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Revista Carrossel

Publicação CARROSSEL-Centro de Estudos e Pesquisa de Psicanálise e Criança. Ano 1 - N° 1. Outubro de 1997

A criança-sintonia

CARR*S S E L
centro de estudos e pesquisa de psicanálise e criança

Escola Brasileira de Psicanálise -Bahia


Carro5,5e1 entrevista
MarIe-Hne Brou5se

1
Morie_-H è~ è̀_ ne Brousse

Carrossel O que é preciso para que uma criança entre em análise?


-

Marie-Hélène Brousse - Analisa-se, sempre, a partir de um sofrimento. Na


infância, também, se analii a partir de um sofrimento. O que eu quero
enfatizar é que, numa análise com criança, será preciso, não só que a criança
sofra mas que, além disto, seu sintoma seja o que divide, toca o Outro parental,
que seu sintoma manifeste o insuportável para os pais, quer dizer, que tenha
um valor de verdade no que tange à divisão subjetiva do pai, da mãe ou dos
dois; a criança deve realmente dividir, com seu sintoma, os pais. Uma crian-
ça só pode começar uma análise se está nesta posição de objeto que divide
os pai s, ou seja, se seu sintoma revela a verdade que ela é para seus pais,
remetendo, pois, à posição de gozo dos pais, ou, dito de outro modo, à
fantasia dos pais, ao ponto onde a fantasia dos pais vacila. Eu diria, de for-
ma talvez, um pouco exagerada, que o sintoma da criança é quase uma
travessia selvagem da fantasia dos pais. Evidentemente, para nós, afamflia
éum lugar cultural, para retomar uma formulação dos "Complexos famili a- 2.
res", quer dizer, na oéum lugar natural. Éjjtigar de cuidados, um lugar
de transmissão, transmissão fundamentalmente inconsciente, sem que s ed
conta, poqigue se _quer transmitir à criança, geralmente não se con se-
2V gue ela não se deixa fisgar por essa transmissao. or outro lado, transmite-
e tudo aquilo que não se quer transmitir. Vocês se lembram do que Lacan
diz nas Duas notas a Jenny Auby - transmissão de um desejo que não seja
anônimo, de um desejo ligado a um nome. Entãp, seu sintoma tem a ver/
com el es , rixatamente, com o que ela soube alcançar, de seu lugar, na

O sintoma de entrada, sintoma dos pais, quase nunca, pelo menos eu


jamais vi, é, propriamente, o sintoma que a criança con s titui sob traisferên-
cia em sua cura. E preciso que ela encontre um sintoma que não seja
Crrosset entrevista Mcirie-HIne Brousse

elos pais para que ela tenha a possibilidade de falara um análise de criança na medida em que, aí, a relação sexual não está direta-
Efetivamente, não se dirige de modo diferente, a clínica de uma mente em jogo para ela. O q ue está em jogo para uma criança, de qu al que r
e de um adulto, mas existem, de certa forma, singularidades. Em forma, é a ausência de relação entre seu pai e sua mãe. Lacan fala disto e diz
particular, nosso encontro com a criança se dá com a criança sendo trazida que a criança está enfrentada à questão do mistéri o d a uni ã entre seus nais
pela família; se dá em função do pedido da demanda i da injunção de um e, portanto, também,ificação que cada um dá a esta união. Mesmo -
Ç!U&Lro às vezes, é esse terceiro mesmo quem traz a criança s por exemplo, sendo seu sintoma uma resposta à carência paterna, no que diz respeito à
a instituição na qual está localizada. Opcontro se dá porque, de uma certa universalidade da castração, seu sintoma é uma maneira de sustentar, e até
mpejhá uma indissociabilidade da criança com a família; é essa mesmo, uma maneira de rela.
indissociabilidade que faz o sucesso das terapias familiares, que são funda- Eu não creio que seja absolutamente diferente mas, por outro lado,
das e que se baseiam na criança indissociada de sua família ou, ainda, de preserva, sem dúvida, uma parte de enigma que, depois, talvez, seja levan-
que há uma problemática única. O analista, em função do dispositivo analí- tado numa psicanálise de adulto e que não tem necessidade de ser levanta-
tico, se orienta em direção à dissociabilidade. Então, sua primeirimeta é do numa psicanálise de criança. Éoato que faz a diferença entre
dissolver essa indissociabiidade, essa ligaçã familiar, diss ociando duas coi- çaurn adulto, isto é, a Questão do ator com o Outro sexo, O
sas. Primeiro, os lugares, fazendo explodir o que é visado desses lugares e, gxual.
em segundo lugar, fazendo também a dissolução do sujeito e dos lugares A criança faz escolhas decisivas que vão orientar a lógica de sua exis-
que o sujeito ocupa, o que implica uma encarnação de funções no corpo e no tência. Muito cedo, uma criança faz escolhas de gozo. Ela o faz numa estru-
discurso. Tudo isso nos leva a diferenciar o sintoma da criança e o sintoma tura que é determinada pelo sintoma e pela fantasia dos pais.
dos pais, o sintoma que a criança tem e o sintoma que a criança é, e articular
osei& sintoma com a posição que ela ocup a. É com esse sintoma que a crian-
Carrossel - O final de análise com criança poderia ser definido como identi-
ca constitui, sob transferência, que ela vai ter que elaborar a sua própria
conJção de gozo. Acho extremamente útil distinguir o sintoma dos paiFÓ ficação ao sintoma?
sintoma dos filhos e penso a partir da experiência se não seria essa a condi-
çAo "sine gua non" para a análise de crianças. Marie-Hélène Brousse - Não sei bem o que pensar no que diz respeito ao final
Para que uma criança faça uma análise, ser conduzida por seus pais ao de análise com criança. Tanto as coisas são claras para mim no que diz res-
1' dlspiivo analítico não é condição suficiente, é, evidentemente, condição peito às condições de entrada quanto são mais difíceis de formular no que
dipssibllWade. Quanto à criança, será preciso que haja sofrimento, isto é, concerne ao fim de uma análise com criança. Eu definiria como um acesso
que a ança sofra, mas, também, que haja desejo de saber. Logo, para que da criança ao semite, uma passagem da criança do ser ao parecer, isto é,
haja uma análise com criança, será preciso, primeiro, que a criança sofra, a condição mesma de uma posição sexuada. Mas, além disto, sobre o encon-
será preciso que o seu sintoma divida seus pais e que ela tenha desejo de tro em ato com o parceiro poder-se-ia acrescentar que nada há a fazer. Res-
saber. Em geral, os pais chegam muito angustiados, encolerizados, desconfi- pondendo, qjinal de análise com criança seria o acesso da criança , como
ados. É preciso escutá-los para que forneçam indicações sobre o Outro da sqtoapjpério do semblante. Somente Lacan nos permite pensar desta
. criança, de como tomar essas iguras do Outro na transferência e, precisa- maneira. É contrário de uma posição educativa, de uma posição adaptativa.
mente, nã'o nos colocarmos nessa posição, fazendo com que a repetição pos- É uma análise que instala as condições ulteriores para a acolhida de uma
ta realmente acontecer, e não seja, simplesmente, uma repetição do tipo- posição sexuada. É verdramente ter essíiao emb1ante,
Idêntico, mas uma repetição de uma maneira tal que a criança possa tomar Em uma análise de orientação lacaniana o sexo é um semblante, éuma
o seu lugar. metáfora. Numa análise com criança é pnsíyeiaced.eider a u ma posição sexual
Qjixfloma da criança, como em geral todo sintoma, é uma maneira de
sustentar a existência d uma relação. É um pouco estranho falar isto numa
em termos de semblante que, certamente., ainda será defrontadacom o ato
com o gozo, com o encontro com o parceiro.
, I
PARABÓLICA

Bernord Nornine.
Bernord Nomin

O que me ensinam
(is crianyis
e seus psican&istas
Proposta para uma direço da cura *
Bernard Nomin

Evocar os princípios da direção da cura com as crianças não é coisa fácil, por
mais que situemos esse trabalho na orientação dada por Lacan à psicanáli-
se. Porque, certamente, em Melanie Klein, em Anna Freud ou, ainda, em
Winnicott por exemplo, os tratados sobre a cura psicanalítica das crianças
existem. Nada disso, porém, está escrito, sobre este assunto, na ótica
lacaniana. Poderíamos nos felicitar e dizer que isto testemunha o fato que,
nos nossos meios, a criança não é considerada como um analisante particu-
lar. Certamente, a criança é "um analisante por inteiro" e, sob esse slogan,
temo-nos colocado de acordo com Rosine e Robert Lefort para sustentar que
a psicanálise concerne também às crianças. Hoje em dia, porém, aceitando
este trabalho que La petite Girafe me confiou, eu bem que teria vontade de
temperar um pouco esta fórmula.
A psicanálise com uma criança coloca alguns problemas particulares, o
que não quer dizer que a criança não tenha direito a um terapeuta que seja
um psicanalista por inteiro, bem ao contrário! Remetamos, portanto, a res-
ponsabilidade do "por inteiro" ao analista. Por que o psicanalista não pode-
ria se arranjar com a especificidade da infância, mantendo intacta a posição
a partir da qual pode fazer a oferta de uma verdadeira escuta psicanalítica?

A criança sintoma ou o sintoma da criança

Para dizer a verdade, muitos detalhes particularizam o encontro da


criança com um psicanalista. Certamente, pode-se fazer o exercício de estilo

* "Ce que m'apprennent les enfants et leurs psychanalystes - Propos pour une direction de Ia
vre' Originalmente publicado em Révue dela Diagonale francophone du Nouveau Réseau
CEREDA La petite girafe n°7 - La direction de Ia cure dans Ia psychanalalyse avec les enfants
- pp. 27 - 37 Mai 1997.
PARABÓUCA
Bernord Norniné

Ik
An que consiste em demonstrar que essas particularidades na verdade não exis-
nho e um grande trem. Ela o coloca, portanto, nos trilhos de uma certa
Av tem. Pode-se dizer, sobretudo, que o fato de que uma criança só venha nos maneira, e a interpretação surgirá daí, de onde seu aspecto de prêt-a-porter,
ibi ver com a demanda de um outro não é senão uma contingência porque,
ho de ready made, como dizem os anglo-saxãos. Quando Lacan fala da interpre-
afinal, toda demanda é primitivamente uma demanda do Outro. No entan- tação como ready made, na sua conferência intitulada A Terceira, ele cria a
co não é assim que eu desejaria resolver o problema. Que a criança surpresa porque ele propõe que é o ready mude no estilo de Marcel Duchamp.
o,,' venha i .jda por um outro coloca certos problemas e, pessoalmente, a cada
Nada de mais inesperado que o uso subversivo que Duchamp propunha com
vez, eu me coloco a questão: o,ue levar em conta, a criança ou um dos pais seus objetos de uso corrente; ao propor o ready made, Marcel Duchamp diz,
Di que a acompanha? O problema da direção da cura começa aí. Não é ames-
Dir portanto, que a interpretação subverte o prêt-a-porter. Eis porque podería-
Vlc ma coisa consi erar que a criança é trazida como sintoma ou que ela vem mos nos permitir criticar o uso que Melanie Klein faz desses "menus objetos"
Dir porque tem sintomas. No primeiro caso flãQ há geralmente nada a dizer,
Dii
na cura, já que ela se serve deles essencialmente para fazer aparecer inter-
nada a demandar e embarcá-la numa terapia exonera um pouco rapdamen- pretações conforme a sua teoria, e não simplesmente para favorecer a dinâ-
te um dos pais guea traz. Tudo poder-se-ia corrigir numa crj se a
mica transferencial. No entanto, a transferência supõe a mobilização de um
Ala levasse em conta a título do sintoma da mãe, pçr exemplo, e se fosse possí- certo objeto, mas os "menus objetos" que o analista propõe no seu consultó-
AM vel convencer esta mãe da realidade de sua própria demanda. rio não são desta ordem. Olhando-se bem, são essencialmente imagens,
Jeis Se, por outro lado, a criança tem sintomas, se ela se queixa ouse, ao
Moi significantes talvez, mas não objetos no sentido de Lacan.
menos, ela é sensível à demanda dos pais que tam - ém se - queixam, então Tomemos um exemplo para ilustrar este ponto. Eu me lembro de ter
Som
sim, podemos considerar que a demanda dos pais constitui para a criança
escutado um colega contar um momento crucial na cura de uma criança.
ph uma demanda do Outro. Cabe então ao psicanalista se arranjar com isso
Esta lhe havia trazido em sessão um desses objetos que gostava de dividir
,NI porque, em definitivo, não são tanto as circunstâncias de uma primeira en-
Roi com a sua mãe - tratava-se de um crepe - e o analista o havia deixado
trevista o que o institui psicanalista, mas a saída das entrevistas prelimina- sobre a mesa sem nada fazer com ele. "Durante esta sessão, a criança é toma-
res. Estas entrevistas representam o tempo necessário para a instauração da da por uma grande perturbação... não diz quase nada, recusando desenhar e
Cj transferência. não cessa de olhar este crepe depositado entre nós"'. Por seu ato o analista
dava ao crepe deste menino o ar de um ready mude à Ia Duchamp e, de
AI. A transferência e os "menus objetos"
de imediato, a significação deste presente caía, deixando lugar ao significante
da transferência. Seria preciso que a criança abandonasse um fetiche, os
Então, há condições particulares para a instalação da transferência na
sapatos com palmilhas de crepe com os quais a mãe a calçava, seguindo os
criança? Talvez. É, em todo caso, uma das observações que Lacan faz a pro-
conselhos de sua própria mãe, isto é, para impedi-Ia de cair. Quando de uma
pósito da criança, no seu texto sobre A Direção da Cura. "... Cada um sabe, e primeira entrevista, a mãe havia contado uma crise de angústia de seu filho,
os psicanalistas de crianças são os primeiros, que não é preciso menus objeto
numa loja de calçados: ele recusava experimentar um par de botas que seu
para estabelecer uma relação com a criança".A propósito disso, seria talvez pai queria lhe dar, não queria de modo algum abandonar as palmilhas de
interessante considerar que estes "menus objetos" não são estandardizados, crepe. O crepe trazido na sessão suportava, portanto, de um lado, o
mas bem que poderiam caracterizar o analista. Assim, vamos encontrar a
massa de modelar nesse, os lápis cera naquele. Há os brinquedos em Melanie
Klein, a boneca-flor em Françoise Dolto, o jogo do rabisco em Winnicott, a * Na tradução brasileira do Livro XI - Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, o
mamadeira em Rosine Lefort, etc. tradutor M. D. Magno mantém este termo em francês, precisando que trompe-l'oeil é uma
Estes "menus objetos" trazem bem o seu nome, eles são de alguma expressão técnica já consagrada na pintura, dispensando tradução para o português.
maneira previamente trazidos, anunciam o menu. Lembremo-nos da cura de Trata-se, na pintura, de um efeito de "tapeação do olho" mediante o qual o espectador
cai na indistinção ou pelo menos hesita entre a imagem pintada e o que poderia conside-
Dick: antes mesmo de recebê-lo, Melanie Klein preparou para ele um trenzi- rar imagem real. (NT.)

17
Berncird Nomin
PARA B ÓLI CA

paciente havia instalado o analista no lugar do olhar. Que ele tenha situado
is significante da transferência, e do outro, velava o objeto a que se colocava
então a olhar curiosamente nosso pequeno sujeito. Este objeto a não tinha
seu objeto no lugar do Outro era de preferência de bom augúrio para a
análise, mas se o analista não localiza a lógica desta posição que lhe conce-
grande coisa a ver com o objeto oral, como se poderia supor, porque é como
dera, então não pode dirigir a cura, porque o que dirige a cura é o objeto a.
objeto do olhar guloso do Outro que ele era, de repente, revelado pelo ato
É sua lógica que está nos comandos. Ora, nesta cura, as significações fálicas
do analista.
Este exemplo é interessante na medida em que mostra que, ao lado veiculadas pelos desenhos que pareciam ilustrar a castração velavam para o
analista a questão do olhar. "Cante sempre, belo pássaro!" teria, portanto,
dos objetos menus que a criança encontra no analista, há também aqueles
podido responder esse jovem paciente àquele que houvesse se aventurado a
que ela traz. São tão importantes quanto, talvez até mais. Nesta ordem de
lhe ensinar a ler a castração nos seus desenhos. Toda interpretação nesse
idéias, seria preciso, certamente, vislumbrar a dinâmica de todos esses dese-
nível só poderia alimentar, clandestinamente, o gozo de uma posição
nhos e outras imagens que se amontoam no consultório do analista. Longe
exibicionista à partir da qual esta criança tentava manobrar a ura.
de mim redigir um tratado sobre: "O que fazer dos desenhos?" No entanto,
Este risco de impasse é freqüente na cura com uma criança, e isso não
eu penso que é importante que saibamos situar a que registro eles perten-
toca tanto ao dispositivo técnico, a todo este material imaginário que pode
cem, para não nos deixarmos desgarrar.
se prestar para o trompe l'oeil, ou ao fetichismo, quanto, de preferência, à
posição estrutural da infância. A criança é, fundamentalmente, de início, um
O desenho e o "trompe-l'oeil"
objeto que divide a mãe. Isto quer dizer que a posição de objeto que divide
o Outro lhe é bastante natural. Ora, esta posição é estruturalmente a posi-
Eu citaria, por exemplo, este caso da criança no trompe l'oeil que me foi
ção perversa. Freud havia colocado muito cedo, nos seus Três Ensaios sobre a
proposto no quadro de um trabalho de construção clínica. Na primeira vez
Teoria da Sexualidade. É o que ele designava como "disposição perverso-
que se apresentou sozinho ao analista, o menino tinha trazido consigo um
polimorfa". É uma disposição que caracteriza também a feminidade, nos diz
álbum de colorir e imagens misteriosas a serem construídas a partir de pon-
Freud substancialmente neste texto impressionante 4.
tos numerados. Ter-se-ia podido, efetivamente, pensar que ele esboçava as-
sim o trajeto que contava percorrer na sua cura: construir-se uma imagem
A disposição perverso-polimorfa e a père-version
com ajuda do analista. Esta havia lhe seguido os passos e pôs-se a desenhar
com ele. Porque não, afinal de contas? A questão não é saber se era preciso,
ou não, desenhar com ele. O problema é que ela esperava intervir a partir Qual é, portanto, a origem desta posição comum que ocupariam a
daí e se via bem que assim, ao contrário, ela tinha se privado de seu ato. mulher e a criança em relação à perversão? É que a estrutura da família
Nada podia, neste campo de desenho, interromper a satisfação do sujeito edípiana predispõe, ambas, a estar no lugar de objeto do Outro. A mulher é
o objeto do homem e a criança é o objeto da mãe.
que havia tido êxito em circunscrever o analista no seu anel. A criança a
tinha, de qualquer forma, instituído como parceira de sua conduta fetichis- Para uma mulher, isto está totalmente claro no ensino de Lacan, ela
está no lugar que orienta a perversão de um homem, ela encarna o objeto
ta. Um dos primeiros desenhos nos dava a pista, não por sua significação
que causa seu desejo. É a tese da "père-version" que Lacan desenvolve no
possível, mas pela estrutura que indicava. Tratava-se do desenho de uma
Seminário R.S.I. É uma nova versão do pai. Qpai não é mais a garantia
cortina que ocupava toda a folha. Este desenho dava-lhe, apenas, a estrutu-
ra da imagem na economia desse sujeito. O que de mais instrutivo que esse desta referência sagrada que soluciona o enigma do desejo da mãe. É pai
aquele que aceita ver seu desejo orientado por uma mulher que dele se
trompe l'oeil ofertado ao olhar do Outro? A partir desse index, podíamos
causa.É isto a "père-version paterna", "que acausa seja uma
Construir O caso. Como na fábula de Zeus e Parhasios, que comenta Lacan no
Seminário XI, ele mostrava "que ao querer enganar um homem, o que se lhe destas, quer as queira ou não, tome
cuidado paterno"'. Este lugar de uma mulher como causa da perversão pa-
apresenta é a pintura de um véu, isto é, de alguma coisa além do qual,de-
terna, é o que,ih 1990, com os meus colegas Lacadée e Sauret, havíamos
manda a ver"'. Levando seu analista sobre este terreno de desenho ele enga-
escrito como tal:
nava seu olhar. O que seria preciso observar nesta cura é que o pequeno
É= 1
PARA B ÓU C A
Bernord t'Jominé

homem - mulher
a
A posição da criança psicótica

A disposição perversa seria, portanto, o lugar de uma mulher que se


Na psicose, a forclusão da metáfora paterna não assegura mais a fun-
faz objeto a para orientar o desejo de um homem. O que não quer dizer que
uma mulher seja forçosamente perversa; Lacan diz exatamente o inverso: as ção de operador lógico que constitui a divisão materna. A forciusão do Nome-
do-Pai, vai deixar, então, o campo livre ao significante d'A mulher que o
mulheres não tem perversão, elas tem crianc. A criansa, portanto, está
também no lugar de objeto que orienta o desejo do Outro, e este Outro é a sujeito psicótico vai se colocar em dever de fazê-lo existir. A forclusão deixa,
portanto, a criança só aos cuidados de uma mãe não dividida à qual ela
mãe. É o que escrevemos assim:
pode oferecer "imediatamente acessível o que falta ao sujeito masculino"'.
mãe + criança Isto quer dizer que então nada faz obstáculo a que a criança faça a mãe toda,
a encarnando o objeto que causa seu desejo. Ela está, então, tomada na fanta-
sia materna onde aí joga sua parte de objeto, no mesmo título que uma
Precisemos, imediatamente, a diferença que existe entre esta estrutura mulher pode vir se prestar para a fantasia de um parceiro masculino.
e a da "père-version". Aqui, nesta estrutura que religa a mãe ao seu objeto, a
1 perversão polimorfa
criança não é a única a dividi-Ia, porque ela não é toda. Ela não é toda mãe,
não é toda fálica e certamente ela não é toda para a criança, ela é, também,
uma mulher para o pai. Eis porque convém reunir essas duas estruturas, A criança perverso-polimorfa que se encontra nesta ocasião sob os tra-
graças ao operador lógico do mito edipiano que enunciei que a mãe está
ÇOS daquele que se chama "psicopata", a criança terrível, é aquela que se
dividida: ela é mulher para um e mãe para o outro. É o que escrevemos mantém na posição do objeto que divide a mãe ou de um modo mais geral,
o Outro. Porque este sujeito "polimorfo" pode muito bem ocupar todos os
como tal:
lugares na estrutura que temos desdobrado. Mas o que devemos sublinhar,
mulher
i mãe - criança ainda, é que a perversão polimorfa supõe a integridade do operador lógico
homem -
a que situamos, no centro da estrutura. A perversão desmente, denega a cas-
a
tração mas, testemunha também o fato que ela está bem aí no seu lugar. O
Esta divisão entre mulher e mãe, que situamos como operador lógico perverso se esforça apenas em velá-la como o faz o fetichista, ou ainda em
no mito edipiano, vem ilustrar o que é naturalmente forcluído no simbólico, proteger a mãe do feminino, como certos sujeitos homossexuais que se pres-
a saber: o significante d'A mulher. Toda estrutura se inscreve, portanto, na tam a orientar para si mesmos o amor do pai.
borda deste furo e a perversão paterna que faz a mãe "não toda" está aí para A criança perverso polimorfa é, portanto, aquela que se mantém no
estatuto do objeto que pode ocupar vários lugares. É aquela que não fez
garantir a inviolabilidade deste furo do simbólico.
Nesta estrutura desdobrada da família edipiana, encontramos dois lu- ainda a escolha decisiva que vai lhe firmar o estatuto de sujeito dividido por
seu objeto. A direção da cura com tais sujeitos vai consistir essencialmente
gares para o sujeito: o lugar do masculino e o lugar do materno, e pois, dois
em uma "retificação subjetiva" no verdadeiro sentido do termo, já que uma
lugares para o objeto: o feminino e o infantil. Encontramos aí a lógica da
análise não pode se efetuar senão a partir do momento em que o analisante
observação de Freud nos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, à propó-
se reconhece como um sujeito dividido. A retificação subjetiva visa remeter
sito da disposição perverso-polimorfa. Depois de havermos estabelecido esta
escritura, tive numerosas ocasiões de estudá-la e de comentá-la - ela me cada um a seu lugar e vê-se mal como isso poderia se fazer sem o concurso
mínimo da família ou da instituição. Enfatizo voluntariamente este ponto
parece ser um instrumento conceitual que pode dar conta de bom número
para evocar um debate frequente nos nossos meios: é preciso ou não dispen-
de situações clínicas na infância.
sar os que estão em torno da criança?
---- Parece-me que neste tipo de situação,

1
Berrard Nominé
PARABÓUCA

sintoma nele acredita. Ele crê que o sintoma é capaz de dizer alguma coisa e que
onde o sujeito teve êxito em arrastar estes que o cercam, no sentido de sua
economia pessoal, onde ela se faz o objeto polimorfo, não é preciso recuar é preciso apenas decifrá-lo... uma mulher, na vida de um homem, é qualquer
Av
II coisa na qual ele acredita... . Um homem escolhe, pois, uma mulher, pelo
"7
em encontrar a família. Aliás, isto pode, ao contrário, ser desaconselhado,
Iliti na medida em que o saber da família pode fazer obstáculo ao saber próprio que lhe parece poder dizer em seu lugar alguma coisa do objeto que causa
que o sujeito deve construir na sua cura. Em geral, desde que a retificação seu desejo. Neste sentido, o sintoma, é o que escrevemos:
Co
Gri. subjetiva opera, o sujeito começa a sofrer e a se queixar como não fazia
mulher
antes. É o momento em que pode verdadeiramente comçar um processo
Dis analítico. Encontramo-nos então na posição em que temos algo a ver com
Dir
VIc um sujeito neurótico.
O pai tem seu sintoma. Porém, vista a similitude que temos sublinhado
Dir entre a posição infantil e a posição feminina, podemos dizer, timbém, que
Dir Posição do sujeito neurótico.
uma criança é sintoma. Mas com esta diferença, que não é forçosamente
COI sintoma da mãe. Encontramos aí os dois casos apontados por Lacan em suas
ma
OiijeitcLneurótico é aquele que e separa da posição infantil para vir
duas notas a Jenny Aubry. Ou bem a mãe é, ela própria, sintoma do pai e
An( por sua vepcjpar Q lugar do sujeito desçjinte, oque inscrevemos no
sintoma da verdade do casal, ou bem a mené sintoma -
Jaii começo da cadeia, isto é, o lugar daquele que se sustenta em uma fantasia
Ma. o pai e então a criança é sintoma da mãe, representaoobjeto de seu
perversa. A bem da verdade, muitas vezes podemos dizer que os encontros
sori gozo. Éem geral o lugar que se concede à criançapsicótica e é sempre
da criança com o analista se limitam a ajudá-la a efetuar esta passagem, e
aquele que a criança autista ocupa.
P1M4 isto já é muito.
Nos d6is cão dIião da cura visa descolar o sujeito de seu lugar de
Im,
Ali sintoma, seja da família, seja da mãe, para levá-lo a reencontrar o lugar
homem —* mulhe mae— criança
daquele que tem seu sintoma, dito de outro maneirçjgrdeanalisante.
a a
A direção da cura da criança sintomas anto, um processQqeprteda
Ca posição de objeto e qe termina com o advento de uma posição subjetiva.
Colette Soler dizia, quando da décima sétima jornada do C.E.R.E.D.A: "Po-
Me
da der-se-ia chamar isto de psicanálise invertida no sentido positivo do termo por-
O que é que distingue a cura de um tal sujeito saído da infância da cura
que é uma operação que vai do Real em direção ao Simbólico" 8 .
do adulto neurótico? Para dizer a verdade, nada, senão alguns limites que
No caso em que a criança tem um sintoma, importa saber reconhecê-lo
examinaremos mais tarde. Nesse estádio, em todo caso, a questão não se
como equivalente de um Nome-do-Pai, é uma outra definição do sintoma
coloca mais em saber se o sintoma pertence aos pais ou à criança. Neste
que Lacan propõe no fim de seu ensino. É bem evidente que um tal sintoma
nível, estamos face a um sujeito que fez a escolha de seu sintoma.
éparticularmente útil àquele que o suporta. Muitas vezes ele se constituiu
no momento em que a criança se descolou do lugar que ocupava como sin-
Afunção do sintoma
toma da família. O pequeno Hans desencadeia sua fobia quando se separa
de sua mãe, porém fora do mundo imaginário que ele construíra para si, ele
A direção da cura supõe uma certa doutrina do sintoma. Se tomamos
se perdeu, no entanto, porque a bússola paterna lhe falta. Foi preciso então
como definição do sintoma aquela que Lacan dá no fim de seu ensino, em
um significante para se situar nesse novo mundo, é esse o papel que vai
1975, quando ele fala de uma mulher como sintoma para um homem, então
jogar sua fobia. Que faz então Freud? Poder-se-ia dizer que ele o segue em
vemos que o sintoma vem no lugar do que poderia responder aog4o
suas voltas e desvios com os quais ele vai constituir tranqüilamente sua neu-
s,iJçIto,
rose.
"Para quem está saturado do falo, que é uma mulher? É um sintoma ... o
que constitui o sintoma é aquilo em que se crê ... Quem vem nos apresentar seu
23
PARA B ÕLI CA

Fazer sua neurose tranqüilamente tia noumbral da porta de sua vida de adulto, ele se vira para trás e conside-
ra o que ele foi enquanto criança. Nesse momento em que se adquiriu certas
"Se a criança neurótica pudesse demandar alguma coisa - dizia Michel chaves da vida sexual, no entanto, a imagem narcísica não lhe vela mais, em
Silvestre- seria certamente que lhe deixasse fazer sua neurose tranqüila- absoluto, a realidade do que é uma criança. O que ele entrevê lhe faz horror
mente. Parece-me, aliás, que é o que compreenderam os melhores psicana- e, em geral não lhe dá quase vontade de voltar atrás. Este momento, é o da
listas de crianças. Eles passam o sentimento de que preservam, represam, adolescência, verdadeiro momento de passe, um passe natural, em suma,
dirigem, de preferência, um processo ao qual não tentam fazer obstáculo." 9. mas que alguns remetem para mais tarde ou para nunca. É bem raro que um
O que é fazer sua neurose? É encontrar uma_soluçã para responder à adolescente seja conduzido à demandar urna análise; compreende-se,nãoé
questão "que sou eu no desejo do Outro?" e, a partir daí, construir-se uma o momento.
faia. A p ri meira resposta que parece resolver o enigma é a resposta fálica.
É uma resposta que convém à infânè Ía ~ a seliiiífta à questão do que
jii mãe. A mãe quero falo e a criança aí se conforma em Jdnifica-
Referências bibliográficas
Mas, com esta resposta infantil, a criança desconhece a verdadeira apos- 1. Lacan, J. "La direction de Ia cure et les principes de son pouvoir Écrits, Seuil, Paris,
ta da castração materna, isto é, que a mãe não é toda mãe, mas também 1966, p. 617
mulher. A resposta da neurose infantil não convém ao enigma do que quer 2. Lacadée, Ph. "L 'enfant aux chaussures de crêpe", La lettre mensuelle, n° 85 p. 31
uma mulher. Esta questão não é formulável senão a partir da constatação de :3. Lacan, J. Le Sémtnaire Livre Xl, Les quatre conceptsfondamentaux de Ia psychanalyse,
Seuil, Paris, 1973, p. 102
que não há relação sexual, isto é, senão a partir do momento em que perce- 4. Freud, E Trois Essais sur Ia théorie de Ia sexualité, Gallimard, Paris, 1968, "L'enfant
beu que a solução fálica não regula corretamente as relações entre um ho- dans Ia circonstance, ne se comporte pas autrement que ne leferait, vis-à-vis du séducteur,
Iam
oyenne desfemmes n'ayantpas subi l'influence de Ia civilisation et conservant ainsi
mem e uma mulher. Certamente não há relação sexual, tanto mais para as une disposition perversepolymorphe L ... J cette disposition à toutes les perversions est
crianças quanto para os adultos. A criança, no fundo, o sabe bem, porém quelque chose de profond et de genéralement humain. ", p. 86
S. Lacan, J. Le Sémwaire Livre XXII, R.S.I. Ornicar? n03, séance du 21.01.75 p. 108
contrariamente ao adulto, ainda não teve o tempo de verificá-la e, portanto,
6. Lacan, J. "Deux notes sur l'enfant", Ornicar? n'37, Navarin, Paris, 1985,p.13.
a esperança da solução infantil não é sempre decepcionada. Para alguns 7. Lacan, J. Le Séininaire Livre XXII, R.S.I. Ornicar? séance du 21.01.75,
pequenos sagazes verdadeiramente eles têm chance?
- - qualquer coisa pp. 108-110.
pode ser entrevista além da solução fálica; estes aí sofrem um pouco mais S. Soler, C. "L' enfant et le désir de l'analyste", Séries de Ia Découverte freudienne, Presses
LJniversita ires du Mirail p. 10
que os outros e acontece que eles demandam que se lhes acompanhem um 9. Silvestre, M. Demain Ia psychanalyse, "La névrose infantile selon Freud", Navarin,
pouco mais longe, lá onde, desde o pequeno Hans, "os analistas têm medo", Paris, 1987, p. 209
como diz Lacan na sua Televisão. Esses não têm nada de bem diferente da-
queles que se nomeia adultos; no entanto, se o analista pode seguí-los e
guiá-los nos ajustes de suas identificações, mesmo talvez na escolha e cons- Tradução: Sonia Magalhães
trução de sua fantasia, não estou seguro, no entanto, que seja preciso lhes Revisão: Jairo Gerbase
pedir para atravessá-la.

A criança e o passe

Correndo o risco de me engajar em uma polêmica e porque não?


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eu diria que não vejo bem como o passe conviria à criança em análise. Se se
pensa nisso, há um momento na vida de um sujeito no qual, saindo da infân-

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