Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
5
André, 10 anos, aluno de uma 3ª série em São Paulo, descobriu o sexo. Ele
conta: “A TV ensina os truques. A escola só enrola. Acho que o sexo tem de descobrir
por você mesmo, se não, não dá. Tem de ser na TV, na vida. Foi assim: quando eu tinha
5 anos, vi um filme, que na época achei esquisito. Um homem chegava perto de uma
mulher com os seios de fora na piscina e falava: ‘Quero te comer’. Não entendi nada.
Como assim, ‘comer’? Com garfo e faca? Foi superestranho, animal! Fiquei perturbado.
Armazenei aquelas cenas na cabeça. Nunca tinha visto nada parecido. Perguntei à
professora: ela disse um monte de baboseiras. Perguntei ao meu pai: ele disse algumas
verdades, só algumas; depois, veio com um papo de sementinhas se juntando. Então,
resolvi aprender por conta própria: fui na banca de jornais da esquina, olhei revistas,
perguntei para amigos mais velhos. Fui ficando expert. Hoje, não tenho mais dúvidas
sobre sexo. Sou um homem resolvido. Agora é só fazer. Já tenho as manhas. Sei do que
uma mulher gosta”.
6
Segundo a revista Nova Escola, dos 7 aos 11 anos, a criança encontra-se no
período operatório concreto da evolução de seu raciocínio. É capaz de relacionar
diferentes aspectos e abstrair dados da realidade. Embora ainda dependa bastante do
mundo concreto para chegar à abstração.
2. Proteção integral às pessoas em desenvolvimento
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, [que assegura]
(...) todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (Art.
3º Estatuto da criança e do adolescente, Lei Federal 8.069/1990).
1
Conforme relatório do Banco Mundial, 51% da renda brasileira é concentrada
por 10% da população e os 20% mais pobres ficam com 2%. Dezoito milhões de
crianças vivem em famílias, com renda inferior a um quarto do salário mínimo: 65% das
crianças são pobres. Em cada grupo de 1.000 nascidas vivas, 67 morrem com menos de
cinco anos. Em cada 10 brasileiros que sofrem agressões físicas, dois têm menos de 15
anos. Cinco crianças são assassinadas a cada dia no Brasil.
2
3
chamaram para trabalhar. Isso não é trabalho para qualquer um, não. Tem que ter
responsabilidade, apanhar da polícia e agüentar sem abrir o bico”.
3. E assim foi...
1
As Leis de Rômulo legislação romana mais antiga, vigente até o Período
Imperial impuseram aos pais o dever de criar todos os filhos homens, mas só a
primeira filha mulher. Na cidade, existia a Coluna Lactaria, destinada à exposição de
crianças. Eram abandonadas ali, em grande número, as meninas e também meninos
ilegítimos, deformados, ou cujo nascimento fora acompanhado de maus presságios.
Poucas eram recolhidas por estranhos, para serem criadas como escravas. A maioria das
crianças era deixada dentro de cestas, para morrer, expostas à intempérie, à fome, ou
eram devoradas por cachorros e porcos.
2
Na Terra de Santa Cruz, em 1554, a Companhia de Jesus privilegiou as crianças
indígenas como o papel blanco, para inscrever o seu processo civilizatório. Crianças das
tribos tupis e tamoios, mestiças e mamelucas eram castigadas com palmatória, açoitadas
no tronco, e sofriam privação alimentar: para evitar os pecados que o “Demônio, seu
pai, lhes ensinava”, afirmava Nóbrega.
3
Por um levantamento do século XVI, de trinta casos de infanticídio, ocorridos na
Inglaterra, encontram-se as seguintes causas de mortes: estranguladas; sufocadas;
golpeadas; degoladas; desnucadas; asfixiadas com almofada; atiradas contra o pilar da
cama; no forno; em um paiol; afogadas, em balsa e em poço; enterradas em buraco;
encerradas em um baú e depois enterradas em um monte de esterco.
4
No Rio de Janeiro, na sessão de 18 de junho de 1846, a Academia Imperial de
Medicina discutiu a questão: “A que atribuir a grande mortandade de crianças nos 6
primeiros anos de vida”? Foram encontradas as seguintes causas: hábito de mergulhar as
crianças em água quente; modo de cortar o cordão umbilical e empregar sobre ele
substâncias irritantes; compressão da cabeça pelas parteiras; impropriedade da
alimentação; vestuário apertado; vermes intestinais; maus costumes das amas-de-leite,
que transmitiam sífilis e escrófulas.
5
5
Uma das justificativas para assustar as crianças era a de que elas eram menos
corajosas que os adultos. Portanto, deveriam ter o seu espírito fortalecido. O inferno,
fantasmas, bruxas, demônios, monstros, animais, cadáveres foram presentificados às
crianças, para incutir-lhes o terror de que seriam raptadas, comidas, picadas, e teriam
chupados seus olhos, sangue, cérebro, medula dos ossos.
6
Dentre os castigos corporais ministrados aos infantis, era costume cortar ou
espetar as plantas dos pés, dar-lhes pescoçadas, beliscões, puxões de orelhas, tapas na
boca e pauladas na cabeça. Os instrumentos mais usados eram chicotes de vários tipos,
incluídos os de 9 pontas, paus, bastões de ferro e madeira, feixes de varas, instrumentos
escolares, com destaque para a palmatória. Um mestre-escola alemão, de início do
século XIX, calculou que, em toda a sua vida profissional, tinha dado: 911.527 golpes
com a palmatória, 124.000 chicotadas, 136.715 bofetadas, e 1.115.800 cascudos.
4. Oh, que saudades!
MEUS OITO ANOS
(Casimiro de Abreu -1837-1860)
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
6
modo de gangorra. Se, de um lado, elegemos a infância como o período que contém a
chave explicativa para o que somos, pensamos, sentimos; de outro, fazemos de tudo
para que os infantis deixem de ser infantis. Para que se tornem, cada vez mais acelerada
e precocemente, em tudo semelhantes a nós.
Quando a gangorra se inclina para a negação dos infantis, nos alarmamos que
possam prostituir-se, roubar, matar. E choramos o fim-da-infância, esquecendo que
somos justamente nós que não suportamos nenhuma diferença e nenhum dos diferentes,
dentre eles, os infantis. Quando a gangorra pende para a infância feliz, providenciamos
que as crianças peçam esmolas, funcionem como aviõezinhos das drogas, trabalhem nas
fábricas-lares de calçados, no sisal, nas pedreiras. Ou, o que dá no mesmo: as
transformamos em ocupados mini-executivos, com lotadas agendas eletrônicas e
celulares, ou em pequenas top models, lolitas e mini-madames.
O que aconteceu, na história da infantilidade (cf. S.M.Corazza, História da
infância sem fim, Unijuí, 2000), é que, pelas condições de proveniência e de emergência
do infantil, ele especificou-se, constituído por estratégias que subordinaram a sua
identidade. Que a distribuíram junto a outras individualidades, também nascidas débeis,
secundárias, insignificantes, anormais: as dos loucos, pobres, doentes, mulheres, negros,
velhos, criminosos, feiticeiras, homossexuais, marginais, deficientes, prostitutas.
Ou seja, quando a cultura ocidental partejou o ser infantil, este não nasceu nada
bem. Porque nasceu junto a todas as outras espécies de infantis-infames, cuja forma
predominante de sujeição de ser feito sujeito, de se reconhecer como um sujeito foi
a de estar submetido, pelo controle e pela dependência, ao Sujeito-Modelo, ao Sujeito-
Padrão, que é o Adulto.
Por não aceitar a sua especificidade, é que, no mesmo momento em que inventa
o infantil, o Ocidente burguês, capitalista, liberal, também cria mecanismos para
desfazer essa sua diferença, para torná-lo igual ao Sujeito-Verdadeiro. Sujeito que,
obviamente, não é um indivíduo, mas um lugar discursivo, que cumpre a função de um
referente estável, e funda o endereçamento de cada um dos indivíduos temporais.
Impaciente e incomodado com a condição infantil, irritado com a sua
infantilidade, exasperado com o seu infantilismo, esse Sujeito-Verdadeiro sempre se
relacionou com o infantil, na direção de que deixasse de ser esse pequeno-outro: “Tão
infantil, coitadinho”! Por isso, é que fabricou tantos mecanismos disciplinares,
tecnologias de Estado, técnicas de governo e de regulação médicas, morais, religiosas,
8
preciso continuar infantilizando, para não perder, mesmo que seja no negativo, a
segurança da própria identidade adulta. É preciso continuar instrumentalizando os
infantis, para deles extrair um excedente de valor.
Já que, da identidade infantil, depende que, ao se olhar, o Grande se renove e
acredite que ainda vive, para além de seu fim. É por isso, que necessitamos de uma
infância-sem-fim, para não desaparecer, como os sujeitos mais queridos, perfeitos e
completos da Modernidade: educados, racionais, autônomos, centrados, unitários.
8. Los Niños
Agora, atenção! Existem coisas diferentes acontecendo, que independem do que
nós, adultos, queremos, ambicionamos, desejamos em relação à infância. Por efeitos de
todas as práticas sociais, de tantos séculos, os infantis já não são mais os mesmos. O
momento presente da história da infantilidade aponta para o advento de um novo modo
de ser infantil. Para mim, os significantes da infância contemporânea são por mais
estranho que possa parecer El Niño e La Niña.
Afinal, elas são as crianças mais mal-educadas de hoje. Não sabem ler, nunca
foram à Escola. Não são tiranizadas pela cultura midiática, não assistem televisão, nem
têm computador. Não precisam resolver nenhum complexo de Édipo, não têm pai nem
mãe. Não são expropriadas, nem violentadas. Parece até que não brincam.
O Menino Jesus inaugurou o sentimento ocidental de infância. Quatrocentos
anos depois, esse doce Menino se transforma em uma mancha vermelha sobre o
Pacífico. No século XVIII, tal fenômeno foi batizado com o nome de El Niño, num
misto de reverência e temor àquele jesuzinho.
El Niño é tão terrível e monstruoso, que uma de suas últimas estrepolias é
desacelerar a rotação da Terra. Ele faz com que, no último ano, cada dia de nossas vidas
sofra um acréscimo de 6 décimos de milésimo de segundo. La Niña é sua irmã. Para
falar dela é preciso antes saber quem é El Niño, porque ela não existe sem ele. Há quem
a chame de Anti-El Niño. A Menina resfria as águas do oceano, trazendo mais secas e
inundações, só que em regiões trocadas do Planeta.
Esses “Meninos” são duas faces de um mesmo fenômeno. Sua previsão, uma
questão de vida ou morte. Nosso grande desafio é conhecê-los melhor, controlar suas
condutas, governá-los mais eficazmente: tal como os adultos modernos fizeram com os
infantis que estavam fabricando.
Los Niños são os infantis de hoje. São eles que demarcam a fratura de nossa
infantilidade, rompendo a prisão do reflexo adulto, o modo moderno de ser infantil.
11