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Particularidades na

psicanálise com crianças


e adolescentes
Discutir as particularidades do tratamento psicanalítico com crianças e
adolescentes.

A psicanálise com crianças não se diferencia em nada de uma psicanálise com adultos ou
adolescentes, na medida em que o que se trata em análise é o INFANTIL DO SUJEITO. Mas não
podemos deixar de negar as particularidades que se apresentam quando nosso paciente é um
sujeito no tempo cronológico da infância ou da adolescência.
A primeira particularidade diz respeito à TÉCNICA a ser utilizada na condução destas analises,
mediante às estratégias de a criança expor seus conflitos e angústias – se dão na relação
transferencial com o analista, através de jogos, brincadeiras, desenhos e atividades e falas
aparentemente inocentes, que revelam os conflitos inconscientes na medida em que são escutados
em seu valor simbólico. Numa vinheta clinica temos Clara, que ao entrar na sala de atendimento,
olha para o chão (feito de ripas de madeira e com duros devido aos pontos de nó da madeira) e
afirma ao ver um desses furos na madeira: “Esta casa tem um furo!” A analista imediatamente
pergunta sobre que furos teriam uma casa e a menina passa a falar sobre suas dificuldades na vida
a partir do nascimento de seu irmão (funcionou como um “furo” em sua casa que até então ia bem).
Diante desta primeira particularidade cabe ao analista responder com sua escuta que visa
incentivar a associação livre – que se manifesta nas falas, jogos e brincadeiras,- colhendo o que há
de simbólico e de inconsciente nos mesmos.
Alguns psicanalistas propõem o uso da CAIXA LÚDUCA para cada analisante. Esta caixa contém
desde materiais gráficos, massinha, tinta, jogos, família de bonecos, bola, carrinhos, ou seja,
brinquedos, jogos e atividades que são menos estruturados aos mais estruturados. A lide com a
própria caixa lúdica pode representar os conteúdos internos da criança, mas não esqueçam que o
dizer da criança sobre as atividades realizadas com o conteúdo da caixa lúdica é essencial de ser
escutado pelo analista, evitando inferências ou interpretações hemaneuticas, que prescindem da
associação livre da criança.
Com os adolescentes cabe ao analista sondar as preferências do jovem para se expressar.
Alguns preferem atividades gráficas ou jogos, não desejando a caixa lúdica ou brinquedos em sua
sessão. Caso o adolescente demonstre interesse por letras de música, textos, poesias, pode fazer o
convite para que ele traga à sessão, permitindo associações a partir do material trazido. A título de
exemplo, certa vez um menino de 11 anos apresentava fobia em relação aos passeios escolares.
Recusava-se a ir. Cabe ressaltar que a dona da escola era sua mãe. Em uma sessão, ao falar sobre
seus medos, mexia em seu bolso constantemente, como se portasse algo ali. O analista ao requisitar
que ele mostrasse o que tinha nos bolsos, sacou um boneco articulável que ele chamava de
“homenzinho”. Disto, a convite do analista, ele passa a discorrer sobre as angustias que ele
apresentava com esta passagem da infância, na escola da mãe, para ser um “homenzinho”, que vai
para os passeios “fora da escola”.
A segunda particularidade diz respeito ao DIAGNÓSTICO na infância ou adolescência. É muito
comum carregarmos a idéia de que criança e adolescente seriam seres “em desenvolvimento”. Sim,
no que tange ao desenvolvimento cognitivo, físico, social. No entanto um sujeito o é neurótico,
psicótico ou perverso (únicas estruturas diagnósticas NA PSICANALISE) desde a mais tenra idade.
Cabe uma escuta refinada do analista, pois um bom diagnóstico estrutural permite conduções de
análise mais precisas. Lorena, de 3 anos e meio, chega ao psicanalista falada pelos pais e pela
escola – ela não fala! Imediatamente se levanta a hipótese de autismo, pelo simples fenômeno de
“não falar”. Mas o primeiro encontro com o analista é decisivo: ela entra na sala, olha para o analista
um jeito bem desafiador e simpático ao mesmo tempo, e bate os pezinhos se dirigindo a caixa lúdica
e pegando um bebê. Ao tentar falar com ela o analista recebe berros e chutes, numa recusa ativa de
comunicação, e ela imediatamente recorre à babá. Estamos diante de uma pequena menina com um
sintoma neurótico – não falar, na posição de um bebê – e todo o tratamento seguiu apostando na
associação livre (via jogos e via a fala que aos poucos foi se manifestando). Por outro lado, é comum
também na adolescência o erro diagnóstico para psicanalistas desavisados. Uma jovem de 18 anos
chega ao analista queixando-se de que na faculdade contou um segredo ao melhor amigo, que
imediatamente o espalhou para a sala. Ela deixa de freqüentar a aula. Na analise vai apenas
algumas sessões, abandonando. Um ano depois ela liga ao ex-analista dizendo que este havia
contado a todos o que lhe ocorrera...Um quadro de perseguição paranóica estava claro na jovem
adolescente. O que poderia ter sido pensado como “coisa de adolescente” (amigos contaram
segredos) na verdade encobria um quadro paranóico.
Sendo assim, o psicanalista de crianças e de adolescentes deve estar atento à fala do sujeito
para daí deduzir o quadro diagnóstico para melhor conduzir o tratamento. Não estamos falando em
classificar as pessoas, mas de formularmos um diagnóstico estrutural psicanalítico ( diferente do
psiquiátrico) , para melhor conduzir os tratamentos...dos SUJEITOS, estejam eles na infância ou na
adolescência.
A terceira particularidade diz respeito ao LUGAR DOS PAIS NA PSICANALISE COM CRIANÇAS E
ADOLESCENTES. A criança, na maioria das vezes, é trazida por seus pais, e freqüentemente é a eles
que o analista ouve inicialmente, com ou sem a presença da criança. Esta escuta visa localizar qual o
ponto de angústia que mobilizaram os pais na procura do analista. Normalmente, mesmo que a
criança vá muito mal em sua vida, com inúmeros encaminhamentos escolares, os pais apenas a
carregam para a analise a partir do momento em que se sentem tocados em algum aspecto pessoal.
O analista deve verificar, ao escutar pais e criança, se o sintoma da criança é algo colocado na
criança, muitas vezes ficando os pais ou um dos pais em análise. Por outro lado, em muitos casos, o
sintoma da criança responde à verdade do casal parental (Lacan, 1969), está enredado nas questões
inconscientes do casal e sua montagem engata o conflito infantil ao sintoma do casal. O lugar que a
criança ocupa na dinâmica familiar é importante de ser analisado junto aos pais e junto à própria
criança. Afinal, cada ser humano é marcado por seus mitos edípicos e o campo simbólico que o
marcou, seja este ser criança, adolescente ou adulto.
Dolto (1988) nos apresenta alguns casos de sintomas infantis que responde às verdades não-
ditas dos pais, mas que a criança sabe inconscientemente e a revela com seus sintomas. A título de
exemplo clinico, Luis, um menino de 7 anos, vai mal na escola. A mãe afirma que ele sabe tudo, mas
na prova “é como se não soubesse”. Ele é um menino muito querido pelos pais e inteligente. È
adotado e desde pequeno sabe de sua historia de adoção. Mas sobre isto a mãe conta com
ambigüidade – “ele sabe de tudo, mas é como se ele não soubesse”. O sintoma de Luis em parte
corresponde ao desejo inconsciente da mãe de que ele não soubesse da adoção...Mas basta
tratarmos dos pais para que as questões de Luis sejam tocadas? Não!
A escuta da mãe pode contribuir para que ela reveja seus desejos e sua relação com o fato de
não ter podido ter um filho biológico, que parece mal resolvido, pois seu desejo revela que preferiria
que seu filho nada soubesse da adoção. Quem sabe esta mãe poderia em algum momento, ao ser
tocada subjetivamente, se enlaçar num processo analítico pessoal.
Por outro lado temos Luis, com seu sintoma de “saber, sem sabê-lo”. Cabe escutá-lo! Apesar
deste sintoma se enlaçar com o desejo materno, não podemos deixar de considerar que um sintoma
corresponde aos conflitos inconscientes de um sujeito. O sintoma é da criança, e não de seus pais.
Assim, Luis, em sua analise, poderia falar sobre o quanto é grudado na mãe e sobre seu horror em
contrariá-la. O seu sintoma – “saber, sem sabê-lo”, apesar de aparentemente ter uma determinação
do discurso materno na verdade é determinado pelas questões inconscientes de Luis que visavam
satisfazer o desejo materno, dificultando sua separação e resolução em termos edípicos.
Na adolescência temos um complicador em relação ao manejo com os pais. Muitas vezes o
adolescencte pensa que o psicanalista está a serviço dos pais, pretendendo “endireitá-lo” de acordo
com o desejo dos pais ou da escola, o que produz de entrada uma desconfiança e um transferência
negativa por parte do adolescente. Cabe ao analista estar absolutamente fincado em sua posição de
analista, garantindo o sigilo e demonstrando por seus atos e interpretações que o que lhe interessa
são as questões e sofrimento do adolescente, permitindo que uma analise se inicie. Claro, se atos do
jovem ocorrerem em casa, na relação com os pais, ou nos espaços como a escola, o analista o
convida a refletir sobre o significado dos mesmos para ele próprio, não visando corrigi-lo.
Por vezes, no início do tratamento, as entrevistas com os pais podem ser feitas depois daquelas
realizadas pelos adolescentes, bem como podem ser realizadas em conjunto. Cada caso será
singular, e a decisão sobre a freqüência e estratégias do trabalho com os pais será conforme a
escuta analítica.
Assim, a presença e o manejo dos pais no campo da psicanálise com crianças e com
adolescentes é um tema essencial, e cabe ao analista modular sua escuta, o enquadre, a freqüência
que escuta os pais a partir de cada caso singular (não haveria uma regra de numero de sessões com
pais ou criança). Mas cabe lembrar sempre, que apesar da marca do discurso e do desejo dos pais na
articulação do sintoma da criança/adolescente cabe ao analista tomar a criança?adolescente como
analisante por inteiro, e não apenas como vítima daquilo que lhe foi determinado...se fosse assim ,
levaríamos os primeiros pais da humanidade para o divã!

Quiz

1 Sobre a psicanálise com crianças e adolescentes, podemos notar algumas


particularidades. Assinale a alternativa que discute corretamente sobre a
particularidade apresentada:

O trabalho com os pais nestas analises pode ser considerado uma particularidade
essencial, na medida em que freqüentemente são os pais que trazem a criança e o
adolescente para a analise, devendo ser ouvidos permitindo que analisem as angustias
mobilizadas neles na relação com seus filhos.

O diagnóstico não é uma particularidade importante, pois criança e adolescente ainda


não tem uma estrutura psíquica definida.

A técnica é a mesma utilizada para os adultos, sendo desnecessário o uso de material


lúdico ou gráfico.

Normalmente o adolescente vem de livre e espontânea vontade para a análise, sem


desconfianças em relação ao psicanalista escolhido pelos pais .

Referências
GUTIERRA, Beatriz Cauduro Cruz Inícios na psicanálise com adolescentes – clínica e supervisão.
Curitiba, PR: CRV, 2014
FARIA, Michele Roman Introdução à psicanálise de crianças – o lugar dos pais. São Paulo: Hacker,
1998.
FARIA, Michele Roman Constituição do sujeito e estrutura familiar- O complexo de Édipo de Freud
a Lacan. 3ª. Edição. Taubaté: SP, Cabral editora e livraria universitária, 2014
LACAN, Jacques(1969). Nota sobre a criança. IN: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor,2003.
MANONNI, Moud (1988) A primeira entrevista em psicanálise. 6ª. Ed. – Rio de Janeiro:
Campus.DOLTO, F. (1988) Prefácio in: MANONNI, M. (1988) A primeira entrevista em psicanálise.
6ª. Ed. – Rio de Janeiro: Campus.

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