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i

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO


CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY
COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
NÚCLEO DE PESQUISA DE HISTÓRIA DA ENFERMAGEM BRASILEIRA -
NUPHEBRAS

A ESCOLA ANNA NERY (EAN) NO “FRONT” DO


CAMPO DA EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM E O
(RE) ALINHAMENTO DE POSIÇÕES DE PODER
(1931 - 1949)

ANTONIO JOSÉ DE ALMEIDA FILHO

RIO DE JANEIRO
2004
ii

ANTONIO JOSÉ DE ALMEIDA FILHO

A Escola Anna Nery (EAN) no “front” do campo da educação em enfermagem e o


(re)alinhamento de posições de poder (1931 – 1949)

ORIENTADORA: Profa. Dra. Tânia Cristina Franco Santos

Relatório final da Tese de Doutoramento


apresentado à Escola de Enfermagem Anna
Nery da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito à obtenção do título de
Doutor em Enfermagem.

Rio de Janeiro

Dezembro – 2004
iii

A ESCOLA ANNA NERY (EAN) NO “FRONT” DO CAMPO DA


EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM E O (RE) ALINHAMENTO DAS
POSIÇÕES DE PODER (1931 – 1949)

Antonio José de Almeida Filho

Relatório Final da Tese de Doutoramento apresentado à Banca Examinadora


como exigência do Curso de Doutorado em Enfermagem da Escola de Enfermagem
Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em dezembro de 2004

Banca Examinadora:

Presidente: Profª Dra.Tânia Cristina Franco Santos

4º Examinador: Profª Dra. Suely de Souza Baptista

3º Examinador: Profº Dr Osnir Claudiano da Silva Junior

2º Examinador: Profª Dra. Almerinda Moreira

1º Examinador: Profº Dr. Sílvio de Almeida Carvalho Filho

Suplente: Profª Dra. Lúcia Helena Silva Corrêa Lourenço

Suplente: Profª Dra. Glória Walkíria de Fátima Rocha

Rio de Janeiro

2004
iv

FICHA CATALOGRÁFICA

Almeida Filho, Antonio José.


A Escola Anna Nery (EAN) no “front” do campo da educação em
enfermagem e o (re)alinhamento das posições de poder (1931 –
1949). / Antonio José de Almeida Filho: UFRJ/EEAN, 2004.

xiii, 200p.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Enfermagem Anna Nery. 2004.
Orientadora: Tânia Cristina Franco Santos.
1. Enfermagem 2. História da Enfermagem – Brasil
3. Ensino de Enfermagem 4. Religião I. Título

CDD 610.73
v

DEDICATÓRIA

Dedico este momento e a conquista deste estudo


aos meus pais, Antonio José de Almeida e Maria
Helena de Almeida, cujas presenças constantes
serviram de inspiração e transmitiram conforto, aos
meus irmãos e aos valorosos amigos que em muitos
momentos manifestaram apoio.
vi

AGRADECIMENTOS

A Deus, por existires e me mostrares que tudo pode ser alcançado,

independente de instituições religiosas.

A meus pais, por nunca me faltarem com o apoio necessário em cada dia

de minha vida.

A meus irmãos, que colaboraram direta ou indiretamente na construção

deste trabalho.

A minha orientadora, Profª Dra. Tânia Cristina Franco Santos, por

compartilhar a sua experiência, durante este período de grande ansiedade. Muito

obrigado, por tudo.

Ao Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira –

NUPHEBRAS, que com sua estrutura contribuiu muito para ampliar o meu

conhecimento geral e, sobretudo, na história da enfermagem brasileira.

As professoras titulares de história da enfermagem, Ieda de Alencar

Barreira e Suely de Souza Baptista, que se destacaram pelo exemplo de dedicação,

competência e empreendimento ao longo de suas vidas. Hoje, mesmo aposentadas

continuam enriquecendo o conhecimento acerca da história da enfermagem.

A Profª Drª Lúcia Helena Silva Correa Lourenço, cuja contribuição foi

muito importante, enquanto chefe de departamento e, sobre tudo, nas várias

intervenções nas diferentes etapas de construção deste estudo.

As colegas de PCI – II, pelo apoio nos momentos em que precisei me

ausentar das atividades do PCI.

Aos demais docentes do Departamento de Enfermagem Fundamental por

dividirem esse período de grande ansiedade.


vii

A todas as docentes e dissentes do Curso de Doutorado da EEAN, pela

socialização do conhecimento, demonstrado nas inúmeras atividades desenvolvidas ao

longo do Curso de Doutorado desta instituição.

Aos vários acervos históricos, sem os quais as pesquisas históricas não

existiriam, com destaque para o Centro de documentação da Escola de Enfermagem

Anna Nery - UFRJ, Centro de Memória da Faculdade de Enfermagem da UERJ,

Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo

Pinto – UNIRIO, Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

–COC, Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, acervo da

Biblioteca Nacional, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e do Arquivo da Cúria

Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro. A iniciativa dessas instituições muito

têm colaborado para a preservação da memória da nossa sociedade e da enfermagem,

permitindo um resgate do passado e uma melhor compreensão do momento presente.

As depoentes deste estudo, Anna Jaguaribe da Silva Nava, Elvira de

Felice Souza e Lieselotte Hoeschl Ornellas, cujos depoimentos contribuíram para a

construção de parte da nossa história profissional.

A Coordenadora Geral de Pós – Graduação e Pesquisa da EEAN, Neide

Aparecida Titonelli Alvim, e as Coordenadoras Adjuntas do Curso de Doutorado da

EEAN, Regina Zeitoune e Márcia de Assunção Ferreira, pelas atuações competentes a

frente dos respectivos cargos.

As funcionárias da Bibioteca Setorial e da Secretaria de Ensino de Pós –

graduação da EEAN/UFRJ, pela simpatia e colaboração constantes.

Aos amigos, pela colaboração, apoio e incentivo, em tantos momentos. A ajuda

de vocês jamais será esquecida.


viii

A Miguel Augusto Torres Corrêa, pelo apoio e serenidade transmitida, em todos

os instantes, principalmente, diante das dificuldades. É muito importante poder contar

com você.
ix

RESUMO

A ESCOLA ANNA NERY NO “FRONT” DO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM


ENFERMAGEM E O (RE) ALINHAMENTO DE POSIÇÕES DE PODER

Trata-se de um estudo de cunho histórico-social, cujo objeto é a participação da Escola

Anna Nery (EAN) no (re) alinhamento das posições de poder e prestígio no campo da

educação em enfermagem . O recorte temporal compreende o período de 1931 a 1949,

sendo o marco inicial a publicação do Decreto nº 20. 109/31 e o final a promulgação da

Lei nº 775/49. Fontes primárias: documentos escritos e fotográficos do Centro de

Documentação da EEAN/UFRJ, da Cúria Metropolitana de São Sebastião do Rio de

Janeiro, do Centro de Memória da Faculdade de Enfermagem da UERJ, do Laboratório

de Pesquisa de História da Enfermagem da UNIRIO, do Centro de Pesquisa e

Documentação da FGV, do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de

Oswaldo Cruz, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, além dos depoimentos

orais de ex-alunas e professoras aposentadas da EAN. Ao achados foram iluminados à

luz do pensamento de Pierre Bourdieu, evidenciando a luta simbólica da Escola de

Enfermagem Anna Nery, liderada por Laís Netto dos Reys, pelo poder de enunciar o seu

discurso na formação da enfermeira brasileira, diante da concorrência materializada

através da Escola de Enfermagem de São Paulo, liderada por Edith de Magalhães

Fraenkel.
x

ABSTRACT

THE ANNA NERY SCHOOL (ANS) AT THE “FRONT” OF NURSING


EDUCATION FIELD AND THE REALIGNMENT OF POWER POSITIONS
(1931 – 1949).

This is a historical and social study which subject is the participation of the Anna Nery

Nursing School (EAN) in the realignment of the power positions in the Nursing

Education field. The study is situated in a time frame that goes from 1931 to 1949. The

main sources are the publication of edict nº 20. 109/31 and the last part of the

promulgation of Law nº 775/49. The primary documentary sources were: Written and

photographical documents of the Documentation Center of the EEAN/UFRJ; the Cúria

Metropolitana of Saint Sebastian of Rio de Janeiro; the Memorial Center of the Nursing

Faculty of the UERJ; the History of Nursing Investigation Center of UNIRIO¸ the

Investigation and Documentation Center of FGV; The Archive and Documentation

Deparment of the Casa Oswaldo Cruz; Archive General of the City of Río de Janeiro,

plus the testimonies of students, teachers and retirees of the EAN. The research was

guided by the ideas of Pierre Bourdieu and it proves the symbolic fight of the Anna

Nery Nursing School, leaded by Laís Netto dos Reys and the guidence of her discourse

in the formation of the Brazilian nurse in rivaltry with the Sao Paulo Nursing School

leaded by Edith de Magalhães Fraenkel.


xi

RESUMEN

LA ESCUELA ANNA NERY (EAN) EN EL “FRONT” DEL CAMPO DE LA


EDUCACIÓN EN ENFERMERÍA Y EL REALINEAMIENTO DE LAS
POSICIONES DE PODER (1931 – 1949).

Trata de un estudio histórico- social, cuyo objetivo es la participación de la Escuela

Anna Nery (EAN) en el realineamiento de las posiciones de poder en el campo de la

educación en Enfermería. El marco de estudio comprende un periodo que va desde 1931

a 1949. El marco principal es la publicación del decreto nº 20. 109/31 y el final de la

promulgación de la Ley nº 775/49. Las fuentes documentales principales fueron: Los

documentos escritos y fotografías del Centro de Documentación de la EEAN/UFRJ; de

la Cúria Metropolitana de San Sebastián de Rio de Janeiro; del Centro de Memorias de

la facultad de Enfermería de UERJ; del Laboratorio de Investigaciones de Historia de la

Enfermería de UNIRIO¸ del Centro de Investigación y Documentación de FGV; del

Departamento de Archivo y Documentación de la Casa Oswaldo Cruz; Del Archivo

General de la Ciudad de Río de Janeiro, aunado a los testimonios de alumnas,

profesores y jubilados de la EAN. Esta información fue iluminada por el pensamiento

de Pierre Bourdieu y evidencia la lucha simbólica de la Escuela de Enfermería Anna

Nery, lidereada por Laís Netto dos Reys y la fuerza de su discurso en la formación de

las enfermeras brasileñas ante la competencia de la Escuela de Enfermería de Sao Paulo,

lidereada por Edith de Magalhães Fraenkel.


xii

SUMÁRIO

SUMÁRIO

- CONSIDERAÇÕES INICIAIS 01

• Objeto de Estudo.................................................................................... 01
• Tese........................................................................................................ 09
• Objetivos................................................................................................ 09
• Motivação............................................................................................... 10
• Contribuição........................................................................................... 10

• Abordagem Teórico – metodológica................................................... 10


• Os conceitos teóricos............................................................................. 10
• Operacionalização da pesquisa.............................................................. 14

- Capítulo I – A criação da Escola Anna Nery como pedra de toque da


revolução no campo da educação em enfermagem (1931 – 1937) ........ 25

• Antecedentes históricos.......................................................................... 25

• O Movimento Católico dos anos 30 e a educação no Brasil.................. 30

• A Escola Anna Nery: ponto de partida.................................................. 34

- Capítulo II – A nomeação de Laís Netto dos Reys como diretora da


EAN e a revolução simbólica no campo da educação em enfermagem
(1938 – 1942) .............................................................................................. 62

- Capítulo III – As armas simbólicas utilizadas pelas agentes na luta


pela liderança no campo da educação em enfermagem (1943 – 1946)
...................................................................................................................... 92

- Capítulo IV – O (re) alinhamento das posições no campo da


educação em enfermagem : os ganhos e as perdas simbólicas para a
EAN (1947 – 1949) ..................................................................................... 142

- Considerações Finais ................................................................................. 173

- Referências Bibliográficas......................................................................... 184

- Depoentes ................................................................................................... 192


- Anexos ........................................................................................................ 197
xiii

LISTAGEM DE FOTOGRAFIAS

Páginas

Foto n º 1 Cerimônia de inauguração da Escola de Enfermagem Carlos Chagas, 50


no Hospital São Vicente de Paulo, em Belo Horizonte – MG , 1933

Foto nº 2 Visita do Cardeal arcebispo Dom Sebastião Leme à Escola Anna Nery, 70
em 21 de novembro de 1939

Foto nº 3 Cerimônia de encerramento da I Semana da Enfermeira, em 20 de 75


maio de 1940, no Internato da Escola Anna Nery

Foto nº 4 Pose grupal registrada por ocasião da formatura da turma de 1942 82

Foto nº 5 Cerimônia de batismo do avião ambulância Anna Nery 96

Foto n º 6 Criação da Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, em 19 104


de abril de 1944

Foto nº 7 Comitiva da Escola Anna Nery, em visita ao Palácio do Catete por 126
ocasião da V Semana da Enfermeira, em 22 de maio de 1945

Foto nº 8 Formatura da classe de 1945 e comemoração dos 20 anos de formatura 129


da “Turma Pioneira”

Foto nº 9 Pose grupal registrada após cerimônia de formatura, no Internato da 156


Escola Anna Nery, em 1947

Foto nº 10 Formatura da classe de 1948, realizada no Internato da Escola Anna 160


Nery
1

A ESCOLA ANNA NERY (EAN) NO “FRONT” DO CAMPO DA EDUCAÇÃO


EM ENFERMAGEM E O (RE)ALINHAMENTO DE POSIÇÕES DE PODER
(1931 – 1949)

1 - INTRODUÇÃO

1.1 - Considerações iniciais

Neste estudo, tomei como objeto a participação da Escola Anna Nery no

(re)alinhamento das posições de poder e prestígio no campo da educação em

Enfermagem, no período compreendido entre 1931 e 1949. O recorte inicial da

investigação foi definido em função da promulgação do Decreto nº 20 109, de 15 de

junho de 19311, que atribuiu à Escola Anna Nery o status de escola oficial padrão, para

fins de reconhecimento das demais escolas de enfermagem no país. No outro extremo,

situa-se o ano de 1949, eis que a promulgação da Lei nº 775 ocorreu em 6 de agosto de

19492, quando tal responsabilidade foi transferida para o Ministério da Educação e

Saúde.

O fio condutor da pesquisa leva em consideração os vínculos entre

instituições religiosas e políticas em nosso país; no caso em tela, a necessidade que as

congregações religiosas da Igreja Católica sentiam, com o intuito de manter sua

hegemonia no campo da saúde, em especial, na área de Enfermagem, tanto no âmbito

administrativo, quanto assistencial. Todavia, é interessante ressaltar que, ao mesmo

tempo, a Fundação Rockefeller apresentava perspectivas políticas alternativas para este

campo, contribuindo para a formação de grupo concorrencial na enfermagem brasileira.

1
Além de regular o exercício da enfermagem no Brasil, fixa as condições para a equiparação das escolas
de enfermagem, definindo a Escola de Enfermagem Anna Nery como oficial padrão.
2
Dispõe sobre o ensino de enfermagem no país e dá outras providências.
2

Nessa linha de pensamento, é esclarecedor recordar que a implantação

oficial do sistema nightingale no Brasil ocorreu a partir de 1922, com a criação no Rio

de Janeiro, à época Capital Federal, da Escola de Enfermeiras do Departamento

Nacional de Saúde Pública (DNSP), atual Escola de Enfermagem Anna Nery. Essa

iniciativa concretizou-se através de uma Missão de Cooperação Técnica para o

Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, com a participação efetiva de enfermeiras

norte-americanas em cargos de primeiro escalão da enfermagem brasileira,

representados pela direção da Escola de Enfermagem Anna Nery e a Superintendência

do Serviço de Enfermeiras do DNSP (SAUTHIER E BARREIRA, 1999, p.70 e segs.).

A nova proposta de enfermagem implantada no Brasil permitia

vislumbrar perspectiva de re-configuração no campo da enfermagem, substituindo a

prática tradicional vigente no território nacional, por alternativa fundamentada em

princípios científicos, difundidos internacionalmente. As agentes deveriam ser

portadoras de capital cultural e social, entendidos como importantes para a obtenção do

reconhecimento social do trabalho da enfermeira.

Esse processo assumiu caráter ainda mais ameaçador aos grupos

concorrentes, como a igreja e o exército brasileiro, até então tidos como representantes

legítimos da prática da enfermagem nos diferentes espaços sociais, quando da

promulgação do Decreto 20.109/31 (SAUTHIER e BARREIRA, 1999, p. 157 – 159;

BEZERRA, 2002, p. 28).

Silva Junior (2000, p. 138-139) analisa o impacto do Decreto nº 20.

109/31, pontuando que, a partir da promulgação desse diploma legal, tanto a igreja

católica romana, quanto o exército brasileiro buscaram, junto ao governo central,

medidas que legitimassem sua prática assistencial, em contraposição ao padrão Anna

Nery. Note-se que o dispositivo em tela abalizava, por parte do Estado nacional, a
3

distinção do padrão Anna Nery no campo da educação em enfermagem, como o

pretendido para o país e, portanto, para efeito de criação e reconhecimento de outras

escolas de enfermagem brasileiras. Além disso, determinou que, a partir de então, a

profissão somente poderia ser exercida pela portadora do diploma de enfermeira.

No entanto, como medida compensatória, o Decreto nº 21.141, assinado

pelo Presidente Getúlio Vargas e pelo Ministro de Estado da Guerra, José Fernandes

Leite de Castro, publicado em 10 de março de 1932, assegurava ao exército brasileiro o

controle de seus quadros de enfermagem, independente da influência da Escola Anna

Nery, através da organização do Curso de Enfermeiros da Escola de Saúde do Exército,

com duração de apenas um ano. Cumpre registrar que os militares formados nesse

curso tinham seus diplomas de enfermeiros militares registrados na Diretoria de Saúde

da Guerra, ao contrário do que acontecia com os enfermeiros portadores de diplomas

emitidos pela Escola Anna Nery ou Escolas de Enfermagem a ela equiparadas, cujo

registro ocorria no Departamento Nacional de Saúde Pública (BAPTISTA E

BARREIRA, 1997, p.35).

Sob o ponto de vista da igreja católica romana, o Decreto 20. 109/31

significou ameaça a sua hegemonia no campo da enfermagem, colocando em risco seu

poder e prestígio, tanto na assistência, quanto na administração dos espaços

hospitalares, tendo em mente que as freiras não possuíam aquela titulação. Desta forma,

o Decreto em tela contrariava os interesses das instituições religiosas, que, em paralelo,

mantinham aliança com o Estado.

No que se refere ao exercício da enfermagem pelas irmãs da caridade, o

Presidente Getúlio Vargas minimizou os efeitos do documento legal citado, mediante a

assinatura de outro Decreto3, que garantia às irmãs da caridade o direito de exercício das

3
Decreto nº 22 257, de 26 de dezembro de 1932, também assinado pelo Ministro da Guerra, José
Fernandes Leite de Castro.
4

atividades como as profissionais “padrão Ana Neri”, bastando que comprovassem, até

aquela data, atuação de, pelo menos, seis anos de prática efetiva de trabalho como

enfermeira.

Sem sombra de dúvidas, o Decreto nº 21. 141/32 e o Decreto 22.257/32

constituem indicadores do prestígio dessas instituições junto ao governo Vargas, que

assegurou a participação nos espaços hospitalares, no caso das religiosas, ou a

inviolabilidade, no que se refere à interferência da Escola Anna Nery no campo militar,

no caso específico, no exército brasileiro.

No entanto, no que tange à Igreja Católica, o reconhecimento do alto

padrão de ensino conferido à Escola Anna Nery e, por conseguinte, a legitimação do

capital cultural obtido pelas enfermeiras formadas por esta instituição, demandou a

necessidade de aquisição deste capital por parte das religiosas. Dessa forma, teve início

um movimento no sentido de encaminhar as freiras para os cursos de enfermagem, com

vistas à criação de escolas de enfermagem católicas (Baptista e Barreira, 1997, p.35).

Para Baptista e Barreira (1999, p.72) a Escola Carlos Chagas, criada em

1933, foi “fundamental na defesa do espaço ocupado pela Igreja nos serviços de

saúde”, possibilitando às ordens religiosas a criação de suas próprias unidades de

ensino de enfermagem. Um exemplo disso, segundo as autoras referidas, foi a criação

da Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac, em 1939, pelas irmãs da caridade que,

dentre outras4, foi equiparada à escola oficial padrão, durante a gestão de Laís Netto dos

Reys5, na qualidade de diretora da Escola Anna Nery, em 1942 (Barreira e Baptista,

2002, p.208).

4
Escola Carlos Chagas e Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, das Irmãs Franciscanas
Missionárias de Maria (Baptista; Barreira, 1997, p.36).
5
Laís Netto dos Reys, era de uma família tradicional. Além de muito religiosa, agregava capital cultural
e social como parte de seus atributos pessoais. Foi formada na primeira turma do Curso de Enfermagem
da Escola de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, atual Escola de Enfermagem
Anna Nery, em 1925. Realizou pós-graduação nos Estados Unidos da América, além de outros na Europa.
5

Além da Escola de Enfermagem Carlos Chagas, a Escola de Enfermeiras

do Hospital São Paulo, criada em 1938, ambas sob orientação católica, asseguravam o

“exercício legítimo do poder religioso enquanto poder de modificar as representações e

as práticas dos leigos, inculcando-lhes um habitus religioso...”, pois, nem todas as suas

alunas eram religiosas (BOURDIEU, 1992, p. 57).

Vale rassaltar que a condição de Escola Padrão conferida à EAN

permitia a sua diretora, Laís Netto dos Reys (1938 – 1950), capitalizar lucros

simbólicos, decorrentes da ocupação desse cargo e da função de presidente do Conselho

de Enfermagem6, os quais lhe conferiam o discurso autorizado para pronunciar-se a

respeito da equiparação das escolas ao modelo oficial padrão da escola por ela dirigida.

Para fundamentar essa inferência, busco o apoio de BOURDIEU (2001, p. 33) ao

ressaltar que o trabalho realizado por porta-vozes especializados, investidos do poder

exerce o poder simbólico de consagração desse trabalho e depende da posição ocupada

pelo agente na estrutura do campo.

No que tange aos aspectos relativos à expansão do número de escolas de

enfermagem no período em estudo, constatei que, a partir do reconhecimento do padrão

Anna Nery, foram criadas vinte e quatro escolas de enfermagem, sendo nove (37,5%)

católicas, três (12,5%) ligadas a hospitais evangélicos, seis (25%) estaduais, três

(12,5%) federais, duas (8,33%) da Cruz Vermelha Brasileira e, uma (4,17%) municipal

Atou como Assistente de Diretora junto ao Hospital de Isolamento São Sebastião, até 1931. No Brasil,
teve presença marcante nos estados de São Paulo e de Minas Gerais. Nesse último, com participação
efetiva na criação e direção da Escola de Enfermagem Carlos Chagas, a primeira a formar irmãs da
caridade no Brasil. Em 1938, foi nomeada diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery, onde
permaneceu no exercício da função até julho de 1950, época de seu falecimento.
6
Criado em função do Decreto 20 109/31, teve seus membros designados pelo Ministro da Educação e
Saúde apenas em 1942, com a finalidade de acompanhar o processo de equiparação da Escola de
Enfermagem Carlos Chagas, da Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e da Escola de
Enfermagem Luiza de Marillac. Cabia também a esse Conselho, sob a presidência de Lais Netto dos
Reys, estudar os problemas nacionais da enfermagem ( CD. EEAN/ UFRJ. Ata da 1 ª Reunião de
Diretoras de escolas de Enfermagem. 1943).
6

(BARONI; BAPTISTA, 2002, p. 7-9).

Ainda segundo Baroni e Baptista (2002, p. 9), considerando o período

estudado, a regionalização dessas escolas era assim caracterizada: quinze escolas na

região sudeste, cinco na região nordeste, três na centro-oeste e uma, na norte. Quando

se reflete sobre as entidades mantenedoras dessas escolas, pode-se inferir que, se as

escolas de enfermagem católicas não constituíam maioria absoluta em relação ao total

de escolas de enfermagem, este grupo se destaca quantitativamente, quando comparado

às demais entidades mantenedoras de escolas de enfermagem do país.

Vale ressaltar que, ao longo da década de 40, a conjuntura social, política

e sanitária nacional convergia para a necessidade do aumento do número de

enfermeiras, para atuar nos serviços de saúde pública e atender a uma nova perspectiva

de mercado de trabalho, decorrente da medicalização da assistência, que se encontrava

em expansão nos hospitais modernos.

Essa inferência obtém reforço, quando se reflete sobre o conteúdo de um

ofício, enviado em março de 1942, pelo diretor da Fundação Rockefeller7 ao Ministro

da Educação e Saúde, que conferia ênfase à expansão da rede hospitalar e evidenciava o

(re)envolvimento da fundação com as questões de saúde do país, ao focalizar a

existência de hospitais bem equipados no Rio de Janeiro, São Paulo e em outras partes

do país, além dos hospitais de ensino clínico, em fase final de construção nos estados de

São Paulo e Bahia e um projetado para o Rio Grande do Sul (CPDOC da FGV – arquivo

Gustavo Capanema).

Subjacente a essa consideração, repousa o respaldo necessário a um novo

modelo de assistência, bem como a exigência de recursos humanos para dar conta

7
Organização americana que atuou em vários países, dentre eles os da América Latina e, mais
especificamente, no Brasil, com investimentos no campo da saúde e da enfermagem. Apoiou a Missão de
Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, mais conhecida como “Missão
Parsons”.
7

dessas necessidades. A ampliação do número de escolas de enfermagem no país,

decorrente da necessidade de atender aos interesses governamentais, sinaliza para a

emergência de grupos concorrenciais ao padrão Anna Nery. Como ressaltou

BOURDIEU (2001, p. 82) as “interações simbólicas que se instauram no campo devem

sua forma específica à natureza particular dos interesses que aí se encontram em

jogo”.

No bojo da segunda Guerra Mundial, o movimento de expansão das

escolas de enfermagem foi fortemente influenciado pelo Serviço Especial de Saúde

Pública (SESP), criado em 1942, como órgão autônomo, onde funcionou a Missão

Técnica da International Cooperation Administration do Instituto para Assuntos

Interamericanos (IAIA) (CAMPOS, 2000, p. 195-197; OLIVEIRA e BARREIRA,

2000, p. 213-215).

Esse órgão representou espaço de atualização da influência americana na

formação de enfermeiras, em particular, quando retornou ao Brasil, Clara Louise

Kienninger, como chefe desta Missão8. Sem sombra de dúvidas, esse episódio

demarcou a interferência estrangeira no interior do aparelho de Estado, nos assuntos

ligados à formação de enfermeiras.

Além da participação do SESP na criação de várias escolas de

enfermagem9, este também ofereceu bolsas de estudo no âmbito nacional e internacional

(Departamento de Arquivo e Documentação. COC. SESP. Cx 16), contribuindo para

facilitar o acesso das postulantes ao curso de enfermeiras das escolas de enfermagem

8
Com a finalidade de participar da implantação do SESP na Amazônia e no Vale do Rio Doce, para a
extração de materiais estratégicos à industria bélica. Ao mesmo tempo, cabia a essa Missão Técnica,
liderada por miss Kienninger, desenvolver atividades de cooperação técnica e financeira com escolas e
serviços de enfermagem (BARREIA; SAUTHIER; BAPTISTA, 2001, p. 161).
9
Escola de Enfermagem de São Paulo, Escola de Enfermagem da Prefeitura do Distrito Federal, Escola
de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem do Pará, Escola de Enfermagem de
Manaus, Escola de Enfermagem da Bahia e a Escola de Enfermagem do Recife.
8

localizadas na região sudeste. Nesse processo, as candidatas oriundas das regiões norte

e nordeste do país precisavam passar, no interior das escolas de enfermagem, por um

processo de homogeinização do habitus, de modo a obter o capital cultural necessário à

enfermeira formada nessas instituições, bem como o traquejo social desejado.

Neste sentido, as escolas de enfermagem constituíram espaços de

transformação das relações sociais, onde se apreendia um habitus profissional

consonante com o modelo de enfermeira da época.

No movimento de ampliação do quantitativo de escolas, uma das

primeiras medidas adotadas pela Fundação Rockefeller foi a criação da Escola de

Enfermagem de São Paulo10, em 1942, visando a atender às necessidades de um hospital

de ensino clínico e à demanda do mercado que já se apresentava com significativa

tendência para a área hospitalar. Para dirigir esta escola, a Fundação Rockefeller elegeu

Edith de Magalhães Fraenkel, cuja trajetória como sucessora de Ethel Parsons11 na

Superintendência do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde

Pública (DNSP) lhe conferia o reconhecimento necessário à ocupação do cargo.

É importante ressaltar que, à época, Edith Fraenkel também presidia12 a

Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED)13, cuja sede funcionava no

Rio de Janeiro desde a sua criação em 1926. Mais tarde, em 1946, a enfermeira citada

acumulou a presidência da ABED – Seção de São Paulo, participando igualmente como

fundadora e redatora–chefe da Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn),

transferindo-a do Rio de Janeiro para São Paulo14, nesse mesmo ano.

10
Atual Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP).
11
Chefe da Missão de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil e da
Superintendência do Serviço de Enfermeiras do DNSP.
12
Presidiu a entidade nos períodos de 1927 a 1938, de 1941 a 1943 e 1948 a 1950.
13
À época, única entidade de classe da enfermagem, com papel importante para o desenvolvimento
cultural e científico da categoria.
14
A redação e a administração de Anais de Enfermagem, atual REBEn foi instalado, em 1946, nas
dependências da Escola de Enfermagem de São Paulo da Universidade de São Paulo (CARVALHO,
1976, p. 337).
9

A Escola de Enfermagem de São Paulo participou, sob os auspícios do

SESP, da criação e implantação de novas escolas de enfermagem no país15, bem como

do aperfeiçoamento das condições de ensino daquelas que já existiam (Departamento de

Arquivo e Documentação. COC. SESP. Cx 13, 15, 16 e 19), mesmo quando não

vigorava a Lei 775/49, cuja função seria mais adequadamente realizada pela “Escola

Oficial Padrão”, qual seja, a Escola Anna Nery.

Com base nesses elementos, formulei a seguinte Tese: O (re)

alinhamento da posição de poder simbólico da Escola Anna Nery no campo da

educação em enfermagem decorreu da luta concorrencial entre as mais expressivas

autoridades pelo poder de enunciar o discurso autorizado na formação de enfermeiras.

Para desenvolver a investigação, tracei os seguintes objetivos:

¾ Descrever a configuração do campo da educação em enfermagem

brasileira, no período de 1931 a 1949.

¾ Analisar as estratégias da Escola Anna Nery na luta por posições

de poder e prestígio no campo da educação em enfermagem.

¾ Discutir as alianças e as lutas concorrenciais para a reconfiguração

do campo da educação em enfermagem.

A motivação para o desenvolvimento do estudo decorre principalmente

de minha inserção no Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasileira, na

condição de docente do Departamento de Enfermagem Fundamental. A convivência

com o ambiente acadêmico e com os grupos de discussão no Núcleo propiciou o contato

15
No estado da Bahia e no Recife.
10

com diversas temáticas inerentes à História da Enfermagem Brasileira e, por

conseguinte, gerou a necessidade de orientar minhas reflexões no sentido de um estudo

de resgate histórico, no campo da educação em enfermagem.

Espero que esta pesquisa contribua para melhor compreensão da

participação da Escola Anna Nery no movimento católico, bem como de seus reflexos

no campo da educação em enfermagem, identificando as estratégias utilizadas pelos

agentes concorrentes, no interior desse campo.

Além do mais, acredito que este estudo possa elucidar o pressuposto de

que os sistemas de representações e práticas religiosas, em uma sociedade dividida em

classes, colaboram para a concretização de uma violência simbólica, pois, favorecem a

perpetuação e a reprodução da ordem social, ao contribuir para consagrá-la; ou seja,

sancioná-la e santificá-la, tal como observou BOURDIEU (1992, p. 53).

Com o desenvolvimento deste trabalho, também pretendo contribuir para

melhor entendimento da organização do campo da educação em enfermagem,

envolvendo os interesses distintos dos agentes envolvidos.

1.2 - Abordagem teórico-metodológica

• Os conceitos teóricos

Trata-se de estudo histórico–social, cujos dados foram iluminados pelos

conceitos de habitus, campo, poder e violência simbólica, tal como formulados pelo

sociólogo francês Pierre Bourdieu, que concebe a “história social das formas

simbólicas”(PINTO, 2000, p. 31).

A esse respeito, cumpre reafirmar que o habitus é explicado por Pinto

(2000, p. 38) como uma “gramática gerativa de práticas conformes com as estruturas
11

objetivas de que dele é produto”. No interior dos diversos campos, essas práticas se

tornam manifestas mediante a luta que se estabelece por posições de poder e prestígio,

uma vez que os indivíduos estão “distantes por suas disposições subjetivas dos bens

culturalmente e escolarmente legítimos” (PINTO, 2000, p. 39).

O espaço social é entendido por Bourdieu (2001, p. 153) como espaço

multidimensional, constituído por um conjunto aberto de campos relativamente

autônomos, quer dizer, apresentam algum grau de subordinação ao campo de produção

econômica, no que se refere ao funcionamento e às suas transformações. No interior de

cada um dos subespaços, estabelecem-se lutas contínuas, de diferentes formas,

envolvendo os ocupantes das posições dominantes e os ocupantes das posições

dominadas. As alianças e lutas concorrenciais são estabelecidas com o propósito de

assegurar as posições no interior dos espaços ou, em outras circunstâncias, ampliá-las,

como no caso da educação, da saúde e da religião.

Abordando o conceito de campo, Bourdieu discute a forma de

apropriação do campo pelos agentes, chegando mesmo a se “apossar da noção de

inconsciente cultural, que, vista como um aspecto do habitus, tinha a vantagem de

parecer conciliar os opostos, o exterior e o interior, o coletivo e o individual” (Pinto

(2000, p. 69). Assim entendida, a luta que ocorreu no interior do campo da educação

em enfermagem resultou na oposição entre os grupos dominantes, do lado da

excelência, e os dominados, relegados às esferas mais inferiores. No entanto, como

elucidou Pinto (2000, p. 70) “a posição de dominante tende a ser temporária, na

medida em que pode ser efetivamente contestada não só pelos menos legítimos, como

também por novatos portadores de armas legítimas” Este é o caso das novas escolas,

criadas ao longo da década de 40, cujas alianças lhes conferiam poder dentro do campo

e se constituíram em armas simbólicas.


12

No que diz respeito ao campo religioso, conforme precioso

esclarecimento de Pinto (2000, p. 80):

as diferentes posições no espaço religioso correspondem posicionamento

(perante o sentido da existência, a natureza, as modalidades de salvação,

etc.) cuja coerência não se deve senão à necessidade, para cada posição, de

definir-se em função das demais posições.

Desse modo, o grau em que uma instituição, no caso a Igreja católica,

conseguiu impor monopólio sobre a gestão dos bens de salvação, torna-se possível

explicar, em grande parte, a distribuição dos recursos religiosos em determinada

conjuntura.

Segundo Bourdieu (2001, p.9-10), o poder simbólico constitui um

“poder de construção da realidade que tende a estabelecer o sentido imediato do

mundo, em particular do mundo social”. Com tal propósito, a cultura dominante tem

papel fundamental, pois contribui no sentido de “assegurar uma comunicação imediata

entre os seus membros” e assim, distingüindo-os das outras classes; para a

“desmobilização das classes dominadas”; para a “legitimação da ordem estabelecida”,

através da definição das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções.

De acordo com o ilustre sociólogo mencionado, o poder simbólico age

com o “poder de construir o dado pela enunciação, de ver e fazer crer, de confirmar ou

de transformar a visão do mundo” e a ação sobre este. Trata-se de um poder que se

impõe por meio de uma violência simbólica, capaz de permitir a obtenção daquilo que

equivale ao obtido pela “força física e econômica” (Bourdieu 2001, p.14).

Ao consideramos uma sociedade dividida em classes, é possível

compreender que a estrutura dos sistemas de representações e práticas religiosas,


13

próprias aos diferentes grupos ou classes, colabora para perpetuar e reproduzir a ordem

social, ao contribuir para sancioná-la e santificá-la. A estrutura dos sistemas de

representações e práticas religiosas organiza-se sob duas formas polares. a) organizada

considerando a religiosidade dominante, pois tende a justificar a hegemonia das classes

dominantes; b) considera a religiosidade, que tende a impor aos dominados o

reconhecimento da legitimidade da dominação, que está alicerçada no desconhecimento

do arbitrário da dominação e dos modos de expressão simbólicos da mesma

(BOURDIEU, 1992, p.53).

A posição ocupada na estrutura da distribuição do capital de autoridade

religiosa pode levar as instâncias religiosas, indivíduos ou instituições, a dispor do

capital religioso na “concorrência pelo monopólio da gestão de bens de salvação e do

exercício legítimo do poder religioso” (BOURDIEU, 1992, p.53).

O poder religioso é, segundo análise de Bourdieu (1992, p.57), capaz de

transformar em bases duradouras as representações e as práticas dos leigos, inculcando-

lhes um habitus religioso, que funciona como princípio gerador de todos os

pensamentos, percepções e ações, considerando as normas de uma representação

religiosa do mundo natural e sobrenatural, o que equivale dizer que esses pensamentos,

percepções e ações são ajustados aos princípios de uma visão política do mundo social.

A gestão da inculcação de capital religioso, como produto do trabalho

religioso acumulado e o trabalho religioso necessário para assegurar a perpetuação deste

capital garantindo a “conservação” ou a “restauração” do mercado simbólico, requer um

aparelho de tipo burocrático, capaz “de exercer de modo duradouro a ação contínua

(ordinária), necessária para assegurar sua própria reprodução, ao reproduzir os

produtores de bens de salvação e serviços religiosos”, qual seja, o corpo de sacerdotes,

e o mercado oferecido a estes bens; ou seja, os leigos, agindo como “consumidores


14

dotados de um mínimo de competência religiosa (habitus religioso) necessária para

sentir a necessidade específica de seus produtos” (Bourdieu, 1992, p.59). Decorre daí

o investimento da Igreja Católica Romana, no sentido de assegurar sua influência nos

diferentes campos da nossa sociedade, como o da educação e saúde, da política e outras

áreas que funcionam como formadores de opinião.

Segundo interpretação de Bourdieu (2001, p.11), a dominação é eficaz

porque se realiza por meio de instrumentos simbólicos aparentemente destinados apenas

às funções de conhecimento e comunicação. O mito, a religião, a arte e produtos

imateriais similares, cumprem função política, ao mesmo tempo em que parecem apenas

obedecer somente a uma lógica imanente.

• Operacionalização da pesquisa

As fontes primárias deste estudo estão constituídas de documentos

escritos, documentos fotográficos e depoimentos orais, localizados no Centro de

Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio

de Janeiro; no Centro de Memória da Faculdade de Enfermagem da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro; no Laboratório de Pesquisa de História da Enfermagem

(LAPHE) da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade Federal do Estado

do Rio de Janeiro – UNIRIO; no Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da

Fundação Getúlio Vargas; no Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de

Oswaldo Cruz (COC); no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro; no Arquivo da

Cúria Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro; no site do Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira; no Banco de Dados da Trajetória

das Escolas de Enfermagem, do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem


15

Brasileira – Nuphebras, na Biblioteca Nacional e no Cartório da 1ª Circunscrição –

Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato.

Os documentos escritos foram: relatórios, formulários, correspondências,

conferências, discursos, regulamentos, normas, sumários, resoluções, ofícios, cartas

pastorais e certidão, além de recortes de jornais. Cumpre relevar que o documento de

cento e cinqüenta e duas páginas , localizado do Arquivo Geral da Cidade do Rio de

Janeiro, intitulado; “A Escola Anna Nery”, elaborado a partir de uma entrevista

realizada com a diretora da Escola Anna Nery, à época, Laís Netto dos Reys, dedica

vinte e nove laudas à Escola de Enfermagem Anna Nery.

Os documentos fotográficos relacionados à temática do estudo foram

localizados no Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery e no

Departamento de Arquivo e Documentação da COC. No Centro de Documentação da

Escola de Enfermagem Anna Nery, há duzentas e onze fotografias referentes à gestão de

Laís Netto dos Reys na direção da EAN (1938 – 1950). Apesar de o recorte temporal

do presente estudo envolver as gestões de Rachel Haddock Lobo (1931 – 1933) e de

Berta Lucile Pullen (1934 – 1937), julguei pertinente fixar o olhar sobre as fotos que

remetem a esse momento, pois considero o tempo de Laís Netto dos Reys como diretora

da EAN, demarcado por uma espécie de revolução simbólica, expressa pela expansão de

escolas de enfermagem, intensificando assim o jogo de poder no campo da educação em

enfermagem.

A esse respeito, cumpre assinalar, com respaldo em Pinto (2000, p. 80),

que a própria estrutura do campo “permite explicar os princípios de divisão interna em

função dos quais se organizam os conflitos, as controvérsias e as competições”.

As duas fotografias localizadas no Centro de Arquivo e Documentação

da COC registram a inauguração da Escola de Enfermagem Carlos Chagas (1933) e da


16

Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro (1944). Nesse acervo, localizei

algumas matérias jornalísticas, ilustradas com fotografias.

A partir de critérios numéricos (freqüência de certos temas ou

personagens presentes no arranjo fotográfico) e simbólicos (potencial para articulação

com as fontes documentais escritas e orais) selecionei nove fotografias referentes ao

tempo de Laís, como diretora da EAN e outra no período em que foi diretora da Escola

de Enfermagem Carlos Chagas, totalizando dez fotografias. Esses documentos foram

eleitos, considerando sua possibilidade de complementar os achados advindos de outras

fontes, bem como evidenciar ambigüidades que não estavam presentes nas fontes

escritas e orais.

A utilização das fotos selecionadas foi orientada de modo a não servirem

meramente como ilustração, através do método criado por Santos e Barreira (2002, p.

25), onde as autoras enfatizam que a leitura do texto fotográfico deve comportar a

articulação dos elementos visíveis, representados no arranjo fotográfico, com os

elementos invisíveis. Com o propósito de efetivar essa leitura, as autoras mencionadas

sugerem a utilização de elementos da linguagem não verbal, como a utilização da noção

de espaço como forma de comunicação não verbal (proxêmica), a expressão facial e

corporal (cinésica) e os atributos presentes nas fotos (linguagem paraverbal). Desse

modo, a utilização dessas fotos, em seus aspectos visíveis permitiu complementar os

achados dos documentos escritos ou colocar evidências, as quais acredito que não

teriam sido possíveis apenas com documentos escritos.

Também lancei mão de depoimentos orais de enfermeiras que estiveram

inseridas na EAN, na qualidade de professoras, no recorte temporal em estudo.

Entrevistei as professoras Lieselotte Hoeschl Ornellas e Elvira de Felice Souza. Utilizei

também o depoimento transcrito da professora Anna Jaguaribe da Silva Nava, obtido no


17

período de 10 a 17 de setembro de 2003, pelas professoras Suely de Souza Baptista e

Sonô Taíra Oliveira e será doado ao Centro de Documentação da Escola de

Enfermagem Anna Nery e obteve autorização da depoente para fins de pesquisas. Essa

enfermeira foi aluna da EAN no período de 1937 a 1940 e exerceu a função de

professora na mesma escola, no período compreendido entre 1946 e 1977.

Realizei duas entrevistas, precedidas de assinatura de um termo de

consentimento livre e esclarecido, das entrevistadas. No momento informei a respeito

do objeto de estudo, dos objetivos e qualquer outra dúvida das depoentes, em qualquer

momento em que se encontravam as entrevistas (anexo 1). Solicitei igualmente às

entrevistadas um termo de Doação dos depoimentos das entrevistadas ao Centro de

Documentação, com vistas à utilização deste material em outras pesquisas (anexo 2).

É importante registrar que, em atenção à Resolução 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde, o presente estudo foi submetido, em 29 de junho de 2004, ao

Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/ Hospital Escola

São Francisco de Assis. O parecer foi favorável, como pode ser observado no anexo 3 .

A primeira entrevista com a enfermeira Lieselotte Ornellas, foi realizada

em sua residência, em 30 de outubro de 2002, com o objetivo de auxiliar na fase de

contextualização do objeto em estudo. Este depoimento foi gravado e será cedido ao

Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery, para fins de pesquisas

a serem realizadas por outros pesquisadores interessados nos estudos de História da

Enfermagem Brasileira.

Durante a entrevista com a professora Liezelotte Ornelas, foram

utilizadas as fotografias identificadas com os números 4, 7 e 8, nas quais não figurava a

depoente. Os temas das fotografias utilizadas durante a entrevista remetem,

respectivamente, à Formatura da classe de 1942, com o primeiro grupo de religiosas


18

católicas; a Comitiva liderada por Laís Netto dos Reys, ao Palácio do Catete, em 1945,

como parte das comemorações da Semana da Enfermeira e a Cerimônia de formatura da

classe de 1945, ao mesmo tempo em que se comemorava os 20 anos de formatura da

classe das pioneiras.

Esta iniciativa orientou-se no sentido de que essas fotografias pudessem

auxiliar no resgate das lembranças dos sujeitos. Além disso, essa providência subsidiou

a leitura do texto fotográfico ao mesmo tempo em que contribuiu para o Acervo

Iconográfico do Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna Nery,

através da identificação de algumas figuras presentes na composição, ou outras

informações fornecidas pela depoente.

Ao longo da entrevista, a professora Lieselotte acrescentou outras fotos

de seu acervo pessoal, como elementos ilustrativos de seu depoimento. Vale dizer que,

dentre as fotos apresentadas pela própria depoente, havia uma, onde está presente a

própria depoente. Tal foto refere-se à visita da comitiva liderada por Laís Netto dos

Reys ao Palácio do Catete, residência oficial do Presidente da República, o que remete à

importância atribuída ao evento, por se tratar de enfermeiras ao lado da maior

autoridade política nacional. As demais fotos referiam-se a cerimônias de formaturas

realizadas na EAN.

A providência de realizar a entrevista com o auxílio da fotografia

encontra apoio em Carneiro (1996, p. 278), quando esclarece que a fotografia exerce

papel importante na estimulação da lembrança e acrescenta que: “os registros

fotográficos emergem como ‘incentivo’, alimentando a narrativa, aguçando a

recuperação das lembranças, reconstituindo detalhes do cotidiano e completando os

não-ditos”.
19

A autora (1996, p. 278) afirma ainda que o depoente, freqüentemente,

atuando como personagem e intérprete das fotos, deve identificá-las, atribuindo nomes

às figuras anônimas e movimento às imagens estáticas, cabendo ao entrevistador a

responsabilidade pelo registro das informações sobre cada imagem, identificando: data,

local, personagens e versão apresentada sobre aquela realidade expressada no texto

fotográfico.

A segunda entrevista com a enfermeira e professora aposentada da

Escola de Enfermagem Anna Nery, Lieselotte Ornellas, foi realizada em 14 de junho de

2004, na residência da depoente, com a finalidade de esclarecer algumas informações

obtidas na primeira entrevista e adquirir novos dados para a pesquisa. Nessa

oportunidade, ela forneceu documentos escritos de seu acervo pessoal, referentes a uma

das fotografias apresentadas (nº 7) e a alguns temas abordados, tais como: “as caravanas

Anna Nery”, “relação da enfermagem com a religião católica”, “criação da associação

de ex-alunas da EAN” e a “Missão da EAN em Trinidad, na Bolívia, em 1947”. Ficou

claro que não houve contradição entre os conteúdos das entrevistas.

A utilização da fotografia no momento da entrevista foi orientada por um

instrumento (anexo 4) com questões referentes ao conteúdo interno da foto no que

concerne ao tema, local, pessoas e seus atributos, uma vez que os depoimentos orais

também se destinam à obtenção de dados informativos e factuais, bem como o

testemunho do entrevistado no que se refere “a sua vivência em determinadas

situações, ou a participação em determinadas instituições” (Lang, 1996, p. 35).

Thompson (1999, p.2) corrobora esse ponto de vista, afirmando que: “ através da

entrevista, as pessoas têm a oportunidade de colocarem outras evidências em pauta”.

Para a realização da entrevista com a professora emérita Elvira de Felice

Souza, utilizei um roteiro semi–estruturado, dividido em duas etapas: a primeira visava


20

à caracterização e a segunda continha questões previamente definidas com vistas ao

objeto de estudo. Nesse momento, não foram utilizadas fotografias.

Essa entrevista foi realizada no dia dezesseis de julho de 2003, na

residência da professora que atuou na qualidade de aluna de 1942 a 1945 e, como

docente logo em seguida, após uma curta experiência como enfermeira do Hospital das

Clínicas de São Paulo.

Vale destacar que, durante a realização da entrevista com a professora

Elvira, foi-me solicitado para que não fosse gravado o depoimento e, em muitos

momentos da entrevista, a depoente solicitou ainda que o seu relato não fosse

registrado. Após a elaboração do texto da entrevista, apresentei-o à depoente que

concordou com a veracidade do conteúdo apresentado. Em seguida, ela assinou um

termo de autorização para que seu depoimento fosse utilizado nesta tese de

doutoramento e para incorporação ao Centro de Documentação da Escola de

Enfermagem Anna Nery, podendo ser utilizado em outras pesquisas.

Na análise desses documentos, utilizei o método dedutivo, partindo de

postura crítica diante do conjunto de documentos, buscando estabelecer as relações com

o contexto histórico social em que os documentos estão inseridos e que, ao mesmo

tempo, permitem elucidar o contexto.

As fontes secundárias, preliminarmente consultadas, estão localizadas na

Biblioteca Setorial da EEAN, Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Biblioteca

Nacional e Banco de Textos do Nuphebras, disponíveis em livros, dissertações, teses e

periódicos de enfermagem e de história. Tais fontes vêm permitindo o estudo das

seguintes temáticas:
21

• Contexto histórico social brasileiro, durante a Era Vargas e pós-guerra imediato,

(considerado neste estudo de 1945 a 1949)

• Os primórdios da enfermagem brasileira;

• O movimento católico dos anos 30/40;

• A expansão das Escolas de Enfermagem no país.

O estudo está estruturado em quatro capítulos:

O primeiro envolve os anos de 1931, recorte inicial deste estudo, em

função da promulgação do Decreto nº 20. 109/ 31 que eleva a Escola Anna Nery à

condição de “Escola Oficial Padrão”, para fins de criação e equiparação das demais

escolas de enfermagem no país e o ano de 1937, quando a Escola Anna Nery conquistou

o estatuto de primeira escola de enfermagem inserida no espaço universitário, a

Universidade do Brasil (UB), na qualidade de instituição complementar. Esse capítulo

apresenta um panorama do contexto social, político e religioso dos anos 30 e permite

observar que apenas uma escola de enfermagem foi criada, em 1933. Trata-se da Escola

de Enfermagem Carlos Chagas, planejada e dirigida por Laís Netto dos Reys. Na

condição de diretora desse estabelecimento, a enfermeira Laís investiu no sentido de

que as primeiras religiosas conseguissem o diploma de enfermeira, contribuindo

diretamente para que a Igreja Católica capitalizasse lucros simbólicos no campo da

educação em enfermagem. Em outras palavras, propiciou a criação da primeira escola

de enfermagem católica do Brasil.

O segundo capítulo está delimitado entre o ano de 1938, quando foi

criada a primeira escola de enfermagem católica do país, a Escola de Enfermagem do

Hospital São Paulo, e também, em função da nomeação de Laís Netto dos Reys para a
22

direção da Escola Anna Nery, e o ano de 1942, quando as primeiras escolas de

enfermagem foram equiparadas à Escola Anna Nery, após onze anos da promulgação do

Decreto 20. 109/31. Esses três estabelecimentos apresentavam aspectos semelhantes,

chamando a atenção para a participação importante de Laís no processo de criação e de

equiparação dessas instituições de ensino de enfermagem e à preservação dos interesses

da Igreja Católica, através de suas congregações no campo da educação em

enfermagem. A partir de então, elas passaram a estar em conformidade com a

legislação vigente.

Além disso, foi em 1942, no contexto da segunda guerra mundial que se

criou o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), que juntamente com a Fundação

Rockefeller, investiu na criação da Escola de Enfermagem de São Paulo, atual Escola de

Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP). O investimento da diretora, Edith de

Magalhães Fraenkel, juntamente com sua assessora e representante do SESP, Ella

Hasenjaeger, fizeram da Escola de Enfermagem da USP forte concorrente da Escola

Anna Nery.

O terceiro capítulo aborda o ano de 1943, quando foi inaugurada a

Escola de Enfermagem de São Paulo, ao mesmo tempo em que se iniciaram as disputas

pela enunciação do discurso no campo da educação em enfermagem, expressas nas

Reuniões de Diretoras de Escolas de Enfermagem, criadas para tratar dos problemas

nacionais da enfermagem. O ano que encerra esse capítulo é 1946, quando a Escola

Anna Nery (EAN) foi elevada à condição de Unidade Autônoma da UB. No mesmo

ano, a Escola de Enfermagem de São Paulo formou sua primeira turma de enfermeiras.

Sob a presidência de Laís Netto dos Reys e com a representação das

demais líderes da enfermagem nacional, discutiram-se as temáticas de interesse geral da

categoria e questões específicas que mobilizavam a atenção dos grupos presentes.


23

Nesse capítulo, destaco igualmente as estratégias para manutenção ou ampliação das

posições de poder e prestígio no campo da educação em enfermagem. Para as religiosas

enfermeiras, uma estratégia profícua foi a criação das associações católicas de

enfermagem: União de Religiosas Enfermeiras do Brasil (UREB) e União Católica de

Enfermeiras do Brasil (UCEB), cujos interesses, além de investir na qualificação e

ampliação do ensino de enfermagem em nível superior e médio, também se

preocupavam com defender e difundir os princípios da moral cristã, conforme os

interesses da Igreja Católica, no Brasil. Procedendo dessa forma, constituíram mais um

importante grupo na luta pelo espaço da enfermagem.

O quarto capítulo demarca o período entre o ano de 1947, quando

aconteceu o Primeiro Congresso Nacional de Enfermagem, realizado em São Paulo, e

1949 quando foi promulgada a Lei nº 775 que, dentre outras medidas, transferiu a

responsabilidade de equiparação das escolas de enfermagem para Ministério da

Educação e Saúde. Por sua vez, a Lei nº 775 também regulamentou o curso de auxiliar

de enfermagem, cuja maior defensora era Laís Netto dos Reys.

Esse capítulo reforça que o movimento para interromper a condição de

“Escola Oficial Padrão”, ostentado pela EAN desde 1931, em função do Decreto 20.

109, contou com a participação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas

(ABED), enquanto entidade de classe representativa da categoria, principalmente nas

gestões de Zaíra Cintra Vidal (1945 a 1948) e de Edith de Magalhães Fraenkel (1948 a

1950).

As mudanças oriundas dos muitos embates envolvendo as luminárias da

enfermagem resultaram em mudanças significativas para o campo da enfermagem e da

educação em enfermagem; porém, essas transformações foram reflexos de uma

conjuntura social, política e religiosa a qual, se em alguns momentos defendia interesses


24

próprios ou específicos, no fundo, tinha como objetivo maior assegurar posição mais

vantajosa no campo da saúde e da educação, para a enfermagem brasileira.


25

CAPÍTULO I: A CRIAÇÃO DA ESCOLA ANNA NERY COMO PEDRA DE


TOQUE DA REVOLUÇÃO NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM
(1931 – 1937)

Neste capítulo, tenho o propósito de delinear elementos contextuais dos

anos 30, para fundamentar a análise da problemática em tela. Com esse intuito, de

iníco, apresento breve descrição do contexto econômico, político e social em que se

encontrava a capital federal, na vigência do governo de Getúlio Vargas, até o Estado

Novo em 1937. Na compreensão desse contexto, tento trazer à luz as relações entre o

nível macro e o micro, considerando o Estado brasileiro como macroespaço em suas

relações internas e externas. A partir desse pressuposto, considero que

a gênese do Estado é inseparável de um processo de unificação dos diferentes

campos sociais, econômicos, culturais ou escolares, e políticos [...] dado que

concentra um conjunto de recursos materiais e simbólicos [ e por ter] a

capacidade de regular o funcionamento dos diferentes campos, seja por meio

de intervenções financeiras ou jurídicas (Bourdieu, 2001, p. 51).

Também é relevante lembrar que os recursos da microanálise contribuem

para o que Bourdieu definiu como relações da hierarquia e das intercessões entre os

diversos campos.

• Antecedentes históricos

Nas primeiras décadas do século 20, o Rio de Janeiro, elevado à

condição de Distrito Federal desde 1892, configurava-se como a única cidade brasileira

de grande porte, que abrigava o núcleo de maior malha ferroviária do país, o principal
26

centro comercial e a rede bancária mais expressiva e o núcleo do desenvolvimento

industrial do país, tanto do ponto de vista do mercado consumidor, como de mão-de-

obra.

A despeito de ser um importante centro econômico, grande parte da

população do Rio de Janeiro encontrava-se em situação de marginalidade, sofrendo com

a falta de ocupação definida e, conseqüentemente, com condições de vida extremamente

precárias (MENDONÇA, 1992, p. 19-20). No outro extremo da pirâmide demográfica,

o segmento dominante era composto por grandes proprietários rurais, banqueiros,

comerciantes ligados à exportação e importação e industriais (MENDONÇA, 1992, p.

19-20).

Ao quadro crítico que afligia a população pobre do Rio de Janeiro

podemos acrescentar os efeitos econômicos da primeira guerra mundial, que se refletiu

vigorosamente, através do desemprego, redução de salários e elevação do custo de vida

(COSTA, 1986, p. 81).

Ademais, a epidemia de gripe que assolou o Rio de Janeiro, no pós-

guerra (1918), trouxe à tona a crise nas condições sanitárias da população e a

incapacidade do Estado para dar conta dos efeitos desse grave problema de saúde

pública (COSTA, 1986, p. 81).

O presidente eleito, Epitácio Pessoa (1918 – 1922), comprometido com o

movimento sanitarista, criou o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP).

Carlos Chagas foi nomeado diretor Geral desse Departamento (1920 – 1926), dando

continuidade ao Programa de Cooperação com a Fundação Rockefeller, ao mesmo

tempo em que se intensificava a inserção do capital americano no Brasil (Costa, 1985,

p.118). Nessa linha de análise, é pertinente recorrer aos esclarecimentos de Sauthier e

Barreira (1999, p. 60-61), quando referem que a presença da Fundação Rockefeller na


27

América Latina ocorreu desde 1915 e, no Brasil, a partir de 1916, quando uma

Comissão dessa Fundação visitou quinze localidades nacionais cobertas por agências de

saúde pública, para analisar a prevalência de doenças, a organização hospitalar e a

educação médica.

A partir de então, estreitaram-se os laços entre o Brasil e a Fundação. As

autoras mencionadas acrescentam que a receptividade brasileira à política sanitária da

Fundação Rockefeller também possibilitou a realização de investimentos no país,

aliando-se aos interesses de filantropia, da política e da atividade comercial.

Um significativo evento da Reforma Carlos Chagas, de importância para

a saúde pública, foi a implantação da enfermagem moderna no nosso país, com a

criação, em 1922, de uma Escola de Enfermagem16 e de um Serviço de Enfermeiras,

através de uma Missão de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento da Enfermagem

no Brasil. Ambas as iniciativas foram dirigidas por enfermeiras americanas, enviadas

pela Fundação Rockefeller. O Serviço de Enfermeiras do DNSP era chefiado por Ethel

Parsons e subordinado ao Diretor Geral do Departamento Nacional de Saúde Pública.

O modelo de enfermagem aqui implantado teve como alicerce o sistema

nightingale, o hospital norte-americano e a prática de enfermagem de saúde pública, em

franco desenvolvimento naquele país (BARREIRA, 1993, p. 49-54).

De início cumpre assinalar que a criação da Escola Anna Nery demarca a

16
Até aquele momento o ensino de enfermagem no Brasil contava com quatro escolas de enfermagem,
quais sejam: Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Escola de Enfermagem Lauriston Job Lane, e as
Escolas de Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira, em São Paulo e no Rio de Janeiro. A Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto, criada em 1890 e, desde então, os alienistas ocupavam os espaços de poder
na escola. Essa situação foi alterada apenas em 1943, quanto teve uma enfermeira designada para assumir
a direção daquela instituição. A Escola de Enfermagem Lauriston Job Lane, originalmente denominada de
Escola de Enfermeiras do Hospital Samaritano foi criada em 1900, em São Paulo, tratava-se de uma
instituição privada, cuja mantenedora era de orientação evangélica (CARVALHO, 1965, p. 151-153). A
CVB também foi importante na criação de escolas de enfermagem. Na iminência de de um conflito
mundial, foi criado em São Paulo o primeiro curso de enfermagem da CVB. Poucos anos mais tarde, em
20 de março de 1916, no Rio de Janeiro, também foi inaugurada a Escola Prática de Enfermeiras (CRUZ
VERMELHA BRASILEIRA, 1923, p. 152)
28

implantação de um novo modelo de ensino de enfermagem, distante da influência da

Igreja Católica. Relacionando essa medida com o contexto político mais amplo, cabe

registrar que, desde a Proclamação da República, em 1989, dimimuiu o prestígio da

Igreja Católica junto ao poder governamental.

Decorre desse dado de realidade, o estabelecimento de estratégias para

reverter a condição momentaneamente desfavorável. Para ilustrar essa inferência,

recordo que, em 1916, o recém- nomeado arcebispo de Recife e Olinda, Dom Sebastião

Leme, publicou uma carta pastoral que marcou o início de nova fase na história da

Igreja Católica no Brasil. Esse documento fazia um diagnóstico da situação do

catolicismo no país, destacando a fragilidade da igreja institucional, as deficiências das

práticas religiosas populares, a falta de padres, o estado precário da educação religiosa,

a ausência de intelectuais católicos, a limitada influência política da Igreja e sua grave

situação financeira. No mesmo documento, Dom Sebastião Leme argumentava como

ponto favorável para reverter tal situação o fato de que “o Brasil era uma nação

católica e que a Igreja deveria tirar proveito disso e marcar uma presença muito mais

forte na sociedade” (MAINWARING, 1989, p. 41).

Com base nesse diagnóstico, apontou alguns pontos importantes para a

modificação desse panorama, tais como: a Igreja precisaria cristianizar as principais

instituições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e alinhar as práticas

religiosas populares aos procedimentos ortodoxos (MAINWARING, 1989, p. 41).

Nessa linha de pensamento, é pertinente registrar a importância do

Centro Dom Vital, criado em 1922, por Jackson de Figueiredo, íntimo colaborador de

Dom Sebastião Leme, com o intuito de agregar leigos católicos que exerciam forte

influência no núcleo do poder. Esse Centro contou com a importante participação de


29

Alceu Amoroso Lima17. Da mesma forma que o seu antecessor, Amoroso Lima era um

grande colaborador de D. Sebastião Leme, e, apesar de intimamente associado à direita

católica, durante a década de 30, tornou-se um dos líderes da reforma progressista da

igreja nas décadas seguintes (MAINWARING, 1989, p. 46).

O Centro Dom Vital desempenhou papel de fundamental relevância no

processo de restauração do prestígio social do catolicismo. A Igreja da neocristandade

mobilizou centenas de milhares de pessoas e organizou movimentos leigos,

particularmente oriundos da classe média urbana18. Essa mobilização foi estritamente

controlada pelo clero e serviu para demarcar as posições de poder e prestígio da igreja

católica nas instituições e no Estado (MAINWARING, 1989, p. 46 - 47).

No plano político, o crescimento da ideologia comunista obteve ampla

repercussão no Brasil, pois se caracterizava como ideologia orgânica; ou seja, vinculada

ao operariado e mediada por um partido político: o PCB. Em sentido oposto, o poder

governamental procurou o apoio da Igreja, que receava o crescimento do comunismo no

país.

Como é de amplo conhecimento, a ideologia comunista contrapunha-se

ao ideário liberal clássico, sustentando a tese de que as desigualdades sociais e

17
Nascido em 11 de dezembro de 1893, em Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro. Filho de Manuel
José Amoroso Lima e de Camila da Silva Amoroso Lima. Foi aluno do colégio Pedro II e, em 1913
formou-se em direito pela Faculdade do Rio de Janeiro. Também conhecido como “Tristão de Athaíde”,
pseudônimo de escritor das crônicas que marcaram época nos jornais do Rio de Janeiro por muitas
décadas. Atuou como um dos pensadores da universidade brasileira. Para Amoroso Lima a universidade
representava um espaço de destaque para a transmissão e invenção da cultura da nação. Foi convertido ao
catolicismo por influência direta de Jackson de Figueiredo, tornando-se um dos mais respeitados
paladinos da Igreja Católica no Brasil. Reconhecido como um excelente professor universitário, também
se destacou como catedrático de literatura brasileira na Faculdade Nacional de Filosofia, foi um dos
fundadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, na qual foi presidente e também
lecionou como catedrático de filosofia e literatura brasileira. Foi membro dos Conselhos Nacional e
Federal de Educação, no período de 1935 a 1969. Amoroso Lima era também considerado um escritor de
renome nacional e editor de livros. Na década de 30 teve participação ativa enquanto líder católico no
embate com os “ pioneiros da educação nova” . Foi imortalizado como membro da Acadêmia Brasileira
de Letras (<www. Academia.org.br>, 2004; www.espacoacademico.org.br>, 2004).
18
Como parte importante desse movimento foram criados a União Popular (Minas gerais, 1909), a Liga
Brasileira das Senhoras Católicas ( 1910), a Aliança feminina (1919), a Congregação Mariana (1924), os
Círculos Operários (1930), a Juventude Universitária católica (1930) e a Ação Católica Brasileira (1935).
30

econômicas são oriundas primordialmente nas desigualdades no controle do capital e

dos meios de produção. De forma coerente, preconizava a extinção da propriedade

privada. Em oposição a esse projeto político, representantes da Igreja e os teólogos

católicos, apoiados em análise como a de Santo Agostinho, entendiam que “um mundo

sem propriedades só era possível no paraíso” (PIPES, 2002, p. 16 – 17). Também é

conveniente ter em mente que a principal tese comunista representava ameaça direta às

propriedades da própria igreja e de outros segmentos das classes dominantes nacionais.

Sob esse ângulo, é evidente um eixo de interesse comum a justificar a aliança entre

esses atores e o governo constituído.

Autoridades governamentais, por seu turno, tinham mal disfarçado temor

com o crescimento do comunismo, que se apoiava na adesão da população de baixa

renda a essa ideologia política, sob o pressuposto de que, ao contrário do capitalismo, o

comunismo representava promessa de “justiça social e vida melhor”, conforme historia

(CARVALHO FILHO, 1983, p. 101).

• O Movimento Católico dos anos 30 e a educação no Brasil

No âmbito da educação escolar, a igreja católica praticamente

monopolizava a gestão de estabelecimentos responsáveis pelo ensino médio no país.

Porém, desde a proclamação da República, estava agastada com a laicidade do ensino,

instituída pela 1ª Constituição Republicana19 (ROMANELLI, 2001, p.143). Na

verdade, o ensino religioso suscitou vigorosos debates e confrontos ideológicos.

Essas desavenças tiveram sua culminância no início da década de 30,

devido aos conteúdos das reformas educacionais que começavam a ser implantadas em

19
A Constituição de 1891, em vigor até 1934, em seu artigo 72, parágrafo 6, declarava: “será leigo o
ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”
31

alguns Estados e em função dos princípios abraçados pelo movimento renovador da

educação que defendia a laicidade do ensino. Além da formação escolar laica, o

movimento renovador reivindicava a institucionalização da escola pública e sua

expansão, assim como a igualdade dos sexos no direito ao acesso à escolarização.

Esses três aspectos constituíram o pomo da discórdia entre os educadores

que, pela Associação Brasileira de Educação acorriam às Conferências Nacionais de

Educação. De pronto, identificaram-se dois grupos, em contraposição: a) promoviam e

lideravam as reformas e o movimento renovador e b) de maioria católica, combatiam

esses três aspectos (ROMANELLI, 2001, p. 143).

Como parte do chamado ‘movimento católico’, a arquidiocese exigiu dos

católicos a “unidade de ação nas questões político-morais e na defesa da religião, a

despeito das divergências partidárias ou de opinião que pudessem existir entre eles”.

Com tal propósito, a Igreja investiu na criação de grupos de interesse, como é o caso da

Liga Eleitoral Católica (LEC) e da Ação Católica Brasileira (ACB), que, ao mesmo

tempo, uniam os católicos em torno das questões relevantes para a igreja, respeitavam

as posições partidárias e políticas distintas, desde que toleráveis para a instituição

eclesiástica (CARVALHO FILHO, 1983, p. 76).

A Liga Eleitoral Católica, fundada em 1932, ligada ao Centro Dom

Vidal, tinha como missão mobilizar o eleitorado católico para votar nos candidatos à

Assembléia Constituinte de 1933 e ao Congresso Nacional de 1934, de diferentes

partidos, porém, comprometidos a representar os princípios básicos definidos pela LEC,

com vistas à nova organização política brasileira. A LEC funcionou, desde a sua

criação, como importante recurso de pressão eclesiástica, com êxito constitucional, pois,
32

incorporou-se à Constituição a tese da sacralidade da família e, no âmbito educacional,

da instrução religiosa nas escolas públicas20.

Essas vitórias do grupo garantiam o que se designava como o livre

movimento nas consciências, mas que, de fato, serviam para a reprodução da cultura

(Romano, 1979, p. 151). A conquista também foi importante por facilitar a interlocução

precoce entre a Igreja e o indivíduo, tornando este último capaz de compreender a

mensagem do locutor (Igreja), de modo a garantir uma relação de poder simbólico.

Para analisar esse fenômeno político-cultural, apoio-me em Bourdieu

(1998a, p. 24-25), quando considera as trocas lingüísticas como relação de poder

simbólico, onde se atualizam as relações de força entre os locutores e seus grupos. Ao

refletir sobre o assunto, lembro que a relação de comunicação está fundada no

“ciframento e no deciframento”, e, portanto, na operação de um código ou de uma

competência geradora. Para que o produto lingüístico se realize como mensagem,

cumpre que seja decifrado.

O investimento da igreja católica, a partir da década de 30, orientou-se

também no sentido de conquistar, no campo da educação, o controle de

estabelecimentos de ensino de nível superior. Para isso, mais uma vez, contou com a

participação do Cardeal Leme. Essa iniciativa objetivava a implantação de uma

Universidade Católica no Rio de Janeiro, a Pontifícia Universidade Católica (PUC),

como aconteceu em 1941, o último investimento significativo do Cardeal Leme,

enquanto principal promotor da restauração católica (Azzi, 2002, p.6).

20
Já que a Constituição de 1934, pelo seu artigo 153, declarava: “O ensino religiosos será de freqüência
facultativa, e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos
pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias,
profissionais e normais”. Modificando pouco o teor da prescrição, a Constituição de1937, determinava,
pelo seu artigo 183: “O ensino religioso poderá ser contemplado como matéria de curso ordinário das
escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá porém, constituir objeto de obrigação dos mestres
ou professores, nem de freqüência compulsória”.
33

Com a instalação do governo provisório, em 1930, criaram-se as

condições favoráveis a uma aliança entre o governo e a Igreja, que se revelou

duradoura. Como assinalou Azzi (2002, p. 2), a ascensão de novos líderes políticos

interessados em obter o apoio da igreja católica, favoreceu a emergência de concessões

explícitas, dentre elas, expressivo investimento no campo da educação. Cumpre

recordar o empenho das lideranças do catolicismo para a inclusão do ensino religioso

nas escolas públicas, com o intuito de dispor de meios concretos para inculcar, o mais

precocemente possível, a ideologia católica na infância e juventude brasileira. Por seu

turno, a Igreja influenciava a população a apoiar o novo governo (Fausto, 2001, p. 333).

Um importante representante do governo central, empenhado na defesa

dos interesses da Igreja católica, no campo da educação e no contexto mais amplo da

sociedade a partir de 1930, foi Francisco Campos, quando ocupou o cargo de Ministro

da Educação e Saúde21. Esta autoridade, em 1936, definiu explicitamente: “a religião,

a pátria e a família” como os valores fundamentais que precisavam ser resgatados no

âmbito da educação, eis que os mesmos estavam ligados pelo vínculo indissolúvel da

solidariedade. Tais valores eram os mesmos que regularmente faziam parte dos

discursos anticomunistas (Horta, 1994, p. 100 – 107). Dessa maneira, mais uma vez, se

evidencia a atuação de um representante do governo central afinada com o ideário

católico.

21
Francisco Campos, Ministro da Educação e Saúde do Governo Provisório, portanto uma autoridade que
representava o Estado, se caracterizava como um político que mantinha estreita aliança com a Igreja
católica, pois, entendia a necessidade de se obter o apoio da Igreja para as iniciativas de caráter político
que se pretendesse “popular e mobilizadora”. Francisco Campos já tentara o apoio da Igreja antes, para
mobilizar politicamente o estado de Minas Gerais através da Legião de Outubro, em fevereiro de 1931.
Esta Legião contava também com o apoio de Gustavo Capanema, então Secretário do Interior e Justiça do
Estado de Minas Gerais e de Amaro Lanardi, Secretário das Finanças, com o objetivo de integrar Minas
Gerais no processo revolucionário e como instrumento para enfraquecer as forças políticas oligárquicas
tradicionais do Estado, para isso, Francisco entendia como grande importância o envolvimento da Igreja
Católica. Os fundadores da Legião de Outubro assumiram o compromisso de incluir em seu programa as
principais reivindicações da Igreja (HORTA, 1994, p. 100 – 107).
34

A esse respeito, Bourdieu (1992, p.70-72) afirma que a posição ocupada

pela igreja na estrutura do campo religioso remete a uma função de manutenção da

ordem simbólica, contribuindo inevitavelmente para assegurar a ordem política. O

ilustre sociológo acrescenta que a ordem simbólica é garantida pela imposição e

inculcação dos esquemas de percepção, pensamento e ação, objetivamente conferidos às

“estruturas políticas e, assim, atribuindo-as uma enorme legitimação”.

Sob esse enfoque, a criação, em dezembro de 1930 do Ministério da

Educação e Saúde Pública, foi apresentada à sociedade como indicador da preocupação

do Estado com o futuro da nação. Essa linha de argumentação foi usada para justificar

os investimentos necessários à implantação do setor. Cumpre recordar que o prédio que

abrigaria o respectivo Ministério foi objeto de intensas disputas para se definir quem

assinaria o projeto da grandiosa obra. A repercussão dos debates transpôs as fronteiras

do País, uma vez que a presença de renomados arquitetos de outras nacionalidades

podia ser entendida como sinal de desprestígio para os arquitetos brasileiros (Lissovsky

e Sá, 2000, p. 49 e segs.). No ano seguinte à criação do Ministério, conforme Romanelli

(2001, p. 131), foram promulgados alguns decretos22 que dispunham sobre as

organizações do ensino superior no Brasil e da Universidade do Rio de Janeiro23.

• A Escola Anna Nery: ponto de partida

No que se refere ao campo da educação em enfermagem, o ano de 1931

demarcou o encerramento das atividades da Missão Parsons no Brasil; em paralelo, o

modelo de assistência e de ensino introduzidos pelas norte-americanas permaneceu

destituído de amparo legal específico, durante toda a década de 20. Apenas com a

22
Decretos Nºs. 19.851 e 19852.
23
Atual Universidade Federal do Rio de Janeiro.
35

promulgação do Decreto nº 20.10924, em 1931, a profissão de enfermeira obteve

respaldo legal, que assegurou o exercício da profissão, exclusivamente aos que

possuíam o diploma expedido pela Escola Oficial Padrão ou por uma escola a ela

equiparada. Ainda assim, esse recurso jurídico não foi, naquele momento, suficiente

para a concretização desse ideal, pois o quantitativo de enfermeiras era insuficiente para

garantir a ocupação de todos os espaços. Como reflexo dessa deficiência de ordem

prática, pessoas com pouca ou nenhuma qualificação de enfermagem, ocupavam

espaços profissionais reservados legalmente às enfermeiras diplomadas e trabalhavam

no campo da enfermagem, nas diferentes regiões do país, sobretudo naquelas mais

afastadas dos principais centros urbanos.

Como mencionado em momento anterior, este Decreto definia a “Escola

de Enfermeiras Ana Neri, do Departamento Nacional de Saúde Pública”, atual Escola de

Enfermagem Anna Nery, como estabelecimento oficial padrão, para fins de equiparação

das demais escolas de enfermagem do país, cabendo à sua direção a prerrogativa de

indicar a enfermeira25 que realizaria a inspeção nas instituições que desejassem tal

equiparação.

Não obstante, apesar de o ensino ministrado na Escola Anna Nery

atender aos bons padrões técnicos exigidos em universidades de outros países, o texto

do Decreto nº 21.109/31 deixava claro que não era prevista, para aquele momento, a

transferência da Escola Anna Nery para a Universidade do Rio de Janeiro, atual

Universidade Federal do Rio de Janeiro, pois, considerava conveniente para a

organização sanitária, mantê-la anexa ao DNSP. Essa decisão ratifica que o modelo de

24
Este Decreto, promulgado em 15 de junho de 1931, regula o exercício da enfermagem em todo
território nacional, além de fixar as condições para a equiparação das escolas de enfermagem e instruções
relativas ao processo de exame para revalidação de diplomas.
25
Esta enfermeira deveria possuir prática de ensino e administração de escolas de enfermagem.
36

ensino de enfermagem implantado no país, mediante a criação da Escola de

Enfermagem Anna Nery, encontra respaldo no serviço de saúde pública do país.

Além disso, apesar de a Escola Anna Nery não conseguir sua inserção

imediata no espaço universitário, a instituição obteve importante ganho simbólico

através do estatuto de Escola Oficial Padrão, que lhe garantia a prerrogativa de legitimar

os cursos de enfermagem do país, o que, além de lhe conferir poder e prestígio,

assegurava a manutenção do alto padrão de ensino na formação de enfermeiras,

mediante a abertura de novas escolas de enfermagem.

Esta situação foi muito significativa para o campo da enfermagem, pois

despertou nas lideranças confessionais a consciência da necessidade de investir também

no sistema formal de ensino de enfermagem, para que as suas religiosas adquirissem o

diploma de enfermeira, ao mesmo tempo em que incorporariam o capital cultural

necessário à prática assistencial da enfermeira (BEZERRA, 2002, p.55).

A luta das lideranças católicas no campo da educação, que se

concentrava, principalmente, no ensino primário, secundário, com o objetivo de difundir

aos filhos da elite da sociedade brasileira os valores da doutrina católica, precisou ser

ampliada para assegurar a presença das Irmãs da Caridade nos espaços hospitalares, seja

na assistência, ou na administração dos mesmos (BAPTISTA e BARREIRA, 1997,

p.35).

No mesmo ano em que Rachel Haddock Lobo assumiu a direção da


37

Escola de Enfermagem Anna Nery, em 1931, Edith de Magalhães Fraenkel26 foi

indicada para a Superintendência do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional

de Saúde Pública, no lugar de Ethel Parsons.

Como esclareceram Santos e Oliveira (2002, p. 267), essas substituições

marcam a atuação de duas enfermeiras brasileiras leigas nos cargos de primeiro escalão

da enfermagem brasileira, até então ocupados por enfermeiras americanas. As autoras

referidas acrescentam (2002, p.267) que este fato deve ter concorrido para que a Escola

de Enfermagem Anna Nery fosse o cenário das atividades inerentes à criação dos

Annaes de Enfermagem.

No plano interno, a Escola Anna Nery continuou a empreender suas

estratégias para conquistar maior visibilidade social à profissão, tanto assim que, em

1932, Rachel Haddock Lobo, com a efetiva participação de Edith de Magalhães

Fraenkel, empenhou-se na criação do periódico Annaes de Enfermagem27, entendido

como o mais importante instrumento de divulgação dos conhecimentos profissionais

produzidos, além de facilitar a comunicação entre os enfermeiros (GERMANO, 2002,

p.315).

Ainda em 1932, agravou-se o contexto de crises políticas no país.

Deflagrou-se em São Paulo uma guerra civil, a denominada Revolução

26
Natural do Rio de Janeiro, onde nasceu em 9 de maio de 1889, era filha de Carlos Fraenkel e Aldina
Botelho de Magalhães Fraenkel. O seu avô materno era Benjamin Constant Botelho de Magalhães, tido
como um dos fundadores da República do Brasil. A função de consul brasileiro desempenhada por seu
pai, na Alemanha, Suécia e Uruguai, fez com que iniciasse seus estudos nesses países. Tinha o domínio
de seis idiomas: alemão, sueco, espanhol, inglês, francês e italiano. Teve como primeira atividade
profissional o magistério. Em 1922, se matriculou na Escola de Enfermagem do “Philadelphia General
Hospital”, diplomando-se em outubro de 1925, mesmo ano em que se formavam as pioneiras da Escola
de Enfermagem Anna Nery. Atuou como instrutora e coordenadora de ensino da Escola Anna Nery de
1925 a 1927. Teve participação efetiva na criação da Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas
(ABED), atual ABEn, cabendo-lhe então o cargo de primeira presidente eleita. Em 1927 foi nomeada
enfermeira-chefe do Departamento Nacional de Saúde Pública. No ano seguinte, atuou como diretora da
Divisão de Enfermeiras de Saúde Pública do mesmo Departamento. A partir de 1931 sucedeu Ethel
Parsons na Superintendência do Serviço de Enfermeiras do DNSP (CARVALHO, 1980, p.39).
27
A criação e lançamento da Revista Anais de Enfermagem, atual Revista Brasileira de Enfermagem, se
deu em 20 de maio de 1932, data do falecimento de Anna Nery, no Pavilhão de Aulas da Escola de
Enfermagem Anna Nery, (Santos e Oliveira, 2002, p.267).
38

Constitucionalista de 193228. Esse conflito parecia inevitável, pois à medida que Vargas

ampliava a capacidade de intervenção do Estado na economia e na sociedade, limitava-

se o poder das oligarquias regionais (FERREIRA e SARMENTO, 2002, p. 462).

Ainda de acordo com os autores mencionados (2002, p. 462-463), setores

das oligarquias derrotadas em 1930 passaram a questionar o governo provisório e a

exigir a convocação de nova Carta Constitucional que assegurasse o estado de direito.

A edição de um código eleitoral, em fevereiro de 1932, não foi suficiente para impedir

a revolução. Confiantes no apoio de outros grupos regionais dissidentes, principalmente

de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, os paulistas deflagraram guerra ao governo

federal. Todavia, como esses apoios não se concretizaram, o resultado do confronto foi

a derrota das forças rebeldes (FERREIRA e SARMENTO, 2002, p. 462 – 463).

Nesse conflito, a Escola Anna Nery participou, através do atendimento

aos feridos nas “Frente de Operações de Guerra”. Esse envolvimento, assumido como

voluntário, contou com a presença de nomes expressivos de enfermeiras dessa escola,

incluindo-se aí, o da diretora, à época, Rachel Haddock Lobo (CD. EEAN/UFRJ.

Relatório Anual da Diretora. 1932).

A participação da diretora na organização do serviço de enfermagem,

além da atuação de outras enfermeiras e alunas desta escola, embora tida como

voluntária, dificilmente poderia deixar de acontecer, pois a Escola Anna Nery era o

único estabelecimento brasileiro, destinado à formação de enfermeiras calcada no

modelo anglo-americano. Além disso, a escola já havia registrado participação a favor

do governo, em momentos de crise, como por exemplo, a Revolução de 30 (ALMEIDA

FILHO e SANTOS, 2003, p. 581 – 585).

28
Deflagrada em 9 de julho de 1932.
39

O relato a seguir, de Rachel Haddock Lobo, à época, dá notícia do

compromisso da Escola Anna Nery com atender aos feridos da guerra, correspondendo

igualmente às expectativas das autoridades governamentais:

Atendendo às necessidades prementes de enfermeiras para os


hospitais das frentes do nosso exército que lutava contra a rebelião de
São Paulo e de acordo com o voluntariado a que procedem-se por
indicação da Sra. Superintendente Geral do Serviço [de enfermagem],
partiu a 3, o primeiro grupo de enfermeiras postas à disposição do
Ministro da Guerra, para o setor leste” (CD. EEAN/UFRJ. Relatório
Anual da Diretora. Setembro/32).

Dentre as profissionais presentes no primeiro grupo que partiu em

direção a São Paulo para atuar no cuidado aos feridos daquela revolução, estavam

enfermeiras do Hospital de Isolamento São Sebastião e do Hospital São Francisco de

Assis, além de Zaíra Cintra Vidal – Instrutora de ensino da Escola Anna Nery29 (CD.

EEAN/UFRJ. Relatório Anual da Diretora. Setembro/32).

A atuação do grupo na Revolução Constitucionalistra de São Paulo

permitiu a capitalização de lucros simbólicos em favor da enfermagem e da Escola

Anna Nery. O registro de Rachel Haddock Lobo, a seguir, demonstra o reconhecimento

dessa participação por parte das autoridades militares:

Todas estas enfermeiras acham-se possuídas de grande satisfação


íntima por terem bem servido ao ideal da profissão, conseguindo
elevá-la ao mais alto grau de proficiência e moralidade, conforme
consta dos atestados honrosos dados pelas altas autoridades daqueles
corpos do exército onde esse conceito é unanimemente reconhecido e

29
Cargo equivalente ao de vice – diretora.
40

proclamado em ordem do dia (CD. EEAN/UFRJ. Relatório Anual da


Diretora. outubro/32).

Nessa linha de reflexão, o reconhecimento das altas autoridades do

exército brasileiro à proficiência profissional das enfermeiras atuantes nesse conflito

pode ser entendido como sinal de prestígio junto à corporação que desfrutava de

indiscutível status junto ao governo Vargas. Ainda mais, contribuiu para ampliar e

projetar a enfermagem no imaginário da sociedade brasileira, como já acontecia em

outros países, avançando para além das atividades de prevenção de doenças, eis que

manifestavam competência para compor as equipes de saúde em situações de conflito

bélico (ALMEIDA FILHO E SANTOS, 2003, p. 585).

É importante entender que a desunião que caracterizava os militares

nesse momento permitiu que Vargas os manipulasse em favor dos seus interesses

políticos. Ao mesmo tempo em que interessava a Getúlio Vargas obter uma força

armada, capaz de confrontar as oligarquias remanescentes e as novas lideranças civis

que emergiam após 1930, não deveria esta mesma força militar ser tão forte a ponto de

ameaçar a liderança presidencial. Essa estratégia complexa e arriscada foi desenvolvida

com êxito durante quinze anos, através do fortalecimento da organização militar e do

controle simultâneo de seus líderes (CARVALHO, 1999, p.58-59).

O reconhecimento do alto padrão de ensino da Escola de Enfermagem

foi, muitas vezes, expresso por visitantes ilustres, como é o caso, em 1932, da visita de

Cecil Carter, chefe geral das sociedades da Cruz Vermelha, com sede em Paris, que

afirmou que a escola “única em toda a América do Sul” e, declarou “dever a Cruz

Vermelha seguir-lhe, sob todos os pontos educativos e sociais” (CD. EEAN/UFRJ.

Relatório Anual da Diretora. Agosto/32).


41

À mesma época, Kaite Russner, superintendente de uma clínica privada,

na Alemanha, manifestou surpresa e declarou à diretora da escola, após ter percorrido o

Pavilhão de Aulas: “Não esperava encontrar no Brasil uma obra de enfermagem tão

adiantada, considerando-a mais adiantada que as da Alemanha” (CD. EEAN/UFRJ.

Relatório Anual da Diretora. Agosto/32).

Não obstante a condição de Escola Oficial Padrão em 1931, a

reconhecida participação na frente de operações de guerra, em São Paulo, em julho de

1932 e o reconhecimento do padrão de ensino pelas autoridades nacionais e

internacionais da época, não foram suficientes para garantir à Escola Anna Nery a

exclusividade de atuação no campo da enfermagem, nos espaços hospitalares. De

acordo com Bezerra (2002, p. 71-72), por ser o contexto deste período favorável às

ações da igreja católica, mesmo não possuindo a formação exigida para a atuação

profissional, as irmãs contaram com a intervenção de Getúlio Vargas, o qual,

promulgou o Decreto nº 22.257/32, alguns meses após a participação da Escola Anna

Nery no referido conflito.

Este decreto conferia às irmãs da caridade direitos iguais aos das

enfermeiras formadas pela Escola Oficial Padrão, bastando para isso, que apresentassem

atestado de prática efetiva de enfermagem e/ou administração hospitalar, por um

período de pelo menos seis anos, até aquela data (Baptista; Barreira, 1997, p.35). Este

decreto limitou a participação das religiosas naqueles espaços, impedindo sua atuação

na formação de outras religiosas enfermeiras.

O dispositivo legal em exame, além de permitir que algumas religiosas

continuassem a atuar em hospitais, garantia às congregações um lapso de tempo para

que pudessem proporcionar formação em enfermagem às irmãs. Assim procedendo, o

governo Vargas propiciou às congregações religiosas a possibilidade de implementar as


42

mudanças entendidas como necessárias à preservação do espaço social que acupavam

anteriormente (BEZERRA, 2002, p. 73).

Aplicando o ideário de Bourdieu a essa estratégia político-cultural,

verifica-se que as religiosas poderiam associar o capital religioso ao capital cultural

institucionalizado (título de enfermeira), com o intuito principal de preservar a inserção

social da igreja católica e criar um contingente que atendesse à exigência legal,

expressa no Decreto 20.109/31.

O capital religioso determina a natureza, a forma e a força das estratégias

que essas instâncias [religiosas] podem dispor para atender aos interesses institucionais,

como as funções que tais instâncias cumprem na divisão do trabalho religioso, e em

conseqüência, na divisão do trabalho político (BOURDIEU, 1992, p. 57).

A promulgação do Decreto nº 22 257/32 representa mais uma

oportunidade de capitalizar importantes lucros simbólicos, oriundos da aliança entre o

governo e a igreja católica. Emblemático, nesse sentido, é o depoimento da filha de

Getúlio Vargas, em entrevista concedida a Thomaz C. Bruneau, em 1968. Na

oportunidade, a entrevistada teria feito referência à função estratégica do exército

brasileiro e da igreja católica para o governo Vargas, afirmando que seu pai “colocava

o apoio da Igreja no mesmo pé de igualdade com o apoio militar. Enquanto o último

tinha os instrumentos da força, o primeiro fornecia um meio de sustentação que

tornava a força menos necessária” (BRUNEAU, 1974, p. 80).

O primeiro movimento das religiosas católicas em busca de aumento de

capital cultural relativo à enfermagem materializou-se através da Associação São

Vicente de Paulo (ASVP), que encaminhou três de suas religiosas para o curso de
43

enfermagem da Escola Anna Nery. No entanto, esse grupo de religiosas30 desistiu do

curso.

Comentando o evento, Rachel Haddock Lobo, então diretora da escola,

registra sua percepção desfavorável à atuação das mesmas no curso: “...por não

desejarem mais continuar o curso científico da escola e se contentarem com os poucos

conhecimentos rotineiros da prática sem teoria” e, acrescenta crítica à falta de

dedicação dessas irmãs, afirmando que “durante o tempo que passaram pela escola não

demonstraram nenhum espírito de enfermagem, nem muita dedicação aos doentes”

(CD. EEAN/UFRJ, Relatório Anual da Diretora. Dezembro de1932).

Esta avaliação de Rachel Haddock Lobo é surpreendente, pois, pelo

menos duas das religiosas mencionadas apresentavam desempenho satisfatório no

curso31 (CD. EEAN/UFRJ. Livro de atas. 1931). Diante do exposto, é plausível que o

insucesso do grupo de religiosas tenha sido decorrente da imposição do habitus

profissional a ser incorporado ao longo do processo de formação profissional dessas, o

que se traduziria em redução ou limitação para realizar os rituais próprios da vida

religiosa.

No plano político, ainda em 1932, através de um manifesto lido por

30
Irmã Margarida Villac – desistiu do curso em 15 de outubro de 1931, por motivo de “saúde precária”;
Irmã Eugênia Pinto, em 17 de novembro de 1932 e Irmã Thereza Carvalho, desistiu do curso em
dezembro de 1932, não sendo possível, até o momento identificar a justificativa (CD da EEAN/UFRJ,
Registro da diretora. Setembro, outubro, novembro/31 e dezembro de 1932).
31
Sobre a avaliação da Irmã Margarida Villac, não foi encontrado qualquer registro, talves pelo curto
período que freqüentou a EAN, de 31 de julho a 15 de outubro de 1931 (TEIXEIRA et al. 1998, p.55 –
57). Irmã Eugênia: Higiene Mental – 83; Técnica – 93; Anatomia – 96; Clínica – 88 e ética – 81. Irmã
Tereza: Técnica adiantada- 98; Técnica – 98; Anatomia – 96; Higiene Pessoal – 90; Drogas e soluções –
86; Clínica – 69,5; Bacteriologia – 76 e atadura – 100 ( CD. EEAN/UFRJ Livro de atas. 1931).
44

Plínio Salgado32, foi criada oficialmente, a Ação Integralista Brasileira (AIB)33, cuja

filosofia encontrou, de certa forma, ressonância no ideário do catolicismo e nas

propostas referentes à formação de enfermeiras no que diz respeito ao papel da mulher

na sociedade. (CAVALARI, 1999, p. 13-18).

Em 1935, a AIB já se caracterizava como partido político; no entanto, foi

apenas em 1937 que conquistou o seu registro junto ao Supremo Tribunal de Justiça

Eleitoral. O Partido Integralista observava alguns aspectos insatisfatórios que

considerava próprios do povo brasileiro, dentre eles, a ausência de consciência política e

de sentimento de nacionalidade (CAVALARI, 1999, p. 41).

Segundo Beloch e Abreu (1984, p. 1621), o movimento integralista teve

origem no processo de convergência das idéias autoritárias de direita numa sociedade de

transição e, sob o impacto de um novo panorama internacional, sofreu reflexos da

Revolução Soviética e da ascensão dos movimentos fascistas europeus.

Beloch e Abreu (1984, p.1621) acrescentam que a Ação Integralista teve

origem no marco político da Revolução de 1930, difundindo um discurso ideológico

fascista, de tendência antiliberal, com amplo alcance junto a setores políticos e

intelectuais, no contexto pós-revolucionário. Sob esse enfoque, cumpre lembrar que o

Partido Integralista foi implantado nacionalmente, aumentando de tal forma suas bases

32
Plínio Salgado segue a tradição política de seu pai que atuou como chefe político local do Partido
Republicano Paulista (PRP) até 1930. Na juventude, era tido como republicano, católico e nacionalista.
Militou intensamente nos movimentos literários pós-modernistas, apesar de vinculado a um partido
político da oligarquia paulista, onde exercia também a função de redator do jornal Correio Paulistano. As
vésperas da Revolução de 1930 viajou para a Europa, encantando-se com o fascismo. Nessa época
adquiriu consciência da fragilidade da democracia liberal. Em seu retorno da Europa, criou o jornal “A
Razão”, que funcionou como importante veículo para estabelecer as bases políticas e ideológicas do
movimento. Foi candidato integralista para a sucessão presidencial, escolhido por plebiscito interno, em
maio de 1937, o que foi frustrada pelo golpe que deu origem ao Estado Novo (Beloch e Abreu, 1984,
p.1622). A expressividade popular e a intentona integralista contribuíram para a dissolução do Partido
Integralista, levando Getúlio Vargas, em seguida, a investir intensa campanha contra o integralismo,
culminando com a prisão e exílio de seus líderes. Nessa época Plínio Salgado também foi preso e, no ano
seguinte, exilado para Portugal, de onde somente retornou com o fim do Estado Novo, em 1945
(CAVALARI, 1999, p. 18-20).
33
em reunião solene no Teatro Municipal de São Paulo, sendo mais tarde conhecido em todo o país como
“manifesto de outubro” (CAVALARI, 1999, p. 13-18).
45

políticas que se tornou ameaça para a sucessão do Presidente Getúlio Vargas, além de

ser o único movimento organizado após a instauração do Estado Novo, em 1937.

Cavalari (1999, p. 49) assinala que o Partido Integralista inculcava em

seus adeptos que “a abnegação, o sacrifício e o sofrimento eram meios para despertar

a Nação e a alma de um povo”. Como se depreende, esse ideário defendia a tese de que

o sofrimento era condição necessária para se conquistar a salvação nacional.

De forma coerente com essa ideologia, a igreja católica romana invocava

o sofrimento como meio de salvação da alma e, portanto, capaz de aproximar o

indivíduo do reino celestial. No que tange à aproximação entre autoridades da Igreja e

lideranças do Integralismo, merece relevo a participação de Dom Hélder Câmara, que a

pedido de Plínio Salgado e com autorização do arcebispo de Fortaleza, atuou na chefia

do setor de educação da AIB no Ceará (BELOCH e ABREU, 1984, p. 551). Mais tarde,

em 1949, D. Helder Câmara foi capelão da Escola Anna Nery e, nessa condição,

ministrava assistência religiosa às alunas. Essas iniciativas encontravam respaldo legal

no parágrafo 9º do artigo 141 da Constituição da República, cujo conteúdo previa

intervenção religiosa, desde que não provocasse constrangimentos aos favorecidos. A

medida também poderia ser desenvolvida nos estabelecimentos de internação coletiva,

quando solicitada pelos interessados ou seus representantes legais, (UFRJ. Secretaria

dos Órgãos Colegiados - SOC. Concessão de Título de Doutor Honoris Causa a D.

Helder Câmara).

Como informou Cavalari (1999, p. 50-51), o integralismo difundia

também a obediência e a disciplina como pontos indispensáveis, pois seriam

fundamentais para a obtenção da “ordem espiritual e moral”. Para ilustrar essa

assertiva, a autora menciona o fragmento de um discurso de D. Helder, numa cerimônia

de formatura de professoras integralistas. Este pronunciamento foi documentado em


46

uma obra publicada em 1959, com o título de “Pedagogia Integralista”34, e tem o

seguinte teor: “...o lindo não é viver as horas fáceis. Belas são as horas ásperas das

escaladas difíceis”.

São evidentes as semelhanças entre alguns aspectos da ideologia

integralista com qualidades exigidas pelas líderes da enfermagem brasileiras, desde a

implantação, no Brasil, da enfermagem calcada nos moldes nightingaleano. Nessa linha

de reflexão, foram destacadas qualidades como: a abdicação, a disciplina, o respeito à

hierarquia e, em muitos momentos, a reverência ao nacionalismo.

Cavalari (1999, p. 58-61) esclarece que o integralismo entendia o papel

da mulher como importante por seu sentido de “vocação maternal, educativa e

eminentemente social”, condicionando a sua vida moral e, predispondo à mística, ao

amor absoluto, aos sacrifícios e renúncias totais. Nessa direção ideológica, as

atividades propriamente intelectuais caberiam aos homens e às mulheres, aquelas

funções desprovidas de requisitos cognitivos mais complexos. O discurso integralista

encarregava-se de difundir e, ao mesmo tempo, reforçar, em seus membros e na

sociedade, uma representação social da mulher idealizada à época; ou seja, santa,

sacrificada, altruísta, bondosa, em síntese, um anjo.

Dessa forma, construiu-se a diferença social entre homens e mulheres

tomando como referência a diferença biológica entre os dois grupos. Como elucidou

Bourdieu, a força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa

justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se

enunciar em discursos que visem legitimá-la. Nesse processo, a ordem social funciona

como imensa máquina simbólica que ratifica e atualiza a dominação masculina sobre a

34
Parte da Enciclopédia Integralista, publicada no Rio de Janeiro, pela editora Clássica Brasileira, V. IX
(CAVALLARI, 1999, p.231).
47

qual se alicerça: é a divisão social dos papéis; é a estrutura do espaço; é a estrutura do

tempo (BOURDIEU, 1999a, p.18).

Essa figura de mulher era compartilhada pela sociedade em geral, através

das diferentes instituições sociais: o catolicismo participava efetivamente, à medida que

atuava no sentido de que a mulher desempenhasse importante função no processo de

inculcação da ideologia católica nos lares brasileiros. Essa forma de inculcação cultural

era reforçada e complementada por meio das instituições responsáveis pela educação

formal, tanto pública, quanto privada.

Por sua vez, a estrutura do Partido Integralista contava com a Secretaria

Nacional de Arregimentação Feminina e Plinianos (SNAFP), composta pelos

Departamentos Feminino e dos Plinianos. O Departamento Nacional Feminino

compunha-se de cinco divisões35, dentre elas, a de Educação, considerada uma das mais

importantes e ativas, no exercício da função de orientar as atividades femininas nos

setores de Alfabetização, Enfermagem36, Puericultura, dentre outras. Tendo em vista

o preparo para o exercício profissional, havia as escolas de ensino profissional, cujo

currículo era elaborado para “senhoras e senhoritas”, existentes em alguns núcleos,

como é o caso da enfermagem que contava com uma “Escola Integralista de

Enfermagem”, no núcleo do Meyer, no Rio de Janeiro (Cavalari, 1999, p.66-67; 73-75).

A relevância atribuída à Divisão de Educação pelo Partido Integralista

possibilitava a difusão dos papéis atribuídos às mulheres: ensinar e cuidar. Para

compreender essa medida, recorro a Bourdieu (1999b, p. 32), quando denuncia que o

sistema escolar é extremamente importante por reproduzir as categorias reforçadoras da

diferença entre os sexos.

35
As outras divisões eram as de Expediente; Cultura Física; Estudos e Ação Social.
36
O grifo é meu
48

A tolerância do catolicismo junto ao Movimento Integralista baseava-se

na possibilidade de tê-lo como aliado, para enfrentar as lutas de classe e a expansão do

comunismo (Beloch e Abreu, 1984, p. 551), que se consolidava na Rússia e se ampliaria

a partir da Segunda Guerra Mundial. Sob esse ponto de vista, é evidente que o

integralismo e a igreja católica cultivavam importantes valores e princípios em comum.

Em entrevista realizada com uma depoente deste estudo, Liezelotte H.

Ornellas, houve referência à identificação de Laís Netto dos Reys com o Partido

Integralista. Segundo palavras textuais da entrevistada: “Naquele tempo, d. Laís

aprovava o Partido Integralista e aparecia em reuniões e se mostrava muito

simpatizante...”.

Além dos pontos convergentes envolvendo a Igreja católica e o

Integralismo, é importante ressaltar que Laís, através do ofício nº 227/45, reiterado pelo

ofício 271/46, solicitou ao então Ministro de Educação e Saúde, Gustavo Capanema, e

ao Magnífico Reitor da Universidade do Brasil, Ignácio Azevedo Lima,

respectivamente, providências para ter à disposição da Escola Anna Nery, o então padre

Helder Câmara37 (UFRJ. SOC. Concessão de Título de Doutor Honoris Causa a D.

Helder Câmara.)38.

Diante do exposto e considerando a incorporação do discurso integralista

na sociedade brasileira, é plausível que Laís tivesse alguma identificação com o partido

integralista, a despeito de se encontrar na clandestinidade, em função da instauração do

Estado Novo.

37
O então Padre Helder Câmara, à época, atuando na Divisão de Ensino Secundário, deveria colaborar na
organização de um Curso de Especialização em Pedagogia e Didática para professores de enfermagem
(concessão de título de Doutor Honoris Causa a D. Helder Câmara. UFRJ. SOC).
38
Faz-se importante destacar que no corpo do processo para a concessão do título de Doutor Honoris
Causa a D. Helder Câmara, protocolado em 1987, apesar do detalhamento de sua trajetória de vida, não é
feito referência a participação política de tão destacada autoridade da Igreja católica, tendo em vista a sua
participação no Partido Integralista. Da mesma forma, até então, nenhuma referência havia sido feita, no
sentido de relacionar, de qualquer forma, Laís Netto dos Reys com o Integralismo, o que poderia ser
49

Vale considerar, porém, que, segundo Lieselotte Ornellas, em nenhum

momento observou-se a realização de reuniões político-patidárias, ou qualquer outra

forma de manifestação desta ordem nas dependências da EAN.

Em 1933, a criação da Escola de Enfermagem Carlos Chagas, nas

dependências do Hospital São Vicente de Paulo, em Belo Horizonte (Nascimento et al.,

1999, p.29), representou possibilidade de formação das primeiras Irmãs39, pois o

estabelecimento oferecia ambiente favorável à associação das práticas religiosas à

formação acadêmica. Além disso, Laís Netto dos Reys, que organizou e dirigiu esta

escola (1933-1938), mantinha fortes alianças com o clero e autoridades governamentais

(Doc. 30, cx 87, 1976. CD da EEAN/UFRJ), o que facilitou a adaptação dessas irmãs.

compreendido pelo fato de o Partido Integralista , juntamente com os demais partidos, ter tido a sua
dissolução decretada em função da instituição do Estado Novo.
39
Irmã Matilde Nina diplomou-se em 1936, tendo integrado a primeira turma da escola e, em 1938, se
formam as irmãs Caterina Cândido Fiuúza, Eugênia Luna, Filomena Couto e Zoe Junho. Bezerra (2002,
p.6).
50

Foto nº 1: Pose grupal, registrada no dia 19 de julho de 1933, nas dependências do

Hospital São Vicente de Paulo, durante as comemorações da inauguração da Escola de

Enfermagem Carlos Chagas, em Belo Horizonte. Localização: Departamento de

Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz (COC). Acervo Carlos Chagas.


51

A Inauguração da Escola de Enfermagem Carlos Chagas contou com a

presença de personalidades ilustres de expressão nacional e estadual: na primeira fila, ,

há nove pessoas sentadas: sete homens e duas mulheres. Da esquerda para a direita, a

terceira figura é a de Carlos Chagas, o grande homenageado através da denominação da

escola. Ele está ladeado à esquerda por um homem cuja vestimenta sugere tratar-se de

autoridade eclesiástica. Se cindirmos o arranjo fotográfico ao meio, encontramos no

centro da composição (5ª figura) um homem trajando terno e gravata, ladeado à

esquerda por outra figura masculina (6ª figura), também de terno e gravata. A sétima

figura é uma mulher em traje de passeio completo. Sua indumentária e seu

posicionamento no arranjo fotográfico traz indícios de que seja importante dama da

sociedade. A oitava figura é uma religiosa da ASVP e a nona figura é de um homem de

terno e gravata, também não identificado.

Na segunda fila, estão treze pessoas, de pé. Da esquerda para a direita,

foi possível identificar apenas a quinta figura, Laís Netto dos Reys; ao seu lado direito,

estão dispostas quatro alunas, sendo a primeira uma freira, e à esquerda de Laís,

encontram-se oito alunas, cabendo a quarta disposição a outra freira.

Na terceira fila, figuram duas mulheres, também não identificadas. A 1ª

está entre a 2ª e a 3ª figuras da segunda fila, a 2ª situa-se entre as 6ª e 7ª figuras também

da segunda fila.

A leitura da disposição das pessoas no arranjo fotográfico evidencia que

as figuras masculinas estão todas sentadas, na primeira fila e ocupam o centro da

composição ou as extremidades, o que demarca a sua distinção no campo e permite

perceber como a ordem social funciona; ou seja, como “imensa máquina simbólica”,

capaz de ratificar a dominação masculina, reservando aos homens o lugar de assembléia

ou de mercado (BOURDIEU, 1999a, p.18). Note-se que nem mesmo a Diretora da


52

Escola de Enfermagem pôde ocupar um plano de tamanha distinção, reservando-se essa

deferência a uma religiosa e a uma senhora não identificada, que possivelmente deve

representar a elite da sociedade local.

As mulheres presentes na composição estão vestidas de enfermeira ou

em traje de passeio completo. Ainda no que tange à indumentária das enfermeiras,

observa-se que Laís Netto dos Reys e as alunas leigas expressavam o habitus católico,

através do uso do véu, em substituição à tradicional touca de enfermeira.

Segundo análise de Bourdieu (2001, p.112), as representações objetais

possuem “propriedades simbólicas e se manifestam através das coisas ou em atos”,

estratégias interessadas de manipulação simbólica, com o intuito de determinar a

representação mental que os outros podem ter dessas propriedades e dos seus

portadores. Além disso, o uso do véu, segundo Perrot (1998, p. 43), funciona de modo

a controlar os efeitos sedutores provocados pelos cabelos das mulheres.

Nessa perspectiva, esse revestimento simbólico, adaptado para cada

situação específica40, conferia às mulheres uma credencial de boa moral, pois, desde o

século XIX, uma mulher que aparecesse em público com os cabelos expostos era

considerada como emocionalmente e mentalmente perturbada ou de moral duvidosa

(Lurie, 1997, p.190).

A adoção do véu por Laís Netto dos Reys em sua indumentária de

trabalho parece simbolizar um desejo de diferenciação dentro do grupo; em paralelo,

representa um ícone de decência moral, atributo necessário à formação da enfermeira,

em consonância com a moral católica.

A cisão do campo fotográfico empresta à 5ª figura da primeira fila o

40
No campo, as mulheres usavam uma touca simplificada, na cidade, um boné. Já as burguesas, optavam
pelo chapéu, impedindo-lhes a sensação de nudez (Perrot, 1998, p.43) e as freiras, utilizam como
acessório, o tradicional véu.
53

plano central do arranjo fotográfico, o que nos leva à dedução de que o mesmo seja uma

alta autoridade civil. No entanto, ao analisarmos a posição da 4ª figura fotografada,

entre Carlos Chagas (homenageado) e a autoridade referida, e articulando essa

disposição com o contexto e a natureza do evento, tomamos a figura eclesiástica como

elemento mais importante da foto.

O cenário é o Hospital São Vicente de Paulo. A ocupação desse

ambiente sugere uma conjuntura favorável à inserção das religiosas no sistema formal

de ensino, com enfoque no espaço hospitalar. Sem sombra de dúvidas, a implantação

de uma escola leiga com condições de adaptação favorável às religiosas, “aumentaria o

contingente de religiosas-enfermeiras, favoreceria a formação de enfermeiras leigas

afinadas com a doutrina católica”, caracterizando uma possibilidade bastante vantajosa

para a ASVP (BEZERRA, 2002, p. 79).

No mesmo ano de 1933, foi criada em Anápolis, Estado de Goiás, a

Escola de Enfermagem Florence Nigthingale. A iniciativa contou com empenho de um

casal de médicos evangélicos, Dr James Faustone e Dra. Ethel M. P. Faustone. Nesse

período, Goiás caracterizava-se como região agrícola e pouco desenvolvida, cujo poder

político e econômico era concentrado em algumas oligarquias.

Porém, o panorama sócio-econômico e político começou a ser alterado,

quando Getúlio Vargas assumiu o poder no país, em 1930 e deu início à construção de

Goiânia como capital daquele Estado. A medida foi importante para a integração do

interior com a capital, o que favorecia a economia cafeeira e o crescimento urbano-

industrial, mais tarde reforçado com outros investimentos. À medida que a região

ampliava o seu crescimento, também observava um aumento dos problemas sociais

(BASTOS e BAPTISTA, 2004, p. 5).


54

Retomando os primórdios da Enfermagem na região, cumpre lembrar

que o missionário inglês Dr. James Faustone chegou ao Brasil em 1924. Este médico

teve conhecimento das péssimas condições sanitárias prevalentes no Brasil, a partir de

relatórios norte americanos, que ressaltavam a necessidade de se construir um hospital

para atender à população daquela região. Com fundamento nessas justificativas, foi

inaugurado, conforme Bastos e Baptista (2004, p.17), com o apoio da Igreja

Presbiteriana do Brasil, o Hospital Evangélico Goiano.

Para oferecer o suporte necessário àquele hospital e obter enfermeiras

capacitadas para a assistência à população, foi inaugurada a Escola de Enfermagem

Florence Nightingale. Segundo registros da Divisão de Enfermagem do SESP, desde a

sua criação, em 1933, e por toda a década de 40, essa escola formou um total de 55

enfermeiras. Esse número reduzido de profissionais por ano sugere que tal contingente

deve ter sido absorvido apenas pelo próprio hospital evangélico ou por outros serviços

de saúde da própria região (COC. Departamento de Arquivo e Documentação. SESP.

Cx 19. Doc. 8(4)).

No período compreendido entre 1934 e 1937, não temos registro de

criação de escola de enfermagem, no Brasil. Na Escola Anna Nery, ocorreu o que

entendemos como (re)iteração da influência norte-americana no ensino da enfermagem

moderna na capital. Um dado interessante a reforçar essa inferência é a vinda de Bertha

Pullen para uma segunda gestão (1934 – 1938), como diretora da escola, em decorrência

da morte de Rachel Haddock Lobo, em 1933. Bertha Pullen (re)assumiu o cargo após

um período de dez meses, em que Maria de Castro Pamphiro (da turma pioneira) atuou

como diretora interina.

Em sua segunda gestão, Bertha Pullen enfrentou dificuldades como a

agitação política do país e a indefinição da inserção institucional da Escola Anna Nery.


55

Verificou-se também um clima de pesar na escola, em decorrência da morte de Rachel

Haddock Lobo e sua substituição por uma estrangeira. Pullen também enfrentou a

oposição que alguns médicos faziam às enfermeiras diplomadas e a resistência colocada

à sua direção pelas enfermeiras diplomadas brasileiras.

As dificuldades aumentaram, pois a Fundação Rockefeller não se

constituiu em um ponto de apoio à sua gestão, apesar das ligações existentes entre a

fundação e a Escola que Bertha dirigia. É sintomático verificar que, na gestão dessa

enfermeira norte-americana, em 1937, a Escola de Enfermagem Anna Nery foi

incorporada à Universidade do Brasil, como instituição de ensino complementar,

embora pareça que a diretora tenha ficado à margem desse acontecimento. Segundo

suas palavras: “descobriu-se quase acidentalmente que uma nova reforma na

Universidade estava sendo discutida no Congresso e que a Escola Anna Nery estava

sendo incorporada neste plano...” A surpreendente desinformação da diretora pode

constituir indicador de resistência à liderança estrangeira nos destinos da enfermeira

brasileira.

A incorporação da Escola de Enfermagem Anna Nery à Universidade do

Brasil (UB), mesmo na qualidade de instituição complementar, coloca-a em posição de

vanguarda, pois foi a primeira escola de enfermagem a se inserir no cenário

universitário. Por via de conseqüência, enfermeiras e alunas passaram a compartilhar

do espaço destinado aos alunos e professores de carreiras de elevado prestígio social,

como medicina, direito, engenharia e odontologia. Ademais, a inserção da Escola Anna

Nery na Universidade contribuiu para aumentar o rendimento social e cultural do

diploma conferido pela escola às alunas, bem como das escolas a ela equiparadas.
56

Apesar da demanda reprimida de candidatas ao curso de enfermeiras, em

Goiás, foi criada em 01 de setembro de 1937, em Rio Verde – Goiás, mais uma escola

de enfermagem evangélica, qual seja, a Escola de Enfermagem Cruzeiro do Sul41.

Na mesma solenidade, ocorreu a inauguração da Escola de Enfermagem

e do Hospital Evangélico de Rio Verde, ambos resultantes do empenho do Dr. Donald

Gordon e sua esposa, Dra. Helena Gary Gordon, ambos missionários da Igreja

presbiteriana do Norte dos Estados Unidos. A Escola de Enfermagem Cruzeiro do Sul

teria sido criada para atender apenas às necessidades do Hospital, em termos de mão de

obra qualificada (BASTOS e BAPTISTA, 2004, p. 13).

A criação de duas escolas de enfermagem evangélicas em Goiás parece

representar a tentativa de assegurar aos usuários dos hospitais aos quais estas escolas

estavam vinculadas, uma assistência fundada nos princípios religiosos presbiterianos.

Através da atuação integrada, garantia-se o funcionamento de ambas as instituições,

sem o risco de que houvesse conflitos ideológicos de ordem religiosa.

No mesmo ano, em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas anunciou a

vigência de nova Constituição e, com o Congresso fechado, declarou o início de uma

nova fase política – o Estado Novo (1937 – 1945) (D’Araújo, 2000, p.25-28).

Nesse período, de acordo com Schuartzmam et al. (2000, p.193), o

governo tratava a educação escolar como forma de poder e meio de difusão da ideologia

dominante na sociedade. Por sua vez, acrescentam os autores, a igreja também

reconhecia o poder subjacente às instituições responsáveis pela educação escolar.

Porém, não se tratava apenas da formação de meninos e meninas, eis que se

vislumbrava a possibilidade de fortalecer a cristianização dos filhos da elite intelectual

brasileira, tendo em vista que a este grupo caberia formar a opinião pública e, com isso,

41
Reconhecida através do Decreto nº 34.964, de 19 de janeiro de 1954.
57

perpetuar os ideais católicos junto aos segmentos socialmente marginalizados e aos

políticos. Desencadeou-se um processo que Carvalho Filho (1983, p. 172) designou

como “recatolização de cima para baixo”.

Durante o Estado Novo (1937-1945), consolidou-se o poder pessoal de

Getúlio Vargas. A eliminação das oposições e divergências, através do fechamento do

congresso nacional e a dissolução dos partidos políticos, favoreceram a personificação

do mito que se caracterizaria como do pai dos pobres, pai do povo. Com propósitos

repressivos e de veiculação ideológica, o governo criou o Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP), que se empenhou na exaltação da figura de Vargas, suas virtudes e

suas origens e também no controle das oposições (CAMARGO, 1999, p. 17).

O período do Estado Novo demarcou o auge do entendimento com os

militares, quando houve extrema coincidência dos interesses do presidente e da

corporação militar. Esse aspecto é objeto de análise de (CARVALHO, 1999, p. 72), nos

seguintes termos: “com o acordo em torno do Estado Novo, Vargas e as Forças

Armadas atingiram o ponto máximo de sua influência, derrotando os adversários e

eliminando sua capacidade de reação pelo fechamento dos mecanismos de

participação”

No que diz respeito à formação de enfermeiras, no período anterior ao

Estado Novo, o número de escolas de Enfermagem era bastante reduzido: três

evangélicas, duas federais, duas filantrópicas e uma estadual, totalizando oito

estabelecimentos.

Quanto à sua distribuição geográfica, seis (75 %) estavam situadas na

região Sudeste e duas (25 %) no Centro-oeste, o que é compreensível em função da

importância política e econômica da região, sobretudo em relação aos estados do Rio de

Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.


58

Paradoxalmente, não havia instituição de ensino de enfermagem católica,

apesar de a Igreja Católica Apostólica Romana ter sob sua administração e assistência

de enfermagem a grande maioria dos hospitais e a quase totalidade dos hospitais de

indigentes do território nacional. Além disso, conforme análise de Bernardes42 (1952, p.

105), o número de religiosas atuantes nos estabelecimentos hospitalares, nos primeiros

anos da década de 40, já superava quinze mil e apenas cinco religiosas possuíam o

diploma de enfermeira, obtido em uma escola de Enfermagem equiparada à escola

oficial padrão. Depreende-se do exposto que expressivo quantitativo das religiosas

cuidava dos doentes sem a formação adequada, o que, segundo a autora citada, causava

elevada preocupação às lideranças da igreja.

Em paralelo, não se pode esquecer que a importância do diploma de

enfermeira também repousava na possibilidade de assegurar a suas portadoras o capital

cultural necessário à representação da respectiva ordem religiosa e da Igreja, no campo

da enfermagem. Nesse sentido, é muito esclarecedora a análise de Bourdieu (2003a, p.

75 – 79) quando refere que “o capital cultural institucionalizado é representado sob a

forma de títulos e diplomas”. Em outras palavras, mais que exigência legal, o capital

institucionalizado representa forma de atualização do habitus profissional de sua

portadora e constitui arma de elevado valor simbólico, na luta por melhor posição no

campo.

As ordens religiosas percebiam a importância da formação profissional

das religiosas, reconhecendo-as como lídimas protagonistas da assistência de

enfermagem hospitalar. Para ilustrar essa inferência, cumpre lembrar que, por ocasião

da criação da primeira escola de enfermagem católica do país, em 1938, o arcebispo de

São Paulo defendeu que melhor seria para os hospitais e para a própria Igreja, que se

42
Enfermeira diplomada na Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e diretora, à época, da Escola
de Enfermagem Madre Maria Teodora, Campinas – SP.
59

reduzisse a capacidade dos hospitais (ou até fechassem provisoriamente), aguardando a

formação das religiosas, para que pudessem, no futuro, atuar com toda plenitude da

dedicação a qual já estavam habituadas empregando, ao mesmo tempo, a apropriação

técnica condizente com a formação de uma enfermeira.

Essa tese do arcebispo de São Paulo contém, subjacente, a idéia de que o

espaço hospitalar deveria ser ocupado apenas pelas religiosas, tanto no cuidado do

doente, quanto na administração. A despeito disso, vale considerar que, desde a década

de 20, as enfermeiras brasileiras já investiam na sua qualificação profissional, através

dos cursos de pós-graduação realizados nos Estados Unidos, com apoio financeiro da

Fundação Rockefeller. Ainda nessa década, cerca de dezessete enfermeiras diplomadas

pela Escola Anna Nery foram objeto dessa política que visava à atualização do habitus

profissional das enfermeiras. Na década de 40, a participação das enfermeiras leigas

continuava; porém, de forma ainda mais abrangente, pois contavam com outros países

para a realização dos cursos de pós-graduação, como: Canadá, Inglaterra e Argentina

(CD. EEAN/ UFRJ. As Pioneiras. Cx. 05 e 06. 1944 - 1945).

Além disso, desde 1943, a Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo

oferecia o Curso de Especialização em Enfermagem e Obstetrícia e, na Escola Anna

Nery, o primeiro curso denominado “post- graduado” , para a formação de professoras

foi planejado por Olga Salinas Lacorte, em 1947. De igual maneira, a partir de 1948, o

ensino de especialidades como Obstetrícia e Saúde Pública foi desenvolvido com o

título de especialização.

Não obstante, essas e outras providências proporcionavam visibilidade e

prestígio à enfermeira leiga brasileira (SANTOS e GOMES, 2004, p. 11), não devendo,

assim, ser objeto de indiferença da referida autoridade religiosa. Este relato, por outro

lado, também evidencia a preocupação das lideranças religiosas com o a implementação


60

de estratégias para ampliar o número de religiosas diplomadas e, com isso, preservá-las

no exercício das funções profissionais, nos espaços hospitalares.

Diante da necessidade de construir “a imagem de um líder criador e

dirigente de um novo projeto de nação, Vargas “não mais seria visto com os trajes do

pampa gaúcho, nem como o revolucionário de 1930, mas como o homem maduro, em

atitudes solenes, próprias de um estadista” (LACERDA e KORNIS, 1997, p. 3). Com

esse fundamento, as solenidades comemorativas das datas nacionais no Estado Novo

tiveram aproveitamento ideológico máximo: eram rituais que aglutinavam multidões,

com o intuito de fortalecer o sentimento de unidade e de exaltação popular, ao transmitir

uma imagem de grandeza e glória dos símbolos nacionais.

De um modo geral, as instituições contribuíram significativamente para o

processo de mitificação do presidente. A EAN fez sua parte, em especial, quando

participou, em 06 de setembro de 1941, da “Parada da Juventude”, no contexto da

“Semana da Independência”. Essa participação obteve destaque na imprensa escrita e

foi objeto de matéria na Revista da Semana, com a imagem de um grupo de alunas da

Escola Anna Nery, devidamente uniformizadas. A matéria apela ao patriotismo daquele

grupo de jovens estudantes de instituições públicas de ensino, quando afirma que:“o

desfile da mocidade nas celebrações da Semana da Independência constituiu belíssima

página de civismo e uma magnífica afirmação de fé no futuro da Pátria”.

Desse evento participaram também alunos do Colégio Militar e de outras

instituições da Universidade do Brasil, tais como: Colégio Universitário, Escola de

Belas Artes, Escola de Engenharia, Escola Nacional de Música, Escola de Química,

Faculdade de Direito, Faculdade de Filosofia, Faculdade de Medicina e a Faculdade de

Odontologia (CD. EEAN/ UFRJ. Cx. 75. Doc. 16).


61

Desse modo, a Escola Anna Nery ao mesmo tempo em que contribuiu

para o processo de mitificação da Vargas, tornou visível o grupo de docentes e alunas

da escola, divulgando a imagem da enfermeira, em conformidade com o sentimento

patriótico, dominante na ideologia política da época.


62

CAPÍTULO II: A NOMEAÇÃO DE LAÍS NETTO DOS REYS COMO


DIRETORA DA ESCOLA ANNA NERY E A REVOLUÇÃO SIMBÓLICA NO
CAMPO DA EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM (1938 – 1942)

Neste capítulo, minha intenção é focalizar a transição da última diretora

americana da EAN, Bertha Lucile Pullen, para a primeira diretora brasileira formada

pela própria EAN, Laís Netto dos Reis. Com a nomeação de Laís, observa-se um

grande investimento dessa diretora, no sentido de assegurar às religiosas a condição

adequada para a conquista do diploma de enfermeiras, ao mesmo tempo em que se

revalida o diploma de religiosas enfermeiras de outras nacionalidades. Essas medidas

impulsionam a criação das primeiras escolas de enfermagem católicas no país, tendo na

figura da Laís uma expressiva representante dos interesses do catolicismo, através da

Enfermagem.

Com a aproximação do término do contrato de Bertha Pullem como

diretora da escola, através de um ofício, ela tomou a iniciativa de sugerir ao reitor da

UB, Raul Leitão da Cunha, a designação de sua substituta. Em paralelo, solicitava

providências no sentido de encaminhar a futura diretora aos Estados Unidos, para

realizar estudos inerentes à administração de escolas de enfermagem. No ofício, Pullen

sugeriu ainda o período ideal para tal viagem, de modo a viabilizar o retorno da nova

diretora, antes do término do seu contrato (agosto de 1938).

No entanto, a correspondência de Pullen ficou sem resposta. Esse

silêncio é interpretado por Santos e Barreira (2002, p. 134) como interpretação de que a

sugestão fora imprópria e inoportuna, tendo em vista as posições ocupadas no campo

pelo reitor da UB e pela diretora da EAN, (ademais ele era médico e ela enfermeira) e,

sobretudo, ao término de uma gestão conturbada.


63

A nomeação de Laís Netto dos Reys como diretora da EAN, além de

considerar seus atributos pessoais e profissionais como: origem familiar, capital cultural

(pós-graduada nos Estados Unidos da América, em Administração de escolas),

experiência na organização e direção de escola de enfermagem, pois foi diretora da

Escola de Enfermagem Carlos Chagas, dentre outros, parece que também foi favorecida

pela influência de um familiar que, à época, ocupava importante cargo no governo

Vargas, como registra o depoimento de Anna Nava:

houve uma noite que se chegou a comemorar a nomeação de d. Zaíra,


mas d. Laís tinha um irmão no Palácio, doutor Heleno Moura. Daí, d.
Laís mexia com o presidente, com o Getúlio, através do doutor
Heleno, e doutor Heleno conseguiu rasgar a nomeação de d. Zaíra

A presença de um familiar de Laís Netto dos Reys no centro do poder

político do país pode ter contribuído para estabelecer relações de cordialidade entre esta

e o então presidente Getúlio Vargas, concorrendo para aumentar seu prestígio pessoal e,

por conseguinte, da enfermagem brasileira.

Durante o Estado Novo (1937-1945), os investimentos empreendidos

pela Igreja e pelo governo federal no sistema educacional atuaram de modo estratégico

na inculcação da ideologia burguesa e católica, difusora do ideário da ordem social a

toda a sociedade (Schwartzman; Bomeny; Costa, 2000, p.189 – 192). Por sua vez, o

campo da saúde não ficou à margem desse movimento, pois, representava importante

espaço de representação do estado junto à população.

No âmbito da EAN, podemos dizer que Laís era reconhecida como

importante exemplo de mulher católica, mediante as propriedades simbólicas a ela

agregadas, que se justificavam por sua postura de católica praticante, o que demonstrava

sua afinidade com o ideário da religião dominante e com o momento político da época.
64

Em 1938, foi criada a Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo

(EEHSP)43, a primeira escola de enfermagem católica do país. A criação do

estabelecimento está diretamente vinculada à organização do Hospital São Paulo e da

Escola Paulista de Medicina (EPM). Cumpre acrescentar que a construção do hospital

foi necessária para que os alunos de medicina da EPM pudessem contar com um campo

de estágio adequado à sua formação (SOUZA e BAPTISTA, 2002a, p. 216).

Entendendo que, para se elevar os padrões assistenciais do Hospital São

Paulo, seria fundamental que se contasse com uma enfermagem qualificada e

competente, o vice diretor da EPM, Dr. Álvaro Guimarães Filho, procurou, junto à

Arquidiocese do Estado de São Paulo firmar aliança sólida que assegurasse a

organização de uma escola de enfermagem anexa à EPM (SOUZA e BAPTISTA,

2002a, p.216). Para a criação e funcionamento da escola, o diretor da EPM contou com

a colaboração das Irmãs Missionárias de Maria.

Esta instituição foi equiparada à EAN em 1942, mesmo ano de formatura

de sua primeira turma. Desde o início de seu funcionamento, a Escola de Enfermeiras

do Hospital São Paulo obteve apoio da EAN: a primeira inspeção para fins de

reconhecimento e equiparação, foi realizada, pessoalmente, por Laís Netto dos Reys,

então diretora da EAN (SOUZA e BAPTISTA, 2002b, p. 38).

Coube à Madre Marie Domeneuc44 , na qualidade de diretora interina, a

coordenação das atividades didáticas da escola. Posteriormente, foi substituída por

43
Equiparada em 24 de março de 1942, pelo Decreto nº 9.101
44
Jeannik Rouquet, ou madre Domuneuc, nasceu em 11 de novembro de 1911, na Bretanha, França. Já
possuía o títlo de enfermeira quando ingressou no convento das Irmãs Franciscanas Missionárias de
Maria. Sua chegada ao Brasil foi em 1935 e, um acordo envolvendo a Escola Paulista de Medicina e a
Arquidiocese de São Paulo, ficou entendido que caberia as Irmãs dessa congregação a responsabilidade
de organizarem uma escola de enfermagem, a primeira escola de enfermagem católica do país (Semanário
da Arquidiocese de São Paulo. Ano 43. N. 2177. Março de 1988). Dentre os seus inúmeros feitos está a
criação do Amparo Maternal, em São Paulo em 1939, a I Semana de Estudos de Enfermagem em São
Paulo, além da participação efetiva junto a ABED. A sua participação foi fundamental na criação da
União de Religiosas Enfermeiras do Brasil (UREB). Faleceu no dia 11 de 1997, em Taubaté, estado de
São Paulo.
65

Madre Maria das Dores, diplomada pela EAN, onde permaneceu até 1944. No mesmo

ano de inauguração da EEHSP, três religiosas da congregação das Irmãs Franciscanas

Missionárias de Maria tiveram os seus diplomas revalidados nas dependências da

EAN45, cumprindo, desta forma, as disposições da legislação de ensino vigente no

Brasil (SOUZA e BAPTISTA, 2002a, p.217)46.

Até 1938, apenas cinco religiosas eram enfermeiras diplomadas e todas

formadas pela Escola de Enfermagem Carlos Chagas, uma escola leiga que assegurava

às religiosas a compatibilidade da vida acadêmica com a vida religiosa, como assinalei

anteriormente.

No entanto, o número diminuto de religiosas diplomadas parece ser

explicado ainda por dificuldade de adaptação ao cotidiano das escolas de enfermagem,

ou talvez pela demanda de religiosas com tempo de escolaridade insuficiente para

lograrem êxito nas escolas de enfermagem.

Tendo em vista ampliar o número de religiosas enfermeiras, em 05 de

setembro de 1939, a ASVP criou a Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac47, um ano

após a inauguração da Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo, ambas tinham

como entidade mantenedora a Igreja Católica. Para a educação em Enfermagem, a

criação dessas duas instituições representou um marco no início da formação de outras

escolas católicas no país.

Apesar de as ordens religiosas contarem com duas escolas católicas, a

Provincial das Irmãs da Caridade da ASVP, solicitou a Laís Netto dos Reys que

45
Fizeram parte da banca examinadora, reunida nos dias 29 e 30 de novembro de 1939, para a revalidação
desses diplomas, os professores da Faculdade de Medicina da UB Raul Baptista, Moreira da Fonseca,
Álvaro Pontes, Paulo de Góes, Silvio Sertã, Francisco Sampaio, João Pessanha e Aldair Figueiredo; as
instrutoras de enfermagem Zaíra Cintra Vidal e Lais Netto dos Reys, ambas da EAN (CD. EEAN/ UFRJ.
Relatório Anual da Diretora. 1939).
46
Foram elas: Madre Marie Domeneuc, Madre Maria de Fontenelle e Madre Maria Hermana José.
47
Equiparada através do Decreto nº 9. 100, de 24 de março de 1942.
66

avaliasse a possibilidade de ingresso de um grupo de religiosas daquela congregação na

EAN, o que foi prontamente atendido. Vale destacar que essa concessão não

representou acordo que assegurasse cotas definidas para o ingresso de futuros grupos de

religiosas, tanto que nenhuma outra religiosa freqüentou o curso de Enfermagem da

EAN até o final da gestão de Laís. Ademais, cumpre informar que o número de alunas

leigas matriculadas na EAN, juntamente com as religiosas, também não foi reduzido, o

que ampliou significativamente o número de alunas diplomadas na turma de 1942,

quando ocorreu a formatura das religiosas (Departamento de Arquivo e Documentação.

COC. SESP. Cx19. Doc. 8(4); Cd. EEAN/UFRJ. Graduação. 1942).

Durante sua gestão, Laís demonstrou forte preocupação de garantir às

religiosas católicas um ambiente favorável à manutenção de seu habitus religioso,

atendendo a solicitação da Provincial Irmã Blanchot48. Dentre algumas exigências

apresentadas pela provincial estava a criação de uma capela, onde as religiosas

pudessem professar a sua missão apostolar cotidiana. Com o propósito de atender às

demandas, Laís Netto dos Reys escolheu como local para a capela, o escritório, antes

ocupado pelas integrantes da missão da Fundação Rockefeller.

O relato de Anna Jaguaribe da Silva Nava comprova essa afirmação,

quando informou que: “O escritório da Rockefeller era onde depois foi a capela da

escola. Nós não tínhamos nada lá em cima. Tanto que o retrato da nossa formatura

que foi tirado naquelas escadas, já foi quando a d. Laís já era a diretora brasileira”.

Em consulta a fontes iconográficas do Centro de Documentação da EAN,

48
Marie Antoniette Blanchot (nome de Batismo) ou Irmã Antoniette Clemente Blanchot foi a responsável
pela Companhia das Filhas da Caridade nos períodos de 1928 a 1946 e, de 1953 a 1965, num segundo
mandato. Neste intervalo foi eleita Superiora Geral, lhe garantindo o título de 48ª sucessora de Luiza de
Marillac. Onze anos após seus primeiros votos, ainda na França, foi nomeada Assistente da Província,
cargo que significa, na linha hierárquica, uma posição inferior a da Provincial responsável pela
Companhia das Filhas da Caridade de uma determinada região. Na ausência da Provincial, ficam as
demais Irmãs da Caridade subordinadas às suas determinações (BEZERRA, 2002, p. 80).
67

é possível observar que, desde então, era comum o registro fotográfico de formandas

naquela escada de acesso à capela (CD. EEAN/ UFRJ. Acervo Iconográfico), o que

reforça a noção da importância atribuída pela comunidade da Escola a esse espaço.

O cuidado com propiciar condições de realização dos rituais religiosos ao

grupo de irmãs católicas deve ter facilitado sua adaptação à vida acadêmica, uma vez

que lhes possibilitou a expressão do estilo de vida singular. Trata-se, conforme

entendimento de ( BOURDIEU, 1992, p. 46), de “propriedades de objetivação que se

encontram objetivamente associadas ao grupo ou classe na medida em que ocupam

uma posição determinada na estrutura soacial”

Laís Netto dos Reys considerou também que o ingresso do grupo de

religiosas da Congregação de São Vicente de Paulo, na escola, caracterizava-se como

“uma grande vitória da Escola Anna Nery” e cujo “valor moral desse fato já se faz[zia]

sentir na sociedade” (UFRJ, EEAN, CD, Relatório da Diretora– ano 1939) e ressalta

que a escola obteve reconhecimento de altas autoridades religiosas : “o conceito da

Escola que, apesar de leiga, mereceu de S. Eminência o Sr. Cardeal Arcebispo do Rio

de Janeiro a permissão de nela ingressar como alunas internas doze religiosas, se

elevou consideravelmente” (UFRJ, EEAN, CD, Relatório da Diretora – 1939).

A interpretação de Laís Netto dos Reys ao ingresso desse grupo para a

escola expressa, subjacente, seu apreço à Igreja Católica e o reconhecimento de sua

posição de prestígio no campo. Bourdieu (1992, p. 33) parece ter explicação para a

importância que a diretora atribui a esse fato, afirmando que a religião tem a capacidade

de contribuir para “a imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da

percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social”.

Por ocasião do Primeiro Concílio Plenário Brasileiro, ocorrido no

período de 2 a 20 de julho de 1939, na Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, sob a


68

presidência do Cardeal Dom Sebastião Leme, onde se reuniram os Arcebispos e Bispos

do Brasil, Laís Netto dos Reys, expressou seu apoio à formação de enfermeiras

religiosas de todas as ordens católicas. Este estímulo foi expresso através de um

memorial enviado pela diretora, sob os cuidados de reconhecida autoridade religiosa,

Padre Leonel Franca49, onde afirmava textualmente que este documento teria a

finalidade de “promover um movimento maior nas Congregações religiosas

hospitalares, de modo a conseguir que todas elas [as congregações] formem[massem]

suas religiosas” (UFRJ, EEAN, CD, Relatório Anual da Diretora– ano 1939;

www.fplf.org.br).

Essa iniciativa caracteriza uma aliança pública com a Igreja católica, no

sentido de contribuir para a formação das religiosas, através do ensino formal. Cabe

reiterar que a aquisição do diploma, ainda que assegure autonomia relativa em relação

ao seu portador e ao seu capital cultural, é uma “certidão de competência cultural que

confere ao seu portador um valor convencional, constante e juridicamente garantido no

que se refere à cultura” (BOURDIEU, 2003a, p.78).

Assim procedendo, Laís estaria incentivando as Congregações católicas a

ampliarem o capital cultural de suas religiosas e, ao mesmo tempo, atenderem a

exigência legal do Decreto 20. 109/31, que viabilizava a legitimação desse capital.

49
Padre Leonel Edgard da Silveira Franca nasceu em 6 de janeiro de 1893, em São Gabriel, Rio Grande
do Sul. Reconhecido pela sua profunda influência cultural e religiosa no Brasil, dedicou grande parte de
sua vida à fundação e consolidadção da primeira universidade particular do país. Considerado um
conferencista erudito e polêmico, em suas palestras, tidas como um acontecimento intelectual de
destaque, reunia figuras ilustres como Epitácio Pessoa, Alceu Amoroso Lima, Sobral Pinto e Murilo
Mendes. Ingressou na Companhia de Jesus em 1908, aos quinze anos. Em 1910 iniciou o curso de letras e
em 1912, em Roma, cursou o triênio de filosofia na Universidade Gregoriana. Retornou ao Rio de Janeiro
em 1915 e iniciou o magistério no colégio Santo Inácio. Em 1920 retornou a Roma onde iniciou o curso
de teologia e, três anos mais tarde, foi ordenado sacerdote. Doutorou-se em Filosofia e Teologia, em
1924. Nesse mesmo ano, completou na Espanha o último ano da formação jesuítica. Ao retornar ao
Brasil, Leonel Franca ensinou no Colégio Anchieta, onde estudara anos antes. Transferiu-se
definitivamente para o Rio de Janeiro em 1927, sendo nomeado para o Conselho Nacional de Educação,
do qual foi um dos fundadores em 1931. Em dezembro de 1940 assumiu como reitor da recém-inaugurada
Universidade Católica, permanecendo no cargo até a sua morte prematura, em 3 de setembro de 1948, três
meses depois de receber o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras
(www.fplf.org.br).
69

O empenho de Laís em investir na qualificação de enfermeiras religiosas

estreitava os laços de amizade com a Igreja Católica e reforçava a sua figura carismática

enquanto líder católica. Para melhor compreender este aspecto, recorro ao pensamento

de Bourdieu, quando emprega o termo carisma para designar as propriedades

simbólicas que se agregam aos porta-vozes religiosos na medida em que aderem à

ideologia do carisma; isto é, o poder simbólico que lhes confere o fato de acreditarem

em seu “próprio poder simbólico” (BOURDIEU, 2001, p.55).

Por ocasião do encerramento desse Concílio, foi publicada a Carta

Pastoral do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme e dos arcebispos e

bispos do Brasil, conferindo significativo destaque ao papel da família na sociedade,

criação da universidade católica, da Ação Católica, Associações Católicas, dentre

outros. Nesse documento, ficou textualmente expressa a relevância das autoridades

civis para a manutenção da ordem social, bem como com das tradições espirituais:

Nesta tarefa magnífica de apostolado cristão, senão esclarecido


patriotismo, continuamos a contar com a colaboração sincera das
autoridades civis, fiéis a sua nobre missão de assegurar os imensos
benefícios da ordem social e defender as tradições espirituais da
família e da nacionalidade brasileira (Arquivo da Cúria Metropolitana
de São Sebastião do Rio de Janeiro. Carta Pastoral (CP). 1939).

Dando continuidade às manifestações públicas de acordos e

aproximações entre Laís e as lideranças do catolicismo, registramos a visita do cardeal

arcebispo d. Sebastião Leme a Escola Anna Nery, em 21 de novembro de 1939.


70

Foto nº 2 : Visita do Cardeal arcebispo Dom Sebastião Leme à EAN, em 21 de

novembro de 1939. Localização: CD. EEAN/ UFRJ. Acervo Iconográfico. 1939.

Na primeira fila, sentados, identificamos, da esquerda para a direita, que

a segunda figura é Maria de Castro Pamphiro, professora da EAN, seguida de três

representantes da Igreja católica (secretários do cardeal Leme). O reitor da UB, Raul

Leitão da Cunha é a sétima figura sentada e está ladeado à esquerda, pelo cardeal

Sebastião Leme. A sua esquerda, está Laís Netto dos Reys, seguida da Irmã Odila

Lima. O espaço central da foto é dividido entre a maior autoridade da Universidade do

Brasil e a maior expressão do clero no Rio de Janeiro (figura de reconhecida projeção

no campo da religião)
71

O texto fotográfico permite perceber que a única aluna que ocupa

posição de destaque no espaço fotográfico (1ª fila) é uma das religiosas da ASVP,

recém- ingressa na escola, cuja posição é imediatamente ao lado esquerdo da diretora da

EAN. Todas as demais alunas encontravam-se na segunda fila, de pé, ou na primeira

fila, também de pé. O cenário é o salão de festa do internato da EAN (CD. EEAN/

UFRJ. Acervo Iconográfico. 1939).

A saudação de encerramento do evento foi feita pelo Reitor da UB. Ao

fazer uso da palavra, d. Sebastião Leme, agradeceu ao Sr. Reitor, ao corpo docente,

administrativo e discente da EAN, pela “dignificativa e reverente” homenagem que lhe

haviam prestado. Para Laís, a visita à escola, de tão expressiva autoridade do clero,

juntamente com os seus secretários, Monsenhor Uchôa e Monsenhor Cintra, traduzia-se

em grande honraria para o estabelecimento, sob sua direção (CD. EEAN. Relatório

Anual da Diretora. 1939).

A visita do Cardeal Leme representou expressão clara do aumento do

prestígio da Escola junto as lideranças do catolicismo, ao mesmo tempo em que poderia

manifestar reconhecimento daquela autoridade para com a instituição que, desde a

nomeação de Laís Netto dos Reys, muito contribuiu com os interesses da Igreja católica.

A EAN, que em função da força política da Missão Parsons/ Fundação

Rockefeller, foi destinada a funcionar como núcleo de difusão dos ideais americanos,

assumiu, desde então, nova posição no jogo político, cujas alianças são estabelecidas

com a igreja e o governo Vargas, no início do Estado Novo. Note-se que a primeira

diretora da EAN, Clara Louise Kienninger, ao retornar ao Brasil, em 1942, manifestou

sua surpresa, ao perceber que, na escola, havia “clausura e capela para alunas

religiosas”, onde antes era ocupado pelas integrantes da missão da Fundação

Rockefeller (BARREIRA; SAUTHIER e BAPTISTA, 2001, p. 161 e 172).


72

Laís Netto dos Reys, na qualidade de grande líder católica da

enfermagem, atuou efetivamente como interlocutora da igreja, ao criar as condições

necessárias para a inserção de religiosas no curso de enfermagem e contribui para a

capitalização de lucros simbólicos por parte da instituição religiosa.

Como assinalou Bourdieu (1992, p. 33), o trabalho religioso pode ser

realizado por produtores e porta-vozes especializados, investidos do poder, sem que este

seja necessariamente no âmbito institucional, mas que permita “responder por meio de

um tipo determinado de prática ou discurso a uma categoria particular de necessidades

próprias a certos grupos sociais”.

Ainda em 1939, Laís Netto dos Reys, registrou no Relatório Anual da

Escola Anna Nery sua percepção acerca da importância da enfermeira para a população

brasileira, afirmando que: “em toda a parte a ação da enfermeira é indispensável, para

o trabalho de defesa de nosso povo e da nossa raça. De milhares de enfermeiras

necessita o Brasil...” (UFRJ. EEAN.CD. Relatório Anual da Diretora. 1939).

No mesmo relatório, pontua a necessidade de criar outras escolas de

Enfermagem no Brasil, possibilitando a formação de enfermeiras capazes de assegurar à

sociedade uma assistência mais qualificada. Nesse sentido, ela opinou que:

A Anna Nery [Escola de Enfermagem Anna Nery], ainda não deu


500 enfermeiras diplomadas nos seus 17 anos de existência. Suas
turmas são pequenas. Saem por ano diplomadas, numa média de 20
mais ou menos. Representa esse número um contingente irrisório
diante das necessidades da nação. E já seria um número diminuto em
face das necessidades do próprio Distrito Federal (UFRJ. EEAN.CD.
Relatório Anual da Diretora. 1939).

Segundo Laís, a situação da enfermagem revela a “carência de

enfermeiras no Brasil e a inadiável necessidade de se promover o aumento dessa


73

classe...” e afirma: “Esse aumento só se pode conseguir com resultado satisfatório,

pela criação de escolas de enfermeiras disseminados pelo país” (UFRJ. EEAN.CD.

Relatório Anual da Diretora. 1939).

Essa avaliação de Laís Netto dos Reys tinha fundamento, pois, até o final

da década de 40, todas as escolas de enfermagem conseguiram formar apenas 1211

enfermeiras o que, obviamente, não atendia aos requisitos de assistência à saúde da

sociedade brasileira, nem no âmbito da saúde pública, nem na área hospitalar, que

começava a intensificar-se no Brasil. Essa realidade colocava em questão a capacidade

das escolas de enfermagem de formar mão de obra qualificada para atender aos serviços

de saúde em todo território nacional. Esse total não considera apenas as escolas de

enfermagem que adotavam o modelo anglo-americano, se assim o fosse, o total de

enfermeiros ficaria reduzido a 373 enfermeiros (Departamento de Arquivo e

Documentação. COC. SESP. Cx 19. Doc. 8(4)).

Diante da insufuciência do número de enfermeiras no Brasil, Laís passou

a defender a difusão de outras escolas de enfermagem por todo território nacional,

cabendo à EAN a missão de fomentar o crescimento das instituições de ensino de

enfermagem em todo o país. Laís manifestou também a intenção de investir na

regulamentação de outra categoria profissional na enfermagem: a dos auxiliares de

enfermagem. Essa categoria era definida por algumas representantes de escolas de

enfermagem como mais um grupo para concorrer com as enfermeiras. Esse assunto foi

incorporado como ponto de pauta das reuniões de Diretoras de Escolas de Enfermagem

(CD. EEAN/ UFRJ. Relatório Anual da Diretora. 1944 - 1946).

O pronunciamento de Laís deve ter provocado significativo impacto no

campo da enfermagem, pois ela se apresentou como porta-voz da enfermagem

brasileira. Na perspectiva analítica de Bourdieu (2001, p. 114), o discurso autorizado


74

“à vista de todos e em nome de todos, publicamente e oficialmente, ela afasta-a ao

arbitrário, sanciona-a, santifica-a, fazendo-a existir como dignas de existir,

naturalmente”. O discurso autorizado está fundamentado no “reconhecimento e na

crença que lhe concedem os membros deste grupo”, assim como nas propriedades

econômicas ou culturais que eles possuem em comum (BOURDIEU, 2001, p.117).

Esses discursos adquiriam maior poder de enunciação à proporção que

configuravam uma troca lingüística que se estabelecia em meio a uma determinada

geração de força simbólica entre um “produtor”, possuidor de um determinado capital

lingüístico, e um “consumidor”, que fosse capaz de propiciar um determinado lucro

material ou simbólico. Desta forma, os discursos são signos de riquezas destinados a

serem compreendidos, decifrados, avaliados, apreciados e são ainda signos de

autoridade a serem acreditados e obedecidos (BOURDIEU, 1998a, p. 53-54).

A I Semana da Enfermeira, realizada no período de 12 a 20 de maio de

1940, nas dependências do Internato da Escola Anna Nery, representou importante

espaço de socialização do saber da enfermagem, ao mesmo tempo que conferiu

prestígio à Escola Anna Nery e sua diretora, promotora do evento. Laís registrou sua

avaliação do evento, afirmando que: a “Semana da Enfermeira” teria como finalidade a

“aproximação e interrelação das Escolas”, além de oferecer “a inapreciável

contribuição dos maiores valores da nossa terra, as altas autoridades da administração

pública e religiosa...” (CD. EEAN/ UFRJ. Cx 87. Dc. 01).


75

Foto nº 3: Pose grupal, registrada por ocasião do encerramento da I Semana da

Enfermagem, no dia 20 de maio de 1940, no Internato da EAN. Localização. CD.

EEAN/UFRJ. Arquivo Iconográfico.

No primeiro plano, há cinco figuras sentadas: da esquerda para a direita,

a primeira, Laís Netto dos Reys, trajando o uniforme de enfermeira; seguida de um

representante do Ministério da Marinha, devidamente fardado; do reitor da

Universidade do Brasil, Raul Leitão da Cunha e de dois senhores não identificados. No

segundo plano, de pé, da esquerda para a direita, há um senhor não identificado. A

segunda figura é Maria de Castro Pamphiro, seguida de dois senhores não identificados;

Josefina Brito; Judith Arêas (5ª figura); Sr. Armando Fajardo, secretário do reitor da UB

(6ª figura); Lucília B. Miranda (7ª figura); Maria Antonieta Fernandes (8ª figura);
76

Edmée C. O. Pinto (9ª figura); dois senhores não identificados (10ª e 11ª figuras);

Glória Dias Müller (12ª figura), e Aurora Veloso (13ª figura). Todas as figuras

masculinas apresentam-se trajadas com terno e as femininas usam o uniforme de

enfermeira, sendo todas professora da EAN. O Presidente da República, Getúlio Vargas

e o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, d. Sebastião Leme se fizeram representar.

A organização do evento providenciou para que grande parte da

programação da Semana da Enfermeira, com conferências de várias autoridades da

educação, da saúde e da enfermagem fossem transmitidas pela P. R. A-2, Rádio

Difusora do Ministério da Educação e Saúde (CD. EEAN/ UFRJ. Cx 87. Dc. 01).

Essa providência conferiu visibilidade à enfermagem brasileira, pois um

aspecto da ação simbólica dos meios de divulgação, no plano das informações, por

exemplo, consiste em atrair a atenção para os acontecimentos (BOURDIEU, 1998a, p.

23).

A programação do evento contou com um total de 27 palestras, uma

romaria ao túmulo de Anna Nery e uma dramatização em homenagem a Anna Nery,

intitulada: “A enfermagem no Brasil e suas atividades”. As palestras foram proferidas

por alunas da EAN e autoridades do campo da saúde e da enfermagem, dentre elas: a

diretora da EAN, Laís Netto dos Reys e a presidente da Associação Brasileira de

Enfermeiras Diplomadas (ABED) e professora da EAN, Zaíra Cintra Vidal. O evento

também foi prestigiado por Carlos Chagas Filho e a sra. Iris Lobo Chagas, viúva de

Carlos Chagas.

A leitura atenta dessas palestras evidencia a apropriação da figura mítica

de Anna Nery, como heroína de guerra e patrona da enfermagem brasileira. O discurso

da diretora da escola foi emblemático no sentido de reforçar o sentimento de amor à


77

pátria e destacar a importância da formação da enfermeira moderna para a sociedade

brasileira, como evidenciam os seguintes trechos de seu discurso:

“a enfermeira na hora presente é elemento de primeira necessidade, de

premente e absoluta precisão. É a própria nação que o exige, é a pátria que

reclama o serviço de todas as mulheres nas fileiras da enfermagem” e

entendia que “a exemplo de Florence e de Anna Nery as brasileiras de todos

os recantos da nação deviam demonstrar o seu patriotismo, seu amor ao

Brasil, seus sentimentos cristãos, procurando as escolas de enfermagem”, de

modo a se prepararem devidamente para o serviço da pátria e da sociedade,

“na mais expressiva prática da caridade cristã (CD. EEAN/ UFRJ. Doc.

610.7309).

Na solenidade de encerramento do evento, Laís anunciou a criação de

três “cursos de extensão”: o Curso de Auxiliar de Enfermagem, o Curso da Associação

de Voluntárias Anna Nery (AVAN) e o Curso de Assistentes Sociais. Cabe ressaltar

que o Curso de Auxiliar de Enfermagem, anunciado naquela ocasião, não tinha respaldo

legal, uma vez que não era regulamentado (CD. EEAN/ UFRJ. Relatório Anual da

Diretora. 1939).

Por seu turno, a presença do reitor na UB, em uma solenidade oficial,

onde foi anunciada a criação do curso de auxiliar de enfermagem, conferiu o aval

necessário para que Laís Netto dos Reys continuasse investindo na formação da

categoria. Note-se que o poder de enunciação das palavras resulta do efeito que tem a

objetivação e oficialização do fato que a nomeação pública realiza, à vista de todos

(BOURDIEU, 2001, p. 117). Anos depois, o ex-reitor da UB, Raul Leitão da Cunha, na

condição de Ministro da Educação e Saúde, criou no Quadro Permanente do Ministério


78

da Educação e Saúde, através do Decreto-Lei nº 8. 77850, publicado em 22 de janeiro de

1946, em seu artigo 2º, a carreira de Auxiliar de Enfermagem e, em cujo parágrafo

único explicitava: “Para o ingresso na carreira de Auxiliar de Enfermagem é

indispensável a apresentação do certificado da conclusão do respectivo curso, feito na

Escola de Enfermeiras Anna Nery, ou em estabelecimentos a ela equiparados”.

Este Decreto – Lei foi objeto de reconhecimento e homenagem por parte

de um grupo de enfermeiras diplomadas, liderado por Laís Netto dos Reys ao então

Ministro da Educação e Saúde, Raul Leitão da Cunha que, no entendimento do grupo,

“realizava um ato de justiça que atingia uma classe de profissionais, até então

prejudicada em seus interesses” (CD. EEAN/ UFRJ. Cx 87. Dc. 01. 1946).

Para Laís, os laços entre Raul Leitão da Cunha e a enfermagem,

enquanto reitor da UB; ex-professor da EAN; e diretor interino do Departamento

Nacional de Saúde Pública, nos primeiros anos da organização do serviço de

enfermagem daquele órgão, foram importantes para sensibilizá-lo a realizar “uma

medida governamental em benefício de uma classe de funcionárias que merecia ser

amparada e protegida” (CD. EEAN/ UFRJ. Cx 87. Dc. 01. 1946).

Diante disso, entendo que Raul Leitão da Cunha não apenas apoiava o

curso de auxiliar de enfermagem da EAN, mas também o entendia como fundamental

para a solução do problema de escassez de pessoal melhor qualificado para atender a

grande demanda que se apresentava pelo país, e que era exaustivamente exposto pela

diretora da EAN e, da mesma forma, atendia às reivindicações dos médicos por uma

solução (CD. EEAN/ UFRJ. Relatório Anual da Diretora. 1944 – 1946).

Em 1941, no período de 06 a 12 de dezembro de 1941, foi realizada a 2ª

Semana da Enfermeira. Na abertura, houve missa em ação de graças, celebrada pelo

50
Regula os exames de habilitação para os auxiliares de enfermagem e parteiras práticas.
79

Reverendo D. Alano du Noday, Bispo de Porto Nacional. Também fazia parte do

programa a entrega de certificados às alunas que concluíram o curso de voluntárias da

EAN51. Este curso, que funcionava como complemento de educação para moças e

senhoras da sociedade, tinha como finalidade principal prepará-las para “o serviço da

Pátria e torná-las mais úteis à sua família e a sociedade” (CD. EEAN/UFRJ. Relatório

Anual da Diretora. 1941).

A entrega dos diplomas às enfermeiras da classe de 1941 também fazia

parte da progração do evento. A data de abertura do evento marcava a criação do “Dia

das Voluntárias” da Escola Anna Nery. Entre as concluintes do curso, havia

representantes de vários Estados das regiões Sudeste e Nordeste do país52. O grupo de

voluntárias teve como paraninfo o reitor da UB, Dr. Raul Leitão da Cunha que, no ano

anterior, havia participado da cerimônia que criara o respectivo curso de voluntárias.

Para a cerimônia de entrega de certificado ao grupo que se formava no

dia 6 de dezembro de 1941, foi elaborado e procedida a leitura do “Juramento da

Voluntária da Escola Anna Nery”, conforme apresentado a seguir:

51
Antônia de Souza Pais Barreto; Anália Paolileolo; Cecília Mounier Pêcego; Dalva Mendes Lima;
Elizabeth Pessoa Raja Gabaglia; Heloísa Martins Sampaio; Horacina Silva; Isaura Góis Araújo; Jesuína
Dias; Juraci Ribeiro Rocha; Lígia Penalva Costa; Luzia Salin Simão; Maria Amélia Miguez; Margarida
M. Menezes Penido; Maria das Dores B. Cavalcante; Maria Luíza Marinho Nenes e Noêmia Dias de
Oliveira (CD. EEAN/ UFRJ. AVAV).
52
Cinco do Distrito Federal; quatro de Minas Gerais; duas de São Paulo; uma do Espírito Santo; uma da
Paraíba; uma de Sergipe; uma da Bahia; uma de Pernambuco e uma do Piauí, totalizando dezessete
voluntárias (CD. EEAN/ UFRJ. AVAN).
80

“Em presença de Deus e desta assembléia,

Sob os símbolos da fé e da pátria:


Prometo – servir como voluntária
Sempre que for chamada ou necessária,
Na paz ou na Guerra, secundando as enfermeiras
Na sua nobre e bela missão.
Prometo – guardar com fidelidade os
Ensinamentos recebidos na formação de
Voluntárias, trabalhando na medida de minhas
Forças, no ambiente em que viver, como sentinela
Da Pátria pelo bem da família,
da sociedade, para maior grandeza do Brasil, pelo valor
sempre crescente de seus filhos” (CD. EEAN/ UFRJ. AVAN).

O deslocamento da Semana da Enfermeira para o mês de dezembro

parece encontrar justificativa na conclusão do curso da primeira turma de Voluntárias

para a Guerra. Essa inferência encontra respaldo na criação do “Dia da Voluntária”, na

data da abertura do evento e da criação do juramento da voluntária, o qual apela para o

aspecto caritativo e patriótico por parte daquelas que concluíam o referido curso.

Subjacente à importância atribuída ao papel da “voluntária”, o juramento

deixa clara a demarcação dos limites de sua atuação, quando diz: “na paz ou na guerra,

secundando as enfermeiras”.

Nesse evento, a Fundação Rockefeller foi objeto de homenagem, em

virtude da passagem de seu 25º ano de atividades no Brasil, como parte do preito, Laís

Netto dos Reys discursou acerca da importância desta Fundação, a aluna Marieta March

procedeu a “Saudação à Fundação Rockefeller” e o Presidente da instituição, Dr. Fred

L. Soper, manifestou seu agradecimento pela homenagem proferida pela EAN(CD.

EEAN/ UFRJ. Cx 87. Dc. 01).


81

O reconhecimento da importância do evento materializou-se mediante o

entendimento da necessidade de realização da Semana da Enfermeira em seus Estados.

Assim, a partir do ano seguinte, as Associações Brasileiras de Enfermeiras Diplomadas

(ABED) regionais, juntamente com as escolas de enfermagem, passaram a organizar os

programas comemorativos das próprias Semana da Enfermeira (CARVALHO, 1976, p.

457).

Em 1942, ocorreu a formatura do primeiro grupo de religiosas, na Escola

Anna Nery, um grupo que totalizava 48 alunas, sendo 10 religiosas. O evento contou

com presença da primeira diretora da EAN, Clara Louise Kienninger53. A recepção de

Kienninger, no aeroporto Santos Dumont, foi prestigiado por Laís Netto dos Reys,

Marina Bandeira de Oliveira, e Olga Salinas Lacorte, como professoras da EAN, todas

trajando uniforme de enfermeira. Outras enfermeiras também participaram do

acontecimento; porém, com traje de passeio completo (CD. EEAN/UFRJ. Acervo

Iconográfico. Reg. 4. 22. 1249. 1)

53
Laís Netto dos Reys providenciou a recepção da ex-diretora da EAN, no aeroporto Santos Dumont, no
dia 27 de maio de 1942, que desembarcou do avião de carreira da Panair (CD. EEAN/UFRJ. Pioneiras.
Cx 03. Doc. 53. 1942).
82

Foto nº 4: Pose grupal registrada por ocasião da formatura da turma de 1942.

Na primeira fila, sentadas, da esquerda para a direita temos: a primeira

figura não identificada, seguida de Irmã Margarida Maria Cola (2ª figura), Irmã Marta

Telles (3ª figura), Irmã Jeanne Sabóia (4ª figura), Irmã Luna (5ª figura), Laís Netto dos

Reys (6ª figura), três autoridades eclesiásticas, também não identificadas (7ª, 8ª e 9ª

figuras), Clara Louise Kienninger (10ª figura), Jerônima Mesquita54, como 11ª figura,

Maria de Castro Pamphiro (12ª figura), irmã Odila Lima (13ª figura), e outra irmã não

identificada (14ª figura).

Embora a turma que se formava tivesse um número consideravelmente

maior de alunas leigas (38), o que corresponde a 79, 16% da turma (CD. EEAN/ UFRJ.

Graduação. 1942) a foto colocava em relevo as 10 irmãs da caridade da ASVP, as quais

54
Dama da sociedade que na gestão de Clara Louise Kienninger, por ocasião da formatura da 1ª turma,
ofereceu um banquete em sua casa, em homenagem as formandas.
83

aparecem ou no primeiro plano da foto, ao lado de autoridades civis e eclesiásticas ou

na segunda fila, porém nas extremidades, o que caracteriza também uma distinção.

No centro da composição, estão três autoridades eclesiásticas ladeadas, à

direita, por Laís Netto dos Reys e à, esquerda, por Clara Louise Kienninger.

A disposição das pessoas no espaço fotográfico e o relevo conferido às

religiosas evidenciam o prestígio da Igreja Católica junto à Escola Anna Nery. Note-se

que o campo fotográfico parece cindido ao meio em sentido vertical pelas autoridades

eclesiásticas. Laís, figura reconhecidamente católica, coloca-se ao lado e à direita de

um dos representantes da Igreja. À esquerda desses representantes está Kienninger, ex-

diretora da EAN e então chefe da missão técnica do IAIA.

Esta foto põe em relevo a consideração da diretora da Escola Anna Nery

com o clero, ao dar visibilidade à participação da instituição educacional na formação

de Irmãs da Caridade, em conformidade com a exigência legal que se apresentava.

Para Laís, a entrada desse grupo de religiosas atendeu aos interesses da

escola e constituía prova de confiança, assegurada pelo discurso autorizado de D.

Sebastião Leme, que permitiu “virem religiosas como alunas internas de uma escola

leiga” (UFRJ, EEAN, CD, Relatório Anual da Diretora. 1942).

Ao mesmo tempo, o ingresso das religiosas para o Curso de Enfermagem

da EAN conferia às mesmas um capital simbólico, derivado de sua inserção na UB55.

Em uma Carta Pastoral, d. Sebastião Leme evidenciou sua compreensão acerca da

55
Inserida na UB como instituição complementar, através da Lei 452, de 5 de julho de 1937, que
organizava a Universidade do Brasil.
84

importância da universidade para um país e afirmou textualmente que:

Por sua natureza, a universidade é o centro onde se elaboram as


grandes sínteses do saber, o seminário de formação dos sábios que
impulsionam os progressos do conhecimento, o laboratório em que se
preparam os elementos superiores da administração e da vida
profissional do país, numa palavra, o órgão conservador e transmissor
de todo o patrimônio de uma civilização (Arquivo da Cúria
Metropolitana de São Sebastião do Rio de Janeiro. Carta Pastoral
(CP). 1939).

A formação desse grupo de religiosas serviria como estímulo para que

outras congregações investissem em suas religiosas, o que foi definido por Laís, como

um “ponto de enorme necessidade, pois que a grande maioria de nossos hospitais se

acha entre as congregações religiosas” (CD. EEAN/ UFRJ. Relatório Anual da

Diretora. 1942).

A naturalidade expressa neste argumento demonstra o empenho de Laís

no sentido de estimular a aquisição de capital simbólico das religiosas atuantes nos

vários espaços hospitalares. Referindo-se ao assunto, Pinto (2000, p. 139), afirma que

este capital também pode ser caracterizado em função do que designa como “unidades

de medida”, representado por condecorações, títulos escolares e de nobreza, etc., e

considera que a obtenção desse capital permite “desfrutar de uma forma de excelência

que, por propiciar a satisfação de ser conforme ao que é coletivamente exaltado,

dispensa de estar a interrogar-se sobre o que se é, sobre o que se faz e sobre os fins

últimos”. Nessa perspectiva, estariam as religiosas numa condição de legítima

representantes do ofício de enfermeira, cuja competência não remeteria a

questionamentos.
85

Em 1942, o Brasil participou efetivamente da segunda guerra mundial.

No mesmo ano, foi criado o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP)56, que passou a

atuar como órgão executivo do acordo Brasil-EUA, cujos financiadores foram a

Fundação Rockfeller e o Instituto para Assuntos Inter americanos (IAIA), subordinados

ao Ministério da Educação e Saúde, para sanear as regiões onde se daria a extração de

materiais estratégicos para a guerra.

Como assinalei, esse conflito mundial teve repercussões significativa na

EAN, no sentido de agravar as dificuldades administrativas57 uma vez que a economia

mundial passou a se concentrar no atendimento do mercado bélico.

Com a função de minimizar as dificuldades existentes em algumas

regiões do país, criou-se, em 1942, o programa de saúde e saneamento do Instituto de

Assuntos Interamericanos (IAIA), cujo objetivo principal era oferecer condições de

saúde aos trabalhadores que atuavam na extração da borracha da selva amazônica.

Além disso, o acordo estabelecido entre o Brasil e os Estados Unidos previa a ocupação

de determinadas regiões do território brasileiro por bases militares americanas,

incluindo-se aí o litoral norte–nordeste por configurar–se em áreas geograficamente

estratégicas para impedir o acesso nazi–facista a América Latina (CAMPOS, 2000, p.

195 - 201; OLIVEIRA e BARREIRA, 2000, p. 210).

Fazia-se necessário, portanto, que se assegurassem as condições de saúde

desse grupo de militares e dos trabalhadores brasileiros responsáveis pela extração da

borracha e outros minérios importantes para a produção de materiais e equipamentos

56
Decreto-lei nº 4321, de 21 de maio de 1942. Não fazia parte da estrutura normal do Ministério da
Educação e Saúde; caracterizava-se como um órgão especial, de emergência, com autonomia técnica ,
administrativa e financeira, oriunda do poder atribuído ao seu superintendente.
57
Essas dificuldades se davam na escassez de materiais básicos para o bom funcionamento da escola
como falta de combustível para que as alunas pudessem ser transportadas para os cenários de estágios;
manutenção precária das dependências da Escola Anna Nery, como o Internato e o Pavilhão de Aulas;
número reduzidos de professores para atender a demanda de alunas, etc. (CD. EEAN. Relatório Anual da
Diretora, 1939, 1940, 1942, 1943).
86

fundamentais em situação de guerra (CAMPOS, 2000, p. 195 - 201; OLIVEIRA e

BARREIRA, 2000, p.210).

Barreira e Baptista (2002, p.209) mencionam que, na condição de chefe

da Missão Técnica do IAIA, Clara Louise Kienninger retornou ao Brasil em novembro

de 1942, “credenciada para situar-se como interlocutora válida frente às enfermeiras

brasileiras”. Convidada por Laís a hospedar-se na residência da Escola Anna Nery,

durante a permanência, Clara Kienninger teve oportunidade de testemunhar

intimamente as dificuldades administrativas enfrentadas pela Escola Oficial Padrão, há

cinco anos inserida na Universidade do Brasil.

A presença de Clara Louise Kienninger na EAN impôs à enfermagem

brasileira, mais uma vez, a liderança americana. Assim, ao mesmo tempo em que Laís

Netto dos Reys se empenhava em manter relações cordiais, não aceitava a liderança e

nem permitia a interferência da americana nos assuntos da escola. Laís não admitia que

a Escola Anna Nery fosse colocada numa condição de submissão à assessora do IAIA e

avaliava a presença desta como uma “intrusão em espaços já ocupados por enfermeiras

ananéri” (Barreira; Baptista, 2002, p.210).

Em algumas oportunidades foi possível observar, por parte de miss

Kienninger, comentários que colocavam em questão os reconhecimentos das escolas de

enfermagem. (BARREIRA; SAUTHIER e BAPTISTA, 2001, p. 157).

A esse respeito, vale lembrar que o Conselho Nacional de Enfermagem,

embora criado em 1940, precisou aguardar até 1942, quando o Ministro da Educação e

Saúde designou os membros que deveriam ocupar o referido conselho, cujo

funcionamento tinha como objetivo mais urgente resolver a questão relacionada à

equiparação das Escolas de Enfermagem Carlos Chagas, da Escola de Enfermagem do


87

Hospital São Paulo e da Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac (CD. EEAN. Ata da

Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem. 1943).

É importante enfatizar que, até o início de 1942, nenhuma escola de

Enfermagem havia sido equiparada à Escola Anna Nery, ocorrendo as primeiras

equiparações ao modelo oficial padrão, somente nesse ano. Os estabelecimentos que

alcançaram tal distinção foram as Escolas de Enfermagem Carlos Chagas, a Escola de

Enfermeiras do Hospital São Paulo e a Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac, todas

de orientação católica. Essas instituições contaram com a participação efetiva de Laís

no seu processo de criação/equiparação (EEAN. Nuphebras. Banco de Dados da

Trajetória das Escolas de Enefermagem Brasileira).

No que se refere ao processo de equiparação dessas três escolas de

enfermagem, através do ofício 49/ 42, de 23 de janeiro de 1942, destinado ao reitor da

UB, foram solicitados os recursos necessários à realização de nova inspeção na Escola

Carlos Chagas e Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, para o que Laís

acreditava seria dado o “parecer final”. Para a inspeção da primeira escola foi designada

a enfermeira diplomada Rosaly Rodrigues Taborda e, para a outra, foi destinada a

enfermeira diplomada Olga Salinas Lacorte (CD. EEAN/ UFRJ. Pioneiras. Cx 03. Doc.

43. 1942). Quanto à Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac, também foi indicada a

enfermeira Rosaly Taborda, através do ofício 135/ 42, de 27 de fevereiro de 1942 (CD.

EEAN/ UFRJ. Pioneiras. Cx 03. Doc. 37. 1942).

Paralelamente, em deferência a um pedido verbal do Ministro da

Educação e Saúde, no sentido de fazer um diagnóstico da situação da enfermagem no

Brasil, o diretor da Fundação Rockefeller, Fred Soper, enviou ao Ministro Gustavo

Capanema, o produto do investimento realizado em atenção ao pedido deste, qual seja,


88

um relatório, datado de 4 de março de 1942 (FGV. Arquivo Gustavo Capanema – março

de 1942).

O conteúdo deste relatório teria sido o resultado da visita de miss Mary

Elizabeth Tennant, alta funcionária da Divisão de Enfermagem da Fundação

Rockefeller, lotada no escritório central, em Nova Iorque. (FGV. Arquivo Gustavo

Capanema – março de 1942). Essa visita aconteceu em maio de 1941 e tinha como

finalidade investir na fundação da Escola de Enfermagem de São Paulo.

Nesse sentido, foram agendadas e realizadas várias reuniões, que

contaram com a presença de autoridades políticas e da saúde, tanto da Fundação

Rockefeller, quanto do Brasil (SOUZA e BAPTISTA, 2002, p. 219 – 221).

Ainda o relatório do diretor da Fundação Rockefeller, Fred Soper

destacava a necessidade de um “reconhecimento preliminar cuidadoso” no que se

refere à enfermagem brasileira. Tal reconhecimento deveria incluir uma análise quanto

as “fontes de preparo de enfermeiras”, considerando o “valor do ensino ministrado” e

o “número de enfermeiras que possam[diam] ser preparadas”. Ademais, acrescenta o

relatório, que esse empreendimento visava também “escolher as instituições que

oferecem[ciam] maiores vantagens para o desenvolvimento de novas fontes de preparo

de enfermeiras” (FGV. Arquivo Gustavo Capanema – março de 1942).

O Ministro da Educação e Saúde, que tinha o interesse de organizar um

“Departamento de Enfermagem” em seu Ministério, foi apoiado, imediatamente, pelo

diretor da Fundação Rockefeller, conforme conteúdo do mesmo relatório, quando assim

se expressou: “estimo dizer que essa medida está de acordo com as melhores práticas

adotadas em outros países” Segundo seus termos, aproveitou a mesma oportunidade

para apontar quais deveriam ser as responsabilidades deste “Departamento”. Dentre as

atribuições, merece destaque o primeiro item, pois, estabelece a “organização e


89

orientação de todas as escolas federais de enfermagem do país” , acrescentando que,

caber-lhe-ia também a “orientação, inspeção e equiparação de todas as escolas de

enfermagem estaduais, municipais, particulares ou em universidades” (FGV. Arquivo

Gustavo Capanema – março de 1942).

Este documento deixa claro o interesse da Fundação Rockefeller em

minimizar os efeitos do Decreto 20. 109/31, no que tange à responsabilidade da Escola

Anna Nery, como Escola Oficial Padrão, para fins de equiparação das demais Escolas

de Enfermagem do país, além de estimular a criação de outros centros formadores de

enfermeiras no país. Vale observar que, até aquela data, havia no Brasil, segundo o

modelo anglo- americano, apenas seis escolas de enfermagem58, assim caracterizadas:

uma federal, duas evangélicas e três de orientação católica, incluindo-se entre as

últimas, a Escola de Enfermagem Carlos Chagas. (EEAN – Nuphebras. Banco de Dados

da Trajetória das Escolas de Enfermagem Brasileira).

Em dezembro de 1942, foi inaugurada a Escola de Enfermagem de São

Paulo, através do Decreto-Lei Estadual Nº 13. 040, assinado por Fernando Costa,

Interventor Federal, e por Theotonio Monteiro de Barros Filho, à época, Secretário de

Educação e Saúde do Estado de São Paulo (EGRY, 2002, p. 8). Este fato,

provavelmente, representou grande significado para a sociedade paulistana, pois a

recém-criada escola de Enfermagem, vinculava-se à Faculdade de Medicina da USP e

ao Hospital das Clínicas, compondo um importante conjunto para o serviço de saúde

daquele Estado.

58
Escola de Enfermeiras do DNSP, atual Escola de Enfermagem Anna Nery, Escola de Enfermeiras
Carlos Chagas, atual Escola de Enfermagem da UFMG, Escola de Enfermagem Florence Nightingale,
Escola de Enfermagem Cruzeiro do Sul, Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, atual
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, Escola de Enfermeiras Luiza de
Marillac, atual União Social Camiliana (EEAN – Nuphebras. Banco de Dados da Trajetória das Escolas
de Enfermagem Brasileira).
90

O processo de criação da Escola de Enfermagem de São Paulo contou

com a participação efetiva da Fundação Rockefeller, mediante acordos com as

autoridades estaduais e concessão de bolsas de estudos. Para organizar, planejar e

dirigir a Escola de Enfermagem de São Paulo, foi nomeada Edith de Magalhães

Fraenkel (ex-superintendente do Serviço de Enfermeiras do DNSP), cuja competência

era reconhecida pela comunidade da enfermagem e da saúde.

Edith reuniu um grupo de enfermeiras altamente competentes e

qualificadas no Canadá. Este grupo era identificado como “As Damas de Toronto”,

conforme relato da depoente Anna Nava: “Ela [d. Edith] se cercou de um grupo muito

bom, um grupo de elite, ‘As Damas de Toronto’, como elas eram chamadas... mas era

um grupo de elite, elite intelectual”.

A preocupação de fazer alianças com enfermeiras portadoras de capital

cultural e social constituiu estratégia bem sucedida de formar um grupo cuja

competência pudesse ser reconhecida nos meios científicos da época. Neste sentido,

seria um grupo com o discurso autorizado para questionar a posição da Escola Anna

Nery, como escola oficial padrão.

As professoras da Escola de Enfermagem de São Paulo que obtiveram

formação no Curso de Graduação na Escola de Enfermagem da Universidade de

Toronto, no Canadá, financiado pala Fundação Rochefeller, foi composto por Maria

Rosa S. Pinheiro, Zilda de Almeida Carvalho, Glete de Alcântara e Lucila Jardim.

Além dessas, Edith Fraenkel obteve bolsa de estudos, para observação de Escolas de

Enfermagem dos Estados Unidos e do Canadá (CARVALHO, 1980, p.143).

Barreira e Baptista (2002, p.211) destacam que, embora no grupo de

docentes da Escola de Enfermagem da USP, houvesse diplomadas pela Escola Anna

Nery, o que aconteceu foi a emergência de outra proposta de ensino de enfermagem,


91

fora da liderança da Escola Anna Nery, atendendo à política definida pelo IAIA e pelo

SESP, o que de certa forma, evidenciou concorrência ao padrão Anna Nery.

Nesse sentido, a despeito de Laís reivindicar apoio governamental

necessário à manutenção de uma “Escola Padrão Nacional” e “ Padrão Sul Americano”,

foi a Escola de Enfermagem da USP que conseguiu, através da imprensa, antes de sua

inauguração, o reconhecimento de maior Escola de Enfermagem da América do Sul.

Ao contrário da Escola Anna Nery, a Escola de Enfermagem da USP

estreitou a relação de cooperação com o IAIA e constituiu-se em outro “centro gerador

de líderes” orientados para o objetivo de multiplicar o número de Escola de

Enfermagem em todo o país, proposta defendida por Laís Netto dos Reys para a EAN

(BARREIRA; BAPTISTA, 2002, p.211).


92

CAPÍTULO III – AS ARMAS SIMBÓLICAS UTILIZADAS PELAS AGENTES


NA LUTA PELA LIDERANÇA NO CAMPO DA EDUCAÇÃO EM
ENFERMAGEM (1943 – 1946).

Neste capítulo, a ênfase recai nas estratégias políticas levadas a efeito

pela Escola Anna Nery para preservar seu espaço no campo da educação em

enfermagem e na sociedade brasileira, em um momento particularmente dasafiador,

caracterizado por um novo jogo de forças no campo, particularmente quando passou a

enfrentar o desafio da criação da Escola de Enfermagem de São Paulo sob os auspícios

da Fundação SESP. O pano de fundo contextual remete ao final do Estado Novo e à II

Guerra Mundial que também ensejou novas teias de poder.

Como referi nos capítulos anteriores, a Escola Anna Nery, por decreto,

foi elevada à condição de Escola Padrão. Essa prerrogativa conferia a sua diretora, à

época Laís Netto dos Reys, indiscutível poder e prestígio social que, não raro,

extrapolavam o âmbito da instituição sob sua responsabilidade. Por exemplo, D Laís

exercia a função de presidente do Conselho Nacional de Enfermagem e, por força do

cargo, indicava docentes que desempenhariam funções como: direção de instituições de

ensino de enfermagem e inspeção de escolas que desejassem a equiparação com a EAN,

além de designar aquelas que aumentariam seu capital cultural, mediante cursos de pós-

graduação no exterior.

A análise do poder inerente ao cargo de personagens como a diretora da

Escola-padrão encontra respaldo nas palavras de Bourdieu, quando afirma textualmente:

“as classificações efetuadas por um agente são condicionadas pela posição por ele

ocupada no espaço social e que, em função dessa posição, por definição relativa, elas

têm um valor determinado” (PINTO, 2000, p. 41).


93

No exercício de suas funções, Laís empenhou-se no sentido de ampliar

contatos sócio-políticos, através da Escola Anna Nery, estreitando laços com pessoas

influentes da sociedade da época. Por exemplo, em 1943, ano de criação da Escola de

Enfermagem da USP, Laís visitou a primeira dama, sra. Darcy Vargas (então presidente

da Legião Brasileira de Assistência), que se restabelecia de um problema de saúde

(BARREIRA E BAPTISTA, 2002,p.210). A visita também representou manifestação

de gratidão ao interventor do Estado do Rio de Janeiro e à primeira dama do Estado, por

comparecerem à cerimônia de formatura na Escola.

Com o propósito de estreitar laços com lideranças da igreja, visitou d.

Jaime de Barros Câmara59, para manifestar as homenagens da Escola Anna Nery pela

investidura na arquidiocese do Rio de Janeiro. Em paralelo, compareceu à União

Nacional dos Estudantes, com uma delegação de alunas para levar a flâmula da escola,

o que segundo Barreira e Baptista (2002, p. 210) “evidenciava seu empenho em

fortalecer suas alianças e ampliar a área de influência da escola”.

Além desses contatos que representavam formas diplomáticas de

interação com lideranças da época, D Laís promoveu eventos que poderiam influir

59
Nasceu em São José (SC), em 1894, em uma família modesta. A morte prematura de seu pai fez com
que fosse criado com dificuldades. Realizou os estudos primários em sua cidade natal. Em seguida,
ingressou no Ginásio Catarinense de Florianópolis, concluindo o curso ginasial em 1942. Um ano após,
ingressou no magistério, lecionando nesse mesmo colégio, onde também atuou como administrador. Em
1914, transferiu-se para São Leopoldo (RS), para ingressar no Seminário de Nossa Senhora da Conceição,
concluindo, cinco anos mais tarde, o curso de filosofia e teologia. Em 1920, Jaime Câmara foi ordenado
padre em Florianópolis. Sua vida sacerdotal desenvolveu-se a partir de então, em Santa catarina. Atuou
nas seguintes funções: coadjutor da paróquia de Tijucas (SC), exercendo o cargo de presidente da
sociedade que dirigia o hospital municipal; capelão das Irmãs da Divina Providência; Cura da Catedral
Metropolitana; capelão do Hospital de Caridade de Florianópolis e secretário do bispado de Santa
Catarina. Atuou como reitor do Seminário Menor de Azambuja, no município de Brusque (SC) até 1935.
Como bispo de Mossoró (RN), sua atuação visava promover a aproximação entre a Igreja e os
trabalhadores das salinas daquele município, de modo a evitar a propagação das idéias de esquerda. Dom
Jaime teria chegado a participar ativamente do movimento integralista como bispo de Mossoró.
Permaneceu em Mossoró até 1941, quando foi transferido para a arquidiocese de Belém do Pará. A morte
do cardeal dom Sebastião Leme, que se destacara a frente do episcopado brasileiro, deixou vaga a
arquidiocese do Rio de Janeiro (Capital Federal) por quase um ano. Em 1943, dom Jaime foi nomeado
pelo Vaticano para suceder d. Leme. A sua indicação para a arquidiocese teria representado o colapso da
liderança criada por seu antecessor, pois, o poder eclesiástico refluiu para as dioceses isoladas e seus
ocupantes (BELOCH e ABREU, 1984, p. 554 – 555).
94

fortemente nos destinos da educação em Enfermagem. Para ilustrar, trago à luz a

Primeira Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem, realizada no período de 20 a

27 de novembro de 1943, nas dependências do Pavilhão de Aulas da Escola Anna Nery,

sob a presidência de Laís Netto dos Reys e coordenada pelo reitor da UB, na pessoa do

sr. Armando Fajardo, que reuniu as lideranças da enfermagem brasileira para estudos

dos problemas nacionais de enfermagem. Compareceram ao encontro: Madre Marie

Domeneuc – diretora da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo; Maria de Castro

Pamphiro - diretora da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto; Irmã Mathilde Nina –

diretora da Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac; Olga Salinas Lacorte – chefe da

Divisão de Ensino da EAN; Celina Viegas – delegada da Escola de Enfermagem Carlos

Chagas; Irmã Cecília Fernandes – delegada da Escola de Enfermagem São Vicente de

Paulo; Maria Madalena Werneck – instrutora de Saúde Pública da EAN; Maria do

Carmo Prado – chefe do Serviço de Saúde Pública do Distrito Federal; Madre Maria de

Fontenelle – assistente de diretora da Escola de Enfermeiras do Hospital S. Vicente de

Paulo; Irmã Catarina Fiúza – diretora do Hospital de Crianças da Cruz Vermelha

Brasileira - São Paulo; Irmã Vicencia Alvarenga – Hospital Militar de Porto Alegre;

Irmã Jeane Sabóia – delegada da Escola de Enfermagem do Ceará, além de Edith

Fraenkel e Hilda Ana Krisch, que compareceram no quinto dia da reunião por

convocação da diretora da EAN (CD. EEAN/UFRJ. Ata de Reunião de Diretoras de

Escolas de Enfermagem. 1943).

Na sessão de abertura da reunião, o Arcebispo d. Jaime de Barros

Câmara celebrou missa na Capela do internato da EAN. Conforme palavras textuais da

de D Laís, a missa se justificava pela oportunidade de receber: “bençãos de Deus e de

Nossa Senhora” (CD. EEAN/ UFRJ. Ata de Reuniões de Diretoras. 1943).


95

Como venho analisando ao longo do trabalho, as instituições religiosas

tendem a aproveitar os vínculos sociais para inculcar um sistema de práticas e de

representações consagradas, cuja estrutura reproduz de forma transfigurada, e, portanto,

irreconhecível, a estrutura das relações em um determinado espaço social. Por seu

turno, Laís, aproveitava com muita competência as oportunidades para demonstrar sua

comunhão com a Igreja Católica, aumentando seu prestígio, ao mesmo tempo em que

ratificava e fortalecia as alianças institucionais com a Igreja.

A reunião teve como ponto de pauta: Escolas de Enfermagem e sua

organização; Programa mínimo para escolas de enfermagem; Regime Universitário;

Cursos de Especialização; Cursos de Aperfeiçoamento; Hospitais Escolas; O Ensino na

Enfermaria; Enfermagem de Saúde Pública; Seleção de professores para escolas de

Enfermagem; Inspeção de Escolas de Enfermagem; Exercício profissional; Carreira de

Enfermeira; Cursos de Auxiliar de Enfermeira; Enfermagem de Guerra; Participação

das Escolas de Enfermagem no Congresso Pan-americano de Enfermagem; Órgão de

Publicidade; Associação de Classe (CD. EEAN/ UFRJ. Ata de Reuniões de Diretoras.

1943).

A diversidade de temas incluídos na pauta sugere a consciência da

existência de muitos assuntos relevantes a serem discutidos pelas lideranças. Parece

que nessa reunião não houve consenso acerca dos temas elencados.

Ainda em 1943, Laís liderou uma comitiva de professoras e alunas da

EAN, presentes à solenidade de batismo do avião ambulância “Anna Nery”, da Força

Aérea Brasileira (FAB), no dia 26 de novembro de 1943, no aeroporto Santos Dumont,

no Rio de Janeiro.

Essa iniciativa de Laís remete à associação do nome da escola à figura de

Anna Nery. Ademais, ao vincular a imagem da enfermeira a uma heroína de guerra,


96

fortaleceu a tese da inserção da mulher no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em

que revigorava a importância da participação da enfermeira em momentos de crise.

Foto nº 5: Pose grupal da cerimônia de batismo do avião-ambulância Anna Nery.

Localização: CD. EEAN/UFRJ. Acervo Iconográfico. Nº: 4.01.1029.1).

O olhar atento aos elementos da composição fotográfica sugere que todas

as figuras são enfermeiras ou alunas da Escola de Enfermagem Anna Nery. A ausência

de representantes de outras escolas parece simbolizar a estreita vinculação da escola ao

nome de Anna Nery.


97

A reconhecida importância da Escola Anna Nery, somada à visibilidade

conferida pelo batismo do avião deve ter contribuído para que o chefe do Serviço de

Saúde da Aeronáutica tenha enviado, em dezembro de 1943, um ofício (nº 2. 017/43),

em caráter de urgência, à diretora da EAN, manifestando o desejo de contar com a

colaboração da escola, naquele serviço militar.

Em seguida, Laís foi recebida no gabinete do chefe de Serviço de Saúde

da Aeronáutica. Na oportunidade, definiram-se os aspectos formais para um acordo

envolvendo as duas instituições, conforme fragmento do ofício nº 7 80/44, onde se lê

textualmente:

sendo a Escola Anna Nery, dependência do Ministério da Educação


e Saúde, necessário seria partisse de S. Ex. o sr. Ministro da
Aeronáutica um movimento junto de S. Ex. o sr. Ministro da
Educação e Saúde, para que pudesse a Escola Anna Nery emprestar a
colaboração desejada ao Serviço de Saúde da Aeronáutica (CD.
EEAN/ UFRJ. As pioneiras. Cx. 05. Doc. 02).

No encontro com o chefe do Serviço de Saúde da Aeronáutica, Laís

manifestou o empenho de colaborar com a instituição militar, afirmando: “nenhum

serviço nos obrigaria mais na hora presente que servir às forças aéreas nacionais, as

guardiães heróicas, as defesas avançadas de nossos céus e nossos mares, de nossa

terra e nossa gente”. A despeito desse entusiasmo, ela teve o cuidado de condicionar a

concretização desse acordo à autorização do Ministro da Educação e Saúde e à

concordância do reitor da Universidade do Brasil (CD. EEAN/ UFRJ. As pioneiras. Cx.

05. Doc. 02).

Na mesma reunião, Laís definiu catorze pontos que considerava

fundamentais para um “intercâmbio” satisfatório entre as partes. Esses asseguram a


98

autonomia da escola quanto ao serviço de enfermagem e a demarcação dos espaços a

serem ocupados pelas enfermeiras e alunas no campo, como podemos depreender do

texto que transcrevo a seguir: “caberia à EAN a administração de todo o serviço de

enfermagem , podendo admitir, despedir, suspender, transferir em qualquer

emergência, qualquer membro do corpo de enfermagem, mesmo os pertencentes ao

quadro da aeronáutica”, e que “às enfermeiras e alunas da EAN sejam conferidas o

mesmo tratamento e consideração atribuídos aos oficiais e cadetes da aeronáutica”

(CD. EEAN/ UFRJ. As pioneiras. Cx. 05. Doc. 02).

Laís também investiu vigorosamente na divulgação da qualidade da

assistência de enfermagem implementada pela Escola, fora dos espaços

institucionalizados, usando como estratégias o encaminhamento das melhores alunas

para prestar assistência às famílias de pessoas influentes na política e na elite da

sociedade em geral. Esse dado de realidade foi informado por uma ex- aluna e

professora aposentada da EAN, Lieselotte Ornellas60, nos seguintes termos: “... era uma

pessoa [d. Laís ] que tinha muita visão social e de Brasil (...) tive que fazer o serviço da

noite na residência do diretor do hospital de doenças contagiosas”.

Segundo a entrevistada, a realização desses estágios constituía estratégia

de promoção da escola: “... Ela [d. Laís ] para promover a escola, facilitava esses

estágios, ainda antes de terminar o curso. Não era renda, nem para quem fazia, nem

para a escola. Era apenas para promoção da escola”.

60
Nascida em Lajes, Santa Catarina, pertencente a uma família evangélica. Ingressou no curso de
enfermagem da EAN em 1936, onde atuou também como presidente do diretório acadêmico. Formou-se
em 1939. Pós-graduada em nutrição na Argentina. Contratada como enfermeira do serviço de saúde
pública em 1939. Ingressou para o corpo docente da EAN em 1943. Em 1950 desempenhava a função de
chefe do serviço de dietética do Hospital dos Servidores.
99

Não obstante, outra depoente, Anna Jaguaribe Nava, referiu que a

ausência de remuneração pelos serviços particulares realizados pelas enfermeiras e

alunas da Escola Anna Nery não era regra geral:

... não tinha [remuneração] quando era coisa...D. Darci, Alzira, filha
do Getúlio [Presidente da República], Maria Celina, filha da Alzira.
Maria Mendes, Regina Mendes [enfermeiras da Escola Anna Nery],
não sei quem é mais, ficavam por conta. A Regina fez até enxoval
dessa menina.

A ausência de remuneração pelos serviços prestados pela EAN permitia a

capitalização de lucros simbólicos e favorecia o estabelecimento de alianças com

pessoas influentes da sociedade, ao mesmo tempo em que reforçava a imagem social

positiva da assistência da enfermagem.

No mesmo ano, em 1943, foi publicada na “Revista do Serviço Público”,

editada pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), uma matéria

sobre a EAN, com quase trinta páginas. O conteúdo foi obtido através de entrevista

com Laís e depoimento da primeira diretora da escola, Clara Louise Kienninger. O

texto tratou da história da EAN, desde a sua criação e foi acompanhado de fotografias

ilustrativas referentes às experiências práticas e teóricas das alunas61 (Arquivo Geral da

Cidade do Rio de Janeiro. Revista do Serviço Público. Ano I, Vol. I, N. I, Janeiro de

1943).

61
Alunas prestando cuidados de enfermagem a um recém nato prematuro; como se organizava o berçário
de crianças a termo, na maternidade do Instituto Nacional de Puericultura; aula prática do Curso de
Socorrista, realizada no Internato da Escola; aula de química no Pavilhão de Aulas; cuidados de
enfermagem à uma criança internada no Hospital Arthur Bernardes; cuidados de enfermagem à
puérperainstalação de tenda de oxigênio, no Hospital Miguel Couto; atuação de visitadoras sanitárias, no
sexto distrito sanitário, etc.
100

Posteriormente, essa matéria foi muitas vezes utilizada para divulgar o

trabalho da EAN e a forma de inserção de futuras candidatas ao curso, sendo por isso,

encaminhada em anexo a correspondências da diretora em resposta às solicitações de

informação de autoridades de outros Estados da federação acerca da EAN (CD. EEAN/

UFRJ. As pioneiras. Cx. 04, 05, 06). Vale ressaltar que essa matéria que contou com a

participação de Clara Louise Kienninger, então chefe da missão técnica do IAIA,

conferia um valor agregado ao conteúdo da entrevista, pois Clara Kienninger, ocupava

um cargo importante na Fundação SESP.

Essa providência de Laís expressa sua eficiência, na luta por ocupar

espaço na imprensa, atuando como porta-voz de um discurso autorizado, que reiterava a

importância da EAN na formação de enfermeiras brasileiras.

Ainda em 1943, a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, mais antiga

Escola de Enfermagem do país62, teve uma enfermeira designada para assumir a direção

daquela instituição. Coube a Maria de Castro Pamphiro, da turma pioneira da Escola

Anna Nery, com experiência acumulada, pois havia sido diretora interina da Escola

Anna Nery, no período de maio de 1933 a março de 1934, “a missão de reconfigurar o

ensino de enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pois, desde a sua

criação, os alienistas ocuparam os espaços de poder da referida escola” (AMORIM,

2003,p. 5).

Ainda segundo o autor mencionado (2003, p.5), a nomeação de

enfermeira diplomada pela Escola Anna Nery introduziu na Escola de Enfermagem

Alfredo Pinto nova perspectiva na formação de enfermeiras e enfermeiros, cujo capital

cultural não deveria mais ficar limitado à visão dos psiquiatras. Ao contrário, esperava-

se da nova dirigente a implementação de estratégias capazes de ampliar o capital

62
Criada em 1890.
101

cultural daqueles que se formariam a partir de então, permitindo a atuação nas diversas

áreas, como: saúde pública, clínica e cirurgia, administração e ensino de enfermagem.

A designação de Maria de Castro Pamphiro poderia representar um

ganho simbólico à Escola Anna Nery, à medida que conseguisse implementar tais

mudanças, pois o sucesso desse desafio estaria vinculado ao fato de a dirigente ter sido

formada na turma pioneira da escola oficial padrão e ali ter atuado como docente por

muitos anos, o que de certa forma contribuiu para difundir o padrão Anna Nery.

Assim definida a situação, o habitus profissional adquirido na EAN, ao

longo vinte anos, credenciava-a para liderar as mudanças em outro estabelecimento

educacional, na área de Enfermagem. Além disso, poderíamos entender que esta

oportunidade, de certo modo, representava privilegiada alternativa de difusão do padrão

Anna Nery.

À mesma época, em 1943, em São Paulo, foi inaugurado o curso de

Enfermagem da Escola de Enfermagem de São Paulo: o cerimonial incluiu aula

inaugural, proferida por Edith de Magalhães Fraenkel, então diretora da instituição.

Embora a primeira turma contasse com um total de trinta e oito alunas inscritas, apenas

dezesseis (quase todas do Estado de São Paulo63) concluíram o curso, à exceção de uma

aluna natural do Estado da Bahia64 (Departamento de Arquivo e Documentação. COC.

SESP. CX 19. Doc. 8(4); CARVALHO, 1976, p. 41 e 251).

Ainda em 1943, criou-se a Escola de Enfermagem do Hospital São

Vicente de Paulo65, em Goiânia/Goiás e a Escola de Enfermagem São Vicente de

63
Amália Corrêa de Carvalho, Clélia Mainardi, Dinah Alves Coelho, Elizabeth Barcelos, Eulina Bastos,
Filomena Chiarello, Maria Conceição Leite Aranha, Maria José Almeida Leite, Maria Salomé Coura,
Maria Silvana Teixeira, Marilia de Dirceu da Cunha, Nahyda de Almeida Velloso, Ophélia Ribeiro, Zaira
Bittencourt, Zuleika Mendonça Kannebley (CARVALHO, 1980, p. 251).
64
Carmen Alves de Seixas
65
Equiparada pelo Decreto nº 15.495, de 9 de maio de 1944.
102

Paulo66, em Fortaleza/Ceará, ambas pertencentes à mesma ordem religiosa. Esses

estabelecimentos contribuíam timidamente para incrementar o quantitativo de

enfermeiras para o campo da enfermagem, pois, considerando a década de 40, a

primeira titulou 42 enfermeiras, desde a sua criação, correspondendo a 5,73% do total

de enfermeiras formadas no mesmo período, e a segunda apenas 22 enfermeiras,

equivalente a 3,33% do total. Apesar disso, essas escolas representavam mais duas

instituições religiosas no contexto do campo da educação em enfermagem.

Sob outro ângulo, a criação da Associação Brasileira de Enfermeiras

Diplomadas (ABED) nesses Estados seria uma forma de ampliar a representatividade

das enfermeiras religiosas junto à categoria. Vale registrar que a Associação Brasileira

de Enfermagem de Goiás foi criada em 14 de março de 1948, por iniciativa de um grupo

de enfermeiras da Escola de Enfermagem do Hospital São Vicente de Paulo, localizada

naquele estado. A diretora, Irmã Mônica Lima, diplomada pela EAN, também foi a

primeira presidente da ABEn-seção Goiás (Silva; Teixeira; Lima, 2001, p. 512).

É interessante destacar que a primeira presidente da ABEN-seção Ceará

foi a diretora da Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo, Irmã Cecília Fernandes,

também diplomada pela EAN. Além disso, a primeira sede da Associação foi a própria

Escola de Enfermagem.

Esses dados indicam que, ao mesmo tempo em que essas dirigentes

representavam os interesses da enfermagem através das respectivas associações

regionais, não deviam ignorar os interesses da instituição religiosa e das próprias

escolas às quais estavam diretamente vinculadas (ALMEIDA; COSTA; JORGE, 2001,

p. 289).

66
Equiparada pelo Decreto nº 21.855, de 26 de setembro de 1946.
103

Essas diretoras religiosas, ao atuarem também como presidentes da

ABED, tinham oportunidade de utilizar o capital religioso acumulado e concorrer para o

exercício legítimo do poder religioso. Como analisou Bourdieu (1992, p. 57), trata-se

de um “poder de modificar em bases duradouras as representações e as práticas dos

leigos, inculcando-lhes um habitus religioso, princípio gerador de todos os

pensamentos, percepções e ações”

Como ressaltei anteriormente, essas enfermeiras fizeram parte do

primeiro grupo de religiosas a conquistar o título na EAN e a participação de Laís foi

fundamental para a inserção do grupo no curso de enfermagem da EAN.

Em 1943, Clara Louise Kienninger encerrou suas atividades como

representante do IAIA/SESP e retornou para os Estados Unidos da América, sendo

então substituída por Gertrude Hodgman.

Diversas alunas e enfermeiras, trajando o uniforme oficial da EAN,

acompanharam o embarque de miss Kienninger. Entre elas, destacam-se: Laís Netto

dos Reys, Jerônima Mesquita, Olga Salinas Lacorte e Maria de Castro Pamphiro. Antes

do embarque de Kienninger, um grupo seleto de professoras a acompanhou em um

almoço de despedida, no restaurante do próprio aeroporto. Este grupo era composto

por: Olga Lacorte, Laís Netto dos Reys, Clara Kienninger, Maria de Castro Pamphiro,

Zaíra Cintra Vidal, Josefina Brito, Marina Bandeira de Oliveira, Heloísa Veloso, Maria

Withe Fernandes, Cecy Clausen, Iracema N., Juracy P., Rosali Taborda, Edméa C.

Velho, miss Murray, Elisa Picoreli, Emília Cré, Maria F. Reis, Ruth Barcelos e Matilde

Acioli (CD. EEAN/UFRJ. Acervo fotográfico. 4.22.1250.1; 4.22. 1252.1).

Esta despedida encerrou o período de embates acadêmicos pelo poder de

enunciar os novos rumos da enfermagem brasileira, uma vez que Laís não se submetia

ao comando da representante americana do IAIA/SESP.


104

Ainda sob a influência do projeto IAIA/SESP, na formação de recursos

humanos para a enfermagem, foram criadas, em 1944, duas escolas de Enfermagem no

Estado do Rio de Janeiro, a Escola de Enfermagem Rachel Haddock Lobo67, no Distrito

Federal e a Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro68, em Niterói.

Esta última foi criada em 1944 e contou com a colaboração do governo

do Estado do Rio de Janeiro, da Legião Brasileira da Assistência – LBA e do SESP

(COC. Departamento de Arquivo e Documentação. SESP. Cx. 16. Doc.

54).

67
Equiparada em 27 de janeiro de 1949, através do Decreto nº 26.251.
68
Decreto Estadual nº 11.030, de 19 de abril de 1944, e equiparada em 27 de janeiro de 1947, através do
decreto nº 22. 526.
105

Foto nº 6: Criação da Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, em 19 de

abril de 1944. Localização: Departamento de Arquivo e Documentação. COC. SESP.

Cx. 19.

O cenário é a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, onde,

sob a presidência do Interventor Federal, foi assinado o Decreto-Lei nº 1. 130 que criava

a Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, na presença de diversas

autoridades e em meio a aplausos, (FERNANDES, 1964, p.10).

No plano principal da foto, vêem-se cinco pessoas. Os elementos da

composição parecem evidenciar uma mesa e são eles, da esquerda para a direita:

Adelmo de Mendonça, diretor de Saúde Pública do Estado do Rio de Janeiro; Alzira

Vargas do Amaral Peixoto, filha do Presidente da República e esposa do interventor do

Estado do Rio de Janeiro, representando a presidente da Legião Brasileira de

Assistência (LBA); Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde; o Comandante

Amaral Peixoto, interventor do Estado do Rio de Janeiro e Einor H. Christopherson,

representante, no Brasil, da Divisão de Saúde e Saneamento do IAIA.

A ausência da enfermeira Aurora de Afonso Costa no registro fotográfico

pode ser justificada pelo fato de que, na ocasião da assinatura do referido Decreto-Lei,

ela ainda não havia sido nomeada, o que ocorreu apenas em 9 de outubro de 1944, após

ter sido escolhida em meio a outros nomes sugeridos por Laís Netto dos Reys

(FERNANDES, 1964, p.13).

Vale dizer que, desde 1942, o governo ampliava sua representação para

as instituições profissionais e os órgãos governamentais (CAMARGO, 1999, p. 17),

como foi o caso da Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro, em cujo evento,

assumiram a condição de representantes do Estado centralizador, o ministro da


106

Educação e Saúde, a presidente da LBA, e, na esfera política mais direta, o interventor

federal no Rio. Garantiu-se, dessa forma, a presença de um governo definido como

populista. Esses mandatários do Estado atuaram, portanto, como detentores do

monopólio da violência simbólica legítima, o que ocorreu através da nomeação oficial

dos mesmos (BOURDIEU, 2001, p. 146).

Um fato que merece relevo relaciona-se com a data de fundação da

Escola de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro: 19 de abril, dia do aniversário do

presidente Getúlio Vargas, o que certamente não se deu ao acaso. Cumpre lembrar que,

no governo de Vargas, eram comuns tais estratégias que objetivavam a mitificação do

ditador, em grande parte, através de desfiles, manifestações e programas de rádio, com

ênfase no que seriam as suas qualidades pessoais, tais como: “coragem, magnanimidade

e singeleza” (CAMARGO, 1999, p. 17).

A esse respeito, é importante considerar o importante papel da

comunicação, eis que, de acordo com Bourdieu (2001, p. 11), é na condição de

instrumentos de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem

a sua função política de instrumento de imposição ou de legitimação da dominação, e

assim, colaboram para garantir a dominação de uma classe sobre a outra,

caracterizando, desta forma, a violência simbólica impressa através das relações de

comunicação.

A cerimônia de inauguração da Escola de Enfermagem do Estado do Rio

de Janeiro, em 18 de outubro de 1944, mereceu destaque na imprensa escrita. Em uma

delas, intitulada: “Inaugurados o Educandário Vista Alegre e a Escola Fluminense de

Enfermagem”, destacou-se a presença das inúmeras autoridades que prestigiaram o

evento. Dentre elas, o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema; a Sra. Alzira

Vargas do Amaral Peixoto, presidente da LBA; o interventor do Estado do Rio de


107

Janeiro, comandante Amaral Peixoto; Monsenhor Barros Uchôa, representando o Bispo

Diocesano de Niterói; Sr. Einor Christopherson, chefe da Missão Técnica do IAIA; Sr.

Adelmo de Mendonça, diretor de Saúde Pública do Estado do Rio; Profº Barros Terra,

diretor da Faculdade Fluminense de Medicina; a Sra. Laís Netto dos Reys, diretora da

EAN e a sra. Aurora de Afonso Costa, ex-aluna da EAN e, primeira diretora da Escola

de Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro (COC. DAD, SESP, cx 16, Doc. 53).

A Escola do Estado do Rio de Janeiro, no entanto, somente iniciou seu

curso de Enfermagem em 1945 e, em 1948, como previa o ministro Gustavo Capanema,

já era reconhecida pelo Ministério da Educação e Saúde (MES), como consta do

Relatório (NT – RJA – 1) de março de 1948, na Nurse Training Division (NTD) do

SESP, assinado por Clara Curtis, representante do Programa de Treinamento de

Enfermagem, no Rio de Janeiro (COC. DAD. SESP. Cx. 19. Doc. 8(1)).

A Escola de Enfermagem da Prefeitura do Rio de Janeiro, também

chamada de Escola de Enfermagem Rachel Haddock Lobo, foi criada em 16 de

fevereiro de 1944, através do Decreto-Lei nº 6.275. Em julho do mesmo ano, Zaíra

Cintra Vidal, diplomada na segunda turma da EAN, onde atuou como professora e

instrutora até ser transferida, “em comissão (lotação temporária)” para a prefeitura do

Rio de Janeiro, para exercer a função de diretora dessa instituição. No ano seguinte, em

janeiro de 1945, assumiu formalmente a direção da respectiva escola de Enfermagem

(COC. DAD. SESP. Cx. 31. Doc. 31).

Ainda não são claros os motivos que levaram a Escola de Enfermagem

Rachel Haddock Lobo a inaugurar o seu curso de enfermagem apenas em 1948, tendo

esta sido criada no mesmo ano que a Escola de Enfermagem do Estado do Rio de

Janeiro.
108

Também em 1944, sob influência do SESP, criou-se a Escola de

Enfermagem do Pará69. A participação do SESP naquele Estado consistia,

principalmente, no desenvolvimento de atividades essenciais de saúde pública,

traduzindo-se na necessidade de expansão dos serviços e de pessoal de enfermagem.

Diante disso, o SESP envolveu-se em um projeto de ampla cooperação no campo de

ensino de enfermagem (GOMES, 2001, p.2).

O autor mencionado (2001, p. 2-4) relata ainda que a reforma dos

serviços de saúde, promovida pelo então Diretor do Departamento Nacional de Saúde,

João de Barros Barreto, com significativo destaque ao controle e vigilância das doenças

transmissíveis, foi importante para a criação da Escola de Enfermagem do Pará, pois,

funcionaria como alicerce para a Reforma Barros Barreto naquela região.

Assim, é que foi criada, em 12 de novembro de 1944, a Escola de

Enfermagem do Pará, atual Curso de Enfermagem da Universidade do Estado do Pará.

A primeira diretora foi Mabel Faust, enfermeira Canadense, a quem coube a missão de

estruturar e coordenar o curso. A primeira turma teve início em julho de 1945 e a

formatura do primeiro grupo foi em 1949, mesmo ano em que a instituição obteve o

reconhecimento.

Não obstante o contexto favorável da época, prosseguiu-se na criação de

escolas de enfermagem católicas, em diferentes regiões do país, como é o caso da

Escola de Enfermagem Hugo Werneck70, entidade pertencente à Santa Casa de

Misericórdia de Belo Horizonte. Com um histórico de cursos na área de enfermagem71,

a Escola de Enfermagem Hugo Werneck, foi criada em 08 de março de 1945, nos

69
Criada através do Decreto nº 174 e, cujo nome foi alterado onze dias após, por outro Decreto estadual
(nº 181), para Escola de Enfermagem Magalhães Barata.
70
Atual Escola de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
71
Em 1916 realizou o curso de parteiras para as senhoras da sociedade com maior capital cultural e
social, com o objetivo de capacitá-las para a assistência obstétrica nos partos normais. Este curso
109

moldes da Escola Anna Nery, adotando, a partir de 1948 o mesmo regulamento vigente

na Escola de Enfermagem Carlos Chagas, resguardando os pontos onde pudesse haver

oposição ao estatuto e o regimento interno da Santa Casa de Misericórdia (ARTACHO

e FURTADO, 1962, p.84 - 85).

Segundo as mesmas autoras (1962, p. 85), em 1948, formou-se a

primeira turma de alunas da Escola de Enfermagem Hugo Wernwxk. No mesmo ano, a

diretora da escola, Irmã Stella Artacho e suas assistentes intensificaram os esforços no

sentido de contornar as várias dificuldades vividas pela escola e conseguir as condições

necessárias para obter reconhecimento do curso.

No ano seguinte, 1949, a escola foi submetida à inspeção pela enfermeira

Isaura Barbosa Lima, conquistando o reconhecimento em 21 de julho do mesmo ano72.

Ainda em 1949, foram entregues os diplomas às alunas de três turmas já formadas pela

escola.

Em 01 de agosto de 1945, mais uma escola de enfermagem de orientação

católica foi criada, qual seja, a Escola de Enfermagem da Medalha Milagrosa, atual

Escola de Enfermagem Nossa Senhora das Graças73, mais tarde, incorporada à

Universidade Estadual de Pernambuco. Este estabelecimento foi reconhecido através

do Decreto nº 27.281 de 30 de setembro de 1949, publicado no DOU de 6 de outubro de

1949. A primeira diretora foi a Irmã Germaine Chabas, sucedida pelas Irmãs Lídia de

Paiva Luna e Catarina Cola, respectivamente, tendo sido essas últimas diplomadas pela

Escola de Enfermagem Carlos Chagas (Banco de Dados da Trajetória das Escolas de

Enfermagem. Nuphebras. EEAN/UFRJ).

funcionou até 1949; temporariamente, foi criado o curso de “enfermeiros e padioleiros de guerra” , em
1917; e, em 1932, realizou cursos intensivos de preparação de práticos de enfermagem.
72
Decreto Federal nº 26.920.
73
Desde a sua criação até 1950 foi denominada de Escola de Enfermagem Medalha Milagrosa, quando
teve o nome alterado para Escola de Enfermagem Nossa senhora das Graças, até 1967. A partir daí pasou
a denominar-se Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças. Em 1967 passou a integrar a
110

Paralelamente, desde 1944, organizaram-se dois movimentos

associativos, para assegurar os interesses específicos das religiosas católicas: a União

das Religiosas Enfermeiras do Brasil (UREB), sociedade sem fins lucrativos e a União

Católica de Enfermeiras do Brasil (UCEB). A UREB foi criada em 194474, por

iniciativa da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, sob a liderança de Madre

Marie Domeneuc, fundadora da escola e membro atuante da ABED, para funcionar

como órgão técnico indispensável ao apostolado católico.

O estatuto da UREB previa a criação de um centro de estudos das

questões médico-sociais de interesse para o apostolado; de um organismo de assistência

médica para assistir as religiosas doentes e de uma Escola Superior, para aperfeiçoar as

enfermeiras titulares, encarregadas do ensino da enfermagem ou da direção de serviços

de saúde.

A administração da UREB era constituída pela Assembléia Geral75, pelo

Conselho Diretor76 e pela Presidente. O mesmo estatuto definiu que haveria uma

Assembléia Ordinária da UREB, independente de convocação, na sede social, no dia 18

de julho de cada ano, por se tratar de data comemorativa de São Camilo de Lellis (CD.

EEAN/UFRJ. Cx. CPC. Doc. 01).

Com a finalidade de discutir e estabelecer estratégias para melhor

inserção das religiosas no campo da educação em enfermagem, além de ampliar a

visibilidade do movimento, a UREB organizou, em novembro de 1944, o Primeiro

Fundação de Ensino Superior de Pernambuco (FESP), atual Universidade de Pernambuco (UPE) (Banco
de Dados da Trajetória das Escolas de Enfermagem. Nuphebras. EEAN/UFRJ).
74
Em 18 de maio deste mesmo ano, foi fundado o primeiro núcleo da UREB, no Rio de janeiro, durante
um encontro de religiosas enfermeiras de várias congregações católicas, contando na ocasião com a
orientação do cardeal arcebispo do Rio de janeiro, d. Jaime de Barros Câmara (CARVALHO, 1976, p.
417).
75
Era constituída por todas as sócias fundadoras e efetivas (CD. EEAN/UFRJ. Cx. CPC. Doc. 01).
76
Constituído por uma presidente, uma vice-presidente e seis conselheiras eleitas pela Assembléia Geral,
com mandato de três anos (CD. EEAN/UFRJ. Cx. CPC. Doc. 01).
111

Congresso Nacional de Enfermeiras Religiosas, em São Paulo, sob a presidência do

cardeal arcebispo dessa cidade, D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota.

Este evento, que contou com a participação de várias religiosas, dentre

essas, Madre Marie Domeneuc, recomendava em uma de suas resoluções, a criação de

dois tipos de escolas, destinadas ao ensino de enfermagem às religiosas: uma para o

ensino superior de enfermagem, conforme previa o estatuto da UREB, que deveria

funcionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, cuja finalidade seria “o

preparo de enfermeiras para a docência a fim de melhorar o nível e a eficiência das

escolas católicas”, e outra, de ensino médio77.

A proposta de criação de um estabelecimento de ensino superior de

enfermagem não chegou a ser implementada (CD. EEAN/ UFRJ. Cx. CPC. Doc. 01).

No entanto, no que se refere a cursos de nível médio para a enfermagem, na década de

40, foram criados 11 cursos de auxiliar de enfermagem, sendo 4 vinculados a

instituições religiosas católicas, correspondendo a 36, 36% do total. Na década

seguinte, o número de cursos de auxiliar de enfermagem cresceu de forma significativa.

Certamente, este fenômeno manteve nexos com a legalização dessa categoria, através da

promulgação da Lei 775/ 49.

O investimento das Congregações católicas nesse nível de formação

também foi bastante expressivo ao longo da década de 50, pois, dos 45 cursos de

auxiliares de enfermagem criados nesse período, 18 (40%) estavam vinculados a

instituições católicas78 (SESP, 1959).

77
O ensino médio aqui tratado refere-se ao curso de auxiliar de enfermagem, cuja formação não era de
nível superior, como acontecia com a formação de enfermeira.
78
Para se obter esses números, foi considerado o vínculo do referido curso com instituições católicas, ou
procedida uma associação entre o nome do curso e uma personagem católica ou a figuras santificadas da
Igreja Católica. Além disso, foi possível constatar que até junho de 1954 existiam 11 cursos de
auxiliares de enfermagem católicos (CD. EEAN/UFRJ. Anais de Enfermagem. 1954), portanto, um
acréscimo de 7 cursos nos 5 anos seguintes.
112

Desta forma, era bem sucedida a estratégia definida pela UREB, quanto à

formação de pessoal de nível médio, incorporando a ideologia católica. Dessa forma,

criaram-se as condições necessárias para preservar a luta pela ocupação do espaço de

atuação da enfermagem.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota do nazi-facismo,

verificaram-se mudanças significativas nas relações internacionais, caracterizadas pelo

fim da hegemonia européia. À época, teve início uma nova fase histórica, sob o signo

da bipolaridade, em que os Estados Unidos e a União Soviética demarcaram

vigorosamente o conflito ideológico, na dinâmica das relações internacionais

(SANTOS; MACHADO; GONÇALVES, 2002, p. 323). A Guerra Fria colaborava para

acentuar o radicalismo dos discursos e das alternativas formuladas na arena política

brasileira: por um lado, a conjuntura política internacional estimulava o discurso

nacionalista, por outro, a ameaça de mobilização das massas sustentava o receio de que

a conjuntura nacional favorecesse a “comunização” do país e a instauração de uma

‘república sindicalista’ (FERREIRA e SARMENTO, 2002, p. 475).

No bojo dessa tensão política que predominava na Capital Federal, em

junho de 1946, a sede da UREB foi transferida para São Paulo, afastando-se, portanto,

do cenário em que se intensificaram os embates políticos no plano nacional. Dessa

forma, a UREB foi acolhida pela Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e, sob a

liderança de Madre Domeneuc, definiu as diretrizes políticas importantes para assegurar

o poder e prestígio às religiosas enfermeiras.

Em julho de 1946, promoveu-se o segundo Congresso Nacional de

Enfermeiras Religiosas. Nesse conclave, as participantes recomendaram que a UREB

aderisse à ABED e, desta forma, colaborasse com as enfermeiras seculares. A UREB


113

foi representada na Associação através do seu Conselho Técnico Administrativo

(CARVALHO, 1976, p. 418).

A aproximação com a ABED tinha o apoio de Madre Domeneuc, que

manifestava preocupação com a “separação em grupos que se prenunciava” na

enfermagem. Além do mais, Madre Domeneuc defendia que apenas um congresso de

âmbito nacional seria capaz de unir as enfermeiras. Nesse sentido, sugeriu que fosse

criado tal congresso, o que aconteceu um ano após, em 1947, com a sua participação

efetiva e de outros membros da UREB79, dentre as quais mereceu destaque a presença

de Irmã Matilde Nina, a primeira religiosa a obter o diploma de enfermeira no Brasil e

fundadora da Escola de Enfermeiras Luíza de Marillac.

Ao mesmo tempo, a UREB incentivou as congregações religiosas à

criação de escolas de enfermagem de ensino médio e superior e encaminhamento de

suas religiosas para as escolas de enfermagem (CARVALHO, 1976, p. 418). Vale

recordar que a diretora da EAN, em outros momentos, também estimulou a presença

dessas religiosas nas escolas de enfermagem, sobretudo naquelas sob sua gerência:

Escola de Enfermagem Carlos Chagas e Escola Anna Nery.

A UREB também criou, em 4 de abril de 1948, na Vila Betânia, em São

Paulo, a União Católica de Enfermeiras do Brasil (UCEB), sob a benção apostólica de

sua Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, arcebispo de São

Paulo, e na presença de sua Excelência d. Antonio Maria Alves Siqueira, Bispo Auxiliar

de São Paulo. Criada sob o lema “UBI CARITAS, IBI CHRISTUS, que significa:

“onde está a caridade, aí está Cristo”, a UCEB pretendia funcionar como elo de

aproximação do entendimento entre as enfermeiras católicas leigas e as religiosas.

79
Não foi possível a identificação dessas religiosas enfermeiras no I Congresso Nacional de Enfermagem,
nem obter informações relativas ao quantitativo de religiosas.
114

Assim, cabia a essa organização “desenvolver, proteger e encorajar a vida espiritual,

profissional, cultural e social das enfermeiras católicas”.

O Boletim nº 4, instrumento de divulgação oficial da UCEB, explicita a

dimensão do investimento de seus membros para difundir os valores católicos na

enfermagem brasileira, ao registrar textualmente: “ o pensamento e os esforços

individuais, nela [ na UCEB ] se unificam, tornando-se uma força poderosa de ação

católica na profissão da enfermagem” (CD. EEAN/UFRJ, Cx. CPC. Doc. 15).

A UCEB teve sua primeira diretoria eleita durante o II Congresso

Nacional de Enfermagem, com Celina Viegas escolhida para a presidência; Cecília

Pêcego Coelho, como vice-presidente; Aurea Marques da Silva, 1ª secretária; Flora

Mesentier, 2ª secretária e Cecília Sete Torres, como tesoureira. Na oportunidade, Laís

Netto dos Reys também foi eleita, por aclamação, presidente de honra da entidade (CD.

EEAN/ UFRJ. Cx. CPC. Doc. 21).

A distinção dispensada à diretora da EAN demonstrava reconhecimento

pelo empenho de Laís Netto dos Reys, enquanto importante líder católica da

enfermagem brasileira, em função do desenvolvimento da enfermagem religiosa.

Investindo, de modo a preservar os interesses católicos no campo da

enfermagem, a UCEB, através ds seções diocesanas, ofereceu aos seus membros várias

alternativas de atividades, objetivando a “recristianização da sociedade, no setor de

enfermagem”. Para tanto, atribuiu aos membros dessa organização católica algumas

responsabilidades, tais como: manter a unidade das enfermeiras católicas na sua

profissão; preservar a prática dos ideais cristãos; habilidade para responder algumas

questões de princípios cristãos e, retidão na vida pública. Unindo esses atributos, a

enfermeira católica estaria apta a “exercer uma influência profunda na difusão, na

defesa e na aplicação dos princípios católicos” (CD. EEAN/UFRJ. Cx. CPC. Doc. 15).
115

A UCEB deveria ser constituída por enfermeiras diplomadas por escolas

de enfermagem oficiais ou reconhecidas e registradas na Divisão de Ensino Superior do

Ministério da Educação e Saúde. Para as enfermeiras católicas brasileiras, membros da

UCEB, a criação dessa organização nacional representava resposta concreta à

recomendação do Papa Pio XI, no Congresso das Enfermeiras Católicas, realizado em

Roma, no período de 25 a 29 de agosto de 1935. Na oportunidade, o referido Papa

defendeu: “Eis o que é preciso fazer antes de mais nada, custe o que custar – união. E

não há união verdadeira e duradoura na atividade exterior, se não houver união de

pensamento, união profunda e interior de sentimento” (CD. EEAN/UFRJ. Cx. CPC.

Doc. 15).

O investimento da Igreja Católica, através da UREB e, mais tarde, com a

participação da UCEB, possibilitou ampliar o período de atuação de religiosas

enfermeiras nas instituições hospitalares, pois estas associações mobilizavam-se para

oferecer melhor qualificação às religiosas que atuavam no cuidado de enfermagem, ao

mesmo tempo que incentivavam a criação de outras escolas de enfermagem católicas e

também de cursos de auxiliares para religiosas. Além disso, o materialismo e o

paganismo contemporâneos eram objeto de grande preocupação por parte da Igreja

Católica80 (CRUZ, 1954, p. 89 - 91).

Adicionalmente, desde 1935, por ocasião do Conselho Internacional de

Enfermagem, realizado em Roma, o Cardeal Pizzardo solicitou às congressistas que

votassem algumas resoluções81, entre as quais merece relevo a que apresentava como

exigência a concentração de esforços das enfermeiras católicas, religiosas e leigas no

80
A preocupação da Igeja Católica com a visão materialista e agnóstica que se intensificava no mundo
contemporâneo era tão significativa que, também o IV Congresso Internacional de Enfermagem,
realizado em Roma, em 1950, estabeleceu resoluções que serviam de linhas mestras para nortear a
formação profissional da religiosa enfermeira no Brasil, condensando os princípios fundamentais que
preceituavam o respeito à pessoa humana, defendendo-a do materialismo e paganismo contemporâneos
(CD. EEAN/UFRJ. Anais de Enfermagem. 1954).
116

sentido de “reconduzir as almas desgarradas à concepção verdadeiramente cristã da

vida, do dever, e do sofrimento” (CD. EEAN/UFRJ. Anais de Enfermagem. 1954).

Nessa linha de pensamento, em atenção às determinações do apostolado

católico, tanto a UREB quanto a UCEB, tiveram papel destacado, no intuito de defender

através da enfermagem, o “cristianismo autêntico, respeitador de todos os princípios da

moral cristã”, considerando a pessoa humana, tanto na sua vida física e psíquica,

quanto na sua vida familiar e social (CD. EEAN/UFRJ. Anais de Enfermagem. 1954).

No que diz respeito às discussões acerca dos problemas de enfermagem,

Laís promoveu, em fevereiro de 1944, na Escola Anna Nery, a Segunda Reunião de

Diretoras de Escolas, para estudo dos problemas da enfermagem. Na ocasião, tratou-se

da participação das Escolas de Enfermagem no Congresso Pan-americano de

Enfermagem, previsto para o mesmo ano, no Rio de Janeiro, além de outros pontos,

como o Curso de Enfermagem de Guerra, Curso de Auxiliares de Enfermagem,

Programa Mínimo para Escolas de Enfermagem, Regulamentação da Profissão e

Inspeção de Escolas de Enfermagem.

O encontro contou com a presença da Diretora da EAN, Laís Netto dos

Reys (Escola de Enfermagem Anna Nery), de Edith Fraenkel – Escola de Enfermagem

de São Paulo; Maria Rosa Pinheiro – Instituto de Higiene de São Paulo; Irmã Breves –

Escola São Vicente de Paulo; Madre Domineuc – Escola de Enfermagem do Hospital

São Paulo; Irmã Luna – Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo; Irmã Matilde

Nina – Escola de Enfermagem Luíza de Marillac; Maria de A . Damião – Escola de

Enfermagem do Hospital São Paulo; Olga Salinas Lacorte – chefe da Divisão de Ensino

da EAN e Radiclif G. Dourado, enfermeira da EAN.

81
Essas resoluções foram aprovadas por unanimidade e com grande entusiasmo.
117

Durante a distribuição da pauta pelas representantes que se encontravam

nesta reunião, Edith Fraenkel solicitou a substituição do tema que lhe caberia,

Organização do Congresso Pan-americano, pelas inspeções de Escolas de Enfermagem.

Como justificativa, referiu a obtenção de “farta documentação a respeito do tema que

havia compilado nos Estados Unidos”. Não houve oposição à demanda de Edith

Fraenkel; porém não houve tempo hábil para a discussão do assunto, nessa reunião (CD.

EEAN/ UFRJ. Ata da 2ª Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem).

As reuniões preparatórias para a Terceira Reunião de Diretoras de

Escolas de Enfermagem aconteceram em setembro de 1944, no Pavilhão de Aulas da

EAN. A pauta previa a retomada das discussões acerca da criação dos Cursos de

Auxiliares de Enfermagem, da inspeção de Escolas de Enfermagem e da

regulamentação da carreira de Enfermagem. Para tratar desses temas, compareceram:

Laís Netto dos Reys, Edith Fraenkel, Maria de Castro Pamphiro, Waleska Paixão, Irmã

Luna, Zaíra Cintra Vidal – diretora da Escola de Enfermagem Rachel Haddock Lobo,

Aurora de Afonso Costa – Diretora da Escola de Enfermagem do Estado do Rio de

Janeiro.

Antes de iniciada a distribuição dos trabalhos propostos, Laís levou ao

conhecimento do grupo um episódio que lhe causou estranheza e que precisaria ser

esclarecido nesta reunião. Dizia respeito a um telefonema de Edith Fraenkel

comunicando que a Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo, dirigida por Madre

Domineuc, preparava-se para a realização da 3ª Reunião de Diretoras de Escolas de

Enfermagem na cidade de São Paulo. Laís afirmou que não havia sido comunicada por

Madre Domeneuc e que não havia ficado decidida qualquer mudança acerca do local

onde deveria acontecer esta reunião.


118

É muito interessante registrar que a diretora da Escola de Enfermagem

do Hospital São Paulo, Madre Marie Domeneuc não estava presente nesse evento. (CD.

EEAN/ UFRJ. Ata de Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem).

A posição das representantes das escolas de Enfermagem acerca da

criação e organização dos cursos de auxiliares de enfermagem era tão divergente que

ocupou a maior parte do tempo destinado à reunião. Por isso, mais uma vez, não foi

possível apreciar a temática referente à inspeção das escolas de enfermagem. As

divergências envolvendo a criação de cursos de auxiliares de enfermagem sustentavam-

se, por um lado, no entendimento da necessidade premente de outra categoria na

enfermagem, formada sob os auspícios de uma enfermeira diplomada, para assessorá-la,

pois, na prática, o cuidado de enfermagem estaria sendo exercido por pessoas

destituídas de qualificação técnica, como defendiam Maria de Castro Pamphiro (diretora

da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto) e Laís Netto dos Reys. Por outro lado,

Waleska Paixão (diretora da Escola de Enfermagem Carlos Chagas) defendia que os

auxiliares de enfermagem poderiam representar ameaça à enfermeira, por concorrer

pelo mesmo espaço de atuação, como era possível observar, na ocasião, em concursos

públicos (CD. EEAN/ UFRJ..Ata de Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem.

1944).

Outro ponto de conflito acerca do curso de auxiliar de enfermagem era

em relação ao local onde o mesmo deveria acontecer. Laís Netto dos Reys entendia que

o curso deveria ser desenvolvido em anexo às escolas de enfermagem. Irmã Matilde

Nina (diretora da Escola de Enfermagem Luíza de Marillac) partilhava da mesma

opinião e argumentava não acreditar que a formação dos auxiliares de enfermagem, em

articulação com as escolas de enfermagem seria suficiente para nivelá-las com as


119

enfermeiras diplomadas. No seu entendimento, isso só era possível em função da

ausência de fiscalização do exercício profissional.

Em contrapartida, Edith de Magalhães Fraenkel (diretora da Escola de

Enfermagem de São Paulo) defendia que a formação prática fosse adquirida nos

hospitais onde trabalhassem enfermeiras diplomadas, ao passo que Ella Hasenjaeger

(assessora da Escola de Enfermagem de São Paulo) desaconselhava que os cursos de

auxiliares de enfermagem ocorressem junto às escolas de enfermagem. Ela apoiava seu

ponto de vista no argumento de que, nos Estados Unidos, experiência semelhante

resultou em alguns problemas, mesmo considerando a existência de legislação

específica naquele país (CD. EEAN/ UFRJ. Ata de Reunião de Diretoras de Escolas de

Enfermagem. 1944).

No que se refere ao tempo adequado para a formação do auxiliar de

enfermagem, Edith Fraenkel defendia que o mesmo deveria acontecer de forma

intensiva, num período de três meses, ao passo que, para sua assessora, Ella

Hasenjaeger, um tempo inferior a 9 meses seria insuficiente para a aquisição de

habilidades mínimas, mas permitiria que a auxiliar de enfermagem se julgasse apta a

prestar cuidados de enfermagem na sociedade.

Diante dos pontos divergentes, Waleska Paixão manifestou sua

preocupação no sentido de que as enfermeiras permanecessem unidas, até que se

encontrasse uma solução. Após vários períodos de prolongados debates, envolvendo a

criação do curso de auxiliar de enfermagem, foi aprovado pelo grupo de diretoras, o que

segue: O referido curso poderia acontecer em articulação (ou não) com as escolas de

enfermagem; deveriam ser dirigidos por enfermeiras diplomadas e a duração seria de 9

meses (CD. EEAN/ UFRJ. Ata de Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem.

1944).
120

Essa aprovação pelo grupo de diretoras atendia, de certa forma, aos

termos do ofício nº 925/43, enviado por Laís ao Ministro da Educação e Saúde, Gustavo

Capanema, a quem coube coordenar a cerimônia de conclusão da 1ª Reunião de

Diretoras de Escolas de Enfermagem, realizada no período de 20 a 27 de novembro de

1943, no Pavilhão de Aulas da EAN, onde se previa, dentre outras coisas, que: “se

resolva o problema de falta de assistência ao doente no Brasil, em virtude de falta de

enfermeiras, criando-se um corpo auxiliar para as enfermeiras, com formação própria,

feita nas escolas de enfermagem” (CD. EAN/UFRJ. As pioneiras. Cx. 04. Doc. 24.

1943).

Essa conquista representou a liderança de Laís junto ao grupo ali

representado; ainda mais, reforçava seu prestígio junto a importantes autoridades do

campo da saúde e da educação, tais como: o Ministro da Educação e Saúde e o Reitor da

UB.

Em 1945, houve duas outras reuniões de Diretoras de Escolas de

Enfermagem, sob a presidência de Laís Netto dos Reys. A primeira ocorreu em

fevereiro (4ª reunião), Pavilhão de Aulas da EAN e contou com a presença de Maria

Bandeira de Oliveira – chefe da Divisão de Organização Hospitalar; Gertrudes

Hodgmam – chefe da missão técnica do SESP; Leontina Gomes – chefe do Serviço de

Enfermeiras do DNSP; Zilda Almeida de Carvalho – representante do Instituto de

Higiene de São Paulo; Irmã Elizabeth Osório – representando a instrutora da Escola da

Cruz Vermelha Brasileira. Nessa oportunidade, foram tratados dois assuntos: o projeto

de regulamentação da profissão e do ensino de enfermagem.

A segunda ocorreu em julho (5ª reunião), no internato da EAN e

envolveu a atuação de dois grupos distintos: por um lado, Clara Curtis e Ella

Hasenjaeger, do IAIA/SESP e duas enfermeiras oficiais da Marinha americana (Stefany


121

Kosac e Dymphina Van Gorfo) que, pela própria condição de oficiais militares, em

missão de esforço de guerra, apoiavam as posições pró-americanas. Do outro lado,

encontravam-se as Irmãs Olive e Digna, da Universidade Católica de Washington/D. C.,

que sustentavam o bloco católico, também apoiado por religiosas brasileiras, tais como:

Irmã Matilde Nina, Irmã Zoé, Irmã Odila Costa, Irmã Margarida Villac, Irmã Maria

Jacinta da Silva, Irmã Maria S. Girard e Irmã Madre Marie Domeneuc

(CD.EEAN/UFRJ. Atas de Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem 1944.

1945).

Nessa oportunidade, foram tratados vários assuntos de interesse da

categoria82, retomando-se os debates acerca do currículo mínimo, que culminou com um

embate entre as posições defendidas por Madre Domeneuc e Edith Fraenkel. Madre

Domeneuc e outras religiosas propunham o caráter facultativo ao estágio de Saúde

Pública, argumentando que “...pode permanecer no currículo, porém de forma

facultativa, sendo o diploma acrescido da expressão ‘com ou sem Saúde Pública’ ”. Por

sua vez, a presidente da Sessão, Laís Netto dos Reys e Edith Fraenkel consideravam-no

obrigatório, contra argumentando que “excluir a Saúde Pública do Curso de

Enfermagem é tirar o papel social da enfermagem”.

No auge do debate, a presidente da sessão tentou, mais uma vez,

sensibilizar o grupo acerca da importância dessa experiência ser mantida no currículo e

acrescentou: “Estamos em um país, onde nos deparamos com sérios problemas de

saúde pública. Torná-lo facultativo é, sob o ponto de vista psicológico, eliminá-lo, e

vamos dar margem a que as Assistentes Sociais invadam, como já vêm fazendo, a seara

alheia” (CD. EEAN/UFRJ. Ata de Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem.

1945).
122

Mesmo com posições contrárias à retirada do Estágio de Saúde Pública

do currículo, quando o mesmo foi posto em votação, venceu a posição defendida por

Madre Domeneuc; ou seja, o estágio de Saúde Pública passou a ser facultativo (CD.

EEAN/UFRJ. Ata de Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem. 1945).

A ausência de obrigatoriedade do Estágio de Saúde Pública era defendida

pelas religiosas enfermeiras por solicitação do arcebispo do Rio de Janeiro

(CD.EEAN/UFRJ. Atas da 5ª Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem), sob o

argumento de que deveria concentrar os esforços do grupo de religiosas nos espaços

hospitalares, onde realmente atuavam. Adicionalmente, contribuiria para resguardar as

religiosas do contato direto com a população de ambos os sexos, de diferentes faixas

etárias e fora do ambiente hospitalar, onde estavam acostumadas a exercerem suas

atividades profissionais, sob a égide da disciplina através de normas e rotinas, as quais

não se aplicariam ao ambiente doméstico.

Não obstante, um documento escrito pelo então Ministro da Educação e

Saúde, Gustavo Capanema83 exaltava o papel da Escola Anna Nery na formação de

enfermeiras de saúde pública. Essa interpretação ultrapassa os limites do prestígio

pessoal da diretora da Escola Anna Nery, alcançando o sentido do valor social desta

instituição para o serviço de saúde pública do país. Nesse documento, o Ministro

reconhece textualmente a escola enquanto centro difusor da Enfermagem Brasileira e

refere que:

82
a identidade da enfermeira face à outras profissões femininas, a participação das alunas de enfermagem
na UNE e viabilidade da revista Anais de Enfermagem BARREIRA; SAUTHIER; BAPTISTA, 2001, p.
164).
83
Este documento localizado na Fundação Getúlio Vargas (FGV), encontrava-se no Arquivo Gustavo
Capanema. Embora não conste de um destinatário, nem esteja datado, expressa o entendimento deste
representante do Estado, quanto a importância da enfermeira nos serviços de saúde pública no país, pois,
o título do documento é “Enfermeiras de Saúde Pública”.
123

sem enfermeiras suficientemente instruídas, com a sua mentalidade


formada em um estabelecimento nos moldes da ‘Anna Nery’ não
poderá haver perfeitos serviços de tuberculose, higiene infantil,
enfim, um bom centro de saúde depende muito do seu corpo de
enfermeiras (FGV, CPDOC, Arquivo Gustavo Capanema).

O Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema também salientou

a necessidade de criação de outras escolas de enfermagem em todos os estados, mas

como entendia que ainda não era possível, sugeriu que “os governos estaduais

facilitassem a vinda de moças preparadas a fim de cursarem a Escola ‘Anna Nery’ que

é o estabelecimento padrão para todo o país” (FGV, CPDOC, arquivo Gustavo

Capanema). Segundo seu entendimento, tal empenho se justificaria no sentido de

“facilitar o preparo destas indispensáveis auxiliares dos serviços de saúde pública,

quando bem instruídas” (FGV, CPDOC, arquivo Gustavo Capanema).

Nessa linha de pensamento, o papel da Escola de Enfermagem Anna

Nery, bem como a atuação de sua diretora, eram considerados estratégicos para o

Serviço de Saúde Pública brasileira, uma vez que produzia enfermeiras diplomadas para

todo o território nacional.

Sob outro ângulo, poder-se-ia interpretar que se tratava de estratégia para

garantir a presença do Estado, enquanto patriarcado público, caracterizado pelo poder

centralizador e burocrático em todo país.

Não obstante, nesse mesmo documento, parecem bem demarcados os

limites de atuação das enfermeiras ao denominá-las como “...indispensáveis auxiliares

dos serviços de saúde pública, quando bem instruídas”.

Essa afirmação do Ministro instiga a análise da condição feminina nas

relações de gênero, como formas particulares de relações de poder, visto que a

enfermagem moderna é, historicamente constituída por mulheres e, inserida em campos


124

cujos agentes concorrentes são principalmente do sexo masculino, como: os médicos, os

professores, entre outras carreiras. De forma análoga, Igreja é dirigida exclusivamente

por homens, cujas alianças com o Estado têm sido sustentadas por lideranças

predominantemente masculinas, ao longo dos tempos.

Nesse sentido, a enfermagem sofria, sobremaneira, os reflexos da

construção histórica de um mundo organizado para a dominação masculina . Como

ressaltou Bourdieu (1999a, p. 55-62), ambos se encontram inseridos num contexto de

economia das trocas simbólicas, que confere ao homem o privilégio de sujeito e à

mulher a condição de objeto, a ser negociado em favor do primeiro.

É importante destacar que a ABED acabava de criar a Divisão de Saúde

Pública84, que, na prática, desde 1945, funcionava como associação à parte, com

Diretoria, Conselho Fiscal e anuidade própria. Ainda assim, o grupo de religiosas

conseguiu impor o interesse do grupo que representava (CARVALHO, 1976, p. 35).

Em 1946, o Estatuto da ABED sofreu alterações significativas85,

passando a fazer parte da diretoria, as recém–criadas Divisão de Ensino de Enfermagem

e a de Enfermagem de Saúde Pública, as presidentes das sessões estaduais86, a redatora

84
Criada oficialmente em 1946, tinha sua atuação voltada para o acompanhamento dos problemas de
Saúde Pública, investindo no desenvolvimento desse campo específico da enfermagem. Atuou
efetivamente na organização do programa do I Congresso Nacional de Enfermagem, em 1947,
apresentando como tema: “Saneamento da Amazônia” e a “Enfermagem de Saúde Pública na Amazônia e
no Distrito Federal”. Além disso, produziu material bibliográfico sobre Saúde Pública (CARVALHO,
1976, p. 73 – 74).
85
A ABED era anteriormente constituída de presidente; vice- presidente; 1ª e 2ª secretárias; 1ª e 2ª
tesoureiras; bibliotecária; comissão consultiva, composta de sete membros, para assessorar a Associação
nas questões abrangentes importantes para a categoria; comissão de cultura; comissão de publicidade;
comissão de propaganda social, além dos cargos de representante dos Serviços de Enfermagem nos
Estados e no Distrito Federal (CARVALHO, 1976, p. 32-32).
86
ABED – Seção São Paulo (1946: 1ª presidente - Edith Fraenkel); Seção Distrito Federal (1946: 1ª
presidente – Rosaly Taborda); Seção da Amazônia (1946: 1ª presidente – Tessie F. Williams – consultora
do IAIA junto ao SESP, lotada no Programa da Amazônia de 1944 a 1950); Seção Minas Gerais (1947: 1ª
presidente – Waleska Paixão); Seção Bahia (1948: 1ª presidente – Olga Verderese); Seção Goiás(1948: 1ª
presidente – Irmã Mônica Lima); Seção Pernambuco (1949: 1ª presidente – Irmã Lidia de Paiva Luna) e
Seção do Estado do Rio de Janeiro (1949: 1ª presidente – Ermengarda Alves F. Alvim). A Seção da
Amazônia agregava os estados do Pará, Amazonas, Maranhão, além dos territórios do Amapá, Acre e
Guaporé (CARVALHO, 1976, p. 95 – 105).
125

da REBEn, quatro membros eleitos pelas Assembléia Geral, além dos Conselhos Fiscal

e Deliberativo (CARVALHO, 1976, p. 34 - 35).

Vale ressaltar que, na primeira metade da década de 40, observava-se

que, embora a Igreja católica apoiasse o Estado Novo, por entender que as reformas

sociais desenvolvidas pelo governo de Getúlio Vargas inspiravam-se na doutrina social

da Igreja, este apoio também se orientava no sentido inverso. É interessante registrar

que as onze escolas de enfermagem criadas nesse período eram assim caracterizadas:

sete eram vinculadas a igrejas, das quais seis de congregações religiosas católicas e as

outras quatro eram públicas87. Ainda mais, na década de 40, foram inauguradas catorze

escolas de enfermagem, sendo sete dependentes de congregações religiosas católicas,

cinco estaduais, uma federal e uma municipal. A proliferação das escolas católicas

evoluiu progressivamente por toda a década de 50, de modo que, até 1959, havia uma

relação de 51,28% das escolas de enfermagem católicas (BAPTISTA e BARREIRA,

1997, p.38).

Durante as comemorações da 5ª Semana de Enfermagem, no Rio de

Janeiro, em 1945, Laís, juntamente com um grupo de enfermeiras da EAN, foi recebida

pessoalmente pelo Presidente da República, no Palácio do Catete. A visita integrou a

Programação da Semana da Enfermeira, organizada por Laís Netto dos Reys.

87
Escola de Enfermagem da USP (estadual), Escola de Enfermagem do Pará (estadual), Escola de
Enfermagem do Estado do Rio de Janeiro – atual Escola de Enfermagem da UFF (estadual) e a Escola de
Enfermagem Hachel Haddock Lobo – atual Faculdade de Enfermagem da UERJ (municipal) (Baptista e
Barreira, 1997, p.37).
126

Foto nº 7: Comitiva da Escola Anna Nery, em visita ao Palácio do Catete por ocasião

da 5ª Semana de Enfermagem, em 22 de maio de 1945.

Trata-se de uma pose grupal, onde se observa, no primeiro plano, as

seguintes figuras, da esquerda para a direita: Laís Netto dos Reys, diretora da Escola de

Enfermagem Anna Nery e Getúlio Vargas, presidente do Brasil. Ainda no primeiro

plano, porém com certo distanciamento do presidente, vê-se um jovem não identificado,

cujo traje ostenta, ao lado direito, inúmeras insígnias e condecorações e, na altura do

bolso, na farda, uma identificação, própria dos ocupantes de funções militares. Esse

jovem, ao ser fotografado, juntamente com as personalidades citadas, apresenta-se com

um semblante de concentração e seriedade.

No segundo plano da foto, da esquerda para a direita, temos: Zaíra Cintra

Vidal, diretora da Escola de Enfermagem Rachel Haddock Lobo e presidente da ABED;


127

Marina Bandeira de Oliveira, enfermeira de saúde pública, formada pela Escola Anna

Nery, com pós-graduação nos EUA; uma senhora não identificada, atrás de Laís e, entre

esta e o presidente, Dona Diva Miranda Moura. Nessa foto, aparecem ainda duas

senhoras também não identificadas, além de uma figura masculina, no canto direito. No

momento do registro fotográfico, este não olhava para a objetiva da câmera fotográfica.

Todos os presentes encontravam-se formalmente trajados, as mulheres em traje de

passeio completo e os homens de terno ou farda.

O cenário é o Salão Amarelo do Palácio do Catete, à época, residência

oficial da Presidência da República, onde se destacam as pinturas de temática

mitológica do teto e os estuques que acompanham o mesmo estilo, além de um lustre de

cristal de grande dimensão, com inúmeras lâmpadas88. Este ambiente era reservado às

visitas ilustres ou autoridades em eventos sociais.

O texto fotográfico evidencia, mais uma vez, o prestígio de Laís Netto

dos Reys, católica reconhecida e líder da enfermagem, junto ao governo, representado

pela figura de Getúlio Vargas. A estratégia certamente foi frutífera no objetivo de

ampliar a visibilidade da Semana da Enfermeira, ao mesmo tempo em que conferiu

prestígio e distinção à EAN e outros estabelecimentos de educação da enfermagem

brasileira.

Durante esse encontro, a professora da EAN, Lieselotte Ornellas, que

não aparece na foto, fez um pronunciamento em nome das escolas de Enfermagem ali

representadas. Na oportunidade, expressou a confiança e otimismo naqueles que

conduziam o país, em função do que considerava serem portadores de uma “visão

esclarecida”. Discorreu acerca da atuação da enfermeira de saúde pública e como essa

88
Em visita realizada ao Museu da República, em 29 de dezembro de 2002, pude identificar que o recinto
onde ocorreu o registro fotográfico trata-se do salão amarelo, nome este atribuído em função de sua
decoração – cortinas e móveis – na tonalidade amarela. Este ambiente conserva, ainda, os desenhos na
parede, no teto e o lustre originais. É o único ambiente com estas especificidades.
128

profissional poderia contribuir para que o cidadão brasileiro crescesse “belo e forte e

representasse um valor inestimável e não um peso negativo na economia da pátria”.

No discurso, apresentou ainda um panorama das condições de saúde no país e defendeu

como indispensável a atuação da enfermeira, acrescentando que lhe cabia ainda a

assistência “aos soldados nas linhas de fogo onde ia sacrificar a própria vida, pela

liberdade e segurança das gerações futuras” (Lieselotte H. O. Acervo Pessoal).

Na mesma oportunidade, a enfermeira Lieselotte Ornellas, manifestou

posicionamento crítico, dizendo que : “se, por um lado, o trabalho da enfermeira exige

vocação, desprendimento e abnegação; por outro, não seria justo que as sacrificassem,

em função do número reduzido de enfermeiras e do salário exíguo a que lhes eram

destinados”.

Ao finalizar o discurso, Lieselotte afirmou que a enfermeira é a:

“emissária da saúde, moral, física e espiritual, teria que testemunhá-lo em sua própria

vida, o que só poderia ser feito se lhe fossem propícias as condições de ambiente e de

formação” (Lieselotte H. O. Acervo Pessoal).

No bojo das estratégias instituídas pela Escola Anna Nery com o intuito

de assegurar posições de poder e prestígio no campo, é exemplar a formatura da classe

de 1945, levada a efeito em conjunto com a comemoração dos vinte anos da formatura

da “Turma Pioneira”. Esse evento contou com a presença de ilustres autoridades da

Educação, da Saúde, da igreja católica e das Forças Armadas.


129

Foto nº 8: Formatura da classe de 1945 e a comemoração dos vinte anos de formatura

da “Turma Pioneira”. Localização: CD. EEAN/UFRJ. Arquivo Iconográfico.

O cenário é o salão de festas do internato da EAN, situado à rua Rui

Barbosa, nº 762, estando presentes autoridades civis, militares e eclesiásticas. O

jornalista e sanitarista J. P. Fontenelle foi o paraninfo da turma.

Merece idêntico destaque a presença do reitor da Universidade do Brasil

(UB), Dr. Ignácio Manuel de Azevedo Lima, pois expressa a identificação do curso com

o sistema universitário, uma vez que a EAN só passou a fazer parte da UB, como

unidade autônoma, em 1946. A presença das autoridades militares no evento

materializada mediante a presença do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no pós-


130

guerra, sugere reforço à tese de comunhão da direção da Escola com os militares e o

reconhecimento da presença e do trabalho da enfermeira em conflitos de monta.

Ao fundo da composição fotográfica, pendia, quase que do teto até o

piso, a bandeira da enfermagem, cujo símbolo do trevo vermelho encontrava-se unido à

bandeira nacional por uma imagem de Anna Nery. A associação desses ícones traduz

carga simbólica e emocional do grupo, uma vez que a bandeira nacional e a bandeira da

enfermagem constituem símbolos e, através desses, uma profissão e um país proclamam

sua identidade.

À frente do grupo das autoridades que prestigiavam a cerimônia de

formatura havia duas alunas, cada qual portando uma bandeira. À esquerda,

encontrava-se Radcliff G. Dourado, com a Bandeira Nacional e, à direita, Megan

Xavier, segurava a bandeira da EAN.

As presenças marcantes no arranjo fotográfico que reúne autoridades

civis, militares e religiosa constituem indicadores do poder e prestígio da Escola Anna

Nery junto às instituições ali representadas. A esse respeito, uma das depoentes, Anna

Nava, comentou: “ela [d. Laís] era pessoa de renome, não só de família, como também

entre as pioneiras, elas faziam um grupo de elite”. Abordando a proximidade de Laís

com o poder no Palácio do Catete, ela acrescentou que “d. Laís tinha prestígio porque o

irmão dela era do Palácio. Ela conseguia coisas que você nem faz idéia”.

Outro depoimento esclarece a natureza das relações da diretora da Escola

Anna Nery, com o mais alto mandatário do governo brasileiro, uma vez que, segundo o

depoimento da professora Elvira de Felice Souza, teria Laís Netto dos Reys ido ao

encontro do presidente, para cumprimentá-lo com um abraço solidário, no dia de sua

deposição do cargo de Presidente da República.


131

Como ressaltei, o projeto IAIA/SESP iniciado no Brasil89, por ocasião da

Segunda Guerra Mundial, elaborou um relatório relativo ao sub projeto Anna Nery

School90, onde se verifica avaliação paradoxal: embora considerasse a EAN como a

maior e melhor escola de enfermagem do Brasil, afirmava que o intercâmbio era

bastante desfavorável, devido ao criticismo da Escola Anna Nery, que resultava no

“espírito de antagonismo ao NTP (Nursing Trainning Programm)” tanto por parte de

algumas instrutoras, quanto de sua diretora (BARREIRA e BAPTISTA, 2002, p.211).

Devido à resistência desse grupo de enfermeiras da Escola Anna Nery,

identificados pelos representantes do IAIA/ SESP, acrescentam as autoras (2002,

p.211), elaborou-se uma política de amistosa colaboração em relação à Escola Anna

Nery que, ao mesmo tempo, visava ampliar os canais de intercâmbio e cooperação com

outras instituições e lideranças.

Em paralelo, a estratégia do Projeto IAIA/SESP investiu no sentido de

minimizar o poder inerente à condição de escola oficial padrão, ostentado pela Escola

Anna Nery desde 1931. Conforme explicitado no relatório do mesmo sub projeto Anna

Nery School (NT – RJA – 14 – 2): “Until 1942 this was the only school of nursing in

Brazil recognized by the government as of ‘alto padrão’. In 1942 three other school

were ‘equiparada’. None of this would be accredited in the U.S.A.”91 (Departamento de

Arquivo e Documentação – Casa de Oswaldo Cruz – COC).

89
Este projeto que objetivava ampliar o número de Escolas de Enfermagem no Brasil, e com isso o
quantitativo de enfermeiras, era composto por vários sub – projetos. Para cada empreendimento junto a
qualquer das escolas de enfermagem cabia um sub-projeto.
90
Este sub projeto, identificado como “NT-RJA-14-2”, intitulado Anna Nery School, apresenta um breve
histórico da Escola Anna Nery na formação de enfermeiras no Brasil. Apesar de reconhecê-la com a
maior e melhor escola de enfermagem do país, entendia que era necessário alguns melhoramentos. Nesse
sentido, contaria com a participação de Clara Louise Kienninger (primeira diretora da escola), em tempo
integral, no período de 1942 a 1943, não alcançando o sucesso esperado (Departamento de Arquivo e
Documentação. COC. SESP).
91
Desde 1942 esta era a única escola de enfermagem no Brasil reconhecida pelo governo como de ‘alto
padrão’. Em 1942 outras três escolas foram equiparadas a ela. Nenhuma destas seriam certificadas nos
U.S.A.”. A tradução é minha.
132

A percepção de uma das depoentes sobre a qualidade do ensino na

Escola de Enfermagem Carlos Chagas encontra ressonância no teor do relatório acima

referido. A entrevistada recusou-se a estudar na Escola de Enfermagem Carlos Chagas,

em 1936, ano anterior a sua admissão no quadro de alunas da Escola Anna Nery,

mesmo residindo no Estado de Minas Gerais, com a justificativa de que: “a Escola

[Carlos Chagas] ainda estava nos seus primórdios e era uma escola fraca”. Reitero

que essa avaliação é coerente com o que foi pontuado no relatório, no que diz respeito à

qualidade do ensino.

Embora isolado esse depoimento parece repercutir opiniões de outras

pessoas. Note-se que, à época, havia um número significativo de alunas procedentes do

Estado de Minas Gerais, que vinham cursar enfermagem na Escola Anna Nery, nos

primeiros anos após a inauguração da Escola de Enfermagem Carlos Chagas92.

Tratando objetivamente do assunto, cumpre mencionar que, nos anos de 1936 e 1937, o

número de alunas provenientes de Minas Gerais, na Escola Anna Nery, chegou a

superar o de alunas oriundas da própria Capital Federal (CD. EEAN/UFRJ. Relatório

Anual da Diretora. 1936 e 1937).

O registro do questionamento à equiparação de três escolas de

enfermagem à escola Padrão, em documento oficial, envolvendo autoridades brasileira e

americana, Dr. Sérvulo Lima – Superintendente do SESP, e o Dr. E. H. Christopherson

– representante, no Brasil, da Divisão de Saúde e Saneamento do IAIA,

respectivamente, permite inferir que a Escola Anna Nery, apesar de reconhecida a sua

proficiência no campo da educação em enfermagem, não estaria conseguindo assegurar,

às novas escolas de enfermagem, o “alto padrão” conquistado pela enfermagem

92
Em 1933 o número de alunas vindas do estado de Minas Gerais era de 10; em 1934, já era de 20; em
1936, superou o número de alunas naturais da própria Capital Federal, contando com 22 alunas e a
Capital Federal com 17 e, em 1937, essa diferença é ampliada , enquanto Minas Gerais tinha 27 alunas, a
Capital Federal contava com apenas 20.
133

brasileira. Esse parece ser o caso da Escola de Enfermagem Carlos Chagas. Outro

aspecto importante a ser considerado é que as três primeiras escolas equiparadas à

escola padrão oficial comungavam do ideário católico, ratificando assim a tese da

importância da posição ocupada por Laís Netto dos Reys para com os interesses do

catolicismo.

Talvez essa conjuntura tenha contribuído para que Edith de Magalhães

Fraenkel, na qualidade de diretora da Escola de Enfermagem de São Paulo,

encaminhasse documento93 ao Dr. Ernesto de Souza Campos94, no qual fazia referência

à inspeção de escolas de enfermagem, como ponto importante que necessitava de

atenção especial e acreditava “ser isso uma irregularidade” (FGV – CPDOC – GC).

Para fundamentar seu ponto de vista, ela acrescentou que a prática de

inspeção de estabelecimentos educacionais por uma única escola não era observada em

qualquer outro ramo de ensino. Além disso, Edith considerava também, pouco prudente

manter essa missão sob os auspícios de uma única pessoa: “cujos ideais talvez não

estejam [estivessem] sempre na altura de compreender as necessidades da

comunidade” (FGV – CPDOC – GC).

Esse argumento oficial evidenciava a oposição existente entre a mais

expressiva líder da Escola de Enfermagem de São Paulo e a grande líder católica da

enfermagem e diretora da Escola Oficial Padrão, a Escola Anna Nery.

93
Trata-se da parte final de um documento que embora não tenha sido localizado com todas as sua
páginas, foi possível observar o conteúdo apresentado no texto desta Tese de Doutoramento. Vale
acrescentar ainda que o documento em questão possui a assinatura de Edith de Magalhães Fraenkel.
94
O engenheiro Ernesto de Souza Campos, também era médico e exercia a função de professor da
Faculdade de Medicina da USP, realizou e submeteu à apreciação do diretor da Faculdade de Medicina,
Professor Benedito Montenegro, o primeiro projeto de construção da Escola de Enfermagem do Estado de
São Paulo, não sendo aceito, pois, o SESP havia decidido financiar a construção da referida escola, para
o qual utilizou seu próprio arquiteto (CARVALHO, 1980, p.31).
134

Concluindo este documento, Edith Fraenkel sugeriu a criação de uma

comissão para assumir tal função, possivelmente o “Conselho Nacional de Ensino”95.

Em prosseguimento a sua argumentação, a diretora da Escola de Enfermagem de São

Paulo afirmou que a inspeção e a aprovação das escolas de enfermagem, tais quais se

apresentavam, desfavoreciam competições e “os doentes talvez sejam [fossem]

sacrificados e a saúde do nosso povo sofra [sofresse] as conseqüências de tal

irregularidade” (FGV – CPDOC – GC).

Certamente esse era apenas mais um componente para alimentar a luta

concorrencial entre essas duas personalidades, representantes de duas importantes

instituições de ensino de enfermagem, que concorriam por status e prestígio no campo

da educação em enfermagem.

Uma das depoentes notificou que esse antagonismo entre as duas

diretoras era amplamente conhecido: “Havia uma animosidade muito grande entre d.

Edith e d. Laís , isso nós sabíamos”.

As dificuldades vividas pela EAN e o investimento do IAIA/SESP em

outro centro gerador de líderes de enfermagem evidenciam desgaste no estatuto da

EAN, no que tange à equiparação das demais escolas, desde 1931.

Como ressaltei em momento anterior, o processo de criação dessa escola

ocorreu através do Decreto-Lei estadual nº 13. 040, de 31 de outubro de 1942 e contou

com o apoio da Fundação Rockefeller, sendo aquela, desde a sua fundação, anexa à

Faculdade de Medicina. O principal objetivo era oferecer as condições necessárias para

a criação do Hospital das Clínicas, como parte de um contexto que visava a

“tecnificação da medicina e do avanço do hospital moderno” refletindo a perspectiva

95
Este Conselho Nacional de Enfermagem deveria ter as suas funções ampliadas em relação ao Conselho
do mesmo nome, já referido neste estudo.
135

de “racionalização do processo de diagnosticar e curar” (BARREIRA e BAPTISTA,

2002, p. 211).

Nesse contexto, a criação de novas escolas de enfermagem se fazia

necessária para preparar mão de obra qualificada para atuar no espaço hospitalar que se

incrementava, de forma crescente. Uma comprovação da importância conferida ao

hospital, na década de 40 fica clara em um fragmento de matéria jornalística, veiculado

no Estado de São Paulo, onde se atribui ênfase ao cotidiano da vida urbana, porém, não

restringindo a isso os males que conduziam a sociedade à dependência de um hospital

modelo. Para que se possa avaliar o tratamento ao tema, transcrevo o que segue:

Mas não são só os acidentados que enchem os nossos hospitais. À


medida que o mundo progride materialmente, as doenças se
multiplicam impiedosas. Enfermos vêm do interior atrás de hospitais
mais bem aparelhados e médicos de fama. A subnutrição e a
promiscuidade, nas favelas e nos porões aumentam o rol dos
tuberculosos. Só agora, com as últimas descobertas, vai-se sabendo
quanto elevada é a morbidade do câncer ( Jornal Folha da Noite,
Publicado em 30 de maio de 1949 – São Paulo)

Esta preocupação fica evidente no relatório do sub-projeto NT-SPA-1496,

onde consta que, em 1 de dezembro de 1943, um grupo de 30 a 40 alunas foi inscrito no

curso da Escola de Enfermagem de São Paulo, um segundo grupo de estudantes foi

admitido em março de 1944 e, apenas em 21 de abril do mesmo ano, o Hospital das

Clínicas foi inaugurado oficialmente (Departamento de Arquivo e Documentação –

COC, SESP, cx 19, Doc 8).

96
Sub-projeto do SESP, para atender a Escola de Enfermagem de São Paulo, incluindo-se aí as demais
unidades fundamentais para a formação prática das alunas.
136

Em 1944, a primeira turma de alunas da Escola de Enfermagem de São

Paulo concluiu o período preliminar do curso e um razoável quantitativo de alunas havia

ingressado naquele curso de enfermagem, em final de 1943 e início de 1944. Procurou-

se assegurar, desta forma, a qualidade da assistência de enfermagem, fundamental para

sustentar o projeto de criação do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Do ponto de vista do contexto sócio-econômico e político, vale lembrar

que, à época, o Brasil vivia um avanço da industrialização e da urbanização, o que

favoreceu à concentração de renda uma minoria e o empobrecimento da população em

geral. Para atender às novas exigências do setor produtivo brasileiro, o Estado precisou

rever o seu interesse na aplicação dos recursos financeiros na área da saúde,

transferindo-o do campo da saúde pública, que primava pelo caráter preventivo, para o

setor assistencial e individual (CARVALHO e LEITE, 1996, p.28).

Este panorama justifica, de certo modo, o grande investimento na criação

do Hospital das Clínicas de São Paulo, além do interesse na existência de uma Escola de

Enfermagem que pudesse contribuir para atender à demanda que se apresentava, não

apenas em São Paulo, como em grande parte do país, sobre tudo, nos principais centros

urbanos. Esse é o contexto em que se situa o acréscimo considerável no número de

escolas de enfermagem, a partir da década de 1940.

Outro aspecto digno de registro refere-se à transformação do modelo

assistencial, em que a ênfase à saúde pública cedeu espaço para o modelo

hospitalocêntrico, que teve início na década de 1940, permaneceu durante o governo de

Dutra, revelando incompatibilidade entre a quantidade de pessoal de enfermagem e a

demanda apresentada, em função da criação de grandes hospitais nas cidades.

Desta forma, a assistência passou a ser assumida por pessoal

desqualificado para a função, resultando em um trabalho incompatível com o que se


137

preconizava nas escolas de enfermagem. Essa problemática foi objeto de análise, na

preleção proferida por Laís, na 2ª Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem, em

1944, para tratar dos problemas da enfermagem97, realizada de 11 a 22 de fevereiro de

1944: “A enfermagem está entregue a leigos que lidam, sem conhecimento, com a vida

humana da maioria da nacionalidade” (UFRJ. EEAN. CD. Ata da 2ª Reunião de

Diretoras, 1944).

Apesar do redirecionamento do modelo assistencial, uma avaliação da

situação hospitalar no país, foi apresentada alguns anos mais tarde, por um jornal de São

Paulo, onde era demonstrado que o Brasil ainda não contava com mais de 350 leitos–

hospital por 100.000 habitantes, quando a média nos Estados Unidos era de 730, e

acrescenta, “num país extenso como o nosso, com mais de 45 milhões de habitantes, a

maioria localizada na zona rural ...é doloroso saber que não possuímos 1000

enfermeiras diplomadas...” ( Jornal Folha da Noite, Publicado em 30 de maio de 1949

– São Paulo).

Esta avaliação reforça a tese da necessidade de aumentar o número de

enfermeiras plenamente qualificadas para atuar na área hospitalar, cuja demanda era

evidente e se caracterizava como objeto de preocupação de considerável parte da nossa

sociedade.

Porém, como esclareceu Carvalho e Leite (1996, p.27), a formação de

recursos humanos era estrategicamente demandada, não por interesses de natureza

assistencial ou preocupação com a saúde da população, mas para manter e recuperar a

mão-de-obra trabalhadora, demandada pelo mercado de trabalho.

Durante visita da Diretora do Programa de Treinamento do SESP à

Escola de Enfermagem de São Paulo, em julho de 1943, esta percebeu que nenhum

97
A primeira Reunião de Diretoras de Escolas de Enfermagem foi realizada em 1943 e tratou também das
questões relacionadas aos cursos de auxiliares de enfermagem.
138

anúncio tinha sido publicado, nem se havia desenvolvido qualquer plano para divulgar a

escola fora do Estado de São Paulo. Para corrigir essa lacuna, o SESP financiou a

viagem de uma instrutora da escola, com o objetivo de divulgar e recrutar estudantes

nas cidades de Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Aracaju, Recife, Fortaleza e Belém,

resultando no ingresso de 29 estudantes para a turma de março de 1944, na Escola de

Enfermagem de São Paulo98 (Departamento de Arquivo e Documentação – COC, SESP,

cx 19, Doc 8). Este grupo de alunas faria parte da turma que se formaria em 1947, num

total de 37 concluintes.

Para possibilitar a participação das alunas oriundas de diferentes partes

do território nacional, o SESP oferecia bolsas de estudo e assegurava uma quantia

correspondente a US$500,00 para a assistência daquelas consideradas extremamente

pobres, em caráter emergencial (Departamento de Arquivo e Documentação – COC,

SESP, cx 19, Doc 8).

Com essa medida, a Escola de Enfermagem de São Paulo garantia um

quantitativo de alunas que lhe permitia concorrer pela condição de grande centro difusor

para a formação de líderes no campo da enfermagem e da educação em enfermagem no

país, tanto na área de saúde pública, quanto na anunciada moderna estrutura hospitalar,

de modo a sustentar a concorrência com a Escola Anna Nery no campo da educação em

enfermagem.

Por sua vez, a coordenação do Projeto IAIA/SESP99 interpretava que a

Escola de Enfermagem de São Paulo, desde que prometeu ser a melhor do Brasil,

mostrou-se importante para auxiliar as estudantes de diferentes estados a ingressar em

98
As alunas tinham as seguintes origens: duas de Porto Alegre, duas de Curitiba, uma de Florianópolis,
quatro de Salvador, três de Recife, três de Aracajú, cinco de Fortaleza, sete de Belém e duas de Manaus.
99
Este relatório do sub-projeto NT-SPA-14, é assinado pelo Superintendente do SESP, Dr Sérvulo Lima e
pelo DR E. H. Christopherson, representante da Divisão de Saúde e Saneamento do Instituto para
Assuntos Inter Americano (IAIA).
139

seu curso tão logo quanto possível e formar enfermeiras necessárias a outras áreas

geográficas do contexto nacional (Departamento de Arquivo e Documentação – COC,

SESP, cx 19, Doc 8).

Tanto que a Escola de Enfermagem de São Paulo contava em seu quadro

discente, em março de 1944, trinta alunas bolsistas do SESP, oriundas de nove estados

da federação, a saber: Amazonas, Pará, Ceará, Sergipe, Bahia, Paraná, Santa Catarina,

Rio Grande do Sul e São Paulo. Desse total, vinte e uma concluíram, enquanto que os

motivos de evasão do curso foram os seguintes: pouco aproveitamento (3), incapacidade

física (2), para dedicar-se ao matrimônio (1), reprovadas no período Pré-clínico (2) e

por não ter regressado ao curso (1). As alunas que concluíram sua formação eram

oriundas de quatro regiões do país, sendo cinco do Amazonas, três do Pará, três do

Ceará, uma do Sergipe, três da Bahia, uma do Paraná, uma de Santa Catarina, duas do

Rio Grande do Sul e duas de São Paulo (Departamento de Arquivo e Documentação –

COC, SESP, cx 13, Doc. 32).

Enquanto a Escola de Enfermagem de São Paulo investia na ampliação

de sua influência no território nacional, perseguindo a meta de ser considerada a melhor

do país, a EAN era tida como referência de qualidade para a formação de enfermeiras na

América do Sul e na América Central. Cumpre observar que, em 1944, representantes

de vários países desse continente, tais como: Colômbia, Venezuela, Paraguai, República

Dominicana, Equador, Nicarágua e Bolívia, manifestavam interesse de ingressar no

curso de enfermagem da EAN.

De acordo com a interpretação de Laís Netto dos Reys, essa iniciativa era

importante, pois representava mais uma oportunidade de ampliar a visibilidade da

enfermagem brasileira e da EAN, para além dos limites nacionais. Apoiada nessa linha
140

argumentativa, Laís se refere textualmente: “essa iniciativa trará para o Brasil, para a

UB e para a Anna Nery, a glória de receber elementos de outras nações centro e sul

americanas, servindo-lhes, por assim dizer, de padrão para a aprendizagem

profissional de enfermagem” (CD. EEAN/ UFRJ. As Pioneiras. Cx. 05. Doc. 13. 1944).

Em 1946, a região Nordeste, mais especificamente a Bahia, foi

contemplada com a criação de uma escola de enfermagem. A inauguração dessa

instituição contribuiu para minimizar as graves questões de saúde pública daquele

Estado, que apresentava déficit significativo de recursos humanos nas áreas da

assistência pública e hospitalar, sobretudo no que diz respeito ao contingente de pessoal

qualificado em enfermagem (VERDERESE, 1949, p.16).

Para atender a essa necessidade, através do Decreto-Lei Federal nº 8.779

de 22 de janeiro de 1946, foi criada a Escola de Enfermagem da Universidade Federal

da Bahia (UFBa)100 ; a inauguração do curso ocorreu em 08 de março de 1947.

Nos dois primeiro anos, a escola contou, com as instalações da

Faculdade de Medicina da UFBa, sendo em seguida transferida para o Hospital das

Clínicas101 daquela Universidade. Apenas em dezembro de 1950, foi instalada em suas

instalações definitivas (Fernandes, 1986, p.119).

Verderese (1949, p.17) relata que a Escola de Enfermagem da UFBa, ao

mesmo tempo em que se ocupava com as questões referentes ao seu curso de graduação,

tratava também da organização do Hospital das Clínicas. Somente mais tarde, assumiu

a direção de enfermagem e passou a contribuir com a assistência de enfermagem. A

primeira diretora e a vice-diretora daquela escola foram, respectivamente, Haydeé

100
nos termos do Parágrafo2º do artigo 2º do Estatuto de 02 de julho de 1946. É reconhecida pelo
Ministérioda Educação em 8 de fevereiro de 1968, pelo Decreto nº 62.241.
101
Inaugurado em 1949.
141

Guanais Dourado (formada pela Escola Anna Nery) e Olga Verderese (diplomada pela

Escola de Enfermagem de São Paulo)102.

Em 1946, o governo de Minas Gerais, através do Departamento Estadual

de Saúde, criou a Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo103, terceira escola de

enfermagem daquele estado. A primeira diretora da escola foi Celina Viegas, nomeada

em 29 de junho de 1946. Viegas foi diplomada pela Escola de Enfermagem Carlos

Chagas, onde atuou como docente até 1944, quando foi indicada para realizar um curso

de especialização em Administração em Escola de Enfermagem e Pedagogia Aplicada à

Enfermagem, na Universidade de Cornnel, nos EUA.

Ao regressar a Belo Horizonte, em fevereiro de 1946, foi convidada pelo

então interventor de Minas Gerais, Dr João Tavares Correia Beraldo, para dirigir a

Escola de Enfermagem Hermantina Beraldo, instalada em Juiz de Fora (ARAÚJO,

2002, p.37).

102
Diplomou-se na segunda turma, em 1947 (Carvalho, 1980, p. 251).
103
Decreto Estadual nº17.051, de 3 de junho de 1946. Reconhecida através do Decreto nº 28.376, de 21
de maio de 1950.
142

CAPÍTULO IV : O (RE)ALINHAMENTO DAS POSIÇÕES NO CAMPO DA


EDUCAÇÃO EM ENFERMAGEM: OS GANHOS E AS PERDAS SIMBÓLICAS
PARA A EAN (1947 – 1949)

Neste capítulo, privilegio a discussão do embate enfrentado pela direção

da EAN, devido ao movimento de oposição à condição de Escola Oficial Padrão, bem

como as estratégias utilizadas pelas principais instituições envolvidas num jogo de

poder, cujas armas simbólicas variavam de acordo com os interesses específicos de cada

agente ou grupo, representado no campo da educação em Enfermagem. Ao longo da

análise, parto do pressuposto de que essas lutas faziam parte do processo de

(re)alinhamento das posições de poder e prestígio, em função da emergência de novos

grupos e de novas lideranças no campo da educação em enfermagem.

O pano de fundo contextual é o da gestão do Presidente Eurico Gaspar

Dutra, autoridade político-governamental, cujo discurso, desde a campanha

presidencial, manifestava simpatia em relação ao catolicismo. Com base nessa posição,

evitou os obstáculos para a formação de outras instituições de ensino de enfermagem

católicas no país, a exemplo do que vinha acontecendo na Era Vargas (1930 – 1945).

Nesse contexto, como demonstrei no capítulo anterior, uma importante

concorrente da EAN foi a Escola de Enfermagem de São Paulo, planejada e dirigida por

Edith de Magalhães Fraenkel e assessorada por Ella Hasenjaeger, representante do

SESP.

O investimento da Escola de Enfermagem de São Paulo e a tentativa de

atrair estudantes para as primeiras turmas do curso, em vários estados do território

nacional revela a contribuição efetiva da diretora do Programa de Treinamento do SESP

e da diretora dessa escola, que difundiram o trabalho de enfermeiras formadas pela

recém-criada Escola de Enfermagem de São Paulo.


143

Apesar disso, a Escola de Enfermagem de São Paulo enfrentava grandes

dificuldades, tanto na área de ensino, como de supervisão. Esses desafios foram

admitidos pela própria Edith Fraenkel, ainda em 6 de julho de 1948, através de carta

destinada à Maria Rosa S. Pinheiro, vice-diretora da mesma escola. Nessa

correspondência, Edith Fraenkel propunha à vice-diretora que prorrogasse o curso que

realizava nos Estados Unidos da América, cuja qualificação contribuiria, no futuro, para

minimizar as deficiências da escola. A esse respeito, Edith Fraenkel expressou:

...Agora, como bem sabe, ensino e supervisão, são o nosso ponto


fraco, fraquíssimo mesmo e, ao mesmo tempo, são os pontos
importantíssimos para a escola (Departamento de Arquivo e
Documentação. COC. SESP. Cx. 15. Doc. 52).

Em contrapartida, a arrojada estrutura da escola oteve o máximo de

aproveitamento simbólico, uma vez que foi objeto de destaque na imprensa paulista, por

meio de matéria que ocupou página inteira. O texto jornalístico informava que o autor

do projeto do moderno edifício foi o arquiteto Peter Pfistere, do Institute of

InterAmerican Affair104 e que o mesmo possuía grande e confortável auditório, com as

condições consideradas indispensáveis para uma acústica perfeita, salas de aulas e de

demonstração, além de laboratórios químicos e bacteriológicos. Destacava-se ainda que

a escola contava também com uma biblioteca, com área total de 5. 570 metros

quadrados. Todas as suas dependências teriam sido construídas em estrita obediência às

exigências da pedagogia moderna (Jornal Folha da Noite, Publicado em 30 de maio de

1949 – São Paulo).

104
Do escritório em Washington, D. C., para trabalhar no Brasil como consultor de arquitetura do SESP.
144

Em outra matéria jornalística, de aproximadamente meia página, Edith

Fraenkel acrescenta, que ao conduzir um casal de arquitetos pelo interior da escola, os

mesmos manifestaram impressão muito favorável àquele edifício, como se segue: “o

edifício causou-nos, desde logo, magnífica impressão. Projeto de linhas modernísticas,

visando o que há de mais racional e confortável para um estabelecimento de ensino do

seu gênero” (A Gazeta, publicado em 9 de abril de 1949 – São Paulo) .

Tais iniciativas eram necessárias para compensar as fragilidades da

escola relativas ao ensino e supervisão, ao mesmo tempo em que capitalizava os ganhos

simbólicos advindos do impacto da estrutura espacial da escola. Essa interpretação

encontra suporte teórico em Bourdieu (2003b, p. 161), quando afirma que: “o consumo

mais ou menos ostentatório do espaço é uma das formas por excelência de ostentação

do poder”. Este importante sociólogo (2003b, p. 163) acrescenta que, por ser o espaço

social inscrito, ao mesmo tempo, nas estruturas espaciais e nas estruturas mentais,

caracteriza-se como um dos lugares onde “o poder se afirma e se exerce”, sob a forma

mais sutil da violência simbólica, pois se dá de forma desapercebida.

Cabe ainda pontuar que as estruturas do espaço físico constituem

mediações através dos quais as estruturas sociais se convertem em estruturas mentais,

pois, por meio de suas injunções mudas, dirigem-se diretamente para o corpo,

conseguindo dele a reverência e o respeito próprios do distanciamento, enquanto

componentes mais importantes da simbólica do poder e dos efeitos reais do poder

simbólico (BOURDIEU, 2003b, p.163).

Assim, a Escola de Enfermagem de São Paulo, a Faculdade de Medicina

e o Hospital das Clínicas de São Paulo, esse último inaugurado um ano após o início do

curso de Enfermagem da referida escola, passam a constituir-se em monumentos-

documentos da memória da Enfermagem brasileira.


145

Em 1947, um ano após a Escola de Enfermagem de São Paulo ter

formado a sua primeira turma, a então diretora, Edith Fraenkel, que acumulava a função

de presidente da Divisão de Educação da ABED105, de redatora-chefe da Revista

Brasileira de Enfermagem, à época, denominada Annaes de Enfermagem, com o cargo

de presidente da Associação Brasileira de Enfermagem – Seção de São Paulo, desde a

sua criação em 1946, organizou e presidiu o I Congresso Brasileiro de Enfermagem,

realizado nessa cidade.

O evento dedicou a maior parte da programação aos problemas de ensino

na graduação em enfermagem e aos problemas de Saúde Pública.

A atuação de Edith na organização e presidência do I Congresso

Brasileiro de Enfermagem, realizado em São Paulo demonstra o seu poder e prestígio,

ao liderar um evento de grande importância na enfermagem brasileira, deslocando da

Capital Federal e da Escola Anna Nery, o pioneirismo e liderança nesse tipo de evento.

A Divisão de Educação da ABED contava com representantes dos

diferentes grupos do campo da educação em enfermagem; a saber, as enfermeiras da

Escola Anna Nery, da Escola de Enfermagem de São Paulo, e de enfermeiras religiosas

de Escolas de Enfermagem Católicas (CARVALHO, 1976, p.125 – 126).

No que diz respeito às religiosas, Bernardes (1952, p.111) menciona que

a participação efetiva das “religiosas enfermeiras” nas associações de classe era

definida, pelo grupo, como questão fundamental. A intenção era de contribuir para

intensificar a criação de tais representações em todo o território nacional e de que, em

breve, se pudesse contar, no âmbito internacional, com uma única Associação

articuladora das religiosas enfermeiras e as leigas.

105
A primeira diretoria definitiva da Divisão de Educação era composta além da presidente, pela vice-
presidente, Laís Netto dos Reys; 1ª secretária, Celina Viegas; 2ª secretária, Glete de Alcântara; tesoureira,
Josefa Jorge Moreira e o Conselho Consultivo: waleska Paixão, Irmã Matilde Nina e Olga S. Lacorte
(CARVALHO, 1976, p. 125).
146

No mesmo ano de 1947, foi criada a Escola de Enfermagem de

Pernambuco106, embora a inauguração da mesma somente tenha ocorrido em 1950. A

primeira diretora foi Cecília Maria Domenica Sanioto107. Um fato importante a ser

destacado é que, em 2 de agosto de 1949, Edith de Magalhães Fraenkel, diretora da

Escola de Enfermagem de São Paulo, juntamente com Ella Hasenjaeger, assessora da

mesma escola e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, visitaram o

estabelecimento, com o objetivo de fazer um diagnóstico da infra-estrutura disponível

para a instalação da Escola de Enfermagem do Estado de Pernambuco (COC.

Departamento de Arquivo e Documentação. SESP. Cx 15. Doc. 52).

É importante notar que, nesse período, caberia à diretora da EAN a

indicação dos nomes das enfermeiras que deveriam proceder às inspeções nas escolas

criadas desde 1931, em atendimento ao disposto no decreto 20. 109/ 31. Porém, por

deferência a uma solicitação do Superintendente do Serviço Especial de Saúde Pública

(SESP), esta função foi desenvolvida, em parte, pela diretora da Escola de Enfermagem

de São Paulo e por sua assessora.

Poucos dias após, através da Lei 775/49, parte das funções atribuídas à

Escola Anna Nery, foi transferida para o Ministério da Educação e Saúde, conforme

artigo 14 e parágrafo único do artigo 10108.

Se, por um lado, o SESP ampliava a projeção de outras figuras já

reconhecidas no campo da educação em enfermagem no país, por outro, Laís Netto dos

106
Decreto Estadual nº 1.702, de 25 de junho de 1947 e reconhecida através do Decreto nº 34.539 de 10
de novembro de 1953. Atual Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco. Em 30 de
janeiro de 1961 é transformada em estabelecimento de ensino federal através da lei nº 3.875, de 30 de
janeiro de 1961(Banco de Dados da Trajetória das Escolas de Enfermagem. Nuphebras. EEAN/UFRJ).
107
De 26 de fevereiro de 1950 a 01 de fevereiro de 1952 (Banco de Dados da Trajetória das Escolas de
Enfermagem. Nuphebras. EEAN/UFRJ).
108
O parágrafo único do artigo 10 define que a Diretoria do Ensino Superior do Ministério da Educação e
Saúde promoverá as verificações que serão, em seguida, submetidas ao Ministério da Educação e Saúde,
para a expedição de autorização para funcionamento e, o artigo 14, informa que a concessão de
reconhecimento do curso será mediante decreto do Presidente da República, sendo indispensável prévio
parecer favorável do Conselho Nacional de Educação.
147

Reys intensificava as estratégias orientadas para obter visibilidade em outras regiões

carentes do país, ao mesmo tempo em que reforçava seu prestígio junto ao clero. Nessa

direção, a diretora da EAN enviou ofício ao Ministro da Educação e Saúde, em que

apresentava expressiva autoridade religiosa, d. Alano Du Noday, Bispo de Porto

Nacional, no norte de Goiás, que desenvolvia trabalhos comunitários muito

reconhecidos em sua região. Na correspondência, Laís apelou à sensibilidade do

Ministro frente à “situação aflitiva do alto sertão, do importante estado de Goiás”,

argumentando que Porto Nacional, com mais de 250.000 habitantes, encontrava-se em

péssima condição sanitária, pois, “a sua paupérrima população era terrivelmente

flagelada pelo paludismo, pela sífilis, doenças venéreas, verminose, tracoma,

desnutrição e a mais cruciante ignorância” (CD. EEAN/ UFRJ. Mod. I. cx. 7A. doc.

02 e 37).

Para minimizar o problema, na região central do país, como parte das

comemorações da Semana da Enfermeira de 1947, Laís organizou as “Caravanas Anna

Nery”. Com equipe multidisciplinar envolvendo enfermeiras109, médico, dentista e

assistente social atuou às margens do Tocantins e Araguaia (Goiás-Pará), na prevenção

e combate às doenças nessas regiões, privilegiando as cidades de Porto Nacional e

Pedro Afonso. Esta última foi incluída na Caravana, em função de uma avaria no avião

que obrigou o mesmo a descer nessa cidade, até que fosse reparado.

Diante desse contratempo, o deputado Souza Filho, de Pedro Afonso,

aproveitou a oportunidade para solicitar a Laís Netto dos Reys, que o mesmo trabalho

desenvolvido em Porto Nacional também privilegiasse aquela comunidade. Com esse

intuito, Laís determinou que a enfermeira Elazir Marques Canário permanecesse em

109
Além de um grupo de alunas, fizeram parte dessa caravana as enfermeiras Waleska Paixão, Elazir
Marques canário, Maria Diva Campos e Izaura Barbosa Lima.
148

Pedro Afonso e realizasse o trabalho assistencial, com o apoio do Bispo d. Alano Du

Noday (Arquivo pessoal de Lieselotte H. Ornellas).

É interessante observar que Laís, ao mesmo tempo em que liderou um

grupo de profissionais, com o objetivo de atender às necessidades de comunidades

carentes de outras regiões do país, também criou oportunidade de integrar-se

efetivamente com outros grupos no interior do espaço universitário, pois participaram

do mesmo evento, médico, dentista e assistente social. Dessa forma, logrou obter o

reconhecimento de outros agentes, cujo prestígio social já era reconhecido. Além disso,

a diretora da EAN estaria participando indiretamente de uma ação política em Pedro

Afonso, ao negociar com um político local a presença de uma representante da EAN

naquela comunidade. Por último, Laís marcava, mais uma vez, sua condição de distinta

cristã, ao atender a um pedido do Bispo de Porto Nacional.

Porém, a ação da enfermeira era muitas vezes confundida com o trabalho

de orientação caritativa-religiosa. Tanto assim que a Diretora dirigiu ao seu grupo na

caravana, as seguintes palavras: “Um dia, todos que assim procederem vão escutar

estas palavras: eu estava doente e tu cuidaste de meu corpo! Vem bendito para o reino

de meu Pai que está preparado desde sempre para ti!”. É mais do que evidente que,

dessa forma, Laís procurava assegurar seu prestígio junto ao clero.

No mesmo ano de 1947, em função de uma grande inundação na

província de Trinidad, Bolívia, foi decretado estado de calamidade pública. O Brasil,

através do Ministério da Educação e Saúde enviou uma equipe de socorro e assistência

aos flagelados. Para esta missão, o Departamento de Organização Sanitária convocou

quatro médicos, sob a chefia do Dr. Theóphilo de Almeida e o Departamento de Saúde

Pública e a Escola Anna Nery designaram oito enfermeiras, dentre elas, a professora

Lieselotte Ornellas, todas sob a chefia da enfermeira Isaura Barbosa Lima (Arquivo
149

pessoal de Lieselotte H. Ornellas). Essa participação registra mais uma vez a presença

da escola em âmbito internacional.

A necessidade de ampliar o número de escolas de enfermagem no

Nordeste do país e o contexto político vigente contribuiu para a criação da Escola de

Enfermagem em São Francisco de Assis110, em São Luís do Maranhão111. em 05 de

janeiro de 1948.

Também em Minas Gerais, por iniciativa do Bispo de Uberaba, Dom

Alexandre Gonçalves do Amaral, foi criada a Escola de Enfermagem Frei Eugênio112,

em 30 de maio de 1948. Contribuíram para esse empreendimento a Reverenda Madre

Maria Ângela da Eucaristia, provincial das Dominicanas de N. S. do Rosário, no Brasil;

a madre superiora da Santa Casa de Misericórdia, Irmã Madre Maria Angélica e a

Reverenda Maria Alzira. A iniciativa para criação da escola partiu da necessidade de

melhorar a condição de saúde da população da região do Triângulo Mineiro. Com esse

intento, Dom Alexandre contou com a presença de duas religiosas diplomadas pela

Escola de Enfermagem São Vicente de Paulo, de Goiás: Irmã Maria Alzira e Irmã Maria

Adelaide, sendo a primeira designada para direção em atenção aos dispositivos legais

vigente a época (BRANDÃO, 1965, p. 151-152).

Em 1951, a primeira turma do curso de enfermagem da Escola Frei

Eugênio concluiu o curso, foram diplomadas quatro alunas, sendo três religiosas113.

Logo em seguida, ocorreram duas alterações: Madre Maria Angelina, aluna da primeira

turma, assumiu o superiorado da Santa Casa de Misericórdia e a direção da Escola de

110
Em 1961 foi agregada à Universidade Católica e, em 27 de janeiro de 1967 foi incorporada à Fundação
Universidade Federal do Maranhão, nos termos da lei nº 5.152 de 20 de outubro de 1966 e do Decreto nº
59.941, de 6 de janeiro de 1967, passando a denominação de Faculdade de Enfermagem.
111
Atual Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão. O curso foi reconhecido através
do Decreto Federal nº 30. 628 de 11 de março de 1952, publicado em 26 do mesmo mês.
112
Equiparada em 25 de julho de 1950, através do Decreto nº 28.414.
113
Irmã Maria Cecília de São José, Irmã Maria Angelina, Irmã Maria Flávia e Terezinha Pelis, ex-aluna
do colégio N. S. da Dores.
150

Enfermagem Frei Eugênio114. O número crescente de alunas provocou a necessidade de

contar com sede própria, cuja construção, anexa ao Hospital São Domingos, foi iniciada

em junho de 1954 e inaugurada em março de 1956. Até aquele momento, a Escola Frei

Eugênio funcionou na sede da Santa Casa, onde eram ministradas as aulas teóricas e

desenvolvidos os estágios (BRANDÃO, 1965, p. 152-153).

As congregações religiosas católicas não encontravam obstáculos nos

órgãos estatais para continuar investindo na criação de escolas de enfermagem por todo

país. Durante a Era Vargas (1930 – 1945), a aliança entre o Estado e a Igreja era

bastante conhecida, ao passo que, no Governo de Eurico Dutra (1946 – 1951)115, esta

relação era, no mínimo, cercada de muitas considerações e simpatia; ele teve o cuidado

de dar publicidade a sua convicção religiosa, já na campanha eleitoral.

O processo eleitoral que se iniciou desfavorável ao general Eurico

Gaspar Dutra116, foi concluído com expressiva vitória117, após apoio do ex-presidente

Getúlio Vargas, que representava o Estado na aliança com a Igreja, ao mesmo tempo em

que demonstrava sua efetiva influência sobre a maioria da população brasileira (VALE,

1978, p. 19-25).

Leite e Novelli Júnior (1983, p. 689), ao transcreverem trechos do

discurso de Dutra, ainda em campanha eleitoral, demonstraram a afinidade e

consideração deste com a Igreja católica. Em uma das declarações públicas, Dutra

defendeu o princípio democrático e referindo-se ao adversário de campanha, Major –

brigadeiro Eduardo Gomes, afirmou:

114
Irmã Maria Alzira, primeira diretora da escola de enfermagem é nomeada para a direção do Hospital
São Marcos, em Belo Horizonte.
115
Janeiro de 1946 a Janeiro de 1951.
116
Ministro da Guerra no Governo Vargas, é candidato pela legenda do PSD.
117
Dutra (PTB e PSD) venceu as eleições contra Eduardo Gomes (UDN) e Yedo Fiúza (PCB).
151

Essa convicção [a importância do restabelecimento da vida


democrática] não é, só do meu sentimento de brasileiro, como da
minha fé cristã118, compenetrado de que, acima das paixões
transitórias, o que reinará entre nós [Dutra e Eduardo Gomes] será a
irresistível vocação de fraternidade.

Ao concluir, Dutra expressou a sua profissão de fé cristã e atribuiu-lhe a

competência para manter unidos todos os brasileiros nos seguintes termos: “...Nascemos

[os brasileiros] à sombra da Cruz, e o signo religioso da descoberta faz parte do

destino do país e de cada um de seus filhos” (LEITE e NOVELLI JÚNIOR, 1983, p.

690).

O II Congresso Nacional de Enfermagem, realizado no Rio de Janeiro,

no período de 18 a 24 de julho de 1948, apresentou, como segundo ponto das

resoluções, que o reconhecimento das Escolas de Enfermagem fosse atribuição do

Conselho Nacional de Educação, a exemplo do que ocorria com as demais escolas de

ensino em nível superior (Anais de enfermagem Vol. I – nº 4 outubro de 1948; UFRJ,

EEAN, CD).

De certo modo, esse congresso evidenciou conjuntura desfavorável à

EAN, sinalizando para o fim da condição de Escola Oficial Padrão, nos moldes do

Decreto nº 20. 109/ 31. Na oportunidade, incluiu-se, nas resoluções finais, que caberia

ao M.E.S. o auxílio técnico e financeiro das Escolas de Enfermagem já existentes, com

o objetivo de que aquelas que ainda não possuíam as plenas condições necessárias

pudessem ter o seu nível elevado. Além disso, reivindicou-se a rápida ampliação,

considerando a capacidade máxima de cada escola, no que se refere à “formação de

profissionais habilitadas” enquanto que, na resolução nº 2, ficou definido que caberia

ao Conselho Nacional de Educação, a exemplo do que acontecia com as demais

118
O grifo é meu.
152

instituições de nível superior, o reconhecimento das escolas de enfermagem no país.

Além disso, conforme a resolução nº 10, a Associação Brasileira de Enfermeiras

Diplomadas (ABED) deveria criar e manter um Conselho Superior de Enfermagem, que

funcionaria como órgão consultivo dos poderes públicos para tratar de todas as questões

relacionadas à enfermagem (CD. EEAN/UFRJ. Anais de enfermagem. Out. de 1948).

Algumas resoluções, portanto, demonstram o interesse do grupo em

descentralizar o poder da EAN, bem como o de equiparação à instituição, até então

considerada como modelo oficial padrão. Ainda mais, a ampliação de outras unidades

de ensino de enfermagem remete à possibilidade de reconfiguração no campo do ensino

de enfermagem, com o surgimento de outros importantes centros de formação de

profissionais habilitadas, dentre eles, destaca-se a Escola de Enfermagem da USP, que

se caracteriza como um grande “centro gerador de líderes que pudessem multiplicar o

número de escolas de enfermagem em todo o país”, como Laís definira o papel da

EAN” (BARREIRA e BAPTISTA, 2002, p.211).

No que diz respeito aos cursos de auxiliares de enfermagem, a discussão

prolongou-se por toda a década de 40 e, no 2º Congresso Nacional de Enfermagem, em

palestra proferida na instalação deste evento, Dr. Marcolino G. Candau119 revelou-se

contundentemente desfavorável ao empreendimento por parte das escolas de

enfermagem na formação da categoria de auxiliares de enfermagem. Ele afirmou:

Não creio que seja sábio aproveitar as instalações das poucas Escolas
de Enfermagem para realizar cursos de auxiliares. Melhor seria, e mais
de acordo estaria com a evolução da medicina entre nós, se as Escolas
de Enfermagem aproveitassem as suas instrutoras e suas
disponibilidades materiais para a realização de cursos de especialização

119
Presidente da Sociedade Brasileira de Higiene e Superintendente do Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP) à época.
153

para as enfermeiras diplomadas... (CD. EEAN/UFRJ. Anais de


Enfermagem. out. 1948).

Em sua palestra, o superintendente do SESP informou que se encontrava

em estudo no Congresso, debatida em várias Comissões da Câmara Federal, uma nova

lei sobre o ensino da enfermagem no país. Segundo seu ponto de vista, o projeto

mantinha confusão, ao tentar legislar sobre curso de enfermagem e curso de auxiliares

de enfermagem simultaneamente (CD. EEAN/UFRJ. Anais de Enfermagem. out. 1948).

Para o dr. Marcolino Candau, melhor seria que outra legislação tratasse da

regulamentação dos auxiliares de enfermagem, agentes indispensáveis ao

desenvolvimento das instituições médico-hospitalares. Ele acrescentou:

seria muito útil se, de uma vez por todas, fosse definido o que é uma
enfermeira e cessasse o hábito de considerar as auxiliares de
enfermagem..., como intimamente relacionadas às enfermeira...[ao
contrário], constituírem profissão à parte, bem definida e capaz de
representar importante papel na estrutura médico- sanitária, respeitadas
as limitações, isto é, exercendo funções correspondentes ao preparo
técnico rudimentar que lhes é atribuído (CD. EEAN/UFRJ. Anais de
Enfermagem. out. 1948).

No que diz respeito à demanda de candidatas ao curso de sua escola,

Edith de Magalhães Fraenkel, diretora da Escola de Enfermagem de São Paulo, desde a

inauguração do estabelecimento ampliava a captação de alunas, através das bolsas de

estudo patrocinadas pelo SESP, às candidatas de outros estados da federação, (COC.

SESP. CX 19. Doc. 8(4)). Além disso, a realização do I Congresso Nacional de

Enfermagem em São Paulo e a reativação da Revista Brasileira de Enfermagem

(REBEn) que, desde 1941, havia interrompido suas publicações, representam estratégias
154

bem sucedidas de obtenção de prestígio pessoal, através da criação de espaços para

socialização do saber da enfermagem.

A inspeção de uma Escola de Enfermagem, em Sorocaba, tendo em vista

seu funcionamento, foi realizada pelas enfermeiras Haydée G. Dourado, Edith de

Magalhães Fraenkel e Anna Jaguaribe Nava, designadas por Laís Netto dos Reys. A

enfermeira Anna Nava expressou os seguintes comentários sobre sua participação:

Eu fui naquela comissão. Foi a única escola que eu inspecionei. Mas


a inspeção foi tão engraçada. Aí então convivi com a d. Edith, mas só
assim: ela num hotel e nós no outro – eu e a Haydée. E depois ela
mandou um livro com a ata que ela redigiu para nós assinarmos, a
inspeção foi isso. Era escola de uma indústria, da Votorantim,
poderozíssima.

Após consulta a documentos oficiais do SESP120 e do INEP121, a escola

mencionada parece tratar-se da Escola de Enfermeiras Coração de Maria, anexa à

faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mantida pela

Fundação Sorocaba, de direito privado. Segundo dados do INEP, a autorização para

funcionamento do referido curso foi concedida através da Portaria 497 de 16 de março

de 1951.

Essa informação demonstra a visão política de Edith Fraenkel que, na

falta do prestígio político de Laís Netto dos Reys junto aos principais redutos políticos

da Capital Federal, valorizava as possibilidades de influência junto àqueles que

detinham parte do poder econômico no Estado mais rico da federação.

120
relação da administração de Escolas de Enfermagem, no Brasil, até dezembro de 1950 (COC. SESP.
Cx 19. Doc. 8 (4)).
121
Pesquisa realizada em 10 de novembro de 2003.
155

A disputa por melhores posições no campo da educação em enfermagem

envolvia dois grandes grupos: por um lado, o grupo liderado pela Escola de

Enfermagem de São Paulo, que mantinha estreita relação com o IAIA e com a Fundação

Rockefeller e, por outro, as Irmãs da Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo, que

manifestavam postura anti-americana, em função das diferenças de caráter religioso. A

esse último grupo somava-se a grande líder católica da enfermagem brasileira, Laís

Netto dos Reys.

Ao mesmo tempo em que o grupo de religiosas enfermeiras se

organizava, no sentido de obter mais poder e ampliar a visibilidade do grupo, com

estratégias como a criação da UREB e da UCEB, Laís se encarregava da manutenção,

na EAN, de rituais religiosos, como é o caso da “Festa da Medalha Milagrosa”, ato

religioso caracterizado pela benção a um artefato religioso. O evento foi

meticulosamente organizado por uma aluna da escola, Maria das Neves, a quem coube a

missão de “guardiã da capela”.

Ao analisar esse acontecimento, recorro ao pensamento de Bourdieu

(1992, p. 48), que considera fundamental a existência de interesse de um grupo ou uma

classe, em tipo determinado de prática religiosa, ou bens de salvação, com destaque para

a produção, reprodução, difusão e conservação dos mesmos, incluindo-se aí, a própria

mensagem religiosa.

Nas cerimônias de cunho religioso da escola, Laís Netto dos Reys

assumia posição de destaque. Tomando como exemplo a Festa da Medalha Milagrosa,

coube a Laís a entrega da medalha abençoada (CD. EEAN/UFRJ. Acervo Iconográfico).

Como ressaltei, esses eventos contribuíam para garantir a perpetuação do

capital político da Igreja, na conservação do mercado simbólico, pois, para que esse

fenômeno se sustente, é necessário que se preserve os “consumidores dotados de um


156

mínimo de competência religiosa” e, desta forma, sejam capazes de perceber a

necessidade específica dos bens de salvação e dos serviços religiosos. Ainda mais, este

grupo atuaria, no futuro, como multiplicadoras deste mercado simbólico (BOURDIEU,

1992, p.52-59).

No mesmo ano, na formatura da turma de 1947, observou-se, através da

produção do registro fotográfico envolvendo um grupo de alunas, que outras professoras

da EAN, mesmo não sendo consideradas como especialistas da religião, agiam de forma

a produzir, reproduzir e difundir os bens de salvação, próprios à Igreja católica e a seus

representantes institucionalizados.

Foto nº 9: Pose grupal registrada após cerimônia de formatura, no internato da EAN,

em 1947. Localização: CD. EEAN/UFRJ. Arquivo Iconográfico.


157

A foto registra a presença de cinco figuras, das quais, três alunas. Da

esquerda para a direita, há duas alunas (figuras 1 e 2), seguidas de Laís Netto dos Reys

(figura 3), outra aluna (figura 4) e, por último, a professora Elvira de Felice Souza

(figura 5). Ao centro, está Laís, diretora da EAN. Ao fundo, e logo atrás de Laís,

percebe-se a estátua de Anna Nery, ladeada pelas bandeiras nacional e da escola.

O grupo de alunas foi identificado apenas como Ana, Luíza e Lizete.

Duas estudantes (figura 1 e 4) portavam uma vela acesa, em formato de cruz. Como

ressaltou Bourdieu (1992, p. 36), esse artefato representaria o interesse religioso do

leigo em favor de um objeto religioso próximo, com a capacidade de ser influenciado

magicamente.

Além disso, no verso desta foto, observa-se a seguinte mensagem: “A d.

Elvira, no dia em que nos consagramos ao sacerdócio da enfermagem, oferecemos-lhe

esta recordação acompanhada de nosso afeto”.

A associação das velas ao teor da mensagem permite inferir que, de um

modo geral, as professoras da EAN investiam na produção, reprodução, difusão e

consumo dos bens de salvação, apesar de não serem consideradas como especialistas da

religião institucionalizada.

Nessa perspectiva de análise, o interesse que um grupo encontra em

determinado tipo de crença religiosa e, principalmente na produção, reprodução, difusão

e consumo de um tipo determinado de bens de salvação, está relacionada ao reforço que

o “poder de legitimação do arbitrário contido na religião poderia trazer à força

material e simbólica possível de ser mobilizada por este grupo, ao legitimar as

propriedades materiais e simbólicas associadas a determinada posição na estrutura

social” (BOURDIEU, 1992, p.48).


158

Também o instrumento oficial para divulgação da União Católica de

Enfermeiras do Brasil (UCEB), em que Laís era presidente de honra, veiculou uma

mensagem que expressa significativa associação da enfermagem com a religião,

particularmente, quando manifesta que se tratava de “uma obra de misericórdia

ensinada e praticada pelos seus discípulos e apóstolos por todos os tempos. Onde há

Cristianismo há caridade, onde há caridade há enfermagem”. Esses fundamentos

permitem compreender porque a aluna entendia que a sua formatura representava

consagração ao sacerdócio de uma profissão, provavelmente, caritativa.

Não obstante, apesar das alianças, a condição de Escola Oficial Padrão,

conforme definido no Decreto 20. 109/ 31, continuava ameaçada. A participação da

ABED, cuja presidente, à época, era Zaíra Cintra Vidal, também foi importante, como

entidade representativa da categoria, para minimizar o papel de Escola Padrão Oficial, a

quem cabia a função de inspeção e equiparação das demais escolas, criadas desde então.

Esta importante figura da enfermagem brasileira, aluna da segunda turma a se formar na

Escola Anna Nery, assumiu o cargo de presidente da Associação Brasileira de

Enfermeiras Diplomadas, de 1943 a 1945 e de 1945 até 1948. Com a autoridade que a

função lhe atribuía, Zaíra Vidal submeteu ao Ministro da Educação e Saúde, em 1946,

um anteprojeto de criação de um Conselho Nacional de Enfermagem (UFRJ. EEAN.

CD. Mod. I. CX. 7ª 1946/1947. Doc. 25).

Ao analisar o conteúdo deste anteprojeto, torna-se claro que a

representação da Escola Anna Nery ficou diminuída, pois, o respectivo conselho seria

composto por nove membros122, apenas um representando a Escola Oficial Padrão

“Anna Nery”.

122
2 enfermeiras representando as Escolas Oficializadas de alto padrão; 1 representante da Escola Anna
Nery; 2 representantes da ABED; 3 enfermeiras representando, respectivamente, a Divisão de
Organização Sanitária, a Divisão de Organização Hospitalar e, o Serviço Nacional de Fiscalização de
Medicina (UFRJ. EEAN. CD. Mod. I. CX. 7ª 1946/1947. Doc. 25).
159

O penúltimo artigo do documento em tela definia como funções do

Conselho Nacional de Enfermagem:

colaborar com o Departamento Nacional de Educação, na instrução


de processos de licença, funcionamento, inspeção periódica,
equiparação de escolas de enfermagem públicas ou privadas, bem
como na fiscalização de qualquer instituição que misnistre cursos de
auxiliar de enfermagem, para isso indicando as enfermeiras
diplomadas, que nos aludidos processos deverão emitir parecer
técnico, nos quais se louvará o Departamento Nacional de Educação
(UFRJ. EEAN. CD. Mod. I. CX. 7ª 1946/1947. Doc. 25).

Este documento demonstra o interesse de se restringir a função da Escola

Anna Nery e ampliar a representação de outras personalidades e, portanto, dar

continuidade ao processo que se iniciou com o investimento do SESP, apoiado pela

Fundação Rockfeller, na criação da Escola de Enfermagem de São Paulo e, que mais

tarde, influenciaria na criação de outras escolas de enfermagem.

Apesar do interesse comum, por parte de algumas representantes da

categoria, esse Conselho Nacional de Enfermagem não se efetivou imediatamente, pois,

no Congresso Nacional de Enfermagem, realizado no Rio de Janeiro, em 1948, ainda

foram apresentadas reivindicações semelhantes às relatadas no anteprojeto citado,

mesmo considerando um parecer de Laís Netto dos Reys, encaminhado ao Reitor da

Universidade do Brasil, colocando-se favorável à criação do Conselho Nacional de

Enfermagem (UFRJ. EEAN. CD. Mod. I. CX 7 A. 1946/1947. Doc. 25).

Diante da ameaça crescente ao estatuto de Escola Oficial Padrão, Laís

Netto dos Reys manteve a aproximação com os novos atores do cenário político, como

o Presidente da República, à época, Eurico Gaspar Dutra. Essa circunstância teve como
160

fato emblemático a presença do então Presidente, na formatura de um grupo de alunas

da classe de 1948, realizada nas dependências do Internato da Escola. Além deste,

também participaram da solenidade o reitor Azevedo do Amaral e da Igreja Católica,

cardeal Jaime de Barros Câmara.

Foto nº 10: Formatura da classe de 1948, realizada no Internato da EAN. Localização:

CD. EEAN/UFRJ. Arquivo Iconográfico.

Na composição da mesa, havia sete personalidades: a primeira figura, da

esquerda para a direita, é o Dr. Fajardo, secretário do Reitor, o Reitor da UB, Azevedo

do Amaral, seguido de uma terceira figura masculina não identificada, a quarta

autoridade era o presidente Dutra, ao lado (quinta figura) do cardeal D. Jaime Câmara; a

penúltima personalidade era Laís Netto dos Reis e, finalmente, outra figura masculina
161

também não identificada. Ao centro da mesa, encontrava-se o Presidente da República,

Eurico Gaspar Dutra. Todos os presentes estão formalmente trajados com terno e Laís

vestia o uniforme de enfermeira.

A bandeira nacional foi colocada atrás da mesa das autoridades e era tão

grandiosa que sua extensão poderia ultrapassar toda a dimensão da mesa. Esse detalhe

confere ênfase ao espírito patriótico de Laís e da maior autoridade nacional que era, ao

mesmo tempo, um oficial do exército brasileiro.

Como se pode depreender do exposto, neste evento, Laís conseguiu

reunir um grupo expressivo de autoridades: da política, da educação e religião, com

destaque para a figura do Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra e para o cardeal

do Rio de Janeiro, d. Jaime de Barros Câmara. Na ocasião, comemorou-se também o

jubileu de prata de formatura da “Turma Pioneira”.

No ano seguinte, em 1949, uma entrevista, de quase uma página,

divulgada pela imprensa paulistana, sobre a importância da enfermagem e da Escola de

Enfermagem de São Paulo, dirigida por Edith Fraenkel, parecia representar um esforço

de destacar a razão de ser da escola, em face da necessidade de atender aos desvalidos,

como evidencia o fragmento da matéria: “no sentido de aproveitar e desenvolver as

tendências humanitárias e sociais de nossas patrícias, foi organizada a Escola de

Enfermagem de São Paulo” ( Jornal Folha da Noite, Publicado em 30 de maio de 1949

– São Paulo).

A matéria jornalística também faz alusão ao preparo teórico-prático das

alunas, destacando a apropriação dos espaços do Hospital das Clínicas de São Paulo:

“recebem[iam] aulas práticas no Hospital das Clínicas, onde também estagiam[avam]”

e faz referência ao local de prática, informando que possuía “capacidade para mais de

1000 leitos”, o que oferecia “grandes vantagens para o preparo de enfermeiras nos
162

diversos ramos de enfermagem”. Em continuidade, o autor do texto acrescenta que as

alunas acompanhavam “os estudos científicos e as pesquisas realizadas na Faculdade

de Medicina, cujos laboratórios de ciências e de nutrição utilizavam” ( Jornal Folha da

Noite, Publicado em 30 de maio de 1949 – São Paulo).

A valorização da apropriação dos espaços utilizados pela Medicina, ao

mesmo tempo em que enuncia a distinção inerente ao preparo das enfermeiras, pois

indicava que aquele grupo era distinto dos demais, traz subjacente o reconhecimento da

superioridade do grupo da Medicina, pela valorização da importância de contracenar no

mesmo espaço, concedido por esses agentes.

Se, com a criação da Escola Anna Nery foi fundamental a utilização de

estratégias de manutenção de rituais, regularidade e o rigor no controle do tempo; a

disciplinaridade do corpo e dos sentidos no desenvolvimento da arte de enfermagem; e a

homogeneidade dos uniformes, que impecavelmente caracterizava o grupo, no sentido

de se assegurar um padrão que se tornou conhecido e reconhecido nacionalmente, nas

décadas seguintes, a necessidade de ampliar o número de Escolas de Enfermagem a fim

de formar profissionais em quantidade suficiente para atender a demanda nacional,

revelou grande arena onde o interesse de agentes de enfermagem travavam lutas

simbólicas, objetivando a manutenção ou ampliação de suas posições no campo da

enfermagem (SILVA JUNIOR, 2000, p. 85).

Vale destacar que a Escola Anna Nery, desde sua criação até 1949,

quando se encerrou oficialmente a condição de Escola Oficial Padrão, através da Lei

775/49, não chegou a formar setecentas enfermeiras. De acordo com um documento

oficial do SESP, a Escola de Enfermagem mais antiga do país, segundo o modelo anglo-

americano, em 25 anos, desde a formatura de sua primeira turma, contribuiu para a


163

formação de 694 enfermeiras (Departamento de Arquivo e Documentação – COC. Cx

19, Doc. 8/4).

No que concerne à Escola de Enfermagem de São Paulo, Edith de

Magalhães Fraenkel, diretora de estabelecimento anexo à Faculdade de Medicina,

procurou acatar os limites da prática da enfermeira de modo a obter alianças com esse

grupo e conquistar espaços: “... além disso, a especialista em enfermagem é

colaboradora indispensável do médico...”. No mesmo pronunciamento, Edith apelou

para a vocação cristã no desenvolvimento da assistência de enfermagem, junto ao

médico: “...com o qual compartilha dos cuidados aos doentes e da humanitária alegria

cristã de fazer o bem ao próximo, restituindo à família e à sociedade vidas preciosas”

(Jornal A Gazeta, 9 de abril de 1949).

Parece evidente que o objetivo de Edith Fraenkel era estabelecer alianças

com os médicos, para melhor inserção da Escola de Enfermagem de São Paulo, cujo

principal campo de prática era o Hospital das Clínicas de São Paulo; em contrapartida,

não ameaçaria a hegemonia dos médicos, como observado em seu depoimento.

Se por um lado, Laís Netto dos Reys teve o cuidado de manter estratégias

para assegurar sua posição de distinção no campo da educação em enfermagem, por

outro, também enfrentava resistências no plano interno da Escola Anna Nery, cujo

embate iniciado em 1946, evidenciou o repúdio por parte do corpo social da Escola de

Enfermagem Anna Nery, em torno de um movimento interpretado como uma “célula

vermelha” que se procurou implantar no interior desta escola.

Em relatório encaminhado por Olga Salinas Lacorte, docente desta

instituição, ao Conselho Universitário, a mesma concluiu que: “esta minoria de

indisciplinadas, perfeitamente organizadas, procura derrubar e substituir todos os


164

valores até então aceitos por nossa profissão”. (UFRJ. EEAN. CD. Cx Comunismo.

Doc. 01, 09, 19, 29; PUREZA; SANTOS e BARREIRA, 2002, p.9).

Em meio à luta simbólica, uma matéria veiculada num jornal do Rio de

Janeiro valorizava um fato importante na condução das atividades da escola, tentando

vulnerabilizar a atuação da diretora da EAN, acusando-a de implementar o Curso de

Auxilires de Enfermagem na escola, apesar de o mesmo não ser regulamentado123. A

matéria era precedida do seguinte título: “a diretora da Escola Anna Nery, que

mantinha curso clandestino, acusou de comunista uma aluna” (UFRJ. EEAN. CD.

Comunismo. Doc. 20).

Em seu depoimento à Comissão de Inquérito do Conselho Universitário,

Laís ratificou seu modo de pensar acerca da influência comunista, afirmando:

Salientei o grande e profundo mal causado por essa influência nefasta


dos comunistas, isto é, dos elementos pertencentes ao partido ou não,
mas imbuídos da doutrina e dos métodos comunistas, realizaram esse
trabalho de difundir no comportamento dos recorrentes que desprezando
todos os elementos de sua escola e toda a hierarquia universitária, não
procuram uma só, buscando entretanto, os elementos comunistas para
seus mentores (UFRJ. EEAN. CD. Comunismo. Doc. 20).

Ao final desse desgastante processo, Laís não conseguiu excluir qualquer

das alunas acusadas; apenas lhes foram imputadas penalidades exemplares, sob a forma

123
A regulamentação desta categoria se deu através da Lei 775/49, durante o governo de Eurico Gaspar
Dutra, que foi eleito depois de um período de aproximadamente quinze anos de Governo Vargas (1930 –
1945).
165

de suspensão por períodos consideravelmente extensos124 (UFRJ. EEAN. CD.

Comunismo. Doc. 01).

Nessa empreitada de combate ao grupo de alunas acusadas de

responsáveis pela difusão da doutrina comunista no interior da escola, Laís Netto dos

Reys contava com o apoio de duas outras instituiçõs importantes: o Estado e a Igreja

católica, que identificavam as idéias comunistas como ameaça, desde o término da

Primeira Guerra Mundial.

O contexto político-social era bastante favorável às demandas de Laís,

pois o governo Dutra também empreendeu sua investida contra o Partido Comunista. A

iniciativa foi influenciada pela modificação das relações internacionais envolvendo as

grandes potências e o incremento das concepções conservadoras, em paralelo ao

crescimento do partido comunista. No Brasil, o PCB era representado no Congresso

Nacional, no Senado Federal, na Câmara dos Vereadores do Distrito Federal e, em São

Paulo, foi muito bem sucedido nas eleições estaduais de 1947. Estimava-se que no ano

anterior, o PCB agregava entre 180 a 200 mil militantes.

Por outro lado, a esperança de paz mundial era cada vez mais remota,

culminando no que se convencionou chamar de “guerra fria", dividindo o mundo em

dois grandes grupos. Diante disso, as denúncias de dois deputados do PTB foram

suficientes para que o Supremo Tribunal Federal decidisse cassar o registro do Partido

Comunista (FAUSTO, 2001, p. 402).

A Igreja, que desde o Governo Vargas atribuía ênfase às teses de defesa

da ordem, nacionalismo, patriotismo e anticomunismo, em função dos privilégios que

124
As suspensões foram assim definidas: Zenóbia Gomes dos Santos (suspensa por 12 meses); Ilma B.
Porciúncula de Moraes ( suspensa por 6 meses); Isaura de Castro Farias (suspensa por 6 meses); Lisette
C. Dall’orto ( suspensa por 6 meses) e Ilda Carvalho de Oliveira ( suspensa por 4 meses). Essas
penalidades deveriam ser cumpridas nas residências das próprias alunas (UFRJ. EEAN. CD. Comunismo.
Doc. 01).
166

desfrutava e também em função da própria afinidade político-ideológica, não

encontrava na conjuntura atual, qualquer motivo que justificasse mudanças em seu

posicionamento político (MAINWARING, 1989, p.47). Assim, continuava a opor-se

aos princípios socialistas.

Durante os anos de seu governo, o presidente Dutra enfrentou grandes

problemas, como o crescimento inflacionário, a pressão dos oposicionistas e um

expressivo déficit na balança de pagamento. Além disso, percebia os reflexos da

conjuntura internacional, agravada em conseqüência da segunda guerra mundial. Nesse

panorama complexo, decidiu assinar um acordo com os Estados Unidos, cujo trabalho

permitiu identificar alguns pontos críticos, considerados como limitantes para o

desenvolvimento do país. Dentre estes, encontravam-se a precariedade de saneamento,

e dos sistemas de transporte e de energia (SKIDIMORE, 1996, p.246).

Este trabalho pode ter influenciado o presidente Dutra, no sentido de

formular um plano de governo, orientado para superar as dificuldades e promover o

desenvolvimento do país. A iniciativa, designada como Plano SALTE125, conjugava as

principais metas governamentais e tinha como prioridades a saúde, a alimentação, o

transporte e a energia (SKIDMORE, 1996, p.246). Desde 1948, o Plano tramitou no

Congresso, sendo sancionado apenas em maio de 1950 (Acervo da Biblioteca Nacional.

Relatório e contas da Administração Geral do Plano SALTE. 1949 – 1951).

Para Santos et al. (2002, p.563), na área da saúde, a estratégia era

continuar os trabalhos iniciados com a criação do IAIA, assegurando a autonomia do

125
O Plano SALTE, seria financiado pelo produto da receita ordinária da União; por um empréstimo de
divisas ao Banco do Brasil S. A .; por uma operação de crédito interno, sob a forma de emissão de
obrigação do Tesouro, e, finalmente, por parte da receita do Fundo Rodoviário Nacional e da
Contribuição de Melhoria. Esse plano começou a ser executado antes de sua aprovação pelo Poder
Legislativo. A Lei nº 537, de 14 de dezembro de 1948, aprovou o orçamento geral da República para o
exercício financeiro de 1949, definindo o valor necessário para obras e serviços. A Lei nº 749, de 27 de
Junho de 1949, discriminou as aplicações desse crédito global, e, em 18 de maio de 1950, foi então
sancionada a Lei nº 1102, que aprovou o Plano SALTE e dispôs sobre sua execução.
167

SESP. O fato é que, à medida que se tornava conhecida a realidade de saúde pública

fora da Capital da República, percebia-se também que era crítica a insuficiência de

pessoal de enfermagem.

Essa conjuntura mobilizou a enfermagem brasileira, no sentido da busca

de solução condizente com a realidade de saúde pública do país e, ao mesmo tempo,

preservasse o espaço profissional das enfermeiras diplomadas. A realidade envolvia

outros agentes externos à enfermagem, como a categoria médica e, portanto,

caracterizava-se como espaço de interesses específicos onde predominavam as lutas

simbólicas.

De acordo com Santos et al (2002, p.566-568), as resistências para a

manutenção da enfermeira de alto padrão, que reproduzia a cultura dominante e

constituía o habitus profissional da enfermagem brasileira, como única alternativa para

dar conta do problema de saúde no país, partiam dos médicos, que preferiam lidar com

pessoal de enfermagem dotado de menor capital social; das forças políticas que queriam

um pessoal de enfermagem preparado num tempo menor para, assim, atender a

demanda do país. Essa interpretação é ratificada por Laís Netto dos Reys, ao afirmar

textualmente que: “se as enfermeiras não solucionarem o problema, ele será objeto de

cogitação dos médicos que dele sentem a necessidade e vem recorrer à participação

dos técnicos”. Ela acrescentou que “as dificuldades levaram os diretores de hospitais

a recorrerem ao governo, pedindo providências...” (UFRJ. EEAN. CD. Ata da Reunião

de Diretoras, 1944).

Toda essa conjuntura gerava pressão para transferir a responsabilidade de

reconhecimento das escolas de enfermagem para o Ministério da Educação e Saúde

(SANTOS et al. 2002, p.566-568), o que, por conseqüência, subtrairia à Escola Anna

Nery, esse ganho simbólico.


168

Em 1949, foi realizado no Rio de Janeiro, o III Congresso Brasileiro de

Enfermagem. Na programação do evento, chama atenção o fato de não constar, em

qualquer das funções, o nome de Laís Netto dos Reys. Essa lacuna pode ser indicador

da doença, que segundo o depoimento da Sra. Lieselotte, se tratava de leucemia que, no

ano seguinte, em 03 de julho de 1950, tirou-lhe a vida.

Ainda em 1949, a Lei nº 775/49 pôs fim à exigência de equiparação das

escolas ao “ modelo Ana Neri”. Essa medida legal representou considerável perda

simbólica para a EAN e motivo de preocupação para as Escolas de Enfermagem de

orientação católica, as quais passaram à avaliação da Diretoria de Ensino Superior do

Ministério da Educação e Saúde, cujo ato de autorização ficou subordinado ao Ministro,

sendo a concessão de reconhecimento, uma prerrogativa do Presidente da República.

Diante dessa conjuntura, foi criada em 1949, a Escola de Enfermagem

Madre Maria Teodora, reconhecida pelo Decreto nº 28.373, de 12 de julho de 1950, e

agregada à Universidade Católica de Campinas. Através do Decreto nº 52.538,

promulgado em 30 de setembro de 1963 e publicado no D. O . de 8 de novembro do

mesmo ano, passou a denominar-se Faculdade de Enfermagem Madre Teodora;

portanto, mais uma instituição de ensino de enfermagem calcada nos moldes da

ideologia católica (REBEn, 1965, p. 101).

Para melhor compreensão da atuação dos grupos concorrentes na disputa

pela ocupação deste campo, é importante observar como se apresentava a configuração

no campo da educação em enfermagem, fora do âmbito do Rio de Janeiro. Segundo

esse critério, temos que, durante o período estudado, envolvendo a Era Vargas e o pós –

guerra imediato126, das trinta e nove Escolas de Enfermagem existentes, vinte eram

católicas, correspondendo a 51,28 %; nove escolas estaduais, equivalendo a 23,08 %,

126
Nesse estudo foi considerado como pós-guerra imediato até 1949.
169

quatro de âmbito federal, 10,25 %, três evangélicas, 7,69 %, duas filantrópicas (5,13%)

e uma municipal, representando 2,56%.

Esses dados indicam que, nesse período, houve considerável incremento

na criação das escolas de enfermagem católicas, o que atendia às necessidades da Igreja,

aliada do Estado e, de certo modo, demonstrava o crescimento das alianças que

mobilizaram as lutas de Laís, naquele período.

Retomando a questão da criação dos Cursos de Auxiliares de

Enfermagem, recorro a Santos et al.(2002, p. 565), quando ressaltam que Ella

Haisejeader, enfermeira assessora do IAIA/SESP, no trabalho de saneamento do

nordeste brasileiro, colocada à disposição da Escola de Enfermagem de São Paulo127, no

sentido de estabelecer novo ponto de aliança entre a missão de enfermeiras americanas e

as brasileiras, atuou de forma significativa na tomada de decisão que visava à inclusão

do curso de auxiliar de enfermagem no anteprojeto, mais tarde sancionado como Lei

775/49. Mais tarde, essa enfermeira americana foi também designada pela Associação

Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED) para presidir a Comissão que concluiria

os estudos acerca da regulamentação dos cursos de auxiliares de enfermagem. Assim,

Hasenjaeger personificava, mais uma vez, o discurso autorizado das enfermeiras

americanas no Brasil.

Mais ainda, na qualidade de assessora da Escola de Enfermagem de São

Paulo, atuava unida a Edith Fraenkel no combate àquela que representava a maior

autoridade institucional para a enfermagem brasileira, como pode ser observado no

relato da depoente Anna Jaguaribe da Silva Nava: “d. Laís foi muito combatida pela d.

Edith e pela Hasenjaeger”.

127
Enfermeira do IAIA, a partir de junho de 1944 passa a atuar como assessora da Escola de Enfermagem
de São Paulo e do Serviço de Enfermagem do Hospital da Clínicas (Departamento de Arquivo e
Documentação – COC. SESP, cx 19, doc. 8).
170

A despeito do elevado número de escolas de enfermagem católicas, que

se elevou de um total de 09 (37,5%), na década de 40, para 20 ( 51, 28%) na década de

50, persistiu importante questão, que preocupava aquelas religiosas enfermeiras,

diretamente ligadas à formação de enfermeiras e auxiliares de enfermagem religiosas.

A missão das religiosas enfermeiras, tendo em vista a representatividade

que de fato tinham no campo da enfermagem hospitalar, ainda era bastante expressiva.

Considerando levantamento apresentado por Bruneau (1974, p. 225), em 1963, ainda

havia 895 religiosas enfermeiras e 1118 religiosas auxiliares de enfermagem, para um

total de 865 hospitais gerais e 79 especializados.

Apesar disso, parece que a formação desse grupo de profissionais não

tinha a qualidade desejada, ou pelo menos, podia-se dizer que o número de religiosas

enfermeiras, realmente qualificadas, atuando no campo da educação em enfermagem,

não era suficiente para dar conta da reprodução dessas agentes, de modo a suprir os

campos da enfermagem e da educação em enfermagem. Essa conclusão encontra

suporte na afirmação de Irmã Bernades (1952, p. 107), acerca da necessidade da

formação de uma elite de religiosas enfermeiras diplomadas, “suficientemente

preparadas, tanto na parte técnica, como na cultural”, a quem caberia a

responsabilidade do ensino de enfermagem. Enquanto isso não fosse possível,

considerava a religiosa enfermeira, não se poderia melhorar rapidamente a enfermagem

religiosa brasileira.

A esse respeito, desde o Primeiro Congresso Nacional de Enfermeiras

Religiosas, organizado pela UREB, em 1944, já se reconhecia a premência de criação de

uma escola superior de enfermagem, para o “preparo de enfermeiras para a docência a

fim de melhorar o nível de eficiência das escolas católicas” (CD. EEAN/ UFRJ. Cx.

CPC. doc. 01).


171

Cumpre considerar ainda a possibilidade, cada vez mais concreta, de que

a aprovação da Lei nº 775, representasse risco real àquelas escolas de enfermagem que

não conseguissem sustentar, com qualidade, o curso de enfermagem. Nesse sentido,

vale lembrar o relatório elaborado pela Fundação Rockefeller, no início da década de

40, que questionava a equiparação das primeiras escolas de enfermagem, ao modelo

oficial padrão, sendo duas dessas escolas, católicas e, uma estadual, que incorporava

fortemente o ideário católico.

Sob esse ponto de vista, a regulamentação do curso de auxiliar de

enfermagem, tanto defendida por Laís Netto dos Reys, que muito colaborou com as

enfermeiras religiosas, quer seja no reconhecimento dos diplomas daquelas que

ostentavam esse capital institucionalizado oriundo de outra nacionalidade, quer seja, na

formação das primeiras religiosas enfermeiras, os quais permitiram a criação das

primeiras escolas de enfermagem católicas do país, poderia significar alternativa para

ocupar numericamente os espaços hospitalares.

A esse respeito, Rosaly Taborda (1951, p. 142 – 143), ex-aluna da EAN

e, mais tarde, diretora da Escola de Enfermagem de Manaus, considerava que o rigor na

fiscalização das escolas de enfermagem, sob a responsabilidade da Divisão de Ensino

Superior do Ministério da Educação e Saúde, redundaria no fechamento da grande

maioria das escolas de enfermagem. Nessa linha de pensamento, a autora ressalta a

responsabilidade da enfermeira ou da comissão ao desempenhar tal função e apela no

sentido de que essas profissionais compreendessem que a fiscalização das escolas de

enfermagem, por muito tempo, fosse mais no sentido de cooperar do que fiscalizar

propriamente, e assim, beneficiaria as escolas de enfermagem que, mesmo possuindo

um “corpo docente eficiente e o ensino teórico em padrão elevado”, encontravam em


172

seus estágios o ponto de fragilidade, em função da inexistência ou deficiência das

instituições adjacentes.

Diante dessas considerações, a diretora da Escola de Enfermagem de

Manaus reconhecia que “as escolas de enfermagem que, absolutamente

impossibilitadas de cumprirem as exigências da lei em relação aos estágios, fossem

transformadas em cursos de auxiliares de enfermagem”, após dois anos de seu

funcionamento.

As opiniões de Rosaly Taborda, enfermeira da EAN, merecia

reconhecimento por parte das autoridades do campo da saúde, da enfermagem, e da

educação em enfermagem, pois coube a ela a inspeção final de duas das três primeiras

escolas de enfermagem equiparadas à EAN: a Escola Carlos Chagas e a Escola Luíza de

Marillac, conforme os ofícios nº 97/ 42 e 135/42, respectivamente (CD. EEAN/ UFRJ.

Cx. 03. Doc. 43 e 37).

Diante da luta simbólica travada no campo da educação em enfermagem,

constata-se que as posições ocupadas pela agentes correspondiam, relativamente, a um

valor determinado.
173

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O contexto social, político, econômico e religioso das décadas de trinta e

quarenta convergiu para o (re)alinhamento das posições de poder e prestígio no campo

da educação em enfermagem.

Se em 1922, a criação de uma escola de enfermagem de “alto padrão”, a

Escola Anna Nery (EAN), era considerada muito importante para a Reforma Carlos

Chagas alcançar seus objetivos no campo da saúde pública, no início dos anos trinta,

percebia-se a necessidade de legitimar juridicamente a EAN, “Escola Oficial Padrão”,

tendo em vista a criação e equiparação das demais escolas, através do Decreto nº 20.

109/31.

Esta medida constituiu ponto de partida para a emergência de outras

escolas de enfermagem, segundo o modelo anglo-americano, pois não era suficiente

apenas um estabelecimento compatível com os critérios da modernidade, na formação

de enfermeiras para o país. A partir de então, houve espaço para investimento em

outros estabelecimentos formativos na área da enfermagem.

Outro ponto a ressaltar é que a revitalização dos serviços de saúde no

Brasil, nos anos quarenta, decorreu igualmente da participação dos Estados Unidos e do

Brasil na Segunda Guerra Mundial e da cooperação do Instituto para Assuntos

Interamericanos (IAIA), do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) e da Fundação

Rockefeller.

Desde 1931, o país não contava com instituição educacional equiparada à

EAN, conforme o previsto no Decreto 20. 109/31. Apenas em 1942, as três primeiras

escolas de enfermagem conseguiram adquirir esse estatuto. Laís Netto dos Reys, na
174

condição de diretora da Escola Anna Nery, desempenhou papel importante no processo

de criação e de equiparação dessas escolas.

Sua nomeação para o cargo parece não ter sido apenas decorrência dos

estreitos laços que mantinha com lideranças da Igreja católica, nem pelo seu

patriotismo, manifesto claramente em várias oportunidades. Como demonstram os

documentos que consultei e expus nesta pesquisa, a figura de Getúlio Vargas

representava, segundo Laís, um personagem digno de admiração: basta lembrar que, por

ocasião de sua deposição do cargo de Presidente da República, Laís tomou a iniciativa

de expressar-lhe solidariedade através de um abraço amigo.

Apesar de entender que estes fatores já seriam suficientes para a

nomeação de Laís para a direção da Escola, considerando o contexto político-social da

Era Vargas (1930-1945), em que a aliança entre o Estado e o catolicismo era

reconhecidamente de interesse de ambas as partes, não pode ser desprezada a

interferência de seu irmão, que trabalhava no Palácio do Catete, portanto, próximo ao

centro do poder político do país.

Os documentos consultados indicam que a posição de Laís Netto dos

Reys foi estratégica para que a igreja católica capitalizasse lucros simbólicos no campo

da educação em enfermagem, organizando as próprias escolas. É pertinente notar que,

apesar de o Decreto 20. 109 prever a equiparação das escolas de enfermagem ao modelo

padrão, desde 1931, apenas em 1942, as primeiras escolas de enfermagem alcançaram

essa meta: duas católicas (Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e Escola de

Enfermagem Luíza de Marillac) e uma estadual, porém, fortemente influenciada pela

ideologia católica (Escola de Enfermagem Carlos Chagas).

Foi sob a direção de Laís Netto dos Reys, inicialmente na Escola de

Enfermagem Carlos Chagas, e em seguida, na EAN, que se diplomaram as primeiras


175

enfermeiras religiosas. Além disso, Laís fez parte da banca examinadora que revalidou

os primeiros diplomas de religiosas estrangeiras, permitindo que elas atuassem nas

mesmas condições que as enfermeiras diplomadas no Brasil. Essas medidas foram

significativos alicerces para a criação das primeiras escolas de enfermagem católicas em

nosso país.

A criação de outros espaços destinados à formação de enfermeiras

propiciou a organização de grupos em torno de interesses mais amplos e, em outros

momentos, envolvendo interesses mais específicos. As lutas simbólicas entre os grupos

para fazer prevalecer seus propósitos tiveram como fóruns mais expressivos as

Reuniões de Diretoras de Escolas de Enfermagem, organizadas na EAN, sob a

presidência de Laís.

Os Congressos Nacionais de Enfermagem constituíam ambiente

privilegiado para debater os problemas nacionais de enfermagem, difundir as

experiências no campo do trabalho e da educação em enfermagem e definir as

estratégias para solucionar ou minimizar os obstáculos com que se deparavam.

Outros espaços de igual monta foram os eventos promovidos pelas

associações católicas de enfermagem, cujas finalidades mais significativas eram

defender e difundir os princípios próprios à religião católica.

No âmbito das Reuniões de Diretoras de Escolas de Enfermagem, muitos

eram os enfrentamentos liderados por Laís (diretora da EAN), por Edith de Magalhães

Fraenkel (diretora da Escola de Enfermagem de São Paulo) e por Madre Marie

Domeneuc (representante da Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo). Dentre os

vários temas abordados, merece atenção peculiar o currículo mínimo para os cursos de

enfermagem, onde eram consideradas a duração do curso, suas disciplinas e a melhor


176

forma de se obter experiência prática (os estágios) e a criação dos cursos de auxiliares

de enfermagem, cuja principal defensora era Laís Netto dos Reys.

Essas discussões tinham como ponto central a concorrência que a nova

categoria poderia representar para as enfermeiras; a duração do curso e o local mais

adequado para que o mesmo acontecesse, pois parte das dirigentes entendia que o

distanciamento das escolas de enfermagem reduziria a possibilidade de se confundir a

auxiliar de enfermagem com a enfermeira diplomada. Por outro lado, Laís Netto dos

Reys acreditava que, se os cursos de auxiliares de enfermagem fossem desenvolvidos

anexos às escolas de enfermagem, seria possível manter maior controle na formação

dessa nova categoria.

De acordo com o entendimento de Laís, se a necessidade de pessoal mais

qualificado era irremediável, em função da realidade social nas várias regiões do país,

então que os cursos de auxiliares de enfermagem ocorressem sob a observação das

enfermeiras diplomadas e o controle das instituições de ensino próprias para a formação

da enfermeira. Esperava-se, dessa forma, garantir que as auxiliares de enfermagem

percebessem, desde o início de sua formação, quais os limites de sua atuação. Apesar

disso, também se defendia que apenas uma fiscalização mais efetiva do exercício

profissional seria suficiente para impedir que pessoas sem a devida qualificação

pudessem desenvolver as funções próprias às enfermeiras.

Hoje, percebo que as disputas para a criação de nova categoria na

enfermagem, que exigisse um investimento menor do que os destinados às enfermeiras,

poderia servir a outros fins. Algumas fontes consultadas fazem alusão à necessidade de

aprimoramento dos conhecimentos das religiosas enfermeiras, sugerindo que, a despeito

do número de escolas de enfermagem católicas existentes até a década de quarenta

(37,5%), nem todas teriam a devida competência para a formação de enfermeiras, tanto
177

no aspecto técnico como cultural, em atenção ao exigido na legislação vigente, de modo

a assegurar a participação das religiosas enfermeiras no campo da enfermagem e no

campo da educação em enfermagem. Nesse sentido, a regulamentação do curso de

auxiliar de enfermagem, ardorosamente defendida por Laís Netto dos Reys, poderia

significar uma alternativa a essas escolas de enfermagem católicas.

Essa inferência encontra suporte no entendimento da enfermeira Rosaly

Taborda, em função da promulgação da Lei 775/49, de que tamanha seria a

responsabilidade da Comissão de Avaliação de escolas de enfermagem que representava

a Divisão de Ensino Superior do Ministério da Educação e Saúde, pois o excessivo rigor

levaria ao fechamento de muitas escolas. Na oportunidade, Taborda sugeriu que as

escolas de enfermagem impossibilitadas de cumprir as exigências da lei, fossem

transformadas em cursos de auxiliares de enfermagem, após dois anos de

funcionamento.

A Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED), como

representante da categoria, foi importante no movimento que culminou na aprovação da

Lei nº 775/49, que dentre outras decisões, transferiu para o Ministério da Educação e

Saúde, o poder de inspecionar e reconhecer as escolas de enfermagem no país. A

principal porta voz desse movimento foi Edith de Magalhães Fraenkel que, na qualidade

de diretora da Escola de Enfermagem de São Paulo, manifestou-se oficialmente

contrária à inspeção de Escolas de Enfermagem sob os auspícios de uma única pessoa,

no caso Laís Netto dos Reys. Edith Fraenkel argumentava que esta mesma pessoa

poderia defender ideais não condizentes com as necessidades da sociedade brasileira.

Em substituição ao poder ostentado pela EAN, Edith propôs a criação de

um Conselho Nacional de Ensino. Vale lembrar que Edith Fraenkel representou a


178

categoria junto à ABED, nos períodos de 1927 a 1938, de 1941 a 1944 e de 1948 a

1950, quando foi promulgada a Lei nº 775/49.

Ainda sob a presidência de Edith Fraenkel junto a ABED, foi realizado o

II Congresso Nacional de Enfermagem, na Capital Federal, no período de 18 a 24 de

julho, onde se decidiu encaminhar ao Presidente da República, ao Ministro da Educação

e Saúde, ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio e aos membros da Comissão de

Educação e Saúde Pública daquele congresso, as resoluções finais do evento. Entre

outras, merece relevo a Resolução nº 2, onde se propôs que o reconhecimento das

escolas de enfermagem fosse atribuição do Conselho Nacional de Educação, a exemplo

do que ocorria com as demais escolas de ensino de nível superior.

As associações católicas de enfermagem: União de Religiosas

Enfermeiras do Brasil (UREB) e a União Católicas de Enfermeiras do Brasil (UCEB),

criadas para representar os interesses da Igreja Católica junto à enfermagem brasileira,

conseguiram desempenhar suas funções com êxito, uma vez que a UREB preocupou-se

com o aprimoramento da qualificação das religiosas que atuavam no cuidado ao doente

e/ou no ensino de enfermagem. Além disso, a UREB investiu na criação de outras

escolas de enfermagem católicas e de cursos de auxiliares de enfermagem.

A UCEB, estruturada para aproximar e facilitar o entendimento entre as

enfermeiras católicas leigas e religiosas, atuou juntamente com a UREB, no sentido de

defender os interesses da Igreja Católica, que via no materialismo e no paganismo

contemporâneos uma grande ameaça aos princípios católicos. Essas ameaças

mereceram a interferência do cardeal Pizzardo, por ocasião do II Congresso

Internacional de Enfermagem, realizado em Roma, em 1935, exigindo que todas as

enfermeiras católicas do mundo, religiosas e leigas, unissem esforços para reconduzir a

sociedade à concepção cristã da vida, do dever e do sofrimento.


179

A Igreja Católica contava com as enfermeiras católicas para difundir os

seus princípios, ameaçados diante das mudanças do mundo contemporâneo, tanto assim

que, anos mais tarde, em 1950, o IV Congresso internacional de Enfermagem, realizado

também em Roma, definia as linhas mestras para nortear a formação profissional da

religiosa enfermeira, cujos princípios fundamentais preceituavam o respeito à pessoa

humana, defendendo-a do materialismo e paganismo contemporâneos.

De maneira coerente com as determinações do apostolado católico, tanto

a UREB quanto a UCEB organizaram-se para defender o que a Igreja considerava

“cristianismo autêntico”, por considerar todos os princípios da moral cristã, com ênfase

na pessoa humana, tanto na sua vida física e psíquica, quanto na convivência familiar e

social.

Por sua vez, foram bem diversificadas as estratégias utilizadas pela EAN

para assegurar a posição de poder e prestígio ostentados na condição de “Escola Oficial

Padrão”. Como exemplo, creio ser pertinente arrolar os seguintes eventos que

ocorreram na década de trinta:

• a EAN, sob a direção de Rachel Haddock Lobo, participou do

cuidado aos feridos, na Revolução Constitucionalista de 1932;

• as primeiras religiosas foram matriculadas no curso de

enfermagem da EAN, embora nenhuma delas tenha concluído o

curso;

• a EAN sediou a criação da primeira Revista Brasileira de

Enfermagem (Anais de Enfermagem), instrumento oficial de

divulgação e socialização dos conhecimentos da categoria;

• a EAN foi a primeira escola de enfermagem do país a fazer parte

do cenário universitário;
180

• a EAN deu início ao processo de revalidação dos diplomas de três

religiosas estrangeiras da Escola de Enfermagem do Hospital São

Paulo, no mesmo ano de criação da escola.

Na década de quarenta, as estratégias de visibilidade à enfermagem e a

EAN foram muito intensas, em função da concorrência estabelecida com outras

lideranças da enfermagem brasileira. Entre essas medidas, podemos citar:

• a preocupação e adoção de medidas concretas, por iniciativa de

Lais Netto dos Reys, com o intuito de assegurar a manutenção do

habitus religioso a um grupo de religiosas católicas, no curso de

enfermagem da EAN, permitindo que das onze religiosas

matriculadas, apenas uma não conseguisse concluir o curso de

enfermagem;

• o incentivo à participação de enfermeiras da escola em cursos de

especialização no exterior;

• a manifestação de Lais em apoio à formação de enfermeiras

religiosas de todas as ordens católicas, através de carta enviado

ao cardeal d. Sebastião Leme por ocasião do I Concílio Plenário

Nacional, realizado em 1939, no Rio de Janeiro.

Além da participação das alunas em eventos cívicos, também foram

organizadas atividades que valorizassem a relação da EAN com autoridades civis,

religiosas e políticas, dentre as quais podemos destacar a visita ao Palácio do Catete,

como parte das comemorações da V Semana da Enfermeira, em 1945, onde foram

recepcionadas pelo próprio Presidente da República.

As “Caravanas Anna Nery” também funcionaram como estratégia

importante, para ampliar o reconhecimento da EAN nos limites da Universidade do


181

Brasil (UB), pois, esse evento aconteceu, como parte das comemorações da Semana da

Enfermeira, um ano após a EAN ter conquistado a condição de unidade autônoma da

UB, e contou com a participação de médicos, dentistas e assistentes sociais da

universidade. As “Caravanas Anna Nery” também demonstravam, mais uma vez, que a

Igreja podia contar com a liderança de Laís, pois o planejamento dessa atividade contou

com a participação do bispo de uma das localidades beneficiadas, d. Alano Du Noday.

Laís Netto dos Reys seria simpática ao Partido Integralista, o que se

justificaria em função da ideologia do partido, que inculcava em seus adeptos a

abnegação, o sacrifício e o sofrimento como meios para despertar a nação e a alma do

povo. De forma similar, a Igreja católica Romana, invocava o sofrimento como meio de

salvação da alma, capaz de aproximar o indivíduo do reino celestial. No que tange à

aproximação entre autoridades da Igreja e o Integralismo, destaco a participação de d.

Hélder Câmara, na chefia do setor de educação da Associação Integralista do Brasil

(AIB). Mais tarde, em 1949, por solicitação de Laís Netto dos Reys, d. Hélder Câmara

desempenharia a função de capelão da EAN, para ministrar assistência religiosa as

alunas.

A tolerância da Igreja Católica junto ao Movimento Integralista baseava-

se na possibilidade de tê-lo como aliado para enfrentar as lutas de classe e a expansão

do comunismo, que se consolidava na Rússia e se ampliava a partir da Segunda Guerra

Mundial. O integralismo e a igreja católica cultivavam importantes pontos em comum.

Talvez isso explicaria a afinidade de Laís com o Partido Integralista, mesmo após a

instauração do Estado Novo (1937 – 1945), onde os partidos políticos foram

perseguidos, dentre eles o Partido Integralista, cujo líder político, Plínio Salgado acabou

exilado em Portugal. Após o Estado Novo, o catolicismo não manteve mais

representação junto ao Movimento Integralista que se encontrava na clandestinidade.


182

Apesar de todas as estratégias utilizadas por Laís Netto dos Reys, durante

o exercício da direção da EAN, o que se observou é que a Escola de Enfermagem de

São Paulo, dirigida por Edith de Magalhães Fraenkel, sob a égide do SESP, assumiu

papel expressivo no processo de criação de outras escolas de enfermagem, mesmo ainda

não tendo sido promulgada a Lei nº 775/49. Como exemplos dessa interferência,

merecem relevo as visitas realizadas a Recife e Salvador para avaliar as condições

adequadas para a criação de escolas de enfermagem naquelas cidades. Essas visitas

contaram com a participação pessoal de Edith Fraenkel e da assessora de sua escola e do

Hospital das Clínicas de São Paulo, Ella Hasenjaeger.

Em termos gerais, as fontes que consultei para realizar este estudo

indicam que a Escola Anna Nery, liderada por Laís Netto dos Reys, a Escola de

Enfermagem de São Paulo, liderada por Edith de Magalhães Fraenkel e a Escola de

Enfermagem do Hospital São Paulo, sob a liderança de Madre Marie Domeneuc,

representavam três importantes núcleos que lutavam pela enunciação do discurso

autorizado no campo da educação em enfermagem. Estes grupos, ao mesmo tempo em

que lideravam as estratégias na defesa dos interesses mais abrangentes para a

enfermagem brasileira, também investiam no sentido de fazer prevalecer interesses

específicos, o que exigia a formação de alianças conjunturais, políticas e ideológicas, de

acordo com cada momento.

Considerando o recorte terminal deste estudo, podemos inferir que, se

por um lado, Laís Netto dos Reys, diretora da EAN, amargou a perda do estatuto de

“Escola Oficial Padrão”, para fins de criação e equiparação de outras escolas de

enfermagem no país, por outro lado, deve ter-se sentido recompensada com a

regulamentação dos cursos de auxiliares de enfermagem, os quais causaram intensos


183

embates entre as mais expressivas autoridades da educação em enfermagem do país,

cuja defensora mais vigorosa era Laís Netto dos Reys.

O produto dessas lutas pode ser muito bem apreciado, se projetarmos a

observação para um período de tempo mais abrangente, por exemplo 1961, quando foi

aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação no Brasil. À época, o ensino de

enfermagem apresentava a seguinte configuração: escolas católicas (51, 28%), estaduais

(23, 08%), federais (10, 25%), evangélicas(7,69%), filantrópicas (5,13%) e municipal

(2, 56%), distribuídas nas diferentes regiões do país: sudeste (51, 28%), nordeste (17,

95%), centro – oeste (7,69%), norte (5, 13%) e sul (17, 95%). Quanto aos cursos de

auxiliares de enfermagem, constata-se que, na década de 40, temos 36, 36% desses

cursos vinculados a instituições católicas, na década de 50, esse percentual aumentou

para 40%.

Esses dados exigem análise cuidadosa, própria dos estudos acadêmicos.

Mas... Isso seria outra história...


184

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DEPOENTES

Depoente nº 1 – Lieselotte Hoeschl Ornellas

Lieselotte Heschl Ornellas, natural de Lajes, Santa Catarina, obteve formação

religiosa evangélica. Em 1936 iniciou o Curso de Enfermagem na Escola de

Enfermagem Anna Nery, nesta época a escola era dirigida pela norte americana Bertha

Lucile Pullen, em sua segunda gestão. Lieselotte concluiu o curso em 1939, portanto,

durante a gestão de Lais Netto dos Reys. Atuou como presidente da Associação de

Alunas, mais tarde, Diretório de Enfermagem.

Em 1941 realizou o primeiro Curso de Pós- graduação, no Instituto Nacional de

Nutrição Professor Escudero, na Argentina, na área de nutrição e dietética, quando ao

retornar, em 1943, integrou o grupo de professoras da Escola Anna Nery, mais

especificamente, a partir de 7 de janeiro de 1943, na qualidade de Instrutora de nutrição.

Em 1947, realizou o seu segundo Curso de Pós Graduação, dessa vez, no College of

nursing, em Londres – Inglaterra, financiada pelo Conselho Britânico. Atualmente,

Liesellote Ornellas possui 87 anos e reside no Rio de Janeiro no bairro de Copacabana.


193

Depoente nº 2 – Elvira de Felice Souza

Elvira de Felice Souza nasceu no dia 27 de junho de 1920, na cidade de São

Paulo. Educada segundo os princípios católicos, pelos pais Jacinto de Felice Souza e

Thereza Bragazza de Felice, expressando também grande afinidade com a ideologia

católica. Formada no Curso Normal, naquela mesma cidade. O seu interesse pela

enfermagem se deu pela influência de uma de suas clientes que atuava como enfermeira

prática, comparando-a, com freqüência, com um enfermeira formada pela Escola de

Enfermagem Anna Nery. Através de uma carta endereçada ao Presidente Getúlio

Vargas, em 1942, manifestando o seu desejo de ingressar no curso desta escola, cuja

resposta foi obtida em 25 de julho do mesmo ano, favoravelmente e encaminhado-a à

Lais Netto dos Reys, à época diretora da escola.

Atuou como diretora da Escola Anna Nery na gestão de 8 de setembro de 1971 a

7 de setembro de 1975 (D.º de 16. 08. 71) e, como vice – diretora no período de 19. 09

67 a 24. 02. 71. Desempenhou outras funções expressivas no âmbito da Escola, como:

substituta eventual da Coordenadora Geral dos Cursos de Pós – Graduação (Proc. Nº 35.

672./ 75 – Bol. Nº 48 de 27/11/75); representante da EEAN, junto à Coordenação

Administrativa de Ensino do Hospital Universitário (Portaria n º 65/75 da diretoria da

EEAN da UFRJ); Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem da EEAN de

1969 a 1971, 1976 a 1978 e de 1983 a 1986. Teve participação destacada também na

difusão dos cuidados de enfermagem através da mídia, com o Programa Edna Savaget –

Tv Globo – RJ, de 1965 a 1966 – TV Tupi, de 1967 a 1971 e de 1978 a 1979, na TV

Bandeirantes, em 1980.

Na ABEn, desempenhou a função de Coordenadora da Comissão de Educação,

no período de 1972 a 1980. Por designação do C. F. E. fez parte da Comissão

Verificadora de Cursos de Enfermagem, de 1975 a 1991.


194

Na sua carreira acadêmica galgou as diferentes categorias, até a condição de

Professora Titular (Portaria nº 391 de 26/05/77. Boletim nº 22 – junho/77). Orientadora

de várias Teses e, com participação em Bancas Examinadoras em outras instituições.

Apresenta vasta produção acadêmica publicada. Atualmente está aposentada, na

condição de Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujo

processo, à época foi aprovado por unanimidade pelo Conselho Universitário. Reside no

bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro.


195

Depoente nº 3 – Anna Jaguaribe da Silva Nava

Anna Jaguaribe da Silva Nava nasceu no dia 17 de maio de 1910, na cidade de

Juiz de Fora, em Minas Gerais. Foi educada sob influência católica, transmitida pelos

pais José da Silva Nava e Diva Jaguaribe Nava. Em 5 de maio de 1937, Anna Nava

solicitou à Escola de Enfermagem Anna Néri sua inscrição no Curso de Graduação, foi

isenta de vestibular e, posteriormente, admitida na EAN em 1º de agosto de 1937,

diplomou-se em 28 de dezembro de 1940.

Em junho de 1945, Anna Nava iniciou o Curso de Especialização em Saúde

Pública no exterior, onde foi concedida a ela uma bolsa de estudos, na qual estudaria um

ano completo (junho/1945 a junho/1946), patrocinada pelo Serviço Especial de Saúde

Pública (SESP). Nos Estados Unidos, Anna Nava estudou em instituições conceituadas

como a Escola de Enfermagem da Universidade de Michigan e a Escola de Enfermagem

da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. Em junho de 1946, terminou a bolsa de

estudos concedida pelo SESP.

Anna Jaguaribe da Silva Nava fez parte de diretoria da ABEn (ainda

denominada ABED – Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas), na qualidade

de primeira secretária durante o terceiro mandato de Edith de Magalhães Fraenkel,

assumido em 23 de julho de 1948. Atuou também, em 1955, como membro efetivo do

Conselho deliberativo doa Annaes de Enfermagem (CARVALHO, 1976, p.51-55).

(CARVALHO, 1976, p. 55). Assumiu encargos na ONU e no SESP na área de Saúde

Pública Rural e no Vale do Rio Doce (COELHO, 1997, p.76).

Além de sua ampla atuação dentro da ABED (atual ABEn), Anna Nava foi

professora de História da Enfermagem e de Saúde Pública da Escola Anna Nery. Ao

retornar ao Brasil, em 1946, assumiu o cargo de instrutora em Enfermagem de Saúde


196

Pública no Centro de Saúde no 6º distrito no setor de estágio da Escola Anna Nery, sob

a direção de Rosali Taborda (LIMA, 2002, p.12).

Em 1950, na gestão de Waleska Paixão, assumiu a vice-diretoria, sendo diretora

durante a ausência de Waleska Paixão na Escola. Dirigiu a Divisão de Estágios da

Escola Anna Nery (COELHO, 1997, p. 76). Em 21 de julho de 1951 foi admitida pela

Universidade do Brasil no cargo de docência (Banco de Dados da Divisão de Cadastro

da SR-4/UFRJ). A aposentadoria de Anna Jaguaribe da Silva Nava deu-se através da

Portaria nº 13.702 de 17 de maio de 1977, publicado no Diário Oficial da União (Banco

de Dados da Divisão de Cadastro da SR-4/UFRJ). Atualmente, Anna Nava possui 93

anos e reside no Rio de Janeiro no bairro de Laranjeiras.


197

Anexo I

Eu, ______________________________________________, concordo em ter

meu depoimento gravado em fita cassete pelo professor Antonio José de Almeida Filho,

aluno regularmente inscrito no Curso de Doutorado em Enfermagem da Escola de

Enfermagem Anna Nery / UFRJ, na linha de pesquisa História da Enfermagem. Este

depoimento faz parte da coleta de dados para o desenvolvimento de sua Tese de

Doutorado, cujo título provisório é “A inserção da Escola Anna Nery no movimento

católico: a liderança de Lais Netto dos Reys (1938 – 1950)”.

Outrossim, esclareço que minha participação é livre e consinto que o meu

depoimento seja transcrito e doado ao Centro de Documentação da Escola de

Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro,

__________________________________________________
198

Anexo II

TERMO DE DOAÇÃO DE DEPOIMENTO

Eu,_______________________________________________, autorizo a

doação do meu depoimento fornecido para o desenvolvimento da Tese de Doutorado

intitulada provisoriamente como: “Participação da Escola de Enfermagem Anna Nery

(EEAN) no realinhamento do campo da educação em enfermagem (1931 – 1949)”, de

autoria de Antonio José de Almeida Filho, para o Centro de Documentação da Escola de

Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e assim, poder ser

utilizada em outras pesquisas.

Rio de Janeiro,

____________________________________________
199

Anexo III

Parecer do CEP da EEAN/ HESFA


200

Anexo IV

Roteiro de Entrevista Acompanhada de Fotografias

1. Você conhece esta fotografia?

2. Em caso afirmativo, lembra-se deste evento?

3. Quais são as pessoas presentes nesta foto? (atributos das pessoas)

4. Local do evento?

5. A foto foi realizada por um profissional?

6. Lembra-se como se deu a disposição das pessoas neste arrajo fotográfico?

7. Em caso afirmativo, poderia descreve-lo?

OBS: Abordar outras questões específicas conforme o próprio arranjo fotográfico, por

exemplo: no caso das fotos em que Laís está no Palácio do Catete, abordar questões

inerentes ao evento propriamente dito, as relações de Laís com as pessoas presentes na

foto, etc.).

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