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2003
SEXUALIDADE DA MULHER APÓS A MASTECTOMIA
Rio de Janeiro
Outubro / 2003
II
SEXUALIDADE DA MULHER APÓS A MASTECTOMIA
Aprovada por:
Suplentes:
Rio de Janeiro
Outubro / 2003
III
FICHA CATALOGRÁFICA
CDD. 610.73
IV
RESUMO
Rio de Janeiro
Outubro / 2003
V
ABSTRACT
The work tried to investigate the aspects of sexuality in women who are carriers
of breast cancer, and who underwent a radical mastectomy surgery. It had as a starting
point my assistance practice as a nurse in the gynecological surgery unit. I noticed
concealed questions both from the part of the woman and from the part of the
professionals related to discussing the sexual practices after a mastectomy. I found in
the medical literature references related to sexual difficulties and the implications they
have in the interpersonal relationships as consequences of the removal of the breast;
considered to be an organ of important role in the woman sexuality. This investigation
has been developed using Martin Heidegger philosophical approach and had as an
objective to reveal the meaning of sexual expressions in the woman who underwent a
mastectomy. In the ambulatory of Hospital dos Servidores do Estado, phenomenological
interviews were carried out, consisting of two main questions: how the woman feels
after a mastectomy and, also, how the woman feels in terms of sexuality after a
mastectomy. After an attentive reading of fifteen transcribed statements, it was possible
to constitute the units of significance. In a vague and average comprehension, the
expression of sexuality was revealed through: heterosexual relationships, the necessity
of a period of time to get accustomed to the mutilated body, the affectionate attention
from their husbands, the return to the daily activities, and the happiness to be alive and
recover the physical integrity. The interpretation, based on the point of view of Martin
Heidegger, revealed that this woman understands that it is possible to cope with the loss
of her breast and to live sexually well. She realizes that she can live well, and this
conclusion that she is able to come to is, for us, professionals, an alert: it is a false
perception to believe that the woman after a mastectomy surgery is definitely in her
capacities and possibilities.
Rio de Janeiro
Outubro / 2003
VI
IVIS EMÍLIA DE OLIVEIRA SOUZA
VII
AGRADECIMENTOS E RECONHECIMENTOS
À toda minha família: Roberto, esposo paciente, Gabriela e Henrique, filhos sedentos de
“mãe”, que me acompanharam durante a árdua caminhada.
Ao amigo e incentivador Walcyr, sempre presente.
Aos amigos e colegas que contribuíram comigo e com o trabalho: Herdy, Solange, Laísa
e Rosilda.
À Chefia da Secretaria Acadêmica da Pós-graduação, Sônia Xavier, pela presteza
incansável.
Aos membros das Bancas Examinadoras, das diferentes etapas – do processo seletivo,
defesa do projeto, qualificação da dissertação e defesa final - pelo aceite e participação
efetiva na construção deste estudo.
Ao Professor Guy do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, que muito incitou
meu pensar com as leituras de Heidegger.
À Chefia de Enfermagem do Hospital dos Servidores do Estado/RJ, representada por
Maria Angélica e Zilmar. E à Chefia do Serviço de Ginecologia, enfermeira Eugênia,
pelo incentivo ao meu aprimoramento profissional, entendendo que este é um dos
caminhos, mas não o último per-curso, para o enriquecimento da profissão.
Ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital dos Servidores do
Estado/RJ, pela aprovação do projeto de pesquisa sem restrições, garantindo a etapa de
campo da pesquisa.
À Chefia, Supervisão e Coordenação de Enfermagem do Hospital Central do
Exército/RJ e demais colegas, representadas pelas enfermeiras civis: Jânua, Maria da
Glória, Roseane, Vanja, Rejane e Roza, e militares: Cap Sônia, Cap Rejânia, Cap Inês e
Cap Rosana, pelo reconhecimento ao meu profissionalismo.
Ao “Clube das Quinze”, composto pelas mulheres que gentilmente concordaram em
participar da pesquisa e soltaram a “voz”.
VIII
DEDICATÓRIA
MARLENE MOREIRA SOUTO, minha Mãe
Não teria sequer pensado em voltar aos estudos se não fosse por ti.
Insistentemente me dizias o quanto seria bom.
Incentivadora vibrante do início ao fim.
Torcendo pela minha vitória.
Sempre um exemplo de honestidade, simplicidade e bondade.
Virtudes supremas de um dom maior.
O dom de ser a mãe que só tu sabes ser.
IX
HOMENAGEM PÓSTUMA
E mais: parece que às vezes não sou eu que ajo e sim tu.
X
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................101
ANEXOS
Nº. 1 Parecer da Comissão de Ética
Nº. 2 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Nº. 3 Entrevistas
XI
LISTA DE QUADROS
XII
CAPÍTULO I. A TEMÁTICA DO ESTUDO
1.1 Introdução ao tema
atenção de muitos, ainda mais agora com o início de um novo milênio, quando se tem a
impressão de viver uma nova ordem, ordem esta de liberdade jamais sentida ou
consentida anteriormente.
do que é sexual; é o conjunto dos caracteres especiais do que tem sexo; instinto sexual”.
Sendo o ser humano dotado de sexo, seja ele masculino ou feminino, a sexualidade é
Uma atribuição distinta para seres vivos e seres humanos é feita por Viana
vista biológico, como psicológico e cultural. Fala de uma sexualidade igualitária na qual
Uma visão bastante romântica que, acredito eu, deixaria as mulheres mais felizes.
Com opinião semelhante, o cardiologista Silva (2000, p. 226) comenta que
“desfrutar de uma vida sexual que seja fonte de coisa boa, e não de ansiedade e
É nesse sentido que vejo a prática sadia da sexualidade como algo que deve ser
de adoecimento, seja do corpo, seja da mente, há que se fazer uma ressalva nessa
da sexualidade. De modo geral, entendo que ela impõe limitações e provoca mudanças
até mesmo depressão podem afetar a pessoa doente diante dos fatos da vida, incluindo-
se aí a prática da sexualidade.
Segundo Kligerman (1999) o cliente percebe seu estado de saúde e o define: este
pensamento posso apreender, através dos depoimentos dos próprios pacientes, se suas
humano e proporcionar boas condições para difíceis dias de vida do portador de doença
grave. Um gesto, um olhar, um toque, uma ação que por mais simples que pareça tem
enfrente dificuldades de ordem sexual porque teve ressecado de seu corpo órgão de
2
A aflição, a dor, a fadiga e problemas com a imagem corporal e com a auto-
estima, causadas pelo diagnóstico e pelo tratamento contra o câncer, podem
prejudicar o desempenho sexual, mesmo nas pacientes que tiveram uma vida
sexual satisfatória antes da doença (HARRIS, 2002, p. 1225).
Contudo, minha experiência profissional não revela isso, pois ainda não observei
uma indicação clara, verbal ou gestual, de queixa de natureza sexual por parte de
mulheres mastectomizadas para corroborar com tal suposição. Parece-me que nós da
equipe de saúde também não iniciamos essa discussão com elas. Dificilmente, por
sobre sua vida sexual ou damos oportunidade para que expressem dúvidas e
dia para conversar individualmente com essa mulher a respeito de sexualidade, ou até
mesmo em grupo, o que poderia facilitar o diálogo de ambos os lados. Esse impasse só
fez aumentar meu interesse em conhecer mais a fundo o cotidiano desta mulher e a
1
Dreno de sucção
3
Acompanhar a mulher no enfrentamento dos efeitos colaterais das terapias
equipe multidisciplinar. Trata-se, evidentemente, de uma grave doença que traz em seu
bojo implicações física e mental, como a própria alteração do corpo causada pela
científico da patologia para contribuir efetivamente com uma assistência integral, como
também um preparo emocional para lidar com sentimentos de tristeza, solidão, angústia
do outro.
anos de idade, casada, mãe de um menino de 6 anos, que recebera o resultado do exame
oncologia clínica, onde iniciaria tratamento quimioterápico após uma primeira consulta.
Acompanhei-a até aquele setor e tentei dizer-lhe algumas palavras, mas foi em vão. Não
recebera, pois não falava nada, não manifestava nada. Eu esperava prestar algum tipo de
cuidado e o que fiz foi ficar ao seu lado, em igual silêncio. Talvez tenha feito o que ela
queria que eu fizesse, ou seja, apenas acompanhá-la sem nada dizer. Ainda assim, penso
Quanto ao câncer de mama, Arán et al. (1996, p. 633) ressaltam que “as
mulheres brasileiras chegam tarde aos médicos, muitas vezes não são bem
diagnosticadas, tendo como alternativa a cirurgia mutiladora”. Elas deixam para traz o
4
lar e a família e entregam suas vidas aos profissionais de saúde na esperança de uma
monta e seu sucesso está na dependência direta da paciente ser valorizada como pessoa
964) “mutilar é privar de algum membro ou de alguma parte do corpo, cortar”. Perder
um membro acidentalmente é fatalidade, não tem dia nem hora; perder um seio, nestas
condições, tem dia e hora marcados: a mastectomia é uma cirurgia eletiva e como tal
exige preparo antecipado como os observados pela maioria das intervenções cirúrgicas,
deprimida, infeliz e incapaz até mesmo para desempenhar suas tarefas do lar.
doméstico, sendo tamanho o seu desânimo para retornar ao trabalho. Tendo chegado a
5
este ponto, ela sofre afastamento do serviço, passa por um período de readaptação até
mulher é que pode se incapacitar diante dele por não suportar seu impacto, por não
reagir a ele.
Janeiro, localizada no sétimo andar do prédio principal. Percebo que existe uma
geral são a dor, o sofrimento, a incapacidade e a morte. O câncer pode surgir de maneira
sonhos...
ampla e diferenciada que atenda a cliente desde a fase diagnóstica, passando pelos
6
períodos pré e pós-operatório, prosseguindo durante a longa caminhada da reabilitação e
do tratamento adjuvante.
Acredito que este cuidado constitua uma das importantes armas que podemos
oferecer a esta mulher e fazer dela uma verdadeira amazona, como diz a lenda antiga,
uma guerreira disposta a lutar pela sua vida mesmo sem o seio.
amazon e diz tratar-se de “mulher aguerrida e de coragem viril”. A seguir, trago com
7
Diz a lenda que Gonçalo Pizarro, irmão de Francisco Pizarro então governador do Peru,
encarregou Francisco Orellana de sair à frente da frota que partiria de Quito em 1542 a procura do
lendário país da Canela. Levados pelo espírito de aventura e também pela necessidade de arranjar
mantimentos, os espanhóis enveredaram por um braço do rio Napo e ali encontraram a tribo das
Amazonas.
Nesta frota viajava frei Gaspar de Carvajal, cronista de viagem, e foi assim que ele relatou o
encontro de Francisco Orellana e seus companheiros com as amazonas: “Eram guerreiras de alto
porte, brancas, fortes, seminuas, com cabelos longos, manejando com habilidade arco e flecha e uma
Viviam em muitos povoados sob o domínio de uma única rainha, era imensa sua riqueza em
ouro e prata. Ficavam afastadas dos homens, salvo em determinadas épocas quando os convocavam
Os gregos foram os primeiros a falar dessas criaturas singulares. Até as batizaram, pois em
grego a quer dizer sem , mazos significa seios. De fato, o retrato clássico das amazonas é o que as
representa como mulheres sem o seio direito. Quando mocinhas, deviam queimá-lo ou comprimí-lo
com ataduras até que ficassem atrofiado, para não dificultar o manejo do arco e da lança, suas armas
inseparáveis.
Amazona belicosa
De aljava pendente ao lado
Aponta com o arco invicto
O lindo peito cortado
De Antônio Feliciano de Castilho em “Amor e Melancolia”
8
Acompanhando essas mulheres desde a internação na fase pré-operatória até a
alta hospitalar (no quarto ou quinto dias pós-operatório), notei em suas falas
direito, indo para escola regularmente), com o marido (aqui eu percebo um desabafo
que pode encobrir uma intenção conjugal ou sexual), a casa e... pouca verbalização
o lar e, não raro, são deste o alicerce. Em relação à sexualidade, ou melhor, à sua
sexualidade, não dizem nada, não comentam, omitem esse dado. E por outro lado, o
profissional de saúde que acompanha essas mulheres também não faz questionamentos,
deixando transparecer que esta é uma questão de menor importância ou indicando que o
emocionais que se fazem sentir mais rápido, na área do desempenho sexual e muitas
desvantagem com a imagem que possui agora, se considerar menos feminina e pouco à
vontade com seu novo corpo. Os autores citados a seguir comentam que há mulheres
9
A mulher submetida à mastectomia poderá pensar que nunca mais será tão feliz
quanto aquelas que não perderam o seio. Faz-se presente a necessidade de apoio para
saúde integral. Penso que é preciso oferecer oportunidade para ela falar o que pode estar
dentro de si, causando-lhe aflição, tristeza, até mesmo medo. Um estudo de Auchincloss
(apud HARRIS, 2002) revelou que com o tempo, a educação, a paciência e a prática, os
profissionais de saúde podem vir a crer que possuem alguma palavra sobre sexo a
inseguras até mesmo para procurar ajuda. Ele diz que as pacientes sentem alívio por
como membro da equipe de saúde indicado para iniciar as conversações sobre vida
sexual.
carinho e contato físico. Dessa forma, questiono se não seria o momento apropriado
para direcionar as ações de enfermagem também para a questão em pauta, que é pouco
10
Uma tendência em valorizar a sexualidade como necessidade básica do homem /
mulher foi o que pude constatar em levantamento da produção científica stricto senso
(ver anexo nº.3) publicada pelo Centro de Estudos e Pesquisa em Enfermagem – CEPEn
entre os anos de 1979 e 1999. O tema em questão foi abordado em situação de doença, a
Todavia, não identifiquei no intervalo de 1979 à 1999, uma pesquisa que tratasse
direção que desenvolvi a presente investigação, acreditando que ela, a mulher, venha se
reconhece seu problema e se dispõe a ajudá-la. Acredito que, influenciada pelo modelo
Considero também que possa existir uma recusa deliberada para falar sobre e se calar, o
que me leva a pensar que ainda somos influenciados por um passado de seculares
11
compreensiva que enfatiza a singularidade do ser, com as propostas de qualificação da
que se submete à mastectomia. Acredito que este profissional possa “escutar com
atenção, ser caloroso, dizer coisas sensatas e compreensíveis e estar disposto a ser apoio
cuidado direcionado para o problema humano aqui em questão. Assim, parece ser
Objeto de estudo
portadora de câncer de mama após a mastectomia radical. Na busca por uma melhor
expressões de sexualidade.
sexual envolve mais do que as relações sexuais”. O autor comenta que parceiros sexuais
determinada situação.
12
Ele prossegue apontando que o relacionamento total está sujeito à ação danosa
fazendo com que essas relações sejam até indesejáveis. O comportamento atencioso
observado entre indivíduos é forma de expressão sexual, sendo importante ressaltar que
o estresse a que ela está submetida, a sua necessidade de calor e afeto, os fantasmas de
uma repressão sexual que assombram sua mente, deparei-me com valiosos relatos que
Objetivo
mulher fragilizada, questiona-se: como será que se sente sexualmente depois de uma
sente como pessoa e mulher? Como se relaciona com os outros pós mastectomia?
13
se propôs a abarcar a dimensão existencial, tendo como suporte a hermenêutica em
Martin Heidegger.
Justificativa
humana que não devem ser negados à mulher mastectomizada que, particularmente,
sofreu danos e lesões não somente físicas como também emocionais, considerando a
É possível que a satisfação sexual uma vez alcançada beneficie esta mulher no
enfrentamento cotidiano da doença maligna, do estigma social que ela representa e das
precisam ser discutidos. Segundo Waterhouse (apud GAMLIN, 1999) de fato, a falta de
14
representa benefício para ambos: profissional e cliente. Estudos sobre a sexualidade são
Relevância
Bahia (EE/UFBA), onde são abordados a ampla problemática que cerca o câncer de
grupos de apoio que contribuem na reabilitação das mulheres envolvidas nessa questão.
Revista Brasileira de Enfermagem exibem inúmeras pesquisas que foram por mim
15
Em relação à Revista Latino-Americana de Enfermagem publicada pela
EERP/USP, os volumes editados de 1994 até 1999 não continham artigo sobre
consultadas.
decifrar [...] uma palavra obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e escutar
[...]”, vejo mais um desafio para o enfermeiro: cuidar de pacientes mastectomizadas que
sexualidade.
Penso também que este estudo contribuiu com informações específicas para a
dando subsídios aos profissionais que lidam com as mesmas para iniciar um diálogo
16
CAPÍTULO II. O TEMA EM SUA DIMENSÃO ÔNTICA
Abordar a dimensão ôntica é falar dos fatos do dia a dia, dos acontecimentos que
tomam parte na vida cotidiana das pessoas. Pensar no ôntico é referir-se a tudo aquilo
que é evidente, que é percebido e entendido de imediato, que está à vista, que pode
numéricas.
ocasional.
concreta do homem, pois para Heidegger (2001) somente o homem existe. Os demais
ser um recurso vital no acompanhamento dos pacientes, visto que fornecem dados para
Prováveis fatores de risco para o câncer de mama são apontados sem que, no
terapia de reposição hormonal. Risco aumentado para desenvolver a doença tem aquela
mulher com história familiar de câncer de mama muito forte, diagnóstico pregresso de
em qualquer idade
18
QUADRO 2 - Alto risco
em qualquer idade
neoplasia maligna de mama. Uma vez herdadas essas mutações genéticas, o risco de
desenvolver a doença seria de 85% para as mulheres que vivessem até os 80 anos de
idade. Vale ressaltar que somente 5% dos casos de câncer de mama detêm a anomalia
19
• BASAL entre 35 - 40 anos
reconstrução imediata pode ser sugerida para a mulher que se encontra na faixa de alto
risco desde que obedeça a minucioso critério, pois é uma conduta radical e irreversível
(SILVA, 2001).
destaca pela sua magnitude, merecendo uma atenção diferenciada; pelo aumento de sua
institucional e social, e ainda, por sua crescente importância como causa de morte no
país. Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) mostram que o câncer de mama
está situado em primeiro lugar no pódium das doenças neoplásicas campeãs da taxa de
para este ano cerca de 41610 casos novos da doença e 9335 óbitos (BRASIL, 2003).
20
QUADRO 3 - Estimativas de número de casos novos de câncer, número de
CÂNCER CÂNCER
que pode ser explicado pelo medo de uma doença “ruim”, vergonha do próprio corpo e /
21
precária da saúde no país, agora e sempre o auto-exame das mamas precisa se tornar
prestado por pessoal treinado, tanto no sistema formal como no informal (parteiras
sexualmente transmitidas.
infertilidade.
22
As medidas destinadas a atender exclusivamente à mulher norteavam o princípio
reprodutivo feminino;
informações educativas;
recém nascido)
23
intensificada a capacitação de recursos humanos, sendo alcançada a seguinte cobertura
dirigiram sua atenção para ela também no campo da pesquisa, passando a ser tema de
interesse em estudos.
mastectomia, o que pude comprovar através de levantamento dos catálogos (ver anexo
enfermagem.
temática dentre as 1847 (um mil, oitocentos e quarenta e sete) dissertações de mestrado
24
utilizadas por elas, a assistência de enfermagem prestada à clientela, o nível de
conhecimento sobre a inspeção física das mamas e esta ação como rotineira ou não na
vida das mulheres, a taxa de mortalidade e os fatores de risco para o câncer de mama,
doença.
efetividade específicas para cada caso. Abreu e Koifman (2002) enumeram os seguintes
aspectos: tamanho do tumor, condição dos linfonodos axilares, história familiar, grau
25
doença exige. Harmer (2000), enfermeira especialista em mama, enfatiza que durante o
Internacional Contra o Câncer (UICC) - que classifica a doença com base nas
quatro grupos importantes: doença “inicial” com linfonodos negativos, doença “inicial”
Cabe lembrar que há situações em que não é possível saber a classificação da lesão,
2
Tratamento adjuvante (quimioterapia, hormonioterapia e radioterapia adjuvantes) é um tratamento
antineoplásico sistêmico que é iniciado logo após o tratamento primário, cirurgia, e que tem por
finalidade destruir os possíveis focos de micrometástases existentes e não detectáveis pelos atuais
métodos diagnósticos.
26
dificultando o estadiamento. Para cumprir essa etapa, submete-se a mulher à rigorosa
avaliação mediante:
9 Anamnese;
degenerativas;
1999).
27
Tratamento Cirúrgico
XVIII tinha pouco tempo de vida, pois a hemorragia durante a retirada do tumor e a
acordo com seus precursores, a saber: à Halsted, do tipo radical convencional, com
axilares; à Patey, do tipo radical modificada, com a mesma descrição anterior porém
com exerese de pele, glândula e linfonodos com preservação dos dois músculos
prognóstico, a escolha pela cirurgia conservadora vem sendo feita com freqüência em
escala sobretudo pela considerável redução do impacto psicológico causado pela doença
28
e pela mastectomia. Também, ameniza o sentimento de mutilação, de depressão e de
da reconstrução tardia, pois preserva tecido e deixa discreta cicatriz. Sem falar nas
local é maior. Hoje sabe-se que a abordagem cirúrgica da mama apenas oferece
Vale ressaltar que a doença é sistêmica apesar de aparentar sítio único, o que torna
necessário alguma medida de alcance sistêmico que, somada à cirurgia, diminui a taxa
desta região. O LS corresponde ao primeiro linfonodo que drena o tumor mamário e sua
O caso positivo para malignidade é tido como um bom indicador para se proceder o
esvaziamento axilar e um marcador para controle da doença não mais na fase inicial. A
29
negatividade do resultado aponta para raras chances de que o câncer tenha atingido
(URBAN et al., 2001). Assim, a cadeia axilar é mantida, o que reduz sobremaneira a
Tratamento Radioterápico
do século passado. Era a primeira opção de tratamento para as lesões inoperáveis como
ponto de serem ressecáveis. Em seguida, teve seu uso estendido como rotina pós-
operatória, ou seja, como tratamento adjuvante para reduzir recidivas locais, e ainda
a qualidade de vida das pacientes. Quanto aos efeitos colaterais, estes podem ser
de mama requer um tratamento de ação sistêmica com efeitos curativos para o primeiro
caso e efeitos paliativos para o segundo caso. De acordo com Chaves et al. (1999), uma
30
divisão didática pode ser feita a fim de facilitar o entendimento das propostas do
1) Tratamento da doença dita como “inicial”: inclui pacientes com doença restrita à
tamanho de tumor com extensão direta para parede torácica ou pele), e/ou há
chamada de neo-adjuvante3.
mediante ataque aos microfocos da doença que podem já estar instalados instalados
prognóstico no câncer mamário operável e por essa razão determina condutas distintas,
ambos. Sabe-se que a presença de metástase axilar homolateral indica uma possibilidade
3
Quimioterapia neo-adjuvante tem a sua indicação na redução do volume tumoral antes da cirurgia ou
radioterapia e possibilita, nos casos de resposta favorável, uma abordagem cirúrgica com maiores
possibilidades de controle locorregional da doença.
31
Quanto à caracterização doença avançada locorregionalmente, existem
com ou sem cirurgia, poderá levar à remissão macroscópica total ao final do tratamento
de alguns destes tumores. Quanto ao tumor inflamatório de mama, este tipo especial de
importante é que a hormonioterapia deve ser a primeira opção, sempre que viável, por
oferecer menor toxicidade, começando seu uso pelo tamoxifeno. É o principal agente
metrorragia, rash cutâneo, edema, leucopenia, tromboflebite (< 3%), distúrbios oculares
(< 1%), trombocitopenia, aumento dos sintomas da doença com o início do tratamento
e hipercalcemia (< 5%). A quimioterapia cabe aos casos de doença agressiva com
mau prognóstico, como aqueles com metástases múltiplas, tumor de crescimento rápido,
e a alopécia.
32
relação à radioterapia, mas não é o observado nos casos do câncer mamário. Em estudo
conduzido por Faria et al. (2001) é sugerido a combinação das terapias para não atrasar
cargo da radioterapia.
presente proposta como solo de tradição, a partir do qual busquei traçar caminhos para
dominação e poder por apresentar porte e força física que a mulher não possuía,
própria e da espécie. Nos dias de hoje pode-se dizer que os conflitos interpessoais entre
homens e mulheres tenham aí suas raízes, pois ainda se percebe, em alguns casais, a
forma unilateral: a noção do poder por parte do homem traz consigo a apropriação da
permitido ter apenas um homem, mas a este era dado possuir várias mulheres” (ibid., p.
52).
O mesmo autor diz que a figura feminina é sufocada pela sociedade patriarcal.
Esse domínio se estende entre os próprios homens que antes viviam em tolerância
33
recíproca e agora competem entre si, brigam pela terra, pelo poder e pelas mulheres. A
trabalho.
à mulher e ao sexo, ratificada ainda mais pela doutrina da Igreja Católica que culpava
gênero numa abordagem arqueológica, a sexualidade ainda era tratada com certa
franqueza até o início do século XVII. Vigoravam gestos diretos, discursos sem
astutas vagando, sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos. O que se
dizia, então, era que os corpos pavoneavam4 livremente. As práticas sexuais não
procuravam segredo.
Este autor analisa em seus estudos que o movimento de Repressão Sexual, que tem sua
sexuais.
A rigorosa repressão às práticas sexuais e ao sexo pode ser entendida pelo fato
4
Do verbo pavonear: mostrar, exibir, com vaidade.
34
Ainda o mesmo autor refere que foi com esse pensamento defendido fortemente
espécie. Nesse sentido, “o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das
Atos, diálogos, conversas, enfim, qualquer investida que ousasse contestar essa
onda de aparente moralização, que na verdade ocultava a busca pelo poder, era
sexo, em que o “simples fato de falar dele e de sua repressão [representava] como que
Assim, entende-se que diante dos inúmeros acontecimentos que tomaram lugar
curso marcado por momentos de extrema polaridade: houve época em que sua prática
era livre, sem pudores, outra em que se recolhia ao único lugar da casa
reconhecidamente fecundo, o quarto dos pais; houve época em que os padres católicos
35
possuíam esposas e constituíam famílias, outra em que as mulheres eram perseguidas e
queimadas em fogueiras.
Esses fatos e tantos outros que com certeza se perderam no tempo podem
parcialmente explicar a associação das questões referentes ao sexo com o pecado e seus
efeitos maléficos que refletem até hoje na vida das pessoas: homens e mulheres.
ou timidez.
Após a leitura dos resumos publicados nos catálogos do CEPEn, constatei que a
36
Era enaltecido em rituais de culto à fertilidade, pois a mulher tinha a capacidade de
alimentar sua prole, inclusive em épocas de fome (YALOM, 1997). Era considerado a
De acordo com esta autora, um toque maternal e sagrado foi dado a essa parte
determinava à mulher o duplo papel de esposa fiel e mãe zelosa. O leite materno
ser dona do seu próprio corpo, começa demonstrar um certo desdém pelo sexo e o seio é
Essa mesma autora refere ainda que mais recentemente, na Era Contemporânea,
vivida livremente. Tabus e preconceitos perdem força, a livre escolha é uma opção para
todos.
Por fim, o seio pertence a sua única e legítima dona: a mulher. Fazendo agora
uma reflexão sobre tudo que foi exposto e pensando que neste seio é diagnosticado um
nódulo, confirmado câncer, agendada uma mastectomia, percebe-se que ele passará por
37
controle sobre o próprio corpo: a nova imagem parece não permitir que se sinta à
ou hospitalar que inclua objetivamente discussões sobre tais questões. Suporte físico e
emocional são fundamentais, porém não estão disponíveis em todos os hospitais da rede
pública e privada.
expressam sua sexualidade e para desvelar o sentido que está aí oculto, busco basear-me
fenomenológico permitirá discutir a questão “em si mesma”, ou seja, “naquilo que ela é
Apesar de iniciante nas leituras do filósofo, penso que seu método é apropriado
porque dirige-se para a compreensão do homem e o próprio homem está a todo instante
superando seus limites. Sua utilização permitirá uma valiosa interpretação que vai
abordar a mulher contida por uma doença maligna e cirurgia mutilante no cotidiano
ambulatorial.
38
CAPÍTULO III. METODOLOGIA – caminho para uma ontologia
Ontologia: estudo dos entes. É ontológico aquilo que justifica e explica a razão
de ser. Em outras palavras para melhor entender, fazer uma ontologia é esforçar-se para
conhecer aquilo que move o homem, seu pensar, seu fazer, seu agir, enfim seu ser, seu
ofício de existir. Tentar chegar a sua origem? Não exatamente, mas tentar conhecer isso
que o impulsiona, que o faz conhecido onticamente. Isso que é ser. Ao tentar conhecer o
ser, chega-se aos seus vários modos, modos de ser. Seguir este caminho consiste em
ousar um estudo sobre o ser dotado do caráter da pre-sença que, possuidor de estruturas
uma busca ontológica é empenhar-se para alcançar o que está da pre-sença mais
afastado, partindo daquilo que a pre-sença é, mais perto está e tem acesso livre. A
investigação em andamento vai tentar chegar ao ser da mulher mastectomizada que tem
com isso abalando sua confiança: a Escola de Frankfurt fez crítica severa à atitude
científica, assim como o filósofo e professor Thomas Kuhn, então conhecido como
conhecimento das coisas na sua essência, no em si mesmo dos objetos, que é a origem
a partir das aparências e das manifestações. O tema de Husserl volta às coisas nelas
e mostra e explicita essa experiência da forma como ela se deu. Então, ao se examinar
um fenômeno mediante suas manifestações, percebe-se que ele não pode ser
generalizado, não pode se transformar em regra geral, sendo único para cada indivíduo.
40
conjunto dos significados subjetivos que constituem esse mundo. O francês Merleau
podem ser estudadas simplesmente como fatos; elas possuem grande importância,
como o amor, medo etc. Não podem ser analisadas como simples reações. Merecem
um tratamento do tipo holístico, que agrada e valoriza o enfoque das ciências humanas,
1995).
Boemer é a autora do primeiro trabalho acadêmico com base fenomenológica. Sua tese
de doutorado sobre a morte e o morrer data da década de 80, tendo sido defendida na
41
O presente estudo será conduzido na linha fenomenológica e nesta abordagem
trazer à luz seu sentido que está oculto na fala, no gesto e na ação das pessoas. A
subjetividade, ir até o EU interior e seguir intimamente por caminhos ora da razão, ora
da emoção posto que somos um misto destes dois momentos, oscilamos entre um e
variados no dia-a-dia, somos atores desempenhando atos sucessivos como numa peça
teatral. Somos levados a fazer o que a vida cotidiana nos impõe, muitas vezes somos o
que os outros querem, poucas vezes somos o que queremos. Hessen (1987) comenta que
de separá-lo disso tudo para conhecê-lo melhor, para sabê-lo como ele mesmo, sigo,
que minimiza pressupostos e preconceitos. Caminho este que busca mostrar o ser em si
mesmo, partindo de “como ele é antes de tudo e na maioria das vezes” (HEIDEGGER,
2001, p. 44).
42
3.2 O método em Martin Heidegger
mediante seus modos de ser. Para ele, a questão do ser é tida como privilegiada, como a
mais importante que precisa ser desvendada, sendo esta a proposta de sua obra máxima.
Ser e Tempo, publicado pela primeira vez em 1927, com texto complexo e rico de
compõe-se de dois termos gregos: fenômeno e logos, que corresponde à ciência dos
que reúne “a totalidade do que está à luz do dia ou se pode por à luz”, ou seja, fenômeno
é “tudo aquilo que se revela e que se mostra em si mesmo” (HEIDEGGER, 2001, p. 58).
E logos deve ser apreendido como o discurso que traduz, que diz, que interpreta, que
que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo” (Ibid., p. 65). É uma
Traz à tona o que não está à mostra, o que não aparece diretamente, o que está
43
significados verbalizados, expressados e manifestos. O método consiste em investigar
que: interroga o ente, questiona o ser e procura o sentido do ser. E o pensamento teórico
A Ontologia Fundamental por ele proposta é o caminhar que nos põe na busca
mesma, que em nossa época se tornou uma das tarefas mais difíceis por causa do
impacto provocado pelo cientificismo e pelo universo tecnológico. Para ele, ser é a
finalmente conhecido para o ser humano, para o “ser-aí” ou “dasein”. Nessa proposta
(HEIDEGGER, 2001).
44
São três as dimensões trabalhadas: cotidiano, angústia e morte. O cotidiano é
como nós somos antes de tudo e na maioria das vezes. Angústia é o estado em que
mesmo. Achamos tudo estranho. É o encontro do ser com ele mesmo. Aqui surge a
estar-lançado para a morte. O homem existe para morrer. E a morte surge como a
soberana e invencível.
delas mesmas, como expressam sua sexualidade foi possível através deste método que
mundo. Foi como usar uma espécie de lente de aumento que permitiu ir além, enxergar
coisas pouco nítidas pela distância em que se encontravam, por estarem tão interiores ao
veladas. Foi tentar resgatar algo que parece estar perdido. Foi buscar a essência do
homem no seu vivido e, a partir das suas significações, compreender o sentido do ser do
humano. Para Heidegger (2001, p. 77) “o ente que temos a tarefa de analisar somos nós
mesmos”.
45
CAPÍTULO IV. TRAJETÓRIA DO ESTUDO
4.1 Cenário
Ainda na fase de defesa de projeto, enquanto aguardava apreciação pelo comitê de ética
investigação nas duas instituições onde trabalho. Infelizmente, não obtive parecer
sexualidade era delicado para ser tratado. Então percebi que a recusa de minha pesquisa
(CNS) / Ministério da Saúde (MS) e com as boas práticas da ética na pesquisa (anexo
nº. 1). Ainda em respeito ao aspecto ético, foi garantido o anonimato das depoentes
segundo a resolução supra citada. Como encontrado em Tavares (1998), esta dispõe de
forma ampla sobre as Normas de Pesquisa em Saúde com aplicação em todo território
brasileiro e discorre sobre os aspectos éticos que devem ser observados quando há seres
esclarecido (anexo nº 2 ).
o qual mantenho vínculo empregatício há 18 anos, foi o local escolhido para cenário
que vieram para consulta médica no período compreendido entre 14/10/2002 (data do
sala exclusiva de uso pela enfermagem, foi utilizado o consultório médico que estivesse
Por isso algumas entrevistas iniciaram na sala 317 e terminaram na 321, ou até mesmo
modo geral, o que pude apreender do breve contato com essas mulheres, foi a presteza
estabeleci um tempo para nossa conversa, mas se tivesse feito certamente teria
dificuldades para cumprí-lo. Deram-me a impressão que gostariam de falar por muito
tempo.
por uma breve apresentação de minha parte, do intuito daquele encontro, seguido do
pedido de autorização para a entrevista ser gravada. Obtendo sua resposta positiva, meu
47
ponto de partida consistia em perguntar: como a sra. se sente depois da mastectomia?
deram espaço para que a mulher falasse um pouco de si antes que a questão fosse
campo onde registrava, tão logo fosse possível, informações sobre cada uma delas e até
mesmo impressões que não eram captadas na fala, porém foram vistas e sentidas por
mim. Utilizando-me dessa sutil observação, percebi que poderia construir uma síntese
sobre cada mulher de modo a mantê-la sempre viva em minha mente. Foi uma forma de
otimizar minha aproximação a ela. Essa manobra teve tanto êxito a ponto de não
conseguir me desvencilhar de seus nomes, sendo preciso usar suas iniciais para
48
CAPÍTULO V. EM BUSCA DA COMPREENSÃO POSSÍVEL
extrair as falas principais que as mulheres mastectomizadas relataram para mim, num
momento que considerei reservado, íntimo e até mesmo único de nossas vidas. Acredito
que para elas a oportunidade de falar sobre um assunto pouco abordado em consultas
sensações, segredos talvez, a respeito delas mesmas. E para mim, não tenho dúvidas de
que fui a mais beneficiada de todas já que, mesmo ao ouví-las atentamente, muitas
vezes não fui feliz em minhas colocações ou não correspondi as suas expectativas. No
entanto, fui autorizada por elas a utilizar suas falas para desenvolver esta investigação.
Oxalá espero que durante os minutos que estive com cada uma dessas guerreiras
amazonas, possa eu ter sido capaz de oferecer alguma contribuição, que mesmo mínima,
já me conforta.
compreensão destas mulheres, fui em busca do quem, ou seja, quem são elas. Podiam
casadas, desquitadas ou viúvas. Precisei conhecê-las não através desses dados e sim
além deles, para alcançar o que falavam. Concluí este estudo acreditando que a medida
sobre as depoentes, assim como uma síntese que mostra um pouco do quem de cada
uma. Acredito que o formato destas composições vai contribuir para a orientação do
sexual antes e após a cirurgia. Foi possível extrair essa informação através dos relatos
sem que fosse formulada pergunta específica, dando a impressão de se ter alcançado
Como foi dito anteriormente, as depoentes foram identificadas por meio de uma
ou duas iniciais do nome seguida do número da entrevista. Vale ressaltar que o hoje
QUADRO 4
I 1 I 4 L 6 MH 7 D 9
Mantêm relação sexual até hoje M10 B 12 MT 13
MG 15
50
O quadro 5 resume a idade e estado civil, tempo de cirurgia e data em que foi
realizada a entrevista.
QUADRO 5
INICIAL do
ESTADO TEMPO DE DATA DA
NOME/ Nº da IDADE
ENTREVISTA CIVIL CIRURGIA ENTREVISTA
I1 41 separada 3 anos 14/10/2002
51
Uma síntese sobre cada depoente elaborada a partir do diário de campo.
dor nas costas, porém já percebe alguma melhora desde que iniciou esse tratamento.
Expressou sexualidade através de relação sexual que manteve depois que tirou a mama,
dizendo também que não houve problema. Foi casada, sua separação se deu porque ela
e o ex-marido já não vinham se dando bem, alegando não ter sido por causa da
mastectomia.
Foi entrevistada no dia de sua primeira revisão cirúrgica. Segundo ela, o que
respondeu ‘não ter nada disso’, talvez por ser uma senhora de idade e viúva. Deteve-se
a falar do período em que esteve internada, das colegas de enfermaria (forma a que se
referia as outras pacientes). Falou dela a partir dos outros e não dela mesma.
aproveitou tudo que pode na vida, sempre alegre e extrovertida. Em entrevista bastante
se ‘arrepiar’ e, assim sendo, considera que está ‘tudo em cima’. Às vezes relembra o
passado, época em que viveu muito bem a vida e aproveitou tudo que pode, e ‘começa a
pensar o que não deve’. Resolve suas excitações com tranqüilidade, ou melhor, sem
52
mastectomia sobre sua sexualidade e até arrisca palpite que não altera em ninguém.
Aos 52 anos diz em seu relato que ficou arrasada ao confirmar o diagnóstico de
câncer de mama somente na 4ª biópsia a que foi submetida, pois restavam esperanças
de que não estivesse com a doença. Sentiu dificuldade em aceitar seu corpo que não
estava normal, faltava alguma coisa. Tinha vergonha. A mastectomia mexeu muito com
sua cabeça do ponto de vista da sexualidade, não trocava de roupa na frente do marido
e evitava namorar. Ele mostrou ser seu amigo de verdade, inclusive lhe apóia na
decisão de fazer a reconstituição da mama, considerando que trará benefícios para ela.
Hoje, se diz uma mulher vencedora, agradece a Deus pela união de sua família e
Com seus 74 anos de vida relembra a cirurgia e conta que naquela ocasião
passou dias na cama, chorou muito, porém recebeu ajuda do marido e filhas, sendo este
sexual logo após a cirurgia, voltando ao normal até o adoecimento dele. É uma mulher
ativa, exerce várias atividades no lar e espera que Deus lhe conceda muitos anos pela
frente.
congelação à esquerda .
53
Submetida à mastectomia direita em maio de 1994, ela se diz feliz porque está
vivendo cercada por pessoas amigas. Em setembro de 2002 retornou ao HSE para fazer
uma biópsia de mama esquerda e esvaziamento axilar. Fala com orgulho dos filhos, de
seu trabalho como educadora, do zelo com sua casa. Expressou sexualidade mediante
como em casa, no cuidado com os filhos, no convívio com os amigos, no lazer, até em
momento de relação mais íntima com seu esposo. Neste encontro, a relação sexual é
município do RJ, muito bonita e paquerada. No entanto, não se revolta nem lamenta
por ter hoje o corpo mutilado. Sente-se amparada pelos anjos e por nós profissionais.
atividades rotineiras que não deixou de fazer: dança, bebe, fuma. Teve relação sexual
depois da cirurgia e foi tudo normal. É viúva e mora com seu filho de 23 e sua filha de
18. Está fazendo nova avaliação pois surgiu outro nódulo. Diz que não tem medo de
Reside no Brasil há 49 anos, é viúva e ‘nunca mais teve ninguém por isso não
tem problema nenhum de sexo’. Expressou sexualidade através dos laços afetivos que
conseqüências naturais. Está sempre pronta para ajudar as pessoas e espera ter muita
54
Entrevistada nº 9 / mastectomia esquerda há 10 anos
e chora ao fazer o seu relato. Recebeu bastante ajuda da família nesta fase difícil, acha
que sem esse apoio não teria suportado. Expressou sexualidade através da vida sexual
com seu marido que não mudou nada. Apoiada por ele, ela deseja fazer a
reconstituição, porém teme morrer nesta cirurgia. É casada há 33 anos, seu filho de 20
seqüelas
em 1995 em hospital particular, aos 71 anos de idade Da.______ conta que não houve
problema algum durante o período em que esteve hospitalizada e que ainda ajudou as
colegas da enfermaria. Diz que foi tudo uma beleza, que não sofreu nada. Fez
fazer a cirurgia plástica reconstrutora dentro de 2 anos. Muito vaidosa, não tirava a
55
a ferida cirúrgica evoluiu com necrose, sendo necessária uma enxertia. Arrependeu-se
de ter feito a plástica e questiona sua vaidade extrema a essa altura da vida. Expressou
alguém. Chegou a manter relação com o namorado após a mastectomia, mas com
reserva, pois tinha vergonha. Depois da cirurgia plástica que lhe deixou com seqüelas,
anos, foi submetida à quimioterapia a fim de reduzir o tumor para, então, fazer a
Relata que apresentou um ‘probleminha’ e deste foi procedida uma biópsia, que acusou
tecido’) no local anteriormente operado e desde então faz uso de medicação oral. Em
tempo; quando falou da intimidade e longa convivência entre ela e o namorado (fixo há
quando falou da realidade da maternidade negada pela ooforectomia bilateral a que foi
social diversificado e relacionamentos afetivos com colegas, tocando assim a vida pra
frente; e finalmente quando fala que o relacionamento entre ela e o namorado ficou
estremecido.
56
Entrevistada nº 13 / mastectomia há 1 ano 5 meses
não saber se poderia dar continuidade à gestação. Foi alertada pelos médicos sobre o
risco que a radioterapia poderia causar pois até julho do ano anterior fez esse
tratamento. É casada e tem uma filha de 14 anos que aguarda a chegada da irmazinha
prevista para maio deste ano. Em entrevista envolvente e emocionante, ela manifestou
visivelmente sua sexualidade através do abdomem volumoso com que exibia sua
por meio de sentimentos de receio e acanhamento. Disse que seu marido ‘não está
______ é casada há 53 anos e vive ‘em companheirismo’ com seu esposo. Tem 2 filhas
do companheirismo que une o casal. Juntos, os dois aceitaram a cirurgia pois não
havia outra escolha. Hoje não mantêm relação sexual, mas na ocasião da cirurgia
continuou normal.
57
Entrevistada nº 15 / mastectomia há 3 anos
necessário fazer quimioterapia antes e depois da cirurgia. É casada, tem 3 filhas (‘uma
chegando a atitude extrema de mandar o marido embora de casa tendo em vista que
não servia mais pra ele. Fez também elogios a ele, reconhecendo que nada mudou. Este
permaneceu em casa junto à família, dando apoio à esposa. Ela reconhece que o
companheiro não mudou, inclusive a ‘procura’, mas ela às vezes não está afim.
que tive dificuldades em concluir. Trechos das entrevistas são apresentados ilustrando
UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO I
humana.
“Me sinto bem também [...] Já tive relacionamento depois que tirei a mama, não houve
problema nenhum”. I1
58
Como a sra. está se sentindo sexualmente falando, depois de tirar a mama?
“É...normalmente. Não estou sentindo nada [...] Não tenho nada disso. Tudo normal...”
M2
“Olha, apesar de eu estar aposentada sexualmente, mas eu acho que está tudo em cima
[...] Porque eu acho que já... passou da minha fase aquela euforia toda, já vivi bastante,
vivi muito bem a vida [...] No meu tempo era bom que não tinha o problema da aids,
“Não, não quis, muito embora eu sinta de vez em quando uns arrepiozinhos [...] Esses
arrepios são aqueles que todo mundo sabe. Aquelas excitações... a gente começa a
pensar... as vezes lembra de coisas passadas e começa a pensar o que não deve. Aí
começa a ficar arrepiadinha e tal coisa. Aí eu digo: ‘Não! Estou aposentada, então
vamos dar um jeito nisso: chuveiro frio! Pronto!’ Depois pega um calmantezinho, um
chazinho de cidreira, erva-doce. A sra. desculpa que eu estou falando muita bobagem”.
I3
“É normal. Eu vou fazer 30 anos de casada, mas é como se tivesse casado agora”.
I4
59
“Depois que eu operei foi normal”.
“Foi normal, a mesma coisa [...] Passaram dois meses daí é que começou
normalmente”.Z5
“Normalmente. Normal [...] E nada disso me atrapalhou [...] nem na vida sexual.
“Sim. Normal, normal. A parte de sexo não tem nada... não mudou nada. Normal”.
L6
Depois que você fez a cirurgia, como é que você se sente sexualmente?
“Me sinto bem, não sinto nada, não sinto dor nenhuma”.
Depois que você fez a cirurgia, você já teve algum relacionamento sexual?
“Já. Já”.
“Normal, normal [...] Normal, normal mesmo (pausa). Pode perguntar que eu... eu não
vou falar uma coisa que é mentira, vou falar uma coisa que é verdade”.
MH7
“Não tenho problema desse. Eu nunca fui muito... se fosse ‘agitada’ por causa de sexo
teria casado mais cedo (e ri), não é? E eu sempre gostei... eu sempre fui assim... quando
eu... se eu estiver a casar-se com uma pessoa que eu ame, se eu não amar não adianta
60
Tem vida sexual ativa?
“Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo [...] Não mudou nada eu com ele, mesma
coisa, continua o mesmo, sabe, não mudou nada [...] Tudo bem. Tem muita força que
ele me dá...” M 10
Depois que a sra. fez a mastectomia, como é que a sra. se sente sexualmente?
“Tinha. Mas tinha reserva, a gente sempre tem muita vergonha. Não tem mais coragem
de tirar a roupa [...] A gente fica meio envergonhada. Não sei se casada. Entre marido e
mulher, se já estão juntos algum tempo, tendo amor entre os dois, né, aquele amor,
Depois que você fez a mastectomia, como você vem se sentindo sexualmente?
“No início eu tomei um choque [...] Eu tinha vergonha [...] eu ficava meio assim
receosa”.
Você é casada?
“Eu não sou casada, mas tenho uma pessoa [...] são muitos anos já de convivência [...]
As vezes nós estamos juntos na intimidade, ele fala: ‘Poxa, se solta, esquece que você
61
Agora, especificamente falando da mastectomia, depois que você fez a cirurgia como é que você vem se
sentindo sexualmente?
“Assim... fica um pouquinho acanhada [...] A gente vai acostumando, né. Meu marido
né”. MT 13
Depois que fez a mastectomia, como é que a sra. vem se sentindo sexualmente?
A sra. é casada?
“Sou, sou”.
“Sim, sim”.
Depois que fez a mastectomia, como é que você vem se sentindo sexualmente?
“Olha, sexualmente, tá assim... uma relação mais ou menos... em mim mesma eu não
“Procura, ele me procura. Só que tem hora que eu... não estou afim, mas é em mim
mesmo...” MG 15
62
UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO II
necessidade de um tempo.
“Eu sempre fui assim, extrovertida a minha vida toda. A minha irmã as vezes fala:
’Você tem que ser mais...’ Eu digo: ‘Mais como?’ Eu não vou me recolher, eu não estou
I3
“Então eu evitava trocar de roupa perto dele, entendeu? Quando ia tomar banho, me
sentia mal [...] de me ver assim só com um seio [...] Só depois que você vai
convivendo, que você vai vendo, aceitando, entendeu? Aí, agora, eu já me aceito com
“... senti muito, chorei muito, passei dias na cama [...] E daí pra cá minha vida não foi
normal como era antes [...] no começo eu senti muito, mas depois eu fui esquecendo [...]
“E agora está assim: faltando um pedaço de mim. Mas eu estou erguendo a cabeça e
“Dou força a outras pessoas que já fez e está pra baixo. Eu levanto porque isso daí é
uma coisa que se a pessoa abaixar a cabeça é pior [...] se não levantar a cabeça e não
entregar na mão de Deus, a doença vai tomar conta com certeza. Porque aí ela vai dizer
que está com uma doença na cabeça, uma doença no braço, tudo que sair é doença. Pode
ser assim não. Eu não vou dizer para as pessoas que sou forte, não vou. Quero dar força
63
para as pessoas que estão pra baixo. Porque não adianta a pessoa ficar pra baixo...”
MH 7
“A gente fica assim com receio as vezes. Vai fazer uma mamografia, aí tira a blusa, fica
M 10
“Custei muito para tirar a roupa para minhas netas verem. A gente sente faltando um
[...] Eu acho a mama a parte mais importante para a mulher esteticamente [...] custei
“Então, no começo é meio complicado, eu ficava meio assim... pra mim ficar sem
roupa. Até pra eu chegar junto mesmo da pessoa, de outra pessoa, eu ficava meio assim
receosa. Com o tempo aí foi que eu melhorei um pouquinho [...] Mas é aquela coisa, é
uma cicatriz [...] Eu mesma... eu não gosto, mas é aquela coisa eu tenho que me aceitar,
era a única opção que eu tinha para ficar viva[...]Até pra ficar perto dele[...]eu fico
envergonhada.” B12
“Olha, na verdade, logo assim que eu operei [...] assim fica um pouquinho acanhada
[...] A gente também vai acostumando [...] Ele também, logo assim que eu operei, ele...
no dia seguinte que eu fui fazer o curativo, ele já estava presente. Então ele já viu [...]
participou do curativo, foi uma maneira assim dele já me ver do jeito que eu já estava.
Então, não teve assim também aquele trauma de me ver, de custar a botar a mão, de
custar... não, sabe, não teve nada disso não. Foi bem assim... natural”. MT 13
64
“Ele entendeu, aceitou, né, porque não tinha outra... né, tivemos que aceitar juntos”.P 14
“Eu... em mim mesma eu não consegui ainda aceitar a operação, entendeu? [...] Eu acho
assim uma coisa tão esquisita [...] Mas, até agora, graças a Deus, vou conseguindo
“Mas é, não adianta ficar assim porque é realmente o que está acontecendo. Então eu
resolvo com meu chazinho de cidreira, que é calmante, ou com outro calmantezinho e
tal... E assim eu me sinto muito bem. Mas realmente agora falando sério eu acho que já
“Que eu acho que agora, né, você tira uma coisa, né, você não está normal [...] Então eu
evitava trocar de roupa perto dele [...] As vezes tinha dia que eu estava afim e eu tinha
vergonha de falar pra ele, sabe? [...] eu evitava as vezes chegar pra ele e falar: ‘Vamos
namorar hoje?’ Eu tinha vergonha de falar porque eu achava que ele não ia aceitar,
entendeu?” I4
“Passaram dois meses daí é que começou normalmente [...] Eu ainda fiquei de repouso
um tempo [...] Agora, a gente sente uma diferença, né? Essa parte aqui fica meio
65
“Fui uma mulher bonita, paquerada, super paquerada, bonitona. E agora está assim:
faltando um pedaço de mim [...] E eu penso assim comigo na rua quando vejo eu estou
no sinal, um rapaz me paquerando, eu penso: ‘Há, meu Deus, ele está olhando só meu
“Eu levanto porque isso daí é uma coisa que se a pessoa abaixar a cabeça é pior. Eu não
sinto nada nada. As pessoas não acreditam. E eu digo: ‘É’. E mostro às pessoas. Porque
“Meu marido era brasileiro. A gente se identificou, se gostou e nos casamos. Aí ele já
desencarnou vai fazer 21 anos dia 1o de dezembro. Eu aqui fiquei sozinha, moro sozinha
lá em Engenheiro Pedreira. Graças a Deus não tenho mais... o resto não tenho mais, não
“Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo. Meu marido fala as vezes... até já pegou
um papel lá embaixo e tudo... pra repor, né [...] A gente fica assim com receio as vezes.
Vai fazer uma mamografia [...] fica constrangida [...] de tirar a roupa ... “ M 10
“Eu não tenho mais coragem de ter ninguém porque eu não tenho coragem de tirar a
roupa na frente de ninguém [...] a gente sempre tem muita vergonha [...] talvez se
tivesse ginecológico (aqui ela se refere ao câncer ginecológico) talvez a gente não se
sinta tão castrada como a mama, né. Eu acho a mama a parte mais importante para a
mulher esteticamente”. N 11
66
“Eu tinha vergonha de me mostrar, de ficar sem roupa [...] eu sempre falo: acho que tem
alguma coisa errada [...] mas ainda assim no fundo a gente sente um constrangimento
[...] eu sinto vergonha dele, eu ainda sinto [...] mas eu não sei, eu sinto que alguma coisa
fica estranha, entendeu. Até pra ficar perto dele, tomar um banho, alguma coisa assim,
assim: a gente se olha no espelho , se vê diferente e tal [...] e tirando um pedaço assim...
que... porque quando tira por dentro a gente não vê, né. Mas quando tira por fora, já fica
MT 13
“Eu acho uma coisa assim tão esquisita [...] quando eu soube que estava com problema
de câncer no seio [...] eu mandei meu marido embora [...] Eu achava que servia pra ele
UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO IV
elogios e reconhecimento.
“Ele diz: ‘Se você estiver bem, estiver afim, tudo bem. Se não estiver, só para me
satisfazer, não vale a pena’ [...] É por isso que eu digo: ele sempre foi meu amigo, sabe?
[...] Ele é um homem bonito, ainda novo [...] não é desses maridos caidão, apesar de que
ele é mais velho do que eu 7 anos e eu estou mais velha do que ele, sabe (e ri). Tem os
olhos azuis...” I4
67
“Porque ele me deu muito apoio [...] tem 72 anos, mas ele é forte, bonitão, não é porque
é meu marido não, mas é, né? [...] meu marido foi muito bom [...] Ele tinha paciência,
“...meu marido se preocupa muito comigo, não sei se porque tem mais idade do que eu
“Muito bacana, não tenho o que falar. Muito amoroso nessas horas. Muito bom. Se o
“Ele disse: ‘Pára com isso, isso aí pra mim é só uma cicatriz, eu estou com você, não
estou com sua cicatriz, pra mim você continua a mesma pessoa, estou com você porque
eu quero”. B 12
“Ele foi da maior atenção, atenção total que ele me deu, sabe. E também até na
“Ele aceitou bem [...] Só fica o companheirismo [...] Ele entendeu, aceitou [...] Mas ele
é muito mais saudável do que eu [...] Tem uma saúde muito boa”. P 14
“Ele continua o mesmo, ele não mudou nada [...] E ele mesmo me deu uma aula de
lição, né? Me mostrou que não é por aí, né [...] Mas ele continua sendo meu
68
companheiro ali, junto. Se eu passo mal, ele vem, me traz aqui, fica aqui comigo até na
hora de ir embora”. MG 15
UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO V
... da retomada das atividades normais do dia a dia. É possível manifestar alegria em
viver.
“Tudo normal, converso, tenho recebido visita, mas eu deixo as pessoas falarem mais do
“Então nós podemos juntar os brilhos delas todas: vamos brilhar todo mundo junto!
Cada um pro seu canto, mas tudo... então, eu acho, eu sempre fui muito assim
“Mas a minha vida, graças a Deus, tem sido uma maravilha com a minha família, sabe
I4
“Meu estado normal é fazendo serviço dentro de casa. Faço tudo [...] Eu não sei ficar
parada: é costurar, fazer crochê [...] lavo paninho de prato [...] Vou indo. Eu digo: se
“... não parei de trabalhar [...] já trabalho há 28 anos [...] de vez em quando a gente vai a
um baile, uma festa dançante [...] dirigo [...] eu continuei pintando (o cabelo), fazendo
unha, me arrumando [...] trabalho em casa [...] estou sempre querendo ajeitar as coisas
[...] eu nunca estou parada [...] Mas eu continuo, sabe sra. enfermeira, muito feliz
69
porque eu estou vivendo, né? Estou cercada de pessoas amigas [...] eu estou muito bem
“Eu danço, bebo cerveja, fumo e eu não sinto nada, nada, nada [...] Amanhã vou
trabalhar, depois de amanhã estou em casa, depois de amanhã trabalho. E vou vivendo a
vida [...] 43 anos fiz semana passada [...] Fizeram uma festinha pra mim lá no botequim
“... o resto... bem... me dou com todos, gosto de conversar. Se puder ajudar alguém não
deixo de ajudar em qualquer sentido. Eu tenho minha religião, sou cristã-espírita. Tem
um centro lá que eu faço parte há 45 anos. Vou lá, canto com as crianças e me sinto bem
à vontade”. R8
“É. Aí eu não sei né... ou foi coisa de Deus, né, que me deu essa força toda porque eu
rezo muito, peço muito a Deus para me dar bastante força, né. Deus me ilumina muito,
“Parei porque era muito caro. Eu não tinha... agora eu tomo tamoxifeno que até que no
hospital que me dá. Eu estou te dizendo que a pensãozinha é desse tamanhozinho. Tem
as filhas, mas a gente que é mãe... a gente quer dar a eles e não tirar, não é assim? A
gente prefere as vezes dar... eu pelo menos sou assim: se eu puder dar eu não quero
tirar”. N 11
“... eu me arrumo [...] Aí comecei a estudar [...] No ano passado terminei, agora vou
começar o segundo ano [...] procuro sempre estar fazendo um trabalho manual, faço
70
crochê, ora estou bordando, ora estou costurando, entendeu [...] eu procuro levar a
minha vida normalmente, eu vou à praia sempre que eu posso [...] faço meus passeios,
normalmente”.B 12
“Dra., a minha menstruação não veio’. E ela: ‘Já que eu estou fazendo a ultra-
sonografia, vou dar uma olhadinha também’. Aí deu uma olhadinha e disse: ‘Iiiiiiiiii,
você está grávida de 8 semanas!’ Eu falei: ‘Não acredito, dra!’ Fiquei apavorada, né,
porque eu fui pra ver uma coisa, né, e achei outra. Aí, lá em casa, a gente primeiro ficou
muito preocupado porque não sabia se ia poder dar continuidade à gravidez, se o neném
tinha algum problema [...] ‘Ah, não, tem que dar certo porque eu quero também agora’
[...] Mas eu vou à praia e tudo [...] já fui aproveitar, né, para espairecer também, né, pra
melhorar e tal [...] E eu ajudo também, faço uns bicos, né, aí ganho um dinheiro e tal”.
MT 13
“Eu casei em 49, agora você faz as contas aí [...] 2 filhas [...] netos [...] É muito
casamento para um casamento só (rindo) [...] E o acompanhamento que antes acho que
“Dia após dia estou sentindo que estou mudando pra melhor [...] Eu venho aqui, todo
mês eu tenho que estar aqui pra apanhar o remédio [...] Eu... se eu pudesse trabalhar
agora, eu até aceitaria voltar a trabalhar porque o trabalho é uma coisa que dá pra gente
esquecer dos problemas, né [...] Cheguei à conclusão que não tem só eu, né. Aí que foi
um pensar. Eu parei e pensei... não tem só eu. Então, eu tenho que encarar, né”.
MG15
71
UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO VI
“... você tira uma coisa, né, você não está normal. Vou ficar agora depois da cirurgia
[...] meu marido está achando que eu devo fazer, que eu vou me sentir melhor [...] eu
“Mas eu ainda estou com aquele receio de... com medo, né, com um pouco de medo.
Será que eu faço ou não faço? [...] Aí ele disse: ‘Deixo contigo. A decisão é sua. Eu não
“... custei muito a me olhar no espelho [...] Por isso, eu fui correndo tentar (refere-se à
“Tanto que até agora a última vez que eu tive com dr._____ eu estava até falando pra
“Só que é assim: a gente se olha no espelho, se vê diferente e tal, tanto que eu quero
“Então, quando a médica falou que tinha que fazer a retirada da mama, né, aí eu
comecei a chorar. Tinha 2 filhas noivas pra casar. Puxa vida, nem vou fazer o
casamento das minhas filhas. A gente pensa logo nos filhos, entendeu?”
I4
72
“... no começo eu senti muito, mas depois eu fui esquecendo. Tive apoio da família: é o
melhor remédio pra gente, é o apoio dentro de casa, né? Então me distraí, tem hora que
eu até esqueço que tenho esse problema. Vivi a vida toda normalmente que eu sempre
tive calma também. Não sou desesperada. Se tem que acontecer semana que vem, eu só
vou pensar aquela semana, não vou pensar antes que é pior, né?” Z5
“Mas eu continuo, sabe sra. enfermeira, muito feliz porque eu estou vivendo, né?” L 6
“... por causa que saiu um [outro] caroço e a dra. pediu. Se tiver que operar eu opero.
Não estou com medo, nunca tive medo. Um dia eu vou mesmo, todo mundo vai”.
MH 7
“Graças a Deus eu sou cheia de vida. Apesar da minha idade, dos meus problemas, já
fiz 4 cirurgias. Mas assim mesmo tenho muita vida pra viver”. R8
“E eu morrendo aos poucos, branca, sem sangue nenhum, fiz 2 cirurgias uma atrás da
outra...” N 11
“...mas é aquela coisa eu tenho que me aceitar era a única opção que eu tinha para ficar
“... já me perguntou se ela tem tendência a ter câncer de mama, né, isso ela ficou
preocupada. Só que eu falei pra ela o seguinte: ‘A minha mãe não teve câncer de mama
73
e eu tive. Então você pode não ter”. Não é? Mas claro que todo mundo tem esse risco e
tem que se cuidar, né, preventivo todo ano. Mas ela ficou preocupada nesse sentido, de
“Nesse ponto os médicos me ajudaram muito porque se eles me dessem licença, eu acho
que já tinha feito a besteira. Eu pensava muito em me matar. Quando o meu cabelo caiu
então, oh...” MG 15
compreensão do ser vaga e mediana, trago a fala das depoentes que é pautada em fatos
reais vividos no dia a dia e que refletem a instância ôntica. É a partir da experiência de
viver um fenômeno próprio desta mulher que falou a sua verdade, obtive pistas para que
instrução, profissão e estado civil, teve liberdade para usar o verbo da maneira que lhe
conviesse, sem qualquer cobrança. Foi ouvida com paciência durante todo o tempo que
contou sua história. Nem sempre falou diretamente e abertamente, mas em sua maioria
entre si.
74
Em suas falas, a sexualidade mostrou-se principalmente através da relação
com homens que, neste estudo, foram apresentados como marido, companheiro fixo ou
namorado. A retirada de uma das mamas por problema oncológico não constituiu
impeditivo para o retorno desta relação. Até mesmo aquelas que não reiniciam esta
atividade porque já não a mantinham ou porque por hora não a desejam, falam dela,
O ato sexual após a mastectomia aconteceu não apenas com as mulheres casadas
ou com parceiro fixo; mas também com as que não têm um companheiro, pois foram em
das mulheres terem ou não encontros íntimos após a cirurgia. “A relação sexual ocorreu
normalmente”, elas dizem. O que se entende por esse normal? Não houve
problemas que tenham impedido que conseguissem manter uma relação que teve um
início, meio e fim. O intercurso aconteceu e viram que isso foi possível. Normal apesar
de ser uma situação diferente daquela que o casal / mulher estava acostumado(a).
Sentem-se bem, parecendo até que são recém-casadas, são ‘procuradas’ pelos maridos e
estes querem não só satisfazê-las sexualmente, mas serem por elas satisfeitos.
Entretanto, consideram que esta atividade é normal, sem problema, a mesma coisa de
antes, que a doença não atrapalhou, que nada mudou, que se sentem bem apesar da
75
Quando relatam que houve mudança e que a relação está estremecida, está mais
ou menos, acham que o problema está nelas mesmas e chamam a responsabilidade para
si: pode acontecer afastamento do parceiro porque não se está “afim”. Empregam o
termo “coisa” para designar a situação complicada que ora vivem ou expressar a
estranha sensação que delas toma conta. Algumas se desencorajam, temem ser
íntimos. A aproximação física até as pessoas e a relação sexual podem ser adiadas.
Outras evitam esses encontros porque são viúvas ou separadas e não têm outro marido,
julgarem de idade avançada ou por terem ficado viúvas, mas acham que isto é bom,
tenho nada disso”, “passou da minha fase aquela euforia toda”, “já vivi bastante”, “não
tenho problema desse” não falam claramente da relação, mas é a ela que se referem,
tempo que levaram até conseguir tirar a roupa, se olhar no espelho e se mostrar para os
outros, seja em momento de intimidade com o parceiro, seja quando realizam exames
Uma sensação de insegurança e instabilidade faz com que nem queiram se olhar no
espelho. Vivem um “luto” pela perda da mama, se ressentem por algum tempo até se
constitui por ter que passar por novas e difíceis situações não pensadas anteriormente.
76
No início são os curativos, depois uma cicatriz. Expor seu corpo é por demais
doloroso. Revelam que o dano é externo, visível, é na sua superfície corporal. A retirada
da mama, que não pode ser escondida pela nudez, é disfarçada com o uso de artefatos e
fica menos perceptível quando estão vestidas. Aos poucos vão superando a falta de um
pedaço que compromete sua silhueta e sentem-se melhor com o passar dos dias. É
preciso seguir em frente, esta é a opção pela continuidade da vida. Percebem que não
adianta ficar pra baixo e chegam até dar força para outras que passam pela mesma
situação.
nova aparência, é peculiar a cada mulher, cada uma tem seu modo e tempo para ir se
acostumando e este nunca é igual. Para algumas, revelar a ferida cirúrgica de imediato
para o marido e familiares, pode reduzir o trauma de ter que conviver com o próprio
dia a dia. Passam inicialmente por momentos de muita tristeza, de fragilidade física e de
Comentam que retirar um seio não é normal e isso faz diferença tanto
parceiro e se mostrarem a ele num momento de maior intimidade, quando então, ele
pode constatar esteticamente o pedaço que falta “porque não é por dentro”.
77
abater, não se recolhem. No entanto, podem se surpreender quando são lembradas por
outras pessoas do problema que estão tentando esquecer ou quando essas mesmas
pessoas não acreditam que são mulheres mastectomizadas que vivem bem. Chegam ao
ponto de acharem ser cômico quando acontece de serem cortejadas ou paqueradas por
alguém que só as vê pelo que está aparente – rosto, ou pelo que está encoberto pelas
surgem quando se sentem bem. Aceitam-na porque querem, não são forçadas. De
imediato, não ter marido parece ser coisa boa porque não criam expectativas sobre sua
reação, mas isso não impede que manifestem libido. Tê-lo pode significar, de início
principalmente, sentir vergonha de ficar perto dele, de tirar a roupa e tomar banho
podem até ser bem mais velhos, e retribuem com gratidão, não medem esforços para
falar deles com orgulho e elogiá-los: “forte, bonito, saudável, carinhoso, companheiro”.
Há reconhecimento de que sem eles teria sido mais difícil enfrentar o diagnóstico e
tratamento. É um aprendizado para elas que beneficia a vida a dois. Tê-los por perto
percebem que têm um amigo que pacientemente cuida dela, sabe lhes dar atenção e
amor nessas horas. Inclusive ouvem palavras de força que mostram a preocupação deles
78
com o bem-estar delas. Eles dizem que as querem porque elas continuam as mesmas
pessoas e que o ato sexual só vale a pena se for para satisfação de ambos.
mais avançada na qual a relação sexual não é mais concretizada pelo casal. A longa
convivência que une alguns casais e o tempo de pós-operatório indicam que os laços
porque é preciso se poupar. Dirigem atenção para sua recuperação, falam de repouso,
homolateral. Mas querem muito ficar boas e ficar bem de saúde, por isso vão tentando
fazer as coisas que faziam antes de tudo isto acontecer. Buscam se alimentar
trabalho fora do lar, em alguns casos. Muito sofridas por dentro, referem que só elas
sabem pelo que estão passando, embora tentem não demonstrar todo o seu pesar, tanto
De volta aos afazeres do dia a dia, vão assumindo sua rotina mediante tarefas simples e
restritas ao espaço doméstico, como: cuidar da casa, costurar, bordar e lavar roupa,
pessoas não pertencentes ao seu círculo de amizades: ir à praia, dançar num baile, ir
extrovertidas e de bem com a vida. Evocam a Deus quando pedem bastante força, luz e
79
ajudar o próximo. O retorno ao trabalho ajuda a esquecer dos problemas e concluem que
não estão sozinhas, que há outras mulheres na mesma situação e que é preciso encarar
os fatos. O ambiente familiar é salutar, o convívio com marido, filhos, netos e amigos
A vida ganha um novo colorido e vivem o dia a dia como o faziam antes e até
continuamente pelo simples fato de estarem vivas, pois elas sempre vão optar pela vida,
sempre, nem que para isso tenha sido necessário passar pelo processo de tirar uma
mama. O surgimento de uma gravidez, talvez considerada por muitos como inoportuna,
e a decisão do casal de levá-la a termo, e ainda o amor pelo filho que vai nascer, é
que não expõem objetivamente essa ausência. Sabem também da reconstrução cirúrgica
que lhes é apresentada como proposta viável em um prazo de 2 anos. Daí pensam que
este procedimento pode lhes fazer sentir melhor e devolver sua auto estima. Às vezes
marido apóia a esposa, esta sente-se segura; quando isso não acontece, fica com medo e
tem dúvida se faz ou não a cirurgia. Esta tentativa pode significar reduzir a diferença,
não foram estudadas como expressão de sexualidade, mas que são consideradas nesta
notícia que é preciso tirar a mama, pensam logo nos filhos (quando os tem) e nos planos
futuros que podem não conseguir realizar. No início, o medo da doença as faz ficarem
80
muito sentidas, tristes; mas depois, com apoio da família, chegam, às vezes, a esquecer
Mesmo tendo passado por inúmeros problemas e já não serem tão jovens, elas
causado pelo câncer e seu tratamento. Essa ameaça atinge a família, particularmente as
81
CAPÍTULO VI. HERMENÊUTICA EM HEIDEGGER: O
MASTECTOMIZADAS
que as depoentes deram. Em cada fala há uma intenção, um sentido obscuro que passo a
desvelar.
fenomenológica, não foi nada fácil. Realizar a interpretação deste sob a ótica da
filosofia elaborada por Martin Heidegger não se deu de forma diferente. Desde o início,
antropológico e sociológico, exercício que há muito não praticava, então percebi quanto
citado autor, que aborda a questão fundamental do sentido do Ser. E o faz com tamanho
Heidegger, confesso que pensar custou a mim noites em claro dedicadas a uma
atividade de reflexão e leituras que há muito tempo não fazia parte do meu dia a dia
como enfermeira assistencial. Assim, acredito ter alcançado uma interpretação sobre o
incômodo que perturbava Heidegger sobre a tão discutida questão do ser que, segundo
ele, ninguém até hoje elucidou. Parece realmente que atingir tal conceito traria
esclarecimento para muitas dúvidas, quem sabe. Mas o que interessa nesta investigação
que segue pela fenomenologia heideggeriana é que a razão de ser do homem aqui na
terra poderia ser explicada pelo é já que não se sabe o que diz ser. Conforme Heidegger
aponta: “Nós não sabemos o que diz ‘ser’. Mas já quando perguntamos o que é ‘ser’ nós
nos mantemos numa compreensão do ‘é’, sem que possamos fixar conceitualmente o
que significa esse ‘é’ [até aqui podemos alcançar uma obscura e indeterminada
compreensão sobre o ser que, após ser esclarecida, conduzirá ao sentido de ser]. Nós
Entendo que somos pessoas vivendo no mundo com outras com quem nos
às vezes assim nos sentirmos. Interagimos com nós mesmos e com as coisas. O homem
marca presença, determina seu espaço não unicamente geográfico e constrói sua história
ao longo do tempo. O homem acontece, ele existe. Os demais entes vivem, ocupam
espaço físico, servem para alguma coisa, e sobretudo têm certa utilidade. A diferença
fundamental entre os dois entes é que o primeiro deles que é “pre-sença sempre se
83
ou não ser ela mesma”(p.39). O segundo conceito, de ente, é relativo às coisas
inanimadas, objetos e demais seres vivos, sendo designado como “ser simplesmente
dado [que] é o modo de ser de um ente que não possui o caráter de pre-sença”(p. 165).
indícios para chegar ao sentido do ser e tender para seu conceito. Mas isso é pouco,
ainda não sabemos dizer qual o significado de SER. Heidegger diz “ser é o conceito
mais universal e o mais vazio, é indefinível, é evidente por si mesmo” (p. 28). Percebe-
se quão trabalhoso intelectualmente tem sido chegar a este conceito, discussão que vem
rendendo desde a época dos filósofos gregos. Diante da dificuldade em conceituar SER
E por onde começar? O ponto de partida será o próprio ente que se questiona,
conduzir o questionamento da questão do ser. Nenhum outro ente tem essa capacidade.
Somente o ente dotado do caráter da pre-sença tem essa primazia, sendo considerado
um ente exemplar. Diz-se, até, um ente precioso que em seu ser está em jogo o seu
Ser está naquilo que somos e como somos, e, ente é o que somos e como somos.
Então, temos mesmo que partir do ente para chegarmos ao ser. “Desse modo, a pre-
sença se mostra como o ente que, ontologicamente, deve ser o primeiro interrogado,
direção prévia” (p. 30). Heidegger explica os passos a serem seguidos para proceder um
sentido do ser (o procurado). É através do ente que se tem acesso ao ser. “O ente pode
84
vir a ser determinado em seu ser sem que, para isso, seja necessário já dispor de um
conceito explícito sobre o sentido do ser” (p. 33). E assim caminhamos na investigação
certos e conscientes daquilo que buscamos, nos empenhando em uma “procura ciente”
(p. 30).
compartilham sucessivos momentos no dia a dia. Estão envolvidos uns com os outros
“A pre-sença não apenas é e está num mundo, mas também se relaciona com o mundo
segundo um modo de ser predominante. Na maioria das vezes e antes de tudo, a pre-
como expressão de sexualidade, mesmo sem tê-la vivido depois da mastectomia. Uma
manifestação que exige a presença de uma outra pessoa e traduz um sentimento e/ou
pelo com, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da pre-
fizeram ao procurarem homens para estar-com num envolvimento íntimo quando não
como modo de ser próprio dos entes que vêm ao encontro dentro do mundo” (p. 178).
85
encontro. Assim, “na medida em que a pre-sença é, ela possui o modo de ser da
com. Mesmo quando ela se apresenta sem parceiro, não pratica o ato sexual e fala dele
consonância com o desejo de um estar com o outro simultaneamente: “eles são co-
atenção e preocupação com a esposa, passando a idéia de um cuidado especial para com
ela. Sobre isso diz Heidegger que “o ente, com o qual a pre-sença se comporta enquanto
ser-com, também não possui o modo de ser do instrumento à mão, pois ele mesmo é
Desse ente não se ocupa, com ele se preocupa” (p. 173). Bom saber que esse gesto,
essência, diz respeito à cura propriamente dita, ou seja, à existência do outro e não a
uma coisa de que se ocupa [porque] ajuda o outro a tornar-se, em sua cura, transparente
86
a si mesmo e livre para ela” (p. 174), entendendo-se cura como “cuidado e dedicação”
(p. 264).
parecendo um remédio que faz passar dor profunda, acalmar ânimos, enfim abrandar
muita coisa. Ela prossegue em sua caminhada, aos poucos vai assumindo sua rotina
dentro e fora de casa, vai tocando sua vida. Isso se dá em função do mágico fenômeno
implicitamente o ser” (p. 45). Seu caráter dinâmico e elástico acolhe a tudo e a todos
desde sempre. “O ser da pre-sença tem o seu sentido na temporalidade” (p. 47).
Ele é palco para manifestação dos diversos modos de ser da pre-sença, dentre
como tal” (p. 48). A mulher, neste estudo, mostrou-se acontecendo a partir daquilo que
ela sempre se compreendeu, isto é, através de seu passado. “É com base na historicidade
torna possível. Em seu ser de fato, a pre-sença é sempre como e ‘o que’ ela já foi” (p.
48).
A mulher não sabe, aliás ninguém sabe, quanto tempo ela vai levar para se
acostumar com a nova situação, quanto tempo vai levar para o pesadelo acabar. O
tempo cronológico pode ser contado no calendário, é nele que as consultas são
agendadas, que ela completa 2 anos, 3 meses e 15 dias de cirurgia por exemplo. Pode
também contar nos dedos quantos dias levou para reiniciar a vida sexual após o retorno
Só ela sabe o problema que está passando e por isso se solidariza com outras
mulheres na mesma situação que ela. Heidegger ressalta “o que se pode na compreensão
87
enquanto existencial não é uma coisa, mas o ser como existir” (p. 198). A mulher
ser” (p. 198), e como poder-ser ela é possibilidade de compreensão. “A pre-sença não é
algo simplesmente dado que ainda possui de quebra a possibilidade de poder alguma
Parece mesmo não ser exagero quando a mulher mastectomizada faz questão de
dizer que ninguém imagina o que está sentindo porque “ela ‘sabe’ a quantas ela
mesma anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser. Esse ‘saber’ não nasce primeiro de
uma percepção imanente de si mesma, mas pertence ao ser do pre da pre-sença que, em
sua essência, é compreensão” (p. 200). Isso faz sentido quando nos damos conta de que
ser-mulher que vive a realidade de ser-mastectomizada é que pode saber o que isso
significa.
sexualidade. Em seus estudos sobre o temor, Heidegger cita as duas palavras anteriores
mundo, é “temerosa” (p. 197). Para ele, esses sentimentos apresentados pela mulher são
88
Assim, compreende-se que o ser humano originariamente pode sentir medo.
Dependendo do que se teme tem-se mais ou menos medo, são as oscilações em torno
de, mas continuam sendo medo. A mulher pode se sentir tímida e receosa depois da
mastectomia, envergonhada em momento de intimidade, fala que tem medo que seu
parceiro não a queira e apenas diga sim para não magoá-la, sente-se acanhada em expor
o corpo nu agora sem uma mama. A temeridade pela doença e suas manifestações, pela
mutilação de parte tão nobre do corpo, pelo exercício da sexualidade, pela reação
Então, a vivência desses fatos perpassa seu dia a dia e ela mergulha na rotina da
casa, do trabalho, de tudo, enfim da vida. É impulsionada pelo tempo que não pára, para
sorte dela, e começa a perceber que é possível manifestar alegria em viver. O retorno ao
modo como tudo era antes de é de onde a mulher parte para viver, esta é sua referência.
Lembra o filósofo “na maior parte das vezes e antes de tudo, a pre-sença se entende a
Ao falar sobre a relação heterossexual ela aponta que não houve mudança nem
problemas, que ocorreu normalmente como sempre foi até o surgimento do câncer de
peso de sua dor e se misturando aos outros, parecendo ser um deles, fazendo parte da
como se ela fosse incapaz de ser ela de fato, de se assumir, de ser autêntica. “Não é ela
própria que é, os outros lhe tomam o ser. O arbítrio dos outros dispõe sobre as
89
maneira fluente de ser e exime a mulher de responsabilidade sobre si mesma: ela é mais
uma na multidão. “O impessoal que não é determinado mas que todos são, embora não
designando previamente o que se pode e deve ousar, vigia e controla toda e qualquer
exceção que venha impor-se” (p. 180). Neste caso, a mulher mastectomizada constitui a
silenciosamente esmagada. Tudo que é originário se vê, da noite para o dia, nivelado
algo bastante comum que não devesse se impor como diferente. Portanto, conhecida de
todos de modo que não chamasse atenção nem merecesse tratamento diferenciado.
expressões que podem ser de todas as mulheres, ou seja, comuns a de tantas outras.
parceiro, de companheirismo e amor que selam uma união. Coisas comuns a muitas
Daí é possível interpretar que a relação sexual verbalizada por ela como normal
seja fruto da força do cotidiano que apara arestas, que nivela as diferenças, que
transforma o que é de um como de todos, que torna comum o que é raro, que faz o
enfrentasse algumas dificuldades para viver a sexualidade, ela torna-se “visível em sua
90
cotidianidade e em sua medianidade” (p. 183). Fala como todas e não é ela “no sentido
propriamente si mesmo e sim os outros nos moldes do impessoal” (p. 182). O cotidiano
é o modo onde nos fazemos conhecidos a nós mesmos, aos outros e ao mundo. Nele, a
modo de ser é facilitado pois não precisa ser ela mesma, basta ser superficial no modo
de ser de todos.
Parece-me não haver o que questionar a respeito da ajuda prestada pelo tal
cotidiano que, exercendo seu “domínio caturro” (p. 180) sobre a pre-sença, conforta-a e
acomoda-a, deixando a impressão de que ela tem menos problemas. Assim sendo, a
mulher sente-se bem inclusive sexualmente e quer sentir-se cada vez melhor, como
comporta, quer dizer, existe sim a pre-sença autêntica que fortuitamente mostra-se
quando “abre pra si mesma seu próprio ser” (p. 182), despojando-se de aparências que
atitude própria. O encargo é seu. É como se ela fosse colocada contra a parede na
obrigação de responder por ela mesma e não mais pelo impessoal, pois este já escapuliu
este um movimento que vai e vem como possibilidade do ente dotado do ser da
reconhece as suas possibilidades de sim e de não para: viver sem uma mama e, apesar
91
disso, ser feliz; tentar novos relacionamentos e também ser feliz; fazer a reconstrução e
sentir-se melhor.
pre-sença. Ela que agora tem olhos para o seu poder-ser. Neste sentido, Heidegger
aponta que “a pre-sença é a possibilidade de ser livre para o poder-ser mais próprio” (p.
199).
sente-se ameaçada por coisas ruins e negativas que estão a sua volta, que vêm pra ela
como algo que provoca dor, deixa-a feia, causa-lhe alterações físicas como queda de
cabelo, mal-estar, fraqueza, enjôo... Assustada com sua situação, vê seus planos em
cheque, teme pelo que está por acontecer e só enxerga incertezas e instabilidades. Pude
compreender, com o apoio dos estudos rigorosos e sistemáticos, desta vez sobre a
disposição do temor e morte elaborados pelo filósofo, que é possível se atingir a mais
Assim, em meio a tantos medos que cercam uma doença maligna, a mulher
trazendo-a como possibilidade do quando e do como ela viria e não como possibilidade
mais própria da pre-sença. Daí ela pensa que vai morrer, que não testemunhará o
casamento das filhas que estão noivas, que a doença não está sob controle pois possui
outro nódulo e talvez seja necessário operar novamente, que a doença pode atingir sua
Enfim, esse remoer não muda o medo da morte. Entretanto, ajuda a mulher a
continua como “possibilidade mais própria, irremissível e insuperável” (p. 32), devendo
92
CONSIDERAÇÕES FINAIS
como falar do ser humano como um todo porque a sexualidade está nele. Está no
homem, faz parte de sua natureza, é estrutural, é constitucional. Ela nasce e morre com
ele. Faz parte da essência de ser humano, de ser sexuado. Viver a sexualidade não se
restringe a ter desejo sexual, praticar atividade sexual e sentir gratificação sexual. Viver
de maior significado tendo em vista que através dela o mundo foi povoado e os
benefícios inerentes a ela são indiscutíveis. Essa prática fortemente ligada ao homem
As pessoas não percebem que vivem a cada instante a sexualidade, quer dizer,
não se dão conta de que é intrínseca ao ser e que muitas vezes a vivemos sem dela tomar
exercício sexual que encerra diretamente a relação sexual. Então, viver o papel de
tempo todo, de forma mais sutil e discreta ou não, manifestando sexualidade porque em
nossos atos e atitudes nós somos de um modo, nós os fazemos de uma maneira, nós os
fazemos a nossa maneira. E nesse modo de ser nós assumimos o que somos, assumimos
o ofício de sermos homem ou mulher. Então, tudo tem um toque do sexual, tem uma
marca forte ou discreta, mas tem. Assim, penso entender que o fator saúde, por
93
exemplo, não será sempre um indicativo de se viver bem, inclusive a sexualidade. O
mesmo se aplica para o fator doença que também não vai culminar em desordens neste
terreno. Nas duas situações, saúde e doença, é preciso saber viver para viver a
sexualidade.
acostumar com o corpo, mas suas expressões de sexualidade não possuem nada de
extraordinário, atípico ou diferente do que se conhece. Talvez elas sejam como de todas
manifestação nesse sentido. Foi possível entender nesse estudo que a sexualidade volta
a ser vivida ou sentida após um tempo. Há outras exigências priorizadas como repouso,
curativo, boa alimentação e consultas médicas. A mulher está presa a estas ocupações e
tais exigências, vai se adaptando ao novo e recuperando seu bem-estar. Começa a dirigir
sua atenção para outras coisas, entre elas a sexualidade, que só chega com o estar bem.
da maneira como fora antes da mastectomia ou até mesmo de uma maneira nunca
ter câncer de mama possui um significado muito ruim. Parece caracterizar-se como uma
verdadeira tragédia a partir da qual suas vítimas nunca mais ficarão bem. No entanto, o
94
presente estudo apontou mulheres batalhadoras, otimistas, perseverantes, autênticas
guerreiras amazonas dispostas a encarar o inimigo. Elas nos mostraram que é possível
Elas não se despedem da sexualidade quando dão adeus à mama doente. Pelo
vida conjugal e familiar; de procurar por novos relacionamentos e ter êxito ou de não ter
coragem para encontrar-se e dividir sua intimidade com outras pessoas. É por isso que
elas dizem que é normal, mesmo tendo encarado obstáculos e passado por momentos de
soturna dor.
Não há perda de identidade porque ela é essência, está no cerne de ser, daí não muda.
constitutiva do ser, ela em si mesma não muda, mas sim mudam suas expressões /
observadas, sentidas, percebidas, até mesmo imitadas, que indicam ser a sexualidade
Penso que, ao ouvir dizer em alto e bom tom que hoje vive-se bem (palavras
delas), foi possível tratar deste assunto com a simplicidade e naturalidade que ele exige.
Vejo que este estudo revelou o quanto as mulheres mostraram-se pouco constrangidas,
sentiram-se bem, contando de sua intimidade, revelando coisas nunca ditas a outro
95
profissional. Isso indica que elas estão ali prontas e abertas para o diálogo, ávidas por
que nos preocupamos com o cliente no sentido dele como pre-sença que é, como pessoa
de ser, não para lhe retirar o ‘cuidado’ e sim para devolvê-lo como tal” (p. 174). Assim,
que muitas vezes atropelam nossas ações que carecem de olhar atentivo, escuta
inclua a saúde sexual pois seus benefícios são claros. Penso nas outras mulheres que
ao lado da mulher, ele de fato cuida dela com carinho. Os benefícios desse cuidado são
reconhecidos por ela, ficando claro que é bom tê-lo próximo e bem-vinda sua ajuda. Em
porque não consegue suportar a mastectomia. Então penso logo que a assistência deve
ser estendida até ele, sua presença pode ser solicitada assim que a mulher recebe o
96
diagnóstico e a indicação da cirurgia. Enfim, otimizar sua aproximação para que tome
alerta para isso que vem contra uma falsa impressão de que estaria bastante e
como são e não achar que já sabemos. É possível sermos cautelosos nas nossas
mostrada por alguém que teve esta vivência na sua existência. O método heideggeriano
orientou-me ir direto até as mulheres mastectomizadas para conhecer sobre o não dito –
pesquisa, acredito.
O estudo respondeu-me em muito mais do que almejava. Heidegger não faz uma
entendimentos das coisas em geral, das idéias e dos donos das idéias. Acredito num
compreensão.
área de oncologia com esta abordagem e faço a citação de cinco deles a fim de ilustrar
97
algumas faces da assistência de enfermagem ao paciente oncológico, também
evidenciadas neste estudo. E mais, a equipe de saúde multidisciplinar que cuida do ser-
portador-de-câncer tanto mais valerá quanto mais absorver e perpetuar a riqueza das
... Lopes (1996) valorizar a relação interpessoal autêntica que permita a emergência de
... Lindolpho (1996) olhar o cliente oncológico como ser de possibilidades, pois ele luta
enquanto ex-sistir;
... Camargo (1997) privilegiar e valorizar o cliente como ser único e singular,
... Luz (2001, p. 117) “buscar a compreensão, a justa medida entre o conhecimento
passando. Uma reviravolta que ora incomoda ora alivia, mas no final acomoda-se. Para
mim, uma mudança para melhor que não posso, ao terminar esta reflexão, omitir
daqueles que um dia a lerão. Não seria justa comigo mesma não vos participar quão
exaustivo foi desenvolver esta investigação que hoje desvela que as expressões de
têm seu sentido no poder-ser enquanto constituição existencial da pre-sença no seu ex-
sistir.
pode ser de permanecer lado a lado em companhia de outro apenas conversando, pode
98
ser de satisfação orgástica após uma relação sexual, pode ser de respeito e carinho que
selam uma aproximação física apenas, mas que é tudo de que se precisa.
tema, a pre-sença dá à vida o tom que é possível dar. Ela ex-siste como poder-ser e
disso mostrou ter consciência, algumas vezes. A mulher vive bem a sexualidade quando
pode superar a descompensação física causada pela mastectomia. A partir dela mesma,
vemos que é possível esse viver bem, é um descobrimento que ela atinge e que nós nos
deparamos.
Para finalizar esta dissertação de mestrado, optei por construir uma composição
ips literis a partir da união dos quinze depoimentos utilizados. As falas recortadas e
VOZ: Pode perguntar que eu... eu não vou falar uma coisa que é mentira, vou falar uma coisa que é
verdade.
VOZ: Normalmente. Normal. Não houve problema. Me sinto bem, não sinto nada. No início eu tomei um
choque. Eu acho a mama a parte mais importante para a mulher esteticamente. É aquela coisa, é uma
cicatriz. Eu mesma... eu não gosto. Eu tinha vergonha, eu ficava meio assim receosa. Senti muito, chorei
muito, passei dias na cama. Só depois que você vai convivendo, que você vai vendo, aceitando, entendeu?
Depois eu fui esquecendo. Aí, agora, eu já me aceito com mais naturalidade; mas no início foi difícil. Já
tive relacionamento depois que tirei a mama, nada disso me atrapalhou, nem na vida sexual. Tenho meu
marido. Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo. A nossa vida está normal, eu vou fazer 30 anos de
casada, mas é como se tivesse casado agora. Não mudou nada eu com ele, mesma coisa, continua o
mesmo. Se preocupa muito comigo. Muito bacana, não tenho o que falar. Muito amoroso nessas horas,
bem carinhoso, cuidadoso comigo. Muito bom. Até na intimidade também. Ele me procura, só que tem
hora que eu não estou afim. Se o marido não tiver compreensão danou tudo. Ele aceitou bem, entendeu.
Eu mesma... eu... em mim mesma eu não consegui ainda aceitar a operação, entendeu? Eu pensava muito
em me matar. Não estou com medo. Um dia eu vou mesmo, todo mundo vai. E ele mesmo me deu uma
99
aula de lição. Me mostrou que não é por aí. Aí que foi um pensar. Eu parei e pensei... não tem só eu. São
possibilidades remotas, mas que existem. Então, eu tenho que encarar. Aí eu não sei... ou foi coisa de
Deus que me deu essa força toda. Meu estado normal é fazendo serviço dentro de casa, tudo normal,
converso, tenho recebido visita, estou cercada de pessoas amigas. Não parei de trabalhar, continuei
pintando cabelo, fazendo unha. Vou indo. Eu digo: se Deus quiser que me dê muitos anos pela frente. Se
puder ajudar alguém não deixo de ajudar em qualquer sentido. Quero dar força para as pessoas que
100
REFERÊNCIAS
Dicionário Brasileiro Globo. Ilustrado. 2.ed. Porto Alegre: Editora Globo, 1978.
101
DIXON, M. e SAINSBURY, R. Manual de Doenças da Mama. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Revinter, 2001.
HARMER, V. Symptom control for breast cancer. Nursing Times, december 2000;
96(50): 38-9.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti. 10. ed. Petrópolis, Rio
de janeiro: Editora Vozes, 2001.
KLIGERMAN, J. Câncer e qualidade de vida. Rev. Bras. Cancerol., 1999; 45(2): 5-7.
102
LUZ, M. H. B. A . A dimensão cotidiana da pessoa ostomizada: um estudo de
enfermagem no referencial de Martin Heidegger. 2001. Tese (Doutorado em
Enfermagem). Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
SILVA, M. A. D. da. Todo poder às mulheres. São Paulo: Editora Best Seller, 2000.
103
DOCUMENTOS CONSULTADOS
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BERGAMASCO, R. B. Ensino do exame físico das mamas: comparação entre dos
métodos de instrução. 1994. 63 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Escola de
Enfermagem, Universidade de São Paulo. Nº. de classificação: 1126. Resumo.
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CARVALHO, A. de S. Metodologia da entrevista. Uma abordagem
fenomenológica. Rio de Janeiro: editora Agir, 1991.
106
Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba. N º. de classificação:
1457. Resumo.
GIR, E. Práticas sexuais e a infecção por HIV: um estudo sobre crenças entre
universitários de Ribeirão Preto. 1994. 247 f. Tese (Doutorado em Enfermagem).
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. Nº. de
classificação: 969. Resumo.
HARWOOD, K. Straight talk about breast cancer. Nursing 1996, october: 39-44.
JESUS, Mª. C. P. de. Educação sexual na vida cotidiana de pais e adolescentes: uma
abordagem compreensiva da ação social. 1998. 218 f. Tese (Doutorado em
Enfermagem). Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. Convênio
EEUSP/EEUFMG. Nº. de classificação: 1798. Resumo.
LIMA, V. Mª. de. Vida saudável com prática educativa: visão da estudante de 2º
grau sobre o câncer de mama. 1991. 116 f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem).
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, Universidade do Rio de Janeiro. MFN: 309.
Resumo.
107
LORENZ, O. Sexualidade da mulher antes do casamento - opiniões de alunas
universitárias. 1987. 132 p. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Escola Paulista
de Medicina. Resumo.
108
OLIVEIRA, S. M. O sentido do ser-mãe diante do choro do filho recém-nascido.
Uma análise compreensiva sob a ótica da enfermagem. Rio de Janeiro. Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Escola de Enfermagem Anna Nery, 1999. 115 f. Dissertação
de Mestrado.
109
SANTOS, M. F. Fatos e conhecimentos que afetam a vida do jovem: sexualidade,
relacionamento familiar e uso de drogas, alcool e fumo. 1991. 255 f. Dissertação
(Mestrado em Enfermagem). Departamento de Enfermagem, Escola Paulista de
Medicina. MFN: 393. Resumo.
SANTOS, N. O. D. dos. Abuso sexual: vítimas das relações familiares. 1995. 161 f.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Escola de Enfermagem, Universidade Federal
da Bahia. Nº. de classificação: 1188. Resumo.
110
TRIVIÑOS, N. A. Introdução à pesquisa em ciências sociais. A pesquisa qualitativa
em educação. São Paulo: editora Atlas, 1990.
111
ANEXO nº 1
ANEXO nº. 2
112
ANEXO nº. 2
TERMO DE CONSENTIMENTO
(Resolução 196 / 96 do Conselho Nacional de Saúde - item IV)
113
ANEXO nº 3
ENTREVISTA Nº 1
Pesquisadora: Eu queria saber: depois que você fez a mastectomia, como é que você vem se sentindo
desde da época que você operou até hoje?
Paciente: Estou me sentindo bem. Tenho me sentido muito bem. A falta da mama você quer dizer?
Pesquisadora: Sim.
Paciente: Estou bem, mesmo com a falta da mama. Eu estou bem.
Pesquisadora: Você está bem. E sexualmente falando, como você se sente?
Paciente: Me sinto bem também. Primeiro que eu não tenho marido. Então, quer dizer, na época em que
eu perdi a mama, foi a época em que eu estava me separando já. Não foi por causa disso, tá? A gente não
vinha se dando bem, mas também me sinto bem. Já tive relacionamento depois que tirei a mama, não
houve problema nenhum.
ENTREVISTA Nº 2
Pesquisadora: Como a sra. está se sentindo sexualmente falando, depois de tirar a mama?
Paciente: É... normalmente. Não estou sentindo nada, até disseram: “a sra. não fala muito para não dar
gases!” Não tenho nada disso. Tudo normal, converso, tenho recebido visita, mas eu deixo as pessoas
falarem mais do que eu porque é melhor a gente poupar um pouquinho mais, e falar só o necessário. Mas
está ótimo, só o que está incomodando é que eu fiquei muito mole. Ah! Eu fiquei mole pra caramba, mas
eu sou assim mesmo. Qualquer cortadinha no dedo, ai! Bota um band-aid! Mas eu sou assim mesmo, tá?
Mas a minha filha está: “Mãe, mais do que você está não existe, você está ótima!” Eu digo: “É porque
não é com você!” Eu falo brincando, né? Cheguei aqui na sala agora encontrei umas colegas de leito: “O
que você está fazendo aqui, menina?” Ela respondeu: “Eu estou fazendo o que a sra. vai fazer”. Aí eu
disse: “E se eu operar de novo você vai também?” É brincadeira. É um pessoal muito bom, muito bom
mesmo. As meninas copeiras lá, chegou na hora certa é bandeja e mais bandejas de comida, tudo comida
de dieta, sem sal, mas muita comida que a gente não dá conta de comer tudo. É suco, daí 2 horas é mais
lanche, café com leite, biscoito pra pessoa que puder e quiser comer. Ah! Eu não dou conta de comer tudo
não. Mas eu senti saudade, senti. A gente vinha vindo pra cá...
114
ENTREVISTA Nº 3
Pesquisadora: Como a sra. se sente sexualmente depois que a sra. fez a cirurgia?
Paciente: Olha, apesar de eu estar aposentada sexualmente, mas eu acho que está tudo em cima como
dizem os jovens. E eu acho que se eu estivesse na atividade, eu estaria muito bem porque quando eu sinto
alguma coisa eu tomo uns calmantezinhos, qualquer coisa. Mas eu acho que está bom.
Pesquisadora: Quando a sra. sente algumas coisas...
Paciente: Umas coisinhas, umas excitações, vamos dizer assim, eu tomo um calmante, um banho gelado
e resolve a situação. Mas eu tenho a impressão que não alterou nada não, eu acho que não. Eu imagino
que não altera em ninguém, eu acho, não sei. De repente uma pessoa é diferente da outra, não é? Em mim
realmente não alterou nada. Resolvi me aposentar agora e...
Pesquisadora: Resolveu se aposentar agora...
Paciente: Sexualmente falando.
Pesquisadora: Antes da cirurgia a sra. já estava aposentada sexualmente?
Paciente: Antes da cirurgia eu já estava aposentada.
Pesquisadora: Já estava aposentada?
Paciente: Já estava aposentada. Porque eu acho que já... passou da minha fase aquela euforia toda, já vivi
bastante, vivi muito bem a vida. Então eu acho: dar a vez para os outros (e dá uma gargalhada).
Pesquisadora: A sra. não quer entrar na competição do mercado?
Paciente: Não, não. Absolutamente não. No meu tempo era bom que não tinha o problema da aids, não
tinha problema de nada, né? Então era tudo mais tranqüilo de maneira que tudo era mais interessante. Mas
antes disso, de eu tratar da cirurgia, eu já havia me aposentado porque eu achei que já estava na época de
eu me aposentar.
Pesquisadora: Sexualmente falando?
Paciente: E me aposentei mesmo! E profissionalmente falando também me aposentei.
Pesquisadora: A sra. trabalhava?
Paciente: Trabalhava. Eu era secretária de uma companhia de construção civil. Nesta última firma eu
trabalhei 15 anos. Eu era secretária lá e quando chegou a época eu me aposentei.
Pesquisadora: Trinta anos de serviço?
Paciente: 31 e uns quebrados. Quer dizer, os outros anos foram em outras empresas, né? Na última foram
15 anos. E aí eu me aposentei e aí é que eu fui realmente aproveitar a vida. Me aposentei chegando aos
49, comecei a trabalhar muito cedo e felizmente com carteira assinada. É importante. Então eu disse:
“Bom, já aproveitei bastante”. Isso não quer dizer que quando eu trabalhava não aproveitava a vida.
Aproveitava sim. Mas depois que eu me aposentei, que eu tive tempo livre, aí né, muito mais. Aí eu achei
que sexualmente falando estava na hora de eu me aposentar também. E assim foi.
Pesquisadora: Não tem mais vontade de continuar com a atividade sexual?
Paciente: Não, não quis, muito embora eu sinta de vez em quando uns arrepiozinhos. Mas quando esses
arrepios vêm, eu tomo um banho gelado, eu tomo um calmante, alguma coisa, procuro pensar em alguma
coisa que me preocupe e que passa num instante (e dá uma gargalhada).
Pesquisadora: A sra. pode falar mais desses arrepios?
115
Paciente: Esse arrepios são aqueles arrepios que todo mundo sabe. Aquelas excitações... a gente começa
a pensar... as vezes lembra de coisas passadas e começa a pensar o que não deve. Aí começa a ficar
arrepiadinha e tal coisa. Aí eu digo: “Não! Estou aposentada, então vamos dar um jeito nisso: chuveiro
frio! Pronto!” Depois pega um calmantezinho, um chazinho de cidreira, erva-doce. A sra. desculpa que eu
estou falando muita bobagem.
Pesquisadora: Que isso! A sra. pode falar a vontade. Eu estou adorando ouvir a sra. falar com tanta
descontração.
Paciente: Mas é, não adianta ficar assim porque é realmente o que está acontecendo. Então eu resolvo
com meu chazinho de cidreira, que é calmante, ou com outro calmantezinho e tal... E assim eu me sinto
muito bem. Mas realmente agora falando sério eu acho que já estava mesmo na época de eu passar o
bastão, como dizem (e dá uma gargalhada).
Pesquisadora: Pendurar a chuteira?
Paciente: Pendurar a chuteira, é. Já estava na época. Eu estou com 67, quer dizer, então não é tempo prá
eu ficar como menininha naquela loucura, naquela euforia não. É aquele negócio: depois de uns certos...
quando a gente é jovem é aquela euforia, é aquela coisa, nossa! Parece... mas quando a gente está mais
centrada, vamos dizer assim, as coisas vão mais lentamente, porém de qualidade maior e melhor. Então
eu aproveitei tudo que eu pude. Eu acho que aproveitei mesmo, mas muito bem sem nunca, vamos dizer
assim, prejudicar ninguém, sem nunca afetar ninguém porque eu acho que para que a minha ou a sua
estrela brilhe não precisa apagar o brilho da estrela do outro.
Pesquisadora: Claro.
Paciente: Né? Então nós podemos juntar os brilhos delas todas: vamos brilhar todo mundo junto! Cada
um pro seu canto, mas tudo... então, eu acho, eu sempre fui muito assim extrovertida, a vida toda.
Trabalhava cantando, a companheira da sala dizia assim: “Você não pára de cantar?” Eu dizia: ”Você
quer que eu chore? Eu não!” Eu batia máquina cantando. Eu sempre fui assim, extrovertida a minha vida
toda. A minha irmã as vezes fala: “Você tem que ser mais...” Eu digo: “Mais como?” Eu não vou me
recolher, eu não estou fazendo nada de mal a ninguém! Só conversando e tal. É isso.
ENTREVISTA Nº 4
Pesquisadora: Depois da mastectomia, como é que você se sente sexualmente?
Paciente: Olha, no início mexeu com a minha cabeça.
Pesquisadora: Mexeu com sua cabeça...
Paciente: Eu achava que meu marido não ia, sabe, ser a mesma pessoa comigo como antes, entendeu?
Mas bem que eu vi que ele é a mesma pessoa que sempre foi, com o tempo, sabe, que eu era normal. Que
eu acho que agora, né, você tira uma coisa, né, você não está normal. Vou ficar agora, né, depois da
cirurgia (está se referindo à reconstituição mamária). Então eu evitava trocar de roupa perto dele,
entendeu? Quando ia tomar banho, me sentia mal, entendeu? De me ver assim só com um seio, sabe.
Porque realmente não adianta falar que não mexe com a cabeça, porque mexe. Mexe um pouco com a
cabeça do ser humano. Só depois que você vai convivendo, que você vai vendo, aceitando, entendeu? Aí,
116
agora, eu já me aceito com mais naturalidade, mas no início foi difícil. E com meu marido a nossa vida
está normal, graças a Deus.
Pesquisadora: Está normal...
Paciente: Está normal. Ele quer que eu faça porque acha que vai ser bom pra minha cabeça (a paciente
novamente se refere à reconstituição mamária). Entendeu? Não vou ficar com aquela coisa, né, está
faltando alguma coisa em mim. “Ivanilda, faz que se é prá você se sentir bem, pode fazer. Mas que não
vai alterar nada no nosso relacionamento”, ele disse isso pra mim. Entendeu?
Pesquisadora: Ele disse isso pra você...
Paciente: Ele disse isso pra mim, ele é muito meu amigo, eu pude ver isso agora, né? Graças a Deus eu
vou fazer 30 anos de casada, mas é como se eu tivesse casado agora. Eu vivo muito bem, graças a Deus.
Graças a Deus por isso. Tem muitas mulheres aí que eu vi no hospital que o marido saiu até de casa,
arrumaram outra esposa, entendeu? E quando, sei lá, não existe amor, né? Porque quando se ama de
verdade, né, eu acho que isso daí não altera. Entendeu?
Pesquisadora: Quer dizer, você não viu alteração?
Paciente: Não, não vi mesmo. Te digo com toda sinceridade: ele é a mesma pessoa que era comigo antes,
entendeu? Até minhas filhas comentam isso comigo em casa: “Poxa, mãe, meu pai gosta mesmo de
você!” Entendeu? Que agora que ele provou isso, né?
Pesquisadora: O relacionamento sexual de vocês agora...
Paciente: É normal.
Pesquisadora: Normal.
Paciente: Normal. Tá devagar porque na minha idade já né... (e ri). Na minha idade, com tudo que eu já
passei mexe um pouco com a cabeça, entendeu?
Pesquisadora: Certo.
Paciente: As vezes tinha dia que eu estava afim e eu tinha vergonha de falar pra ele, sabe? Aquilo mexeu
mais comigo do que com ele, entendeu?
Pesquisadora: Mexeu mais com você...
Paciente: do que com ele. Eu é que ficava, eu evitava as vezes chegar pra ele e falar: “Vamos namorar
hoje?” Eu tinha vergonha de falar porque eu achava que ele não ia aceitar, entendeu? Ou poderia até
aceitar só para não me deixar triste. Isso era o que passava na minha cabeça, entendeu?
Pesquisadora: Na sua cabeça...
Paciente: Na minha cabeça. Mas só que no início meu marido me respeitava muito, entendeu? Sempre
que eu estava operada, quando eu ganhei minhas filhas e tudo. Ele nunca foi assim de abusar, entendeu?
Só se eu estivesse bem de saúde, ele sempre foi assim meu amigo: “Se você estiver bem, estiver afim,
tudo bem. Se não estiver, só para me satisfazer, não vale a pena”. Ele sempre conversou assim comigo,
sabe? Então, é por isso que eu digo: ele sempre foi meu amigo, sabe?
Pesquisadora: Amigo...
Paciente: Sempre, graças a Deus por isso! Ele é um homem bonito, ainda novo sabe. Não é desses
maridos caidão, apesar de que ele é mais velho do que eu 7 anos e eu estou mais velha do que ele, sabe (e
ri). Tem os olhos azuis, todo mundo pensa que ele é gaúcho. Eu falo que ele é do Recife, eu nunca vi
gaúcho! Gaúcho do nordeste! (e ri muito). Meu genro é que me encarna: “Puxa vida meu Deus, meu
117
sogro tão bonito, de olhos azuis, casou com essa Paraíba!” Eu digo: “Eu não conheço nem a Paraíba!” Eu
sei que Recife não é na Paraíba. Eu nasci em Recife e Recife é nordeste, não é Paraíba. Paraíba é outro
estado. Eu não nasci na Paraíba, ele me encarna, ele é muito palhaço e fica me encarnando, né? Mas a
minha vida, graças a Deus, tem sido uma maravilha com a minha família, sabe. Mas sei que agora, quem
me deu força mesmo para fazer essa cirurgia foi a minha dermatologista. Eu não ia fazer. Porque quando
eu fiz a cirurgia (mastectomia), Dr. ________ falou assim: “Depois de 2 anos você vai fazer uma
reconstituição da mama”. Mas logo que você faz a cirurgia (mastectomia) você fica muito traumatizada e
eu achava que não queria mais mexer aqui. Mas depois a minha médica falou assim: “Ah! Vai fazer, você
vai se sentir muito melhor. Você ainda é jovem, sabe, não está uma senhora caída ainda, entendeu, só tem
50 anos. A minha paciente fez, ficou muito bem, entendeu?” A paciente dela de 52 anos fez e está ótima.
Ela me deu força, entendeu, conversando comigo. Aí eu falei: “Ah, então eu vou fazer!” Eu perguntei ao
meu ginecologista: “É perigoso fazer?” Ele disse: “Que nada! Eles fazem isso todos os dias”. Ele me deu
força também, entendeu.
Pesquisadora: O que o seu marido está achando?
Paciente: Meu marido está achando que eu devo fazer, que eu vou me sentir melhor. Se eu vou me sentir
melhor, ele aceita. O que é melhor para mim é melhor pra ele, entendeu?
Pesquisadora: Ele é amigo mesmo...
Paciente: Graças a Deus! O meu genro falou assim pra ele: “Ah, se fosse minha mulher não fazia”. Aí
meu marido: “Por que?” Ele disse: “Porque toda cirurgia é um risco, toda cirurgia tem seu risco,
entendeu. Se fosse minha esposa não ia fazer”. Aí meu marido: “Não, que, vai fazer sim!” Minha pressão
é boa, né? Eu estou com a cabeça boa, graças a Deus. Então eu acho que estou pronta pra encarar mais
essa.
Pesquisadora: Você está pronta. Você mesma falou.
Paciente: Estou doutora?
Pesquisadora: Está.
Paciente: Estou mesmo? Muito obrigada! Eu me sinto segura, me sinto com força para fazer, sabe. Pra
você ter uma idéia, quando eu me internei pra fazer essa cirurgia (mastectomia), eu não deixei o meu
marido vir, nem minhas filhas me trazerem no hospital. Como meu cunhado vinha pra cidade, eu peguei
uma carona com ele e vim. Minhas filhas queriam faltar ao serviço, meu marido queria largar o serviço
pra vir me trazer. Eu não deixei ninguém vir, sabe porque? Porque eu sabia que eles iam sofrer. Iam me
deixar no hospital e voltar pra casa chorando, ia estragar o dia deles. Aí eu não deixei que ninguém
faltasse ao serviço, as meninas tiveram atividade normal, foram trabalhar e estudar porque eu vou me
operar e vou me dar bem. E vou voltar numa boa. E eu entrei aqui no hospital com a minha bolsa e todo
mundo que se internou junto comigo chorando e eu bem. Aí a minha médica falou assim: “Puxa, você
veio sozinha?”. “Eu vim”, respondi. E contei a minha história pra ela. Aí ela disse: “Isso é muito bom
porque você está segura no que você vai fazer”. Eu falei: “Vou fazer e vou me dar bem”. Aí, no dia
seguinte, eu fui ligar pra minha casa...não! Quando eu subi, a enfermeira falou assim; “Liga pra casa pra
dizer que já internou”. Aí eu liguei pra minha casa, não tinha ninguém, estava todo mundo trabalhando.
Aí eu liguei pra minha irmã, que é ao lado da minha casa. Aí falei: “Liga pro serviço do meu marido, liga
pro banco onde minha filha trabalha e fala que eu já estou internada, tudo bem e que amanhã já estou
118
operada”. Aí quando a minha médica entrou na sala, depois do almoço, eu contei pra ela e ela disse: “Isso
mesmo, tem que ser assim”. E as outras meninas tudo chorando, uma chorava muito com medo, sabe. Aí
eu falei: “Gente, se a gente confia em Deus, vamos colocar a nossa vida nas mãos dele, sabe. E pedir que
ele tome frente e dê sabedoria cada vez mais aos médicos, entendeu? Né? Porque quanto mais sabedoria o
homem tiver, melhor pra gente, né? A sabedoria vem de Deus, né? Então, a gente tem que pedir a Ele
cada vez mais sabedoria porque tudo que você vai fazer, você faz bem. Porque Deus é sábio, Ele está ali
do teu lado, te orientando, né?”
Pesquisadora: E você está aqui agora com...
Paciente: Um encaminhamento.
Pesquisadora: Um encaminhamento para cirurgia plástica para fazer reconstituição.
Paciente: Isso.
Pesquisadora: Muito bem.
Paciente: E tem mais uma coisa, doutora. Quando eu fizer a minha plástica e estiver muito bem, eu quero
em dia de domingo vir aqui ao hospital para dar força às pessoas que estiverem internadas porque Deus
sempre tocou isso no meu coração, sabe? Foi um momento difícil que eu passei dentro do hospital: fazer
biópsia, foram 4 biópsias para poder dar o resultado. Estava muito escondido esse câncer. Dr. _______ se
não fosse tão bom, acho que ele tinha deixado pra lá. Mas ele não: a 1ª vez não deu resultado nenhum. Ele
pediu a 2ª, não deu. A 3ª não deu. Na 4ª é que deu. Estava muito escondido, entendeu? Então eu achei que
ele se interessou muito pelo meu caso. Dr. ________ , sabe, vou te contar, eu falo pra todo mundo aqui:
esse médico...muito, muito bom mesmo, sabe. Porque tem médico que é de hospital público que não se
interessa pelos pacientes. Eu estava com médico particular, entendeu, me liberou e disse que eu não tinha
nada porque os exames não deram nada, entendeu? Aqui que ele falou até para as meninas que estavam
tendo aula com ele, se ele fosse acompanhar meu caso pelos exames ele não teria me operado. Ele me
operou porque ele insistiu na biópsia porque realmente estava muito escondido. Esse período assim de
fazer a biópsia é muito, sabe, sofrido. Mexe muito com a tua cabeça, entendeu? Então eu tive que
internar, fazer a cirurgia maior para poder ter o resultado. Aí, como eu já tinha feito 3 biópsias e não dava
nada, eu estava certa de que não era nada. Aí eu fiz a 4ª e deu. Aí aquilo me arrasou, mexeu com a minha
cabeça porque você que nunca teve um câncer você acha que é uma coisa do outro mundo, que não tem
cura. Então, quando a médica falou que tinha que fazer a retirada da mama, né, aí eu comecei a chorar.
Tinha 2 filhas noivas pra casar. Puxa vida, nem vou fazer o casamento das minhas filhas. A gente pensa
logo nos filhos, entendeu? Aí aquilo mexeu muito com a minha cabeça. Mas depois eu comecei a ler, ver
televisão a respeito do assunto, entendeu? Aí eu fui vendo assim, não é um bicho de 7 cabeças...que se
você, você que conhece seu corpo, você tem que ter cuidado com seu corpo. Sempre se examinar,
entendeu? Então, no meu caso, foi uma pancada que eu levei, o médico falou pra mim uma vez. E
começou a dar um inchaçozinnho na mama. Isso em dezembro. E em janeiro comecei logo no médico,
entendeu? Só que eu fiz todos os exames e não deram nada conforme os outros exames que também não
deram nada. Aí o médico falou: “Você está com 49 anos, isso pode ser da menopausa, mexe muito os
hormônios, entendeu? Não fica preocupada não”. E me liberou. E eu falei: “Não, agora eu vou pro
Servidores!” Aí eu vim pra qui e caí nas mãos do Dr. ______. Graças a Deus! Senhor!
Pesquisadora: E agora você está com encaminhamento...
119
Paciente: ...para uma nova etapa em minha vida. E vou ter sucesso mais uma vez!
Pesquisadora: Te desejo toda sorte!
Paciente: Muito obrigada!
Pesquisadora: Te agradeço por ter participado do meu trabalho e me ajudado.
ENTREVISTA Nº 5
Pesquisadora: Como a sra. se sente sexualmente depois da cirurgia?
Paciente: Depois que eu operei foi normal. Daí pra cá foi normal (faz uma pausa demorada). Porque ele
me deu muito apoio, meus filhos me deram muito apoio. E eu tive minha vida, senti muito, chorei muito,
passei dias na cama, minhas filhas todas pequenas. E daí pra cá minha vida não foi normal como era
antes. Eu já vinha com aquilo há 2 anos, caroço no seio. Mas o meu marido trabalhava viajando, ele
estava 2 anos em Brasília. Eu estive aqui no hospital, uma doutora me examinou e daí pra cá eu fui pra
cirurgia, da cirurgia resultou a operação.
Pesquisadora: Certo. A sra. operou que lado?
Paciente: O lado direito.
Pesquisadora: E a vida sexual da sra.?
Paciente: Foi normal, a mesma coisa até o ponto em que ele apareceu com uns nodulozinhos na parte,
né? E ainda está com problemas até que agora resultou problema maior pra ele. Ele está doente mesmo e
está usando até fraldão.
Pesquisadora: Ele tem que idade?
Paciente: Tem 72 anos, mas ele é forte, novo, é bonitão, não é porque é meu marido não, mas é, né?
Pesquisadora: E a sra. tem quantos anos?
Paciente: Eu tenho 74 anos na certidão, né? Mas tem muita gente que não acredita que eu tenha essa
idade porque eu não paro. Meu estado normal é fazendo serviço dentro de casa, faço tudo. Faço tudo,
então... de um tempo pra cá... no começo eu senti muito, mas depois eu fui esquecendo. Tive apoio da
família: é o melhor remédio pra gente, é o apoio dentro de casa, né? Então me distraí, tem hora que eu até
esqueço que tenho esse problema. Vivi a vida normalmente que eu sempre tive calma também. Não sou
desesperada. Se tem que acontecer semana que vem, eu só vou pensar aquela semana, não vou pensar
antes que é pior, né?
Pesquisadora: Entendi.
Paciente: E tem sido isso.
Pesquisadora: Quer dizer que na época que a sra. operou a sua vida sexual com seu esposo...
Paciente: Passaram dois meses daí é que começou normalmente. Mas no começo não, né? Eu ainda
fiquei de repouso um tempo, né. Tomei muito medicamento que eu acho que hoje em dia não tem nem
mais aquele medicamento que eu usei. Tomei muito remédio. Meu marido foi muito bom. Fomos até num
centro espírita. E eu fiz até uma cirurgia invisível, né. E foi muito bonita essa operação. Eu é que não sei
contar direito, mas foi lindo. Eu sou medrosa, sempre fui medrosa, né. Mas eu tive uma coragem: deu
coragem em mim na hora que eu fiz tudo direitinho conforme... esse sr. já faleceu, né. Era um velhinho,
era vovô, era vovô Caetano, mas ou menos isso, né? Acho que foi lá em Guadalupe, meu marido me
120
levou. Ele tinha paciência, ele me levava em todos os lugares, ele queria ver eu boa, né? Aí eu fiz também
o remédio. Teve um chá de pena de jacu ou ambu, era uma pena preta, né? Ele ia todo mês lá buscar, eu
tomava aquele chá, cozinhava, fazia aquele chá, tomava como se fosse água 3 vezes ao dia. E eu acho que
fiz durante uns 6 meses ou 1 ano, tomando esse chá. Foi muito bom, quer dizer que eu tive esta cura
também, né? E daí a minha vida sempre foi normal: faço tudo dentro de casa, procuro até serviço que não
tem eu procuro fazer. Eu não sei ficar parada: é costurar, fazer crochê agora não posso mais por causa das
vistas, era bordar, fazia tudo. Lavo paninho de prato, não lavo roupa grande porque tem máquina senão
lavava também, né? Agora, a gente sente uma diferença, né? Essa parte aqui fica meio dura (leva a mão
ao local operado), que aí tem que ficar sempre fazendo movimento: pra lá, pra cá. E também quando a
gente faz muito esforço dói essa parte aqui porque não tem a parte daqui e repuxa até essa parte. Não é
dizer que eu venho esse tempo todo sem sentir nada, eu sinto tudo, mas eu não ligo. Uma dor aqui, uma
dor ali, vou ao médico, ele passa um remédio, melhora. Vou indo. Eu digo: se Deus quiser que me dê
mais anos pela frente.
Pesquisadora: Está bom, Dª _____. Muito obrigada pela sua participação
ENTREVISTA Nº 6
Pesquisadora: Depois que você fez a mastectomia, como você se sente sexualmente?
Paciente: Normalmente. Normal. Não tem nada inclusive meu marido se preocupa muito comigo, não sei
se porque tem mais idade do que eu, não sei se também porque ele é... é... é... português, assim esse
sistema familiar, muito assim... família, e eu tenho dois filhos maravilhosos também que colaboraram
muito com isso, né? Então eu tenho um filho que faz educação física (está terminando). E tem o outro que
faz enfermagem nível superior e pretende seguir a carreira médica. E eu como sou professora trabalho
também em escolas, não parei de trabalhar, continuei trabalhando. Eu trabalho com nível de 2º grau,
trabalho com normalistas, trabalho com psicologia, didática, estrutura, filosofia. E no município eu sou
especialista em educação, orientadora educacional, já trabalho há 28 anos no município, já fui diretora de
escola, agora trabalho na direção, mas não com diretora. E nada disso me atrapalhou nem na vida
profissional, nem na vida sexual, nem nas minhas...assim...digamos...amizade, com as minhas colegas,
nada. Continua normalmente. Meu marido gosta de dançar, de vez em quando a gente vai a um baile, uma
festa dançante. E quer dizer...está tudo normal. Alimentação normal. Dirigo. Eu tenho uma amiga que fez
essa cirurgia parecida com a minha, o mesmo caso, só que ela não dirigiu mais, ela se acomodou, não
pintava mais o cabelo. Eu não: eu pinto o cabelo, eu continuei pintando, fazendo unha, me arrumando. E
agora até estou um pouco preocupada aqui do lado direito porque está saindo uma gordurinha porque eu
engordei, aí depois eu vou tentar falar com meu querido médico porque eu amo o meu médico. Porque o
Dr. ________ já faz parte da minha vida, então eu gosto muito dele como profissional e como gente:
porque ele é 10, sabe? Então eu vou ver se ele me encaminha para tirar essa gordura porque está me
incomodando. Quando faz calor ela me incomoda na axila assim porque eu engordei também um pouco.
Mas olha eu continuo bem, tudo normal.
Pesquisadora: Está certo.
Paciente: Trabalhando.Tudo numa boa.
121
Pesquisadora: Trabalhando bastante...
Paciente: Trabalho bastante. Trabalho em casa: quando estou em casa estou sempre fazendo alguma
coisa, mudando alguma coisa, estou fazendo... minha casa é muito grande e trabalhosa, então eu estou
sempre querendo ajeitar as coisas, arrumar, tá? Eu nunca estou parada. Em 74 eu fui Miss Campo Grande,
nem por isso me deixa recalcada. Fui uma mulher bonita, paquerada, super paquerada, bonitona. E agora
está assim: faltando um pedaço de mim. Mas eu estou erguendo a cabeça e indo pra frente. É passado... só
os filhos ficam caçoando por causa dos retratos, né? Eles falam assim: “não é possível minha mãe, a sra.
tão bonita, tão gostosa, tão fofa e você está assim ficando velha, vai fazer uma plástica para ficar bonita
outra vez”. Eles mexem comigo... porque em 74 eu fui Miss Campo Grande... desfilava... tinha as pernas
bonitas. Fui convidada para fazer propaganda de meia na Casa Olga, até cheguei a fazer umas
propagandas pequenas... Então, nem por isso eu poderia agora estar quebrada porque passou tanta coisa
boa, mas eu não me acho assim jogada fora não! E ainda sou paquerada. E eu penso assim comigo na rua
quando vejo eu estou no sinal, um rapaz me paquerando, eu penso: “Há, meu Deus, ele está olhando só
meu rosto, não está vendo nada” (e ri). As aparências enganam realmente, né? Aí eu fico pensando:
coitado, agora estou velha e não estou com nada (e ri). Mas eu continuo, sabe sra. enfermeira, muito feliz
porque eu estou vivendo, né? Estou cercada de pessoas amigas, você que estou conhecendo que é uma
pessoa simpática, inteligente também, que está fazendo um trabalho maravilhoso, que é a enfermagem,
que o meu filho faz. Eu acho lindo. E o dr. _______ e dr. ______ , eu estou muito bem: estou muito bem
amparada, graças a Deus. Iluminada pelos anjos e por vocês também.
Pesquisadora: Você atualmente mantém relação sexual com seu esposo?
Paciente: Sim. Normal, normal.
Pesquisadora: Normal.
Paciente: Normal. A parte de sexo não tem nada...não mudou nada. Normal. Bem carinhoso, cuidadoso
comigo (pausa).
Pesquisadora: Está bom. _______, muito obrigada.
ENTREVISTA Nº7
Pesquisadora: Depois que você fez a cirurgia, como é que você se sente sexualmente?
Paciente: Me sinto bem, não sinto nada, não sinto dor nenhuma. Eu danço, bebo cerveja, fumo, e eu não
sinto nada, nada , nada.
Pesquisadora: Não sente nada...
Paciente: Nada, só esse caroço que saiu que eles vão fazer pra ver se vai ser alguma coisa. Mas não sinto
nada. Danço. Dou força a outras pessoas que já fez e está pra baixo. Eu levanto porque isso daí é uma
coisa que se a pessoa abaixar a cabeça é pior. Eu não sinto nada nada. As pessoas não acreditam. E eu
digo: “É”. E mostro às pessoas. Porque assim (aponta para a blusa) não dá pra ver, né?
Pesquisadora: Não dá pra ver.
Paciente: Mas pra mim foi ótimo: operei bem, me trataram muito bem aqui, muito bem mesmo. Só fiquei
aqui porque estava com o dreno, aí não fui pra casa.Mas me trataram bem. No dia da alta, ninguém queria
que eu fosse embora. Eu sei que foi tudo bem.
122
Pesquisadora: Você é casada?
Paciente: Não. Viúva.
Pesquisadora: Viúva. Tem filhos?
Paciente: Tenho 2 : o menino de 23 e a menina com 18.
Pesquisadora: E você mora com...
Paciente: Com estes dois.
Pesquisadora: Depois que você fez a cirurgia, você já teve algum relacionamento sexual?
Paciente: Já, já.
Pesquisadora: E como é que foi? Você pode falar prá mim?
Paciente: Normal, normal.
Pesquisadora: Normal.
Paciente: Normal, normal mesmo (pausa). Pode perguntar que eu... eu não vou falar uma coisa que é
mentira, vou falar uma coisa que é verdade.
Pesquisadora: Hum hum.
Paciente: Agora vou falar uma coisa que... igual ao médico que pergunta se eu estou sentindo alguma
coisa. Pra que que eu vou dizer que estou se eu não estou sentindo nada?
Pesquisadora: Isso.
Paciente: Não é não? Inventar uma coisa é só da cabeça das pessoas, não é não? E falar uma verdade que
eu estou... que... que eu estou fazendo aqui: por causa que saiu um caroço e a doutora pediu.
Pesquisadora: Hum hum.
Paciente: Se tiver que operar eu opero. Não estou com medo, nunca tive medo. Um dia eu vou mesmo,
todo mundo vai.
Pesquisadora: Vamos todos.
Paciente: Pra que ficar com medo? O medo é pior. Tem que deitar na mesa e entregar na mão de Deus e
mandar ver. Aí tem que fazer a biópsia. Eu fiz essa biópsia do meu seio a sangue frio, eles não deram uma
anestesia porque estava inflamado e eles cortaram. E eu estou aqui: saí de lá, eles deram uns pontos e fui
pra casa. E estou aqui graças a Deus. Amanhã vou trabalhar, depois de amanhã estou em casa, depois de
amanhã trabalho. E vou vivendo a vida. Não tenho um pingo de medo de um dia eu ir. Porque eu acho
que a pessoa...assim... se não levantar a cabeça e não entregar na mão de Deus, a doença vai tomar conta
com certeza. Porque aí ela vai dizer que está com uma doença na cabeça, uma doença no braço, tudo que
sair é doença. Pode ser assim não. Eu não vou dizer para as pessoas que sou forte, não vou. Quero dar
força para as pessoas que estão pra baixo. Porque não adianta a pessoa ficar pra baixo... a doença um
dia... a gente tem que ir como todo mundo tem que ir, não é não?
Pesquisadora: É. Quantos anos você tem?
Paciente: 43 anos. Fiz semana passada.
Pesquisadora: Teve bolo?
Paciente: Teve. Fizeram uma festinha pra mim lá no botequim mesmo. Lá em casa segunda-feira
fizeram... Sempre alegre, sempre de bem com a vida.
Pesquisadora: É isso aí. Está bom, _______, te agradeço muito por ter me ajudado
123
ENTREVISTA Nº 8
Pesquisadora: Como é que a sra. se sente sexualmente após a cirurgia?
Paciente: Não tenho problema desse. Eu nunca fui muito... se fosse “agitada” por causa de sexo teria
casado mais cedo (e ri), não é? E eu sempre gostei... eu sempre fui assim... quando eu... se eu estiver a
casar-se com uma pessoa que eu ame, se eu não amar não adianta que não vem para perto de mim. Pode ir
embora! E sempre fui aquilo. Então encontrei um brasileiro, também que eu não sou brasileira, não. Já
tenho 49 anos de Brasil. Meu marido era brasileiro. A gente se identificou, se gostou e nos casamos. Aí
ele já desencarnou vai fazer 21 anos dia 1º de dezembro. Eu aqui fiquei sozinha, moro sozinha lá em
Engenheiro Pedreira. Graças a Deus não tenho mais... o resto não tenho mais, não tenho problema
nenhum de sexo não.
Pesquisadora: Certo.
Paciente: É que eu tenho uma alergia, tive uma alergia antes de operar. Fiz tratamento lá em cima em
Queimados, mas não acabei de fazer o tratamento completo. Mas de vez em quando me ataca: dá aquelas
bolinhas como uma mordida de mosquito principalmente nas partes das virilhas. Mas eu passo a pomada
quadriderm, essa é que se dá. Eu trago aqui na bolsa, pra onde eu vou eu levo, não posso ficar sem ela. O
resto está tudo bem, graças a Deus.
Pesquisadora: Estou percebendo que está tudo bem...
Paciente: Pois é. Quando a pessoa, no meu modo de entender, se entrega à doença, ela sente dor de todo
lado. Porque eu também sinto dor... a idade... e a minha vida como jovem, como adolescente, foi sempre
embaixo de uma friagem muito grande lá na minha terra. E eu não tinha o que vestir: eu tirava a roupa à
noite pra dormir e no dia seguinte ia vestir a mesma roupa molhada. Então aquilo me ataca muito os
nervos, o reumatismo. Mas eu já venho aqui várias vezes para tratar do reumatismo, mas só pro ano que
vem é que tem consulta. Ah, não dá não, meu Deus! Aí comprei uma bolsa térmica, mês passado me
atacou aqui assim (aponta a coluna lombar), parecia que tinha um prego enfiado. Não podia dar um passo,
não podia me sentar. Aí eu apanhei a bolsa térmica, a panela de água fervendo, deixei ela ficar lá dentro 5
minutos, depois embrulho numa toalha e coloco ali, me deito. Me alivia muito. Eu já tive aqui (aponta a
coluna cervical) que nem podia torcer o pescoço, dava grito para virar a cabeça no travesseiro. Eu
comprei por minha conta mesmo. Mas graças a Deus, o resto... bem... me dou com todos, gosto de
conversar. Se puder ajudar alguém não deixo de ajudar em qualquer sentido. Eu tenho minha religião, sou
cristã-espírita. Tem um centro lá que eu faço parte há 45 anos. Vou lá, canto com as crianças e me sinto
bem à vontade.
Pesquisadora: Cheia de vida Dª. _________.
Paciente: Graças a Deus eu sou cheia de vida. Apesar da minha idade, dos meus problemas, já fiz 4
cirurgias. Mas assim mesmo tenho muita vida pra viver.
Pesquisadora: É isso aí.
124
ENTREVISTA Nº 9
Pesquisadora: Como é que a sra. se sente sexualmente depois da mastectomia?
Paciente: Normal. Não tive nada. Normal.
Pesquisadora: A sra. é casada?
Paciente: Eu sou.
Pesquisadora: Tem vida sexual ativa?
Paciente: Tenho meu marido.
Pesquisadora: E como é que foi o comportamento dele em relação à sua cirurgia?
Paciente: Muito bacana, Deus me livre, não tenho o que falar.
Pesquisadora: É mesmo?
Paciente: Muito bacana, não tenho o que falar. Muito amoroso nessas horas. Muito bom. Se o marido não
tiver compreensão danou tudo.
Pesquisadora: Danou tudo.
Paciente: (rindo muito) Aí pronto!
ENTREVISTA Nº 10
Pesquisadora: Como é que você se sente sexualmente depois da cirurgia? Como é que ficou essa parte da
sexualidade?
Paciente: Assim... como assim?
Pesquisadora: Como você entendeu. Como é que você se sente sexualmente?
Paciente: Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo. Meu marido fala as vezes... até já pegou um
papel lá embaixo e tudo... pra repor, né, mas eu ainda estou com aquele receio de... com medo né, com
um pouco de medo. Será que eu faço ou não faço? Será que eu vou morrer? (e ri. A paciente aqui se
refere à reconstituição da mama).
Pesquisadora: O teu marido é que está querendo...
Paciente: Tá, tá. Aí ele disse: “Deixo contigo. A decisão é sua. Eu não quero te forçar a nada”. Não
mudou nada eu com ele, mesma coisa, continua o mesmo, sabe, não mudou nada.
Pesquisadora: Não mudou nada.
Paciente: Nada, nada, graças a Deus! Nada.
Pesquisadora: Você mantém relacionamento sexual com ele?
Paciente: Tudo bem. É. Nada. Tem muita força que ele me dá.
Pesquisadora: É.
Paciente: Não mudou nada, ao contrário, ainda mais ainda.
Pesquisadora: Melhorou?
Paciente: É. Aí eu não sei né... ou foi coisa de Deus, né, que me deu essa força toda porque eu rezo
muito, peço muito a Deus para me dar bastante força, né. Deus me ilumina muito, né. A gente fica assim
com receio as vezes. Vai fazer uma mamografia, aí tira a blusa, fica constrangida, né, de tirar a roupa e
coisa, né, mas depois passa. É só naquele momento, né, aí passa.
Pesquisadora: Hã, hã.
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Paciente: Tá tudo bem, graças a Deus.
Pesquisadora: Está certo, muito obrigada.
ENTREVISTA Nº 11
Pesquisadora: Depois que a sra. fez a mastectomia, como é que a sra. se sente sexualmente?
Paciente: Eu sou viúva, né. Mas eu sou ‘fogueta’ até hoje! Eu não tenho mais coragem de ter ninguém
porque eu não tenho coragem de tirar a roupa na frente de ninguém.
Pesquisadora: Mesmo antes da plástica?
Paciente: Eu já tinha... já tinha...
Pesquisadora: A sra. tinha namorado?
Paciente: Tinha, tinha.
Pesquisadora: Depois que a sra. fez a mastectomia, a sra. tinha namorados?
Paciente: Tinha. Mas tinha reserva, a gente sempre tem muita vergonha. Não tem mais coragem de tirar a
roupa. Custei muito para tirar a roupa para minhas netas verem. A gente sente faltando um... talvez se
tivesse ginecológico (aqui ela se refere ao câncer ginecológico) talvez a gente não se sinta tão castrada
como a mama, né. Eu acho a mama a parte mais importante para a mulher esteticamente. Não a cabeça,
nem a alma, nem nada, mas estético. A gente... custei muito a me olhar no espelho, muito, muito, muito.
Por isso, eu fui correndo tentar... para eu poder ter minha auto estima. É muito... quando a gente tira não...
Eu podia ter tirado da primeira vez quando deu que era 4 cm, depois ele diminuiu com remédio, ficou 1,5
cm quando eu tirei só um quadrante. Podia ter tirado de uma vez. Se eu tivesse feito aqui no hospital
talvez eles tivessem me convencido a tirar de uma vez. A primeira vez eu não teria sofrido tanto.
Pesquisadora: Em 95 a sra. fez só o quadrante no hospital particular, depois em 99 a sra. ...
Paciente: Aí veio aquele pequenininho no biquinho do peito. Aí dr. _______ : “Tira, tira, tira tira...” Eu
acho que se fosse hoje... eu acho que já tem... tem remédio... o outro diminuiu com remédio: ele tinha 4
eu tomando o remédio ele foi para... se eu continuasse tomando remédio... é que eu parei com 2 anos, não
teria dado de novo, né?
Pesquisadora: A sra. parou o remédio por sua conta?
Paciente: Parei porque era muito caro. Eu não tinha... agora eu tomo tamoxifeno que até que no hospital
que me dá. Eu estou te dizendo que a pensãozinha é desse tamanhozinho. Tem as filhas, mas a gente que
é mãe... a gente quer dar a eles e não tirar, não é assim?
Pesquisadora: É...
Paciente: A gente prefere as vezes dar... eu pelo menos sou assim: se eu puder dar eu não quero tirar. Era
um remédio inglês, um nome até esquisito. Ele me deu pelo plano ele me deu 2 anos. Mas eu acho que
dentro desses 2 anos ele achou que eu estava curada qualquer coisa assim. Eu não pude comprar que era
cento e tantos reais a caixa, era muito caro. Esse agora que eu compro o posto aqui me dá. Quando não
tem, eu compro na farmácia Vita que é mais barato. Mas antigamente era muito, muito caro. Aí eu não
pude comprar e só tomei 2 anos.
Pesquisadora: Certo.
Paciente: 2 anos depois vim fazer a mamografia para prevenção, mas era um carocinho de milho. Aí o
Dr. ________ : “Tira, tira, tira, tira”. Eu fiquei com aquilo na cabeça. Fiquei aqui 25 dias internada.
126
Minha filha chegou aqui e brigou com eles: “Eu quero minha mãe inteira conforme ela entrou aqui”. E eu
com aquele buraco aqui que tirou tudo, né. Ficou um buraco, como é que eles (a paciente se refere à
equipe da cirurgia plástica) iam tampar? Tudo novo, aquela meninada tudo nova. E eu morrendo aos
poucos, branca, sem sangue nenhum, fiz 2 cirurgias uma atrás da outra...
Pesquisadora: Quer dizer que sexualmente a sra. se sentiu diferente depois que fez a mastectomia?
Paciente: A gente fica meio envergonhada. Não sei se casada, entre marido e mulher, se já estão juntos
algum tempo, tendo amor entre os dois, né, aquele amor, aquela convivência. Mas com namorado não tive
mais coragem.
Pesquisadora: Não teve mais coragem...
Paciente: Não tive mais coragem. A gente é mais idoso... eu fiquei muito coisa porque... é a vaidade da
gente. Não sei se eu porque sou muito vaidosa, não aprendo ainda, ainda sou muito vaidosa.
Pesquisadora: Quer dizer que agora depois da plástica, hoje, a sra. não tem mais namorado, não mantém
mais relação?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: Tem vontade mas...
Paciente: não tenho mais coragem. E esses homens estão cada vez pior.
Pesquisadora: Tem que conhecer muito.
Paciente: E novo não serve.
Pesquisadora: Tem que ser um coroa esperto, não é?
Paciente: E eles só querem jovem! É isso aí.
ENTREVISTA Nº 12
Pesquisadora: _______, depois que você fez a mastectomia, como você vem se sentindo sexualmente?
Paciente: A princípio foi assim: no início eu tomei um choque.
Pesquisadora: Você é casada?
Paciente: Eu não sou casada, mas eu tenho uma pessoa. Então foi assim: eu tinha vergonha, vergonha
mesmo no sentido... assim... até em casa mesmo pra minha mãe fazer o curativo essas coisas, eu tinha
vergonha de me mostrar, de ficar sem roupa. Então, no começo é meio complicado, eu ficava meio
assim... pra mim ficar sem roupa. Até pra eu chegar junto mesmo da pessoa, de outra pessoa, eu ficava
meio assim receosa. Com o tempo aí foi que eu melhorei um pouquinho, mas... eu sempre falo: acho que
tem alguma coisa errada. Mas é que é assim, eu comecei a botar na minha cabeça o seguinte: eu é que
tenho que me aceitar, se eu não me aceitar as pessoas não vão me aceitar. Então eu passei a agir com mais
naturalidade nas coisas, mas ainda assim no fundo a gente sente um constrangimento, ainda existe, não
tem como você dizer que não existe porque existe, mas eu consigo tomar meu banho, me olho no espelho,
me examino toda hora estou me olhando. As vezes até ultimamente eu esqueço que não tenho uma mama.
Quando eu tiro a roupa é que me dou conta. As vezes assim... pra ir à praia, à piscina, então fica meio
difícil você tem que estar se policiando, mesmo usando um maiô adaptado pra prótese que eu uso, ainda
assim você tem que estar sempre se policiando, sempre. Uma roupa que eu vou comprar na loja tem que
estar olhando pra ver se não está tendo muita diferença porque eu sou vaidosa, não vou negar: eu sou
vaidosa. Até quando eu estava no hospital mesmo recém operada já andava me arrumando pra disfarçar
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um pouquinho, aquela coisa, né. Tanto que o próprio dr. que me operou disse: “Guria , você não parece
uma paciente!” Eu estava sempre me arrumando, botava uma camisolinha, um ‘robizinho’. Agora me
abater mesmo, não cheguei a me abater. No início, lógico, quando você tem a notícia de que está com
câncer de mama e o meu que é avançado, lógico que você desaba. Então eu chorei muito, me desesperei
assim nos primeiros dias. Mas aí com o tempo eu fui conversando com a dra. _______, dr. ______, dr.
_______ que foi quem descobriu, quem me encaminhou pro dr. _______. Então ele começou: “Pára com
isso, você está sendo tratada, está sendo assistida, você vai fazer tratamento, você vai ficar bem”. Aí foi
que eu comecei a pensar realmente: poxa, tem pessoas que estão em estado tão mais sério do que o meu.
Eu sei que o meu é seríssimo, eu sou uma paciente... na época eu era de risco total tanto que eles correram
rápido pra tentar fazer a minha cirurgia o mais rápido possível. Aliás, começar o tratamento da
quimioterapia porque eu tive que fazer o tratamento da quimioterapia para redução do tumor. Mas aí, a
princípio, eu fiquei ... lógico você fica abalada. Hoje em dia eu ainda sou meia... de qualquer maneira a
gente fica com aquele receio... tudo você fica acendendo aquela luzinha vermelha... você já...
Pesquisadora: Deixa eu te perguntar uma coisa: quando você teve a notícia do diagnóstico, teve que
internar e fazer a cirurgia, naquela ocasião você tinha um namorado?
Paciente: Tinha um namorado.
Pesquisadora: Como é que ficou o relacionamento de vocês com essa...
Paciente: Ficou um pouco estremecido. Ele diz que é assim... a pessoa nunca admite.
Pesquisadora: Você está com ele ainda?
Paciente: Ainda, mas sabe, mudou muito sabe... ficou uma coisa meio assim... não sei se de repente de
mim, parte de mim, não sei. Fiquei assim mais receosa, qualquer coisa assim que acontece de diferente eu
já acho que é devido a esse meu problema. Claro que você, é aquela coisa, nós conversamos sobre isso,
lógico. Ele é uma pessoa super informada, muito aberta, são muitos anos já de convivência. Mas ele disse:
“Pra mim você continua a mesma pessoa, isso aí é uma cicatriz, você só tem uma cicatriz”. Mas é aquela
coisa, é uma cicatriz, mas se você se analisar, lógico, se você tiver um senso crítico, não é uma visão
bonita de se ter. Eu mesma... eu não gosto, mas é aquela coisa eu tenho que me aceitar era a única opção
que eu tinha para ficar viva. Então, entre a estética e a vida, lógico que eu vou optar pela vida, sempre.
Mas eu sinto... eu... eu... de repente é uma impressão minha, mas estremece. Claro que você... um
homem, no caso, tendo condição de ter uma mulher normal, toda perfeitinha, lógico que.... né... só se
você gostar muito da pessoa então... não vai contar muito. Mas não sei, né, de repente, uma fantasia que
eu tenho... fico criando minhoca na minha cabeça mas eu acho que fica um pouco diferente até por mim
porque eu sinto vergonha dele, eu ainda sinto. As vezes nós estamos juntos na intimidade, ele fala: “Poxa,
se solta, esquece que você tem isso, pára com isso, pra mim isso aí não existe, eu estou com você não
estou com sua cicatriz, eu não estou com sua mama que está faltando, não tem nada a ver”. Mas eu não
sei, eu sinto que alguma coisa fica estranha, entendeu. Até pra ficar perto dele, tomar um banho alguma
coisa assim, eu fico receosa, eu fico envergonhada. Eu tento não pensar na hora e tudo, mas a gente fica...
não tem como não ficar, mas eu procuro ao máximo amenizar, mas a gente sente uma coisa estranha.
Tanto que até agora a última vez que eu tive com dr. _______ eu estava até falando pra ele se havia a
possibilidade de eu começar a fazer a reconstituição pra ver se eu começo a me sentir melhor, entendeu.
Porque eu sei que em vista de muitas pessoas eu estou bem de cabeça. Mas ainda assim você tem que
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estar se controlando, se vigiando, tem que estar tentando não pensar naquilo ou não botar minhoca na
cabeça. É aquela coisa: eu estou com 41 anos, ele tem 48. Ele já foi casado, se divorciou e tudo, quer
dizer sempre existe aquela possibilidade da pessoa de repente... Eu outro dia falei pra ele: “Você... não dá
mais você me diz que não dá mais. Não é por isso... eu sei que você não é obrigado a ficar atrelado a mim
porque...”
Pesquisadora: E o que ele falou?
Paciente: Ele disse: “Pára com isso, isso aí pra mim é só uma cicatriz, eu estou com você, não estou com
sua cicatriz, pra mim você continua a mesma pessoa, estou com você porque eu quero”. Mas sei lá, a
gente sempre fica assim meio... não dá pra não ficar, entendeu. Por mais que a gente tenha a cabeça boa,
por mais que... entendeu, e ainda mais que ele é uma pessoa muito fechada, a gente se vê pouco porque
ele viaja muito. Agora mesmo: eu estou aqui e ele está no sul. Ele vai chegar acho que final de semana,
ele trabalha na marinha então ele viaja muito, quer dizer, fica mais complicado ainda porque as vezes a
gente passa 4 meses sem se ver, quer dizer, eu fico com mil minhocas na cabeça, fico pensando um monte
de bobagem, aí fica complicado. Mas agora assim... de me aceitar, não, de me aceitar numa boa eu me
aceito: eu me arrumo, eu procuro me arrumar, claro que eu não posso mais usar aquelas
roupinhas...também eu nunca fui de usar mais assim... procuro usar uma blusa sem manga, uma mais
cavadinha, mas sempre tendo cuidado... tenho que estar me policiando pra não dar... eu não ligo mas as
pessoas se chocam. Não tem como dizer que não se chocam porque na época em que eu estava fazendo o
tratamento de quimioterapia, as pessoas olham pra você parece que você está com alguma coisa
contagiosa, né. Então, inclusive tem pessoas que ficaram internadas comigo e tudo, que não aceitavam a
hipótese de ter um nódulo, para elas era uma coisa inaceitável: “Ah, não! Meu Deus, eu posso ter tudo, eu
prefiro morrer do que ter que tirar o meu seio.” Poxa, eu digo que entre morrer e ter que tirar um pedaço
de você, você tirando um pedaço é tremendamente melhor, né. A hipótese no caso, né. Mas é aquela
coisa: cada pessoa encara de uma maneira. Eu não... eu não vou dizer que eu não tenha ficado chocada e
que isso não tenha me afetado. Hoje em dia, se por uma eventualidade acontecer eu me separar desse meu
namorado, com certeza não teria coragem de me aproximar de outra pessoa.
Pesquisadora: Não teria?
Paciente: Não teria. Não porque eu não teria com ele intimidade, são muitos anos juntos e tudo. Mas com
outra pessoa... quer dizer a primeira coisa que eu ia procurar dizer é que eu tinha esse problema, lógico. E
é aquela coisa: até me dar coragem de eu me mostrar para essa outra pessoa ia ser uma coisa meio
complicada.
Pesquisadora: Ia levar um tempo?
Paciente: Ia levar um tempo, com certeza. Eu sei que com o tempo eu iria ter que encarar e eu encararia
realmente. Eu sou assim: eu tenho um problema e não costumo correr dele, eu procuro encarar. Agora... é
aquela coisa: eu tenho que juntar todas as minhas forças e partir pra frente. Agora, com certeza eu daria
um bom tempo até procurar encontrar alguém.
Pesquisadora: Começar de novo.
Paciente: É aquela coisa: eu me aceito como eu sou, mas eu não sei se aquela pessoa está disposta a
aceitar, né. Tem isso. As vezes a pessoa diz: “Ah, não, por mim não tem problema.” Mas no fundo não é
bem aquilo. Mas aí, com esse meu atual namorado... as vezes até ele mesmo fala: ”Poxa, pára com essa
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paranóia, você fica com essa coisa, tem vergonha de tudo” [espaço para troca de fita]. Tenho que encher
meu tempo senão vou ficar maluca. Aí o que que eu fiz: vou voltar a estudar. Aí comecei a estudar só que
tive que interromper porque eu comecei a fazer quimioterapia. Minha quimioterapia era pesada e dava
muitas reações: ficava enjoada, passava mal, as vezes tinha princípio de desmaio, ficava muito fraca
porque não me alimentava por causa do enjôo. Daí me prejudicou um pouco no colégio. Mas aí eu: “Não,
vou ter que retomar”. Aí retomei. No ano passado terminei, agora vou começar o segundo ano porque eu
tive que perder um ano. Vou em frente! A minha turma se formou ano passado e eu fiquei pra traz um
ano.
Pesquisadora: A sua turma já se formou...
Paciente: A minha turma já se formou, terminou o ensino médio. Ah, não tem problema: daqui a um ano
eu estou lá de novo, daqui a pouco eu pego vocês! Aí eu voltei a estudar, comecei a procurar fazer...
preencher meu tempo com outras coisas.
Pesquisadora: Você trabalha?
Paciente: Trabalho, só que agora... como eu trabalho... praticamente o meu trabalho é braçal porque eu
trabalho como encarregada de uma confecção de uniforme profissional, né. Então é assim: eu pego muito
peso, eu tenho que ficar segurando aqueles fardos, levanta, põe na máquina, tira, bota numa mesa pra
revisão, aquela coisa. E eu não posso pegar peso, não posso mesmo. O médico já falou: “Olha, você não
faz nada disso, isso aí pra você não é bom porque isso pode te dar uma inchação no braço e seu braço está
com a circulação prejudicada”. Aí então eu estou em casa, mas aí é assim: eu procuro sempre estar
fazendo um trabalho manual, faço crochê, ora estou bordando, ora estou costurando, entendeu? Procuro
sempre preencher o meu tempo, as vezes estou estudando, quando tenho um tempinho vou para a
biblioteca do colégio, começo a procurar, pesquisar, ler. Então procuro estar sempre me movimentando.
Eu queria ver... esse ano eu não sei... vou tentar ver como é que eu vou fazer porque eu queria ver se eu
me encaixava em alguma coisa de voluntário, entendeu. Mas aí eu tenho que ver como é que eu vou fazer
por causa de horário.
Pesquisadora: No teu emprego, você foi demitida?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: Você vai ser recolocada em outro lugar?
Paciente: Não sei porque é assim: na firma em que eu estava trabalhando, eles fecharam. Era uma
microempresa, eles fecharam. Aí, quer dizer, eu fiquei no INSS, no auxílio doença. Agora, no INSS, eles
me disseram que não tem... que por enquanto eu não posso passar para habilitação profissional nem... eles
podem me dar alta, no caso, porque eu ainda estou em tratamento. Agora, eu não sei, eles vão aguardar
mais um tempo que eu acho que eles têm um critério de prazo deles lá pra ver como é que eles vão fazer
comigo, ou se eles vão me aposentar, não sei o que eles vão fazer. Agora... porque... o problema é esse:
porque a minha profissão... tudo que eu for fazer nela eu vou pegar peso. Porque eu trabalho em negócio
de costura... a menos que eu fosse partir pra uma coisa assim de escritório, departamento pessoal.
Pesquisadora: Na burocracia.
Paciente: Na burocracia, na parte burocrática. Mas aí, no meu setor tudo que eu fizer é relacionado a
essas coisas assim, movimentação essas coisas assim, aí é meio complicado, aí eu não sei como é que eles
vão fazer. Agora eu tenho... dr. _______ já acenou com a possibilidade de eu começar a fazer a cirurgia
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de reconstituição, eu estou aguardando pra fazer os exames e ver como vai ficar. Até então está tudo bem,
né, agora eu quero ver como é que vai ser depois.
Pesquisadora: A vontade de fazer a reconstituição é sua?
Paciente: É minha. Não! Minha assim... porque eu falei com dr. ______ e ele falou pra mim assim; “Não,
Bárbara, que daqui a uns 2 anos você pode fazer reconstituição”. Porque no início eu estava meio assim:
“Ah, não vou fazer a reconstituição não, vou deixar isso do jeito que está mesmo”. Mas quando eu fiz a 2ª
cirurgia no local, que eu tive que tirar mais tecido, aquilo começou a me incomodar porque ficou muito...
ficou com pouco tecido, então ficou aquela coisa: as vezes eu quero fazer um movimento me dá câimbra,
as vezes eu vou comprar uma roupa... É aquela coisa: ficou entre a estética e o bem estar mesmo físico
porque eu vou comprar uma roupa... eu tenho que dar um jeito de comprar uma roupa que não fique
muito apertada ou que não fique aparecendo muito porque deu uma diferença brutal. A minha prótese, no
caso, eu teria que trocar minha prótese mesmo com silicone, de suporte, porque ela já está pequena, está
dando uma diferença razoável de um lado pra outro. E também quer saber de uma coisa, já que eu posso
fazer essa reconstituição, por que não fazer? Se der pra fazer eu faço. Agora é aquela coisa: também se
não der, lógico que eu vou ficar chateada. Mas é aquela coisa: entre fazer uma cirurgia e continuar bem de
saúde, lógico que eu continuando bem de saúde pra mim está legal. É aquela coisa: aí é onde eu vou
começar a história de ter que trabalhar a minha cabecinha pra encarar...
Pesquisadora: Está certo. Uma coisa de cada vez: vamos fazer isso agora. Então vamos lá. Aí reúne as
forças, como você disse, começa a pensar naquilo... Está certo, você está no caminho certo. A gente
consegue vencer as etapas que vão surgindo na vida da gente com calma, pensando muito, refletindo
muito...
Paciente: No início, assim... as pessoas as vezes dizem: “Poxa, você é meio louca”. Porque quando eu me
internei para fazer a 1ª cirurgia, na véspera dr. ________ passou lá, me visitou e tudo, e disse: “Olha, está
tudo bem com você”? Eu disse que estava tudo ótimo. Aí, né, eu fui tomar banho de manhã... aí as
meninas estavam brincando comigo até a ________ , que é meu anjo da guarda lá em cima, aquela coisa
maravilhosa (refere-se a uma funcionária da equipe de enfermagem da ginecologia – 7º andar), ela falou
assim prá mim: “Olha, se prepara que daqui a pouco você vai subir”. Eu peguei e fui tomar banho e falei:
“Tchauzinho, peito, nunca mais eu vou te ver”. Aí ela falou: “Menina, você está maluca?” Eu falei: “Não,
_______ , eu estou vendo ele pela última vez. Agora o próximo só quando eu fizer a cirurgia plástica”.
Ela falou: “Tu é louca”. Eu falei: “Claro, eu vou chorar? Não vou, ué!” Quero mais é que ele saia daqui
porque ele está me dando a maior dor de cabeça. Aí, quer dizer, as vezes passa coisa assim que até eu
digo: “Meu Deus do Céu, acho que eu sou meio maluca”. Mas, não é, depois que eu fiquei com esse
problema, depois que eu descobri que estava com nódulo, que o nódulo era uma coisa enorme, aquela
coisa toda, eu pensei assim: “Quer saber de uma coisa, se eu me desesperar eu vou viver 20 dias, se eu
não me desesperar eu vou viver os mesmos 20 dias. Então, eu vou procurar viver os 20 dias bem,
entendeu, eu vou viver os meus 20 dias bem”. Aí, comecei a encarar tudo na brincadeira mesmo. Quando
eu fiz quimioterapia, que o meu cabelo caiu, eu primeiro fui ao salão e cortei meu cabelo e tudo, e falei:
“Bem, agora vou me preparar para o cabelo cair”. Aí, ele caiu e tudo...
Pesquisadora: E agora está uma vasta cabeleira!
131
Paciente: Pois é, esta semana eu estava falando com minha irmã e ela: “Nossa Senhora, aquele teu cabelo
caiu, parece que piorou e veio cabelo pra 2 cabeças!” Mas é aquela história: eu já não deixo o meu cabelo
crescer tanto porque de repente é aquela coisa, né, precisa fazer quimioterapia novamente... já vou perder
cabelo... mas aí são possibilidades remotas, mas que existem. Eu procuro sempre pensar assim, tá, tem o
lado bom, tá, mas tem o lado difícil e eu tenho que encarar numa boa. Mas aí eu estou sempre fazendo
isso, aí cortei meu cabelinho numa boa tanto que lá onde eu moro as pessoas não sabem que eu fiz
quimioterapia, ninguém sabe que eu tirei uma mama, ninguém percebeu. E olha que eu conheço meus
vizinhos, são vizinhos meus de 20 e poucos anos, 25 – 27 anos, porque foi assim: eu detesto a piedade
alheia. Falei pra minha mãe: “Não quero que ninguém venha chorar junto de mim, quem está doente sou
eu”. Minha família me deu apoio total, minha mãe, meu pai, e olha que são pessoas idosas, e na maioria
das vezes a gravidade do meu problema eu nem contei pra eles porque eu sabia que ia ser um choque,
meu pai é o tipo de pessoa que não demonstra, mas fica assim arrasado. Então, quer dizer, eu passei essa
fase toda da quimio, da perda da mama e tudo, assim: a minha família toda ali em cima de mim me dando
maior apoio e tudo, quer dizer, por que que eu vou precisar da piedade do pessoal de fora que não vai me
ajudar em nada? Então, eu falei: “Não, não precisa ninguém saber”. Eu vou me operar? Vou. De que? Eu
vou tirar um nódulo, pronto e acabou. Não tem essa de ficar: “Ah, coitadinha, ah, porque eu conheci
fulano que teve isso, que morreu, que aconteceu. Não. Vou numa boa. E já faz 2 anos e ninguém... usei
minha peruquinha numa boa. Depois que voltei da quimio, fiz a cirurgia, voltei para 2ª etapa da quimio,
meu cabelo caiu novamente. Então, o dr. falou: “Não, não vai cair mais não. É um caso em mil”. Aí eu
falei: “Então, dr., eu sou o único em mil porque o meu caiu de novo”. Caiu novamente, eu usei a minha
peruquinha numa boa, começou a crescer o meu cabelo, eu deixei de volta. E é assim, tinha gente que
ficava... eu fiquei horrorizada com uma senhora na 2ª vez que eu me internei, ela falou pra mim assim...
ela tinha um nódulo que no caso ela estava fazendo uma biópsia para ela saber o diagnóstico final, no
caso né. Ela já estava desesperada, chorando: “Ah, eu vou perder o meu seio, se eu tiver que tirar o meu
seio eu prefiro morrer, é melhor deixar do jeito que está aqui”. Aí eu fiquei... assim: “Gente, o que é isso?
Olha, se a sra. pensar direitinho é mais vantagem a sra. viver faltando um pedacinho do que a sra. morrer
por causa desse pedacinho que a sra. não vai tirar por bobagem”. Aí ela disse: “Ah, não, mas se eu tiver
que fazer isso eu vou morrer!” Aí eu disse: “Olha, a sra. se ponha no meu lugar”. Na época em que eu
descobri que tinha o tumor, o câncer de mama e tudo, eu tinha 39 anos, eu não tinha filhos. Então, a
princípio o dr. disse: “Não, não vamos fazer ooforectomia em você porque você pode ter a possibilidade
de você ainda ter filhos, de engravidar e tudo mais. Não agora, você vai ter que esperar um tempo e tudo
mais, você ainda pode vir a engravidar”. Mas depois ele falou... quando eu tive a 2ª... quando novamente
ele voltou o problema, aí ele falou: “Olha, nós vamos ter que fazer uma ooforectomia em você porque não
tem... é a melhor solução, é uma coisa que vai te deixar melhor e nós vamos ficar mais tranqüilos. Você
se incomoda?” Eu falei: “Não”. Porque é aquela coisa: eu já estava... se eu não tive filhos antes, agora
vou querer filhos pra que? Pra me preocupar de uma hora pra outra ter que deixar na mão de outras
pessoas. Eu falei: “Não, tudo bem. É pra mim ficar melhor? É pra melhorar meu estado de saúde?” Ele
disse: “Vai”. Eu falei: “Então tudo bem”. Aí, tirei os dois ovários no mesmo dia, eu fiz barba e cabelo. Aí,
quer dizer, né, é assim, as pessoas... eu digo: “Puxa, eu não pude ter filhos, eu tive que tirar minha mama
e eu estou aqui numa boa”. Ela tem filhos, já tem netos e eu não tenho filhos, quer dizer, eu sou louca por
132
crianças. O que que aconteceu? Eu me transferi ainda mais para os meus sobrinhos. Eu falo pra minha
irmã: “Poxa vida, eu não vou te dar sobrinho”. E ela diz: “Não esquenta a cabeça, por enquanto eu ainda
tenho irmã”. Eu me transferi inteira para os meus sobrinhos, meus sobrinhos agora são meus filhos. Claro,
você sente... eu pelo menos eu queria ter um filho. As vezes minha mãe diz que eu sou racional demais.
Eu penso: “Poxa, filho... trabalhando tem que estar deixando com os outros, essas coisas todas”. Aí, eu fui
adiando, adiando, adiando, resultado: deu uma hora que não dava mais. Agora não dá mais, paciência!
Mas eu, sabe, procuro assim, não complicar muito as coisas na minha cabeça porque tem esse negócio de
ficar em depressão. Ah, no início eu fiquei deprimida, eu não dormia, não comia, vivia assim agitada,
nervosa, agoniada, angustiada, chorava que nem uma desesperada. Mas depois eu olhei, parei assim, no
dia em que eu vim pegar o resultado da minha biópsia e o dr. falou que tinha que me encaminhar para a
oncologia , o dr. ________ falou: “Olha, não fica desesperada, a gente está aqui, a gente vai te dar todo
apoio profissional que for possível e psicológico também, e pessoal e tudo. Nós somos a tua família aqui
agora, quer dizer, nós vamos ficar aqui do teu lado, lutando junto com você. Agora, se você não nos
ajudar, nós não vamos ter condição de fazer nada por você”. Aí, daí sim, eu parei: “Tem que encarar?
Tem. Então vamos pegar o bicho de frente e combatendo aos poucos até... se der, uma hora, pra gente
descansar”. E foi o que eu fiz: fiz meu tratamento, fiz minhas sessões de quimio, fiz as minhas cirurgias,
tudo numa boa. Agora, é sempre aquela coisa, quando chegava no lado pessoal aí complicava um
pouquinho, mas aí eu falei: “Quer saber de uma coisa? Apodreça, quer me aceitar assim, aceita; não
quiser também, tudo bem”. Aquela idéia que você é um pouquinho menos que os outros, a gente tem.
Quem disser que não tem, mente. Porque por mais que você... sua auto estima esteja numa boa, por mais
que você goste de você, você vai sempre se sentir um pouco diferente dos outros. Isso não tem como dizer
que não. Claro que... as pessoas que tem no meu círculo de amizades... são poucas as pessoas que sabem
que eu fiz a mastectomia, que ainda não fiz a reconstrução, mas quase ninguém percebe... porque eu não
sou muito de ficar... e outra coisa assim: eu procuro levar a minha vida normalmente, eu vou à praia
sempre que eu posso, procuro não ficar exposta ao sol, mas eu vou à praia, vou à piscina, quando tem um
tempinho e dá pra eu ir, eu faço meus passeios, eu viajo, sempre que eu posso vou pra casa da minha
irmã, fico lá um tempo com ela passeando, me distraindo. Vou pro colégio numa boa, faço minhas coisas
tudo numa boa, procuro fazer minha vida normal, faço minha vida de casa, de compras, de supermercado,
isso tudo eu faço normalmente. Agora, quando está entre 4 paredes a coisa fica um pouco esquisita. Mas
aí eu procuro levar na brincadeira pra não pensar. Porque é assim: se você pensar muito, você acaba
piorando. Quer saber de uma coisa: se ele quiser assim, é assim. Se ele não quiser, tem paciência. Não
tem como mudar, não por enquanto. Mais tarde, talvez... Mas por enquanto não tem. Até estava falando
com ele 6ª feira passada que nós estávamos lá, né, no sul, aí ele falou assim: “Poxa, vai voltar quando?”
Eu falei: “Vou voltar sábado porque tenho consulta na 2ª feira”, que é hoje. Ele disse: “Então tá, eu vou
ficar aqui, volto na 2ª, 4ª feira eu estou lá. E aí, como é que está o negócio do médico? Tá tudo bem, né?”
Eu falei: “Tá tudo bem, os meus exames deram tudo bem”. Ele disse: “Vai fazer a reconstrução mesmo?”
Eu falei assim: “Bem, vamos ver. Vou saber agora quando conversar com o médico, então vou ver a
avaliação que ele vai fazer e ver o que ele vai decidir”. Aí ele falou assim: “Mas tu já gosta de uma mesa
de cirurgia”. Aí eu falei assim: “Pois é, né, levei tanto tempo, mas quando comecei não quis mais parar”.
Você entendeu, eu tento levar a coisa assim na brincadeira. Aí ele disse: “Vai pensando na mesa de
133
cirurgia, vai!” Pois é, quando eu vou é assim, né, logo uma tacada, passo de uma, passo de duas, agora
acho que vou fazer umas duas ou três que eu não sei como é que funciona e assim eu vou levando. Aí ele
falou assim: “Não esquenta a cabeça não, breve, breve isso vai acabar e você não vai mais precisar estar
mexendo nisso aí”. Eu falei: “É, Deus te ouça!” Eu procuro sempre...
Pesquisadora: Está certo, ______, te agradeço muito por tudo que você conversou comigo agora, sua
entrevista vai ser usada no meu trabalho e eu te desejo toda sorte.
Paciente: Obrigada.
ENTREVISTA Nº 13
Paciente: Meu nome é ___________, tenho 39 anos.
Pesquisadora: Quando é que você fez a mastectomia?
Paciente: Foi em setembro de 2001. Tem 1 ano e 5 meses, vai fazer agora dia 27 de março 1 ano e 6
meses.
Pesquisadora: E aí você há 7 meses atrás descobriu que estava grávida?
Paciente: Quer dizer, nem descobri há 7 meses atrás, descobri há 5 meses atrás. Porque quando eu
descobri que estava grávida eu fui fazer uma revisão porque eu quero fazer a reconstituição da mama. Aí
eu fui fazer uma revisão para ver se estava tendo mais algum problema do câncer de mama, se tinha
alguma outra coisa além, né. Aí, o dr. mandou eu fazer uma ultra-sonografia. Aí eu fiz a ultra-sonografia
pra ver o rim, bexiga, os órgãos, né. Aí, eu conversei com a dra. que eu estava tomando tamoxin e que a
menstruação não tinha vindo em setembro. Aí ela disse: “Isso aí não deve ser nada de mais porque o
tamoxin faz a menstruação ficar um pouco escassa, né, não vem regularmente”. Não sei se fui eu que
entendi mal, eu achava que quando a gente estava tomando esse remédio não engravida, não ovula. Mas,
pelo visto, eu estava ovulando, né. Porque eu não me preveni mais, eu já estava sem tomar remédio
também antes de operar, o anticoncepcional. Eu evitava... assim... tipo uma tabelinha... mas nada muito
sério porque lá em casa a gente também nunca gostou de usar camisinha e tal, não tem hábito mesmo. Aí
foi indo, foi indo, quando eu fui ver... também tive uma inflamaçãozinha... é... não me lembro bem o que
foi, mas foi coisinha pouca no útero, aí botei um creme 7 noites e eu acho que também, né, fez aquela
limpeza total, né, no útero, aí ficou bem preparadinho pra receber o neném, aí pronto! Aí não teve jeito.
Aí quando foi em setembro eu falei com a dra.: “Dra., a minha menstruação não veio. E ela: “Ah, não,
tudo bem, o remédio realmente faz com que a menstruação diminua, mas de qualquer maneira você está
com a bexiga cheia? Eu disse: “Estou”. E ela: “Já que eu estou fazendo a ultra-sonografia, vou dar uma
olhadinha também”. Aí deu uma olhadinha e disse: “Iiiiiiiii, você está grávida de 8 semanas!” Eu falei:
“Não acredito, dra.!” Fiquei apavorada, né, porque eu fui pra ver uma coisa, né, e achei outra. Aí, lá em
casa, né, a gente primeiro ficou muito preocupado porque não sabia se ia poder dar continuidade à
gravidez, se o neném tinha algum problema. Aí, lá onde eu operei, fui lá perguntar aos mastologistas. Aí,
eles até ficaram meio... preocupados também porque eu havia feito radioterapia. Porque a minha
radioterapia foi um pouquinho... assim... tardia. Eu não fiz logo assim que operei não. Eu operei em 2001,
só fiz a radioterapia em 2002 perto da copa, foi em junho e julho, comecei no meio de junho e terminei
em julho. E em agosto foi que eu engravidei, foi a minha sorte, se eu tivesse engravidado antes poderia ter
algum risco sério, né. Mas graças a Deus eu engravidei depois.
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Pesquisadora: É a primeira gestação?
Paciente: Não, é a 2ª, quer dizer, eu até tive um aborto também, né, já há muitos anos. E tenho uma filha
de 14 anos e esse neném agora.
Pesquisadora: Tem uma filha de 14 anos?
Paciente: 14 anos. Aí agora ela perguntou: “Mãe, e o exame?” Nunca tinha me perguntado por exame
nenhum e perguntou: “Mãe, e o exame deu bem?” (foi quando eu cheguei, né, nesse dia, foi em outubro,
dia 1º de outubro) E o exame deu tudo bem? Tudo normal?” Aí eu fiquei olhando pra ela assim... e falei:
conto ou não conto pra ela? Aí eu falei: ”Dá uma lida aí”. Ela falou: “Ah, mãe, eu não entendo esse
negócio de exame”. Eu disse: “Não, tu vai entender. Lê, lê”. Aí ela leu,né: “Bexiga normal, pulmão
normal, rim normal... mãe aqui uma observação: um embrião com 8 semanas! Você está grávida, mãe?”
Aí falei pra ela: “É, né”. Ela falou: “Ainda bem, né, mãe, que não está doente”. É um alívio, sabe, mas
mesmo assim eu fiquei preocupada, fui procurar saber se podia dar continuidade, né. Eu até... que logo
assim... com certeza com uma vontade tremenda de dar continuidade e tudo, mas os médicos me
deixaram também preocupada porque começaram a me alertar do risco que poderia ter, né, se tivesse tido
a radioterapia junto com a gravidez, aí me deixaram assim... em alerta, né. Aí eu falei: “Ah, não, tem que
dar certo porque eu quero também agora”. Aí eu conversei com meu marido também, ele disse: “Ué, você
não quer? Então, vamos embora!”
Pesquisadora: Qual é o sexo?
Paciente: É outra menina.
Pesquisadora: É outra menina? Que lindo...
Paciente: Minha filha está gostando, meu marido também. Está preocupado, mas...
Pesquisadora: Aí, você veio pra cá, está fazendo o pré-natal e o acompanhamento pela mastologia...
Paciente: Isso. Pra poder, né, ficar sabendo se está tudo bem... eu até perguntei se eu poderia
amamentar... a dra. já disse que não tem problema nenhum, que tem que ter paciência, né, porque o
neném custa a pegar mesmo, né...
Pesquisadora: Mas você não é marinheira de primeira viagem...
Paciente: Ah, é, mas já tem tantos anos, né...
Pesquisadora: Mas a gente não esquece...
Paciente: É... (e ri) 14 anos, quase 15 já, né, aí fica difícil...
Pesquisadora: Está parecendo uma 1ª vez, né.
Paciente: Ah, é. Minha mãe sempre falou isso, como é que é? Mãe de 2 filhos únicos porque tive uma
filha e agora tem outra bem longe, são 2 filhos únicos... na verdade não existe isso, né.
Pesquisadora: Tereza, agora, especificamente, falando da mastectomia, depois que você fez a cirurgia
como é que você vem se sentindo sexualmente?
Paciente: Olha, na verdade, logo assim que eu operei, até eu comentei com o médico, aí eu comecei a
tomar o tamoxin também, comecei a me sentir muito seca, né, e... assim... fica um pouquinho acanhada,
né... (nesse momento lágrimas rolam de seus olhos e ela faz uma pequena pausa).
Pesquisadora: Se sentiu acanhada?
Paciente: Eu senti (fala meio que engasgada, chorando).
Pesquisadora: Logo depois da cirurgia, né?
135
Paciente: Hum. Hum (ainda chorando).
Pesquisadora: E como é que foi com o passar dos dias...
Paciente: A gente também vai acostumando, né. Meu marido também... assim... a ser compreensivo e
tal... mas... sempre... dá um receiozinho na gente, né (ainda chorando, com a voz trêmula).
Pesquisadora: E a sua filha...
Paciente: Olha, ela até... acho que está mais... assim... assim... ela... assim... se familiarizou assim do jeito
que eu estou, normalmente, rápido. Acho que ela...
Pesquisadora: Se adaptou.
Paciente: É, melhor, mais rápido também não sei se é porque é adolescente ainda também, não tem
muito... acho que ela controla bem... ela não fica assim... agora ela também se preocupa... já me
perguntou se ela tem tendência a ter câncer de mama, né, isso ela ficou preocupada. Só que eu falei pra
ela o seguinte: “A minha mãe não teve câncer de mama e eu tive. Então você pode não ter”. Não é? Mas
claro que todo mundo tem esse risco e tem que se cuidar, né, preventivo todo ano. Mas ela ficou
preocupada nesse sentido, de também adquirir a doença. Mas, assim, de ver assim... o jeito que a gente
fica, né, fisicamente assim... ela até que... não sentiu assim muito...
Pesquisadora: Não sentiu diferença.
Paciente: Não, não se impressionou não. A única coisa que ela fica nervosa é quando... se eu quiser que
ela bote a mão ou até as vezes eu peço pra fazer uma massagem, ela diz: “Ah, mãe, só se for rapidamente
porque se ficar muito tempo não gosto não, não gosto de botar a mão não”. Ela fala assim, sabe. Mas
impressionada ela não ficou não. Ela levou assim mais “light”, né.
Pesquisadora: E o teu marido? Mais exatamente: você e ele na intimidade.
Paciente: Ele também, logo assim que eu operei, ele... no dia seguinte que eu fui fazer o curativo, ele já
estava presente. Então ele já viu...
Pesquisadora: Ele assistiu o curativo?
Paciente: Tudo, é, sabe...
Pesquisadora: E você também olhou?
Paciente: Olhei logo, também. Só que eu achava que o curativo era enorme, né. Aí, fui ver que era um
negocinho assim pequenininho, que é uma coisinha simples, não é uma coisa estrondosa, né. Aí, mas logo
assim que eu operei... então ele viu,participou do curativo, foi uma maneira assim dele já me ver do jeito
que eu já estava. Então, não teve assim também aquele trauma de me ver, de custar a botar a mão, de
custar... não, sabe, não teve nada disso não. Foi bem assim... natural. Só que é assim: a gente se olha no
espelho, se vê diferente e tal, tanto que eu quero também fazer a reconstituição da mama, né. Só que eu
tive que dar uma paradinha porque engravidei, né. É... vem o bebezinho, né...
Pesquisadora: É outra menina que está chegando aí...
Paciente: Aí tem que esperar um pouquinho, mas eu quero fazer também, eu quero fazer mesmo.
Pesquisadora: Mas, então, depois que você saiu do hospital, teve alta, foi prá casa, e aí só você e ele.
Paciente: (dá umas risadinhas primeiro e depois fala) Ah, sim, você... diz na intimidade?
Pesquisadora: É.
Paciente: Depois que eu tinha ficado boa da cicatriz assim né?
Pesquisadora: É. O retorno de você pra casa e os primeiros contatos...
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Paciente: Ele foi da maior atenção, atenção total que ele me deu, sabe. E também até na intimidade
também... ele maior atenção... eu digo pra ele... as vezes eu brinco e tal, né: “E... mas está assim, né...”
Ele diz: “Ué, o que que tem? Não tem a outra ainda? Então vamos embora usar a outra!”
Pesquisadora: Ainda bem que a gente tem duas, né.
Paciente: É, né. Ainda tem essa vantagem, graças a Deus.
Pesquisadora: Tirou uma, mas tem a outra.
Paciente: Ainda tem a outra pra poder... e usa a outra e tal. É assim... não vou dizer que foi tudo
maravilhas, né, porque ainda mais que a gente só em ser cortada, né, fazer uma cirurgia, a gente já fica
sentida, né. E tirando um pedaço assim... que... porque quando tira por dentro a gente não vê, né. Mas
quando tira por fora, já fica uma coisa diferente. A pessoa sendo gordinha aparece mais ainda, né,
porque...
Pesquisadora: Você usa uma prótese?
Paciente: É. Uso uma protesezinha de painço. O pessoal fala que é alpiste, mas não é porque o alpiste é
muito comprido, né, e o painço são as bolinhas. E tem a bolinha de isopor junto para controlar, eu acho, o
peso e dar o volume porque se fosse só o painço ia ficar muito pesado. Eu quero também... eu até tenho
uma de silicone, mas já está meio usada que eu ganhei e ainda eu não fiz uma limpeza nela porque veio
de outra pessoa, né, eu quero fazer uma... ver o que que eu posso fazer, né, porque é melhor, né, porque
pode molhar, né, e essa não pode molhar, né. Vai pra praia e tal eu boto assim uma... que eu já fui à
praia... agora eu não vou ir porque eu estou... mais gorda, né (e ri), grávida. Mas eu já fui à praia com ele,
em Cabo Frio, porque se dissessem: “Ah, ela foi pra uma prainha”. Eu não, eu fui lá pra Cabo Frio com
minhas irmãs e... eu até... eu tenho uma sobrinha do meu marido, ela pergunta assim: “Tu não quer ir à
praia por que?” Eu falei assim: “Eu heim, eu tenho varizes, não quero não, estou com um barrigão!” Ela
disse: “Há, eu pensei que fosse por causa da mama”. Eu falei: “Ah não, por causa da mama não. É uma
cirurgia como outra qualquer”. Eu boto um enchimento porque eu não vou deixar, né, vazio, e eu boto um
enchimentozinho que possa molhar e as vezes eu boto um paninho também porque esse braço a gente tem
que evitar que pegue muito sol, aí eu já fico...né boto... e fico também... sempre tenho um guarda-sol, uma
coisinha qualquer. Aí quando eu me deito assim, eu quero pegar um pouquinho de sol nas outras partes e
jogo o pano para também não ficar toda arreganhada, né, porque não tem necessidade, né.
Pesquisadora: E depois você é muito clara, né. Pegar muito sol depois vai ficar...
Paciente: Vermelhona, ardida. Mas eu vou à praia e tudo, não tenho ido esse verão, agora que eu não fui.
Mas depois da cirurgia eu já fui, já fui aproveitar, né, para espairecer também, né, pra melhorar e tal.
Agora, também, eu vou ser sincera: as vezes, também, o relacionamento também do casal as vezes
diminui um pouquinho, mas eu acho que também... também a parte da situação financeira (e ri) porque
hoje em dia tudo gira em torno disso. Então, eu até... de repente... agora mesmo e disse assim: “Pô,
mozinho, agora tu não tá mais querendo como tu queria? (e ri) Aí ele: “Ah, não, mas eu estou tão
preocupado porque tenho que fazer isso, aquilo e aquilo outro”. Ele trabalha, ele é autônomo, aí ele diz
assim: “O trabalho está tão fraco, tão fraco que eu estou tão preocupado com as dívidas”. E eu ajudo
também, faço uns bicos, né, aí ganho um dinheiro e tal. Ele diz: “Pô, tu não está vendo que o dinheiro não
está dando? Você ganha e assim mesmo não dá?” Aí ele, que é o chefe, né, que tem que repor as coisas
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todas dentro de casa, obrigação, né, porque eu mesma faço algumas coisinhas, mas sem obrigação
nenhuma, apesar de que meu dinheiro eu gosto sempre de gastar com coisas sérias...
Pesquisadora: Não sai por aí gastando com bobagens.
Paciente: Não, não. Aí ele: “Eu estou preocupado, não tenho nem disposição pra nada”. Aí, eu fico
assim, né, fica um pouquinho... assim... sem muita atração. Eu acho que também é mais nesse sentido da
situação financeira, que a situação financeira está atrapalhando muito, muito, muito, muito.
Pesquisadora: É, não é só a vocês, é a muita gente.
Paciente: É. Eu acho que nem foi a mastectomia, não foi não. Foi mais pela situação financeira, que o
desinteresse... e ainda mais que também eu não sou nenhuma garotinha, né, 39 anos, ele também não é
porque ele já era mais velho, né, e agora já está com 52 anos, aí... já fica difícil, né.
Pesquisadora: Mas nada que com uma pimenta não vá dar um estímulo, ele só vai ter que dar um tempo
porque depois que a neném nascer, a mama vai ser só dela, entendeu, ele vai ficar de longe só vendo.
Paciente: É. E tem aquele período também, né, que a gente não pode fazer mesmo nada, claro...
Pesquisadora: O resguardo.
Paciente: Tem o resguardo. É... mas... só saboreando um pouquinho dá pra engatilhar novamente (e ri).
Pesquisadora: Está certo. _______, muito obrigada pela participação.
ENTREVISTA Nº 14
Pesquisadora: Depois que a sra. fez a mastectomia, como é que a sra. vem se sentindo sexualmente?
Paciente: Bem. Agora com 71 já mais... mas antes me sentia bem.
Pesquisadora: Se sentia bem?
Paciente: Não tive problema não.
Pesquisadora: Não teve problema não?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: A sra. é casada?
Paciente: Sou, sou.
Pesquisadora: Na ocasião, a sra. tinha relação com seu esposo?
Paciente: Sim, sim.
Pesquisadora: E a cirurgia, e o relacionamento com seu marido, como é que aconteceu?
Paciente: Ficou bem. Ele aceitou bem.
Pesquisadora: Ele aceitou bem?
Paciente: Ele aceitou bem, também ele é mais velho do que eu 5 anos, então não teve problema.
Pesquisadora: Não teve problema?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: Não?
Paciente: Não.
Pesquisadora: A sra. hoje não tem mais relação?
Paciente: Não (e ri). Só fica o companheirismo, né.
Pesquisadora: Só fica o companheirismo. Quantos anos de casada?
Paciente: (rindo) Eu casei em 49, agora você faz as contas aí.
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Pesquisadora: 49? Vai fazer 54.
Paciente: Fez 53 agora dia 3 de janeiro, 53.
Pesquisadora: É muito tempo...
Paciente: Muito tempo (e ri).
Pesquisadora: A sra. tem filhos?
Paciente: 2 filhas.
Pesquisadora: Netos?
Paciente: Netos.
Pesquisadora: Bisnetos?
Paciente: Não. Só tenho 4 netos.
Pesquisadora: 4 netos...
Paciente: É. Eu tenho uma filha que trabalha aqui.
Pesquisadora: Ah é?
Paciente: É.
Pesquisadora: Trabalha na enfermagem?
Paciente: Trabalha na enfermagem e trabalha no lugar dos nenenzinhos pequenos. É a Shirlei.
Pesquisadora: Ah, sei.
Paciente: É Shirlei Sueli Silva Ismael.
Pesquisadora: Há, há. Mas então, Da. _______, depois da cirurgia não houve...
Paciente: Não houve problema. Nada.
Pesquisadora: ... problema de ordem sexual nenhum?
Paciente: Não, não, não.
Pesquisadora: Seu marido lhe ajudou?
Paciente: Foi, foi. Ele entendeu, aceitou, né, porque não tinha outra... né, tivemos que aceitar juntos.
Pesquisadora: Certo. Está muito bem.
Paciente: Você achou muito casamento (rindo)?
Pesquisadora: Graças a Deus!
Paciente: É muito casamento para um casamento só (rindo).
Pesquisadora: É difícil a gente ver tanto tempo, né.
Paciente: Mas ele é muito mais saudável do que eu.
Pesquisadora: É?
Paciente: Tem uma saúde muito boa.
Pesquisadora: Mas a sra. fez a cirurgia em 91, vem fazendo acompanhamento até agora, e sem
problemas...
Paciente: Sem problemas.
Pesquisadora: Na ocasião , a sra. chegou a fazer algum tratamento específico?
Paciente: Não, não. Como é que fala? Qui-mi-o-te-ra-pia. Não fiz, nada.
Pesquisadora: Foi só a cirurgia?
Paciente: Só a cirurgia. E o acompanhamento que antes acho que era de 6 em 6 meses, depois passou
para 1 ano com o dr.______ .
139
Pesquisadora: Está certo.
Paciente: Tá.
Pesquisadora: Está bom, Da. _______, muito obrigada.
ENTREVISTA Nº 15
Pesquisadora: Depois que você fez a mastectomia, como é que você vem se sentindo sexualmente?
Paciente: Olha, sexualmente, tá assim... uma relação mais ou menos, não está muito boa não.
Pesquisadora: Está mais ou menos?
Paciente: É, está mais ou menos.
Pesquisadora: Explica pra mim melhor porque ‘mais ou menos’.
Paciente: O mais ou menos?
Pesquisadora: É.
Paciente: Assim... como assim... eu mesma... eu... em mim mesma eu não consegui ainda aceitar a
operação, entendeu?
Pesquisadora: Certo.
Paciente: Aí, sei lá, eu acho uma coisa assim tão esquisita. Aí eu mesma, eu, tanto que quando eu
operei... quer saber tudo?
Pesquisadora: Quero saber tudo. Quero saber tudo que você quiser falar. Eu estou ouvindo.
Paciente: Quando eu operei... quando eu soube que estava com problema de câncer no seio, o que que eu
fiz com o meu marido?
Pesquisadora: Sei.
Paciente: Simplesmente eu mandei ele embora, né.
Pesquisadora: Mandou ele embora.
Paciente: Falei com ele: “Oh, arruma sua roupa e procura outra pessoa”. Porque eu estava doente mesmo,
mas ele não foi, ele ficou, né. Aí, daí, sei lá, eu me acho... que está faltando alguma coisa, entendeu. Eu
não... fiquei mesmo muito arrasada, fiquei mesmo pra baixo. Então, quando eu fiz a quimioterapia, então,
acabou comigo mesmo, piorou. Inclusive pedi as contas no serviço, se tivessem me dado as contas, eu não
estava no INPS hoje, né.
Pesquisadora: É verdade.
Paciente: Mas o desespero é que é o terrível. A gente quando... não tem uma pessoa pra conversar, pra
dizer pra gente sobre o problema, como é que a gente vai aceitar. Mas, até agora, graças a Deus, vou
conseguindo recuperar, aceitar aos poucos.
Pesquisadora: Está conseguindo aceitar aos poucos. E como é que está o seu marido nessa história? Ele
não foi embora. Você mandou ele embora e ele não foi.
Paciente: Não, não foi. Ele continua o mesmo, ele não mudou nada.
Pesquisadora: Ele ainda te procura?
Paciente: Procura, ele me procura. Só que tem hora que eu... não estou afim, mas é em mim mesmo,
entendeu.
Pesquisadora: O negócio é você?
Paciente: O negócio é comigo.
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Pesquisadora: E ele não quis ir embora, está até hoje por que ele gosta?
Paciente: É. Porque eu achei, já que eu estava doente, que ele fosse embora, entendeu.
Pesquisadora: Olha só...
Paciente: Como é que é a mente? Eu achava que servia pra ele enquanto eu estava boa.
Pesquisadora: Você então achava que só servia porque você estava com o corpo inteiro?
Paciente: Inteiro, porque aí faltou um pedaço e não servia mais.
Pesquisadora: Mas que isso! E ele te mostrou...
Paciente: que não é assim.
Pesquisadora: que não é assim.
Paciente: E ele mesmo me deu uma aula de lição, né?
Pesquisadora: É.
Paciente: Me mostrou que não é por aí, né.
Pesquisadora: E os filhos? Como é que os filhos ficaram nessa história?
Paciente: Ah, os filhos até que ficaram bem, reagiram bem.
Pesquisadora: Ajudaram você?
Paciente: Ajudaram, ajudaram e continuam ajudando até hoje, né.
Pesquisadora: O teu marido também é teu companheiro?
Paciente: Também é um companheirão. [ P A U S A ] É a minha mente mesmo que vacilou. Mas ele
continua sendo meu companheiro ali, junto. Se eu passo mal, ele vem, me traz aqui, fica aqui comigo até
na hora de ir embora. Mas se é a pessoa mesmo, o problema da doença, não sei o que que acontece,
entendeu. É... mas dá pra levar, graças a Deus, está dando...
Pesquisadora: Você acha que você está mudando alguma coisa na tua cabeça?
Paciente: Está mudando. Graças a Deus agora eu estou mudando.
Pesquisadora: Pra melhor?
Paciente: Pra melhor. Dia após dia estou sentindo que estou mudando pra melhor.
Pesquisadora: E você continua fazendo tratamento com dr. ______?
Paciente: Continuo.
Pesquisadora: Quimioterapia que você está...
Paciente: Agora não. Agora só tomo o remédio, né. Eu venho aqui, todo mês eu tenho que estar aqui pra
apanhar o remédio.
Pesquisadora: E você se aposentou? Foi fácil você conseguir se aposentar?
Paciente: Olha, primeiro eu me encostei. Fiquei encostada durante um período, né. Aí, depois, é que me
deu a aposentadoria provisória. Eu ainda estou presa no serviço porque eles não me deram a
aposentadoria definitiva. Me deram a provisória, que daqui algum tempo eles me chamam pra perícia. Aí
a perícia é que vai dizer se eu vou continuar ou volto a trabalhar.
Pesquisadora: Entendi. E o que você acha disso? Você pensa em voltar a trabalhar?
Paciente: [ P A U S A ] Eu... se eu pudesse trabalhar agora, eu até aceitaria voltar a trabalhar porque o
trabalho é uma coisa que dá pra gente esquecer dos problemas, né.
Pesquisadora: Isso.
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Paciente: Tem muito coleguinha, aí um fala uma coisa, outro fala outra, naquela hora a gente nem lembra
do problema.
Pesquisadora: Isso.
Paciente: Em casa já é um pouco mais... a gente se sente sozinha, né. Em casa, tem hora que sai todo
mundo, a gente se torna sozinha. Quando a gente fica sozinha, a gente começa pensar muitas coisas, né.
Mas... graças a Deus...
Pesquisadora: O tipo de serviço que você fazia, você pode continuar fazendo ou é um serviço braçal?
Paciente: Eu acho que não vai dar não porque o meu serviço é cozinha. Eu trabalho em colégio e em
colégio tem as panelas grandonas, né. Tem aquelas panelonas que tem que botar pra lá e pra cá. Aí já se
torna mais difícil. Justamente o lado que eu preciso, o lado direito. É o lado que a gente faz mais
movimento, né?
[PAUSA]
Pesquisadora: Está certo, Maria (já ia finalizando ...mas ela retomou o diálogo).
Paciente: Antes de eu operar, o médico não me deu licença. Eu vim aqui e ele disse: “Você continua
trabalhando porque você trabalhando você não vai ficar pensando nas besteiras que você está pensando.
Chega lá, descasca um legume, fica sentada, descasca legume”. Aí, assim eu fiz. A firma, o colégio me
aceitou... eu ficava sentada lá, fazia as coisas, só mais coisinha leve, entendeu. Mas graças a Deus, nesse
ponto os médicos me ajudaram muito porque se eles me dessem licença, eu acho que já tinha feito a
besteira.
Pesquisadora: É.
Paciente: Eu pensava muito em me matar.
Pesquisadora: É mesmo. Ficou desesperada, hein Maria.
Paciente: Quando o meu cabelo caiu então, oh...
Pesquisadora: E você fez quimioterapia antes de operar pra poder reduzir...
Paciente: E depois eu fiz de novo.
Pesquisadora: O cabelo caiu antes...
Paciente: Caiu antes, caiu todinho. Aí eu fiz a quimioterapia antes, depois fiz de novo e depois fiz por
último a radioterapia.
Pesquisadora: Sei. Mas aos poucos as coisas estão melhorando.
Paciente: Estão melhorando. O cabelo voltou de novo...
Pesquisadora: Voltou do mesmo jeito, não voltou liso!
Paciente: Não voltou liso, pois é. Tinha que voltar lisinho, não é? Tinha que ter voltado lisinho, né, com
o efeito do remédio, poxa (e ri muito). Aí, se acontecer alguma coisa, eu não posso fazer ainda por causa
do negócio da operação. Mas aí, dá pra superar né, graças a Deus.
Pesquisadora: Você usa um enchimento no sutiã?
Paciente: Uso.
Pesquisadora: E você tira a roupa na frente do seu marido?
Paciente: Tiro, antes eu não tirava não, antes não tirava não, perto de ninguém.
Pesquisadora: Escondida, só você e você.
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Paciente: Mas agora não. Agora não ligo mais não. Mas antes não tirava não. [ P A U S A ] Cheguei
à conclusão que não tem só eu, né. Aí que foi um pensar. Eu parei e pensei... não tem só eu. Então, eu
tenho que encarar, né.
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