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Reunião

ram 07h35min da noite, quando Gregory Clifton dirigiu-se até o bar para

E preparar um drinque. Aproximou-se do balcão e, apertando um botão,


estrategicamente camuflado sob a mesa, fez com que um freezer disfarçado
surgisse da base do mesmo. Lá dentro, vários sacos plásticos contendo um líquido espesso e
vermelho estavam acondicionados, mantidos na temperatura ideal. Gregory pegou um desses
pacotes e, após abrir, despejou todo o conteúdo em uma taça. Apertando o botão secreto, fez
com que o freezer camuflado voltasse para dentro da base de mármore do balcão, como se nem
existisse. Jogou o pacote plástico em uma lixeira e voltou para o seu escritório particular, uma
sala no quadragésimo andar do prédio conhecido como Clifton Tower, sede de seu domínio
corporativo. Sentou-se atrás de sua mesa de trabalho, enquanto bebia calmamente de sua taça
de sangue. Há oitenta anos tinha vindo para o noroeste do estado de Virgínia, nos Estados
Unidos, e desde então tem utilizado sua influência e tato comercial para erguer o maior
conglomerado empresarial da região, com base na pequena cidade de Paradise Hills. Um
verdadeiro império comercial sob seu absoluto controle.
Gregory Clifton era um vampiro de 300 anos, pertencente à aristocrática e ousada raça dos
Strigoi. Essa raça, segundo as lendas, surgiu em Roma, muitos anos antes de cristo, e desde essa
época, tornou-se referência para muitos mortais sobre como um vampiro deve se parecer.
Drácula, talvez o mais conhecido dentre todos os imortais da noite, é um membro dos Strigoi. E
Gregory era um representante clássico da espécie: arrogante, inteligente, fascinado pela beleza e
pelo poder. Tinha a aparência de um homem de 32 anos, com cabelos castanho-claros e olhos
verdes. Possuía 1,83m de altura e usava bigode e um cavanhaque bem aparados. Estava sempre
vestido com roupas elegantes e de grife, tais como Armani, Di Giorgio e outras tantas marcas
importadas. No momento, utilizava-se de seu “uniforme de trabalho”: um terno azul-marinho
de seda Armani com uma camisa de seda de cor salmão-claro, sem gravata. No pulso direito,
uma corrente de platina e no direito, um Rolex de prata com mostrador azul. Por que, como ele
mesmo dizia: a elegância não tem preço.
Logo, uma linda jovem de cabelos amendoados e olhar curioso surgiu na sala. Ela se
aproximou de Gregory sorrindo e deu-lhe um profundo beijo na boca.

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- E então, mestre? – perguntou – O que é essa reunião tão importante à qual me chamou?
Jennifer Jollisaint era uma “jovem” vampira de 140 anos de idade. No ano de 1899, ela
morava em Nova York, onde tentava a vida como pintora. Gregory, que também vivia na
cidade, na época, logo se sentiu fascinado pela beleza rústica e simplicidade da moça, aliadas a
uma inteligência sagaz e uma criatividade ímpar. Por fim, o vampiro se sentiu compelido a
preservar as qualidades da jovem pela eternidade e resolveu transforma-la em vampira, ou,
como os próprios vampiros dizem: concedeu-lhe o dom das trevas.
Como todo vampiro ao ser transformado, a jovem não mais mudou desde então, por isso
preservava a mesma jovialidade e aparência campestre que tinha na época em que era viva. Ela
tinha 1,72m de altura, logos cabelos loiros que desciam lisos até a altura do pescoço, quando
ganhavam um leve ondulamento nos cachos. Seus olhos eram de um azul escuro profundo e
sua pele era quase tão branca como as perolas do colar que sempre gostava de usar. Possuía a
idade aparente de uma jovem de 25 anos, muito embora seu narizinho arrebitado e seu olhar,
por vezes sedutor, por vezes inocente, a fizessem parecer ter ainda menos idade. No momento
ela trajava um vestido simples, de cor perolada, combinado com o colar. A saia do vestido era
pregueada e caía suavemente sobre seu corpo, sem marcar muito suas curvas. Por fim, um
cordão de barbante delimitava a cintura da jovem: um misto de requinte e simplicidade, de
modernidade e antiguidade, de inocência e sensualidade. Marcas que sempre permearam a
“morte em vida” da vampira. Tanto que, à medida que seu “pai” vampírico aumentava o poder
sobre a cidade, ela pediu-lhe que lhe desse o controle do museu municipal. Ao ser atendida,
criou para si uma identidade falsa de “curadora do museu”e construiu secretamente, no
subsolo do prédio, uma tumba onde passou a viver cercada de opostos: modernidade e história,
simplicidade e sofisticação, sociedade e isolamento.
Mas, às vezes, como agora, seu mestre vampiro necessitava de sua presença e ela
prontamente atendia.
- Ah, Jennifer, como sempre afobada. – sorriu Gregory para ela – Gostaria de ainda ter a
mesma vitalidade e a ânsia por novidades que você e seu “irmão” possuem.
- Aliás, por falar em Alan, - Gregory continuou – sabe se ele já chegou?
- Chegou sim. – a moça confirmou. – Quando entrei, ele estava na recepção, conversando
com uma das recepcionistas.
- Uma de longos cabelos negros e olhos cor de céu? – Gregory perguntou. Parecia estar se
lembrando de algo.
- Sim, sim. Ela era desse jeito. – Jennifer respondeu, divertindo-se. – Você por acaso a
conhece?
- Conheço. – respondeu o strigoi, lambendo os lábios – Alice Cooper. O sangue dela é
delicioso. Deveria provar.
- Você me conhece, eu prefiro o sangue de jovens saudáveis e robustos. Além disso, acho
que esta noite ela é do Alan. Aposto que, assim que a reunião terminar, ele vai convidá-la pra
“tirar o resto da noite de folga”. Aliás, você não me disse que reunião é essa?
- Alan já está subindo. – o vampiro respondeu calmamente, ignorando a curiosidade da
moça. – Assim que ele chegar eu explico para os dois. – e bebeu mais um gole de sua bebida. –
Servida? – perguntou, mostrando a taça para a jovem.
- Não, obrigada. – Jennifer declinou – Já me alimentei hoje.

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- De um jovem bem robusto, eu suponho.
- Bem... – a moça sorriu, de um jeito que a fazia parecer uma jovem camponesa inocente. O
mesmo jeito de ser que, há cerca de 110 anos, fez com que ele se sentisse atraído por ela. Atraído
o suficiente para roubar-lhe do mundo dos mortais. – Eu possuo vários rapazes trabalhando
para mim no museu. Transformei alguns deles em meus carniçais.
Carniçais. Os “Servos de Sangue”. Um termo muito comum entre a sociedade vampírica.
Vampiros são seres imortais, que não envelhecem nem são afetados por nenhuma doença
natural. Quando são escolhidos por um mestre para serem transformados, devem estar
preparados para passar uma longa existência de segredos e solidão. O dom das trevas é um
presente especial, que só pode ser dado a poucos escolhidos, mediante muita ponderação e
consciência daquele que o concede. Além disso, a população de vampiros deve ser mantida
controlada a todo custo, visto que quanto mais desses seres da noite houver no mundo, maior
será a disputa entre eles pela “caça”, ou seja: os humanos. Entretanto, muitos vampiros, ao
adquirirem certa experiência, desenvolvem um poder vampírico interessante, chamado por eles
de Ghoul. Através desse poder, três gotas de sangue são dadas a um mortal, três noites seguidas.
Essas gotas curam seu corpo e revigoram sua vitalidade, ao mesmo tempo em que “atam” a sua
vontade a vontade do dono do sangue bebido. Em outras palavras, um carniçal se torna um
escravo do vampiro que deu-lhe seu sangue para beber... Entretanto: para manter o carniçal sob
seu poder, o vampiro deve dar-lhe ao menos uma gota de seu sangue, uma vez a cada semana,
no mínimo, ou o vínculo entre os dois é quebrado. Contudo, enquanto estiver sob essa condição
o mortal passa a envelhecer mais lentamente, devido ao grande poder regenerativo existente
nesse líquido. Mais do que isso: o sangue de alguns vampiros possui o poder de fazer com que
o carniçal simplesmente pare de envelhecer. Esses humanos especiais acabam tornando-se a
única alternativa viável à solidão da imortalidade. Sua ligação com o seu senhor os torna
companheiros fiéis e confiáveis e que nunca irão competir por alimento com seus criadores.
Existem, ainda, relatos de muitos mortais que, após algum tempo, desenvolvem certo vício
por esta condição. Conta-se que, mesmo tendo o vínculo quebrado por algum motivo, o ex-
carniçal se via tentado a retornar para seu mestre. Para esses “viciados em sangue vampírico”, o
fato de terem sua juventude prolongada e sua saúde garantida compensava qualquer servidão.
Gregory mesmo possuía vários carniçais. A maioria pertencendo a algum setor importante
na comunidade da cidade: o prefeito, o magistrado da corte judicial e um dos mais importantes
e conhecidos artistas da TV local eram todos seus servos fiéis, dispostos a quebrar as regras e
burlar as leis sempre que fosse necessário para manter o segredo de seu senhor.
- Sim minha criança! Eu sei que você transformou vários de seus funcionários em
carniçais... – Gregory olhou incisivamente para a vampira. – E sei também que transformou um
deles em sua cria. Sem meu conhecimento...
- Ah, mestre, por favor. – a moça suplicou, revirando os olhos – De novo esse assunto
não... Eu já lhe disse que foi um momento de impulsividade. Eu estava sozinha, querendo
companhia, e o levei para meu quarto. Fizemos sexo e bebemos a noite inteira. Ele bebeu vinho
do porto e eu... Bem... Bebi um delicioso sangue regado a vinho do porto, é claro. Entretanto,
acabei bebendo demais e deixando o rapaz a beira da morte. Como eu não queria perde-lo, tive
que fazer algo para salvar-lhe a vida.
- Sei... Então foi um “acidente”. O interessante, - Gregory olhou para a taça, enquanto
passava o dedo nas bordas da mesma – é que, alguns dias antes, você transformou em carniçal
uma mocinha que trabalhava com você no museu. Justo você que sempre preferiu carniçais
homens... Não é uma feliz coincidência? – e ele ergueu a cabeça e fitou a moça, incisivo.

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A jovem fez um expressão de menina sapeca, pega em flagrante fazendo travessura.
Aproximou-se de Gregory e sentou-se em seu colo, abraçando-o e dizendo:
- Ah, Greg! Não tem como esconder nada de você mesmo, não é? Às vezes acho que você
também pode ler mentes e só não quer é contar para gente. Confesso que eu já estava de olho no
rapaz há algum tempo. Ele me divertia, sabe? Tão jovem e viril, tão cheio de planos... E tão
inocente sobre o “verdadeiro” mundo. Não pude resistir.
- E porque não me contou antes? – Gregory questionou a moça, como um pai ciumento
que acaba de saber que a filha está namorando.
- Bom... – a jovem se levantou, sem jeito. Olhava para um canto da sala, sem coragem de
encarar o mestre. – Achei que você não permitiria, caso eu pedisse.
Gregory se levantou e abraçou a moça.
- É claro que eu permitiria. Bem... – ele se retificou, enquanto se afastava um pouco de
Jennifer e a fitava nos olhos. – Eu provavelmente lhe daria um belo sermão antes, explicando
que uma escolha dessas tem um monte de implicações e pode trazer outro tanto de
consequências e blá, blá, bla. Mas, no final, eu permitiria. – e sorriu. – Eu e você já estamos
juntos há mais de um século. Eu confio em seu discernimento, minha querida. Já deu provas
mais de uma vez de sua competência como cria e como aliada.
- É por isso que eu adoro você, meu lindo senhor! – a moça respondeu, inclinado a cabeça
levemente pra trás, enquanto seus olhos se apertavam e sua boca se entreabria, sensualmente.
Gregory correspondeu aos anseios da moça e a beijou, ardentemente.
Foi quando um som se fez ouvir na porta do escritório e um jovem de longos cabelos
negros, trajado elegantemente, entrou no local.
- Aham... – fez ele, ao ver a cena no centro do escritório.
Gregory e Jennifer se separaram e sorriram pra o rapaz.
- Oi Al. – Jennifer disse, com um sorriso maroto.
- Olá Alan. – Gregory cumprimentou, enquanto voltava para sua cadeira atrás da
escrivaninha do escritório e terminava de beber o seu “drinque”. – Me acompanha? – convidou,
mostrando a taça.
Alan-James Morrinson colocou as mãos no bolso e exibiu um sorrisinho safado, caminhou
calmamente até a escrivaninha de seu mestre, gingando o corpo como se dançasse uma música
que só ele estivesse ouvindo. O sorriso pernicioso continuava em seus lábios.
- Sabe o que é? – disse por fim, sentando-se na escrivaninha – é que eu já tenho planos
para hoje à noite.
Jennifer olhou para Gregory, sorrindo, e piscou o olho. Gregory nada disse, apenas sorriu.
- Aliás, - Alan continuou – espero que esta tal reunião para a qual nos chamou não demore
muito...
O velho vampiro sorriu. Apoiou os cotovelos na escrivaninha e cruzou as mãos na frente
do rosto. Escondendo um sorriso maroto. Olhava fixamente para Alan.
- Pode deixar, Alan. Garanto-lhe que esta reunião termina antes das 10 horas. – disse por
fim, bem calmamente.

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Alan pareceu surpreso. Olhou para Jennifer e depois para Gregory. Dez horas era o
horário de a jovem Alice, a atendente da recepção, deixar o serviço.
- C-como você descobriu? – perguntou por fim, olhando perplexo para Gregory.
Alan James-Morrinson era um espécime esplêndido de strigoi: jovem, alto, bonito e
sensual. Do tipo pelo qual qualquer garota se sentiria atraída. Em 1850 começou a trabalhar na
empresa de transportes Pegasus Express, sem saber que seu dono era, na verdade, um vampiro:
Gregory Clifton. Logo, a boa aparência do jovem, aliada a sua competência nos negócios e a sua
ambição, chamaram a atenção do strigoi e, em cerca de quatro anos, este lhe concedeu o dom
das trevas. Depois de mais de 150 anos, entretanto, a arrogância e a sensualidade ainda
permeavam os atos do vampiro, que, como sempre, mantinha a mesma aparência da época de
sua transformação: 1,78m, longos cabelos castanhos, olhos azuis e uma idade aparente de 28
anos. Estava sempre com a barba por fazer e usava seu cabelo longo em rabo de cavalo. Como
seu criador, era aficionado por roupas de grife e no momento estava usando um conjunto preto
de seda da Armani.
Apesar dos quase 200 anos de idade e uma sede insaciável, parecia regredir ao seu tempo
de mortal quando estava com sua “irmã” vampírica, Jennifer, talvez uma das poucas pessoas a
quem Alan realmente respeitasse, além de seu criador.
Nunca entendeu porque sua “irmã” possuía alguns dons que ele mesmo não tinha, como o
poder de ler as mentes, sendo que os dois foram transformados pelo mesmo vampiro. Quando
indagava Gregory sobre isso, este sempre dizia a mesma coisa: “O dom das trevas é diferente
para cada um de nós...” e encerrava o assunto.
Mesmo assim, às vezes, ele poderia jurar que seu mestre também podia ler mentes.
Vendo o rosto surpreso de sua cria, o experiente strigoi sorriu e deu de ombros.
- Não, meu caro. – disse, percebendo o que se passava na mente de Alan. – Sei exatamente
o que você está pensando e a resposta é: não! Já disse muitas vezes a Jennifer e a você: eu não
tenho o poder de ler a mente. Eu apenas sei ler os sinais. É só isso. – e sorriu.
- Agora, - continuou, ficando sério. – vocês não queriam saber o porquê de eu chamá-los
aqui?
- Sim, eu quero! – Jennifer atalhou, puxando uma cadeira e sentando-se diante de seu
mestre.
- Hum... Também estou curioso. – Alan-James completou.
- Pois bem! Vou lhes explicar. – Gregory reclinou-se na cadeira e pensou por um instante,
como se decidisse por onde começar. – Vocês lembram-se – começou, por fim, a dizer. – que eu
estava tentando comprar a Granny Foods e a Transportadora Tinsley?
- Se lembro?! – Alan-James atalhou, surpreso. – E tem como esquecer? Você ofereceu
praticamente o dobro do que essas empresas valem. Estava até com medo de você continuar
subindo a oferta e acabar levando a gente à bancarrota...
- Pois bem, - Clifton continuou, se divertindo por dentro com a insolência de sua cria. Se
fossem outros tempos talvez até ficasse furioso com isso. Atualmente, entretanto, ele tinha
coisas muito mais importantes para se preocupar, do que o modo como seus servos se dirigiam
a si. De qualquer forma, ele se lembrava que foi esse jeito arrogante e despachado que o fez se
interessar por Alan-James e lhe conceder o dom das trevas, no final das contas. – Você pode se

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acalmar, Alan, pois não vou mais precisar aumentar a oferta. Symon Tinsley me ligou,
marcando esta reunião que teremos em breve.
- Symon Tinsley?! – Jennifer interrompeu, surpresa. – “Aquele” Symon Tinsley? O filho de
Sebastian Tinsley?
- Ele mesmo. O atual dono e presidente das duas empresas que eu tanto quero comprar. O
segundo homem mais poderoso de Paradise Hills. Ele me ligou recentemente, após dezenas de
recados que enviei para ele propondo negócios. Acredito que ele vai ouvir o que tenho a
propor, e não terá como recusar.
- Então... Você vai mesmo cobrir a oferta dos chineses... – Jennifer comentou com o olhar
perdido, como se tivesse acabado de lembrar-se de algo.
- Você leu minha mente, minha criança? – Gregory perguntou, tentando parecer sério,
como um pai que tenta repreender um filho por suas travessuras, mas não consegue esconder o
orgulho de ver as habilidades que ele vem desenvolvendo.
- Não... É claro que não. Mas estive conversando com alguns de seus acionistas. Também
sei ler os sinais, mestre. – a moça respondeu, piscando um olho.
- Não acredito! – agora era Alan que estava surpreso. – Se você pretende cobrir a oferta
dos chineses, isso quer dizer que...
- Exatamente! Vou pagar o triplo do que as empresas de Tinsley realmente valem. –
retrucou o velho strigoi calmamente.
- Mas... Isso não é loucura? Digo... As duas empresas têm grande potencial, mas... Será que
retornarão o investimento?
Gregory olhou por um instante para Alan, antes de lhe responder. O jovem strigoi
demonstrou ser um brilhante homem de negócios nos dias que se seguiram a sua
transformação, exatamente como ele previu ao torná-lo um vampiro. Sua inteligência e
capacidade de enxergar adiante no mundo das finanças várias vezes lhe permitiram fechar
ótimos contratos. Inclusive foi do jovem vampiro a idéia de criar em Paradise Hills um grande e
moderno hospital e, logo depois, um hemocentro, do qual, aliás, vinha a bebida que ele acabara
de tomar. O único problema para Alan é que às vezes, e só às vezes, como agora, ele ainda
pensava como um mortal.
- Meu caro Alan – disse por fim, como um pai que ensina o filho a pescar. – é claro que
este investimento que estamos fazendo demorará a dar lucros. Você tem que entender,
entretanto, que não é bem o lucro que eu estou visando com esta compra: é o poder. A empresa
de Tinsley e a nossa são as maiores geradoras de emprego da cidade. Sem nós aqui, a cidade irá
falir. Os políticos e investidores sabem disso e nos tratam como verdadeiros reis. Isenção de
impostos, regalias, alguma ajuda com a “lei” quando algum dos nossos sai da linha na hora de
se alimentar. Tudo isso se deve a nossa posição atual. Agora, você pode imaginar o que
poderíamos fazer se a cidade tivesse apenas UM rei. Imagine o poder que teríamos se a segunda
maior corporação industrial da região também estivesse sob nosso comando! Teríamos poder
suficiente para dominar a cidade inteira e, talvez, até para expulsar aqueles lobos sarnentos do
parque municipal e talvez até da reserva.
Ao ouvir tais palavras o rosto de Alan pareceu se iluminar, com uma grande informação.

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- O senhor acha mesmo que isso seria possível? Aqueles sarnentos são osso duro de roer.
Lembra da construção da represa? Eles quase quebraram a Tradição do Segredo naquela época
para tentar nos impedir.
Gregory reclinou-se na cadeira novamente e olhou para o teto. Parecia estar se lembrando
dos eventos ocorridos na década de 30. Parecia lembrar-se de como os lobisomens que
habitavam a região do Parque Municipal, na época uma área selvagem fora dos limites da
cidade, tentaram impedir a construção da represa Makiwi, uma das mais brilhantes jogadas
empreendedoras do vampiro. Uma represa que traria comércio e indústrias para a cidade.
Indústrias que, é claro, estariam sob seu controle. Os homens-lobo que habitavam a região,
entretanto, não pareciam concordar com os planos do strigoi.
Na época do ocorrido, Gregory contara a cada uma de suas crias o que sabia sobre a
história dos Licantropos. Aparentemente, num passado distante, os cinquenta filhos de um
antigo rei grego chamado Licaon desafiaram o poder de Zeus, uma entidade vinda de outra
dimensão e que dera origem às lendas do deus mitológico de mesmo nome. Essa entidade, de
extremo poder, enfureceu-se com a arrogância daqueles que o desafiaram e rogou sobre eles
uma terrível maldição: como haviam se comportado perante a entidade como animais, era em
animais que eles deveriam se transformar, sempre que perdessem a calma. Nasciam assim os
primeiros licantropos, ou lobisomens, como eram popularmente conhecidos: pessoas que, em
estado de extrema fúria, se transformam em seres metade humanos, metade lobo.
Nos tempos atuais, alguns desses lobisomens, tentando se redimir da ofensa cometida por
seus ancestrais contra Zeus, procuram proteger locais especiais que existem pelo mundo, os
chamados Portais para Arcádia. Teoricamente, desses lugares místicos seria possível ir para um
reino espiritual que, segundo as mesmas lendas da criação dos licantropos, fora criado pelo
próprio Zeus. Se o poderoso ser aprova ou desaprova essa jornada de redenção ainda não se
tem certeza, mas o fato é que os homens-lobo levam muito a sério sua missão, quase como uma
religião.
Para desespero de Gregory Clifton, existia, em uma caverna na região das matas que
ladeiam o Rio Makiwi, um desses Portais. E, o que era pior, esse portal era protegido por nada
menos que três clãs de orgulhosos licantropos que odiavam tecnologia e vampiros com quase a
mesma intensidade. Na liderança de um grupo de nativos americanos eles assustaram os
trabalhadores, sabotaram as instalações da represa e fizeram a construção da mesma se arrastar
por 8 anos, quase o dobro do previsto inicialmente.
- Ah, sim eu me lembro. Até hoje os humanos acham que a região é mal-assombrada pelos
“espíritos dos índios”, por causa das incursões noturnas dos licantropos. Aqueles malditos
usavam suas habilidades para entrar no campo de obras secretamente, durante a noite, e
sabotar o lugar. Pela manhã, os trabalhadores achavam tudo destruído e não sabiam o porquê.
Na mente deles a única explicação era que o lugar estava assombrado.
-Pois é.... – Alan completou. – Eu cheguei a achar que o único jeito de terminarmos a
represa seria entrar naquela mata e matar um por um daqueles cães. Só que, se fizéssemos isso,
quebraríamos a Tradição do Segredo, a única coisa que nos permite viver normalmente entre os
mortais sem sermos caçados. Se fizéssemos isso, entretanto, esta cidade se transformaria em
uma verdadeira convenção de caçadores de vampiros e nós estaríamos em maus lençóis. Isso é
claro, se não fosse pela J.J. – e olhou sorridente para a moça sentada ao lado dele.
- Ora, que é isso? – a moça retribui o sorriso do jovem strigoi. Lembrara-se que ele fora o
segundo “homem” com quem fora pra cama, depois de ter se tornado vampira. Por causa disso,
a vampira sentia grande apreço pelo rapaz.

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- Ele tem razão. – Gregory reforçou. – Se você não sugerisse a ideia de transformar o local
em um parque florestal, protegido por lei, eles jamais permitiriam o término da represa.
- Bom... – Jennifer disse, complementando a frase de seu mestre – A ideia até que era boa,
mas se não fosse aquela licantropo não teríamos tido acordo. Como era o nome dela? Miley!
Miley Stephens. Ela era líder do grupo de lobisomens que vivem na cidade.
- Sim. – Alan concordou. – E era bem mais razoável que os outros caipiras, parentes dela,
que vivem na reserva.
- Geralmente as mulheres são mesmo mais razoáveis. – Gregory completou, sorrindo para
Jennifer.
- É por isso que eu digo – atalhou Alan, retomando seu raciocínio – O senhor acha
realmente possível conseguirmos expulsar esses cretinos da cidade?
Gregory sorriu, com o ar triunfante de um jogador, prestes a ganhar o último jogo de um
campeonato.
- Sim! É claro que podemos. Se eu for o dono da primeira e da segunda maior empresa de
toda a região, poderei pressionar os vereadores e investidores da cidade a revogar a lei de
proteção do parque florestal. Nem aquela tal de Moira poderia interferir.
- Isso parece bom, mas... – Alan parecia ainda ter dúvidas – Hoje em dia, com essa onda
natureba, será que conseguiremos revogar a tal lei?
- Ah, meu caro! – Gregory ergueu-se da cadeira e agora exibia um brilho maligno nos
olhos – A maior dádiva do ser humano é também sua maior perdição: a tecnologia. Os humanos
acham que podem controlar a natureza, fazer o planeta se curvar a sua vontade e pensam que
tudo o que existe ao seu redor está a sua disposição, para desfrutarem a seu bel prazer. É só eu
conversar com as pessoas certas e fazer as jogadas certas, e os lobinhos terão que achar outro
lugar para morar, de preferência bem longe da cidade.
Gregory voltou a se sentar, sorrindo como quem tem um segredo valioso.
- Eu já tenho um plano, que, de tão simples, é genial. Pretendo revitalizar as empresas,
colocando mais tecnologia e expandindo o comércio. Aumentado os negócios, mais empregos
surgirão. Quanto maior a oferta de emprego, maior o fluxo de pessoas se mudando para cá. À
medida que a população aumentar, não restará nenhuma saída para a cidade a não ser crescer.
E, com uma pequena ajudinha minha, adivinha pra onde a cidade crescerá?
- Só que... –agora foi a vez de Jennifer questionar. – Isso pode levar anos!
- Sim! E essa é a principal vantagem que temos em relação aos “peludos”: podemos
esperar. Temos todo o tempo do mundo. Ouçam o que eu lhes digo: essa é a ultima geração de
licantropos a nascer nesta cidade! – e Gregory riu-se à alta voz. Parecia se divertir com sua
própria crueldade.
- Bem... – Alan parecia estar gostando da ideia – isso será ótimo, mas me faz perguntar
uma coisa: se já está tudo esquematizado, porque nos chamou aqui?
- É verdade. – os olhos da sensual vampirinha brilhavam de excitação – Não seria mais
fácil para você convencer o tal do Tinsley se estivessem a sós?
Gregory sorriu maliciosamente e esperou um pouco antes de responder. Parecia gostar de
despertar em seus pupilos uma excitação que ele mesmo não sentia mais: a curiosidade.

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- É claro que eu poderia fechar essa negociação sozinho – disse por fim – mas não teria
tanta graça. Além disso, eu preciso de vocês. Em primeiro lugar, quero que Jennifer utilize seus
poderes para ler a mente de Tinsley. Quero saber o que se passa no cérebro daquele homem.
Em segundo lugar... – e fez mais uma pausa dramática.
- Em segundo lugar... – incentivou Alan.
- Ah... Ele faz de propósito! – Jennifer exclamou, divertida. – É só por que estou curiosa...
- Há! Vocês não sabem como me divertem com sua impaciência, minhas crianças. Em
segundo lugar, eu quero que vocês participem da reunião porque tenho intenção de dar o
controle das empresas a vocês.
Alan assobiou baixinho:
- São duas empresas bem grandes. – atalhou.
- Sim, mas eu tenho certeza que vocês darão conta.
- Bom, se é assim... – Jennifer entrou na conversa – Eu quero ficar com o controle da
transportadora. Parece-me que uma das estações de trem da empresa já foi até tombada como
patrimônio histórico. Imagina as raridades que não deve haver lá.
- Lá vem ela e sua mania de colecionadora... – Alan falou, rindo-se – tá bem “maninha”. – e
bagunçou o cabelo da moça, que fez uma cara feia para ele, pois não gostava de ser tratada
como uma menininha - Eu fico com a indústria de comida. Parece que eles lançaram uma nova
marca de biscoitos que está fazendo sucesso. Eu vou ficar trilionário.
- Ótimo! – e o vampiro mais velho pôs um fim à conversa. – Está tudo decidido, agora é só
aguardar Tinsley e ver o que ele tem a dizer.
Foram interrompidos pelo som do interfone:
- Senhor Gregory? – uma voz sedutora perguntou do outro lado do aparelho. Alan lançou
um olhar ansioso para o interfone, provavelmente imaginando o que faria com a moça ao sair
da reunião. Jennifer percebeu isso e moveu os lábios para ele formando a palavra “Sa-fa-do”,
sem emitir nenhum som. O rapaz mostrou-lhe a língua.
- Sim? – Gregory respondeu, apertando um botão no aparelho, sem dar atenção para as
brincadeiras de suas crias.
- Há um senhor aqui para vê-lo. Diz ser Symon Tinsley.
- Ah sim, é claro. Eu o estava aguardando. Por favor, leve-o até o meu elevador particular,
sim?
- Pois não, senhor. – a moça se despediu e o aparelho se silenciou.
- Bem, vamos para a sala de reuniões. – e Gregory se levantou, no que foi imitado pelos
dois.
Eles caminharam até o mesmo corredor por onde Alan havia entrado. Ao saírem, Gregory
fechou a porta de seu escritório particular e virou-se para o lado, fitando a porta do seu
elevador particular que ficava a cerca de quinze metros de onde estava. Concentrou-se por um
segundo e o botão do elevador moveu-se sozinho. O aparelho ligou e começou a descer.
- Vamos – disse e dirigiu-se para o lado oposto ao do elevador.

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Eles caminharam um pouco até chegarem à sala de reuniões. No local, Gregory assumiu
seu posto na cabeceira da mesa, ao passo que os dois outros vampiros sentavam-se cada um de
um lado, próximos ao seu mestre. Por um instante, permaneceram em silêncio, concentrando-se
de olhos fechados. Todos ali naquela sala eram vampiros e, como tal, não podiam ser mais
considerados seres vivos. Seus corpos não mais precisavam de ar ou alimentos, seu sangue não
mais corria em suas veias e eles não envelheciam. Se ficassem em uma sala com uma pessoa
comum por mais de alguns minutos, essa condição acabaria por ser descoberta: a ausência de
pulsação, a palidez, o fato de não respirarem. Todas essas características não-mortais poderiam
denunciá-los a qualquer momento. Era por isso que todo vampiro aprendia, logo nos primeiros
dias de sua nova “não-vida” a controlar suas funções vitais. Ou, melhor dizendo, a ausência
delas. Primeiro, após alguns segundos se concentrando, faziam circular por seu corpo o seu
sangue vampírico, que normalmente fica parado em seu coração, ganhando, assim, um pouco
de cor na pele. Logo depois, através de um conjunto de movimentos bem coordenados,
começavam a fazer mover seus ombros e os olhos, de modo a imitar uma pessoa “respirando” e
“piscando”, coisas que, definitivamente, não mais precisavam fazer. Por fim, na parte mais
difícil de seu “treinamento”, os jovens vampiros aprendiam a fazer com que seus corações
batessem e a mover seu sangue pelos órgãos internos para imitarem, com mais precisão,
funções básicas como respiração e digestão. Um conjunto de detalhes que, quando bem
executado, permite a um vampiro se passar por um ser vivo para qualquer leigo.
Era o que eles estavam fazendo naquele instante: imitando um conjunto de funções vitais
para que pudessem receber, sem serem desmascarados, o ilustre visitante que subia pelo
elevador particular do Clifton Tower.
Após não mais que quinze ou vinte segundos, os três strigoi abriram seus olhos
novamente e, naquele momento, ninguém, exceto, talvez, um médico experiente, poderia dizer,
apenas observando, que eles não eram pessoas normais.
Alguns minutos depois, ouviram o tintilar do sino do elevador, indicando que o mesmo
acabara de chegar. Ouviu-se o som do deslizar das portas automáticas, seguido de passos, e
logo um senhor negro, de olhar incisivo e porte elegante entrou na sala. Trajava um terno azul
de seda, de fino caimento e trazia uma pequena maleta às mãos.
- Muito boa noite a todos. – cumprimentou pomposamente, enquanto pegava nas mãos de
cada um dos presentes. Ao chegar a Jennifer, beijou-lhe a mão, delicadamente.
- Que bom que pôde vir. – Gregory disse, visivelmente animado. – Esperei ansiosamente
por esta reunião. Sente-se, por favor. – convidou, apontando uma cadeira para o visitante.
O homem aceitou o convite e sentou-se. Mantinha-se sério o tempo todo, e não dizia nada.
Após se acomodar, virou-se para os três e sorriu.
- Bem, senhores, suponho que ACHAM que sabem o motivo de eu vir até aqui hoje. Pois
bem: sinto lhes informar que NÃO estou aqui pelo motivo que pensam. – e sorriu, cinicamente.
Os modos do homem pegaram a todos de surpresa, e eles o olhavam consternados.
Jennifer, entretanto, começou a fitar um canto da sala, distraída, como se estivesse se
concentrando para ouvir um murmúrio ao longe.
- Ora, como assim? – Gregory perguntou, perplexo. – Você não veio aqui para tratarmos
da venda da Transportadora Tinsley e da Granny Foods?
Symon riu-se fartamente ao ouvir a pergunta de Gregory. Nem ele nem Alan entendiam o
que estava acontecendo, mas foi Jennifer quem começou a falar.

- 10 -
- Ele sabe sobre nós mestre!!! – disse a moça, em um tom sério e sombrio, com os olhos
arregalados fitando Tinsley.
- C-como assim, sabe sobre nós? – Gregory levantou-se surpreso, sem nada entender.
- Ahá! Uma leitora de mentes. – Symon virou-se para os três e disse aquilo com a maior
naturalidade. – Isso vai facilitar, e muito, nossa conversa.
Gregory começava a demonstrar que, definitivamente, a conversa estava saindo de seu
controle.
- C-como você pode saber disso? – ele perguntou, sem nem mesmo se dar ao trabalho de
negar.
- Porque, meus caros – Tinsley começou a explicar – assim como vocês eu também sou um
habitante das trevas.
- Você também é um vampiro?! – Alan perguntou, num misto de surpresa e ceticismo. – É
impossível! Nós saberíamos.
- Não, caro Alan, eu não sou um vampiro. Vampira é minha mestra! – Tinsley disparou, de
repente, e fez uma pausa dramática. Parecia estar saboreando a consternação que aquela
revelação estava causando em seus interlocutores.
- Como assim: “mestra”? – Gregory perguntou cético. – Você serve à Shawanda, ou à
alguma daquelas Brujas?
- É claro que não! – Tinsley parecia ofendido. – Como ousa comparar minha mestra a essas
crianças!
- Não, mestre, ele não serve a nenhuma delas... – Jennifer parecia chocada com o que vira
na mente de Tinley. – Ele serve a alguém muito mais antigo e perigoso... – a moça olhava para o
homem parado a sua frente, sem conseguir terminar a frase.
- Vamos, diga. – o homem incentivou.
- Seu nome verdadeiro é Finnegan Tinsley. Você possui mais de 140 anos de idade e é um
carniçal de uma Asimani, uma vampira africana de mais de... – a moça engoliu em seco
enquanto virava-se para os dois strigoi. – uma vampira africana de mais de 400 anos de idade!
- Há! Você só pode estar louca se acredita nisso, “maninha”! – Alan exclamou, como se
acabasse de ouvir a mentira mais descabida de toda sua vida.
- Acalme-se, Alan... – Gregory pediu, calmamente. – Tenho certeza que tudo isso tem uma
explicação. Não é, Tinsley? – perguntou, virando-se para o empresário a sua frente. Ele
simplesmente deu de ombros:
- Claro que tem uma explicação: eu sirvo a uma Asimani de 450 anos. Simples assim. –
disse isso como quem afirma que dois mais dois são quatro.
- Há! Há! Há! Há! – Gregory forçou uma gargalhada, como quem ouve uma piada sem
graça. – E você quer mesmo que acreditemos nisso? Nos toma por tolos, por acaso? Não sei
como você descobriu nossa condição vampírica, mas tenho certeza que elaborou esse plano
pensando em nos pregar uma grande peça. Não acredito por um só instante nessas sandices que
você falou.
Enquanto falava, a voz de Gregory foi ganhando mais firmeza e sonoridade, como se o
simples fato de dizer essas coisas em voz alta o ajudasse a ter mais certeza em suas palavras.

- 11 -
Tinsley apenas sorriu. Fez isso e, calmamente, abriu a maleta que havia trazido.
- Minha mestra me disse que, talvez, isso acontecesse, por isso me mandou trazer isto... – e
colocou em cima da mesa um pequeno tubo de vidro, tapado com uma rolha de cortiça e o
empurrou em direção a Gregory. O poderoso vampiro pegou o frasco e o ergueu. Havia um
espesso liquido vermelho dentro dele.
- Isso é...? – balbuciou, mas Tinsley completou a frase antes:
- Exatamente! Isso é um pouco de Sangüinus de minha mestra. Não sei como vocês fazem
isso, mas ela me disse que vocês podem sentir o poder e até mesmo saber onde um vampiro se
encontra apenas provando um pouco disso. Vamos! Se não acredita no que eu digo, prove!
Sangüinus era um nome pomposo utilizado pelos vampiros para referir-se ao próprio
sangue, visto que este líquido não era mais, definitivamente, sangue comum. Muito pelo
contrário! Era a fonte de poder e imortalidade dos filhos da noite. Tão poderoso que guardava
parte da essência de seu dono, mesmo quando não mais se encontrava em seu corpo.
A certeza que Gregory sentia há pouco, esvaiu-se completamente. Seria verdade? Haveria
mesmo uma vampira tão poderosa agindo na cidade? Estaria em suas mãos um pouco do
sangue desse ser tão improvável? Todos o olhavam fixamente quando ele abriu o frasco e
encostou de leve sua língua em uma gota do líquido. Ele sabia que, se bebesse daquele
sangüinus, estaria sob a influência da vampira, caso ela fosse mesmo tão forte quanto
“Finnegan” dizia. Resolveu não arriscar e apenas provou um pouco do sangue, mas esse pouco
foi suficiente para sentir todo o poder que a criatura que o gerou possuía.
Gregory estremeceu, diante do contato com aquele imenso poder e sentiu o peso dos 450
anos da vampira anciã. Sua mente voou por instantes, e ele viu, em uma caverna secreta, no
subsolo da Mansão Tinsley, o caixão onde dormia Maijani, a mais poderosa vampira a viver na
cidade de Paradise Hills atualmente. O strigoi ficou consternado e deixou-se cair na cadeira
novamente, enquanto fechava o frasco.
- Então... É verdade! – disse por fim, fitando os olhos de Finnegan.
- Bem... – Finnegan falava calmamente, como bem convém a um homem de negócios. –
Agora que já passamos essa parte chata, podemos nos ater ao assunto principal: eu sirvo a
Maijani há mais de 140 anos. Foi o meu nome que ela emprestou para criar a “vovó Orabel
Tinsley”, seu disfarce na época em que deu os primeiros passos para criar o império que, hoje,
controlo, sob total coordenação dela. Sim meus caros, ela vem me visitar em sonhos, me
orientando sobre cada atitude que eu deva tomar no que concerne às empresas Granny Foods e
Transportadora Tinsley.
Ele parou um instante, para que seus interlocutores pudessem organizar seus
pensamentos, e começou novamente seu discurso:
- Pois bem, a mensagem que minha mestra me ordena que lhes entregue é que ela não
deseja, de forma alguma, se desfazer das empresas que tanto trabalho teve para construir!
Simples assim... – Tinsley disparou, com um meio sorriso nos lábios, enquanto olhava cada um
de seus interlocutores, divertindo-se. – He, he, he... – riu-se consigo mesmo.
- Do que está rindo? – Gregory perguntou, visivelmente contrariado.
- Vocês vampiros são tão arrogantes que beiram a idiotice. Construí um império bem
embaixo de seu nariz e você sequer se deu conta, pura e simplesmente porque meu império se
baseia em algo que para você não mais tem mais importância: o alimento dos mortais.

- 12 -
Gregory fuzilou o carniçal com o olhar, mas nada disse, pois, afinal, o servo de Maijani
tinha razão. Ele sempre acompanhou de longe a evolução das empresas de Tinsley, sem dar
muita importância ao fato, pois sabia que um império controlado por um simples humano, por
maior que fosse, jamais poderia se equiparar ao seu. Como ele poderia saber que o tal império
não era controlado por um simples mortal como sempre acreditara?
Alan, entretanto, fez menção de reclamar, levantando-se furioso de sua cadeira.
- Ora seu... – começou a dizer, mas sentou-se bruscamente, como se fosse empurrado por
uma força invisível.
- Acalme-se minha criança... – disse Gregory calmamente, olhando para seu pupilo. Fora
ele que, com seus poderes vampíricos, o fizera se sentar. – Não é hora de nos exaltarmos,
embora concorde que a insolência de nosso convidado está, no mínimo, passando dos limites. –
e virou-se para Finnegan:
- Diga-me, Finnegan, sua mestra é, atualmente, o ser conhecido mais poderoso dessa
cidade... Porque então nunca ouvimos falar dela?
Jennifer continuava com o olhar perdido, o que indicava que ainda estava “dentro” da
mente do carniçal. Ele sabia disso e nada disse a Gregory, apenas olhou para a moça, esperando
que ela respondesse a questão por ele.
E a vampira o fez:
- Maijani já tem mais de 450 anos... O sangue dos mortais já não a satisfaz mais. Os
assuntos que interessam a maioria dos vampiros para ela são chatos e repetitivos... Ela viu suas
crias serem destruídas por vários caçadores diferente em várias épocas e lugares diferentes... Ela
está cansada do mundo mortal e de suas mazelas infindas... Hoje, a única coisa que liga Maijani
ao mundo dos mortais é seu carniçal favorito, talvez a última de suas “crias” a ainda existir em
nosso mundo: Finnegan Tinsley... – e ao dizer isso, a jovem olhou fixamente para Tinsley.
O homem sorriu, pela primeira vez com sinceridade desde que aquela reunião começou:
- Descreveu bem, senhorita.
- Ora J.J. – Alan atalhou. Apenas ele a chamava assim. – Até parece que você está se
tornando fã desse cara... Não é mestre...? – e virou-se para Clifton, apenas pra se deparar com
seu criador fitando fixamente Finnegan Tinsley, com um semblante sério e preocupado.
- Você não sabe, minha criança, porque nunca lhe contei, mas existe um motivo pelo qual
vampiros com mais de 400 são temidos até mesmo por seus iguais...
- D-do que você está falando? – Alan-James perguntou, desconcertado.
- Bem... Você ouviu sua “irmã” dizer que o sangue dos mortais não mais satisfaz a mestra
de Finnegan não ouviu? – Gregory começou a explicar, sem tirar os olhos de Tinsley.
- Sim.
- Pois bem... Sabe do que um vampiro ancião de mais de 400 anos geralmente se alimenta?
– agora o vampiro virou seus olhos para Alan-James.
- S-sei lá... Do que seria? – Alan-James começou a dizer, quando uma coisa passou por sua
cabeça. Seus olhos se arregalaram e ele empertigou-se na cadeira. – Espera aí! Não vai me dizer
que ...

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- Isso mesmo Al... – Jennifer completou a frase, antes que Gregory o fizesse. – Sangue de
outros vampiros...
- E-espera aí... É possível isso? – o olhar de Alan ia de Jennifer para Gregory, transtornado.
- Sim Alan, isso é possível. – Foi a vez de Gregory responder. – Existem no mundo
vampiros que caçam outros vampiros para se alimentarem, e aparentemente, temos um bem
aqui na nossa cidade... Veja só... – e Clifton passou a mão na barba, claramente inconformado.
- I-isso é im-impossível... – Alan recusava-se a acreditar. – De predadores a presa? Nós?
Gregory e Jennifer apenas concordaram com a cabeça. Finnegan apenas observava,
divertindo-se.
– E como você sabia, maninha?
- Eu... – A moça começou a responder. – Às vezes meu poder de ler a mente sai de meu
controle... Eu li a mente de Gregory certa vez, sem querer... Ele não queria contar-nos porque
achava que nunca iríamos encontrar um vampiro tão poderoso assim em Paradise Hills...
- Pois achou errado... Alfinetou Tinsley, sorrindo. – Existe e é minha mestra. Para sorte de
vocês ela encontra-se hibernando calmamente em seu sarcófago, e não quer nada com o seu
império de mentiras. Sugiro que a deixem assim. – completou, sombrio. – será melhor para
todos nós.
- Isso é uma ameaça, carniçal? – Gregory perguntou, pausadamente, destacando cada
palavra e apertando os olhos como um leão diante de sua presa.
Tinsley não se abalou:
- É claro que não, meu caro Clifton. É claro que não. É apenas um conselho. – e sustentou o
olhar de Gregory. – Nenhum de nós quer uma guerra entre vampiros em nossa amada cidade.
- Até porque, com certeza, vocês estariam em desvantagem. – Afirmou Alan com
convicção. – Você não sabe com que tipo de poder está lidando, Senhor Tinsley. – E o vampiro
se inclinou para frente com um ar zombeteiro. – Já que estamos trocando conselhos, sugiro que
aceite o meu: temos muita influência na cidade e tenho certeza que você detestaria ficar no
caminho de nossos “amigos”.
- Ora, ora, ora! – Nada parecia amedrontar Finnegan. – O jovem vampiro põe as presas de
fora. – Riu-se consigo mesmo.
Jennifer estava séria e Gregory nada disse. Parecia estar aguardando o desenrolar do
confronto entre os dois.
Finnegan aceitou o jogo de Alan-James e resolver apresentar suas armas também:
- Pois saiba, senhor Talbot, que minha mestra também possui muita influência na cidade.
Ela pode estar em Sono, mas tem quem cuide de seus interesses. – e apontou para si mesmo
com as mãos. – Temos vários espiões infiltrados em altos escalões da sociedade de Paradise
Hills, inclusive entre a lei. Minha transportadora, também, é a principal forma da entrada de
drogas na cidade. Meus Blackbirds cuidam da revenda nas ruas e, apesar de não saberem a
quem servem, estão dispostos a lutar por mim a hora que eu quiser. Nem a sua gangue de
“Hermanos Latinos” é párea para meus homens, meu caro Clifton. – e, ao dizer isso, virou-se
para Gregory.

- 14 -
- D-do que está falando, Tinsley? Será que todos esses anos afetaram sua cabeça humana?
– Gregory perguntou, e estava visivelmente surpreso. – Porque acha que eu tenho algo a ver
com essa ganguezinha de quinta categoria que infesta as ruas de minha cidade?
Agora, eram Alan e Jennifer que apenas observavam o desenrolar da discussão. Todos que
estavam ali presentes sabiam da existência de duas gangues rivais de traficantes na cidade: os
Blackbirds, com atuação principalmente no bairro negro de North Valey e os Hermanos Latinos,
que dominava o território do bairro Santa Teresa. Os vampiros desconfiavam que Tinsley
tivesse alguma ligação com a gangue Blackbirds, mas nenhum deles sequer fazia ideia de quem
seria o líder dos “Latinos”.
Finnegan parou um por um instante, como se analisasse a informação que acabara de
receber.
- Como assim? Não é você o líder desses traficantes infames? – Perguntou por fim.
- Não! É claro que não! Drogas não fazem meu estilo. – respondeu Gregory, sem nenhuma
emoção em suas palavras.
- Fascinante! Fascinante! – Tinsley pôs-se a divagar. – se você não é o líder deles, então
existe outra força sobrenatural, agindo em nossa amada Paradise Hills, que desconhecemos.
Os três vampiros se entreolharam, perplexos.
- Do que está falando, homem? – disparou Gregory. – Não diga sandices.
- Há! – Tinsley riu-se. – Não é sandice, senhor Clifton. Minha mestra, como lhe disse
anteriormente, me visita em sonhos e me orienta em minhas ações. Recentemente, ela me
alertou sobre a possibilidade de a gangue dos Hermanos Latinos estar sendo liderada por uma
entidade sobrenatural de considerável poder, pois eles têm resistido bravamente às investidas
de meus soldados. No começo supus que essa entidade fosse você, mas, como você afirma que
não tem nada a ver com isso, terei que rever minha teoria...
Gregory nada disse. Apenas continuou sério, fitando o carniçal.
Finnegan levantou-se e apontou para o frasco de sangüinus que Clifton deixara em cima
da mesa.
- Posso? – perguntou.
Gregory olhou para o pequeno objeto e este se moveu sozinho em direção a Finnegan, que
o pegou e o guardou prontamente em sua maleta.
- Bem senhores. Foi um prazer “não” negociar com vocês. Agora se me permitem, tenho
muitos afazeres a cumprir, com licença. Senhorita? – e fez uma mesura para Jennifer, retirando-
se logo em seguida. – Não precisam me acompanhar! Eu sei o caminho de saída. – disse por fim,
enquanto caminhava rumo à porta por onde entrou no escritório, sem nem virar-se para os
vampiros.
Alan virou-se para Gregory. Seus olhos faiscavam de raiva.
- Uma palavra sua, mestre! Apenas uma palavra, e eu aciono alguns contatos meus e, no
dia seguinte, esse carniçal não mais será problema.
Gregory olhou para sua cria com um misto de divertimento e desapontamento. Será que
todos esses anos não haviam ensinado ao “jovem” strigoi como o jogo de poder funciona no
mundo das trevas?

- 15 -
- Ah, Alan, meu caro... Se tudo fosse tão simples como você diz... Com certeza nossa vida
em morte seria bem mais fácil. Será que você ainda não entendeu que o que me preocupa nesse
momento não é o servo, mas sim a mestra?
- Como assim? – Alan questionou – Ele não disse que ela está em hibernação? Então...
quem está nos atrapalhando no momento é esse carniçal arrogante.
- Exato! E como você bem o ouviu dizer, ele é o último laço que aquela monstra possui
com este plano de existência. Diga-me, como você acha que a tal Maijani reagiria se soubesse da
morte de seu amado carniçal? Com certeza ela despertaria e viria tirar satisfações conosco.
Além disso... Há algo que não está certo... Esse Finnegan possui 140 anos de idade... Não é
nenhum tolo recém chegado ao mundo das criaturas sobrenaturais. Ele não viria até nós com
toda aquela arrogância se não estivesse muito bem preparado.
- Bem... – Alan pareceu reconsiderar. – Olhando por esse ponto...
- Então... O senhor também percebeu? – Jennifer, que mantivera-se calada e observando o
caminho por onde Tinsley saiu, finalmente se manifestou, virando-se incisiva para Clifton.
- Não, minha criança... – Clifton sorriu, enquanto falava. – Não percebi nada, mas, como
lhe disse anteriormente, sei perceber os sinais. Achei que, desde o momento em que entrou em
meu escritório, até o momento em que saiu, ele não nos contou toda a verdade...
- E-eu... eu vi, dentro da mente dele mestre... – a vampira começou a explicar. – Havia algo
que ele não queria me mostrar... Ele ficou o tempo todo deixando os pensamentos e lembranças
fluírem para sua mente, para que eu pudesse lê-los, entretanto, havia uma coisa que ele tentava
esconder e não queria que eu visse: ele é um mago!
Gregory permaneceu impassível, por um instante. Alan olhou perplexo para Jennifer e
para Gregory. Os três sabiam que existiam humanos capazes de canalizar a energia dos planos
exteriores para o nosso mundo, utilizando-se dessa energia para alterar a realidade como bem
entendessem, criando efeitos que só poderiam ser explicados como “Magia”. Os jovens
vampiros até sabiam que Gregory fazia parte de um conselho chamado Arcanum Arcanorum,
formado por criaturas sobrenaturais, como eles, mas, principalmente por magos de
considerável poder. Este conselho era responsável por manter a ordem no mundo dos seres
sobrenaturais e evitar que os mortais soubessem de sua existência. Entretanto, sabiam também
que nenhum desses prodígios na magia residia em Paradise Hills. Até onde tinham
conhecimento, havia apenas algumas bruxas menores que se auto intitulavam Wiccas e seus
companheiros homens que se auto intitulavam Druidas. Naturalistas com algum poder mágico e
apenas isso.
Existiam também as duas vampiras Brujas, Amaranta e Leira. Pertencentes a uma raça
diferente da raça strigoi, as Brujas só podiam ser mulheres e, quando são transformadas, já
nascem com o dom de utilizar a Magia, dom o qual só aumenta à medida que os anos vão
passando. Entretanto, as duas vampiras eram suas aliadas e não representavam perigo.
O que eles acabavam de descobrir, agora, entretanto, era que existia pelo menos mais um
ser na cidade com poderes mágicos. Um ser que eles não apenas não controlavam como
também não conheciam a real extensão de seus poderes.
Algo que, com certeza, não fazia parte dos planos de Clifton.
- Você não parece surpreso... – Jennifer começou a falar. – Você, realmente, já desconfiava
disso, não é?

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Gregory esboçou um sorriso.
- Quando você começou a falar de Maijani, minha querida, descrevendo sua idade e seu
poder, eu, a princípio, recusei-me a acreditar. – Gregory começou a dizer. Sua voz soava fria
como o aço. – E quando Tinsley disse que era um carniçal com cerca de 140 anos achei que sua
sanidade mental estava abalada. Entretanto, à medida que a conversa se desenrolava, e depois
de provar aquele sangüinus, percebi que o que ouvíamos era a mais terrível verdade.
Entretanto, algo ainda não fazia sentido: se Maijani está em Sonhar, como Tinsley ainda pode
beber seu sangue?
Todos naquela sala sabiam como a transformação em carniçal acontece, bem como sabiam
da necessidade de ser bebida, a cada semana, pelo menos uma gota de sangue do “vampiro
mestre”.
- Se ela está adormecida, significa que ela não mais bebe sangue humano e não mais
produz sangüinus para suas crias. Vocês já viram o que acontece a um carniçal de grande idade
que fica sem sangüinus por mais de uma semana, não é? Ele envelhece cinco vezes mais rápido
que o normal, até adquirir a aparência de sua verdadeira idade. No caso de Tinsley é ainda mais
terrível: se ele ficar por mais de uma semana sem beber do sangue de sua mestra, irá envelhecer
100 vezes mais rápido que o normal! Imaginem: se Finnegan não tivesse acesso ao sangüinus de
Maijani, ele estaria envelhecendo cerca de 8 anos a cada mês!
- Em menos de dois anos ele não passaria de amontoado de ossos! – Alan completou, com
um sorriso macabro no rosto, como se a ideia não soasse tão ruim afinal.
- Exato! – Gregory concordou. - Quando pensei nisso, deduzi que só podia haver uma
explicação: eles estão utilizando-se de magia para produzir o sangüinus necessário a Finnegan
Tinsley!
- Sim! – Jennifer falou, por fim. Parecia consternada. – Finnegan tentou evitar que essa
informação chegasse até minha mente, mas fui mais forte que ele. Por um instante sua barreira
mental se rompeu e pude ver o que ele tentava esconder: Maijani criou um ritual que permite
absorver o sangue humano pela pele e transforma-lo em sangüinus, mesmo que seu corpo não
esteja mais acordado...
- Ritual interessante este... – Gregory sussurrou, por entre os dentes. – Você viu como o
ritual é realizado?
- Não! – Jennifer disse contrariada. – Ele baixou a guarda por muito pouco tempo, e
mesmo durante esse tempo, as imagens e palavras que vi eram muito confusas... De uma coisa,
entretanto, posso ter certeza: envolve o sacrifício ritual de um considerável número de pessoas
cujo sangue seja suficiente para encher uma pequena banheira de modo que a vampira fique
submersa nele. Esse sangue é enviado por tubos até o sarcófago onde Maijani encontra-se
hermeticamente fechada. Me parece que existem outros tubos ligados ao coração dela, e esses
tubos trazem o sangüinus até o lado de fora, onde Tinsley os coleta e guarda para quando for
necessário...
- Considerável número de pessoas? – Alan parecia curioso. – E isso seria quanto?
- Todos os meses, durante a lua cheia, 10 pessoas são sacrificadas e seu sangue é,
literalmente, absorvido pela criatura...
- Todos os meses? Dez pessoas são mortas todos os meses? E como não descobrimos isso?
– Alan parecia perplexo. – Malditos policiais, como puderam ser tão burros e não descobrirem

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isso antes... Pagamos milhões de propina para ficarmos a par de tudo que ocorre na cidade e
um fato como esse não chega ao nosso conhecimento!
- Não é tão simples, Alan... – Jennifer olhou, séria para ele. – Finnegan não está sozinho!
Ele pertence a uma ordem, chamada Asima, da qual sua mestra fazia parte. Há vários membros
desse grupo espalhados pelos Estados Unidos e eles enviam uma boa parte do sangue
ritualístico necessário para que a vampira se alimente.
- Asima! – Gregory repetiu, pensativo. – É claro! Sabia que já havia ouvido falar disso
antes! Os Vampiros Asimani foram criados por feiticeiros Asima na África centenas de anos
atrás. Já ouvi histórias sobre isso, mas nunca tinha ouvido falar de nenhum Asimani que vivesse
nos lugares onde estive. Com mil demônios! Como uma criatura dessas veio parar justo aqui
em Paradise Hills?
Um silêncio funesto baixou sobre os vampiros. Definitivamente a reunião não teve, nem
de longe, o final esperado por eles.
- Minhas crianças, preciso que façam uma coisa por mim. – Foi Clifton quem, finalmente,
rompeu o silêncio.
- Claro mestre. – os dois vampiros responderam quase que em coro.
- Necessito que comuniquem a todos os vampiros da cidade que farei uma reunião em
dois dias, aqui no Clifton Tower e insisto – e ele frisou bem essa palavra – que todos
compareçam.
Os dois “jovens” vampiros olharam seriamente para seu mestre.
- Todos? – foi Jennifer quem primeiro falou. – Inclusive os recentemente criados?
- Todos, sem exceção! – Gregory foi categórico. – A ekimmu da danceteria, as duas Brujas,
o Vrikolaka, sua cria... – e sorriu maliciosamente para a vampira. – Quero todos aqui!
Alan-James colocou a mão no queixo, pensativo, e fitou com seriedade seu mestre:
- O que pretende fazer, Gregory? Se me permite perguntar?
- Por enquanto nada! Não sabemos com o que estamos lidando, nem a extensão do poder
dessa criatura bizarra e seus servos. Terei que coletar muitas informações antes de tomarmos
qualquer decisão. Entretanto... De uma coisa estou certo: todos os vampiros residentes na
cidade devem saber da existência de Maijani, até por que se ela vier a despertar, isso coloca
cada um deles em risco direto. É preciso que todos estejam preparados e, mais do que isso,
atentos!
Os outros dois vampiros apenas balançaram afirmativamente a cabeça, mostrando que
entendiam a gravidade da situação.
- A que horas realizaremos essa reunião? – Alan mostrou seu lado prático.
- Vou organizar tudo e lhes enviarei a informação em seus celulares, no máximo até o
amanhecer. Deixem seus contatos de sobreaviso.
- Sim mestre! – novamente, os dois responderam em uníssono.
- É isso meus filhos. Estão dispensados.
Alan-James sorriu e olhou para o relógio em seu pulso.

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- Dez e quinze! Quem sabe eu ainda possa me divertir um pouco essa noite! – disse,
sorrindo e piscando maliciosamente para Jennifer, enquanto se levantava e se dirigia para a
porta. Antes de sair, virou-se e fez uma reverência para Gregory: - Meu senhor! – e disse para
Jennifer - Tchau “maninha”! – e deixou a sala.
Jennifer levantou-se e olhou seriamente para Gregory.
- Não preciso ler mentes para perceber que está consternado, meu Mestre. – começou a
dizer. – Espero que não tome nenhuma decisão de que se arrependa depois...
Clifton levantou-se e abraçou a vampira.
- Não se preocupe minha querida criança. – sussurrou docemente ao ouvido dela. – Seu
criador não chegou à posição que ocupa atualmente agindo de modo precipitado. É como eu
sempre digo: - e Jennifer repetiu a frase ao mesmo tempo em que seu mestre: - “O golpe que se
aplica precipitadamente é o golpe que se aplica errado!”.
E ela sorriu.
- Eu sei que você tem o dobro da minha idade e, pelo menos o triplo de minha experiência,
mas é que eu me preocupo. – e tocou ternamente o rosto do vampiro.
- Não se preocupe, Jennifer. – Gregory parecia seguro ao falar. – Tenho certeza que esta...
Maijani! – pronunciou o nome da vampira com ar de desdém - Ela terá o mesmo destino de
Bartholomew Birgham.
Jennifer sorriu para o poderoso strigoi. – Talvez até pior!
E os dois se beijam ardentemente.
- Deve ir agora minha pequena. – Gregory disse, quando se separam. – Tenho alguns
preparativos a fazer.
- Meu senhor! – e a vampira fez uma reverência ao sair o local, não sem antes roubar-lhe
mais um beijo na boca.
Assim que se viu sozinho em sua sala, Gregory começou a relembrar os eventos que
culminaram com a destruição de Bartholomew Birgham, em 1930. Um plano ousado, com
certeza, que começou 30 anos antes e demonstrou toda a capacidade estratégica do vampiro. Na
época em que conheceu Jennifer Jollisaint, em 1899, ele era um vampiro em ascensão dentro da
comunidade sobrenatural da cidade de Nova York. Entretanto, ele sabia que jamais poderia se
tornar tão poderoso e influente quanto vampiros mais velhos que já viviam no local. Parecia
que seu desejo por poder teria de ser suprimido e que ele teria que se contentar em ser apenas
mais um dentre os líderes da região. Então ele conheceu a jovem pintora e ela começou a contar-
lhe sobre a pequena e próspera cidade de onde vinha. Falou sobre as histórias de monstros e
fantasmas que ouvira desde a infância e sobre a simplicidade das pessoas que lá viviam. E ele
viu uma oportunidade: tornar-se líder de sua própria comunidade sobrenatural. A moça trazia-
lhe informações sobre uma cidade em desenvolvimento, claramente com sua própria população
de seres sobrenaturais já formada, mas ainda não totalmente organizada, apenas esperando por
alguém que pudesse lidera-la. Alguém que poderia moldar essa sociedade conforme a sua
própria vontade. Um líder como ele.
O primeiro passo para que esse sonho se concretizasse já havia sido dado, no momento em
que ele concedeu a sedutora jovem o dom das trevas. Não havia mais nada a esperar e assim,
um ano depois da transformação de Jennifer, os dois partiram para a paradisíaca cidadezinha
que prometia ser para o strigoi o início de uma nova vida.

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Qual não foi sua surpresa ao chegar ao local e descobrir que a região já tinha um líder:
Bartholomew Birgham, um strigoi, como ele, só que quase 100 anos mais velho e,
consequentemente, muito mais poderoso. É claro que, antes de se tornar uma vampira, Jennifer
não tinha como saber da condição de Birgham e de seu poder. Parecia que os anseios de
Gregory estavam fadados ao fracasso, quando ele percebeu que seu inimigo estava visivelmente
interessado em sua jovem cria.
Então tudo teve início. Numa atitude ousada, ele desentendeu-se com Jennifer e partiu,
deixando a recém-criada vampira para trás. Desolada e sem saber o que tinha feito para
desagradar seu mestre, a pintora fez a única coisa que parecia certa na época: aliou-se a
Bartholomew Birgham. Exatamente o que Gregory Clifton havia previsto.
De volta à Nova York, o ousado strigoi começou a se preparar para retornar
definitivamente à Paradise Hills. Nos anos que se seguiu, começou a reunir informações sobre
seu inimigo e a atrair cada vez mais espiões na pequena cidade para acompanhar os passos de
cada criatura sobrenatural do local. Em 1917, enviou sua outra “cria”, Alan-James Morrison,
para o local, com o intuito de fundar uma filial da empresa de transportes que possuía na época.
Na verdade, uma desculpa para que, no futuro, pudesse mudar-se em definitivo para a cidade.
Logo, com o “crack” da bolsa de Nova York em 1929, ele viu a oportunidade de destruir a
identidade mortal que usava na época e criar uma nova identidade para ir morar em Paradise
Hills. Assim Gregory Clifton, o então dono da empresa Pegasus Express se “suicida” e seu
“filho”, Alexander Clifton que “estudava no exterior” retorna ao país para tomar conta da
empresa do pai. Com essa nova identidade, Gregory mudou-se para Paradise Hills,
oficialmente apenas com o intuito de evitar os caçadores de vampiros que atuavam na costa
leste do país.
Ele encontra uma Paradise Hills tomada pelo caos, aliás, como a maioria das cidades na
época. Devido à crise econômica causada pela quebra da bolsa, o desemprego se generaliza pelo
país. Fome, desespero, revoltas por todos os lugares. Um cenário caótico que Gregory saberia
bem como usar. Primeiramente ele se fixou na cidade, adquirindo uma mansão e rebatizando o
local de Mansão Clifton. Quando Jennifer Jolisaint ficou sabendo do retorno de seu criador, foi
até ele, furiosa, para tomar satisfações do porque ter sido abandonada. Gregory lhe explicou a
razão de tê-la deixado, e contou à vampira o seu plano de tomar a cidade. A moça, apesar de
furiosa, não pôde negar o laço de sangue que a unia ao strigoi e aceitou ajudá-lo. De posse de
seu “trunfo”, o ambicioso vampiro deu início à tomada de poder. Primeiramente, através de um
carniçal de sua “cria”, Alan-James, Gregory influenciou um jovem e carismático trabalhador de
nome Brent Shawley a organizar um manifesto de revolta contra o governo da cidade. Dezenas
de desempregados tomaram as ruas pedindo por mais empregos, salários dignos e melhores
condições de vida para cuidarem de suas famílias. O incompetente prefeito da cidade na
ocasião, sem saber como conter os manifestos, acaba por tomar a triste decisão de enviar os
policiais às ruas. O resultado: um conflito armado se inicia e o tumulto só fez aumentar.
Relembrando-se dos fatos, Gregory sorriu. O desespero do prefeito só serviu para fazer
com que seus planos dessem tivessem ainda mais chances de darem certo. Enquanto as pessoas
se digladiavam nas ruas, ele e seus aliados partiram contra Bartholomew Birgham e seus
seguidores. A derrota do velho strigoi foi mais simples do que ele previra a princípio: Birgham
não era um líder. Era apenas um vampiro de idade considerável que se julgava superior aos
outros. Apenas alguns carniçais e sua “cria”, uma jovem vampira negra de nome Lindsay
Magano, ficaram a favor do ancião, quando Gregory, Alan-James e seus aliados atacaram a
Mansão Birgham. Mesmo mais forte que os vampiros, Bartholomew não foi páreo para eles.

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Principalmente quando Jennifer, que fingiu o tempo todo estar do lado dele, voltou-se contra
Linsay Magano e a atacou à traição, ferindo-a de morte com uma estaca.
Pego de surpresa, Bartholomew Birgham distraiu-se por tempo suficiente para que
Gregory o atingisse em cheio. Ferido, ele ainda tentou fugir, mas já era tarde demais: teve sua
cabeça e coração arrancados por Clifton. Sempre que um vampiro bebe uma quantidade
considerável de sangue de outro vampiro, ele recebe, temporariamente, alguns dos poderes do
doador deste. Esses poderes permanecem em seu corpo por até uma semana, ou até que o
sangue absorvido seja eliminado completamente de seu corpo, o que ocorrer primeiro.
Entretanto, quando um vampiro mata outro de sua raça e bebe seu sangue até a última gota, ele
recebe permanentemente alguns dos poderes do vampiro destruído.
Após derrotar e matar Birgham , Gregory bebeu o sangue de seu coração até a última gota
e tomou para si, permanentemente, alguns dos poderes que o vampiro possuía. Esse ato é
chamado Diablerie e é considerado um crime hediondo pela sociedade vampírica. Mas, como
toda sociedade que se preze, na sociedade dos vampiros quem tem o poder é que dita as regras.
Com Clifton não seria diferente. Mesmo tendo cometido um dos atos mais execráveis segundo a
lei de sua raça, ele sabia que, agora, ele era o ser mais poderoso da região e que ninguém
ousaria tentar nada contra ele.
- Uma vitória fabulosa! – Gregory pensou consigo mesmo, enquanto se dirigia de volta
para o seu escritório particular.
Vitória a qual só não foi mais perfeita por um único motivo: Lindsay Magano, mesmo
ferida de morte, conseguiu escapar dos atacantes e nunca mais foi encontrada, bem como nunca
foram encontradas provas concretas de sua morte final.
Desde então o paradeiro da vampira tornou-se um mistério jamais decifrado. Estaria viva,
esperando pelo momento propício par vingança? Ou já teria sido destruída? Ou ainda: teria
deixado a cidade para nunca mais voltar? O fato é que ela nunca mais incomodou Gregory e
seus aliados.
A vitória era deles e eles tinham que comemorar. Compraram a Mansão Birgham e
apossaram-se de todos os objetos que havia no local. Inclusive um certo objeto que Gregory ia
ver agora.
Antes de chegar a sua sala, passou pelo bar, acessou o painel secreto e serviu-se de mais
uma taça de sangue. Ao chegar ao seu escritório, passou pela escrivaninha, onde estava quando
Jennifer e Alan chegaram, e dirigiu-se a uma estante de livros que havia atrás dela. Concentrou-
se por um instante, projetando sua mente sobre um botão que existia na parede atrás da estante,
em um local de difícil acesso e que dificilmente alguém que não soubesse de sua existência
poderia achar. O poder vampírico de mover as coisas com a mente, chamado de telecinésia,
entrou em ação e o botão se ativou com um clique abafado. A estante foi movida por
mecanismos escondidos dentro da parede revelando uma passagem secreta, através da qual o
vampiro entrou.
Estava, agora, em um local escuro e silencioso. Bateu palmas duas vezes e as luzes
automáticas do lugar se acenderam, revelando uma sala ainda maior que o escritório que
acabara de deixar. A sala estava cheia de objetos exóticos, tais como lanças, espadas, escudos, e
armaduras medievais, além de uma estante com livros de aparência velha e assustadora,
localizada do lado direito do vampiro. Do outro lado da parede da estante havia um cofre
dentro da parede, com estranhos desenhos em forma de pentagrama em sua porta.

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Diretamente na parede a frente da porta por onde acabara de entrar, havia uma cortina de
veludo negro, escondendo algo preso à parede. Novamente, ele concentrou-se por um instante e
uma pequena corda ao lado da cortina se moveu. A cortina se abriu revelando um espelho oval
de cerca de 50cm de altura por 35cm de largura. Sua moldura, em forma de Y, era formada por
dois dragões, um diante do outro, feitos em metal negro, polido. As asas dos dragões, abertas,
formavam os braços do “Y”, e as caudas dos dois, entrelaçadas, formavam a base. Preso às
caudas, havia um pedestal onde uma sinistra vela vermelha jazia, semi-derretida.
Gregory Clifton não gostava de espelhos, pois uma das maldições que possuía era,
justamente, não apresentar reflexos. Um inconveniente que poderia, simplesmente, entregar seu
segredo para pessoas normais se ele não tomasse as devidas precauções. Entretanto, esse
espelho era especial. O vampiro aproximou-se dele, colocando o dedo dentro da taça de sangue
que bebia e, em seguida, tocando a superfície do espelho com esse mesmo dedo, sujo com o
líquido vermelho.
A marca de sangue deixada por seu dedo desapareceu da superfície espelhada, como se
fosse absorvida pelo vidro, ao mesmo tempo em que a vela vermelha se acendia.
As cabeças dos dragões se moveram, fitando o vampiro por um instante, e uma voz
sibilante, sussurrada e arrogante, se fez ouvir:
- O que deseja, strigoi?
- Nobre espelho de Malebolgia, atenda ao meu pedido. Deixai-me falar com Mantus, o
Senhor do Abismo Sombrio.
- Shhhhh!!!!! Que assim seja! – novamente a voz sibilante se fez ouvir na sala e o espelho,
que até então refletia a imagem do aposento, mas não a do vampiro, escureceu completamente.
As cabeças dos dragões voltaram a ficar imóveis enquanto as próprias luzes que iluminavam o
local iam ficando mais fracas.
De repente, um rosto grotesco surgiu dentro do espelho. Tinha as feições vagamente
humanas, mas seu nariz era enorme, seus olhos eram negros como ébano e ele possuía duas
presas que saiam da mandíbula de baixo, como as de um javali. A pele era cinza, como um
cadáver em decomposição. Seu cabelo e o resto de sua cabeça não eram visíveis, como se o rosto
fizesse parte da própria escuridão que havia dentro do espelho.
Uma voz gutural, semelhante a um rugido de leão, encheu a sala secreta:
- O que desejais de Mantus, Gregory Clifton?
O strigoi fez uma reverência pomposa, antes de responder:
- Meu senhor Mantus. Trago-te notícias inquietantes. Acabo de descobrir que existe, em
Paradise Hills, uma criatura que pode atrapalhar vossos planos.
Os olhos do rosto no espelho ficaram vermelhos de repente, e a voz pareceu aumentar de
intensidade.
- Não diga tolices, Gregory Clifton. Quando entraste em contato com Mantus, o Senhor do
Abismo Sombrio, há cindo décadas, prometestes dar a ele o controle de um portal para Árcadia,
o plano dos seres Feéricos. Em troca Mantus prometeu-te auxílio para te tornares o vampiro
mais poderoso de toda a região e, quiçá, de todo o país. Dize-me: Mantus, alguma vez,
descumpriu com o contrato?
- N-não, meu senhor. – a voz de Gregory denotava medo e reverência.

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- Então, porque vens até Mantus para dizeres que algo pode atrapalhar seus planos? Não
disseste tu que esses mesmos planos estavam correndo a contento? Acaso mentiste, criança das
trevas?
- Não, meu senhor! Jamais ousaria sequer pensar em faltar-te com a verdade. Sei de teu
poder e tua sabedoria e sou-te fiel, assim como o sou ao nosso contrato. – enquanto falava,
Gregory não ousava erguer os olhos para a assustadora figura.
- E és sábio de não fazê-lo, vampiro. Viveste a vida de 5 mortais, mas isso para Mantus soa
como nada, pois Mantus já viveu 20 vezes a tua vida, e nunca deixou sem retribuição aqueles
que lho ousaram trair!
- Meu senhor! Sei bem do contrato que temos, e jamais ousaria rompe-lo. Nem é meu
desejo fazê-lo. Teu arauto eu sou no plano material e guardião, em teu nome, do portal para
Arcádia. No dia do Apocalipse, quando os céus e infernos entrarem em confronto, este portal
será teu caminho para tomar Paradísia, o reino dos deuses, e tornares-te, tu mesmo, um deus!
Até lá, tudo o que farei, de bom grado, é servir-te e fazer valer nesse mundo dos mortais, tua
vontade incontestável.
A tonitruante voz pareceu abrandar um pouco, ante tais declarações.
- Então dize-me, Gregory Clifton, o que achas que pode, por ventura, atrapalhar os planos
de Mantus para tomar Paradísia?
- Meu senhor. – Gregory ergueu os olhos para o espelho,enquanto falava. – Acaba de
chegar ao meu conhecimento que dorme, sob o solo de Paradise Hills, uma vampira ainda mais
antiga e poderosa do que o sou hoje, meu senhor. – e baixou novamente os olhos.
Clifton achou que a entidade iria se encher de fúria, e que a pequena sala secreta
ribombaria com a voz tenebrosa do ser enraivecido. Entretanto, a voz que o vampiro ouviu não
denotava sentimento algum.
- E, porventura, oh criança das trevas, se é verdade que tal ser dorme bem abaixo de vosso
nariz, não deveria tu já estar a par de sua existência?
Gregory ergueu os olhos. Tinha firme convicção do que ia dizer, e esperava que fosse o
suficiente para redimir-se perante a entidade.
- Esse ser ao qual me refiro é uma vampira antiga, meu senhor. Tem centenas de anos de
idade e não se encontra em atividade no momento. Mesmo seu servo mais poderoso é apenas
um humano que se disfarça como um empresário e evita chamar atenção das criaturas
sobrenaturais. A vampira é uma Asimani de nome Maijani, e parece não ter interesse no que
acontece no mundo dos mortais hoje em dia. Entretanto, não posso imaginar o que ela quererá
quando o dia do juízo final chegar.
O rosto no espelho pareceu pensativo por um momento, até começar a falar novamente.
- E quantos anos de idade teria tal ser?
- Quatrocentos e cinquenta anos, meu senhor. – Gregory respondeu.
- Há! – a risada de Mantus enchia a sala e fazia as paredes tremerem. – Não passa de outra
criança das trevas! Apenas um pouco mais velha que tu e, certamente, apenas um suspiro no
tempo se comparada ao Senhor do Abismo Sombrio! Não incomodeis Mantus com frívolas
questões como essa, Gregory Clifton.

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- Nunca, meu senhor. – Clifton tentava parecer humilde, o que, para sua natureza
arrogante, era um esforço hercúleo. – Jamais tomaria teu precioso tempo com questões frívolas.
Mas... Maijani é uma Asimani e, como tal, possui poderes mágicos, meu senhor. – e ergueu os
olhos novamente para o espelho, com uma expressão de seriedade.
Ambos sabiam que um mago retira seus poderes de planos exteriores para poderem
realizar suas magias. Alguns magos aprendem a drenar a energia mística de portais como o
Portal para Arcádia, para aumentar seu poder e Gregory tinha certeza de que, mais de uma vez,
os licantropos já haviam enfrentado magos que desejavam esse poder para si. Se maijani
despertasse e se mostrasse uma maga desse tipo, poderia desenvolver interesse pelo portal. E
tentar tomar o controle do mesmo.
Os olhos da figura sinistra do espelho se apertaram, como se a entidade finalmente
compreendesse algo.
- Pois bem, strigoi! Tens minha atenção! Acaso temes que teu pequeno império seja
ameaçado por essa criatura? O que deseja que Mantus faça por ti?
- Como disse antes, meu senhor, sou apenas teu servo e guardião de teu império. Maijani é
uma predadora de seres de nossa raça. Se ela desejar tomar o portal, tomará, certamente, nossas
vidas também. E, consequentemente, tua passagem de entrada para Paradísia junto, meu
senhor. – Gregory disse isso e baixou os olhos em uma reverência, mas em seu íntimo se
rejubilava. Tinha certeza que a última frase despertaria o interesse da criatura do espelho.
- Isso jamais!!! – e a voz retumbante de Mantus reverberou novamente na sala. – Mantus
jamais irá permitir que alguém ouse se interpor entre ele e seus objetivos. Tu disseste que essa
vampira não está em atividade, não foi? – e, ante a confirmação de Gregory, continuou. – Isso
quer dizer que sua consciência se encontra em Sonhar. Pois bem! Meus servos irão entrar em
contato com ela em breve. Irei saber quais são seus verdadeiros interesses e se ela realmente
oferece algum risco aos planos de Mantus e seus servos.
- Quanto a ti, Gregory Clifton – Mantus continuou, imperativo. – cuides de todos os passos
dos servos da Asimani! Se temes o poder dessa vampira, saiba que o poder de teu mestre é
infinitamente maior! Assim diz Mantus!
E, após essa demonstração de arrogância, o rosto do espelho começou lentamente a
desaparecer em meio à escuridão.
- Como desejar, meu senhor. – Gregory disse, fazendo uma reverência, enquanto o espelho
voltava ao normal e as luzes da sala voltavam a brilhar normalmente.
Quando se viu sozinho novamente na sala, Gregory esboçou um sorriso pra si mesmo.
Havia conseguido chamar a atenção do ancestral demônio Mantus, uma entidade poderosa que
habita o Inferno e tem mais de 6000 anos. Com certeza, Maijani e seu arrogante carniçal não
contavam com isso.
Sorrindo para o espelho, Gregory levantou a taça de sangue, como se propusesse um
brinde a si mesmo e murmurou, antes de beber um gole do líquido:
- Cheque mate, Finnegan Tinsley!

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