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As crianças pequenas têm teoria da mente?

● Piaget foi o primeiro a investigar a teoria da mente das crianças. Ele fez
algumas perguntas para as crianças, como: "De onde vêm os sonhos?" e
"Com o que você pensa?". Baseado nas respostas, Piaget concluiu que as
crianças com menos de 6 anos não conseguem distinguir pensamentos ou
sonhos de entidades físicas reais e não têm nenhuma teoria da mente.
Entretanto, pesquisas mais recentes indicaram que, entre 2 e 5 anos, o
conhecimento das crianças sobre processos mentais desenvolve-se
largamente. Isso porque as perguntas de Piaget eram abstratas, e ele
esperava que as crianças fossem capazes de colocar seu entendimento em
palavras. Os pesquisadores contemporâneos, portanto, utilizaram vocabulário
e objetos com os quais as crianças estão familiarizadas. Em vez de falar
sobre generalidades, observaram as crianças em atividades cotidianas, ou
lhes deram exemplos concretos. Desse modo, concluiu-se que crianças de 3
anos sabem a diferença entre um menino que tem uma bolacha e um menino
que está pensando em uma bolacha; sabem qual menino é capaz de tocar,
dividir e comer a bolacha. Sabem que as pessoas que recebem o que
desejam tendem a se sentir felizes, e as pessoas que não recebem o que
querem tendem a se sentir tristes.
● A teoria da mente continua desenvolvendo-se durante toda a segunda
infância.

Conhecimento sobre o Pensamento


● As crianças pequenas sabem algo sobre a natureza do pensamento, mas
têm menos consciência de quando ele ocorre e sobre o que as pessoas
estão pensando. Entre 3 e 5 anos, as crianças começam a entender que o
pensamento ocorre dentro da mente; que ele pode tratar de coisas reais ou
imaginárias; que alguém pode estar pensando em uma coisa enquanto faz ou
olha para outra; que uma pessoa cujos olhos e ouvidos estão cobertos pode
pensar sobre objetos; que alguém que parece pensativo provavelmente está
pensando; e que pensar é diferente de ver, falar, tocar e saber.
● Porém as crianças pré-escolares geralmente acreditam que a atividade
mental começa e para. Parecem não saber que a mente está sempre
pensando. Somente na terceira infância as crianças sabem que a mente está
sempre ativa. As crianças pré-escolares têm pouca ou nenhuma consciência
de que eles ou as outras pessoas pensam com palavras, ou "falam consigo
mesmos em suas cabeças", ou que eles pensam enquanto estão olhando,
ouvindo, lendo ou falando.

Distinção entre Fantasia e Realidade


● Entre 18 meses e 3 anos, as crianças aprendem a distinguir eventos reais de
imaginários. Aos 3 anos, as crianças conhecem a diferença entre um cão real
e um cão de um sonho, e entre algo invisível (como o ar) de algo imaginário.
Elas sabem fingir e identificar quando outra pessoa está fingindo.
● Ainda assim, a linha entre fantasia e realidade pode parecer confusa às
vezes. Em um estudo, duas caixas de papelão foram mostradas a 40
crianças de 4 e 6 anos. Pediu-se a elas que fingissem que havia um monstro
em uma caixa e um coelhinho em outra. Cada caixa tinha um pequeno furo, e
perguntava-se às crianças se queriam introduzir um dedo ou uma vareta nos
furos. O experimentador então saía da sala "para buscar alguma coisa", e
algumas crianças de fato tocaram nas caixas. Muito embora a maioria das
crianças afirmasse que estavam apenas fingindo sobre o coelhinho e o
monstro, a maioria preferia tocar a caixa que continha o coelhinho imaginário,
e um número maior delas introduziu o dedo naquela caixa e a vareta na caixa
do monstro.
● Essa pesquisa sugere que, muito embora as crianças pequenas entendam a
diferença entre fantasia e realidade, às vezes agem como se o seres de sua
imaginação existissem. Muitas vezes, o pensamento mágico é um modo de
explicar eventos que não parecem ter explicações realistas óbvias
(geralmente porque as crianças carecem de conhecimento sobre eles) ou
apenas é a entrega aos prazeres de fazer de conta, como com a crença na
fada dos dentes ou do Papai Noel ou dos companheiros imaginários. As
crianças, como os adultos, geralmente têm consciência da natureza mágica
dessas figuras da fantasia, mas estão mais dispostas a alimentar a
possibilidade de que elas possam ser reais.

Companheiros Imaginários
● Aos 3 anos e 6 meses, Anna tinha 23 "irmãs", com nomes como Och, Elmo,
Zeni, Aggie e Ankie. Ela costumava conversar com elas pelo telefone, pois
viviam longe da cidade onde a família dela vivia. Durante o ano seguinte, a
maioria das irmãs desapareceu, mas Och continuava fazendo suas visitas,
principalmente nas festas de aniversário. Och tinha um cão e um gato (que
Anna em vão suplicou-lhe que lhe desse), e sempre que Anna não ganhava
algo que via anunciado na televisão, dizia que já tinha um na casa de sua
irmã. Mas quando uma amiga real vinha fazer uma visita e a mãe de Anna
casualmente mencionava um dos companheiros imaginários dela, Anna
mudava rapidamente de assunto. Todas as 23 irmãs - e alguns "meninos" e
"meninas" que os seguiram - viviam apenas na imaginação de Anna, como
ela bem o sabia.
● Como de 25 a 65% das crianças entre 3 e 10 anos, ela criou companheiros
imaginários, com os quais conversava e brincava. Esse fenômeno normal da
infância é visto com mais frequência em primogênitos inteligentes e criativos
e em filhos únicos. As meninas são mais inclinadas a tê-los do que os
meninos, os companheiros imaginários das meninas geralmente são
humanos, ao passo que os dos meninos frequentemente são animais.
● As crianças que têm companheiros imaginários são capazes de distinguir a
fantasia da realidade, mas, quando estão brincando livremente, são mais
propensas a brincar de faz-de conta do que as crianças que não possuem
companheiros imaginários.
● Brincam de modo mais alegre e imaginativo do que as outras crianças e são
mais cooperativas com as outras crianças e com adultos. Têm maior fluência
na língua, assistem menos à televisão e demonstram mais curiosidade,
excitação e persistência durante o brincar.
● As crianças utilizam os companheiros imaginários como auxílio para se
relacionarem melhor no mundo real. Os companheiros imaginários são uma
boa companhia para um(a) filho(a) único(a). Oferecem mecanismos de
realização de desejos ("Havia um monstro em meu quarto, mas Elmo o
afugentou com pó mágico"), bodes expiatórios ("Eu não comi as bolachas -
Och deve tê las comido!"), agentes substitutivos para os medos da própria
criança ("Aggie está com medo de ser levada ralo abaixo") e apoio em
situações difíceis. (Uma criança de 6 anos "levou" seu companheiro
imaginário para ver um filme assustador).

Crenças Falsas e Engano


● Depois dos 4 ou 5 anos, segundo essa e outras pesquisas, as crianças
entendem que elas ou outras pessoas podem ter crenças falsas. Essa
compreensão decorre da compreensão de que as pessoas possuem
representações mentais da realidade, as quais, às vezes, podem estar
erradas; crianças de 3 anos, pelo menos em alguns estudos, parecem
carecer dessa compreensão. A compreensão mais desenvolvida que as
crianças com mais idade têm das representações mentais parece estar
relacionada com uma diminuição no egocentrismo.
● Crianças de 4 anos compreendem que pessoas que vêem ou ouvem versões
diferentes do mesmo fato podem ficar com crenças diferentes. Contudo,
somente depois dos 6 anos, as crianças percebem que duas pessoas que
vêem ou ouvem a mesma coisa podem interpretá-la de modo diferente.
● As crianças classificadas por professores como socialmente desenvolvidas
são mais capazes de reconhecer crenças falsas. Interações sociais
frequentes e bem-sucedidas podem ajudar as crianças a aprenderem sobre
as conexões entre pensamentos e comportamento. Inversamente, as
crianças que compreendem essas conexões podem estar em vantagem em
situações sociais.
● Engano é a tentativa de incutir uma falsa crença na mente de outra pessoa, e
isso exige que a criança suprima o impulso de ser honesta. Alguns estudos
constataram que algumas crianças adquirem a capacidade de enganar já aos
2 ou 3 anos, mas, outras, aos 4 ou 5. A diferença pode estar relacionada com
o método de engano que imaginamos que as crianças vão utilizar. Em uma
série de experimentos, perguntou-se a crianças de 3 anos se gostariam de
pregar uma peça no experimentador dando uma falsa indicação sobre qual
de duas caixas continha uma bola. As crianças foram mais capazes de
executar o engano quando solicitadas a colocar uma fotografia de uma bola
sobre a caixa errada ou apontar para aquela caixa com uma seta do que
quando apontavam com o dedo, o que crianças dessa idade costumam fazer
sem querer enganar. Segundo Piaget, crianças pequenas não compreendem
a diferença entre enganar e cometer um erro; consideram todas as falsidades
- intencionais ou não - como mentiras. Entretanto, quando crianças de 3 a 6
anos ouviram uma história sobre um assunto intimamente ligado a sua
experiência - o perigo de contaminação nos alimentos - e podiam escolher
entre interpretar a ação de um personagem como uma mentira ou como um
erro, aproximadamente três quartos das crianças de todas as faixas etárias
caracterizaram-na corretamente. Ao que parece, portanto, mesmo crianças
de 3 anos possuem algum entendimento do papel da intenção no engano.

Distinção entre Aparência e Realidade


● A consciência de crenças falsas está relacionada com a capacidade de
distinguir aparência e realidade: ambas exigem que a criança se reporte a
duas representações mentais ao mesmo tempo. Segundo Piaget, somente
aos 5 ou 6 anos as crianças compreendem a distinção entre o que parece ser
e o que é. Muitas pesquisas confirmam isso, embora alguns estudos tenham
constatado que essa capacidade comece a surgir entre 3 e 4 anos. Em uma
série de experimentos, crianças de 3 anos confundiram aparência e realidade
em diversos testes. Por exemplo, os experimentadores mostraram às
crianças um carro vermelho e depois o cobriam com um filtro que o fazia
parecer preto. Quando se perguntava às crianças de que cor era realmente o
carro, respondiam "Preto". Quando as crianças vestiram óculos especiais que
faziam o leite parecer verde, diziam que o leite era verde, ainda que há pouco
tivessem visto o leite branco. Quando o experimentador vestiu uma máscara
do Dia das Bruxas diante das crianças, achavam que o experimentador era
outra pessoa. Em outro estudo, que tratava não apenas de aparência física
(as cores de recortes de animais, que haviam sido alteradas com filtros
plásticos transparentes), mas também com o reconhecimento do estado
emocional real versus fingido de um personagem de uma história (parecer
feliz, mas, na verdade, sentindo-se triste), crianças de 5 e 6 anos se saíram
muito melhor do que crianças de 4 anos.

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