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Raça, cultura e disputa territorial: o caso do Príncipe

Negro.

Gleuson Pinheiro Silva


Mestrando em Arquitetura e Urbanismo; Arquiteto e Urbanista pela
Universidade de São Paulo.
gleuson@usp.br

Eixo: A construção da cidade sul-americana contemporânea:


história e historiografia.

Introdução

A pesquisa de mestrado na qual este trabalho está inserido, busca identificar relações entre a
localização urbana das Escolas de Samba do carnaval paulista e sua posição relativa na hierarquia do
concurso de carnaval, levando-se em consideração o aspecto racial envolvido em ambos os
fenômenos. Essa questão está sendo verificada a partir do estudo de caso da Escola de Samba
Príncipe Negro, uma agremiação negra que teve sua localização deslocada de um bairro periférico, a
Vila Prudente, para outro ainda mais distante, isolado e precário, a Cidade Tiradentes, entre as
décadas de 1980 e 1990.

Como objetivos secundários, outras questões se articularam à essa principal. A primeira delas é
verificar e analisar a expulsão da população negra para as periferias da cidade e, consequentemente,
de suas instituições, incluindo-se aí as Escolas de Samba. A segunda, demonstrar a presença negra no
bairro da Vila Prudente, geralmente não mencionada pela historiografia oficial a qual se refere ao
bairro como constituído predominantemente por imigrantes europeus. Uma terceira é apontar o
papel dos projetos urbanos rodoviaristas e da construção das avenidas de fundo de vale na cidade de
São Paulo - do qual a Avenida Luís Ignácio de Anhaia Mello é um importante exemplo – possuíram
também um caráter racial e foram determinantes para a expulsão da população negra para periferias
ainda mais precárias. Por fim, verificar e analisar a relevância das Escolas de Samba na periferia como
organizadoras do espaço urbano, como promotoras da cultura e da sociabilidade nos bairros onde se
instalam, a partir do estudo de caso da Príncipe Negro.
Neste artigo, trataremos especificamente da construção da Avenida Professor Luís Ignácio de Anhaia
Mello, concluída na década de 1970. A execução das obras foi um importante fator no
desalojamento residencial de alguns componentes da agremiação, bem como de sua quadra de
ensaios. Somada a essa questão, a rejeição e o preconceito racial em relação à atividade dos
sambistas por parte dos novos moradores atraídos para a Vila Prudente por conta das
transformações pelas quais a região passava naquele período contribuiu para as dificuldades de
fixação tanto da Escola, como da população negra no bairro.

Como metodologia, foi analisada a tramitação na Câmara Municipal do projeto que resultou na
construção da avenida. O projeto aparece na Câmara no final da década de 1940, como um plano de
canalização e retificação do Córrego da Mooca e, ao longo desses 30 anos é convertido num projeto
de avenida com canalização e tamponamento do córrego. Além disso, buscou-se em notícias de
jornal das décadas de 1940 e 1970, referências ao Córrego da Mooca, enchentes e propostas para a
área. Observou-se que na imprensa acontece a mesma trajetória de abordagem do córrego: de
problema sanitário a mobilidade. Por fim, algumas entrevistas realizadas com pessoas que moraram
ou ainda moram nas proximidades do córrego e da Avenida Professor Luís Ignácio de Anhaia Mello
nos permitem ter um contraponto a imagem do córrego e da avenida levantadas na Câmara e na
imprensa.

Esta pesquisa está sendo desenvolvida no âmbito do LabRaça – Laboratório Raça e Espaço Urbano da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob orientação da Dra. Ana
Cláudia Castilho Barone. Portanto, este trabalho visa contribuir para os estudos sobre a história do
negro durante o processo de urbanização da cidade de São Paulo, na segunda metade do século XX,
quando a metrópole conheceu um processo de intensa expansão.

Do “malfadado córrego da Mooca” ao “alívio do trânsito”

O córrego ou ribeirão da Mooca era o limite sul do loteamento original da Vila Prudente, o qual tinha
como eixo central comercial as regiões mais altas onde se localiza até hoje a Rua do Orfanato. O
córrego também caracterizava a separação entre a Vila Prudente e os loteamentos mais recentes
denominados Parque Vila Prudente e Quinta da Paineira.
Figura 1: Metrópole de São Paulo e indicação da área de estudo. Fonte: Google Earth.

Figura 2: Aproximação à região de estudo. Em magenta, o traçado atual da Avenida Prof. Luís Ignácio de Anhaia Mello. O
retângulo amarelo se refere ao trecho do projeto original da avenida. Fonte: Google Earth
Figura 3: Planta da Vila Prudente com arruamento do bairro indicado em amarelo e o Córrego da Mooca em azul. Fonte:
Mapa Topográfico do Município de São Paulo Sara Brasil, folha II, 1930.

Assim, principalmente no fim da década de 1940, quando se intensificou a ocupação das várzeas do
córrego, aparece na Câmara Municipal solicitações clamando a necessidade de retificação do córrego
e referindo-se às reivindicações da população em relação a solução do problema das enchentes. A
seguir expomos uma Indicação por parte do vereador Lopes Gianini, lida no plenário da Câmara em
1948, e um requerimento apresentado em 1949 pelo vereador José Cyrillo. Indicação nº 157-48,
exemplos de como a questão era discutida pelos vereadores:

Considerando que o córrego da Mooca – que passa pela Vila Prudente,


atravessando a parte baixa da rua Ibitirama e cortando as terras do bairro
chamado Quinta Paineira – corre num leito acanhado, sinuoso, entre o capim
crescido e o mato abundante; (...)

Considerando que a situação sanitária do córrego da Mooca e ruas circunvizinhas


tomou tal proporção miasmática que o Serviço Sanitário do Estado está
promovendo o saneamento desse córrego, no sentido de extinguir focos
endêmicos, e procedendo à limpeza do mesmo e das valetas das ruas Ibitirama e
Limeira; (...)

INDICO ao Sr. Prefeito da Capital a necessidade de ser urgentemente alargado, no


mínimo com dois metros, e mais afundado o CÓRREGO DA MOOCA, desde a rua
Francisco Polito até o ponto onde suas águas desaguam no rio Tamanduateí
(ANAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 23-02-1948, p.404-406).

Requerimento nº 1.081-49:

O córrego da Mooca, no trecho que passa pela Vila Prudente, atenta contra a
saúde pública, não só pelo seu volume insignificante de água, como por formar ali
um depósito de resíduos fecais despejados nas margens (...) por não haver
correnteza e nem serviço de higiene por parte da Prefeitura.

Esta, pela sua secção de Obras Públicas é a única responsável por ser aquele local
um armazém de lixo, de toda espécie, atração para pernilongos e moscas
propagadoras das moléstias mais perigosas aos seres humanos. (...)

A retificação desse riacho, resolveria o problema, para a população de Vila


Prudente, principalmente no trecho compreendido entre a rua Francisco Ponto 1
(sic) e Tamanduateí. É necessário que o citado curso d’água seja alargado, no
mínimo de dois metros e aprofundado outro tanto, provocando o escoamento das
águas pluviais, intensas no tempo de chuvas (ANAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE
SÃO PAULO, 28-09-1949, p.6457-6458).

Das abordagens dos vereadores é possível perceber como a questão dos cursos d’água na cidade
ainda era tratada, no fim da década de 1940, como um problema sob a perspectiva sanitarista,

1 Rua Francisco Polito, provavelmente com grafia errada.


conforme o uso de termos como “miasmas” e focos “endêmicos”. Além disso, nesse período, pelo
que é dito no Requerimento nº1.081-49, entendia-se que os córregos poderiam, simplesmente,
constituir a rede de esgoto da cidade, haja vista que uma das razões para a proposta de retificação
era favorecer a drenagem do esgoto, não sendo considerada a construção de uma rede de esgotos
independente do córrego.

No mesmo período, na imprensa a questão do Córrego da Mooca era tratada de maneira


semelhante, figurando como um “problema” em diversas notícias de jornal. A chamada da Folha de
São Paulo para uma série de reportagens intitulada “Bairros em revista”, na edição de 12-04-1948,
realizada na Vila Prudente, narra a seguinte situação:

Ruas intransitáveis, devido à erosão e às aguas poluídas – Monturos em cada


terreno vago – Espetáculo contristador em pleno populoso bairro da capital
paulista: crianças, jovens e mulheres revirando montes de imundícies – O córrego
da Mooca e seus problemas – Deficiência de água encanada. (FOLHA DE SÃO
PAULO, 09-12-1948, p.23)

Ainda, na sessão de reclamações do Correio Paulistano, em 1950, aparece uma carta de um leitor,
“residente à rua Ituverava, em Vila Prudente”, mencionando a visita de vereadores2 ao bairro,
porém, sem passar pela região do córrego:

Recentemente foi o bairro de VILA PRUDENTE visitado por um grupo de


Vereadores, os quais percorrendo diversas ruas, fizeram muitas promessas,
enchendo, como não poderia deixar de ser, de esperanças aos seus moradores.
(...)

É imprescindível, entre outras providências, a retificação, principalmente, do


malfadado CÓRREGO DA MOOCA, que impudentemente invade ruas e casas,
derrubando muros, etc., ocasionando males de consequência imprevisíveis.
(CORREIO PAULISTANO, 15-01-1950, p.05)

Em outra edição, uma nova carta a respeito da visita dos vereadores, provavelmente uma reedição
da citada acima, se refere a um Projeto de Lei “esquecido” na câmara municipal:

2A fala do vereador Lopes Gianini, na seção de 23-02-1948, faz menção a uma visita realizada à região do córrego por parte dos
vereadores (ANAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 23-02-1948, p.404). Também, a fala do vereador José Cyrillo, em 28-
09-1949, menciona uma visita dos vereadores ao bairro, indicando que eram constantes essas visitas, especialmente próximo aos
períodos eleitorais, conforme afirma o redator da carta (ANAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 28-09-1949, p.6457).
O esquecimento por parte do poder executivo municipal parece que encontrou a
mesma disposição na câmara, pois exatamente na Câmara Municipal existe o
projeto-lei nº 222-48, que dispões sobre a retificação do malfadado córrego da
Mooca. Aonde estará o tal projeto? Apresentado em 23-06-1948 não apareceu.
(...) Como morador da Quinta da Paineira, venho apelar para os edis para que
aprovem o projeto nº 222-48, a fim de terminar com o martírio que aquele
córrego ocasiona aos que ali residem. (CORREIO PAULISTANO, 20-07-1950, p.12)

Pelo que foi possível verificar nos Anais da Câmara Municipal, o Projeto nº 222-48 tratava-se de um
projeto de tratamento do Córrego da Mooca e de suas margens3, conforme menção do vereador
José Cyrillo:

Sei que existe um estudo sabre a retificação do córrego da Mooca. Sei que se trata
de um projeto de grande alcance, mas enquanto esse projeto não se ultima, é de
toda conveniência que a Prefeitura autorize o alargamento e afundamento do
córrego de que me venho ocupando (ANAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO
PAULO, 23-02-1948, p.405).

A abordagem dos vereadores revela que nessa época os cursos d’água da cidade eram vistos apenas
como problemas (enchentes e doenças) tendo que ser eliminados em sua forma natural da paisagem
da cidade. Tal visão era também compartilhada pela imprensa, sendo constantemente reproduzida e
reforçada nas reportagens. Nesse contexto, tanto na Câmara quanto nas matérias de jornal, os
projetos de tratamento do Córrego da Mooca não encontravam questionamentos ou oposição. Era
consensual, portanto, que o desenvolvimento da cidade era imaginado e projetado sem que os
cursos d’água fizessem parte de paisagem. Além disso, a expansão imobiliária ao longo das várzeas
não podia conviver com o regime natural de alagamento dos fundos de vale.

Na pesquisa nos anais da Câmara Municipal e na Imprensa, não foi possível determinar em que
momento o projeto de retificação e ampliação do canal do Córrego da Mooca, segundo uma
perspectiva sanitarista, transformou-se num projeto de avenida de fundo de vale, revelando a
preponderância dos preceitos rodoviaristas no decorrer da década de 1950. Entretanto, na ordem do
dia da Câmara municipal em 16-02-1951, o vereador Brasil Bandecchi leu uma manifestação do
presidente da Comissão de Urbanismo, Obras e Serviços Públicos, na qual era solicitada a execução

3 Na seção
de 21-01-1949 o Projeto 222-48 é listado entre outros de “vital importância para a vida do município” (ANAIS DA
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, 21-01-1949, p.374).
de obras emergenciais enquanto não era possível realizar o projeto nº222-48, que aguardava
recursos financeiros. Segundo esse parecer, já havia sido incorporada ao projeto a construção de
uma avenida marginal ao córrego:

Com as informações do Departamento de Obras, em atenção ao solicitado pela


Egrégia Câmara Municipal, esclarecendo que o problema geral do córrego da
Mooca só poderá ser resolvido de maneira definitiva, com a construção de um
canal de dimensões suficientes, conforme estudos que estão sendo realizados
pelo processo n.45.352-46, não estando ainda aprovadas as diretrizes dessa
canalização. O custo do canal desde a rua Francisco Polito até o seu despejo no rio
Tamanduateí, está estimado em Cr$2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil
cruzeiros), além das despesas com as desapropriações necessárias à abertura da
via de fundo de vale, dentro da qual seria executado o canal.

Por se tratar de obra de elevado custo, ainda não aprovada, haveria grande
oportunidade em ser adotada solução de emergência, sem caráter definitivo, que
consiste no rebaixamento do córrego, o que melhoraria o escoamento respectivo
e atenuaria os atuais problemas de alargamento, importando em cerca de Cr$
60.000,00 (sessenta mil cruzeiros).

A execução dessa obra de emergência está, entretanto, aguardando a


suplementação de verbas já solicitada à Egrégia Câmara, pois as verbas normais já
se acham quase totalmente esgotadas" (ANAIS DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO
PAULO, 16-02-1951, p.245).

Cabe observar que na década de 1950 já estava consolidado o modelo de avenida de fundo de vale
sobre córrego canalizado e enterrado, conforme o exemplo bem-sucedido para o mercado
imobiliário da avenida Nove de Julho, inaugurada no início da década de 19404. Logo, a incorporação
de um projeto de avenida ao projeto de “melhoramento” do Córrego da Mooca, muito
provavelmente, se deu sem maiores questionamentos, debates ou oposições 5, inclusive à
necessidade de desapropriações.

4 O caso da Avenida Nove de Julho, inaugurada em 1941, exemplifica a lógica do Plano de Avenidas de integrar os fundos de vale à
valorização imobiliária, constituindo-se num corredor de regulação especial, normalmente de incentivo à verticalização. Silva
(2014) chama a atenção para o fato da obra inaugurar um modelo de obra que marcará a cidade a partir de então: “um projeto de
cidade que significou a privatização de bens coletivos (a água), a remodelação de uma área desprestigiada por ocupações
pretéritas de má lembrança e a expulsão de uma população tida como indesejada” (SILVA, 2014, p. 282).
5 Nos anais da Câmara Municipal, há menções a pareceres favoráveis ao projeto original de melhoramento do córrego, de nº222 -

48 (e seus complementares e substitutivos), nas diversas comissões da câmara (Justiça, Finanças, Urbanismo), sempre favoráveis
ou com solicitações de pequenas correções, demostrando o consenso de que o projeto usufruía.
Aliás, a questão das desapropriações só aparece nos anais da câmara relacionada a discussões do
orçamento da obra e em nenhum momento é comentada a situação da população afetada. Entendia-
se, portanto, que as indenizações eram suficientes para resolver o desalojamento ocasionado, ao
mesmo tempo em que não era uma questão a expansão das periferias sem infraestrutura da qual
essas remoções eram uma importante contribuição.

Tramitando nesse contexto, o projeto foi consolidado e em 25 de abril de 1958 foi publicada a Lei nº.
5.494 na qual o prefeito Adhemar Pereira de Barros (1957-1961) sancionava a lei aprovada na
Câmara Municipal referente ao “Plano de abertura de avenida ao longo do Córrego da Mooca e
outros melhoramentos no 27º subdistrito – Vila Prudente”:

Art. 1º - De acordo com as plantas anexas ns. 13.834, 13.835, 13.836 e 13.837,
que, rubricadas pelo Presidente da Câmara e pelo Prefeito, passam a fazer parte
integrante desta lei, ficam aprovados os seguintes melhoramentos, no 27º
subdistrito - Vila Prudente.

I - Abertura de uma viela de fundo de vale, ao longo do Córrego da Mooca, com a


largura mínima de 42,00 metros, desde a avenida projetada ao longo do Rio
Tamanduateí até a Estrada de Rio Claro, na extensão aproximada de 9.100
metros.

II - Retificação de alinhamentos da Rua Quartim Barbosa no trecho compreendido


entre a projetada avenida mencionada no item anterior e 104 metros aquém da
Rua Capitão Pacheco Chaves.

III - Abertura de uma praça delimitada pelas ruas Quartim Barbosa, B e Ibitirama e
pela avenida citada no item I.

IV - Ampliação da praça existente entre as ruas Limeira, Ituverava e


Pindamonhangaba.6

Na década de 1970, quando se iniciam as obras de construção da avenida – etapa seguinte ao longo
processo de revisão da proposta – passa a fazer parte do discurso de defesa do projeto a necessidade
de aliviar o transito de automóveis no centro da Vila Prudente, bem como facilitar a ligação com os
bairros do extremo leste da cidade e os municípios vizinhos de São Caetano, Santo André e Mauá.
Dessa maneira, durante a gestão Figueiredo Ferraz (1971-1973), o projeto passa a fazer parte de um

6 Centro de Memória da Câmara: http://www.saopaulo.sp.leg.br/memoria/leis/. Consultado em 23/03/2019.


plano viário que previa a construção de “vias arteriais”, conforme matérias publicadas na Folha de
São Paulo a esse respeito:

Avenida córrego da Mooca – ligará o Ipiranga à Mooca, permitindo um novo


acesso ao cemitério da Vila Formosa, à estrada do Oratório e à estrada de Vila
Ema, deslocando todo o tráfego que hoje passa pela praça Padre Damião – centro
de Vila Prudente – onde há um razoável congestionamento. (FOLHA DE SÃO
PAULO, 17-07-197, p.01)

As novas avenidas são as primeiras que, após longos anos, serão implantadas
nessas regiões. As desapropriações já estavam sendo realizadas, e não
apresentarão maior problema, porque as áreas por onde passarão em sua maior
parte já haviam sido reservadas por antigas leis municipais, que agora serão
finalmente executadas. (FOLHA DE SÃO PAULO, 17-07-1972, p.01)

A proposição da avenida ao longo do córrego da Mooca demonstra a permanência e


desdobramentos do Plano de Avenidas (1930), constituindo-se em um novo eixo de ligação radial
com o bairro de São Mateus. Até então, o bairro do sudeste da capital era acessado pelo corredor
constituído pela transposição do Tamanduateí através da ponte da Rua dos Patriotas, prosseguindo
pela avenida Capitão Pacheco Chaves (que até meados da década de 1960, cruzava a via férrea em
nível, sendo substituída pelo viaduto de mesmo nome), chegava a Praça Damião no centro da Vila
Prudente e de lá seguia pela Rua do Orfanato, Estrada da Vila Ema e, por fim, pelas estradas do
Sapopemba e do Rio Claro.

Intervenções desse tipo e as consequentes remoções normalmente não eram questionadas nem na
Câmara Municipal nem na grande imprensa e expressavam a reiteração do caráter autoritário do
estado brasileiro. Historicamente, intervenções urbanas no Brasil não consideram a realização de
consultas à população afetada ou estudos sobre os impactos, e inclusive, por conta desse
autoritarismo, não costumam enfrentar grandes resistência ou oposição organizada, conforme
observa Silva (2018):

(...) o rigor e a riqueza metodológica das análises ou a complexidade dos dados,


gráficos e mapas substituíram a consulta à população afetada ou a identificação
das práticas do cotidiano para determinar as melhores soluções para cada
intervenção urbana. (SILVA, 2018, p.17)
Portanto, a avenida sobre o Córrego da Mooca exemplifica a transição, entre as décadas de 1940 e
1970, do pensamento sanitarista (de condenação das águas urbanas) para o pensamento
rodoviarista de “eficiência” de transporte sobre pneus e incremento imobiliário acompanhado de
desapropriações e expulsões. O retorno de Prestes Maia a prefeitura da cidade, de 1961 a 1965
representou a consolidação e o trunfo do rodoviarismo, nos moldes por ele defendido (ANELLI,
2007), como orientador da expansão da cidade.

Desapropriações: racismo e apagamento

A obra da Avenida Professor Luís Ignácio de Anhaia Mello ocasionou o desalojamento de pessoas que
residiam às margens do córrego, ao mesmo tempo em que abriu um novo eixo de valorização
imobiliária. Tal processo, repetido em diversas novas avenidas de fundo de vale construídas
conforme a cidade se expandia, pode ser comparado à mencionada abertura da Avenida Nove de
Julho, no que diz respeito a questão racial envolvida.

Uma importante reflexão sobre a questão racial nesse tipo de intervenção foi realizada por Silva
(2014) no caso da Avenida Nove de Julho. No texto “Lembranças eu tenho da Saracura”: Escavando
histórias soterradas, Silva argumenta que tal processo urbano decorre de uma conciliação entre os
interesses imobiliários, o urbanismo regulador e sanitarista e o ascendente rodoviarismo, sendo,
portanto, um concerto entre interesses privados e de Estado. Dentro desse processo, não há espaços
para a memória dos negros que ocupavam esses locais e, muito menos, espaços para a sociabilidade
e interação urbana construída por eles como forma de se incluírem na cidade. Os negros são
excluídos das narrativas que se construíram sobre o bairro do Bexiga e suas táticas de sobrevivência
são estigmatizadas (SILVA, 2014, P.290-95).

O bairro da Vila Prudente aparece na historiografia da cidade como um bairro industrial ocupado
inicialmente por imigrantes de origem europeia, ainda no final do século XIX. Segundo Reis (1991),
essa ainda era a imagem a ser celebrada no centenário do bairro, em 1990, com festejos
patrocinados por descendentes desses imigrantes ainda residentes na região (JORNAL DA TARDE,
p.7, 18/05/1991).
Apesar de não ser mencionada a presença negra, o bairro possuiu ao longo de sua história, duas
Escolas de Samba, sendo que uma dessas agremiações, a Príncipe Negro da Vila Prudente7, não
conseguiu fixar-se no bairro, entre outros fatores, por conta da construção da construção da avenida.
Parte dos componentes da agremiação deixaram o bairro devido as desapropriações decorrentes da
obra da Avenida Professor Luís Ignácio de Anhaia Mello e as consequentes mudanças na região,
como a atração de novos moradores que criticavam a atuação dos sambistas.

Na fala dos vereadores e na imprensa, que vimos anteriormente, muito se fala dos transtornos que o
córrego causava aos moradores, porém não aparecem registros da opinião ou consulta a essas
pessoas em relação às perspectivas de remoção. Conforme o que está documentado nestas fontes,
os habitantes compartilhariam do consenso estabelecido a respeito do destino do córrego.

Os problemas gerados pelo córrego aparecem em alguns relatos de membros da Escola de Samba
Príncipe Negro e ex-moradores da Vila Prudente:

Porque inclusive lá enchia muito d’água. Meu pai contava que teve uma vez que a
cama, encheu tanto que quando ele acordou a cama estava boiando. Aí eles
saíram para morar mais para cá, na Anhaia Mello, mas, bem já pertencendo a Vila
Ema (ROSINÉIA8, 31-03-2019).

Entretanto, não parece ter sido as dificuldades de convívio com o córrego determinante para que
essas pessoas deixassem a Vila Prudente, mas sim, a obra de “melhoramento”:

A minha vó também saiu de lá, a mãe dele [Romão9]. A família toda dele morava
aí. E passava um rio onde é a Anhaia Mello e ele morava do outro lado. Aí, quando
chegou essa avenida, muita gente perdeu, precisou abrir rua, tirar casa. Aí foi que
eles mudaram daqui. Mas eles foram criados... esse meu cunhado [Romão], antes
dele casar, ele morava bem lá no miolinho onde era o Príncipe Negro, a primeira
Escola.

7 G.R.C.E.SPríncipe Negro da Vila Prudente foi fundado em 1964 por um grupo de amigos negros que praticava também futebol no
bairro de Vila Prudente. Durante a década de 1980, parte de seus componentes deixaram o bairro da Vila Prudente e a Escola
acabou transferida para a Cidade Tiradentes, destino de alguns de seus membros.

8 Entrevista com Rosinéia Vieira Rodrigues, ex Rainha de Bateria e diretora da Príncipe Negro

9 Romão Vieira Neto, pai de Inhana e um dos fundadores da Príncipe Negro.


Muita gente saiu... pegou desde lá da Vila Prudente e foi arrastando. Muita gente
perdeu casa. (ADEMIR10, 18-05-2019)

A família da minha mãe tem casa até hoje ali na Vila Ema que é bem pertinho dali.
E a família do meu pai tinha casa na Anhaia Melo, quando ainda não existia a
avenida. E aí desapropriou. E a casa da minha avó materna era bem onde passou a
Avenida Anhaia Mello. Então desapropriou e eles receberam o valor e se
mudaram para Mauá, porque na época o valor eles não conseguiam comprar ali
na região. Aí se mudaram para Mauá. Mas, a família da minha mãe, até hoje,
ainda mora lá. Tem alguns que moram ali na Coelho Barradas nas ruas próximas
ali. E na Vila Ema também, Coelho Barradas já é bem Vila Prudente mesmo. Vila
Ema, Vila Diva tudo naquela região (INHANA11, 02-10-2016).

Assim, os “melhoramentos” com objetivo de “resolver os problemas da população” nem sempre


significavam melhores condições de moradia de fato. Neste caso, a população mais afetada pelas
enchentes e demais problemas acabou sendo a parcela expulsa pelas obras e impedida de desfrutar
dos benefícios e do investimento municipal.

As obras da avenida e as consequentes desapropriações vieram acompanhadas ainda da valorização


da região. Assim, muitos dos que não foram diretamente afetados pelas desapropriações,
possivelmente, sofreram com a valorização dos terrenos e imóveis do entorno, o que também era
determinante para forçar a saída dos moradores. Foi o caso da família de Inhana, que conseguiu
adquirir uma casa própria somente no distante bairro de Cidade Tiradentes:

Dentro dessa história tem várias histórias assim: perderam casa por não conseguir
pagar IPTU, porque você ficava na família ali, o terreno era grande, moravam
várias famílias. Parou de pagar o IPTU, não conseguia porque o IPTU da Vila
Prudente é muito caro. Aqui na Cidade Tiradentes, por ser um bairro considerado
de classe média baixa, aqui a gente já não paga IPTU, e você tem a condição de
adquirir sua casa própria, né? (INHANA, 02-10-2016)

10 Entrevista com Ademir Gomes da Silva, irmão de Julieta, mãe de Inhana uma das fundadoras da Escola, e membro da Bateria.

11 Entrevista com Rossimara Vieira Isaias, Inhana, atual presidente da Príncipe Negro.
Assim, o projeto da Avenida Luís Ignácio de Anhaia Mello, para além dos discursos, primeiro apoiado
em intenções sanitarista, depois na resolução da mobilidade, apresenta-se como um instrumento de
expulsão de uma população e de instituições (no caso, uma Escola de Samba), não condizentes com a
imagem de desenvolvimento pretendida pela exploração imobiliária. Nesse contexto, um
significativo contingente que não chegou a ser sequer associado a história do bairro, foi expulso sem
qualquer registro desse processo.

O traçado da avenida

A análise das plantas anexas do Departamento de Urbanismo às quais se refere a Lei nº.5.494 nos
permite tecer algumas considerações não perceptíveis nos textos e secções da Câmara Municipal que
tratam do projeto. O documento é constituído de 2 folhas, com desenho na escala 1:1000, sendo que
a Folha 1 (correspondente as folhas nº. 13.835 e 13.836) cobre um trecho entre a foz do córrego no
Rio Tamanduateí e a Rua Behmer (atual Taberoé), e a Folha 2 (correspondente a folha nº. 13.834)
cobre um trecho maior, entre a Rua Américo Vespucci e o cruzamento com a Estrada do Oratório –
onde terminava o primeiro projeto da avenida. Na Folha 2, há um croqui de uma secção típica da
avenida com o córrego a céu aberto, diferente da versão executada, com córrego tamponado,
dezessete anos depois12.

A primeira questão surgiu da comparação desses desenhos, registrados com data de 1958, e a foto
aérea da cidade de São Paulo do mesmo ano, disponível no site Geoportal Memória Paulista. Chama
a atenção a representação do córrego com diversos meandros, enquanto na foto, o Córrego da
Mooca já se apresenta com diversos trechos retificados. Isso levou a acreditar que o traçado da
planta se baseou em um levantamento fotográfico anterior. Entretanto, a fotografia anterior de
1954, disponível na página Geosampa da prefeitura de São Paulo, também apresenta o córrego
retificado nessa região. Da mesma forma, a base VASP-Cruzeiro de 1954 tem o traçado do córrego
retificado. O traçado do córrego guarda semelhanças com o registrado na foto aérea de 1940,
também disponível no site Geosampa.

Por sua vez, o registro dos lotes e edificações nas plantas anexas à Lei também aparece desatualizado
em relação a base VASP-Cruzeiro de 1954, porém, diferente do traçado do córrego, as edificações
estão mais atualizadas em relação ao registro de 1940. Assim, provavelmente, essas plantas foram

12 Esses desenhos e fotos estão em formatação para a apresentação do trabalho.


produzidas para o projeto de lei n. 222 de 1948, e não foram atualizadas até a criação da lei que
determinava a obra da avenida, em 1958.

Outra questão importante é que o traçado da avenida e da área de desapropriação incide


principalmente sobre a margem sul do córrego, área com ocupação predominantemente residencial,
enquanto a margem norte, pelo menos no que é possível observar nas fotos aéreas até 1958, tinha
uma ocupação predominante de galpões. Como a faixa de desapropriação não estava indicada no
eixo do canal do córrego retificado, isso sugere que, para a prefeitura, era mais interessante
realização desapropriações de imóveis residenciais.

No último trecho, menos ocupado e que não sofreu retificação do canal (entre a atual tomada da
avenida Salim Farah Maluf e a Estrada do Oratório), apesar da grande disponibilidade de áreas
desocupadas na margem sul, e mesmo uma considerável faixa desocupada na margem norte, ainda
assim, a faixa de desapropriação incluía alguns imóveis que poderiam ser preservados com um
deslocamento da faixa para o sul, sem edificações. Isso sugere que os critérios adotados para
definição da faixa de projeto e desapropriação não tinha como premissa preservar o maior número
possível de desapropriações e, ao mesmo tempo, havia algum interesse de não incorporar essas
áreas ainda bastante desocupadas. Ou seja, não havia preocupação de se preservar pequenos
imóveis, mas existia interesse em relação às futuras áreas de exploração imobiliária.

Outras questões são suscitadas quando comparamos as fotos aéreas de 1958 e de 1972, anterior à
execução das obras do primeiro trecho da avenida – entre o Tamanduateí e a Avenida Oratório.

No trecho entre o Tamanduateí e a Favela da Vila Prudente, o eixo do córrego é deslocado, havendo
remoção de parte significativa da favela. Percebe-se também a remoção de algumas edificações
dentro da faixa de desapropriação, na margem sul do córrego. Isso indica que apesar da aprovação
do projeto no fim da década de 1950, e decorrida toda a década de 1960, as remoções foram
efetivadas somente às vésperas da obra. Essa demora para início das obras demonstra as
dificuldades de viabilização de recursos tanto para o projeto quanto para as desapropriações. Por
outro lado, como vimos acima, parece que o traçado definido no projeto não tinha como premissa
evitar destinação de recursos para desapropriações, buscando evita-las através do desenho.
A área onde residia a maior parte das pessoas que fundariam a Escola de Samba Príncipe Negro em
1964 (margem sul do córrego, nas ruas Coelho Barradas e José dos Reis, era a mais intensamente
ocupada em 1958 e aparece como a que sofreu menos remoções as vésperas da obra em 1972.

A grande área desocupada na altura da tomada da atual Av. Salim Farah Maluf aparece com o
traçado das ruas já implantados em 1972. Essa é a área que atualmente tem a ocupação residencial
mais verticalizada e de mais alto padrão, as margens da Av. Prof. Luís Ignácio de Anhaia Mello. Mais
uma vez, cabe observar a permanência dos preceitos de Prestes Maia sobre a combinação de largas
avenidas e verticalização. Na introdução do Plano de Avenidas, ele propõe que os proprietários e
empreendedores passem a abrir mão das grandes projeções horizontais e adotem a verticalização,
defendendo, inclusive, uma política de espera ou previsão de alargamento dos eixos viários.

Também em 1972 aparecem em construção três importantes equipamentos a serem acessados pela
nova avenida: o atual Clube Municipal da Vila Alpina, a Escola SENAI Vila Alpina e o atual Parque
Ecológico da Vila Prudente. Vale observar que as áreas residenciais de melhor padrão na Vila
Prudente estão localizadas junto a esses equipamentos.

Apesar da previsão de abertura da grande avenida, mesmo na década de 1970, as margens não
haviam ainda sido ocupadas intensamente o que indica que o projeto não respondeu à possível
expectativa de valorização e deslocamento do eixo comercial da Avenida Vila Ema. Por outro lado,
parece que o longo processo de projeto, tramitação, revisões e desapropriações funcionaram como
um impedimento da intensificação da ocupação das margens do córrego da Mooca. E isso ocorreu
em uma época – décadas de 1960 e 1970 – em que a cidade de São Paulo via suas periferias
crescerem vertiginosamente. Assim, mesmo no fim da década de 1978, as margens da avenida ainda
possuíam diversos terrenos desocupados, conforme é possível ver na imagem ao lado.

O projeto da nova avenida ao mesmo tempo em que expulsava os moradores negros e com menos
recursos econômicos das áreas até então menos valorizadas, atraía novos moradores de outros
extratos sociais:

Depois que ela perdeu a quadra, então, foi tudo caminhando para essa mudança.
Ela perdeu a quadra numa data e alugou espaço, mas, uma Escola de Samba, a
maioria não tem renda anual, não conseguiu fazer os pagamentos.
Aí foram para praça ficaram acho que uns quatro, cinco anos numa praça. E
também lá na Vila Prudente, eu que era moradora de lá, ali é um bairro que eu
considero de classe média alta, entendeu?

Acho que isso é oficial, né? Que lá é classe média alta. E ali onde ficava a Escola de
Samba nos últimos anos então, a vizinhança, nossa! Não respeitava enquanto
cultura, achava que a grande maioria negros, maloqueiro, que estavam fazendo
bagunça ali. Eles não tinham aquela visão de saber da história, quantos anos
estava no bairro, que eles estavam chegando lá, o bairro teve todo esse
crescimento socioeconômico, mas a Escola estava ali... era muito nítido isso.
Muito nítido. (INHANA, 26-01-2019)

Essas transformações na região, reiteraram a narrativa histórica da Vila prudente como bairro
operário e de imigrantes de origem europeia, expulsando e apagando a memória negra do bairro, da
qual a Príncipe Negro era representante:

Vila Prudente começou a existir, oficialmente, em 1890. Vila Zelina, a partir de


1930 e, curiosamente, desde seu início tornou-se abrigo de imigrantes do leste
europeu, principalmente da Rússia, Lituânia, Polônia e Ucrânia. Mas foi
principalmente após o fim da Segunda Guerra Mundial que essa imigração
cresceu. (...)

Vila Zelina desenvolveu-se ao redor de uma colina. Em seu topo fica a Praça da
República Lituana, coração do bairro. Nela estão a Igreja, dedicada a São José, e
alguns pontos comerciais importantes: farmácias, a padaria, farmácias, uma loja
de ótica e foto. (...)

Os imigrantes que povoam Vila Zelina trouxeram tradições, danças típicas, rostos
diferentes, e, principalmente, boa comida. A Rotisserie do Victor é um exemplo
disso - lá se pode experimentar alimentos como Koseijena e Krienai, entre outras
delícias. Ou experimentar uma tradição lituana, o licor de mel, que "esquenta a
alma e alimenta o corpo".

Assim é Vila Zelina. Um excelente lugar para morar, e onde já moram pessoas
ótimas. (WWW.TECNISA.COM.BR/BAIRROS/VILA-PRUDENTE/69, acesso 20-05-
2019)

A execução da Avenida Prof. Luís Ignácio de Anhaia Mello é um exemplo típico da expansão
periférica da cidade de São Paulo. As áreas afastadas, de difícil acesso, menos valorizadas foram
ocupadas pela população pobre, constituída significativamente por negros. Tais áreas, à medida em
que são “enxergadas” pelo mercado imobiliário e, consequentemente, pelos “melhoramentos”
públicos13, tem sua população original expulsa para novas franjas periféricas, sendo que os planos e
projetos urbanos, historicamente, tem em seu conteúdo os discursos técnicos de eficiência pautados
pela circulação e mobilidade, mas, raramente enfrentam a questão da moradia para a população de
baixa renda.

Além disso, esse tipo de obra revela que o referido discurso técnico da eficiência, sempre
acompanhado de uma suposta neutralidade política universalista, não enxergam ou não reconhecem
outras maneiras de constituição e interação com espaço urbano além das moldadas pela ordem
colonial branca eurocêntrica. Na cidade da “eficiência” e da “mobilidade” não há espaço para os
batuques em uma praça do bairro ou mesmo em algum outro espaço público.

Referências

Bibliografia citada / consultada


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CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
FIX, Mariana. Parceiros da exclusão. São Paulo: Boitempo, 2001.
MAIA, Francisco Prestes. Estudo de um Plano de Avenidas para a cidade de São Paulo. São Paulo:
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2010, Vitória. Anais do XI Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Vitória: UFES, 2010. p. 1-
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ROLNIK, Raquel. A cidade e a Lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo:
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_____________. Territórios Negros nas Cidades Brasileiras (etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro).
In: Revista de Estudos Afro-Asiáticos, 17 – CEAA, Universidade Cândido Mendes, 1989.

13Melhoramentos e recursos públicos, porém, com um grupo reduzido de beneficiados, haja vista que a abertura de avenidas de
fundo de vale ganhou força quando passou a utilizar recursos federais destinados ao saneamento básico, por exemplo, embora a
população que mais sofria com a falta de saneamento fosse expulsa das áreas afetadas pelos “melhoramentos”.
SÃO PAULO (Município). São Paulo, a Cidade, o Habitante, a Administração: 1975-1979. Prefeitura do
Município de São Paulo: Administração Olavo Egydio Setúbal, 1979.
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Rubinato e outros sambistas paulistanos (1951-1969). Tese (Doutorado). São Paulo, FAU USP, 2011.
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Sites

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http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.082/259, março, 2007.

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