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Ecumenismo
Ecumenismo
Resumo. Este artigo aborda a origem do Ecumenismo e sua relevância para as Igrejas Cristãs. O
objetivo é apresentar de maneira sucinta as questões que marcam a discussão ecumênica atual e apontar
o Macroecumenismo como estratégia eclesial para uma convivência e diálogo ético entre as religiões. A
relevância de tal tema dá-se no preocupante fortalecimento de posições fundamentalistas nas diferentes
religiões mundiais.
Abstract. This article approaches the origin of the Ecumenism and its relevance for the Christian Churches. The objective
is to present in way succinct the questions that mark the current ecumenical quarrel and to point the Macroecumenismo as
ecclesial strategy with respect to a connivance and ethical dialogue between the religions. The relevance of such subject is given
in the preoccupying strengthening of fundamentalist positions in the different world-wide religions.
Origens. O termo ecumenismo (oikoumene) tem raiz grega. Pode significar casa, estirpe, povo (oikos),
habitar, coabitar (oikeiv), “terra habitada”. Era utilizado na Antiguidade para referir-se ao aspecto
geográfico e cultural de uma região. Assim, na acepção política, poder-se-ia traduzir por mundo
1
civilizado, por isso foi designativo da pax romana.1 A palavra foi introduzida na Igreja Cristã oficialmente
quando o Concílio de Constantinopla (381) designou o Concílio de Nicéia (325) como Concílio
Ecumênico. Dessa forma, o termo passou a ser atribuído “às doutrinas e aos usos eclesiásticos aceitos como
normas autoritativas e universais em toda a Igreja Católica”.2 Somente no século XIX o termo foi usado para
expressar a idéia de “reconciliação entre as comunidades eclesiais divididas”. Durante a primeira reunião
da Aliança Evangélica, realizada em Londres, em 1846, o pastor calvinista francês Adolphe Monod
utilizou a palavra ao se dirigir aos organizadores britânicos do evento. Estes teriam organizado o
encontro com “espírito verdadeiramente ecumênico”. A partir desse momento, ecumenismo é compreendido
como uma atitude de disposição ao diálogo entre as denominações cristãs.
No século XX esse novo entendimento foi amplamente utilizado pelos movimentos Fé e Constituição
e Vida e Ação3, no intuito de manter em boas relações as Igrejas divididas na Europa, para poderem
cooperar pela paz no pós-guerra. Tem-se, então, que o primeiro movimento organizado surgiu no
âmbito das igrejas protestantes e evangélicas. Somente nos anos 60, no Papado de João XXIII, a Igreja
Católica entra de maneira mais organizada no movimento ecumênico. Criou-se o Secretariado Romano
para Unidade dos Cristãos que depois mudou seu nome para Conselho Pontifício para a Promoção da
Unidade.4 A Igreja Católica manteria, através do Conselho, diálogo com as seguintes Igrejas e
organizações:
Igrejas Ortodoxas (Bizantina e Orientais)
Comunhão Anglicana
Federação Luterana Mundial
Aliança Reformada Mundial
Conselho Metodista Mundial
Pentecostais: Discípulos de Cristo
Algumas igrejas da Aliança Batista Mundial
Conselho Ecumênico das Igrejas
Divergências teológicas. No que diz respeito às discussões sobre doutrina e teologia, nos pontos
divergentes entre as igrejas, o objetivo do movimento ecumênico seria manter duas perspectivas.
Segundo John Bosch5 o movimento ecumênico preocupa-se com a unidade e a verdade. A respeito da
1
Referência em Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo, pp. 213-218. Editora Paulus, São Paulo, 1999.
2
Op. cit., p. 214.
3
O movimento Fé e Constituição (Faith and Order) tinha caráter doutrinal, voltado para pregação evangélica. Já o
movimento Vida e Ação (Life and Work) foi criado para auxiliar a sociedade destruída no pós-Primeira Guerra Mundial,
dando exemplos de vida cristã.
4
Op. cit., p. 215.
5
Op. cit, p. 216.
2
unidade, a Igreja apresentar-se-ia como Una, Santa, Católica (no sentido de universal), Apostólica, ligada
à experiência da Igreja primitiva. Nesse ponto, a dimensão teológica de comunhão (koinonia) seria
valorizada levando em consideração a relação entre Deus Pai, Filho e Espírito Santo. As igrejas católica
e protestante teriam diferentes modelos eclesiais, mas expressariam essa mesma unidade primordial da
Igreja de Cristo. Por outro lado, os membros do movimento ecumênico preocupar-se-iam em manter a
“verdade da revelação preservada na Igreja”. Assim, somente haveria “unidade na verdade” revelada. Tal
verdade diria respeito ao papel de Jesus de Nazaré como “encarnação” da divindade e portador da
Salvação para toda a humanidade. Para Bosch, “o preço da unidade tem um nome, a verdade. Por isso, o problema
do ecumenismo é, definitivamente, o da verdade. Trata-se de precisar, no ecumenismo, em primeiro lugar, os limites do que
se considera núcleo central da fé – como tal irrenunciável – e a construção doutrinal na qual a fé aparece revestida.
Deslindar esses limites é parte do problema ecumênico”.6 Ou seja, separar o que seria fundamental do
cristianismo da roupagem teológica desenvolvida ao longo da história das igrejas. Sabe-se que tal debate
encontra-se interligado às funções políticas que as diferentes denominações religiosas vão assumindo ao
longo do tempo. Muitas vezes as explicações teológicas ou dogmas surgiam para controle dos fiéis.
Exemplo conhecido é o caso do purgatório. Teorizado pelo Papa Gregório I em 593 como um local de
purificação para as almas antes de se encontrarem “face a face com Deus”. Foi aprovado como doutrina
no Concílio de Florença em 1439 e somente foi confirmado no Concílio de Trento em 1563. Como se
baseava em texto bíblico do livro dos Macabeus foi rejeitado pela Reforma Protestante, que considera o
texto apócrifo. O pagamento de indulgências, ponto crítico na discordância entre católicos e
protestantes, tinha na doutrina do purgatório um elemento complicador. Podia-se, através de
pagamento, tirar a alma de algum parente do purgatório. As discordâncias entre predestinação e livre
arbítrio, por outro lado, foram cruciais na divisão entre Calvinistas e Católicos Romanos no século XVI.
Já não são cruciais essas divergências. Outros temas somam-se ao debate. Atualmente, discutem-se
como mais importantes para uma futura unidade: 1) o conceito de Igreja no que diz respeito ao seu
papel eclesiológico, ministerial; como expressão universal da unidade e, mais particularmente, o
ministério de Pedro, ou seja, a importância dada pela tradição católica à comunidade em Roma; 2) o
papel de Maria na Salvação, que expressa outra discussão importante nas igrejas, qual seja, o papel das
mulheres na estrutura hierárquica. A Igreja Anglicana há pouco tempo ordenou a primeira mulher
sacerdotisa, o que causou problemas no diálogo ecumênico com os católicos. 3) as diferentes maneiras
de experienciar a Eucaristia, como ritual e como fundamento (sacramento ou sinal) para a relação com o
Cristo. Tais temas, aparentemente, são próprios dos teólogos e hierarquia eclesiástica, distantes das
preocupações dos fiéis. Interessante lembrar que a unidade buscada pelas igrejas é lembrada sempre
como “dom do Espírito”. Só ocorreria, de fato, com a intervenção divina. O trabalho dos homens e
6
Idem.
3
mulheres de fé seria diminuir as distâncias entre as igrejas e procurar encontrar caminhos pacíficos para
solucionar as diferenças.
A crítica advinda de teólogos e especialistas ao Ecumenismo oficial – aquele organizado pelos
dirigentes das igrejas – é ser este eurocêntrico. Centrado no Ocidente e tendo um olhar superior para as
demais religiões, colocar-se-ia sempre no alto de um pedestal, como portador da “única verdade
religiosa”. Outro problema seria identificar as pequenas igrejas independentes nas periferias do mundo
como proselitistas e fundamentalistas, designando-as como seitas. Como também o avanço dos
chamados “novos movimentos religiosos”, como os Neo-pagãos (Nova Era) e, no caso específico do
Brasil, a tomada de contato das classes médias com as religiões Afro-brasileiras. Concorrem, de fato,
com as igrejas históricas, principalmente nos centros urbanos e ampliam sua presença nas pequenas
cidades. Põe-se, assim, o contraponto ao movimento ecumênico que mais desafia a sua capacidade de
articulação, o pluralismo religioso. Tendo em vista tal problema, começou a ser discutida nos anos 90 do
século XX a ampliação do ecumenismo para um macroecumenismo que fosse capaz de lidar com a
maior aproximação entre as diferentes religiões e os embates culturais surgidos desse encontro.
7
Marcelo BARROS – A reconciliação de quem nunca se separou. Pluralismo cultural e religioso: Eixo da Teologia da
Libertação, p. 5. Disponível em RELAT (R evista Eletrônica Latinoameric ana de Teologia),
http://servicioskoinonia.org/relat. Data de acesso, 10/08/2003.
4
relações diplomáticas entre as cúpulas das religiões consideradas “nobres” pelos preconceitos ocidentais de sempre. O macro-
ecumenismo, mais do que simples diálogo, propõe um caminho de unidade no serviço e no testemunho da solidariedade em
defesa dos povos oprimidos”.8
Tem-se, assim, que o discurso do macroecumenismo está profundamente ligado às Teologias da
Libertação – latino-americana, africana e asiática – e também a um outra linha teológica a ela afiliada, a
Teologia do Pluralismo Religioso. Esta última foi desenvolvid a por teólogos europeus e norte-
americanos que viveram em países de África e Ásia. Paul F. Knitter, em artigo de 1987, afirmava: “Entre
os muitos ‘sinais dos tempos’ que falam hoje às religiões, há dois que apresentam aos cristãos, exigências particularmente
urgentes: a experiência dos muitos pobres e a experiência das muitas religiões”.9 Percebe-se que a preocupação dos
teólogos em torno dos temas do pluralismo religioso e cultural, no que diz respeito às teorias
desenvolvidas no âmbito das periferias, encontram proximidade nos problemas impostos pela miséria e
empobrecimento material das populações. Internamente, as instituições religiosas tradicionais
encontraram grandes desafios impostos pelo processo de urbanização crescente, grande desemprego
gerado pela crise dos sistemas econômicos, aumento da violência e aparecimento dos novos
movimentos religiosos que oferecem às massas maneiras mais rápidas de salvação espiritual e ascensão
material.
Em âmbito mundial as agressões aos países árabes pelas potências ocidentais colocaram
novamente nas mídias a velha discussão em torno da dicotomia entre Cristianismo e Islamismo. Depois
de 2001 – com o ataque aos EUA – foram apresentados nos meios de comunicação do ocidente,
constantemente, reportagens que intensificavam a percepção da religião islâmica como fundamentalista.
Deu-se, assim, o contraponto entre ocidente-moderno-cristão e oriente-bárbaro-muçulmano. Tal
concepção serviu para aumentar os preconceitos e desconfianças entre as duas culturas. Ocasionou mais
episódios de ódio cultural e religioso. O movimento ecumênico foi chamado para auxiliar no diálogo
entre as partes. No entanto, um retrocesso foi marcado no último mês de setembro deste ano, quando o
Papa Bento XVI fez um infeliz pronunciamento a respeito do Islamismo.
É interessante pontuar que o atual pontífice já polemizava em torno do diálogo inter-religioso há
alguns anos. Em 2000, a Congregação para Doutrina da Fé, cujo prefeito era o então Cardeal Joseph
Ratzinger (hoje Bento XVI) lançou o documento Dominus Iesus a respeito da missão da Igreja romana no
mundo como “única” mediadora salvífica. Apesar de identificar, nas outras tradições religiosas, “partes
da Verdade”, somente o Cristianismo Católico Romano seria seu portador e a verdadeira Igreja de
Cristo. Tais afirmações iam em direção oposta àquela buscada pelo Movimento Ecumênico. Muito foi
escrito sobre este documento, principalmente, entre os teólogos da libertação que sofreram críticas na
8
Idem.
9
Paul F. KNITTER – Hacia una Teologia de la Liberación de las religiones, p. 1. Disponível em RELAT (Revista
Eletrônica Latinoamericana de Teologia), http://servicioskoinonia.org/relat . Data de acesso, 09/08/2003.
5
figura de seu representante mais conhecido, Leonardo Boff. Elas significavam, de maneira indireta, uma
negação do método teológico desenvolvido na América Latina e utilizado em outros continentes. Boff
escreveu uma resposta onde discute a leitura que Ratzinger faz dos documentos oficiais da Igreja
Católica, com ênfase naqueles produzidos durante o Concílio Vaticano II (1962-1965), momento em
que a Igreja procurava se abrir às discussões da modernidade. “A concentração da Igreja Católica não pode ser
tanta que exaura e extenua em si mesma as virtualidades da Igreja de Cristo”.10 Nesse sentido, tem-se que a fala de
Bento XVI sobre o Islã é uma extensão da percepção de parte da hierarquia vaticana que mantém um
olhar centralizador a respeito das demais religiões e culturas no mundo. O que colocaria em risco a
manutenção de um diálogo inter-religioso no mesmo pé de igualdade entre seus participantes.
Esse tema, como afirmado anteriormente, é bastante amplo. Colocado por alguns teólogos como
um dos problemas fundamentais da teologia e do pensamento religioso atual. Andrés Torres Queiruga,
por exemplo, vê esse movimento de encontro entre as diferentes religiões e culturas como “mais que um
componente dentro de um processo global que afeta a marcha do mundo em seu conjunto”.11 Para ele, desde os
“descobrimentos”, rompeu-se a visão “ingênua” da cultura européia que se via “idêntica com o mundo”.
Onde, “a ecumene era o planeta; e o Mediterrâneo seu centro”. Porém, com as mudanças postas nas últimas
décadas, o “etnocentrismo cultural e exclusivismo religioso” não se sustentariam mais. No entanto, a
dominação econômica global impõe uma série de restrições à existência de maneiras tradicionais de vida.
Há ainda muita luta pela manutenção das identidades culturais, incluem-se nelas as religiões dos povos
“ex-colonizados”.
10
Leonardo BOFF – Quem subverte o Concílio? Resposta ao Card. J. Ratzinger a propósito da Dominus Iesus.
Disponível em RELAT (Revista Eletrônica Latinoamericana de Teologia), http://servicioskoinonia.org/relat. Data de
acesso, 05/03/2002.
11
Andrés Torres QUEIRUGA – El diálogo de las religiones entre la teologia y la teopraxis. Disponível em RELAT
(Revista Eletrônica Latinoamericana de Teologia), http://servicioskoinonia.org/relat. Data de acesso, 10/09/2006.
6
Referências Bibliográficas
BARROS, Marcelo. A crise mundial da Água e a Espiritualidade Ecumênica. Ed. CEBI-Rede, s.d.
DICIONÁRIO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS DO CRISTIANISMO. São Paulo: Editora
Paulus, 1999.
TEIXEIRA, Faustino. Diálogo de Pássaros: nos caminhos do diálogo inter-religioso. São Paulo: Ed. Paulinas,
1993.