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Sinalizando a
Adolescência: Narrativas
de Adolescentes Surdos
Abstract: This study aims at understanding the meanings attributed to adolescence and to life
experiences in the context of deafness, analyzing deaf adolescents’ narratives. Narrative interviews
were made with three deaf adolescents whose parents are hearing, fluent users of Brazilian Sign
Language, who have attended an elementary special school for the deaf. The interviews were
made in sign language by a deaf mediator in a room with a one-way mirror, with simultaneous
translation made by an interpreter. Data were analyzed using Ricoeur’s hermeneutics and
discussed with contributions from psychology and psychoanalysis. Results indicate that many
conflicts experienced by the deaf adolescents are similar to those experienced by the hearing
adolescents. Specificities regarding deafness refer to reevaluations of the decisions made by their
parents and to levels of dependence from hearing people. Differences among teenagers and their
family contexts could also be noticed regarding communication, emotional development and
participation in the deaf community.
Keywords: Deaf adolescents. Identity. Deafness. Narratives.
Considerando essas questões, este trabalho Ariès (1981) afirma que o surgimento da
tem por objetivo compreender os significados adolescência como categoria geracional
que três adolescentes surdos filhos de pais distinta se relaciona com o estabelecimento
ouvintes atribuem à surdez e à adolescência, de uma relação entre as idades e as classes
partindo de um estudo de narrativas escolares. Na Idade Média, quando a criança
autobiográficas na perspectiva da análise ingressava no mundo da escola, entrava
hermenêutica de Paul Ricoeur. imediatamente na vida dos adultos. As escolas
medievais, pequenas salas de aula, não eram
Adolescência divididas em classes, sendo freqüentadas por
crianças, jovens e adultos de diversas idades.
À primeira vista, a adolescência apresenta- Ainda no século XVI e até mesmo no século
se como um processo que se dá no âmbito XVII, a relação direta entre idade e classe
corporal, vinculado às mudanças biológicas escolar não era clara. O estabelecimento
e fisiológicas. O corpo adquire um estado e dessa relação passou a se constituir tardia e
capacidades diferentes da infância, o que progressivamente com o advento do colégio
possibilita um novo estatuto cognitivo, físico
moderno que, baseado em regras rígidas,
e sexual. Esse corpo que se transforma passa
torna-se uma instituição complexa de
a congregar novas e distintas possibilidades,
ensino e vigilância. A própria distinção entre
distanciando o adolescente da condição
juventude e adolescência só passou a existir
infantil de outrora. Denomina-se puberdade
no século XIX, com a difusão burguesa das
esse conjunto de transformações esperadas no
universidades. O afastamento desse ingresso
desenvolvimento biológico do ser humano.
precoce das crianças no mundo adulto, ou
Aos 12 ou 13 anos, por exemplo, a puberdade
seja, a propagação de colégios e a entrada
caracteriza-se por um rápido aumento da
tardia no mercado de trabalho, tornou a
massa corporal, pelo crescimento de pêlos
adolescência um período de latência social. A
pubianos, pelo desenvolvimento dos seios
partir do reconhecimento da adolescência pela
nas meninas e pela evolução do pênis nos
educação, ela passa também a ser estudada
meninos. A puberdade constitui um processo
pela ciência e certificada pelo Estado:
universal, na medida em que se apresenta
no desenvolvimento esperado das pessoas A adolescência, portanto, é uma categoria
em geral. moderna e que teve seu reconhecimento
principalmente quando a educação formal,
que é um dos principais projetos da
No entanto, essas mudanças não esgotam
modernidade, ficou sob o jugo e controle do
o desenvolvimento do adolescente, pois Estado. As crianças e adolescentes, a partir
esse período passa a comportar outras desse momento, teriam o dever e o direito
significações importantes que lhe são de ficar nas escolas. A escolarização, como
conseqüência, estabeleceu um processo
atribuídas, implicando tarefas de construção
de separação entre seres adultos e seres em
de diferentes papéis, idéias e atitudes formação... (Magro, 2002, p. 65)
(Martins, Trindade, & Almeida, 2003). Se a
puberdade se caracteriza por ser universal, Logo, a retirada das crianças do mundo
a adolescência não constitui uma categoria do trabalho torna os adolescentes um
natural, já que as múltiplas significações grupo etário delimitado, que vive uma fase
que expressam o que é ser adolescente são em que o indivíduo não possui ainda as
produzidas e transformadas em determinado responsabilidades dos adultos, sendo tutelado
contexto cultural. pelos pais e/ou Estado e com o direito e o
dever de ficar nas escolas. A educação foi um realidades sociais e de marcas que serão
fundamento histórico para o ordenamento do referências para a constituição dos sujeitos”
mundo moderno: os adolescentes e crianças (Ozella, 2002, p. 21).
tornam-se seres em formação, e os adultos
passam a representar a ordem já estabelecida Considerar as condições socioculturais que
(Magro, 2002). Os adultos produtivos têm possibilitaram a construção da adolescência faz
o papel de transmitir essa ordem às novas com que não se incorra no erro de tornar essa
gerações. Os adolescentes, como seres em categoria um princípio explicativo inequívoco
formação, estão à margem da sociedade que agencia determinados comportamentos.
produtiva e dos meios de produção, ao Essa compreensão da adolescência não
mesmo tempo em que são depositários das implica negá-la, mas compreendê-la como
esperanças dos adultos. Isso reforça a noção construída a partir das significações dadas pelo
de que o adolescente ainda não alcançou social que têm importantes desdobramentos
uma competência crítica, social e política, sobre aquele que adolesce. Por isso, o objetivo
e cria a necessidade de uma pedagogia do deste trabalho não é classificar ou encerrar
controle. Então, o lugar social destinado as questões sobre o que é um adolescente
surdo, mas, antes, conhecer outros possíveis
pela sociedade moderna ao adolescente
A adolescência significados que esses adolescentes constroem
pode ser caracteriza-se pela ambigüidade de um ideal
acerca de suas vivências no contexto da
compreendida e algo a ser modelado e adaptado (Magro,
como uma surdez.
2002; Ozella, 2002).
construção
social inventada,
enquanto a Blöss e Ferroni (1991) afirmam que a referência
Portanto, as definições do que é ser adolescente
sociedade explícita ou implícita de uma definição
distingue, dá foram construídas, ao passo que a sociedade
biológica ou psicológica da juventude conduz
significado e interpretou e reinterpreta constantemente
interpreta as a imputar uma “natureza jovem” em práticas
marcas do corpo
as marcas características da puberdade.
que são socialmente determinadas, ocultando
que envelhece. Conforme Ozella (2002), as marcas do corpo
Ao dar significado as diferenças culturais. Muitas vezes, presume-
e as possibilidades na relação com os adultos
a essas marcas, a se uma definição rígida sobre a categoria
sociedade passa a vão sendo utilizadas para a construção
“jovem” que é creditada pela idade, ou seja,
criar expectativas de significações. A adolescência pode ser
sobre os indivíduos presume-se a existência de uma natureza
que se enquadram compreendida como uma construção social
idêntica compartilhada por todos os jovens
nesse período inventada, enquanto a sociedade distingue, e o próprio substantivo “jovem” pressupõe
em que a idade
dá significado e interpreta as marcas do corpo a unidade dessa essência. A adolescência
funciona como
operador. que envelhece. Ao dar significado a essas como categoria geracional remete à idade
marcas, a sociedade passa a criar expectativas como operador de categorização, muitas
sobre os indivíduos que se enquadram nesse vezes instituído como princípio explicativo
período em que a idade funciona como dos comportamentos juvenis. Espera-se certos
operador. Os significados atribuídos ao que comportamentos de um adolescente de 14
é um adolescente expressam e compõem anos que não são socialmente admitidos
o conceito de adolescência como uma aos 20. No entanto, agrupar diferentes
categoria geracional que, por sua vez, passa a adolescentes em uma mesma categoria cujo
funcionar como operador dessas significações. principal índice seja a idade pode implicar o
“Quando definimos a adolescência como isto erro de formar conjuntos de adolescentes em
ou aquilo, estamos constituindo significações que a única característica semelhante seja a
(interpretando a realidade), a partir de idade, e não suas tarefas e realidades.
função nessa construção, pois permitem criando uma totalidade significante. Logo, a
relações nas quais o adolescente surdo não narrativa constitui meio privilegiado para a
será marcado pela falta e pela deficiência, compreensão de si de um sujeito, já que é
como acontece, implícita ou explicitamente, ele quem dá sentido à sua identidade pessoal
com os ouvintes. Então, o adolescente ao contar uma história sobre sua própria vida.
surdo filho de pais ouvintes precisa fazer Essa identidade não é estável e sem falhas.
uma negociação identitária entre a cultura Da mesma forma que é possível compor de
ouvinte – de seus pais e da sociedade mais várias formas os acontecimentos vivenciados,
ampla – e a comunidade surda (Solé, 1998; também é possível configurar a própria vida
Virole, 2005). de formas opostas, o que torna a narrativa
biográfica um campo de renegociação e
Crianças surdas, que não compartilham de reinvenção identitária. Por isso, a identidade
um sólido sistema lingüístico, sofrem a falta é compreendida como identidade narrativa.
de habilidades necessárias para a construção
identitária em um contexto familiar ou social As narrativas podem relatar acontecimentos
(Glickman, 1996). Pelo fato de possibilitar que abarcam amplos períodos de tempo ou
a comunicação familiar, a língua de sinais podem ser breves, pontuais. Gergen (1996)
pode tornar-se um elemento fundamental utiliza as palavras “macro” e “micro” para se
desde a infância. Além de permitir à criança referir a perspectivas temporais diferentes. As
surda uma forma espontânea e natural de macronarrativas referem-se a acontecimentos
comunicação, na adolescência, a língua que abarcam períodos amplos, cuja intriga é
de sinais constitui um elemento identitário a tentativa de dar conta do que fomos em
importante. A invenção de um jeito surdo de determinado período. As micronarrativas, por
ser, viabilizado a partir do reconhecimento sua vez, explanam acontecimentos de breve
da língua de sinais, inaugura para o surdo duração. A possibilidade de acontecimentos
serem narrados em perspectivas temporais
a possibilidade de compreender-se a partir
diferentes permite que narrativas que abarcam
Uma pessoa de uma diferença lingüística e cultural, mais
pode ver sua vida amplos períodos de tempo (macronarrativas)
do que a partir da deficiência. A língua de
como parte de possam conter outras narrativas que tratam de
um movimento sinais possibilita práticas sociais que tornam
histórico que pequenos episódios (micronarrativas):
seus membros participantes de um grupo
começou há
séculos, ou em sociolingüístico e permite a interação e o
Uma pessoa pode ver sua vida como parte
seu nascimento, compartilhamento de significados. Isso tem de um movimento histórico que começou
ou no início da
um efeito na construção identitária do surdo, há séculos, ou em seu nascimento, ou no
adolescência.
Podemos fazer pois permite que ele se sinta membro de uma início da adolescência. Podemos fazer uso
uso dos termos dos termos “macro” e “micro” para nos
cultura diferente e tenha a comunidade surda
“macro” e “micro” referirmos aos fins hipotéticos ou idealizados
para nos referirmos como um dos principais referenciais. do contínuo temporal. (Gergen, 1996, p.
aos fins hipotéticos 251)
ou idealizados do
contínuo temporal. Identidade narrativa
(Gergen, 1996, p. Narrar a própria história também implica o
251)
Na perspectiva da análise hermenêutica de encontro entre a vida íntima do narrador e
Ricoeur (1994), a narrativa é compreendida sua inscrição numa história cultural e social.
como uma estrutura de linguagem tecida Assim, a análise das narrativas permite
pela configuração singular do narrador, que investigar tanto a dimensão singular do sujeito
liga os eventos através da temporalidade, narrador quanto o espaço social, histórico e
discursivo em que este está inserido. Por fim, pela Federação Nacional de Educação e
a narrativa se torna uma ferramenta possível Integração dos Surdos (FENEIS). A tradução
para compreendermos as construções foi gravada em fita cassete e transcrita com
que o adolescente surdo faz sobre si e sua o devido consentimento dos responsáveis
família e para identificarmos suas referências e o assentimento dos adolescentes. O
identitárias. tempo de duração de cada entrevista foi de
aproximadamente uma hora.
Metodologia
Considerou-se unidade de análise a narrativa
Utilizou- se o estudo de caso como de cada adolescente acessada através da
ferramenta de investigação empírica que tradução. A proposta metodológica utilizada
visa à compreensão do fenômeno em nesse trabalho está baseada em um estudo
profundidade, apropriado para fontes anterior realizado por Bisol (2007). A autora
de evidência múltiplas situadas em um
analisa pequenas narrativas autobiográficas
conjunto contemporâneo de acontecimentos
escritas por adolescentes utilizando a
sobre o qual o pesquisador tem pouco ou
hermenêutica de Ricoeur, com foco na
nenhum controle (Yin, 2001). O mesmo se
questão da identidade narrativa. No presente
estende ao estudo de casos múltiplos, que se
trabalho, a análise foi realizada em quatro
assemelham a experimentos múltiplos, visto
etapas: a) identificação e organização das
que se procura buscar padrões diferentes de
informações socio-demográficas; b) seleção
replicações teóricas.
e análise detalhada de pequenas narrativas
(micronarrativas); c) análise das entrevistas em
Foram desenvolvidas entrevistas narrativas
seu todo (macronarrativas), e d) comparação
autobiográficas com três adolescentes surdos
com os resultados de entrevistas realizadas
filhos de pais ouvintes, que possuem perda
com os pais dos adolescentes (Pappini, Bisol,
auditiva pré-lingual, entre severa e profunda,
& Valentini, 2006).
sinalizadores fluentes de Língua Brasileira de
Sinais (Libras), que freqüentavam a 6ª e a 7ª
séries do ensino fundamental de uma escola Três micronarrativas de cada caso foram
especial para surdos que segue uma proposta selecionadas e analisadas, sendo uma
de educação bilingüe. Segundo Jovchelovitch referente à infância e as outras duas referentes
e Bauer (2002), a entrevista narrativa é à adolescência. Como a análise de narrativas
classificada como um método de pesquisa pode enfocar diferentes níveis, enfatizou-se
qualitativa e não estruturada, que visa a primeiramente o nível pessoal de análise.
encorajar o entrevistado a contar histórias O nível pessoal considera as narrativas
sobre algum acontecimento importante como expressão da vida do narrador, cujo
de sua vida e do seu contexto social. As objetivo é descrever como os indivíduos
entrevistas foram realizadas em Libras, por organizam suas percepções, avaliam seu
uma moderadora surda, em uma sala de contexto social e seu comportamento dentro
espelho one way, na Universidade de Caxias desse ambiente (Murray, 2000). Foram
do Sul (UCS), com tradução simultânea detalhadamente analisados: ação, tempo,
realizada por uma intérprete credenciada espaço e personagens.
A Tabela 1 permite visualizar uma série mais específica de questões originada dos eixos de
análise do nível pessoal (análise das micronarrativas) e as relações enfatizadas no nível social ou
ideológico (análise das macronarrativas).
Os três casos analisados são apresentados a seguir através de tabelas que enfatizam os elementos
investigados nas micronarrativas. Na discussão que se segue à apresentação dos casos,
complementa-se a análise com considerações acerca da análise das macronarrativas. Os casos
são apresentados com nomes fictícios. É importante ressaltar que os recortes das narrativas dos
surdos, apresentados para exemplificar os elementos analisados, são transcrições literais da
tradução feita pelo intérprete.
Tabela 2. Gabriel.
Temáticas das Brincadeiras com terra antes “Eu lembro que, no passado, quando eu tinha
micronarrativas do acometimento da surdez, dois anos, eu brincava sozinho com terra. Eu
sobre a infância adoecimento, diagnóstico era ouvinte (...) e minha mãe me chamava
da surdez, ingresso na escola, para tomar banho”.
episódio em que roubou dinheiro
da caixinha da igreja aos 10 anos, “Quando eu tinha 10 anos eu roubava
preguiça de estudar e travessuras dinheiro (...) junto com meu irmão (...) eles
na aula aos 11. colocavam moeda na caixinha, quando
não tinha ninguém na igreja, eu pegava e
ia embora; o padre um dia me pegou (...) e
avisou minha família”.
Personagens Pai, mãe, irmão mais velho, médico, “Minha mãe perguntava para o médico: ‘ele
fonoaudióloga, grupo de surdos, é doente mental, ele é doente?’. O médico
padre e amigos do bairro. disse: ‘não, ele é normal, é igual a gente, ele
não tem problema nenhum’”.
Temáticas das Dificuldade de arranjar emprego, “Com 16 anos, na Páscoa meus amigos me
micronarrativas falta de dinheiro, planos de fazer convidaram para ir ao bar tomar cerveja e
sobre a faculdade, prática de esportes, fumar cigarro. Eles me ofereceram, mas eu
adolescência planos de casar e ter filhos, dilema disse que não queria. Eu me lembro que meu
em namorar moças surdas ou pai ficou muito brabo comigo (...)”.
ouvintes, brigas dos pais, saudade
do irmão, mudança de cidade e de
escola aos 15 anos, viagens para a
praia, amigos surdos e ouvintes,
conselhos dos pais sobre beber
e namorar, amigos que fumam,
relação com o português escrito e
comunicação com o ouvinte.
Personagens Pais, irmão, família em extensão, “Meu pai sabe das coisas; ele tem medo
professoras, amigos surdos e que eu use drogas, que eu engravide uma
ouvintes, moças surdas e ouvintes. menina, vive dizendo que eu preciso ter
responsabilidade, para cuidar dessas coisas”.
Tabela 3. Ana.
Personagens Pais, irmão, médico, fonoaudióloga, “Eu tinha seis anos, o meu irmão nasceu.
prima, tia, professoras e vizinha (...) Ele foi crescendo, ele tinha um ano e
amiga. me incomodava muito. Eu não gostava do
meu irmão, ele era bebê e minha família foi
crescendo. (...) Era difícil eu ficava separada,
ele me incomodava, me arranhava, eu chorava
e chamava meu pai”.
Temáticas das Viagens, prática de esportes no “Gosto de basquete, ontem teve jogo.
micronarrativas colégio e os campeonatos, animais Perdemos. Foi bem difícil porque as outras
sobre a de estimação, vontade de ter eram grandes, tinham 12 anos, mas eram
adolescência mais liberdade, planos para o bem altas. (...) Eu fiquei admirada com a
próximo ano letivo, sonho de cursar altura delas. Era difícil, quando elas chegaram
Matemática. perto de mim para tentar pegar a bola, eu
não conseguia porque eram maiores que eu
(...)”.
Personagens Os pais, o irmão, os primos, o “Minha mãe tem um primo que é surdo e que
primo surdo, a vizinha, os amigos, não sinaliza nada. Ele usa oral, já tem 30 anos.
os avós, professor, os animais. A mãe falou que é difícil para ele conseguir
trabalho”.
Tabela 4. Marcos.
Temáticas das Nascimento, descoberta da surdez, “Com dois, três anos, eu não lembro. Mais ou
micronarrativas brigas na escola e brincadeira com menos com sete anos que eu consigo lembrar
sobre a infância primo. alguma coisa. (...) Eu nasci, fui crescendo,
minha mãe falava comigo e eu não ouvia, me
levou no médico e eu não escutava, eu era
surdo, eu usei aparelho”.
Personagens Mãe, primo, médico, pai, família, “Com 10 anos eu lembro que brigava, eu era
surdos, amigos. muito nervoso na aula, eu era brabo, brigava.
(...) Eles (colegas surdos) me provocavam, eu
ficava com raiva, não agüentava e ia para
cima deles”.
Temáticas das Vivências familiares, uso de cocaína, “Às vezes o grupo briga entre si, mandam
micronarrativas grupo de amigos ouvintes, brigas me chamar (...) eles me avisam, mandam
sobre a entre grupos de jovens, estudo, mensagem (...) eu fico na minha, fumo e tal, e
adolescência nascimento da irmã, conselhos fico por ali, eu sei que é perigoso se envolver
dos pais, trabalho, episódios com em briga que tem arma”.
a polícia, festas, hip hop, meninas
e planos para o futuro.
Personagens Pai, mãe, irmã, professora, amigos “O meu grupo é “mal”. “Mal”, meu grupo é
ouvintes, colegas surdos, primos, mal. Tem um grupo educado, às vezes vem
grupo de amigos ouvintes (grupo para cima da gente, até tem briga com arma
“mal”), grupos rivais, polícia. envolvida, às vezes é uma confusão”.
ações (Gergen, 1996). Essas ações se centram, na comunicação entre os membros da própria
em sua maioria, em fatos do passado e família e com outros ouvintes. Os familiares
do presente, permitindo, assim, sustentar que melhor se comunicam em Libras com
projeções no futuro. Essa estabilidade o membro surdo (nestes casos: a mãe ou
da identidade narrativa se manteve nas o irmão) tornam-se intérpretes do surdo
narrativas de Gabriel e Ana. Gabriel pretende dentro da própria família e na sociedade.
arrumar um emprego, fazer faculdade e casar, Mesmo assim, dificuldades de comunicação
enquanto Ana deseja cursar Matemática. são freqüentes. Gabriel afirma que, quando
Marcos, por ter pouco para contar sobre seu há brigas, ele fica sem saber o que está
passado e sua condição errante do presente, acontecendo até alguém traduzir. Quando os
lança-se para o futuro, onde centraliza suas pais discutiam, Gabriel acreditava que era ele
narrativas. Marcos quer trabalhar com aço, o motivo de tais desentendimentos.
trabalhar engravatado, guardar dinheiro,
comprar carro e moto, parar de usar drogas, Vários autores (Bisol, 2004; Brito & Dessen,
casar, ficar forte e musculoso, fazer um curso, 1999; Oliveira, Simionato, Negrelli, &
sair do País, ir para os Estados Unidos. Marcon, 2004; Wood & Virole, 2001;
Turnbull, 2004) afirmam que o nascimento
Os adolescentes pesquisados indicam a de uma criança surda em uma família ouvinte
mãe como a pessoa com quem melhor se pode ter impactos drásticos na vida familiar.
comunicam. Todas as mães freqüentaram Os adolescentes entrevistados também
aulas de Libras. Ana afirma que sua mãe apontam a descoberta da surdez e os seus
“sinaliza muito bem” (sic); já a mãe de desdobramentos como momentos de tensão
Gabriel é caracterizada como alguém que familiar e como marcos importantes em suas
assume um papel importante no cuidado vidas. O diagnóstico da surdez, nos três casos,
do filho, é ela quem descobre a surdez e, na surge como o primeiro momento de tensão
adolescência, é quem dá conselhos e auxilia entre ser surdo e ser ouvinte (macronarrativa,
na busca por emprego. Marcos informa que nível ideológico de análise). É o momento em
a mãe não se comunica bem em Libras, e o que os pais se perguntam se ser surdo é ser
pai se comunica oralmente e escreve. O pai doente mental, ser deficiente, ser normal ou
de Ana é o único que fez aulas de Libras, o anormal.
pai de Gabriel aparece como mantenedor da
casa, dá conselhos aos filhos e fica irritado Os encaminhamentos feitos pelos pais frente
quando desobedecido, sinaliza pouco, e, por ao diagnóstico, tais como o uso de aparelho,
vezes, escreve. No caso de Marcos, os pais o ingresso em uma escola especial e as sessões
escrevem e principalmente “falam” com ele, de fonoaudiologia, são reavaliados pelos
que, por sua vez, pronuncia algumas palavras. próprios adolescentes. Fazer novas escolhas
A comunicação familiar parece tratar-se de que muitas vezes podem vir a contrariar os pais
uma espécie de farsa, em que os pais fingem é um aspecto típico da adolescência. Nesse
que se comunicam com o filho, negando processo de repensar as escolhas familiares,
sua surdez, enquanto Marcos finge que há a possibilidade de os adolescentes surdos
compreende os pais, agindo como ouvinte. tomarem novos posicionamentos acerca
da sua surdez: Gabriel deseja casar-se com
As histórias de Gabriel e Ana também uma surda, Ana não quer mais usar aparelho
apontam a importância da figura dos irmãos e Marcos prefere estar na companhia de
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