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Realidade e Perspectivas do Terceiro Setor no Brasil*

I. Introdução

A definição do Terceiro Setor tem gerado muita controvérsia dentro e fora do


mundo acadêmico. Por questões práticas, isto é, tendo em vista a dimensão
econômica do setor, a definição tem hoje duas correntes predominantes que
procuram estabelecer as fronteiras entre o Terceiro Setor, o setor Privado e o
Estado.
A corrente europeia, identifica o Terceiro Setor com a economia social, que
engloba os setores de cooperativismo ( “onde se identifica a figura do
trabalhador com aquela do empresário”), do mutualismo ( “onde se identifica
o uso de serviços com a adesão à organização”) e do associativismo ( onde
predomina a forma livre de associação dos cidadãos). Segundo Jacques
Defourny (1999) a economia social compreende todas as organizações que por
questões éticos seguem os seguintes princípios: “1) de colocar a prestação de
serviços aos seus membros ou à comunidade acima da simples procura
por lucro; 2) de autonomia administrativa; 3) de um processo
democrático na tomada de decições e 4) a primazia das pessoas e do
trabalho sobre o capital na distribuição dos resultados de atividades.”
A linha de pensamento americana, identificada com o Center for Policy
Studies da Johns Hopkins University, define o Terceiro Setor como sendo
constituido de: a) organizações estruturadas; (b) localizadas fora do aparato
formal do Estado; (c) que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com
suas atividades entre os seus diretores ou entre um conjunto de acionistas; (d)
autogovernadas; (e) envolvendo indivíduos num significativo esforço
voluntário”.
Uma primeira grande diferença entre os dois enfoques é que a definição da
Johns Hopkins por excluir a distribuição de lucros entre seus diretores,
acionistas ou associados, não considera o sub-sistema das cooperativas e do
mutualismo, centrando o seu foco no associativismo. No caso do
associativismo o excedente econômico não pode ser apropriado por dirigentes
ou associados, devendo ser aplicado na atividade meio ou fim da organização.
Outra diferença marcante é que os teóricos da economia social, consideram
que esta se constitui no embrião de uma democracia econômica, portanto, em
uma oportunidade para mudar os princípios rígidos do capitalismo, onde
prevalece nas maioria dos países uma ditadura da superestrutura de valores
materialistas – predominância da ideologia do lucro sobre o atendimento das
pessoas ou a comunidade. Neste sentido a visão da economia social vai mais
na direção de uma mudança na natureza do capitalismo enquanto que, na visão
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norte-americana, o Terceiro Setor aparece como mais um setor do capitalismo,


tendo entretando características próprias.
Tanto em um caso como em outro fica fora da definição as “ações” de carater
privado, associativo ou voluntarista, geralmente informais. Este sub-setor
informal da sociedade civil, que Rubens Cesar Fernandes qualificou como
abaixo da linha d’água, é imenso mas impossível de ser mensurado uma vez
que as organizações não não legalmente constituidas, não apresentam registro
de suas atividades (contabilidade, por exemplo) e apresentam uma grande
dinâmica no que diz respeito ao nascimento e morte, isto é, surgem e
desaparecem com grande dinamismo sem deixar registros formais de sua
existência.
A necessidade de uma definição para o terceiro setor, surgiu do fato de que
embora ele possua caraterísticas próprias que o diferencia do Estado e do setor
de Mercado, ele não era destacado como um setor da economia, aparecendo
camuflado no setor de Serviços, no conceito das Contas Nacionais dos países.
Considerando tanto a definição europeia como a definição da Johns Hopkins,
isto é considerando as organizações formais, constituidas por iniciativa
privada mas voltadas para a geração de bens e serviços de caráter público, é
possível mensurar esse setor.
O conceito da Johns Hopkins acabou, por questão de articulação e
investimento em pesquisas de campo, prevalecendo sobre o conceito de
economia social. O conceito norte-americano foi aplicado em um primeiro
momento para mensurar o terceiro setor em 6 países desenvolvidos ( Estados
Unidos, Itália, Alemanha, Inglaterra, Japão e França) e um país do leste
(Hungria) no início da década de 90. Mais recentemente o conceito foi
aplicado em países da América Latina, Africa e Ásia. No caso do Brasil, os
primeiros resultados oficiais da pesquisa aparecem em uma publicação do
início deste ano do Instituto de Estudos da Religião (ISER).
Serão apresentados alguns dados desta pesquisa sobre o Terceiro Setor no
Brasil que serão comparados com os resultados da pesquisa dos sete países
antes mencionada.

II. O Terceiro Setor no Brasil

O objetivo da metodologia da Johns Hopkins é obter informações para avaliar


sob critérios econômicos o Terceiro Setor, principalmente no que diz respeito
a sua participação no PIB e na geração de emprego. Outras informações
importantes sobre a natureza do Terceiro Setor também aparecem,
principalmente no que diz respeito ao seu perfil e suas principais fontes de
recursos.

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Com relação ao PIB, o Terceiro Setor participa com cerca de 1,5% da


produto do país, em moeda de 1995. Isto correspondia a cerca de R$10,9
bilhões de reais, que para aquele ano significa uma quantidade muito
próxima em dólares.
Com relação a pesquisa realizada nos 7 países a participação aparece no
quadro abaixo:

U .S .A . 6 ,3 0 %
R eino U nid o 4 ,8 0 %
A lemanha 3 ,6 0 %
M éd ia 3 ,5 0 %
F rança 3 ,3 0 %
J ap ão 3 ,2 0 %
Itália 2 ,0 0 %
Hung ria 1 ,2 0 %
Despesas
0% 1%
Operacionais
2% 3% 4%
no Setor
5% 6%
Não7 %
Lucrativo como Porcentagem do
Produto Interno Bruto 38

Nota-se que a participação do Terceiro Setor no PIB brasileiro é bastante


modesta quando comparada com outros países. Tendo em vista a dimensão da
economia brasileira, pode-se afirmar que o Terceiro Setor tem possibilidades
para expansão podendo, para se igualar a média dos países industrializados,
mais que dobrar o seu tamanho.
Quando se observa o crescimento do emprego no setor é que fica claro a sua
possibilidade de ocupar um espaço maior dentro da economia brasileira. A
tabela a seguir mostra o espetacular crescimento do setor entre os anos de
1991 e 1995.
Crescimento do Total de Pessoal Ocupado nas
Organizações Privadas Sem Fins Lucrativos
1991 – 1995
População ocupada 1991 1995 Número % Cresc.
População ocupada total 55.293.316 66.277.014 10.983.689 19,86%
População ocupada no setor SFL 775.384 1.119.533 344.149 44,38%
Fonte: Pesquisa Comparativa Johns Hopkins – ISER

Enquanto o crescimento da população ocupada na economia brasileira


apresentou um crescimento de cerca de 20% , no Terceiro Setor esse
crescimento foi mais que o dobro ou cerca de 44%.
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Percebe-se o perfil do Terceiro Setor ao se examinar distribuição daquela


geração de emprego entre suas diversas atividades. Isto pode ser observado no
seguinte quadro:

Total do Pessoal Ocupado com Remuneração.


Segundo Áreas de atividades.
Áreas de Atividades 1995 Percentual
Cultura e Recreação 175.540 15,7
Educação e Pesquisa 381.098 34,0
Saúde 184.040 16,4
Assistência Social 169.663 15,2
Ambientalismo 2.499 0,2
Desenv. e Defesa de Direitos 13.721 1,2
Religião 93.769 8,4
Associação Profissional 99.203 9,9
Total 1.119.533 100,0
Fonte: Pesquisa Comparativa Johns Hopkins - ISER

Pela distribuição do emprego no setor, verifica-se que as áreas de Educação e


Pesquisa; Cultura e Recreação e Saúde são as mais importantes no Brasil. A
que apresenta a mais modesta participação é a de Ambientalismo.
O quadro a seguir nos dá uma idéia da tendência do crescimento do emprego
em cada uma das áreas de atividade:

Crescimento da Ocupação segundo áreas de atividades, 1991-1995


Áreas de Atividades 1991 1995 Número % Cresc.
Cultura e Recreação 90.959 175.540 84.581 92,99%
Educação e Pesquisa 294.693 381.098 86.405 29,32%
Saúde 156.011 184.040 28.029 17,97%
Assistência Social 99.997 169.663 69.666 69,67%
Ambientalismo - 2.499 2.499 -
Desenv. e Defesa de Direitos 10.114 13.721 3.607 35,66%
Religião 72.623 93.769 21.146 29,12%
Associação Profissional 50.987 99.203 48.216 94,57%
Total 775.384 1.119.533 344.153 44,27%
Fonte: Pesquisa Comparativa Johns Hopkins - ISER

As áreas de atividade que apresentaram o maior crescimento no período foram


as Associações Profissionais e Cultura/Recreação que praticamente dobraram
o número de pessoas que nelas trabalham. Assistência Social vem logo em
seguida como a área que apresentou maior dinamismo na geração de emprego.
Embora as outras áreas apresentem um crescimento menor, a variação está
sempre acima de 17% , que é uma taxa bastante significativa de crescimento
mostrando o saudável dinamismo do Terceiro Setor no Brasil.

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O gráfico apresentado a seguir nos dá uma idéia do que representa a


partipação do Terceiro Setor no total de pessoal ocupado no Brasil em
comparação com outros países.

Participação do Setor Sem fins Luctativos no Total


de Pessoal Ocupado, segundo Países
1995

Holanda 12,5%
Irlanda 11,5%
Bélgica 10,5%
Israel 9,2%
Estados Unidos 7,8%
Austrália 7,2%
Grã Bretanha 6,2%
França 4,9%
Alemanha 4,9%
Média 4,8%
Áustria 4,5%
Espanha 4,5%
Argentina 3,7%
Japão 3,5%
Finlândia 3,0%
Colômbia 2,4%
Peru 2,4%
Brasil 2,2%
Rep. Tcheca 1,7%
Hungria 1,3%
Eslováquia 0,9%
Romênia 0,6%
México 0,4%

Emprego não agrícola. Excluída a área Religião.


Fonte: Pesquisa Comparativa Johns Hopkins – ISER / The Emerging Sector Revised, Salamon L. Anheier H. and Associates,
Baltimore: JH University

Nota-se que a participação do Terceiro Setor no total de pessoal empregado no


Brasil está bastante abaixo da média, indicando novamente que o setor tem
uma grande possibilidade de expansão na economia brasileira. Em alguns
países como no caso da Holanda, Irlando e Bélgica o Terceiro Setor já
representa mais de 10% do emprego.
Com relação as origens dos recursos que mantem as atividades do setor, nota-
se que a principal fonte no Brasil são as receitas próprias, que contribuem com
cerca de 68%. A contribuição de outras fontes pode ser visualizada no
seguinte gráfico:

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Origem dos Recursos

15%
Gove rno

3%

Doações Privadas - Empresas

14%
Doações Privadas - Indivíduos

Rece itas Próprias


68%

É a modesta participação do governo e das doações privadas – tanto dos


indivíduos como de empresas – para a formação da renda necessária para as
atividades do setor no Brasil.
Compare-se com a média apresentada para os 7 países em relação a origem
dos recursos apresentada no gráfico a seguir:

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Fontes de Recursos do Setor Não Lucrativo

Doações
10%

Setor Público
43%

Contribuições
47%

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As contribuições se constituiem na realidade de taxas e pagamentos que as


organizações recebem, ou seja receitas próprias, pela venda de serviços ou
outros produtos que são produzidos em processos de geração de renda. Existe
uma considerável participação na transferência de recursos públicos naqueles
países, contrastando com a modesta participação do setor público na renda do
Tercero Setor no Brasil. As doações privadas tem uma participação mais
modesta naqueles países (cerca de 10%) quando comparadas com o Brasil,
onde representam cerca de 17%.

III. Perspectivas
1. Potencial de crescimento: os números sobre o Terceiro Setor no Brasil
demonstram claramento que existe uma ampla possibilidade de expanção
com uma maior participação no PIB.
2. Possibilidade de ser um setor gerador de emprego, tendo em vista o
processo de exclusão social que intensificou-se no Brasil e nos países da
América Latina. O setor é por natureza mão de obra intensivo. São pessoas
que atendem pessoas na prestação de inúmeros serviços sociais que não
poderm ser substituidas pelo atendimento de máquinas.
3. Atuação permanente e imediata na melhoria geral da vida. O Terceiro
Setor apresenta a possibilidade de atuação permanente fora do aparelho de
estado para que as condições de vida da população excluida possa

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melhorar. O ativismo político poderá ser acompanhado de ações concretas


de intervenção na transformação das pessoas e da sociedade.
4. Convergência de interesses. O Terceiro Setor pode aglutinar setores em
causas de interesse comum, mesmo que mantenham uma situação de
antagonismo de interesses em, por exemplo, na área econômica. O
antagonismo capital-trabalho pode continuar existindo da disputa por uma
melhor distribuição de renda, mas isto não impede que empresas se
dediquem a uma causa social e que possam estar ao lado dos trabalhadores
nesta causa. Por exemplo, o esforço realizado na cidade de São Paulo pelos
Sindicato dos Bancários e alguns bancos para resolver o problema do
menor abandonado ou dos meninos e meninas de/ou na rua.
5. Ampliação da base de atuação política. Além de envolver trabalhadores
poder também contar com o envolvimento de empresários progressistas,
grandes segmentos da classe média sensivel aos problemas sociais, da
violência e das drogas nas nossas sociedades.
6. Mobilização em torno de temas mais amplos do que o simplesmente o
econômico: vida comunitária, harmonia social, segurança,
desenvolvimento humano, melhoria da vida cultural, que contibuem para a
criação de uma democracia econômica.
7. Formação de redes para ativismo político: Seattle, Davos, Washington.
Recentemente o Terceiro Setor mostrou que possui um grande poder de
mobibilização para o ativismo político questionador da ordem econômica
predominante. Através de sua tradição de atuação em rede, centenas de
organizações podem ser mobilizadas em torno de temas críticos para a
melhoria das condições de vida em nossa sociedade, tais como a questão da
perversa da dívida dos países em desenvolvimento que absorvem recursos
que poderiam ser aplicados na área social.

*Artigo apresentado no Seminário: “Realidades e Perspectivas del Tercer Sector en


America Latina y Europa” promovido pela Associación de Recreación y Cultura Italiana
(ARCI), Buenos Aires, de 11 à 13 de julho de 2000.

**Luiz Carlos Merege, 57, é professor titular, doutor pela Maxwell School of Citezenship
and Public Affairs da Universidade de Syracuse, coordenador do curso de Administração
para Organizações do Terceiro Setor e coordenador do Centro de Estudos do Terceiro
Setor-CETS da FGV/EAESP.

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