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Fontanário de Cachopadre
Introdução
Nesta agora cidade de Freamunde, onde impera o gosto pela modernidade, vai-se
esquecendo e fossilizando subtilmente os laivos ainda existentes de pedaços do
passado que resistem às mudanças e à voracidade do fluir do tempo. Pedaços de nós.
Disso são exemplo os moinhos e as fontes, testemunhos que poderiam ser uma
espécie de guia para contar (sim, para contar) a sua história e, também, a história da
cidade onde vão resistindo, até que o tempo e a incúria humana os eliminem
definitivamente.
Há lendas para contar? Não sei se há lendas para contar, porém é certo que este
património material, foi chafariz de conhecimento popular. Muito prático, este
património imaterial. Quem não se lembra dos provérbiosi:
“o cântaro tantas vezes vai à fonte que um dia deixa lá a asa”? ou “Água
corrente, água inocente”, “Água corrente não mata gente”, “Água de Janeiro
vale dinheiro”, “Água de Fevereiro mata o onzeneiro”, Água de Março pior é
que nódoa no fato”, “Água de Abril, por um funil”, “Água de Maio, pão para
todo o ano, “Água de São João tira o vinho e não dá o pão”; ou ainda: “Água
de Julho no rio não faz barulho e “Água de Agosto apressa o mosto, “Água
fresca, dá-a o jarro, não de prata, mas de barro”…, ou “Água viva dá vida,
parada é morte”.
Quanto à estética, digamos que esta fonte de Cachopadre é muito volumosa, simples
e bruta; com uma bica a brotar água num pequeno tanque, que liga a outro mais
pequeno e a encaminha para um maior que estes dois para aproveitamento total da
água oriunda da mina. É uma estrutura rudimentar, com marcas suficientes para a
descrever, apesar de tudo, como minimamente harmoniosa, de bom granito e
sobretudo prática. Com as obras na estrada, a bica ficou mais funda, mais difícil de
apanhar a água.
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Pouco ou nada sabemos das memórias poéticas à volta desta fonte. Mas como outras,
é quase certo que “testemunhou” namoricos e outras relações humanas à sua volta. Ai
se as fontes falassem!
Benditas sejam as fontesii / À beirinha dos caminhos, / Onde vão matar a sede
Os alegres passarinhos
Nos dias de hoje não damos importância a estas construções, porque as fontes agora
são torneiras; tempos houve em que a água era transportada em cântaros de barro à
cabeça com a ajuda de uma rodilha, à mão com balde ou regador. E vendida (doce)
nas festas em cântaro de barro.
Com as obras dos arruamentos (já nos anos 1980 e 1990) e as construções a jusante
da Rua da Vila Cova, o “progresso” cortou a mina e com ela, a água, e deixou a fonte
órfã do valioso líquido e da presença humana. Durante o dia e durante a noite. 24
horas por dia.
O lugar é rico em água. É natural até que a origem do topónimo tenha raízes nesses
recursos. Apesar disso, este bem é sempre disputado, é origem de rixas, motivo de
inveja e cobiça; avidez. Mesmo não havendo fontanário, tempos houve em que a
simples transmissão de um prédio onerava o subsolo com a “autorização de construir
poço e extrair água apenas com balde, ou bomba manual”. Avalie-se assim a fortuna
de ter água próxima, água corredia, de uma fonte que alguém com enorme visão
resolveu um dia, em 1904, construir.
Esta fonte sempre deu água desde a sua construção, em 1904. Água aos moradores,
e água a todos os que por ali passavam.
O fontanário está rodeado por casas Modernas, por uma capela oitocentista (Capela
de São José, na “Casa da Capela”, e por uma habitação do século XIX com
arquitetura deveras peculiar no seu interior, de que se destaca um louceiro encaixado
na própria fachada granítica; e no primeiro andar, junto aos aposentos, um nicho que
atesta a fé e a religiosidade vividas naquela habitação. Mais afastado, mas ainda
assim, próximo, um moinho, nas margens do Rio Madões.
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Trazer ainda à memória a Rua de Cachopadre, outrora carreiro, depois caminho, mais
recentemente e, finalmente, Rua.
Fontanário
A ele se deve o “tratado manuscrito dos consortes” para uso das águas em
Cachopadre, onde a agricultura historicamente tem sido relevante, tratado esse ainda
em vigor nos nossos dias. Os consortes foram-se sucedendo, mas as regras
mantiveram-se, tal qual foram redigidas em1908.
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E quem era esse António Martins Pacheco (1861-1945)?
Era filho de Bernardo Martins Pacheco (1761-?), casado com Maria Rosa Brandão
(1832-?). Bernardo era filho de Custódio Martins Pacheco (1761-?) e de Ana Joaquina
Alves de Sousa (1775), de Carvalhosa.
Março de 2024
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i
Parente, Salvador, O Livro dos Provérbios, Círculo de Leitores, âncora Editora, Barcelos, 2005
ii
https://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com/2011/08/cancioneiro-popular-da-agua.html#:~:text=%5B1%5D
%20%E2%80%93%20DELGADO%2C%20Manuel%20Joaquim%20Delgado.%20Subs%C3%ADdio%20para%20o
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