares, o agressor e a
própria vítima passam a compactuar para a perpetuação das respostas agressivas e este silêncio dentro
do núcleo familiar cria um segredo entre vítima e agressor, que deve ser desvendado no momento
certo e com as devidas precauções do profissional. Esta fase denominada de revelação significa para
algumas vítimas a possibilidade da quebra do ciclo da violência, mas também como o desamparo da
família, o que gera muita angústia e dúvida sobre o que e como fazer. A revelação também depende da
personalidade da vítima e do tipo e da frequência da agressão e ocorre com mais facilidade para uns
do que para outros. É possível observar que o momento da revelação, em alguns casos, pode não ser
imediato ao início da avaliação psicológica e dependerá da estrutura do vínculo entre o profissional e
a criança ou adolescente, bem como as características de personalidade do entrevistado – este deve
sentir‑se tranquilo e à vontade, percebendo que pode confiar no profissional que o está atendendo. As
revelações, às vezes, são parciais e o assunto pode ser mais grave do que aparenta.

A criança ou o adolescente pode revelar a outras pessoas, mas nem sempre esta escolhida é mãe,
pois esta pode não ser uma pessoa de confiança – seja no sentido de compartilhar o segredo com o
filho e achar que o está ajudando, seja quando tenta desmenti‑lo por ser cúmplice da violência ou ser
a própria agressora.

Alterações de comportamento, queixas somáticas, alterações psicológicas e consequente


comprometimento da criança e do adolescente vitimizado refletem características comuns desta
população maltratada, podendo aparecer as mais variadas combinações de sinais.

É preciso lembrar que cada indicador sozinho não significa necessariamente um sinal de violência.
Um conjunto razoável deles associado a evidências orgânicas pode nos fornecer uma pista de que
o fenômeno está ocorrendo e a criança, vítima de violência, desconfia do conato com os adultos,
está sempre alerta esperando que algo de ruim ocorra, tem receio dos pais e evita ficar em casa, fica
apreensiva quando outras crianças começam a chorar, demonstra mudanças súbitas no desempenho
escolar ou no comportamento e apresenta dificuldades de aprendizagem não atribuíveis a problemas
físicos específicos ou a problemas no próprio ambiente escolar.
17
Unidade I

A observação e a discriminação dessas características são fundamentais ao diagnóstico e ao


encaminhamento mais adequado possível, podendo fornecer melhores condições de trabalho aos
profissionais que atendem crianças e adolescente vitimizados.

Alguns estudos demonstram que certos agressores foram vítimas de violência na infância, o que
reforça a questão da transgeracionalidade da violência, ou seja, padrões de comportamento que se
repetem de geração para geração. Outra característica muito comum na maioria dos agressores é o uso
de álcool e drogas.

3.1 Tipos de violência

Violência física: pode ser definida como atos violentos com uso da força física de forma intencional,
praticada por pais, responsáveis, familiares ou pessoas próximas da criança ou do adolescente com o
objetivo de ferir, lesar ou destruir a vítima, deixando ou não marcas.

Violência sexual: consiste em todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo
agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente.
Tem por intenção estimulá‑la sexualmente ou utilizá‑la para obter satisfação sexual. Apresenta‑se sob a
forma de práticas eróticas e sexuais impostas a crianças ou adolescentes pela violência física, ameaças
ou indução de sua vontade. Esse fenômeno pode variar desde atos em que não se produz o contato
sexual (voyeurismo, exibicionismo, produção de fotos e vídeos) até diferentes tipos de ações que incluem
contato sexual com ou sem penetração. Engloba ainda a exploração sexual visando lucros, como é o
caso da prostituição e da pornografia.

Negligência: designa as omissões dos pais ou de outros responsáveis pela criança ou adolescente
(inclusive instituição), quando deixam de prover as necessidades básicas para seu desenvolvimento
físico, emocional e social. O abandono é considerado uma forma grave de negligência e esta significa a
omissão de cuidados básicos como a privação de medicamentos; a falta de atendimento aos cuidados
necessários com a saúde; ausência de proteção contra as inclemências do meio, como frio e calor; o não
provimento de estímulos e condições para frequência à escola.

Violência psicológica: constitui toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito,


cobranças exageradas, punições humilhantes e utilização da criança ou do adolescente para atender
as necessidades psíquicas dos adultos. Todas essas formas de maus‑tratos psicológicos causam dano
ao desenvolvimento e ao crescimento biopsicossocial da criança e do adolescente, podendo provocar
efeitos muito deletérios na formação da personalidade e na sua forma de encarar a vida. Pela falta de
materialidade e evidências do fato, este tipo de violência é o mais difícil de ser identificado.

3.2 Violência contra a mulher: atuação dos psicólogos nas Delegacias de


Defesa da Mulher – Lei Maria da Penha

A violência doméstica contra a mulher compreende situações diversas, como violência física, sexual
e psicológica cometidas por parceiros íntimos. Estudiosos acreditam que o comportamento violento é
transmitido transgeracionalmente, pois é na família que os indivíduos recebem as primeiras lições de violência
18
PSICOLOGIA JURÍDICA

e é nas relações familiares que meninos ou meninas, vítimas ou testemunhas de violência, aprendem que
aqueles que amam ou são amados são também aqueles que batem (MOREIRA e PRIETO, 2010).

Durante muitas décadas e ainda hoje, diversas famílias patriarcais entendem que a mulher é o objeto
do homem e a ele deve respeito e obediência absolutos, desta forma, as mulheres sentem‑se subjugadas
a seus maridos e nunca compartilham com ninguém – muitas vezes por medo ou vergonha – seus
históricos de violência. Porém, após a quebra deste silêncio perpetrado por muitos anos, a violência
doméstica passa a ser percebida pelos governos mundiais e pela sociedade em geral e estes, por sua vez,
dão visibilidade ao que antes era apenas mantido entre as paredes do lar.

No que diz respeito às mudanças sociais no Brasil, em agosto de 2006, entrou em vigor a Lei Maria
da Penha, que trata exclusivamente de crimes cometidos contra a mulher no ambiente familiar. Esta lei
criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher nos termos
da Constituição Federal e da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a
Mulher.

Há uma diferença entre um casamento ruim e um casamento abusivo. Embora todo casamento no
qual ocorra o abuso seja obviamente ruim, nem toda relação marital ruim é abusiva. A violência física
é precedida pela violência psicológica, na qual o agressor impõe à vítima diversas formas de violência.
Faz‐se necessário entendermos inicialmente a violência psicológica para compreender de que maneira
se instaura a violência física no casal (MOREIRA e PRIETO, 2010).

As vítimas têm dificuldades em perceber e reconhecer a violência psicológica, uma vez que esta
apresenta um limite impreciso e subjetivo, em que um mesmo ato pode ter significações distintas
dependendo do contexto em que se apresenta e pode ter significações diferentes que se alteram de
acordo com seus atores.

O impedimento para trabalhar e/ou estudar; o aviltamento, a lavagem cerebral, o cativeiro, o controle,
impedindo a mulher de sair de casa ou, até mesmo, de um cômodo específico; o ciúme patológico;
o assédio; as intimidações e ameaças, dentre outros são formas características de violência contra a
mulher.

A violência psicológica tem como principal objetivo controlar, solucionar conflitos e manter a esposa
sob seu jugo. Uma característica comum aos homens que praticam abusos emocionais e a habilidade em
encontrar um ponto fraco na esposa, utilizando o como uma arma para mantê‑la como sua propriedade.
Alguns utilizam os filhos, outros o trabalho, ou ainda, sua capacidade como dona de casa e como mulher.

Após a implantação do domínio sobre o parceiro por meio da violência psicológica, a violência física
e a etapa final presente na violência conjugal.

A violência física pode ser caracterizada pela ocorrência de empurrões, tapas, murros, queimaduras,
braços torcidos, enforcamentos, socos, pontapés, puxar cabelos, ameaças com algum tipo de instrumento
ou arma de fogo, que possa causar lesões internas, externas ou ambas. Este tipo de violência tem por
objetivo marcar o corpo, destruir o pensamento e, por fim, anular o outro como sujeito.
19
Unidade I

A violência contra a mulher é um processo contínuo e repetitivo. A violência pode ser apresentada
em ciclos, sendo composto por quatro fases distintas, mas que se retroalimentam.

A primeira fase é representada pela fase da construção da tensão. Durante esta fase a violência
não aparece diretamente, mas se traduz pela ocorrência de agressões verbais, silêncios hostis, olhares
agressivos, ciúmes, ameaças, destruição de objetos e irritação excessiva do agressor. Tudo o que a esposa
faz o deixa com raiva e irritado. Esta faz de tudo para ser carinhosa atenciosa e prestativa, atendendo
prontamente aos desejos do marido, acreditando ser capaz de controlar a situação. Contudo, o agressor
tende a responsabilizar a vítima por todos os seus problemas e frustrações. Neste momento, a mulher
atribui a si a responsabilidade pela frustração e irritação do marido e desenvolve inconscientemente um
processo de constante autoacusação.

Na segunda fase, a tensão aumenta e atinge seu ponto máximo, configurando a fase da agressão. O
agressor perde o controle, e surgem, então, agressões mais graves. A violência física inicia‐se de forma
gradual com empurrões, torções nos braços, tapas e, por conseguinte, socos e a utilização de armas de
fogo. O agressor pode ainda forçar a companheira a manter relações sexuais com o objetivo de obter
maior dominação.

A vítima, por sua vez, não esboça reação, pois o terreno já foi preparado na fase de tensão para que
esta não se defenda. Entretanto, se tentar se defender ou questionar tal comportamento, a tendência é
que a violência aumente.

A terceira fase pode ser descrita como a fase do pedido de desculpas no qual o agressor tende
a minimizar seu comportamento agressivo ou, até mesmo, anulá‐lo. Esta fase é acompanhada de
arrependimento e o homem tenta encontrar uma explicação para o seu comportamento.

O objetivo desta fase é responsabilizar a companheira e fazer com que ela não sinta mais raiva pelas
agressões sofridas. Neste momento, o marido pede perdão, jura que tais comportamentos jamais se
repetirão que irá procurar ajuda de médicos psiquiatras ou os Alcoólicos Anônimos, por exemplo.

A quarta e última fase é conhecida como fase de lua de mel. Após terem cessado os ataques
violentos, as agressões físicas e os incessantes pedidos de desculpas e promessas, inicia‑se a quarta
fase. Sua principal característica é a ausência de tensão e o comportamento amoroso do esposo. Este
se comporta de forma agradável, amável, ajuda nas tarefas domésticas, mostra‑se apaixonado e realiza
diversos esforços para tranquilizar a esposa levando‑a, inclusive, a pensar que é ela quem detém o poder
da relação.

Neste momento, as mulheres acreditam que podem corrigir esse homem e que com seu amor,
paciência e dedicação, ele voltará a ser aquele homem gentil por quem se apaixonaram. É geralmente
neste momento que as mulheres agredidas retiram as queixas. Entretanto, esta falsa esperança faz com
que as mulheres tornem‑se mais tolerantes à agressão. Tais comportamentos podem ser percebidos
como uma manipulação perversa a fim de manter a relação conjugal. Esta mudança de atitude pode ser
explicada pelo medo do abandono, medo de perder a mulher.

20
PSICOLOGIA JURÍDICA

Com a violência instalada, os ciclos se repetem e aceleram tanto no tempo quanto em intensidade,
ou seja, as fases tendem a serem mais curtas e mais intensas. As vítimas, por sua vez, tentam reconfortar
e satisfazer o agressor, observando os sinais sutis que precedem a crise. Diante das agressões verbais,
comportam‐se de maneira constrita e acalmam o parceiro. Perante as agressões físicas, tendem a fugir
ou tentam escapar, pois é uma questão de sobrevivência e evitam o confronto, pois sabem que tal
comportamento aumentará a violência.

21

Você também pode gostar