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simultaneamente uma das "pontas quentes" da Boca alguns que ficam parados em cima das pontes sobre: o la-
do Lixo, e um dos extremos do gueto "entendido". Na guinho artificial onde fatalmente se é admira/lo, medido,
"observação livre" (capítulo 1) entreviu-se sua paisa- curtido. Os olhares se cruzam. Das pontes vai-se até a re-
gião central da praça, onde fazem limite o parque infantil
gem humana.
(que só funciona durante o dia), o coreto (igualzinho ao das
O eixo de referência é o bar Jeca, na esquina da cidades do interior) e uma árvore que se presume cente-
São João e Ipiranga, com saída para ambas as ruas. nária. Novos flertes acontecem na passagem em !rente aos
Continuando pela calçada da Avenida Ipiranga, o bancos de cimento das diversas ruas que saem dessa zona
Flipperama e o cinema Itapira são pontos fortes de central" (Dantas, 1979).
aglomeração de michês, estilo "paredão". O "pare-
dão" prolonga-se nos vastos saguões do cinema e conti- O mesmo cronista dá conta das variantes sócio-
nua até a esquina com a Rua Barão de Itapetininga em econômicas da "paquera":
direção à Avenida São Luís.
Na Avenida São Jão a Galeria do cinema Lira é "O relacionamento pessoal na praça é carregado de tensão e
também um ponto de perambulação de "entendidos", medo por diversos motivos. O mais importante de todos é o
que constituiu (entre 1978-1982, aproximadamente) preconceito de classe e social (são íatores interligados,
um local de encontro de "bichas-baby" (um tipo ado- não?). Os entendidos mais pobres. ou seja. os negros, imi-
lescente ãe michês-bichos, em geral office-boys que se grantes recém-chegados de outros estados, operários da
prostituem). construção civil, só contam com a Praça ela República para
suavizar a solidão da cidade grande( ... ). Aparentemente só
Amantes do sexo impessoal - e eventualmente M bofes e bichas na praça, embora a credibilidade dessa
michês - fazem ponto nos cinemas da área; no caso permanência de papéis num contato mais profundo seja
da sala do andar térreo do cinema Ártico um freqüen- discutível.
tador percebeu que os corredores estavam escorrega- Essa pobreza - continua Dantas - ( ... ) leva a outra
consequência: o michê ( ... ).O fato é que esses elementos não
dios de esperma, tal a quantidade e urgência dos têm realmente mais do que três ou quatro cruzeiros no bol-
coitos. so, o suficiente para pagar o ônibus de volta às suas casas,
nos bairros do subúrbio. Isso não quer dizer, no entanto,
que a transação se dê sempre no nível de dinheiro: a maioria
Praça da República das bichas garante que nunca pagou um centavo" (Dantas,
1979).
Eduardo Dantas pinta assim o movimento ves-
pertino da Praça da República: Um parágrafo especial merece o populoso banhei-
ro da Praça da República. Até 1982 estava situado no
"Elas chegam quase sempre em turma. Duas ou três, às ve-
zes mais até em cada grupo, de mllos dadas algumas. De
vértice da praça mais próximo à esquina da São João e
bairros distantes. Se a noite estiver quente. serão mais de lpiranga. Com a inauguração da estação República do
mil curtindo a madrugada. E passeiam, cumprimentando Metrô - que vai originar uma verdadeira invasão de
as amigas, mexendo com os bofes, recebendo gracejos de "entendidos" da periferia -, o banheiro é deslocado
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para a esquina sobre a rua Joaquim Gustavo. Não obs- Ipiranga, com variantes a respeito do grau de pericu-
tante, a tradicional masturbação coletiva de homens à losidade e à circulação de "estranhos" (não-adeptos ao
procura de outros homens nos corredores arborizados, mercado homossexual).
que circundavam o banheiro fechado, continua até Em .geral, os pontos da área lpiranga são freqüen-
hoje pelas noites, deixando a manhã impregnada de tados por michês do estrato mais baixo. Eles so distri-
cheiros característicos - como oirià Oliverio Girando: buem nos "paredões" ef{ippers ela Avenida Ipiranga,
"un olor a sexo que desmaya". ou rondam os tenebrosos caminhos da Praça ela Repú-
Este sexo promíscuo em público - não necessa- blica. O grau de violência parece crescer enquanto a
riamente tabelado - oferece altos encantos, especial- origem social desce: o saguão do cinema I ta pira é cha-
mente para aqueles que não querem ou não podem se mado pelos entendidos de "chave de cadeia" - por-
integrar nas regras mais "personalizadas" da ordem que se relacionar com algum dos marginais da área
gay. O estilo é, correlativamente, mais perigoso - pode acarretar encontros com a polícia. Simultanea-
tanto pelos assaltos quanto pela irrupção da polícia e a mente à confusão entre michê e marginal, a prolifera-
conseqüente fuga dos perversos. A periculosidade es- ção de tipos sociais é multiforme: os michês-machos
tende-se a toda a uma arborizada da praça: os "enten- compartilham as calçadas com travestis e michês-bi-
didos" supõem que aquele que se internar nós corre- chas - assim como prostitutas, cafetões, malandros
dores interiores da praça sabe já o que arrisca ... em geral... - não existindo fronteiras muito bem de-
A chegada do Metrô introduziu certa "fronteira marcadas entre uns e outros.
de classes" na famigerada praça: r,. área nova cons- Aliás, a área toda é antes um espaço de circulação
truida sebre o Metrô, em redor da ex-Escola Caetano do que de fixação. Inclusive a exposição costumeira
de Campos (atual dependência da Secretaria da Edu- dos prostitutos se faz no meio de uma corrente contí-
cação), bem iluminada, espaçosa e com bancos insta- nua de transeuntes dos mais variados tipos. A rotativi-
lados, costuma ser freqüentada por um pessoal mais dade nos bares da zona - como o histórico Jeca -
"transado", que faz ponto na Marquês de Itu. Este parece consideravelmente maior do que a registrada
extremo da praça integra o corredor de circulação que nos bares especificamente gays da Marquês.
une as duas outras áreas, São Luís e Marquês de Iru,
cujos freqüentadores se gabam de "nunca pisar na
praça". São Luís
Embora a paquera homossexual seja predominan-
temente noturna, há também certa perambulação no A área São Luís, cujo epicentro é a Praça Dom
dia, especialmente sábados e domingos pela tarde, José Gaspar, estende-se pela Avenida São Luís até a
quando afluem operários da periferia, que se prosti- Ipiranga, Rua 7 de Abril e adjacências. Tem instalado
tuem ocasionalmente. recentemente uma nova cabeceira, na porta de um mo-
As características sócio-culturais da população da dernoso bar (Ipiranga esquina com Rua 7 de Abril),
Praça da República podem se estender a toda a área cujos proprietários recorreram ao serviço de segurança
.,
para afugentar os rnichês, que costumavam até deixar Esta "vontade de distinção" a respeito dos seus
a roupa aos cuidados das balconistas do local. parentes pobres da Ipiranga expressa-se também na
A ârea sofreu modificações importantes, tanto distribuição espacial dos diferentes gêneros homosse-
pela repressão policial quanto pela supressão do "Au- xuais: enquanto os bofes da Ipiranga estão misturados
torama", segundo jã vimos. Na atualidade é um ponto com todos os estilos, no pedaço da São Luís há uma
quase exclusivamente de michês, Uma porção destes diferenciação bastante rija:
exibe seus atrativos à beira das calçadas, atentos para
o ir-e-vir dos carros. "O pedaço da São Luís se caracterizou como um espaço ex-
Amantes desta prostituição "de carona" se distri- clusivo de michês, Lá se aparecer uma pessoa alheia ao ne-
buem por todo o perímetro da praça, pelas avenidas gócio da prostituição, é recriminado. Só o fato do carinha
São Luís e Consolação. ficar ai, já supõe que está se prostituindo. Os michês se
conhecem entre si e para uma pessoa ingressar nessse meio
Outros michês preferem perambular pelas vere- tem que ser apresentada por outro, fazer amizade, porque
das interiores da praça, cujo grau de periculosidade senão vai ter problemas".
aumenta junto às paredes dos fundos da Biblioteca
Municipal, usadas como mictório improvisado: a frui- Essa exclusividade da prostituição se reproduz na
ção dá vazão tanto ao exibicionismo genital quanto à divisão dos espaços da praça por gêneros: o michê-
vontade de confiscação. macho e o michê-bicha, Diz um michê-macho:
No local são freqüentes os assaltos. Os próprios
michês se queixam: "No pedaço da São Luis tem uma diferenciação do espaço
muito marcada. Do lado da rua, na porta da Galeria Me-
"Eu já fui roubado três vezes, duas por fregueses. Quando trópole, ficam os michês-bichas, dando bandeira, fazendo
acontece, não dá para sair correndo e pegar o cara. Fico na escândalo. Os michês-machos preferem ficar do lado de
espera de um dia ele voltar, às vezes acontece, mas é di- dentro da Praça, paranóicos, sérios, muito discretos".
ficil",
A divisão entre michês-machos e michês-bichas é
diz Márcio, 23 anos, desempregado, ponto fixo na taxativa:
Avenida São Luís, entrevistado pela revista Internacio-
na/ (n? 14, 1984). "Há uma necessidade de se distinguir. Os michês-bicbas sé
relacionam mais com travestis, que os protegem. Inclusive
O status social dos michês da São Luís passa a ser os michês-machos não agridem elas, não só porque consi-
ligeiramente mais alto do de seus colegas da Ipiranga. deram que estão na mesma batalha, mas porque essas bi-
Isto se verifica na relativa predominância de michês chas costumam ter a proteção de algum travesti. E o travesti
brancos sobre michês negros ou pardos, com um look é bem pesado, nem michê nem malandro gostam de mexer
indumentário mais próximo ao dos michês da Mar- com ele, porque travesti é violento mesmo, assim ele ganha
respeito. São poucos os michês-bichas cm relação aos mi-
quês - que podem ser os mesmos, já que o ir-e-vir chês-machos. E os travestis dão coberturas à sua fragili-
entre as duas áreas é constante. dade".
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Esta "conexão forte" entre michê-bicha e travesti Estes traços relacionais são comuns a todo o cam-
se complementa com outra, que é a conexão michê- po da prostituição viril. Porém; como a Avenida São
macho/malandro, A força dessas alianças se expressa Luís é um local exclusivo de michês, eles podem apa-
nas celas, onde todos eles podem ser recluídos. Conta recer aí mais marcados. ·
um "entendido":
"Quando os michês-bichas vão presos, preferem numa cela Marquês de Itu
estar com os travestis do que ficar com os malandros, por-
que correm o risco de serem estuprados. O rnichê-macho Enquanto a circulação homossexual nas outras
fica com os malandros, dificilmente será estuprado numa
cela porque ele está fazendo aquele jogo de macho imposto
áreas é bem mais antiga, a ocupação gay da Rua Mar-
tradicionalmente ao homem. Vai sair na porrada, ele san- quês de Itu entre a Bento Freitas e a Avenida Amaral
gra e apanha mas não dá o cu - ainda se desmanchar, Gurgel é relativamente recente. Ela deriva, segundo
continua fazendo a representação máscula". vimos, da "limpeza" do Largo do Arouche. O rondão
policial empurra os gays - no início mais ou menos
Nos espaços delimitados tenuamente nos calça· diferenciados das "bichas pintosas" - contra a porta
dões, o relacionamento entre michês-machos e michês- da boate H. S .. Uma sucessão de barzinhos não tar-
bichas é diplomático: da em devir redutos gays, adquirindo no código de
comunicação interna do local o nome das suas patroas.
"Não dá briga não. Só cumprimento, às vezes. Tem muita Com a chegada dos gays, novos barzinhos vão-se
questão gestual: o rnichê cumprimenta dando a mão de um abrindo, constituindo uma série de locais de pouso e
jeito próprio que nem o malandro; enquanto o michê-bicha,
quando vai cumprimentar o outro, já dá um beijinho ... En-
repouso quase ininterruptamente; outros, vão "viran-
tão os machos procuram manter o distanciamento, fazem do" gays, como a inédita padaria "entendida" da es-
questão de mantê-lo, para não incorporar nenhum toque de quina com a Rua Rego Freitas. Tem também uma so-
feminilidade. Mas ê um relacionamento legal". fisticada choperia.
Sextas e sábados pela noite a massa humana aí
Também é "legal" o convívio entre michês e ma· concentrada constitui a maior aglomeração do centro
landros: da cidade. Ainda que a Avenida Ipiranga possa ter
uma maior circulação, a quantidade de homossexuais
"Entre michê e malandro o convivio é legal, porque tem estacionados na calçada (ou circulando lentamente de
coisa em comum. O malandro, ele rouba, está na sua fun- carro) costuma ser maior no gueto da Marquês.
ção. Para os malandros, os michês estão numa outra fun- O caráter gay "distinto" que a Marquês preteri-
ção, que ê a batalha. Têm em comum a dificuldade finan- deu atingir começou a se desmoronar com a chegada
ceira, econômica, que eles compartilham, não ter onde dor-
mir, precisar às vezes de uma maricona que pague um jan-
do Metrô, trazendo miríades de bichinhas decididas a
tar ou de ter 11m amigo. Há um bom relacionamento, em- entrar na "orgia" gay. O predomínio da classe média
bora os espaços estejam territorialmente delimitados". no local - que se expressava com toda clareza durante
O NEGOCIO DO MICHS 121
Jl() NESTOR OSVALDO PERLONGHER
Isso não impede que o michê mais "baixo", de No entanto, a relação particular que se estabelece
jeitos mais rudes, goze de um encanto especial, que entre os michês de boate reforça a consistência grupal:
depende do "desejo do cliente":
"Os michês do Valsão estão muitos ligados entre si. O pes-
"Depende do desejo do cliente, alguns têm preferência ou soal que ronda a porta é integrado ao pessoal que entra na
identificação com o tipo de rnichê mais embrutecido, aquela boate. e se trair ou roubar um cliente fica feio, os outros
coisa máscula e rude. Porém, esse baixo michê, para o podem até pagar uma pessoa para dar um pau nele. Isto é
cliente que tem grana, não é apresentável em sociedade, ele assim porque se supõe que os michês de boate não roubam,
não vai poder desfilar pelas boates com um michê do Ipi- não fazem sujeiras, senão podem ser expulsos da boate, fi.
ranga", car sem fonte de trabalho. A relação entre eles, sem deixar
de estar sujeita ao imprevisível, é um pouquinho mais con-
sistente. No entanto, entre os michês da lpiranga o relacio-
Em compensação, o "baixo michê" pode ter uma namento só se faz mais forte quanto têm o roubo em comum
clientela diversificada, de encontros efêmeros, embora entre eles. Quando o negócio é roubo, porém, a amizade
pouco importa. A relação é frouxa, muito frouxa. Se foi
menos generosos, mais abundantes, tanto no paga- preso ou levou facada, os outros esquecem, acham até nor-
mento quanto no acesso aos paraísos concentracioná- mal".
rios do lazer caro.
Temos, então, que as diferenças de classe originá-
rias se reinterpretam e subsumem em diferenças de
pontos, que são também diferenças quanto ao estilo, Conexão com a malandragem
ao gênero, ao tipo de clientela, ao preço, etc.
Um dado importante para determinar sua adscri- Se o grau de consistência grupal dos michês pa-
ção a um estrato é o grau de nomadização do rapaz: se
rece aumentar conforme o estrato sócio-econômico,
ele tem onde morar, ou deve achar amparo nos seus
também a delinqüência aparece ligada à questão so-
eventuais parceiros. Isto também vai ter relação com o
cial:
grau de fixação ao ponto e, conseqüentemente, com a
consistência dos laços grupais entre os prostitutos do
local: "O roubo freqüentemente ocorre na São Luís, na Ipiranga
ou se pegar um michê avulso num bar da Marquês, por
exemplo. Um michê de boate em principio não vai roubar o
"O pessoal da Marquês tem mais vínculo com boates, ou cliente. Eles oferecem uma maior segurança; a gerência da
são michês que circulam mas que têm uma posição já mais casa assegura ao cliente: 'aqui o pessoal não tem babados'.
definida, economicamente; são pessoas que saem das suas Na Ipiranga ou na São Luís o roubo é muito mais fácil, bá
casas e vêm para o centro. Enquanto na Ipiranga e na São um caos total, ninguém conhece ninguém. O carinha rouba
Luís muitos dos michês não têm onde dormir, ficam ao na Praça e ninguém mais encontra. No entanto, na boate é
léu". um pessoal mais conhecido e fixo".
124 NÉSTOR OSVALDO PERLONGHER O NEGOCIO DO MICH€ 12.s
Haveira uma maior ligação dos michês de estrato 'arvorado', corajoso, disposto a correr um risco. Mesmo
mais baixo com os rituais de delinqüência: para o rnichê que curte a Praça é legal negar. Se ele en-
contrar o cliente num local que não a Praça, ele diz: 'Não,
não freqüento lpiranga, Praça da República eu nunca fui
"Na São Luís e na Ipiranga há uma identificação maior do
lá' "' '
michê com o malandro, eles têm até uma gíria comum. En-
quanto que o mlchê da Marquês é um boy mais transado,
procura se diferenciar do marginal, mesmo que mantendo
essa representação máscula comum a todos eles".
nheiros" em geral. A blitz Richetti também castigou o O fenômeno apresenta-se como barroco no sen-
Bixiga. tido estrito da palavra: por um lado, uma proliferação
A presença de gays é corriqueira nas noites de de significantes que capturam o "movimento pulsio-
sexta e sábado sobretudo, Uma grande massa de pú- nal" sob uma multiplicidade de perspectivas; sofisti-
blico entre intelectual e punk-marginal se amontoa cando .as codificações e fazendo cada vez mais escuro,
nas calçadas, enquanto uma miríade de carros se en- hermético, obsessivo, o sistema. Simultaneamente, a
garrafa nas ruas. Bixiga poderia ser pensado como proliferação no nível dos códigos/significantes possi-
um "gueto maluco", do qual alguns gays também fa- bilita, na sua indecidível superposição, a emergência
zem parte.' de múltiplos "pontos de fuga" libidinal, "hiância" dos
significantes que se entrechocam (ver Sarduy, 1972).
Digamos que o sujeito, na passagem - difusa e bor-
radica - de um critério de classificação - que é basi-
Os gêneros camente um módulo de atribuição de valor no mer-
cado sexual - para outro, poderia "fugir" relativa-
A classificação dos rnichês conforme os seus pon- mente na transição de um· aparelho de captura mais
tos desvela a base sôcio-econômlca subsumida na divi- "tradicional" para outro mais "moderno", ou até vice-
são territorial, na correspondência: lpiranga: estrato versa, com mais facilidade do que se estiver sob o im-
baixo; São Luís: estrato médio baixo; Marquês: estrato pério de um único sistema significante despótico.
médio. Antes do que tentar construir um modelo classifi-
Cabe destacar que estas atribuições são sempre catôrio - ao mesmo tempo descritivo e prescritivo -
tentativas, assinalando antes arquétipos ou modelos com base nos fragmentos dos vigentes, é.mais perti-
do que sujeitos reais; estes costumam oscilar muitas nente percorrer as várias nomenclaturas, organizando
vezes entre ponto e ponto, recebendo até qualificações tenuemente sua apresentação. Embora estas nomen-
diferentes segundo o seu lugar de exibição. Pontos de claturas obedeçam a um entrelaçamento de sistemas
"fixitude" funcionam como eixos de distribuição, tan- classificatôrios diferentes, tratamos de articulá-las nem
to populacional como retórico ou semântico das redes tanto com base em sua "história", quanto atendendo a
circulatórias por onde perambulam os sujeitos. seu funcionamento fatual.
A essa distribuição básica por territorialidade,
acrescentam-se outras que, grosso modo, fazem refe-
rência a pelo menos três tipos de variantes ou séries: (3) Esta soperposição de c64igos proliferantes poderia sc.r. análoga à "in-
componibilidade de figuras simultâneas", e conseqüente ''enterro da identidade··,
gênero, idade, classe: que Lyotard (1979, pp, 20,21) observa tia ·'teatrfoa pagã"; haviâ, nâ reHgião da
Baixa Roma do Baixo Império, uma proliferação de divindades: "Para cada li-
gaçlo um nome divino, para cada grito, intensidade e investida, um deus pequeno
(. ..) que nâo se-ve exatamente para nada, mas que é um nome de trânsito de
(2) Para'mais dados sobre os locais ~o gueto, ver Guia Gay de São Puu{o. emO('ÕC~( ...)" (idem, p. 18). Isto se liga à concepção da representação como um
Grupo Outra Coisa de Ação Homossexualis ta, São Paulo, 1981. "dispcsiuvo energético".
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Michê-macho, michê-bicha, michê-gay gay são confusos, e às vezes até subjetivos. Os dois gê-
neros não-machos, por outra parte, são ostensivamente
Vistas já as alternâncias da relação entre michês- minoritários.
machos e michês-bichas na divisão territorial do ponto ·o michê-gay é um gênero ainda muito novo:
da Avenida São Luís, cabe recapitular algumas carac-
terísticas do tipo majoritário e mais corriqueiro de mi- "B um novo tipo de míchê, o rnichê-entendido, que está
chê, chamado michê-macho, michê-mesmo ou sim- surgindo, embora o michê mais másculo não admita. O mi-
plesmente bole ( termo este último usado de maneira chê-gay, ou okô-odara, é um michê que tem uma aparência,
desprezativa pelos "entendidos" para denominar ra- um corpo muito bonito, às vezes procura até explorar o pnr-
ceiro sem necessariamente transar, ou transando o menos
pazes não manifestamente homossexuais, mas que possível. Como quanto mais ele se vende, mais ele se des-
participam ou podem participar eventualmente de gasta, procura conservar seu corpo transando só o impres-
transas com outros homens, mantendo sua macheza), cindível. l:. fundamentalmente uma transa de cabeça, al-
Haveria uma tendência à polarização das posições guns destes caras se consideram michês e outros não. Ocor-
sexuais nos pólos "masculino/feminino": re que é tanta a carência dos entendidos mais maduros que
eles estão a fim de ter uma companhia. Aí o michê-gay se
· coloca para a pessoa fingindo afeto e começa a usufruir da
"Em geral, as relações são entre pessoas que ocupam pólos. solidão do outro, para tirar direito uma série de coisas, CO·
Uma pessoa que tem dado mais 'bandeira', mais aberta, mo moradia, comida, grnrtll, etc ... ''
mais lemlnina, tende a procurar o pólo oposto, uma pessoa
mais máscula. Pode ter algum caso no qual os dois sejam
femininos, mas a gente diz que não luta espadas, não luta O michê-gay , aliás, é um personagem infrequente
espadim, não dá certo. A tendência do feminino é procurar na área. Em geral ele não "faz avenida", mas prefere
o masculino, e do masculino procurar o feminino - ainda freqüentar locais sofisticados, prontos para "acompa-
que num grau menor. De lato, no gueto, é difícil o macho nhar" o cliente, que em ocasiões sequer se considera
procurar a bicha pintosa, a não ser que seja um micbê que
se quer afirmar como homem e então busca travesti ou mu-
como tal.
lher. Via de regra, os michês tendem a preferir uma pessoa
ligeiramente masculina, que não dá bandeira, que não seja
muito evidente ou escandalosa, com que é mais fácil cir-
cular sem chamar a atenção. Mas podem se sentir atraídos Nomenclaturas que aludem a diferenças de idade
realmente por uma bicha feminina os que gostam de agirem
como machos". Há uma diferença básica entre michê jovem
menos de 20 anos - e michês velhos - mais de 20
O michê-macho compartilha com o michê-gay o anos. Registram-se só as nomenclaturas classiíicatô-
recurso à masculinidade, se bem que no último caso a rias em que estas diferenças se denotam.
virilidade é expressa de forma menos estridente. Se a Erê, termo de raiz afro, é usado para denominar o
diferenciação entre michê-macho e michê-bicha é menino de 11 a 14 anos que se prostitui (a palavra é
transparente, os limites entre michês-bichos e michês- mais usada por travestis).
130 NltSTOR OSVALDO PSRLONGHER O NEGÓCIO DO MICHl'l 131
"Conheço um erê, que é um michê muito jovem. Ele tem como gay, Graciliano, 23 - narra suas experiências
onze anos e freqüenta um flipper da Vilanova. Sempre faz como bicha-baby:
questão de vir me cumprimentar, como se afirmando como
um 'adulto'. Encontrei esse pivete na Marquês de !tu, até
na Ipiranga. Já é da avenida, já faz a noite. O dia que um "Bicha-baby é uma bichinha jovem e pintosa que cobra pa-
cliente se interessa por ele, os outros rnichês lhe aconse- ra as mariconas que vão de carro por aí, bichas velhas, gays
lham: 'tem que cobrar uma nota, não andar dando de pre- ou enrustidos, Essas bichas jovens' que se prostituem são di-
sente a bunda para qualquer um que isso 6 que se valoriza ferentes do travesti ou do michê, mais perto do michê-gay,
mais'. Ele toma as dicas do pessoal mais experiente". um pouco efeminado. Eu participava de um grupinho que
fazia ponto (por volta de 1980) na galeria do Cinema Lira, e
era um pessoal bem solto, que não fazia problema de comer
ou de dar. Muitos éramos office-boys da área. Éramos uns
O grau imediatamente superior de idade corres- 10 carinhas, entre 16 e 17 anos. Se alguém pintar, o carinha
ia transar e depois voltava. Todo mundo sabia que a gente
ponde, vagamente, à denominação, ambígua e ampla, ia por grana. Mas tínhamos o nosso público. Nas boates
de garoto. O termo costuma ser aplicado ao rapaz tinha muita maricona que gostava de transar com meninos
muito jovem (15, 16 anos) que chega ao centro com efeminados. Alguns pediam para a gente vestir calcinha de
vontade de transar com homossexuais, mas sem expe- mulher, um barato. Um michê-macho relutaria em botar
riência no negócio. Como são muito jovens, não fazem calcinha".
um gênero muito definido, ainda que comumente se
considerem "machos". Segundo vemos, a bicha-baby seria uma versão
precoce do michê-bicha,
O termo tem uma conotação "popular": denota a
predisposição dos garotos de periferia para transar
com bichas durante a adolescência, disposição mais ou
Diferenciação por grau de profissionalismo
menos tolerada pelo "grupo de idade". Esta inclinação
se ancora numa justificação econômica: para transar
com mulher, o garoto - geralmente desempregado e Nem todos os michês convertem a prostituição na
pobre - precisa de dinheiro. Transando com bicha sua fonte principal de subsistência. Alguns moram
velha, no entanto, ele pode até ganhar algum dinheiro. com as famílias (é o caso de Graciliano), outros traba-
Em certos casos, o ingresso ao mercado da prostitui- lham e exercem a prostituição ocasionalmente.
ção pode estar precedido de relacionamentos homosse- Os chamados michês profissionais costumam fa.
xuais não-prostitutivos. zer expedientes intensivos de trottoir, começando às 6
ou 7 da tarde e indo deitar - às vezes na casa de al-
Os garotos que entram numa espécie de "devir guma "bicha" - às 4 ou S da madrugada. Entre tran-
mulher", efeminando-se progressivamente, passam sa e transa, eles perambulam pela cidade ou curtem a
por diversas transições, não muito claramente nomi- companhia de outros michês e marginais.
nadas nos discursos de gueto. Um desses rapazes - Os michês ocasionais são aqueles rapazes que se
que acabou deixando a prostituição e se assumindo prostituem circunstancialmente, às vezes como forma
132 NESTOR OSVALDO PERLONGHER O l'IEGôCIO DO MICHI:. 133
de vazão sexual, como os rapazes pobres que invadem "Eu não estava a fim, o cara era gordo e velho e eu tinha 16
a Praça da República nos finais de semana. anos s6. Tive a idéia de pedir dinheiro. Ele aceitou e fomos
Uma diferenciação taxativa entre michê profissio- num motel. Bebi, tentando me excitar, mas só consegui
passar mal. Quase não houve transa, mas o cara pagou le-
nal e michê eventual é dificultada pelo fato de que o
gal e fomos embora".
desejo de abandonar a profissão e conseguir um em-
prego é freqüentemente invocado - ainda que retori-
camente - por todos os michês, Há um contexto geral A figura do semimíchê tem a ver com a indiscerni-
de desemprego que afeta fortemente a população jo- e
bilidade geral do negócio. uma nomenclatura mais
vem, e que pode tornar verossímil a justificação clás- "situacional" do que "identificatôria", aplicando-se
sica: àqueles rapazes que se prostituem ou não dependendo
dos atrativos do cliente.
"Eu faço isto (transar com homem) porque preciso de di-
nheiro, e agora estou precisando porque estou desernpre-
gado". · Os clientes
gueto gay em geral. Isto é, não parece funcionar na social, medra a figura do "cliente enrustido" - ou
retórica territorial uma categorização especial para os seja, aquele que não é manifestamente homossexual
clientes. Antes, algumas categorias do gueto parecem na sua vida social ou familiar, tendo em alguns casos
mais inclinadas a fornecer clientes para os prostitutos. mulher e filhos. Este gênero foi particularmente difí-
De um modo geral, as categorias vigentes no meio cil, dada sua relutância, de incluir nas entrevistas da
homossexual para qualificar os outros e autoqualifi- pesquisa.
car-se foram já enunciadas. Tentar-se-á agora regis- Na "microcultura" gay, é considerado despresti-
trar como aparecem, no discurso do gueto, diferentes giante o fato de pagar um michê, Especialmente os
nomenclaturas aplicáveis aos clientes. jovens gays da Marquês acreditam que o fato de pa-
Da mesma maneira que procedemos a respeito gar um michê expressa a decadência do entendido em
dos michês, organizamos essas nomenclaturas em tor- termos de valor erótico: como seu corpo tem-se desva-
no de alguns tensores básicos: sistematicidade no re- lorizado (em termos do mercado sexual), precisaria
curso aos prostitutos; nomenclaturas que qualificam compensar essa perda de valor de troca com um paga-
segundo status sócio-econômico, gênero e idade; e, por mento em dinheiro. Esta crença, fartamente divul-
último, uma tipologia "sentimental" fornecida por um gada, se sustenta no fato de que a maioria dos clientes
michê imaginativo. é velho (mais de 35 anos) - aqueles que não conse-
guiriam com quem transar e ver-se-iam obrigados a
recorrer à prostituição.
Mas alguns outros elementos vão complicar essas
Clientes eventuais e habituais
regras básicas de cálculo: a começar, o desejo do clien-
te - que mencionamos para explicar a preferência de
A distinção entre clientes habituais de prostitutos alguns entendidos pelos michês sujos e mal-vestidos da
e clientes eventuais não é fácil de estabelecer. Por um Ipiranga. Esse desejo vai se articular, na experiência
lado, uma quantidade considerável de homossexuais de vida do sujeito, freqüentemente sob a forma do de-
do gueto utiliza às vezes os serviços de prostitutos, pa- sejo do masculino, com raciocínios do tipo: "Eu sou
gando o michê ou concertando algum tipo de retribui- mulher e fraca, e preciso de um homem forte e más-
ção (como jantar ou moradia). Neste último caso, a con- culo" (um cliente). Como vimos, os michês-machos fa-
dição de prostituição pode ficar encoberta. zem questão de garantir essa certidão de "macheza".
Mas ainda aqueles que costumam recorrer aos O fato de o "negócio do michê" estar movimen-
amantes profissionais fazem questão, na grande maio- tando molecularidades desejantes muito delicadas e
ria dos casos, de manter certa discrição sobre o as- complexas, não impede que o relacionamento com
sunto, revelando-o apenas para seu círculo de amiza- prostitutos seja, de um modo geral, estigmatizado
des mais íntimas. Este pudor se liga, por um lado, ao pelos gays e entendidos do gueto. Pesa sobre o negócio
cone de sombra que ainda pesa sobre as práticas ho- certa mácula de indignidade. Gays representativos
mossexuais em geral. Relacionada com esta repressão aduzem, sobretudo, que a prostituição é basicamente
IJQ NeSTOR OSVALDO PERLONGHER O NEGOCIO DO MICHS 137
um mecanismo de exploração do homossexual, pro- que procuram impressionar o rapaz com a demonstra-
clive a assumir arestas criminosas. ção do seu poderio econômico - são pejorativamente
O estigma pesa sobre os próprios clientes, que denominados pelos michês do gueto, recebendo os
costumam se envergonhar e viver com indissimulável qualificativos de:
culpa por suas aventuras tabeladas. Há, no entanto,
outros clientes (minoritários) que assumem aberta- - maricona fodida: "O cliente que dispõe de
mente sua condição. Os limites entre uma e outra ati- muito dinheiro ou carro; mas também se denomina
tude são difusos, pois, como diz o entrevistado Ro- assim pejorativamente o cliente de classe inferior que
não dispõe de dinheiro para pagar o boy";
lando, "o universo da prostituição masculina é o uni-
verso da culpa" . - maricona podre: "Cliente idoso que desagrada
Fenoménicamente, os nativos tendem a classificar ou esnoba alguns boys com dinheiro ou carro. Pode
os clientes de michês em torno de três grandes eixos: ser também um cliente que estã sempre acompanhado
de rapazes cobrindo toda consumação. Em geral, apli-
1) Status s6cio·econômico: É particularmente re- ca-se ao cliente que faz questão de mostrar que com
levante, porque mede a capacidade do "entendido" de dinheiro compra qualquer rapaz, até mesmo os que
retribuir os serviços dos prostitutos. Os próprios pros- explicitamente não vão com sua cara e rejeitam ele"."
titutos diferenciam os clientes entre pobres e não-po-
bres, abrindo um ramo particular para os "profes- As tribulações do cliente "executivo" - um dos
. sores". protótipos da prostituição em· geral, que se aplica com
Um experiente michê queixa-se dos clientes po- certa liberalidade a quem for que trabalhe e esteja bem
bres, quando de sua iniciação nos mictórios da Central pago, englobando, às vezes, industriais, comerciários,
do Rio: burocratas, etc. -, cuja mesma riqueza ê objeto da
cobiça dos marginais, estando em ocasiões sujeitos a
ameaças e chantagens, não parecem ser diferentes das
"Tinha 13, 14 anos ejá fazia ponto em banheiros. Os clientes angústias dos seus colegas do mesmo status que tran-
me levavam para casa. Mas eram umas viagens intermi-
náveis, bem na periferia. Esse pessoal da Central é tão po-
sam com travestis. Tanto num caso como no outro, a
bre que não tem grana nem para hospedaria, e te levam experiência homossexual à beira da sociedade (masca-
nas suas casas, tão longe que a gente perde a noite toda por rada ou não) pode servir como uma espécie de "ponto
um trocado miserável nuns quartinhos de merda. Deu-se de fuga" que põe em contato o sujeito burguês com os
uma onda de policia muito forte, e passei para a Cinelân- fascinantes perigos da promiscuidade marginal. Esta
dia, onde é melhor, esse pessoal da classe média paga mes- "condição desejante" - desejo de perigo, de margina-
mo, não tem papo, e se a gente satisfazer eles, eles voltam e
procuram".
lidade - pode tornar os clientes em geral passíveis de Pela sua parte, os boys que curtem este gênero
roubo e violência. têm especial apreço pelo verniz cultural que podem
adquirir com o relacionamento. Um jovem gay con-
densa este interesse: "Dinheiro no bolso e cultura na
cabeça".
Professor: mais do que apenas um tipo definido,
o "entendido" tido como professor - universitário, 2) Gêneros: as nomenclaturas de gênero discri-
intelectual, artista, etc. - configuraria um "ramo" do minam por grau de efeminamento. Vulgarmente, al-
negócio. Esta caracterização é ambígua e faz referên- guém que pagar um michê vai ser considerado auto-
cia a certo jeito de ser que não encontra lugar nas di- maticamente bicha. Fora do repúdio que aflora no uso
visões por gênero Para um jovem "entendido", o filho pejorativo deste termo, ele aplica-se propriamente
de santo Edivaldo, "intelectual é uma categoria à parte àqueles homossexuais com trejeitos femininos, cujo ex-
do mercado". tremo é a bicha pintosa e seu limite, o travesti.
A diferença entre o professor e o cliente "execu- Mas há também um outro tipo de cliente que,
tivo" é tênue, na medida em que tanto um como o longe de feminilizar-se, encarna representações proto-
outro se representam como "ricos" - dispondo de di- tipicamente masculinas, assimilando-se à persistente
nheiro. Mas, enquanto o chamado "executivo" procu- figura do bufarrôn cantado por Quevedo. Esse tipo de
raria impressionar com seu poder econômico, o pro· "homossexual ativo" (na classificação de Barbosa da
[essor deslumbraria o rapaz com seu brilho discursivo. Silva) era também conhecido como "Ianchona" - cu·
O "papo" teria certa eficácia na hora das contas: jas inquietações iluminou o depoimento de Rolando
(capítulo 2). Mas o "Ianchona" parece estar extinto no
"Estava na cidade. vi aquele menino, olhos negros, ca- meio homossexual de hoje. Algumas denominações
belo cacheadinho, lindo, e falei pra ele: 'tem dois punhais são reservadas, porém, para esse tipo de homossexual:
de prata dentro dos olhos'. Até hoje ele lembra da frase.
Cada vez que me visita a repete. Ele é michê mesmo, transa "São esses caras que chegam muito másculos, com o papo,
com turistas americanos 110 Rio e ganha muito dólar por 'a gente é igual, tudo homem, eu sei que os michês dizem
noite, mas comigo a transação não é por dinheiro: ele gosta que comem mas todos acabam dando'. São paranóicos, du-
do papo, da curtição. Até fez questão uma vez de me pagar ros. Então a gente tem que ser ainda mais duro. Como eu
o jantar".' falava que eu não dava de jeito nenhum e ele insistiu, pintou
violência mesmo".
aspecto másculo, recorrendo à prostituição como ma- não vai cobrar ou vai cobrar menos, Ou vai ter com-
neira de manter a clandestinidade da promiscuidade paixão do seu jeito de bonzinho para não arrebentar
descompromissada. ele. Embora a gente pegue o relógio dele, o cara não
reage, continua dando umas de mártir",
3) Idade: maricona e tia denominam o homosse- - O cliente depressivo: "São terríveis, caras que
xual de mais de 35 anos, o coroá, grupo etário onde se estão acabados, querendo se suicidar, choram, embe-
recruta a maior parte dos clientes. Ambos os termos bedam-se, provocam nojo e lástima. Um caso: o cara
são usados quase indistintamente, mas com um leve gemia, choramingava, podia ter roubado tudo, mas
matiz diferencial: enquanto tia designa genericamente senti pena".
a bicha velha, maricona tem também uma conotação - O namorado: "Ficam apaixonados pela gente,
de "enrustido", além da sua carga estigmatizante para perseguem, querem morar junto, prometem tudo. In-
os homossexuais maduros em geral. suportáveis. Um deles não me deixava faturar, enchia
O caso da bichinha jovem (na faixa dos 20-25 o saco no pedaço, como eu nem ligava ameaçou-me de
anos) que paga um michê é excepcional: morte, tive que sair um tempo do pedaço porque era
séria a coisa, ele estava maluco e era capaz de fazê-lo".
"Pode acontecer que uma bichinha [oyem ganhe um di-
nheiro, ou seja dia de pagamento, ela quer se dar um gosto
e em vez de gastar na boate, pode escolher um michê atraen- A'variável cor
te e pagar para ele".
As discriminações de cor costumam aparecer sor-
O desejo pode passar por cima dos preconceitos terradas e mascaradas nos rituais sociais brasileiros. O
.venais: negócio do michê não é uma exceção neste "pudor",
que foi delicado descortinar.
"Eu habitualmente não pago, mas se pintar algum carínha
gostoso que s6 transa cobrando, e eu estiver com grana,
A discriminação por cor perpassa .todas as outras
tudo bem, O que importa é o tesão" . classificações e divisões, e funciona tanto entre rnichês
como entre clientes e "entendidos" em geral."
Como no resto da sociedade, ser negro é um fator
Uma tipologia sentimental de inferiorização no gueto gay paulistano. Este "ra-
cismo homossexual" tem sido. vasculhado pela pes-
Um prostituto propõe uma classificação singular
dos clientes segundo sua experiência subjetiva:
(6} Um aprofundamento dos relações raciais no campo do hcmossexua-
- O cliente piedoso: "Compassivo, aparece com tismo extravasa os limites desta pesquisa. Esse conflito racial é registrado só des-
um discurso do tipo: 'você tem que deixar essa vida, critivamente. Cabe salientar, aliâs. que o racismo, embora incida permanente·
tem que transar por amor porque vai se arruinar'. Dá mente nos relacionamentos entre O$ sujeitos do gueto paulistano, está longe de se
constituir num impedimento para as relações sexuais inter-raciais, as quais acou-
todo tipo de conselhos, acreditando que assim a gente tecem cosrumeiramente.
l
quisa do grupo gay baiano Adé Dudu (1981) sobre re- reservando o quesito de "negros" só para africanos
lações inter-raciais, e chama a atenção dos observado- puros ou mulatos escuros. Os próprios destinatários
res estrangeiros. Young (1973) registra a vigência de · "pardos" costumavam fruir desse esclarecimento.
um padrão de beleza branco e europeu entre os enten- Porém, um entendido muito chegado aos michês,
didos cariocas. Altman (1980) repara como a cena gay consente:
brasileira "( ... ) é estratificada através de linhas de
classe e de dinheiro", estando o corte racial misturado "A rejeição contra o negro é muito forte no mundo dos mi-
com o corte de classe. chês. Eles falam abertamente para um michê negro; 'Eu
Em São Paulo, algumas das formas deste racismo aprecio você porque é um negro mais claro, diferente, che-
contravêm até as leis formais. Sabe-se de negros bar- gado' ( ... )".
rados nas portas de boates e de saunas gays. Neste úl-
timo caso, a discriminação ê ela mesma "seletiva": se Em compensação, os michês negros se gabam de
permite o ingresso de alguns negros mais "transados", encantos especiais. Este encanto pode provir da asso-
para afastar a suspeita de racismo, e se impede de en- ciação entre negritude e animalidade, herança da es-
trar os restantes. O método seria trivial nas saunas de cravidão que negava a humanidade do africano e o
São Francisco (EUA). destinava exclusivamente ao trabalho braçal. Um de-
Muitas vezes, a sua exclusão não precisa ser di- poimento recolhido por Adé Dudu (1981), dá conta
reta, já que o preço do ingresso a boates e saunas mais deste dilatado preconceito:
refinadas costuma se encarregar de afastar a maioria
dos negros - que, por sinal, são os mais pobres. "Existe um folclore segundo o qual os negros são mais viris,
mais potentes, dão mais no 'couro'; é o mito do negro forte,
Michês e "entendidos" negros compartilham,
machão, violento e que possui o pênis com proporções gi-
aliás, a preferência policial. Assim, enquanto gays de gantescas, que se cultiva muito, também entre os hornosse-
classe média não costumam ser importunados pela xuais, ~ muito comum a gente ouvir homossexuais dizerem
polícia - a não ser quando das grandes blitz - , os que transaram com um 'negão', ou 'um nego do pau deste
negros em geral não gozam dessa tolerância. tamanho'" (p. 8).
No que diz respeito exclusivamente ao negócio do
michê, o preconceito não impede que boa parte dos Aliás, o fato de os negros ocuparem posições só-
prostitutos seja negra ou não-branca (mestiços, mu- cio-econômicas mais baixas - o que explicaria a pre-
latos, genericamente chamados de pardos). O pre- dominância de negros e "pardos" na baixa prostitui-
domínio cromático costuma ser dissimulado recor- ção - os predispõe a "se entregarem a relações amo-
rendo a definições sui generis das categorias raciais, rosas com homossexuais brancos, em troca de um pa-
considerando pardos ou "morenos claros" ( definição gamento" (idem, p. 12). No limite, machos negros po-
abundante nos classificados amorosos gays) como dem se prostituir com entendidos brancos, mas se re-
"brancos". Com esse procedimento, alguns "entendi- cusando a se relacionar sexualmente com outros ne-
dos" calculavam uma proporção de 70% de brancos, gros.
144 N8STOR OSVALDO PERLONOHER O NEGOCIO DO MICHtl 145
No entanto, há uma clientela considerável (ainda também nos "lugares míticos", fantasiados pelos ra-
que não majoritária) especializada em garotos negros.' pazes nos seus delírios nomâdicos, Embora haja uma
Isso faz com que o fato de ser negro não diminua ne- circulação de boys muito intensa entre São Paulo e
cessariamente a tarifa: Rio, classicamente o paradigma de michê paulista,
para os "entendidos" e gays, seria mais assimilável ao
"Os michês negros costumam ser negros muito bonitos, al- do gaúcho: ele é imaginado branco e loiro.
guns na Marquês são até modelos, muito mais bonitos do
que o comum. Um físico transado, interessante. Há toda
De fato, os rnichês loiros (gaúchos, argentinos,
uma tradição de que negro é mais potente, mais sensual, paulistas, etc.) são altamente valorizados na praça, es-
mais macho, é mito mas ainda tem bichas que acreditam e pecialmente pelos clientes de classe média alta; um
curtem, sobretudo estrangeiras". deles confessa:
A incidência negra do michê se manifesta no nível "Transo com qualquer um, não tenho uma preferência defi-
semântico; regem termos de raiz afro, provindos do nida, s6 não transo com negros nem com japoneses".
candomblé ou da umbanda. Os cultos afro-brasileiros
parecem ter, aliás, uma presença constante no gueto. A identificação com os dourados loiros do Sul
Um filho de santo que freqüenta o gueto conta: mobiliza alguns michês. Um dos entrevistados - em
companhia de um michê gaúcho - empreende uma
"Tem até pais de santo que saem, pegam garoto e levam ele viagem "no trecho" - isto é, "pegando carona" nas
morar no terreiro, vira ogã, participa no culto. Ogã é mui- rodovias, até Porto Alegre, fantasiando "explorar ai·
tas vezes um pouco malandro, se transa com bicha quer guma maricona". Um dos encantos de Porto Alegre,
grana ... ''. argumentava-se, seria o fato de ser uma cidade predo-
minantemente branca.
Malandros e michês, aliás, manteriam certo res-
peito para com o pessoal do candomblé, carregado de
poderes sagrados. O cliente negro
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No pedaço da Marquês a discriminação é muito
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tão grande que esquecem de cobrar. Mas se vier um negro
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com o mesmo modelo de carro, eies dizem: 'Olha essa mari- ,._
cona podre, negro com carro querendo esnobar'. Só acei-
tam negro muito rico, se tiver muita grana".
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A discriminação expressa-se também sob forma
conjugal. Pode se dar o caso de um rnichê branco acei-
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tar um "caso" comuma bicha negra, para ganhar co-
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mida, moradia, etc., mas se recusando a transar: "sa- o
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canagens das quais os michês se orgulham".
O quadro ao lado apresenta 56 nomenclaturas
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conforme tensores ou pólos relacionais de gênero
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queca" e "michê gilete", trata-se de sinônimos, apli-
cados indistintamente ao mesmo sujeito. Outras vezes,
sobre o mesmo sujeito recaem classificações que cor- ~
respondem a modelos categoriais diferenciados (como ~ :s
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é o caso de "michê gay" e "okõ odara", onde o pri-
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meiro termo corresponde àg{ria gay de classe média, e
o segundo exprime a influência lexical do candomblé
entre as homossexualidades "populares" do sistema
"hierárquico"; algo similar acontece com a superposi-
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superposição: o mesmo sujeito pode receber nomen- particular referência ao rapaz "feio" - da mesma ma-
claturas dispares, mas que fazem referência a tensores neira que seu contrário da mesma matriz, okô odara,
de diferente plano. Assim, o "garoto" (termo que faz alude a um rapaz bonito e "bem transado". Já o termo
referência ao tensor "idade") pode ser simultanea- mais popular (ainda que aplicado pelos clientes e "en-
mente um "rnichê macho", se classificado conforme o tendidos" e não pelos rapazes mais másculos) de
tensor "gênero". Da mesma maneira, um sujeito clas- "bofe" ocupa um lugar limítrofe entre "prostitutos" e
sificado como "professor" ( em referência ao tensor "não-prostitutos", já que não necessariamente comer-
"estrato social") poderá ser nominado como "enten- cializa sua virilidade, a qual faz questão de afirmar.
dido", se categorizado com relação ao gênero. Estas Dentre os prostitutos, uma proliferação de denomina-
sucessivas superposições dão uma idéia da complexi- ções alude a rapazes menos intransigentes na manu-
dade e instabilidade do conjunto. Aliás, as adscrições tenção da moral masculina; certa comicidade ridicu-
nominatórias variam conforme o lugar. O mesmo su- lariza esses deslizes - a ironia transparece em termos
jeito considerado gay no ponto da Marquês da Itu, po- como "boy panqueca" e "michê gilete", O "laranja" é
derá ser chamado de "bicha" ou "mona" no ponto da simplesmente o "bobo", que acaba cedendo às de-
Ipiranga. Não se trata apenas de mudança na denomi- mandas ativas dos clientes, enquanto "comilão" sati-
nação: o mesmo sujeito pode ele mesmo mudar de "gê- riza os rapazes que mais se afirmariam como másculos
nero" segundo seus objetivos ou expectativas: por quanto mais fracos em face da tentação da passividade
exemplo, o mesmo rapaz tido por "okô" na Ipiranga, (os verdadeiramente másculos, supõe-se, prescindi-
poder-se-ia eventualmente manifestar enquanto "mi- riam dessa insistência encobridora). À medida que se
chê-gay" na Marquês de !tu. aproximam do pólo "mais feminino", os rapazes su-
Resume-se seguidamente a distribuição por "gê- portam outras ironias, como boy modelito (aquele que
nero". "Mais masculino" /"mais feminino" indicam se arruma demais) e "mãezinhas" (termo que também
tensores relacionais, que ordenam distribuições de no- denomina o passivo nas transações entre presidiários).
menclaturas no sentido horizontal. Na parte superior "Táxi-êov" é um termo um pouco excêntrico, geral-
do quadro agrupam-se as nomenclaturas habitual- mente aplicado a rapazes aptos para "todo serviço",
mente atribuídas aos prostitutos; na parte inferior, as que marcam suas entrevistas pelo telefone. Poderia
atribuídas aos "não-prostitutos", incluindo clientes, equivaler, na largueza de seus hábitos, ao "michê-gay"
"entendidos" e também "machos" que transam ho- dos itinerários de ruas. Mas a aparência já levemente
mossexualmente sem retribuição econômica. Neste úl- masculina, ou pelo menos andrôgina, que esta nomi-
timo caso, a linha de separação é bastante precária, nação do sistema "moderno e igualitário" prescreve,
como o indica a figura do "semímíchê", que pode co- dilui-se por inteiro no "rnichê-bicha", até desaparecer
brar ou não dependendo da situação. na radicalidade feminilizante do "travesti".
No extremo "mais masculino", situamos, entre os Os efeminados que se prostituem são, neste cam
prostitutos, as nomenclaturas "michê-rnacho" e seu po, minoritários; a maioria pertence ao bando dos
equivalente afro, okõ; na mesma linha, okô-mati faz "não-prostitutos", onde "bicha" é a nomenclatura
/
mais paradigmática e conhecida, superada em femini- um homem tão idoso quanto a "tia", mas que, dife-
lidade pela "bicha pintosa" e compartilhando o mes- rentemente desta, mantém sua postura masculina.
mo campo semântico com designações como mona "Tio" é, aliâs, o sinônimo moderno mais próximo do
( termo afro) ou "rnarica" (portunholismo menos di- antigo "fanchona".
fundido). Uma denominação já decadente é usada (por A proliferação categorial - nomenclaturas que se
exemplo, pelo sociólogo Barbosa da Silva) para segre- deslizam e entrechocam, incrustam-se e misturam-se
gar estas tipologias sexuais: "homossexual passivo". entre si - pode expressar vários fenômenos. Em pri-
Para reconhecer aquele que podia se desempe- meiro lugar, ela tem a ver com o· choque entre dois
nhar alternativamente como ativo e como passivo, Bar- modelos classificatôrios, um igualitário (gay/gay) e o
bosa da Silva cunhava uma expressão hoje completa- outro hierárquico (bicha/macho). Mas, por outra
mente fora de uso: "homossexual duplo"; essa pecu- parte, essa proliferação expressaria também o multi·
liaridade vai ser exprimida pelo termo "entendido" e formismo das condutas e das representações, fazendo
mais modernamente pelo anglicismo gay. Próximo ao pensar antes numa "camavalízação" à Bakhtine, do
campo do antigo "homossexual ativo" aparece moder- que numa "construção da identidade" da minoria des-
namente o paradigma do "gay macho" - radical em viante.
sua representação máscula, mas flexível nas suas prá-
ticas sexuais. No sistema mais clássico, esse "gay ma-
cho" confundir-se-ia à simples vista com o "enrus-
tido", para quem a manutenção do estereótipo viril não Identidade e territorialidade
deriva explicitamente de uma assunção consciente,
mas do temor de que se descubram suas inclinações Cabe ler o esquema transcrito como uma rede de
homoeróticas. Nesse ambíguo terreno, os prostitutos sinais, ~or cuja trama transitam os sujeitos, não en-
másculos costumam designar como "cliente machudo" quanto identidades indivídualízadas, 'definidas, "cons-
ou "comilão" os seus parceiros não-efeminados. Cir- cientes", mas como sujeitos à deriva, na multiplici-
culava na década de 60 um outro termo destinado aos dade dos fluxos desejantes, na instantaneidade e acaso
pederastas ávidos por possuir rapazes: "Ianchona", dos encontros. ·
hoje reservado às lésbicas e aos presidiários que se de· No entanto, os pólos relacionais não são "lugares
sempenham sexualmente como "ativos". vazios" - como num árido esquema estruturalista -,
mas estão ocupados por sujeitos concretos. Os diversos
pólos e categorias funcionariam como pontos de "re-
As distribuições por idade e por estrato social são territorialização" na fixação a um gênero ou a uma
menos numerosas e mais simples, e podem ser recons- postura determinada; fixação que manifestar-se-á na
truídas recorrendo à explicação preliminar ao quadro. adscrição categorial e, correlativamente, na aparência
Novamente, elas se dividem entre "prostitutos" e "não- gestual e discursiva, indícios de um desempenho se-
prostitutos". Chama a atenção a categoria de "tio" - xual esperado ou proclamado.
/