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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY

SEXUALIDADE DA MULHER APÓS A


MASTECTOMIA

MARISE DUTRA SOUTO

2003
SEXUALIDADE DA MULHER APÓS A MASTECTOMIA

MARISE DUTRA SOUTO

Dissertação de Mestrado apresentada


à Escola de Enfermagem Anna Nery
da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, para obtenção do título
de Mestra em Enfermagem.

Orientadora: Professora Doutora


Ivis Emília de Oliveira Souza

Rio de Janeiro
Outubro / 2003

II
SEXUALIDADE DA MULHER APÓS A MASTECTOMIA

MARISE DUTRA SOUTO

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação da Escola de


Enfermagem Anna Nery – EEAN, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestra em Enfermagem.

Aprovada por:

Profª Drª Ivis Emília de Oliveira Souza – Presidente


Professora Titular da Escola de Enfermagem Anna Nery-UFRJ

Profª Drª Maria Luisa Macedo de Araújo – 1ª examinadora


Professora Titular da Universidade Gama Filho

Drª Teresa Caldas Camargo – 2ª examinadora


Enfermeira do Hospital do Câncer III - INCA

Suplentes:

Profª Drª. Elisabete Pimenta Araújo Paz


Professora Adjunta da Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ

Profª Drª Sônia Mara Faria Simões


Professora Adjunta da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa - UFF

Rio de Janeiro
Outubro / 2003

III
FICHA CATALOGRÁFICA

Souto, Marise Dutra


Sexualidade da mulher após a mastectomia/
Marise Dutra Souto. Rio de Janeiro: UFRJ, EEAN,
2003.
xii, 143f.: il.; 31 cm.
Orientadora: Ivis Emília de Oliveira Souza
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ EEAN/ Programa
de Pós-graduação em Enfermagem, 2003.
Referências Bibliográficas: f. 137-139.
1. Neoplasias Mamárias. 2. Mastectomia. 3. Sexua-
lidade. 4. Fenomenologia. I. Souza, Ivis Emília de Oli-
veira. II. UFRJ, EEAN. III. Título.

CDD. 610.73

IV
RESUMO

SEXUALIDADE DA MULHER APÓS A MASTECTOMIA

Marise Dutra Souto

Orientadora: Ivis Emília de Oliveira Souza

Resumo da Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Enfermagem, da Escola de Enfermagem Anna Nery - EEAN, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestra em Enfermagem.

O estudo buscou investigar aspectos da sexualidade da mulher portadora de


câncer de mama submetida à mastectomia radical. Teve como ponto de partida
inquietações decorrentes de minha prática assistencial como enfermeira em unidade
cirúrgica de ginecologia. Percebia questões veladas tanto na mulher quanto na equipe de
saúde em relação a discutir o exercício da sexualidade humana após a mastectomia.
Encontrei na literatura referência à dificuldades de ordem sexual e comprometimento do
relacionamento interpessoal como conseqüências da ressecção da mama, considerada
como órgão de importante papel na sexualidade feminina. Esta investigação, tendo
como objetivo desvelar o sentido das expressões de sexualidade da mulher
mastectomizada, foi desenvolvida utilizando a abordagem filosófica de Martin
Heidegger. A etapa de campo em cenário utilizou entrevista fenomenológica constituída
de duas questões: como a sra. se sente depois da mastectomia e como a sra. se sente
sexualmente após a mastectomia. Após leitura atentiva e seqüencial dos depoimentos,
foi possível construir as unidades de significação. Numa compreensão vaga e mediana,
a expressão de sexualidade foi manifestada através: da relação heterossexual; da
necessidade de um tempo para se acostumar e conviver com o corpo mutilado; do
tratamento afetivo e atencioso que recebeu do companheiro; da retomada das atividades
normais do dia a dia e da alegria em viver e recuperar a integridade física. A
hermenêutica heideggeriana desvelou que a mulher mastectomizada compreende que é
possível conviver com a perda da mama e viver bem sexualmente. A compreensão desse
viver bem é um descobrimento que ela atinge num tempo que não é cronológico e que
alerta a nós, profissionais de saúde, contra uma falsa impressão de que estaria bastante e
definitivamente comprometida como ser de possibilidades.

Palavras-chave: neoplasias mamárias, mastectomia, sexualidade, fenomenologia.

Rio de Janeiro
Outubro / 2003

V
ABSTRACT

SEXUALITY OF THE WOMAN WHO UNDERWENT A MASTECTOMY

Marise Dutra Souto

Orientadora: Ivis Emília de Oliveira Souza

Abstract da Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em


Enfermagem, da Escola de Enfermagem Anna Nery - EEAN, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestra em Enfermagem.

The work tried to investigate the aspects of sexuality in women who are carriers
of breast cancer, and who underwent a radical mastectomy surgery. It had as a starting
point my assistance practice as a nurse in the gynecological surgery unit. I noticed
concealed questions both from the part of the woman and from the part of the
professionals related to discussing the sexual practices after a mastectomy. I found in
the medical literature references related to sexual difficulties and the implications they
have in the interpersonal relationships as consequences of the removal of the breast;
considered to be an organ of important role in the woman sexuality. This investigation
has been developed using Martin Heidegger philosophical approach and had as an
objective to reveal the meaning of sexual expressions in the woman who underwent a
mastectomy. In the ambulatory of Hospital dos Servidores do Estado, phenomenological
interviews were carried out, consisting of two main questions: how the woman feels
after a mastectomy and, also, how the woman feels in terms of sexuality after a
mastectomy. After an attentive reading of fifteen transcribed statements, it was possible
to constitute the units of significance. In a vague and average comprehension, the
expression of sexuality was revealed through: heterosexual relationships, the necessity
of a period of time to get accustomed to the mutilated body, the affectionate attention
from their husbands, the return to the daily activities, and the happiness to be alive and
recover the physical integrity. The interpretation, based on the point of view of Martin
Heidegger, revealed that this woman understands that it is possible to cope with the loss
of her breast and to live sexually well. She realizes that she can live well, and this
conclusion that she is able to come to is, for us, professionals, an alert: it is a false
perception to believe that the woman after a mastectomy surgery is definitely in her
capacities and possibilities.

Key-words: breast neoplasms, mastectomy, sexuality, phenomenology.

Rio de Janeiro
Outubro / 2003

VI
IVIS EMÍLIA DE OLIVEIRA SOUZA

Orientadora, Doutora, Mestra, Especialista, Enfermeira.

Ilustre Representante da Categoria, Renomada Titular Desta Casa,

Para mim, uma PERSONALIDADE.

Muito obrigada por tudo.

VII
AGRADECIMENTOS E RECONHECIMENTOS

À toda minha família: Roberto, esposo paciente, Gabriela e Henrique, filhos sedentos de
“mãe”, que me acompanharam durante a árdua caminhada.
Ao amigo e incentivador Walcyr, sempre presente.
Aos amigos e colegas que contribuíram comigo e com o trabalho: Herdy, Solange, Laísa
e Rosilda.
À Chefia da Secretaria Acadêmica da Pós-graduação, Sônia Xavier, pela presteza
incansável.
Aos membros das Bancas Examinadoras, das diferentes etapas – do processo seletivo,
defesa do projeto, qualificação da dissertação e defesa final - pelo aceite e participação
efetiva na construção deste estudo.
Ao Professor Guy do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/UFRJ, que muito incitou
meu pensar com as leituras de Heidegger.
À Chefia de Enfermagem do Hospital dos Servidores do Estado/RJ, representada por
Maria Angélica e Zilmar. E à Chefia do Serviço de Ginecologia, enfermeira Eugênia,
pelo incentivo ao meu aprimoramento profissional, entendendo que este é um dos
caminhos, mas não o último per-curso, para o enriquecimento da profissão.
Ao Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital dos Servidores do
Estado/RJ, pela aprovação do projeto de pesquisa sem restrições, garantindo a etapa de
campo da pesquisa.
À Chefia, Supervisão e Coordenação de Enfermagem do Hospital Central do
Exército/RJ e demais colegas, representadas pelas enfermeiras civis: Jânua, Maria da
Glória, Roseane, Vanja, Rejane e Roza, e militares: Cap Sônia, Cap Rejânia, Cap Inês e
Cap Rosana, pelo reconhecimento ao meu profissionalismo.
Ao “Clube das Quinze”, composto pelas mulheres que gentilmente concordaram em
participar da pesquisa e soltaram a “voz”.

VIII
DEDICATÓRIA
MARLENE MOREIRA SOUTO, minha Mãe

Não teria sequer pensado em voltar aos estudos se não fosse por ti.
Insistentemente me dizias o quanto seria bom.
Incentivadora vibrante do início ao fim.
Torcendo pela minha vitória.
Sempre um exemplo de honestidade, simplicidade e bondade.
Virtudes supremas de um dom maior.
O dom de ser a mãe que só tu sabes ser.

IX
HOMENAGEM PÓSTUMA

CÉLIO DUTRA SOUTO, meu Pai

Sinto muuuuiiiittttaaaa saudade.

É assim, não pode ser diferente.

Então vou aprendendo essa lição.

Mas veja como sou esperta!

Eu o tenho comigo como nunca, não preciso dividí-lo com um irmão.

A hora que desejo eu o vejo, o ouço, o sinto.

E mais: parece que às vezes não sou eu que ajo e sim tu.

Aí paro de chorar e me tranqüilizo: você não foi embora.

Está aqui dentro de mim, mais perto do que nunca ...

X
SUMÁRIO

LISTA DE QUADROS ................................................................................................... XI

CAPÍTULO I A TEMÁTICA DO ESTUDO


1. 1 Introdução ao tema .......................................................................................1
1. 2 Do olhar atentivo ao problema em estudo ..................................................10
Objeto de estudo .................................................................................................12
Objetivo ..............................................................................................................13
Justificativa .........................................................................................................14
Relevância ..........................................................................................................15

CAPÍTULO II O TEMA EM SUA DIMENSÃO ÔNTICA


2.1 Câncer de mama: problemática de saúde .....................................................17
2.2 Possibilidades terapêuticas do câncer de mama ...........................................25
2.3 Sexualidade humana e a representação do seio ............................................33

CAPÍTULO III METODOLOGIA - caminho para uma ontologia


3.1 Fenomenologia como método de investigação ..............................................39
3.2 O método em Martin Heidegger ....................................................................43

CAPÍTULO IV TRAJETÓRIA DO ESTUDO


4.1 Cenário ...........................................................................................................46
4.2 Obtenção dos depoimentos ............................................................................47

CAPÍTULO V EM BUSCA DA COMPREENSÃO POSSÍVEL


5.1 As depoentes. Desvelando o quem ................................................................49
5.2 grupando os significados ...............................................................................58
5.3 A compreensão das mulheres mastectomizadas ............................................74

CAPÍTULO VI HERMENÊUTICA EM HEIDEGGER: o sentido da sexualidade de


mulheres mastectomizadas .............................................................................................82

CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................93

REFERÊNCIAS ...........................................................................................................101

DOCUMENTOS CONSULTADOS ............................................................................104

ANEXOS
Nº. 1 Parecer da Comissão de Ética
Nº. 2 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Nº. 3 Entrevistas

XI
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Risco moderado para desenvolver câncer de mama ..............................18

QUADRO 2 – Alto risco para desenvolver câncer de mama .........................................19

QUADRO 3 – Estimativas de número de casos novos de câncer, número de mortes por


câncer e tipo mais comum de acordo com o sexo.......................................................... 21

QUADRO 4 – Caracterização da clientela entrevistada quanto à atividade sexual antes e


após a cirurgia ................................................................................................................ 51

QUADRO 5 – Idade, estado civil, tempo de cirurgia e data da entrevista .................... 52

XII
CAPÍTULO I. A TEMÁTICA DO ESTUDO
1.1 Introdução ao tema

Falar de sexualidade traduz um exercício que parece estar em voga e atrair

atenção de muitos, ainda mais agora com o início de um novo milênio, quando se tem a

impressão de viver uma nova ordem, ordem esta de liberdade jamais sentida ou

consentida anteriormente.

Meu interesse em estudar a questão da sexualidade na vida cotidiana de

mulheres com diagnóstico de câncer de mama, exigiu um aprofundamento nos

conceitos de sexualidade, buscando analisar suas implicações na atenção à saúde.

Assim, percebo que compreender os significados específicos deste fenômeno requer um

olhar atentivo ao problema e às pessoas envolvidas, além de disposição para ouví-las

livremente numa atitude empática e de acolhimento.

Segundo o dicionário brasileiro Globo (1990, p. 1177), sexualidade “é qualidade

do que é sexual; é o conjunto dos caracteres especiais do que tem sexo; instinto sexual”.

Sendo o ser humano dotado de sexo, seja ele masculino ou feminino, a sexualidade é

uma de suas características por natureza.

Uma atribuição distinta para seres vivos e seres humanos é feita por Viana

(2001) em relação a sexo e sexualidade. O primeiro está presente em todos os seres

vivos, o segundo possui uma dimensão exclusivamente humana, na qual fenômenos

como: prazer (função sexual), emoção, afetividade e comunicação se interagem.

Kusnetzoff (1998), psicanalista e sexólogo, tem visão abrangente e liberal da

sexualidade feminina e a considera constituinte da vida da mulher tanto do ponto de

vista biológico, como psicológico e cultural. Fala de uma sexualidade igualitária na qual

homens e mulheres têm acesso à possibilidade orgástica em nome exclusivo do amor.

Uma visão bastante romântica que, acredito eu, deixaria as mulheres mais felizes.
Com opinião semelhante, o cardiologista Silva (2000, p. 226) comenta que

“desfrutar de uma vida sexual que seja fonte de coisa boa, e não de ansiedade e

angústia, é ingrediente importante para a saúde e felicidade das pessoas”.

É nesse sentido que vejo a prática sadia da sexualidade como algo que deve ser

incentivado no homem e na mulher. Porém, também penso que dentro de um processo

de adoecimento, seja do corpo, seja da mente, há que se fazer uma ressalva nessa

prática: a doença gera um desequilíbrio físico e mental e pode comprometer o exercício

da sexualidade. De modo geral, entendo que ela impõe limitações e provoca mudanças

na vida das pessoas. Uma situação de desvantagem, um sentimento de inferioridade e

até mesmo depressão podem afetar a pessoa doente diante dos fatos da vida, incluindo-

se aí a prática da sexualidade.

Segundo Kligerman (1999) o cliente percebe seu estado de saúde e o define: este

seria um parâmetro para avaliar se a terapêutica em vigor está alcançando resultados

satisfatórios e promovendo a qualidade de vida demandada por ele. Com este

pensamento posso apreender, através dos depoimentos dos próprios pacientes, se suas

necessidades estão sendo atendidas com a assistência prestada.

É nosso dever como profissionais da área de saúde oferecer tratamento digno e

humano e proporcionar boas condições para difíceis dias de vida do portador de doença

grave. Um gesto, um olhar, um toque, uma ação que por mais simples que pareça tem

valor incalculável para aquele que padece.

Na vivência do câncer de mama aliado à mastectomia suponho que a mulher

enfrente dificuldades de ordem sexual porque teve ressecado de seu corpo órgão de

importante papel na sexualidade feminina, o que comprometeria negativamente seu

relacionamento interpessoal e desempenho sexual.

2
A aflição, a dor, a fadiga e problemas com a imagem corporal e com a auto-
estima, causadas pelo diagnóstico e pelo tratamento contra o câncer, podem
prejudicar o desempenho sexual, mesmo nas pacientes que tiveram uma vida
sexual satisfatória antes da doença (HARRIS, 2002, p. 1225).

Contudo, minha experiência profissional não revela isso, pois ainda não observei

uma indicação clara, verbal ou gestual, de queixa de natureza sexual por parte de

mulheres mastectomizadas para corroborar com tal suposição. Parece-me que nós da

equipe de saúde também não iniciamos essa discussão com elas. Dificilmente, por

exemplo, enquanto realizamos algum procedimento técnico, arriscamos uma pergunta

sobre sua vida sexual ou damos oportunidade para que expressem dúvidas e

inquietações quanto ao exercício de sua sexualidade. Preocupamo-nos com a

cicatrização da ferida cirúrgica, a presença ou não de sinais flogísticos neste local, a

drenagem do port-vac1, a dor, a alimentação, o sono; aspectos que julgamos importantes

para recuperação da cirurgia.

A visão da sexualidade como uma forma de expressão natural do homem na qual

se almeja a saúde sexual ainda é pouco valorizada na prática assistencial da

enfermagem. Eventualmente procuramos reservar um momento mais tranqüilo de nosso

dia para conversar individualmente com essa mulher a respeito de sexualidade, ou até

mesmo em grupo, o que poderia facilitar o diálogo de ambos os lados. Esse impasse só

fez aumentar meu interesse em conhecer mais a fundo o cotidiano desta mulher e a

vivência de sua sexualidade.

Em se tratando de cuidar da mulher mastectomizada, acredito em uma atenção

diferenciada e nesta vislumbro ações de enfermagem que vão ao encontro das

necessidades expressas e veladas na fala dessa mulher. Penso na possibilidade e/ou

necessidade de uma abordagem compreensiva que englobe também sua família.

1
Dreno de sucção

3
Acompanhar a mulher no enfrentamento dos efeitos colaterais das terapias

adjuvantes ao tratamento contra o câncer de mama, constitui trabalho árduo para a

equipe multidisciplinar. Trata-se, evidentemente, de uma grave doença que traz em seu

bojo implicações física e mental, como a própria alteração do corpo causada pela

ressecção da mama, a incerteza da cura, a insegurança e medo em relação ao futuro.

Claro está que a situação exige do enfermeiro não somente conhecimento

científico da patologia para contribuir efetivamente com uma assistência integral, como

também um preparo emocional para lidar com sentimentos de tristeza, solidão, angústia

e temor, o que pode significar compartilhar sofrimentos inerentes ao processo de cuidar

do outro.

A exemplo disso, recordo-me de uma jovem paciente mastectomizada de 40

anos de idade, casada, mãe de um menino de 6 anos, que recebera o resultado do exame

histo-patológico positivo para malignidade. Foi encaminhada pelo médico ao serviço de

oncologia clínica, onde iniciaria tratamento quimioterápico após uma primeira consulta.

Acompanhei-a até aquele setor e tentei dizer-lhe algumas palavras, mas foi em vão. Não

consegui sequer orientá-la sobre a quimioterapia e seus efeitos.

Pareceu-me que a paciente estava em estado de choque com a notícia que

recebera, pois não falava nada, não manifestava nada. Eu esperava prestar algum tipo de

cuidado e o que fiz foi ficar ao seu lado, em igual silêncio. Talvez tenha feito o que ela

queria que eu fizesse, ou seja, apenas acompanhá-la sem nada dizer. Ainda assim, penso

o quanto essa situação me marcou pessoal e profissionalmente.

Quanto ao câncer de mama, Arán et al. (1996, p. 633) ressaltam que “as

mulheres brasileiras chegam tarde aos médicos, muitas vezes não são bem

diagnosticadas, tendo como alternativa a cirurgia mutiladora”. Elas deixam para traz o

4
lar e a família e entregam suas vidas aos profissionais de saúde na esperança de uma

solução para seu grave problema.

Na maioria das vezes desconhecem o que está previsto em termos de cirurgia e

tratamento. Neste caso as condutas se diferenciam de acordo com o estádio da doença,

podendo ser proposto tratamento cirúrgico conservador (segmentectomia) ou radical

(mastectomia), quimioterapia, radioterapia e/ou hormonioterapia.

Estas mulheres parecem depositar na equipe, em especial nos médicos, a

incumbência da cura, pois é Deus no céu e o Doutor na terra. Entretanto, é importante

lembrar que a relação paciente versus profissional é instrumento terapêutico de grande

monta e seu sucesso está na dependência direta da paciente ser valorizada como pessoa

e tratada com dignidade.

A doença é cruel, a cirurgia mutilante. Segundo o dicionário Aurélio (1975, p.

964) “mutilar é privar de algum membro ou de alguma parte do corpo, cortar”. Perder

um membro acidentalmente é fatalidade, não tem dia nem hora; perder um seio, nestas

condições, tem dia e hora marcados: a mastectomia é uma cirurgia eletiva e como tal

exige preparo antecipado como os observados pela maioria das intervenções cirúrgicas,

quais sejam: jejum e tricotomia (específica da região axilar devido a possibilidade de

manipulação desta área).

Ao considerar significativo o impacto emocional que a mastectomia pode causar

e pensando em sua repercussão na sexualidade, identifico na minha prática assistencial

situações extremas em que a mulher não suporta a nova condição de ser

mastectomizada, manifestando rejeições e se vendo com poucas perspectivas. Sente-se

deprimida, infeliz e incapaz até mesmo para desempenhar suas tarefas do lar.

A mulher pode evitar contato com outras pessoas e se restringir ao espaço

doméstico, sendo tamanho o seu desânimo para retornar ao trabalho. Tendo chegado a

5
este ponto, ela sofre afastamento do serviço, passa por um período de readaptação até

ser considerada incapaz para as atividades laborativas, podendo culminar em

aposentadoria por invalidez. O câncer de mama não é uma doença incapacitante. A

mulher é que pode se incapacitar diante dele por não suportar seu impacto, por não

reagir a ele.

A incapacidade a que me refiro, se mostra na limitação do exercício de

atividades que requeiram esforço físico do membro superior homolateral, sobretudo

porque a dor e o linfedema como seqüela cirúrgica restringem os movimentos. Além

disso, mudanças de comportamento como depressão, tristeza e desmotivação podem ser

observadas após cirurgias mutiladoras, gerando dificuldades nas relações interpessoais.

Essa incapacidade física e emocional é uma possibilidade real que a mulher

mastectomizada viverá ou não.

Um período de quatorze anos marca minha convivência com estas mulheres

guerreiras na enfermaria de ginecologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de

Janeiro, localizada no sétimo andar do prédio principal. Percebo que existe uma

verdadeira luta onde se conflituam de um lado a doença ameaçadora, amedrontadora e

estigmatizante; e do outro lado a mulher fragilizada pelo diagnóstico e cirurgia,

tentando encontrar armas e reunir forças para encarar o inimigo.

Digo inimigo porque as implicações para pacientes, famílias e sociedade em

geral são a dor, o sofrimento, a incapacidade e a morte. O câncer pode surgir de maneira

repentina, alterando rotinas e hábitos familiares, desestruturando lares, destruindo

sonhos...

E é neste momento que penso na necessidade de uma assistência de enfermagem

ampla e diferenciada que atenda a cliente desde a fase diagnóstica, passando pelos

6
períodos pré e pós-operatório, prosseguindo durante a longa caminhada da reabilitação e

do tratamento adjuvante.

Acredito que este cuidado constitua uma das importantes armas que podemos

oferecer a esta mulher e fazer dela uma verdadeira amazona, como diz a lenda antiga,

uma guerreira disposta a lutar pela sua vida mesmo sem o seio.

A definição amazona, segundo o dicionário Aurélio (1975, p. 34) vem do grego

amazon e diz tratar-se de “mulher aguerrida e de coragem viril”. A seguir, trago com

mais detalhes uma estória sobre essas mulheres:

7
Diz a lenda que Gonçalo Pizarro, irmão de Francisco Pizarro então governador do Peru,

encarregou Francisco Orellana de sair à frente da frota que partiria de Quito em 1542 a procura do

lendário país da Canela. Levados pelo espírito de aventura e também pela necessidade de arranjar

mantimentos, os espanhóis enveredaram por um braço do rio Napo e ali encontraram a tribo das

Amazonas.

Nesta frota viajava frei Gaspar de Carvajal, cronista de viagem, e foi assim que ele relatou o

encontro de Francisco Orellana e seus companheiros com as amazonas: “Eram guerreiras de alto

porte, brancas, fortes, seminuas, com cabelos longos, manejando com habilidade arco e flecha e uma

maça d’armas, semelhante a um tacape”.

Viviam em muitos povoados sob o domínio de uma única rainha, era imensa sua riqueza em

ouro e prata. Ficavam afastadas dos homens, salvo em determinadas épocas quando os convocavam

para fins de procriação. Poupavam as meninas recém-nascidas, eliminando porém os meninos ou

devolvendo-os aos pais depois de um ano.

Os gregos foram os primeiros a falar dessas criaturas singulares. Até as batizaram, pois em

grego a quer dizer sem , mazos significa seios. De fato, o retrato clássico das amazonas é o que as

representa como mulheres sem o seio direito. Quando mocinhas, deviam queimá-lo ou comprimí-lo

com ataduras até que ficassem atrofiado, para não dificultar o manejo do arco e da lança, suas armas

inseparáveis.

Amazona belicosa
De aljava pendente ao lado
Aponta com o arco invicto
O lindo peito cortado
De Antônio Feliciano de Castilho em “Amor e Melancolia”

Fonte: Enciclopédia Conhecer. 1969. Vol. VI, p. 1387.

8
Acompanhando essas mulheres desde a internação na fase pré-operatória até a

alta hospitalar (no quarto ou quinto dias pós-operatório), notei em suas falas

preocupações com filhos (principalmente se estão sendo bem cuidados, alimentando-se

direito, indo para escola regularmente), com o marido (aqui eu percebo um desabafo

que pode encobrir uma intenção conjugal ou sexual), a casa e... pouca verbalização

sobre elas próprias.

Muitas vezes trabalham e contribuem para a renda familiar, sempre administram

o lar e, não raro, são deste o alicerce. Em relação à sexualidade, ou melhor, à sua

sexualidade, não dizem nada, não comentam, omitem esse dado. E por outro lado, o

profissional de saúde que acompanha essas mulheres também não faz questionamentos,

deixando transparecer que esta é uma questão de menor importância ou indicando que o

foco do processo assistencial está ou se restringe nos aspectos físicos.

Lembra Kusnetzoff (1988, p. 111/113) que “são exatamente os problemas

emocionais que se fazem sentir mais rápido, na área do desempenho sexual e muitas

vezes na evolução da própria mastectomia”. Avalia-se a perda da mama, parte tão

importante do corpo feminino, como “um processo psicologicamente doloroso”, ainda

mais exacerbado quando se vive hoje um momento de culto ao corpo e embelezamento

das formas físicas, sem falar na utilização excessiva do silicone.

Após a retirada do seio atingido pela doença, a mulher poderá se sentir em

desvantagem com a imagem que possui agora, se considerar menos feminina e pouco à

vontade com seu novo corpo. Os autores citados a seguir comentam que há mulheres

que podem se sentir sexualmente repulsivas, chegando a evitar contatos sexuais.

Das reclamações mais freqüentes observadas nas pacientes mastectomizadas,


o medo de não ser mais atraente sexualmente e a sensação de diminuição da
feminilidade ocupam posição de destaque (ARÁN et al., 1996, p. 635) .

9
A mulher submetida à mastectomia poderá pensar que nunca mais será tão feliz

quanto aquelas que não perderam o seio. Faz-se presente a necessidade de apoio para

reestruturar sua vida e, nesse processo de reabilitação, o profissional de enfermagem

tem importante papel.

1.2 Do olhar atentivo ao problema em estudo


Neste estudo investigou-se aspectos da sexualidade de mulheres que se

submeteram à mastectomia radical e vivenciam o processo crônico de uma doença

maligna junto aos recursos terapêuticos disponíveis na instituição-cenário.

Acredito que a mulher mastectomizada precisa ser encorajada a exercer

naturalmente a sexualidade, pois o benefício desta prática está inserido no conceito de

saúde integral. Penso que é preciso oferecer oportunidade para ela falar o que pode estar

dentro de si, causando-lhe aflição, tristeza, até mesmo medo. Um estudo de Auchincloss

(apud HARRIS, 2002) revelou que com o tempo, a educação, a paciência e a prática, os

profissionais de saúde podem vir a crer que possuem alguma palavra sobre sexo a

oferecer às pacientes mastectomizadas, quando as mesmas se encontram ansiosas e

inseguras até mesmo para procurar ajuda. Ele diz que as pacientes sentem alívio por

saberem que seu problema é comum e já conhecido. Prossegue apontando a enfermeira

como membro da equipe de saúde indicado para iniciar as conversações sobre vida

sexual.

Fernandes (1997) aponta que para controle do estado depressivo, a intimidade e

afeto sexual são prescrições recomendadas, havendo aumento da auto-estima através do

carinho e contato físico. Dessa forma, questiono se não seria o momento apropriado

para direcionar as ações de enfermagem também para a questão em pauta, que é pouco

debatida com essa clientela.

10
Uma tendência em valorizar a sexualidade como necessidade básica do homem /

mulher foi o que pude constatar em levantamento da produção científica stricto senso

(ver anexo nº.3) publicada pelo Centro de Estudos e Pesquisa em Enfermagem – CEPEn

entre os anos de 1979 e 1999. O tema em questão foi abordado em situação de doença, a

saber: paraplegia, colostomia definitiva, insuficiência renal crônica, distúrbio mental e

síndrome da imunodeficiência adquirida; com jovens e adolescentes; com acadêmicos

de enfermagem, equipe de enfermagem e a mulher de modo geral, bem como em

situações de abuso sexual.

Neste contexto diversificado, os trabalhos mostraram: preocupação com o cuidar

e busca pelo aperfeiçoamento da assistência, a necessidade de aproximação da teoria à

prática, a demanda crescente para o exercício da pesquisa, e melhor, apontaram para

abertura de novos horizontes no sentido de uma auto-reflexão do enfermeiro,

despertando nele o interesse em abordar a temática junto à cabeceira do leito.

Todavia, não identifiquei no intervalo de 1979 à 1999, uma pesquisa que tratasse

com especificidade do tema da sexualidade com a mulher mastectomizada. E é nessa

direção que desenvolvi a presente investigação, acreditando que ela, a mulher, venha se

sentir valorizada por perceber que o enfermeiro lhe dá importância, é solidário,

reconhece seu problema e se dispõe a ajudá-la. Acredito que, influenciada pelo modelo

de criação e sistema de educação, a cliente possa estar desabituada a falar sobre

sexualidade e sexo, mas nesse momento surge a necessidade de discutir o assunto.

Considero também que possa existir uma recusa deliberada para falar sobre e se calar, o

que me leva a pensar que ainda somos influenciados por um passado de seculares

características opressoras, ascéticas e de forte cunho religioso.

A meu ver, o enfermeiro tem a proximidade e a possibilidade de contatos

necessários para desenvolver este cuidado, usando de uma abordagem empática e

11
compreensiva que enfatiza a singularidade do ser, com as propostas de qualificação da

assistência de enfermagem num contexto de humanização que valoriza o ser daquela

que se submete à mastectomia. Acredito que este profissional possa “escutar com

atenção, ser caloroso, dizer coisas sensatas e compreensíveis e estar disposto a ser apoio

humano de um problema muito humano” (KUSNETZOFF, 1988, p. 102).

Penso, ainda, que o enfermeiro possui as habilidades citadas anteriormente e

encontra-se capacitado para desenvolver essa atividade, sobretudo implementando um

cuidado direcionado para o problema humano aqui em questão. Assim, parece ser

importante ouvir atenciosamente a paciente e falar-lhe com sensatez e, ao buscar

compreendê-la, mostrar-lhe que ela pode encontrar ajuda.

Objeto de estudo

Assim, este estudo teve como objeto as expressões de sexualidade da mulher

portadora de câncer de mama após a mastectomia radical. Na busca por uma melhor

compreensão do termo expressão, encontrei em Aurélio (1975, p. 689), a definição

“enunciação do pensamento por meio de gestos ou palavras escritas ou faladas”.

Percebi que através das manifestações verbais gravadas em entrevista identificaria as

expressões de sexualidade.

Em capítulo sobre psicologia da sexualidade, busquei em Novak (1999, p.143)

uma compreensão do termo expressão de sexualidade e encontrei que “a expressão

sexual envolve mais do que as relações sexuais”. O autor comenta que parceiros sexuais

que vivem um relacionamento necessitam estabelecer um diálogo aberto a fim de

conhecer sentimentos e desejos mutuamente, pois dependendo das necessidades

fisiológicas e psicológicas, cada um apresentará uma resposta ao estímulo sexual, em

determinada situação.

12
Ele prossegue apontando que o relacionamento total está sujeito à ação danosa

de fatores de estresse e isso pode culminar em dificuldades no relacionamento sexual,

fazendo com que essas relações sejam até indesejáveis. O comportamento atencioso

observado entre indivíduos é forma de expressão sexual, sendo importante ressaltar que

muitos se ressentem de uma necessidade humana básica de calor e afeto, e das

proibições culturais sobre sexo.

Dessa forma, levando em conta o perfil fisiológico e psicológico de cada mulher,

o estresse a que ela está submetida, a sua necessidade de calor e afeto, os fantasmas de

uma repressão sexual que assombram sua mente, deparei-me com valiosos relatos que

permitiram conhecer expressões de sexualidade da mulher portadora de câncer de

mama submetida à mastectomia radical.

Objetivo

Ao introduzir o estudo, são destacados os temas sexualidade e mastectomia.

Agrupá-los suscita questionamentos e dúvidas. Baseando-se na mudança física

provocada pela cirurgia e suas repercussões emocionais, adentrando a intimidade desta

mulher fragilizada, questiona-se: como será que se sente sexualmente depois de uma

mastectomia? Considera-se em desvantagem por estar incompleta fisicamente? Como se

sente como pessoa e mulher? Como se relaciona com os outros pós mastectomia?

Assim, norteada por estes questionamentos tive como objetivo: desvelar o

sentido das expressões de sexualidade da mulher submetida à mastectomia radical em

decorrência do câncer de mama.

Respostas para essas e outras perguntas que surgiram ao longo do

desenvolvimento desta pesquisa, decerto foram discutidas na análise compreensiva que

13
se propôs a abarcar a dimensão existencial, tendo como suporte a hermenêutica em

Martin Heidegger.

Justificativa

Justifico essa pesquisa pelos benefícios inerentes ao exercício da sexualidade

humana que não devem ser negados à mulher mastectomizada que, particularmente,

sofreu danos e lesões não somente físicas como também emocionais, considerando a

área do desenvolvimento do câncer - a mama. Penso também que a discussão é

necessária no contexto da proposta de atenção integral de saúde, tanto para os

profissionais da assistência direta quanto para aqueles engajados no processo de

formação de futuros profissionais.

É possível que a satisfação sexual uma vez alcançada beneficie esta mulher no

enfrentamento cotidiano da doença maligna, do estigma social que ela representa e das

difíceis formas de tratamento adjuvante.

Conversar com um paciente sobre suas preocupações acerca de sexo/sexualidade

representa, ainda, dificuldade e desconforto para os profissionais de enfermagem, que

precisam ser discutidos. Segundo Waterhouse (apud GAMLIN, 1999) de fato, a falta de

conhecimento, o constrangimento, a incapacidade de iniciar um diálogo ou a falsa

impressão da necessidade de um especialista, aparecem como causas que levam os

enfermeiros a não discutirem este assunto com seus pacientes.

É fato e comprova-se mesmo na prática assistencial, cabendo aqui ressaltar a

necessidade de aprofundamento das questões relativas à sexualidade humana, nas

disciplinas e conteúdos curriculares dos cursos de graduação em enfermagem. Fornecer

conhecimentos específicos de forma a desmitificar o tema e reduzir medos, preconceitos

e constrangimentos do profissional no momento em que desenvolve suas atividades,

14
representa benefício para ambos: profissional e cliente. Estudos sobre a sexualidade são

complexos, profundos e até polêmicos, entretanto, necessários.

Relevância

O presente estudo tem relevância no instante em que trata de um tema tão

complexo – sexualidade – ainda não trabalhado com profundidade nas pesquisas

realizadas pela enfermagem e, ao que parece, problemas desta natureza constituem

sensação real vivida por algumas mulheres depois da mastectomia.

No Brasil, estudos são continuamente realizados por pesquisadores de núcleos de

referência como os do REMA – Núcleo de Ensino, Pesquisa e Assistência na

Reabilitação de Mastectomizadas da Escola de Enfermagem de Ribeirão

Preto/Universidade de São Paulo (EERP/USP), do Projeto Saúde da Mulher no

Cotidiano do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do

Grupo de Estudo da Mulher da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da

Bahia (EE/UFBA), onde são abordados a ampla problemática que cerca o câncer de

mama, a experiência da mastectomia, a necessidade do suporte social e o trabalho dos

grupos de apoio que contribuem na reabilitação das mulheres envolvidas nessa questão.

Buscando o necessário aprofundamento científico, verifiquei que publicações

feitas na Revista Brasileira de Cancerologia, Texto e Contexto de Enfermagem e

Revista Brasileira de Enfermagem exibem inúmeras pesquisas que foram por mim

consultadas. O conhecimento detalhado do assunto foi viabilizado pela grande

variedade de temas discutidos, cujas abordagens incluíam basicamente: qualidade de

vida, indicador de saúde e mortalidade, negação e estigma, mastectomia e suas

repercussões a partir da experiência cotidiana, orientação pré e pós-operatória, e uma

visão do doente oncológico segundo enfermeiros.

15
Em relação à Revista Latino-Americana de Enfermagem publicada pela

EERP/USP, os volumes editados de 1994 até 1999 não continham artigo sobre

mastectomia, embora o REMA seja um núcleo de pesquisa desta instituição de ensino

de enfermagem, considerado como de referência no assunto. Novamente não observei

trabalho específico sobre sexualidade da mulher mastectomizada nessas publicações

consultadas.

Acreditando ser necessária essa abordagem e lembrando palavras de Foucault

(1985, p. 67) ao definir sexualidade como sendo “[...] um campo de significações a

decifrar [...] uma palavra obscura que é preciso, ao mesmo tempo, desencavar e escutar

[...]”, vejo mais um desafio para o enfermeiro: cuidar de pacientes mastectomizadas que

expressam problemas de ordem sexual. E mais: este cuidado, paralelamente, tende a

levar o profissional a uma auto-avaliação a respeito de suas próprias atitudes sobre

sexualidade.

Penso também que este estudo contribuiu com informações específicas para a

assistência de enfermagem oncológica a partir da fala original das clientes envolvidas,

dando subsídios aos profissionais que lidam com as mesmas para iniciar um diálogo

mais abrangente no qual estejam incluídas as questões acima. A inserção do

companheiro nas orientações é de vital importância e pode tomar parte em um resultado

positivo dentro do processo de enfrentamento da doença e da mastectomia.

16
CAPÍTULO II. O TEMA EM SUA DIMENSÃO ÔNTICA

Abordar a dimensão ôntica é falar dos fatos do dia a dia, dos acontecimentos que

tomam parte na vida cotidiana das pessoas. Pensar no ôntico é referir-se a tudo aquilo

que é evidente, que é percebido e entendido de imediato, que está à vista, que pode

inclusive ser quantificado como dados estatísticos, estimativas, porcentagens e variáveis

numéricas.

A dimensão ôntica abarca o conhecimento científico e tudo o que pode ser

apreendido metodologicamente através das ciências naturais. É a esfera da facticidade,

do concreto, do palpável. Engloba significados, manifestações, tudo que é acidental e

ocasional.

O espaço ôntico, também chamado de existenciário, é onde se dá a existência

concreta do homem, pois para Heidegger (2001) somente o homem existe. Os demais

seres vivos apenas vivem.

Assim, neste capítulo do estudo apresento o conhecimento factual / científico em

sua dimensão ôntica. Segundo Heidegger, Solo de Tradição do pensamento ocidental.

2.1 Câncer de mama: problemática de saúde


A anormalidade no crescimento celular caracteriza a formação de tumores

benignos e malignos e a diferenciação destes é feita pela anatomia patológica. Esta

possibilita o diagnóstico de certeza para câncer e a classificação dos tumores, além de

ser um recurso vital no acompanhamento dos pacientes, visto que fornecem dados para

o estadiamento da doença e fatores prognósticos (CHAVES et al., 1999). No Brasil,

determinantes como: aumento da expectativa de vida, urbanização acelerada e controle

de doenças infecto-contagiosas (que causavam morte prematura) contribuem para o


desenvolvimento de neoplasias malignas. São variados os tipos histológicos de câncer

de mama e grandes os esforços de pesquisadores em busca de formas preventivas da

doença que possam causar um verdadeiro impacto em seu crescimento.

Prováveis fatores de risco para o câncer de mama são apontados sem que, no

entanto, representem risco absoluto significativamente aumentado. São eles: história

familiar, idade da menarca, idade de nascimento do 1º filho, idade da menopausa,

doença mamária benigna, radiação, obesidade, utilização de pílula anti-concepcional e

terapia de reposição hormonal. Risco aumentado para desenvolver a doença tem aquela

mulher com história familiar de câncer de mama muito forte, diagnóstico pregresso de

neoplasia lobular in situ ou hiperplasia ductal atípica.

A alta incidência de câncer de mama em algumas famílias sugere uma

predisposição hereditária para desenvolvimento deste tumor. Portanto, a história

familiar tem papel importante como mostram os quadros a seguir:

QUADRO 1 - Risco moderado

9 3 parentes (mesmo lado familiar) com CA de mama ou ovário em qualquer idade

9 2 parentes com CA de mama ou ovário ( menor de 60 anos para mama e qualquer

idade para ovário)

9 1 mulher parente de 1º grau com CA de mama antes dos 40 anos ou um homem

em qualquer idade

9 1 parente de 1º grau com CA de mama bilateral

18
QUADRO 2 - Alto risco

√ 4 ou mais parentes (mesmo lado familiar) com CA de mama ou ovário

em qualquer idade

√ 3 parentes com CA de mama antes dos 40 anos

√ famílias com 1 membro (1º grau) com CA de mama e ovário

√ 3 parentes com CA de mama ou ovário antes dos 60 anos

Fonte: SILVA, R. S. Condutas em Ginecologia. Aspectos Preventivos. 2001.

Caracterizado pela sua vasta etiologia, o câncer de mama também se manifesta

geneticamente como vem sendo mostrado em pesquisas. Em 1995, a comunidade

científica divulga o BRCA 1 e BRCA 2, dois genes localizados respectivamente nos

cromossomas 17 e 13, que estariam intimamente ligados com o aparecimento da

neoplasia maligna de mama. Uma vez herdadas essas mutações genéticas, o risco de

desenvolver a doença seria de 85% para as mulheres que vivessem até os 80 anos de

idade. Vale ressaltar que somente 5% dos casos de câncer de mama detêm a anomalia

genética hereditária (SILVA, 2001).

A observação de uma dieta pobre em gordura é sugerida como medida

preventiva primária, pois estudos diversos associaram o câncer mamário à dietas

hiperlipídicas. Detectar o tumor em estágio inicial de desenvolvimento através de exame

mamográfico é medida preventiva secundária deste tipo de câncer. O diagnóstico

precoce é comprovadamente uma forma de reduzir a taxa de morbi-mortalidade. Assim,

é recomendado pela Sociedade Americana de Cancerologia e Sociedade Brasileira de

Mastologia que a mamografia seja:

19
• BASAL entre 35 - 40 anos

• ANUAL ou BIANUAL dos 40 aos 50 anos

• ANUAL a partir dos 50 anos

Considerada a forma mais eficaz de prevenção para o câncer de mama reduzindo

quase a zero a chance de desenvolvê-lo, a mastectomia profilática bilateral com

reconstrução imediata pode ser sugerida para a mulher que se encontra na faixa de alto

risco desde que obedeça a minucioso critério, pois é uma conduta radical e irreversível

(SILVA, 2001).

Sendo um problema de saúde pública no Brasil, a neoplasia maligna de mama se

destaca pela sua magnitude, merecendo uma atenção diferenciada; pelo aumento de sua

prevalência; por exigir grande volume de recursos financeiros, envolvendo

procedimentos de prevenção, tratamento e reabilitação; por apresentar significativo ônus

institucional e social, e ainda, por sua crescente importância como causa de morte no

país. Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) mostram que o câncer de mama

está situado em primeiro lugar no pódium das doenças neoplásicas campeãs da taxa de

mortalidade (15,9% previsto para 2003) na população feminina brasileira. Estima-se

para este ano cerca de 41610 casos novos da doença e 9335 óbitos (BRASIL, 2003).

O quadro a seguir exibe um paralelo entre as situações de homens e mulheres no

Brasil em relação ao câncer:

20
QUADRO 3 - Estimativas de número de casos novos de câncer, número de

mortes por câncer e tipo mais comum de acordo com o sexo

CASOS NOVOS de MORTES por FOCO PRIMÁRIO

CÂNCER CÂNCER

♂ 15165 11315 PULMÃO

♀ 41610 9335 MAMA

Fonte: Adaptado de BRASIL. Ministério da Saúde. INCA. 2003.

O diagnóstico clínico precário, a doença em estágio avançado e o custo do

tratamento constituem fatores prejudiciais à eficiência e eficácia do esquema

terapêutico, interferindo diretamente na qualidade de vida e de sobrevida de mulheres

acometidas pela doença (MORAES, 1998).

No Brasil, a maioria dos casos de câncer de mama são detectados a partir da

informação da paciente que, ao se tocar, percebeu um nódulo e procurou serviço

médico. No entanto, observa-se um espaço de tempo longo entre percepção e procura, o

que pode ser explicado pelo medo de uma doença “ruim”, vergonha do próprio corpo e /

ou insegurança matrimonial. Diante da deficiência dos melhores meios de diagnóstico

(mamografia e ultra-som) e da dificuldade de acesso a eles em função da estrutura

21
precária da saúde no país, agora e sempre o auto-exame das mamas precisa se tornar

hábito mensal na vida das mulheres.

O período de 1975 à 1985 marcou a década internacional da mulher, havendo

expansão do atendimento pelo sistema de saúde e criação de programas de assistência

integral clínico-ginecológica e educativa. Em 1978 foi criado no Brasil o Programa

Nacional de Assistência Materno-Infantil e em 1984 o Programa de Assistência Integral

à Saúde da Mulher (PAISM) cujos objetivos programáticos são apresentados a seguir:

9 Aumentar a cobertura e concentração do atendimento pré-natal, proporcionando

iguais oportunidades de utilização desses serviços a toda população.

9 Melhorar a qualidade de assistência ao parto, ampliando a cobertura do atendimento

prestado por pessoal treinado, tanto no sistema formal como no informal (parteiras

tradicionais), e diminuindo os índices de cesáreas desnecessárias.

9 Aumentar os índices de aleitamento materno, fornecendo as condições para

implantação do alojamento conjunto.

9 Implantar ou ampliar as atividades de identificação e controle das doenças

sexualmente transmitidas.

9 Implantar ou ampliar as atividades de identificação e controle de outras patologias

de maior prevalência no grupo.

9 Desenvolver atividades de regulação da fertilidade humana, implementando

métodos e técnicas de planejamento familiar, diagnosticando e corrigindo estados de

infertilidade.

9 Evitar o aborto provocado, mediante a prevenção da gravidez indesejada.

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. 1984.

22
As medidas destinadas a atender exclusivamente à mulher norteavam o princípio

da integralidade da assistência e visavam prevenir doenças e promover a saúde, assim

como contribuir para um aumento da capacidade resolutiva da rede básica de serviços.

Dentre as ações de saúde desenvolvidas pelo serviço público da cidade do Rio

de Janeiro, encontra-se o Programa de Atenção à Mulher que tem como atividades:

9 Desenvolvimento de ações de assistência clínico-ginecológica;

9 Prevenção do câncer cérvico-uterino, de mama e de outras patologias do aparelho

reprodutivo feminino;

9 Prevenção de doenças transmissíveis;

9 Assistência ao climatério (pré e pós-menopausa);

9 Contracepção com a garantia do acesso efetivo a métodos anticoncepcionais e

informações educativas;

9 Assistência ao pré-natal e puerpério (pós-parto);

9 Vacinação no período de gestação para a prevenção do tétano neo-natal (tétano do

recém nascido)

Fonte: RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Saúde. 1999.

Em nível nacional, por incumbência do Ministério da Saúde, o INCA foi

encarregado de articular e coordenar a reorganização da assistência oncológica no

Brasil, através do Projeto EXPANDE. A criação e expansão de Centros de Alta

Complexidade em Oncologia (CACON) veio com a intenção de atender às necessidades

de acesso equilibrado da população brasileira beneficiada pelo Sistema Único de Saúde

(SUS). Um outro programa, o VIVA MULHER, desenvolvido em 1999 com o objetivo

de controlar mais ampla e efetivamente o câncer do colo do útero, a partir de 2000

passou também a integrar estratégias para controle do câncer de mama. Foi

23
intensificada a capacitação de recursos humanos, sendo alcançada a seguinte cobertura

para a neoplasia mamária:

9 1565 médicos generalistas e enfermeiros de 791 municípios, qualificados para

realizar exame clínico das mamas;

9 319 médicos ginecologistas, cirurgiões gerais e mastologistas de 250 municípios

treinados na atualização do diagnóstico do câncer de mama.

Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. INCA. 2001.

Como conseqüência dessas bases programáticas, as quais atribuíam à mulher

uma posição então privilegiada, profissionais da área de saúde, em especial enfermeiros,

dirigiram sua atenção para ela também no campo da pesquisa, passando a ser tema de

interesse em estudos.

Especificamente aqui me refiro aqueles estudos sobre câncer mamário e/ou

mastectomia, o que pude comprovar através de levantamento dos catálogos (ver anexo

nº.3) do Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem (CEPEn ) / Associação

Brasileira de Enfermagem (ABEn ) de 1979 à 1999, que me permitiu um

aprofundamento destes assuntos no conjunto da produção científica “stricto sensu” de

enfermagem.

Na busca bibliográfica, foram identificados 27 (vinte e sete) resumos sobre esta

temática dentre as 1847 (um mil, oitocentos e quarenta e sete) dissertações de mestrado

e teses de doutorado editadas no período de duas décadas, com enfoques variados e

análises ora qualitativas ora quantitativas, que conduziram ao descobrimento de novos

caminhos para um pensar e um agir não apenas científicos, mas principalmente

adequados às demandas das mulheres.

Os trabalhos abordaram temas como: as reações apresentadas pelas mulheres

diante do diagnóstico de câncer de mama e as variadas formas de ajustamento à doença

24
utilizadas por elas, a assistência de enfermagem prestada à clientela, o nível de

conhecimento sobre a inspeção física das mamas e esta ação como rotineira ou não na

vida das mulheres, a taxa de mortalidade e os fatores de risco para o câncer de mama,

qualidade de vida e o grau de informação de estudantes de ensino médio sobre esta

doença.

Esta pesquisa permitiu revelar a significativa mudança no panorama da produção

científica de enfermagem na virada das décadas de 80 / 90, um reflexo direto das

medidas de atendimento global a esse grupo populacional. Mostrou também

implicações para um contínuo pesquisar do câncer de mama / mastectomia, abrindo

sempre possibilidades para aperfeiçoamento da assistência numa perspectiva cultural,

social, sexual e de reabilitação.

2.2 Possibilidades terapêuticas do câncer de mama


Programas terapêuticos são determinados fundamentalmente pelo conhecimento

de fatores prognósticos e possibilitam uma modalidade de tratamento com intensidade e

efetividade específicas para cada caso. Abreu e Koifman (2002) enumeram os seguintes

aspectos: tamanho do tumor, condição dos linfonodos axilares, história familiar, grau

histológico, nível sócio-econômico, idade, angiogênese, catepsina D, DNA, p53,

micrometástases, receptores hormonais e c-erbB-2 , como sendo os mais importantes

indicadores possíveis de serem detectados no instante do diagnóstico e que servem

como preditores de sobrevida da paciente.

O tratamento do câncer de mama freqüentemente envolve longo tempo e

procedimentos complexos os quais requerem equipe multidisciplinar capacitada

(radioterapia, quimioterapia, fisioterapia, psicologia, radiologia, anatomia patológica,

assistência social e de enfermagem), além da fundamental atenção holística que a

25
doença exige. Harmer (2000), enfermeira especialista em mama, enfatiza que durante o

tratamento as pacientes deparam-se com inúmeros desafios, tanto física como

emocionalmente, muitos dos quais podem ser amenizados através de técnicas

especializadas. Fatores como as dimensões do tumor, a multicentricidade, o diagnóstico

histopatológico, a proporção entre volume tumoral e o mamário, a presença de tumores

contralaterais, linfonodos regionais acometidos, metástases à distância e idade das

pacientes são importantes e merecem destaque no momento da escolha da terapêutica

mais adequada, pois trata-se de patologia de comportamento heterogêneo com uma

capacidade oscilante para recidivar e responder ao tratamento adjuvante2. Dessa forma,

há que se buscar uma individualização do tumor e da paciente a fim de decidir o melhor

tratamento (CHAVES et al, 1999).

Planejamentos terapêuticos são possíveis de se realizar com apoio no

estadiamento pelo TNM - Classificação Internacional de Tumores da União

Internacional Contra o Câncer (UICC) - que classifica a doença com base nas

características do tumor, disseminação locorregional e sistêmica com finalidade de

agrupá-los em semelhança e conseqüentemente alcançar prognósticos parecidos e

passíveis de uma mesma conduta. Esta classificação onde o T corresponde ao tumor

primário, N aos linfonodos axilares homolaterais e M às metástases à distância, define

quatro grupos importantes: doença “inicial” com linfonodos negativos, doença “inicial”

com linfonodos positivos, doença avançada locorregionalmente e doença disseminada.

Cabe lembrar que há situações em que não é possível saber a classificação da lesão,

2
Tratamento adjuvante (quimioterapia, hormonioterapia e radioterapia adjuvantes) é um tratamento
antineoplásico sistêmico que é iniciado logo após o tratamento primário, cirurgia, e que tem por
finalidade destruir os possíveis focos de micrometástases existentes e não detectáveis pelos atuais
métodos diagnósticos.

26
dificultando o estadiamento. Para cumprir essa etapa, submete-se a mulher à rigorosa

avaliação mediante:

9 Anamnese;

9 Exame clínico: mensuração do tumor primário, avaliação da pele, relação do

tumor com o músculo peitoral e gradil costal, inspeção da axila homolateral

(linfonodos e características), mama e axila contralateral, assim como pesquisa

de sinais clínicos de comprometimento pulmonar, ósseo e hepático;

9 Mamografia: pode detectar câncer de mama contralateral e focos de doença

multicêntrica na mesma mama;

9 Exames de sangue (fosfatase alcalina): bom indicador de metástases hepáticas;

9 Avaliação pulmonar (radiografia): a pesquisa de metástase torácica pode detectar

doença no parênquima pulmonar (nodular ou difusa), pleural ou mediastinal. O

Rx simples de tórax é eficaz para metástase em 80% dos casos;

9 Avaliação óssea (cintilografia): a presença de metástase óssea à apresentação não

é comum e depende exatamente do quanto é avançada a doença locorregional. O

melhor exame para detecção de metástase óssea é a cintilografia. Seu resultado

positivo em pacientes mais idosas e assintomáticas pode sugerir doenças

degenerativas;

9 Avaliação hepática (ultra-som): a indicação deste exame é questionável, porém

uma positividade superior a 3% altera a conduta sobremaneira (CHAVES et al.,

1999).

27
Tratamento Cirúrgico

A mulher que desenvolvia neoplasia maligna de mama até meados do século

XVIII tinha pouco tempo de vida, pois a hemorragia durante a retirada do tumor e a

infecção posterior ao procedimento desprovido de maiores cuidados de anti-sepsia,

dificultavam a recuperação da paciente (CHAVES et al., 1999).

Historicamente, a mastectomia tem sido o tratamento de escolha para o


câncer de mama. Os linfonodos supostamente deveriam atuar como filtros,
sendo que a disseminação secundária ocorreria apenas quando sua capacidade
fosse exaurida. Portanto, parecia lógico realizar cirurgias mais extensas numa
tentativa de ir além das bordas do tumor. Esse dogma, baseado nos estudos
de Hardley, prevaleceu durante 100 anos e foi defendido por Halsted, cujo
nome ainda está ligado a uma mastectomia radical. Na década de 20 do
século passado, alguns cirurgiões americanos chegaram a realizar amputações
maiores numa tentativa de remover a doença (DIXON e SAINSBURY, 2001,
p. 134).

A escolha pela técnica cirúrgica vai depender do estadiamento, que estabelece se

o tumor é ou não operável. As mastectomias variam tecnicamente e são nomeadas de

acordo com seus precursores, a saber: à Halsted, do tipo radical convencional, com

ressecção da pele, glândula mamária, músculos peitoral grande e pequeno e linfonodos

axilares; à Patey, do tipo radical modificada, com a mesma descrição anterior porém

preservando o peitoral maior; e à Madden, também do tipo radical modificada, porém

com exerese de pele, glândula e linfonodos com preservação dos dois músculos

peitorais. Com o intuito de empregar um tratamento cirúrgico menos traumático para a

mulher no que tange à parte física e psicológica, sem haver comprometimento do

prognóstico, a escolha pela cirurgia conservadora vem sendo feita com freqüência em

detrimento da abordagem radical.

Atualmente, a reconstrução imediata da mama vem sendo utilizada em larga

escala sobretudo pela considerável redução do impacto psicológico causado pela doença

28
e pela mastectomia. Também, ameniza o sentimento de mutilação, de depressão e de

diminuição da feminilidade. Do ponto de vista técnico, o resultado estético é superior ao

da reconstrução tardia, pois preserva tecido e deixa discreta cicatriz. Sem falar nas

vantagens de se realizar dois procedimentos no mesmo tempo cirúrgico, poupando

sobremaneira a paciente. O início da terapia adjuvante em nada fica comprometida

(HULTMAN e BOTSWICK, 2001).

Os tratamentos conservadores têm demonstrado um controle locorregional da

doença com preservação da mama, ao passo que as chances de metástases à distância

não diminuíram com as intervenções mutilantes. Essas cirurgias se limitam ao

tegumento cutâneo que circunda o tumor, à parte da glândula mamária correspondente

com margem de segurança de ± 2 cm, podendo estar ou não associadas ao esvaziamento

axilar, sendo melhores os resultados estéticos e funcionais. Porém, há que se observar a

necessidade de rigoroso acompanhamento periódico uma vez que o risco de recidiva

local é maior. Hoje sabe-se que a abordagem cirúrgica da mama apenas oferece

controle local do tumor, sendo a metástase a causa maior de insucesso no tratamento.

Vale ressaltar que a doença é sistêmica apesar de aparentar sítio único, o que torna

necessário alguma medida de alcance sistêmico que, somada à cirurgia, diminui a taxa

de mortalidade (CHAVES et al., 1999).

Contribuindo para redução da morbidade cirúrgica e melhora da qualidade de

vida, o estudo do linfonodo sentinela (LS) vem alimentando esperanças de um fator

prognóstico bastante seguro no estadiamento axilar, o que garantiria o melhor manuseio

desta região. O LS corresponde ao primeiro linfonodo que drena o tumor mamário e sua

biópsia permite o exame histopatológico revelar se possui células metastáticas ou não.

O caso positivo para malignidade é tido como um bom indicador para se proceder o

esvaziamento axilar e um marcador para controle da doença não mais na fase inicial. A

29
negatividade do resultado aponta para raras chances de que o câncer tenha atingido

outros linfonodos distais ao LS e indica, provavelmente, o confinamento do tumor

(URBAN et al., 2001). Assim, a cadeia axilar é mantida, o que reduz sobremaneira a

seqüela cirúrgica (linfedema).

Tratamento Radioterápico

A radioterapia vem sendo empregada em conjunto com a cirurgia desde o início

do século passado. Era a primeira opção de tratamento para as lesões inoperáveis como

radioterapia radical, ou de forma pré-operatória com objetivo de contê-las (lesões) a

ponto de serem ressecáveis. Em seguida, teve seu uso estendido como rotina pós-

operatória, ou seja, como tratamento adjuvante para reduzir recidivas locais, e ainda

como tratamento paliativo nas metástases, conferindo controle do quadro álgico,

hemorrágico e rápido restabelecimento da função dos órgãos acometidos, e melhorando

a qualidade de vida das pacientes. Quanto aos efeitos colaterais, estes podem ser

divididos em gerais com manifestação de adinamia e leve hiporexia; e locais com

apresentação de hiperemia, epitelite seca, epitelite úmida e hipersensibilidade dos

tecidos irradiados. As mulheres submetidas à irradiação não são proibidas de quaisquer

atividades rotineiras, inclusive as físicas, tampouco sofrem restrições alimentares

(CHAVES et al., 1999).

Tratamento de Ação Sistêmica

Estando caracterizada como doença ainda localizada ou já disseminada, o câncer

de mama requer um tratamento de ação sistêmica com efeitos curativos para o primeiro

caso e efeitos paliativos para o segundo caso. De acordo com Chaves et al. (1999), uma

30
divisão didática pode ser feita a fim de facilitar o entendimento das propostas do

tratamento sistêmico, a saber:

1) Tratamento da doença dita como “inicial”: inclui pacientes com doença restrita à

mama, com ou sem acometimento dos linfonodos axilares, e cujo risco de

recidiva nos 10 anos subseqüentes à cirurgia é maior do que 20-30%.

2) Tratamento da doença dita como “avançada locorregionalmente”: inclui

pacientes nos quais o tumor primário é grande, geralmente T4 (qualquer

tamanho de tumor com extensão direta para parede torácica ou pele), e/ou há

linfadenomegalia axilar maciça. Quando indicado a quimioterapia, ela é

chamada de neo-adjuvante3.

3) Doença “disseminada”: pacientes com metástase à distância, nos quais não é

possível um tratamento locorregional isolado.

O tratamento de doença inicial busca o aumento de sobrevida da paciente

mediante ataque aos microfocos da doença que podem já estar instalados instalados

antes da intervenção locorregional, ou seja, cirurgia. A presença ou não de

comprometimento homolateral de linfonodos axilares constitui o mais significativo fator

prognóstico no câncer mamário operável e por essa razão determina condutas distintas,

podendo ser recomendado o uso de quimioterápicos, hormônios ou a associação de

ambos. Sabe-se que a presença de metástase axilar homolateral indica uma possibilidade

de recidiva de 50% em 10 anos.

3
Quimioterapia neo-adjuvante tem a sua indicação na redução do volume tumoral antes da cirurgia ou
radioterapia e possibilita, nos casos de resposta favorável, uma abordagem cirúrgica com maiores
possibilidades de controle locorregional da doença.

31
Quanto à caracterização doença avançada locorregionalmente, existem

controvérsias na elaboração do próprio conceito; porém, há consenso em considerar

desde os tumores facilmente operáveis até os totalmente irressecáveis.

A prescrição concomitante de quimioterapia e/ou hormonioterapia com radioterapia,

com ou sem cirurgia, poderá levar à remissão macroscópica total ao final do tratamento

de alguns destes tumores. Quanto ao tumor inflamatório de mama, este tipo especial de

câncer exige estudo detalhado para indicar a melhor conduta.

Quando o assunto é tratamento sistêmico da doença disseminada, um dado

importante é que a hormonioterapia deve ser a primeira opção, sempre que viável, por

oferecer menor toxicidade, começando seu uso pelo tamoxifeno. É o principal agente

utilizado em caso de doença avançada, sendo sua toxicidade baixa e de pequena

intensidade. São descritos fogachos (10%), náuseas (10%), aumento de peso,

metrorragia, rash cutâneo, edema, leucopenia, tromboflebite (< 3%), distúrbios oculares

(< 1%), trombocitopenia, aumento dos sintomas da doença com o início do tratamento

e hipercalcemia (< 5%). A quimioterapia cabe aos casos de doença agressiva com

mau prognóstico, como aqueles com metástases múltiplas, tumor de crescimento rápido,

perda de peso e anemia.

A antraciclina tem sido a droga de eleição de acordo com o protocolo de

quimioterapia / 2002 da Oncologia Clínica do Hospital de Câncer III do Rio de Janeiro.

Segundo Camargo (2000), os efeitos colaterais habitualmente observados nas mulheres

em tratamento quimioterápico para câncer de mama são a fadiga, a náusea, a estomatite

e a alopécia.

Um tema recente e de ordem prática, não definido ainda, fala a respeito da

seqüência ideal de aplicação de radioterapia e quimioterapia. Vem ganhando adeptos o

uso combinado de ambas por causa do efeito potencializador de algumas drogas em

32
relação à radioterapia, mas não é o observado nos casos do câncer mamário. Em estudo

conduzido por Faria et al. (2001) é sugerido a combinação das terapias para não atrasar

o controle sistêmico, a cargo da quimioterapia, e o controle local, com mais eficácia a

cargo da radioterapia.

2.3 Sexualidade humana e a representação do seio


O tema da sexualidade humana impõe que se analise papéis sociais e de gênero,

e a questão do câncer de mama expõe o simbólico. Este conhecimento já dado sustenta a

presente proposta como solo de tradição, a partir do qual busquei traçar caminhos para

alcançar neste estudo o objetivo anteriormente apresentado.

Numa retrospectiva, sabe-se que, desde os primórdios, o homem exibia

dominação e poder por apresentar porte e força física que a mulher não possuía,

constituindo uma desigualdade entre as pessoas. O homem corajoso e habilidoso era

apreciado pela mulher e a alimentava e protegia; a ele interessava a sobrevivência

própria e da espécie. Nos dias de hoje pode-se dizer que os conflitos interpessoais entre

homens e mulheres tenham aí suas raízes, pois ainda se percebe, em alguns casais, a

obrigação masculina em mostrar desempenho e a tendência da mulher de trocar sexo

por favores, proteção ou dádivas (SILVA, 2000).

Assim, entende-se a sexualidade sendo vivida no patriarcado emergente de

forma unilateral: a noção do poder por parte do homem traz consigo a apropriação da

mulher e de sua sexualidade. Surge aí a monogamia de mão única: “à mulher era

permitido ter apenas um homem, mas a este era dado possuir várias mulheres” (ibid., p.

52).

O mesmo autor diz que a figura feminina é sufocada pela sociedade patriarcal.

Esse domínio se estende entre os próprios homens que antes viviam em tolerância

33
recíproca e agora competem entre si, brigam pela terra, pelo poder e pelas mulheres. A

finalidade da vida da mulher dentro do patriarcado é servir ao homem e a do homem ao

trabalho.

A civilização ocidental é marcada na idade média pela mensagem de condenação

à mulher e ao sexo, ratificada ainda mais pela doutrina da Igreja Católica que culpava

Eva de ter conduzido Adão ao pecado e à expulsão do paraíso, responsabilizando-a por

todas as desgraças do mundo.

Segundo Foucault (1985), filósofo do séc. XX estudioso das questões de poder e

gênero numa abordagem arqueológica, a sexualidade ainda era tratada com certa

franqueza até o início do século XVII. Vigoravam gestos diretos, discursos sem

vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças

astutas vagando, sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos. O que se

dizia, então, era que os corpos pavoneavam4 livremente. As práticas sexuais não

procuravam segredo.

Este autor analisa em seus estudos que o movimento de Repressão Sexual, que tem sua

origem a partir do já mencionado séc. XVII, surge com o desenvolvimento do

capitalismo, após centenas de anos de arejamento e livre expressão dos comportamentos

sexuais.

A rigorosa repressão às práticas sexuais e ao sexo pode ser entendida pelo fato

de que as mesmas eram consideradas

incompatíveis com uma colocação no trabalho, geral e intensa; na época em


que se explora sistematicamente a força de trabalho, poder-se-ia tolerar que
ela fosse dissipar-se nos prazeres, salvo naqueles, reduzidos ao mínimo, que
lhe permitem reproduzir-se (FOUCAULT, 1985, p .11).

4
Do verbo pavonear: mostrar, exibir, com vaidade.

34
Ainda o mesmo autor refere que foi com esse pensamento defendido fortemente

pela burguesia que as diferentes expressões da sexualidade gradativamente foram

atenuadas. A união entre homem e mulher objetivava unicamente a reprodução da

espécie. Nesse sentido, “o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das

palavras limpa os discursos” (Ibid., p. 10).

Atos, diálogos, conversas, enfim, qualquer investida que ousasse contestar essa

onda de aparente moralização, que na verdade ocultava a busca pelo poder, era

considerada anormal e passível de sanções. Ao mesmo tempo, esse caminhar na contra-

mão reforçava o movimento de dominação. Segue-se um longo período de proibição ao

sexo, em que o “simples fato de falar dele e de sua repressão [representava] como que

um ar de transgressão deliberada” (Ibid., p. 12).

A associação do sexo ao pecado reflete-se até hoje na vida de algumas pessoas.

Este estudioso ainda ressalta que

é de se esperar, portanto, que os efeitos de liberação a respeito de poder


repressivo demorem a se manifestar; o fato de se falar do sexo livremente e
aceitá-lo em sua realidade é tão estranho à linguagem direta de toda uma
história, hoje milenar e, além disso, é tão hostil aos mecanismos intrínsecos
do poder, que isto não pode senão marcar passo por muito tempo antes de
realizar a contento a sua tarefa (Ibid., p. 15).

Assim, entende-se que diante dos inúmeros acontecimentos que tomaram lugar

na história do mundo ocidental e das sociedades capitalistas, a sexualidade teve seu

curso marcado por momentos de extrema polaridade: houve época em que sua prática

era livre, sem pudores, outra em que se recolhia ao único lugar da casa

reconhecidamente fecundo, o quarto dos pais; houve época em que os padres católicos

35
possuíam esposas e constituíam famílias, outra em que as mulheres eram perseguidas e

queimadas em fogueiras.

Esses fatos e tantos outros que com certeza se perderam no tempo podem

parcialmente explicar a associação das questões referentes ao sexo com o pecado e seus

efeitos maléficos que refletem até hoje na vida das pessoas: homens e mulheres.

A moral e a repressão, às quais foram submetidas a sociedade ocidental,


sejam por motivos religiosos, políticos, econômicos ou qualquer outro, fazem
com que a sexualidade, embora tenha sempre estado presente nas relações
entre os seres humanos, mesmo de um modo não consciente, continue ainda
hoje, muito velada (Bruns et al. apud JESUS, 2000, p. 48).

Ao longo desse complexo processo, se identificam barreiras na própria

abordagem do tema e a conscientização não da real incapacidade, mas de grandes

dificuldades em tratar do assunto, seja por falta de conhecimento, forma de expressão

ou timidez.

Não se pode deixar de considerar a força milenar da repressão à sexualidade


humana, interferindo no comportamento das pessoas [...] e, ainda hoje,
desencadeando uma luta interior entre os preconceitos herdados de seus
antepassados e a perspectiva de viver a sexualidade plenamente, sem
sentimento de culpa ou medo (JESUS, 2000, p. 51).

Após a leitura dos resumos publicados nos catálogos do CEPEn, constatei que a

produção científica de enfermagem tende a ampliar e aprofundar conhecimentos sobre

sexualidade humana, buscando dotar o enfermeiro de ampla visão sobre questões

sexuais numa perspectiva de assistir integralmente a cliente.

Estudos amplos sobre sexualidade humana na Idade Antiga identificam

momentos de grande veneração do seio como símbolo da feminilidade e maternidade.

36
Era enaltecido em rituais de culto à fertilidade, pois a mulher tinha a capacidade de

alimentar sua prole, inclusive em épocas de fome (YALOM, 1997). Era considerado a

representação maior na sexualidade feminina. Ao que parece, a mulher tinha o poder

não em suas mãos, mas em seus seios.

De acordo com esta autora, um toque maternal e sagrado foi dado a essa parte

proeminente da silhueta feminina na Idade Média. A moralidade imposta pela Igreja

determinava à mulher o duplo papel de esposa fiel e mãe zelosa. O leite materno

transmitia a idéia do alimento espiritual à luz da imagem de divindade feminina

representada por Nossa Senhora do Leite.

Já na Idade Moderna, sob influência de idéias renascentistas, a mulher assume

ser dona do seu próprio corpo, começa demonstrar um certo desdém pelo sexo e o seio é

abertamente “denunciado” como símbolo erótico e, sem dúvidas, zona do prazer

masculino (TANNAHILL, 1983).

Essa mesma autora refere ainda que mais recentemente, na Era Contemporânea,

a descoberta da psicanálise, o movimento de liberdade sexual, a Liberação Feminista e

Liberação “Gay” enfraqueceram socialmente o rígido ideal familiar e a sexualidade é

vivida livremente. Tabus e preconceitos perdem força, a livre escolha é uma opção para

todos.

Por fim, o seio pertence a sua única e legítima dona: a mulher. Fazendo agora

uma reflexão sobre tudo que foi exposto e pensando que neste seio é diagnosticado um

nódulo, confirmado câncer, agendada uma mastectomia, percebe-se que ele passará por

médicos e enfermeiros que, mais diretamente, parecem assumir o poder de cuidar da

mama doente e curá-la (talvez).

A técnica cirúrgica a ser utilizada e as formas de tratamento vão conduzir a

mulher daí por diante dentro de um processo de perda gradativa de identidade e de

37
controle sobre o próprio corpo: a nova imagem parece não permitir que se sinta à

vontade. Comumente na prática assistencial não se observa um serviço da rede básica

ou hospitalar que inclua objetivamente discussões sobre tais questões. Suporte físico e

emocional são fundamentais, porém não estão disponíveis em todos os hospitais da rede

pública e privada.

Para compreender como essas mulheres que sofreram amputação da mama

expressam sua sexualidade e para desvelar o sentido que está aí oculto, busco basear-me

em abordagem qualitativa de pesquisa. Penso que a escolha pelo método

fenomenológico permitirá discutir a questão “em si mesma”, ou seja, “naquilo que ela é

e como ela é” (HEIDEGGER, 2001, p. 30).

Apesar de iniciante nas leituras do filósofo, penso que seu método é apropriado

porque dirige-se para a compreensão do homem e o próprio homem está a todo instante

superando seus limites. Sua utilização permitirá uma valiosa interpretação que vai

abordar a mulher contida por uma doença maligna e cirurgia mutilante no cotidiano

ambulatorial.

38
CAPÍTULO III. METODOLOGIA – caminho para uma ontologia

Ontologia: estudo dos entes. É ontológico aquilo que justifica e explica a razão

de ser. Em outras palavras para melhor entender, fazer uma ontologia é esforçar-se para

conhecer aquilo que move o homem, seu pensar, seu fazer, seu agir, enfim seu ser, seu

ofício de existir. Tentar chegar a sua origem? Não exatamente, mas tentar conhecer isso

que o impulsiona, que o faz conhecido onticamente. Isso que é ser. Ao tentar conhecer o

ser, chega-se aos seus vários modos, modos de ser. Seguir este caminho consiste em

ousar um estudo sobre o ser dotado do caráter da pre-sença que, possuidor de estruturas

fundamentais originárias e anteriores às manifestações ônticas, elabora o próprio

questionamento de ser e se move para uma compreensão de seu sentido. Empreender

uma busca ontológica é empenhar-se para alcançar o que está da pre-sença mais

afastado, partindo daquilo que a pre-sença é, mais perto está e tem acesso livre. A

investigação em andamento vai tentar chegar ao ser da mulher mastectomizada que tem

a oportunidade de falar sobre sua sexualidade.

3.1 Fenomenologia como método de investigação

A fenomenologia nasceu no início do século XX a partir de uma atitude

contrária ao que o idealismo e o positivismo defendiam. Naquela época, as correntes de

pensamento lançavam questionamentos sobre a objetividade e racionalidade da ciência,

com isso abalando sua confiança: a Escola de Frankfurt fez crítica severa à atitude

científica, assim como o filósofo e professor Thomas Kuhn, então conhecido como

Filósofo da Ciência. Rotulados com o paradigma qualitativo, os modelos alternativos

ao positivismo ganharam força. Como correntes sucessoras surgem três importantes

enfoques: o pós-positivismo, a teoria-crítica e o construtivismo, no qual se encontra a


fenomenologia. Eles buscam veios para a efetivação de uma ciência mais

comprometida com a transformação social, iniciando uma tradição compreensiva ou

interpretativa em suas buscas (MAZZOTTI, 2001).

Considerado o criador da fenomenologia como abordagem teórica de

investigação, o filósofo e matemático alemão Edmund Husserl (1859-1938)

estabeleceu um método de fundamentação da ciência e da filosofia, sendo sua primeira

grande obra intitulada Investigações Lógicas (1900-1901). Ele se propôs a chegar ao

conhecimento das coisas na sua essência, no em si mesmo dos objetos, que é a origem

das coisas, ou seja, livre de preconceitos e pressupostos interpretativos construídos

a partir das aparências e das manifestações. O tema de Husserl volta às coisas nelas

mesmas traduz a intenção em conhecer o fenômeno tal qual se mostra à consciência,

considerada matriz de significados (CAPALBO, 1994).

A fenomenologia é um método de investigação do concreto e os conceitos


que ela utiliza estão sempre afetados de valor compreensivo [...] define-se
como ciência descritiva, rigorosa, concreta, que mostra o ser nele mesmo
(Ibid., p. 192).

De acordo com a mesma autora, a fenomenologia se baseia na experiência de vida,

e mostra e explicita essa experiência da forma como ela se deu. Então, ao se examinar

um fenômeno mediante suas manifestações, percebe-se que ele não pode ser

generalizado, não pode se transformar em regra geral, sendo único para cada indivíduo.

Entretanto, sua essência que é a coisa em si mesma, desvelada em suas facetas de

maneira ciente e persistente, é conhecimento generalizável, é saber.

Vários foram os filósofos seguidores desta linha de pensamento, em especial os

ligados ao existencialismo. A exemplo, o austríaco Alfred Schultz (1899-1959)

desenvolveu as bases fenomenológicas das ciências sociais e construiu sua sociologia

fenomenológica a fim de explicar a estrutura significativa do mundo social, ou seja, o

40
conjunto dos significados subjetivos que constituem esse mundo. O francês Merleau

Ponty (1908-1961) desenvolveu a fenomenologia da percepção e elucidou a relação

originária do homem com o mundo, levando em conta a psicologia, psicanálise e a

lingüística. O alemão Martin Heidegger (1989-1976) utilizou a fenomenologia para

estudar a essência do ser, a temporalidade e o sujeito sempre em um contexto

(JAPIASSU e MARCONDES, 1989).

Há questões inerentes à existência humana que merecem compreensão, não

podem ser estudadas simplesmente como fatos; elas possuem grande importância,

como o amor, medo etc. Não podem ser analisadas como simples reações. Merecem

um tratamento do tipo holístico, que agrada e valoriza o enfoque das ciências humanas,

já insatisfeitas com a abordagem metodológica das ciências naturais (LOPES et al.,

1995).

Com a crescente utilização em pesquisas na área de saúde, a fenomenologia não

se constitui, conforme a tradição do pensamento ocidental, em conhecimento

científico. Todavia o acompanha lado a lado, contribuindo para identificar

originariamente as pessoas, desvendar o sentido do ser e suas estruturas fundamentais.

É, pois, um saber paralelo ao científico e que o complementa (SOUZA, 1993).

As pesquisas de enfermagem sob o método fenomenológico conduzem à

compreensão do humano de quem cuidamos, o sujeito de nossas ações: o homem

vivendo um fenômeno específico na totalidade de sua existência. A enfermeira Magali

Boemer é a autora do primeiro trabalho acadêmico com base fenomenológica. Sua tese

de doutorado sobre a morte e o morrer data da década de 80, tendo sido defendida na

Universidade de São Paulo. Em relação à Escola de Enfermagem Anna Nery no período

de 1993 à 2001, constam 22 estudos sob o método heideggeriano e 8 sob o método de

Schultz e Merleau Ponty.

41
O presente estudo será conduzido na linha fenomenológica e nesta abordagem

qualitativa da realidade apreende-se fatos, fenômenos e vivências à medida que o ser

humano é o protagonista da experiência vivida e seus sentimentos, comportamentos,

emoções, atitudes e opiniões, por ele significado, são valorizados e compreendidos.

Considera-se adequado e pertinente o desenvolvimento de estudos qualitativos

em investigações cujo foco (objeto de estudo) não é bem conhecido (SERAPIONI,

2000). Busca-se, então, aprofundar seu conhecimento, apontar significados de

problemas humanos particulares ou específicos de grupos e assim alcançar, descortinar,

trazer à luz seu sentido que está oculto na fala, no gesto e na ação das pessoas. A

natureza compreensiva deste tipo de pesquisa busca mergulhar no mundo da

subjetividade, ir até o EU interior e seguir intimamente por caminhos ora da razão, ora

da emoção posto que somos um misto destes dois momentos, oscilamos entre um e

outro, e vivemos assim continuadamente.

Entende-se, a partir de uma leitura filosófica do cotidiano, que vivemos papéis

variados no dia-a-dia, somos atores desempenhando atos sucessivos como numa peça

teatral. Somos levados a fazer o que a vida cotidiana nos impõe, muitas vezes somos o

que os outros querem, poucas vezes somos o que queremos. Hessen (1987) comenta que

somos sujeitos de propriedades e agimos em função de determinadas causas.

Percebendo o caos em que o ser humano está imerso e, imaginando a dificuldade

de separá-lo disso tudo para conhecê-lo melhor, para sabê-lo como ele mesmo, sigo,

neste estudo de natureza qualitativa e de abordagem fenomenológica, por um caminho

que minimiza pressupostos e preconceitos. Caminho este que busca mostrar o ser em si

mesmo, partindo de “como ele é antes de tudo e na maioria das vezes” (HEIDEGGER,

2001, p. 44).

42
3.2 O método em Martin Heidegger

Renomado filósofo alemão, Heidegger dedicou seus estudos à fenomenologia e

desenvolveu método próprio de análise e interpretação que destaca esta filosofia na

busca de conhecer os entes dotados do ser da presença, compreendendo seu sentido

mediante seus modos de ser. Para ele, a questão do ser é tida como privilegiada, como a

mais importante que precisa ser desvendada, sendo esta a proposta de sua obra máxima.

Ser e Tempo, publicado pela primeira vez em 1927, com texto complexo e rico de

expressões peculiares, conduz o leitor a um esforço de pensamento, um exercício mental

que o homem do ocidente desabituou a praticar. Assim, mediante a análise e reflexão

sobre questões que parecem, a princípio, abstratas, o pensamento heideggeriano mostra

que estas questões são constitutivas do ser.

Neste livro faz a demonstração etimológica da palavra fenomenologia. A mesma

compõe-se de dois termos gregos: fenômeno e logos, que corresponde à ciência dos

fenômenos. E o que significa fenômeno? Este possui um significado amplo e abrangente

que reúne “a totalidade do que está à luz do dia ou se pode por à luz”, ou seja, fenômeno

é “tudo aquilo que se revela e que se mostra em si mesmo” (HEIDEGGER, 2001, p. 58).

E logos deve ser apreendido como o discurso que traduz, que diz, que interpreta, que

esclarece. Da união dos étimos tem-se fenomenologia como o estudar mediante o

discurso o que se mostra a partir de si mesmo.

Através da fenomenologia é possível “deixar e fazer ver por si mesmo aquilo

que se mostra, tal como se mostra a partir de si mesmo” (Ibid., p. 65). É uma

investigação que opera no campo da realidade, busca compreendê-la e interpretá-la.

Traz à tona o que não está à mostra, o que não aparece diretamente, o que está

encoberto, revela o sentido ou a direção do ser. Compreende método e teoria. Assim, a

trajetória metódica da hermenêutica conduz ao desvelamento do sentido velado pelos

43
significados verbalizados, expressados e manifestos. O método consiste em investigar

com interesse, ou seja, cientemente (nas palavras de Heidegger), seguindo os passos

que: interroga o ente, questiona o ser e procura o sentido do ser. E o pensamento teórico

é a interpretação, isto é, a hermenêutica que permite desvelar o sentido do ser (Ibid.).

A Ontologia Fundamental por ele proposta é o caminhar que nos põe na busca

de recuperar o esquecido, de enxergar novamente o simples, aquilo que a coisa é em si

mesma, que em nossa época se tornou uma das tarefas mais difíceis por causa do

impacto provocado pelo cientificismo e pelo universo tecnológico. Para ele, ser é a

maneira como algo se torna presente, manifesto, entendido, percebido, compreendido e

finalmente conhecido para o ser humano, para o “ser-aí” ou “dasein”. Nessa proposta

de ontologia, o filósofo guarda a importantíssima possibilidade do não como

indispensável ao viver humano, não tendo a ver com o aniquilamento, o vazio

(HEIDEGGER, 2001).

É que o homem só se realiza na presença. Presença é uma abertura que se


fecha e, ao se fechar, abre-se para a identidade e diferença na medida e toda
vez que o homem se conquista e assume o ofício de ser, quer num encontro,
quer num desencontro, com tudo que ele é e não é, que tem e não tem. É esta
presença que joga originariamente nosso ser no mundo. Mas ser-no-mundo
não quer dizer que o homem se acha no meio da natureza, ao lado de árvores,
animais, coisas e outros homens. Ser-no-mundo não é nem um fato nem uma
necessidade no nível dos fatos. Ser-no-mundo é uma estrutura de realização
(Leão in HEIDEGGER, 2001, p. 20).

No trecho a seguir, Heidegger traz o conceito de ente e de ser:

Chamamos de ente muitas coisas e em sentidos diversos. Ente é tudo de que


falamos, tudo que entendemos, com que nos comportamos dessa ou daquela
maneira, ente é também o que e como nós mesmos somos. Ser está naquilo
que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado (Ibdi., p. 32).

44
São três as dimensões trabalhadas: cotidiano, angústia e morte. O cotidiano é

como nós somos antes de tudo e na maioria das vezes. Angústia é o estado em que

existe a ameaça de algo indefinido, o mundo mostra-se sem envolvimento, sem

significação. Reduz o homem ao seu nu e cru, o conduz à liberdade de escolher a si

mesmo. Achamos tudo estranho. É o encontro do ser com ele mesmo. Aqui surge a

compreensão de conceitos como projeto, possibilidade e propriedade para apreender o

estar-lançado para a morte. O homem existe para morrer. E a morte surge como a

possibilidade da impossibilidade absoluta da pre-sença. A morte, para a pre-sença, é a

possibilidade ontológica mais própria, irremissível e insuperável. A morte é absoluta,

soberana e invencível.

Fazer uma investigação com mulheres mastectomizadas e compreender, a partir

delas mesmas, como expressam sua sexualidade foi possível através deste método que

explora a vida cotidiana e os fenômenos que a integram e constituem. Trabalhar nesta

linha filosófica permitiu-me, como pesquisadora, aproximar-me do sujeito e de seu

mundo. Foi como usar uma espécie de lente de aumento que permitiu ir além, enxergar

coisas pouco nítidas pela distância em que se encontravam, por estarem tão interiores ao

ser, por tanto se ocultarem na impessoalidade ou até mesmo permanecerem escondidas,

veladas. Foi tentar resgatar algo que parece estar perdido. Foi buscar a essência do

homem no seu vivido e, a partir das suas significações, compreender o sentido do ser do

humano. Para Heidegger (2001, p. 77) “o ente que temos a tarefa de analisar somos nós

mesmos”.

Propondo o método fenomenológico heideggeriano para este estudo, entendo

que foi possível apreender o sentido das expressões de sexualidade na vivência

cotidiana das mulheres portadoras de câncer de mama após a mastectomia.

45
CAPÍTULO IV. TRAJETÓRIA DO ESTUDO

4.1 Cenário
Ainda na fase de defesa de projeto, enquanto aguardava apreciação pelo comitê de ética

do meu pedido de autorização para realizar a pesquisa, tinha a intenção de realizar a

investigação nas duas instituições onde trabalho. Infelizmente, não obtive parecer

favorável por parte da instituição militar, recebendo a justificativa de que o assunto

sexualidade era delicado para ser tratado. Então percebi que a recusa de minha pesquisa

confirmava que o tema ainda causava espanto e era cercado de mistérios.

Em 08/07/2002 foi analisado e aprovado o projeto pelo Comitê de Ética

em Pesquisa em Seres Humanos do Hospital dos Servidores do Estado (HSE), sendo

considerado como de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde

(CNS) / Ministério da Saúde (MS) e com as boas práticas da ética na pesquisa (anexo

nº. 1). Ainda em respeito ao aspecto ético, foi garantido o anonimato das depoentes

segundo a resolução supra citada. Como encontrado em Tavares (1998), esta dispõe de

forma ampla sobre as Normas de Pesquisa em Saúde com aplicação em todo território

brasileiro e discorre sobre os aspectos éticos que devem ser observados quando há seres

humanos envolvidos e o respeito à dignidade humana na forma de consentimento livre e

esclarecido (anexo nº 2 ).

Assim, o ambulatório de ginecologia que inclui o de mama, do HSE, com

o qual mantenho vínculo empregatício há 18 anos, foi o local escolhido para cenário

desta investigação, o que facilitou minha aproximação à clientela. Apesar de trabalhar

na enfermaria cirúrgica prestando cuidados às mulheres em pré e pós-operatório de

enfermidades ginecológicas, inclusive de base oncológica, optei por realizar nossos

encontros naquele setor porque teria fácil acesso às pacientes mastectomizadas em

controle para o câncer de mama.


O ambulatório de mama funciona às 2as e 4as feiras de 07:00 às 12:00 no 3o andar do

prédio específico e nesses horários foi possível entrevistar mulheres mastectomizadas

que vieram para consulta médica no período compreendido entre 14/10/2002 (data do

primeiro encontro) e 12/03/2003 quando encerrei 15 (quinze) encontros. Não havendo

sala exclusiva de uso pela enfermagem, foi utilizado o consultório médico que estivesse

desocupado até o momento da chegada do mastologista para iniciar os atendimentos.

Por isso algumas entrevistas iniciaram na sala 317 e terminaram na 321, ou até mesmo

no final do corredor de circulação interna para uso exclusivo dos funcionários.

4.2 Obtenção dos depoimentos

Seguindo os passos do método em Heidegger, entre os meses de maio e junho de 2002,

aproximei-me de sete sujeitos da pesquisa (mulheres mastectomizadas) nos dois

cenários com o propósito de cumprir a etapa de ambientação, a qual serviu de apoio

para a delimitação do objeto de estudo e também para minha iniciação no processo de

aproximação dos sujeitos. Neste movimento, de ambientação, necessário à investigação

fenomenológica, foi possível obter depoimentos mediante o exercício da relação

empática no cotidiano assistencial e da difícil tarefa de redução de pressupostos. De

modo geral, o que pude apreender do breve contato com essas mulheres, foi a presteza

com que forneceram as informações e a necessidade que tinham de falar. Eu não

estabeleci um tempo para nossa conversa, mas se tivesse feito certamente teria

dificuldades para cumprí-lo. Deram-me a impressão que gostariam de falar por muito

tempo.

Já na fase de campo e iniciando a coleta de dados, nosso diálogo era precedido

por uma breve apresentação de minha parte, do intuito daquele encontro, seguido do

pedido de autorização para a entrevista ser gravada. Obtendo sua resposta positiva, meu

47
ponto de partida consistia em perguntar: como a sra. se sente depois da mastectomia?

E então direcionar para a questão: como a sra. se sente sexualmente depois da

mastectomia? Quando houve repetição de informações, os depoimentos somavam um

total de quinze e apresentavam um volume considerável de significados para serem

analisados. Os mesmos foram transcritos integralmente e estão apresentados em ordem

numérica conforme a seqüência em que ocorreram.

Nossos encontros não foram cronometrados. Ocorreram descontraidamente e

deram espaço para que a mulher falasse um pouco de si antes que a questão fosse

lançada e a gravação iniciada. Dessa forma, senti necessidade de elaborar um diário de

campo onde registrava, tão logo fosse possível, informações sobre cada uma delas e até

mesmo impressões que não eram captadas na fala, porém foram vistas e sentidas por

mim. Utilizando-me dessa sutil observação, percebi que poderia construir uma síntese

sobre cada mulher de modo a mantê-la sempre viva em minha mente. Foi uma forma de

otimizar minha aproximação a ela. Essa manobra teve tanto êxito a ponto de não

conseguir me desvencilhar de seus nomes, sendo preciso usar suas iniciais para

resguardar suas identidades.

As quinze entrevistas são apresentadas em anexo ao final deste estudo.

48
CAPÍTULO V. EM BUSCA DA COMPREENSÃO POSSÍVEL

5.1 As depoentes. Desvelando o quem.

Após leituras seqüenciais dos quinze depoimentos transcritos, foi possível

extrair as falas principais que as mulheres mastectomizadas relataram para mim, num

momento que considerei reservado, íntimo e até mesmo único de nossas vidas. Acredito

que para elas a oportunidade de falar sobre um assunto pouco abordado em consultas

rotineiras de um ambulatório tão concorrido, caracterizado por rápidos atendimentos

diante da grande demanda, tenha propiciado a chance de dar voz a sentimentos,

sensações, segredos talvez, a respeito delas mesmas. E para mim, não tenho dúvidas de

que fui a mais beneficiada de todas já que, mesmo ao ouví-las atentamente, muitas

vezes não fui feliz em minhas colocações ou não correspondi as suas expectativas. No

entanto, fui autorizada por elas a utilizar suas falas para desenvolver esta investigação.

Oxalá espero que durante os minutos que estive com cada uma dessas guerreiras

amazonas, possa eu ter sido capaz de oferecer alguma contribuição, que mesmo mínima,

já me conforta.

Assim, a mulher com diagnóstico de câncer de mama submetida à mastectomia

radical expressou sua sexualidade de maneiras variadas, falando diretamente ou não, a

medida que relatava sua história. Na tentativa de estabelecer uma aproximação e

compreensão destas mulheres, fui em busca do quem, ou seja, quem são elas. Podiam

ser brancas ou negras, empregadas ou desempregadas, letradas ou não, solteiras,

casadas, desquitadas ou viúvas. Precisei conhecê-las não através desses dados e sim

além deles, para alcançar o que falavam. Concluí este estudo acreditando que a medida

que compreendemos, tornamo-nos mais humanos. E humanizados cuidamos melhor.

A seguir, apresento em forma de esquema dois quadros sinópticos com dados

sobre as depoentes, assim como uma síntese que mostra um pouco do quem de cada
uma. Acredito que o formato destas composições vai contribuir para a orientação do

leitor. O quadro 4 expõe a caracterização da clientela entrevistada quanto à atividade

sexual antes e após a cirurgia. Foi possível extrair essa informação através dos relatos

sem que fosse formulada pergunta específica, dando a impressão de se ter alcançado

muito com um contato tão breve.

Como foi dito anteriormente, as depoentes foram identificadas por meio de uma

ou duas iniciais do nome seguida do número da entrevista. Vale ressaltar que o hoje

equivale ao dia em que se deu cada encontro.

QUADRO 4

I 1 I 4 L 6 MH 7 D 9
Mantêm relação sexual até hoje M10 B 12 MT 13
MG 15

Tiveram relação sexual após a


Z5 N 11 P 14
cirurgia e hoje não mais

Já não mantinham relação sexual


M 22 I3 R8
antes da cirurgia

50
O quadro 5 resume a idade e estado civil, tempo de cirurgia e data em que foi

realizada a entrevista.

QUADRO 5

INICIAL do
ESTADO TEMPO DE DATA DA
NOME/ Nº da IDADE
ENTREVISTA CIVIL CIRURGIA ENTREVISTA
I1 41 separada 3 anos 14/10/2002

M2 72 viúva 1 semana 14/10/2002

I3 67 solteira 1 ¹/2 ano 22/10/2002

I4 52 casada 2 anos 22/10/2002

Z5 74 casada 30 anos 22/10/2002

L6 60 casada 8 anos 4/11/2002

MH7 43 viúva 1 ano 4/11/2002

R8 83 viúva 3 anos 18/11/2002

D9 / casada 10 anos 15/1/2003

M 10 55 casada 4 anos 15/1/2003

N 11 71 viúva 3 anos 4 meses 26/2/2003

B 12 41 solteira 2 anos 10/3/2003

M T 13 39 casada 1 ano 5 meses 12/3/2003

P 14 71 casada 12 anos 12/3/2003

M G 15 53 casada 3 anos 12/3/2003

51
Uma síntese sobre cada depoente elaborada a partir do diário de campo.

Entrevistada nº 1 / 3 anos de cirurgia

Concedeu a entrevista após sessão de quimioterapia. Contou que vem sentindo

dor nas costas, porém já percebe alguma melhora desde que iniciou esse tratamento.

Expressou sexualidade através de relação sexual que manteve depois que tirou a mama,

dizendo também que não houve problema. Foi casada, sua separação se deu porque ela

e o ex-marido já não vinham se dando bem, alegando não ter sido por causa da

mastectomia.

Entrevistada nº 2 / 1 semana de cirurgia

Foi entrevistada no dia de sua primeira revisão cirúrgica. Segundo ela, o que

vem lhe incomodando é o fato de se sentir ‘muito mole’. Quanto à sexualidade,

respondeu ‘não ter nada disso’, talvez por ser uma senhora de idade e viúva. Deteve-se

a falar do período em que esteve internada, das colegas de enfermaria (forma a que se

referia as outras pacientes). Falou dela a partir dos outros e não dela mesma.

Entrevistada nº 3 / 1 ½ ano de cirurgia

Aos 67 anos permanece solteira e vive só. É aposentada e considera que

aproveitou tudo que pode na vida, sempre alegre e extrovertida. Em entrevista bastante

descontraída, ela expressou sexualidade a partir da libido pois fala da capacidade de

se ‘arrepiar’ e, assim sendo, considera que está ‘tudo em cima’. Às vezes relembra o

passado, época em que viveu muito bem a vida e aproveitou tudo que pode, e ‘começa a

pensar o que não deve’. Resolve suas excitações com tranqüilidade, ou melhor, sem

peso na consciência, sem arrependimento. Ela não viu alteração nenhuma da

52
mastectomia sobre sua sexualidade e até arrisca palpite que não altera em ninguém.

Falou dela mesma o tempo todo.

Entrevistada nº 4 / 2 anos de cirurgia

Aos 52 anos diz em seu relato que ficou arrasada ao confirmar o diagnóstico de

câncer de mama somente na 4ª biópsia a que foi submetida, pois restavam esperanças

de que não estivesse com a doença. Sentiu dificuldade em aceitar seu corpo que não

estava normal, faltava alguma coisa. Tinha vergonha. A mastectomia mexeu muito com

sua cabeça do ponto de vista da sexualidade, não trocava de roupa na frente do marido

e evitava namorar. Ele mostrou ser seu amigo de verdade, inclusive lhe apóia na

decisão de fazer a reconstituição da mama, considerando que trará benefícios para ela.

Hoje, se diz uma mulher vencedora, agradece a Deus pela união de sua família e

considera normal sua vida conjugal.

Entrevistada nº 5 / mastectomia direita há 30 anos

Com seus 74 anos de vida relembra a cirurgia e conta que naquela ocasião

passou dias na cama, chorou muito, porém recebeu ajuda do marido e filhas, sendo este

o melhor remédio. Expressou sexualidade através da manifestação de apoio recebida

do marido, falou nele com carinho e orgulho. Mencionou um recesso na atividade

sexual logo após a cirurgia, voltando ao normal até o adoecimento dele. É uma mulher

ativa, exerce várias atividades no lar e espera que Deus lhe conceda muitos anos pela

frente.

Entrevistada nº 6 / mastectomia direita há 8 anos. Em 09/2002 fez esvaziamento e

congelação à esquerda .

53
Submetida à mastectomia direita em maio de 1994, ela se diz feliz porque está

vivendo cercada por pessoas amigas. Em setembro de 2002 retornou ao HSE para fazer

uma biópsia de mama esquerda e esvaziamento axilar. Fala com orgulho dos filhos, de

seu trabalho como educadora, do zelo com sua casa. Expressou sexualidade mediante

sua disposição para se doar, de sua capacidade de se relacionar tanto no trabalho

como em casa, no cuidado com os filhos, no convívio com os amigos, no lazer, até em

momento de relação mais íntima com seu esposo. Neste encontro, a relação sexual é

considerada normal. Recorda-se com saudades do tempo em que foi Miss de um

município do RJ, muito bonita e paquerada. No entanto, não se revolta nem lamenta

por ter hoje o corpo mutilado. Sente-se amparada pelos anjos e por nós profissionais.

Entrevistada nº 7 / mastectomia há 1 ano

Aos 43 anos de idade vive normalmente e expressa sua sexualidade mediante

atividades rotineiras que não deixou de fazer: dança, bebe, fuma. Teve relação sexual

depois da cirurgia e foi tudo normal. É viúva e mora com seu filho de 23 e sua filha de

18. Está fazendo nova avaliação pois surgiu outro nódulo. Diz que não tem medo de

operar de novo se preciso for, nem medo da morte.

Entrevistada nº 8 / mastectomia esquerda há 3 anos

Reside no Brasil há 49 anos, é viúva e ‘nunca mais teve ninguém por isso não

tem problema nenhum de sexo’. Expressou sexualidade através dos laços afetivos que

unem homem e mulher no início de um relacionamento amoroso, sexo e casamento são

conseqüências naturais. Está sempre pronta para ajudar as pessoas e espera ter muita

vida para viver.

54
Entrevistada nº 9 / mastectomia esquerda há 10 anos

Agora no HSE, está sob investigação devido ao aparecimento de um problema

na outra mama. Em sua curta entrevista, falou do comportamento amoroso e atitude

compreensiva de seu marido depois da mastectomia. Expressou sexualidade mediante a

manutenção de uma vida sexual ativa.

Entrevistada nº 10 / mastectomia há 4 anos

Submetida à mastectomia em 03/1999 no HSE, hoje sente-se bem. Emociona-se

e chora ao fazer o seu relato. Recebeu bastante ajuda da família nesta fase difícil, acha

que sem esse apoio não teria suportado. Expressou sexualidade através da vida sexual

com seu marido que não mudou nada. Apoiada por ele, ela deseja fazer a

reconstituição, porém teme morrer nesta cirurgia. É casada há 33 anos, seu filho de 20

anos está no 3º ano de medicina e sua filha tem 18 anos.

Entrevistada nº 11 / mastectomia há 3a 4m. Reconstituição, necrose, enxerto,

seqüelas

Submetida à mastectomia em 10/1999 no HSE e já tendo feito quadrantectomia

em 1995 em hospital particular, aos 71 anos de idade Da.______ conta que não houve

problema algum durante o período em que esteve hospitalizada e que ainda ajudou as

colegas da enfermaria. Diz que foi tudo uma beleza, que não sofreu nada. Fez

radioterapia como complementação ao tratamento. Entusiasmou-se com a idéia de

fazer a cirurgia plástica reconstrutora dentro de 2 anos. Muito vaidosa, não tirava a

idéia da cabeça. Submetida à reconstituição de mama, passou 25 dias internada porque

55
a ferida cirúrgica evoluiu com necrose, sendo necessária uma enxertia. Arrependeu-se

de ter feito a plástica e questiona sua vaidade extrema a essa altura da vida. Expressou

sexualidade através do cuidado extremo com o corpo e da vontade de se relacionar com

alguém. Chegou a manter relação com o namorado após a mastectomia, mas com

reserva, pois tinha vergonha. Depois da cirurgia plástica que lhe deixou com seqüelas,

não teve mais coragem de expor seu corpo para o outro.

Entrevistada nº 12 / mastectomia esquerda há 2 anos

Após receber a notícia do diagnóstico de câncer de mama avançado aos 39

anos, foi submetida à quimioterapia a fim de reduzir o tumor para, então, fazer a

mastectomia. Prosseguindo, fez nova sessão de quimioterapia, seguida de radioterapia.

Relata que apresentou um ‘probleminha’ e deste foi procedida uma biópsia, que acusou

recidiva do tumor. Em junho/2002 fez novo procedimento cirúrgico (‘retirada de mais

tecido’) no local anteriormente operado e desde então faz uso de medicação oral. Em

longo relato, expressou sexualidade de várias formas: quando falou na dificuldade de

expor o corpo mutilado para os outros (inclusive o companheiro) – precisou de um

tempo; quando falou da intimidade e longa convivência entre ela e o namorado (fixo há

anos) e do seu (dela) sentimento de vergonha e constrangimento quando estão juntos;

quando falou no desejo de fazer a reconstituição da mama, buscando sentir-se melhor;

quando falou da realidade da maternidade negada pela ooforectomia bilateral a que foi

submetida eletivamente para conter o avanço da doença; quando falou do convívio

social diversificado e relacionamentos afetivos com colegas, tocando assim a vida pra

frente; e finalmente quando fala que o relacionamento entre ela e o namorado ficou

estremecido.

56
Entrevistada nº 13 / mastectomia há 1 ano 5 meses

Submetida à mastectomia em 27/09/2001 em outro hospital, ela relata ter

descoberto que estava grávida ao fazer uma ultra-sonografia de rotina, pois

programava-se para fazer a reconstituição da mama. Inicialmente ficou apavorada por

não saber se poderia dar continuidade à gestação. Foi alertada pelos médicos sobre o

risco que a radioterapia poderia causar pois até julho do ano anterior fez esse

tratamento. É casada e tem uma filha de 14 anos que aguarda a chegada da irmazinha

prevista para maio deste ano. Em entrevista envolvente e emocionante, ela manifestou

visivelmente sua sexualidade através do abdomem volumoso com que exibia sua

gravidez. O reconhecimento do modo de ser compreensivo de seu esposo que, sempre

muito atencioso, foi acostumando-se com a situação. Também expressou sexualidade

por meio de sentimentos de receio e acanhamento. Disse que seu marido ‘não está

querendo como antes’, alegando problemas financeiros e muito trabalho.

Entrevistada nº 14 / mastectomia há 12 anos

Submetida à mastectomia em 1991 no HSE, hoje aos 71 anos de idade Da.

______ é casada há 53 anos e vive ‘em companheirismo’ com seu esposo. Tem 2 filhas

e 4 netos. Ela expressou sexualidade ao falar sobre a longevidade de seu casamento e

do companheirismo que une o casal. Juntos, os dois aceitaram a cirurgia pois não

havia outra escolha. Hoje não mantêm relação sexual, mas na ocasião da cirurgia

continuou normal.

57
Entrevistada nº 15 / mastectomia há 3 anos

Submetida à mastectomia em 1999, ________ hoje tem 53 anos de idade. Foi

necessário fazer quimioterapia antes e depois da cirurgia. É casada, tem 3 filhas (‘uma

é Down’) e um neto. Relata uma tremenda dificuldade de aceitar a mastectomia, um

verdadeiro drama que a fez pensar muito em se matar. Quanto a expressão de

sexualidade, observou-se a dificuldade de se acostumar com seu corpo incompleto,

chegando a atitude extrema de mandar o marido embora de casa tendo em vista que

não servia mais pra ele. Fez também elogios a ele, reconhecendo que nada mudou. Este

permaneceu em casa junto à família, dando apoio à esposa. Ela reconhece que o

companheiro não mudou, inclusive a ‘procura’, mas ela às vezes não está afim.

5.2 Agrupando os significados

As unidades de significação reúnem pontos fundamentais porque compreendem

exatamente o objeto da pesquisa na fala das depoentes. Foi preciso sutileza e

concentração aguçada para captar as mensagens de cada uma, um trabalho engenhoso

que tive dificuldades em concluir. Trechos das entrevistas são apresentados ilustrando

as unidades de significação e lhes conferem sustentação.

UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO I

Expressão de sexualidade manifestada através...

... da relação heterossexual, que se destaca como importante aspecto da sexualidade

humana.

E sexualmente falando, como você se sente?

“Me sinto bem também [...] Já tive relacionamento depois que tirei a mama, não houve

problema nenhum”. I1

58
Como a sra. está se sentindo sexualmente falando, depois de tirar a mama?

“É...normalmente. Não estou sentindo nada [...] Não tenho nada disso. Tudo normal...”

M2

Como a sra. se sente sexualmente depois que a sra. fez a cirurgia?

“Olha, apesar de eu estar aposentada sexualmente, mas eu acho que está tudo em cima

[...] Porque eu acho que já... passou da minha fase aquela euforia toda, já vivi bastante,

vivi muito bem a vida [...] No meu tempo era bom que não tinha o problema da aids,

não tinha problema de nada”.

Não tem mais vontade de continuar com a atividade sexual?

“Não, não quis, muito embora eu sinta de vez em quando uns arrepiozinhos [...] Esses

arrepios são aqueles que todo mundo sabe. Aquelas excitações... a gente começa a

pensar... as vezes lembra de coisas passadas e começa a pensar o que não deve. Aí

começa a ficar arrepiadinha e tal coisa. Aí eu digo: ‘Não! Estou aposentada, então

vamos dar um jeito nisso: chuveiro frio! Pronto!’ Depois pega um calmantezinho, um

chazinho de cidreira, erva-doce. A sra. desculpa que eu estou falando muita bobagem”.

I3

Depois da mastectomia, como é que você se sente sexualmente?

“E com meu marido a nossa vida está normal, graças a Deus.

E o relacionamento sexual de vocês agora...

“É normal. Eu vou fazer 30 anos de casada, mas é como se tivesse casado agora”.

I4

Como a sra. se sente sexualmente depois da cirurgia?

59
“Depois que eu operei foi normal”.

E a vida sexual da sra.?

“Foi normal, a mesma coisa [...] Passaram dois meses daí é que começou

normalmente”.Z5

Depois que você fez a mastectomia, como você se sente sexualmente?

“Normalmente. Normal [...] E nada disso me atrapalhou [...] nem na vida sexual.

Você atualmente mantém relação sexual com seu esposo?

“Sim. Normal, normal. A parte de sexo não tem nada... não mudou nada. Normal”.

L6

Depois que você fez a cirurgia, como é que você se sente sexualmente?

“Me sinto bem, não sinto nada, não sinto dor nenhuma”.

Depois que você fez a cirurgia, você já teve algum relacionamento sexual?

“Já. Já”.

E como é que foi? Você pode falar pra mim?

“Normal, normal [...] Normal, normal mesmo (pausa). Pode perguntar que eu... eu não

vou falar uma coisa que é mentira, vou falar uma coisa que é verdade”.

MH7

Como é que a sra. se sente sexualmente depois da cirurgia?

“Não tenho problema desse. Eu nunca fui muito... se fosse ‘agitada’ por causa de sexo

teria casado mais cedo (e ri), não é? E eu sempre gostei... eu sempre fui assim... quando

eu... se eu estiver a casar-se com uma pessoa que eu ame, se eu não amar não adianta

que não vem para perto de mim. Pode ir embora!” R8

Como é que a sra. se sente sexualmente depois da mastectomia?

“Normal. Não tive nada. Normal”.

60
Tem vida sexual ativa?

“Tenho meu marido”. D9

Como é que você se sente sexualmente depois da cirurgia?

“Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo [...] Não mudou nada eu com ele, mesma

coisa, continua o mesmo, sabe, não mudou nada [...] Tudo bem. Tem muita força que

ele me dá...” M 10

Depois que a sra. fez a mastectomia, como é que a sra. se sente sexualmente?

“Eu sou viúva, né. Mas eu sou ‘fogueta’ até hoje”.

Depois que a sra. fez a mastectomia, a sra. tinha namorados?

“Tinha. Mas tinha reserva, a gente sempre tem muita vergonha. Não tem mais coragem

de tirar a roupa [...] A gente fica meio envergonhada. Não sei se casada. Entre marido e

mulher, se já estão juntos algum tempo, tendo amor entre os dois, né, aquele amor,

aquela convivência. Mas com namorado não tive mais coragem”. N 11

Depois que você fez a mastectomia, como você vem se sentindo sexualmente?

“No início eu tomei um choque [...] Eu tinha vergonha [...] eu ficava meio assim

receosa”.

Você é casada?

“Eu não sou casada, mas tenho uma pessoa [...] são muitos anos já de convivência [...]

As vezes nós estamos juntos na intimidade, ele fala: ‘Poxa, se solta, esquece que você

tem isso, pára com isso...” B 12

61
Agora, especificamente falando da mastectomia, depois que você fez a cirurgia como é que você vem se

sentindo sexualmente?

“Assim... fica um pouquinho acanhada [...] A gente vai acostumando, né. Meu marido

também... assim... a ser compreensivo e tal... mas sempre... dá um receiozinho na gente,

né”. MT 13

Depois que fez a mastectomia, como é que a sra. vem se sentindo sexualmente?

“Bem, agora com 71 já mais... mas antes me sentia bem”.

A sra. é casada?

“Sou, sou”.

Na ocasião, a sra. tinha relação com seu esposo?

“Sim, sim”.

Mas então, Dª. ________ , depois da cirurgia não houve...

“Não houve problema. Nada”.

... problema de ordem sexual nenhum?

“Não, não, não”. P 14

Depois que fez a mastectomia, como é que você vem se sentindo sexualmente?

“Olha, sexualmente, tá assim... uma relação mais ou menos... em mim mesma eu não

consegui aceitar a operação”

Ele (marido) ainda te procura?

“Procura, ele me procura. Só que tem hora que eu... não estou afim, mas é em mim

mesmo...” MG 15

62
UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO II

... da dificuldade em se acostumar e conviver com o corpo mutilado, revelando a

necessidade de um tempo.

“Eu sempre fui assim, extrovertida a minha vida toda. A minha irmã as vezes fala:

’Você tem que ser mais...’ Eu digo: ‘Mais como?’ Eu não vou me recolher, eu não estou

fazendo nada de mal a ninguém! Só conversando e tal. É isso”.

I3

“Então eu evitava trocar de roupa perto dele, entendeu? Quando ia tomar banho, me

sentia mal [...] de me ver assim só com um seio [...] Só depois que você vai

convivendo, que você vai vendo, aceitando, entendeu? Aí, agora, eu já me aceito com

mais naturalidade, mas no início foi difícil”. I4

“... senti muito, chorei muito, passei dias na cama [...] E daí pra cá minha vida não foi

normal como era antes [...] no começo eu senti muito, mas depois eu fui esquecendo [...]

Eu ainda fiquei em repouso um tempo, né”. Z5

“E agora está assim: faltando um pedaço de mim. Mas eu estou erguendo a cabeça e

indo pra frente. É passado”. L6

“Dou força a outras pessoas que já fez e está pra baixo. Eu levanto porque isso daí é

uma coisa que se a pessoa abaixar a cabeça é pior [...] se não levantar a cabeça e não

entregar na mão de Deus, a doença vai tomar conta com certeza. Porque aí ela vai dizer

que está com uma doença na cabeça, uma doença no braço, tudo que sair é doença. Pode

ser assim não. Eu não vou dizer para as pessoas que sou forte, não vou. Quero dar força

63
para as pessoas que estão pra baixo. Porque não adianta a pessoa ficar pra baixo...”

MH 7

“A gente fica assim com receio as vezes. Vai fazer uma mamografia, aí tira a blusa, fica

constrangida [...] mas depois passa. É só naquele momento, né, aí passa”.

M 10

“Custei muito para tirar a roupa para minhas netas verem. A gente sente faltando um

[...] Eu acho a mama a parte mais importante para a mulher esteticamente [...] custei

muito a me olhar no espelho, muito, muito, muito". N 11

“Então, no começo é meio complicado, eu ficava meio assim... pra mim ficar sem

roupa. Até pra eu chegar junto mesmo da pessoa, de outra pessoa, eu ficava meio assim

receosa. Com o tempo aí foi que eu melhorei um pouquinho [...] Mas é aquela coisa, é

uma cicatriz [...] Eu mesma... eu não gosto, mas é aquela coisa eu tenho que me aceitar,

era a única opção que eu tinha para ficar viva[...]Até pra ficar perto dele[...]eu fico

envergonhada.” B12

“Olha, na verdade, logo assim que eu operei [...] assim fica um pouquinho acanhada

[...] A gente também vai acostumando [...] Ele também, logo assim que eu operei, ele...

no dia seguinte que eu fui fazer o curativo, ele já estava presente. Então ele já viu [...]

participou do curativo, foi uma maneira assim dele já me ver do jeito que eu já estava.

Então, não teve assim também aquele trauma de me ver, de custar a botar a mão, de

custar... não, sabe, não teve nada disso não. Foi bem assim... natural”. MT 13

64
“Ele entendeu, aceitou, né, porque não tinha outra... né, tivemos que aceitar juntos”.P 14

“Eu... em mim mesma eu não consegui ainda aceitar a operação, entendeu? [...] Eu acho

assim uma coisa tão esquisita [...] Mas, até agora, graças a Deus, vou conseguindo

recuperar, aceitar aos poucos”. MG 15

UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO III

... do acanhamento, da evitação e estranheza devido a falta de uma mama.

“Me sinto bem também. Primeiro que eu não tenho marido”. I1

“Mas é, não adianta ficar assim porque é realmente o que está acontecendo. Então eu

resolvo com meu chazinho de cidreira, que é calmante, ou com outro calmantezinho e

tal... E assim eu me sinto muito bem. Mas realmente agora falando sério eu acho que já

estava mesmo na época de eu passar o bastão, como dizem” (e dá uma gargalhada). I 3

“Que eu acho que agora, né, você tira uma coisa, né, você não está normal [...] Então eu

evitava trocar de roupa perto dele [...] As vezes tinha dia que eu estava afim e eu tinha

vergonha de falar pra ele, sabe? [...] eu evitava as vezes chegar pra ele e falar: ‘Vamos

namorar hoje?’ Eu tinha vergonha de falar porque eu achava que ele não ia aceitar,

entendeu?” I4

“Passaram dois meses daí é que começou normalmente [...] Eu ainda fiquei de repouso

um tempo [...] Agora, a gente sente uma diferença, né? Essa parte aqui fica meio

dura...” (leva a mão ao local operado). Z5

65
“Fui uma mulher bonita, paquerada, super paquerada, bonitona. E agora está assim:

faltando um pedaço de mim [...] E eu penso assim comigo na rua quando vejo eu estou

no sinal, um rapaz me paquerando, eu penso: ‘Há, meu Deus, ele está olhando só meu

rosto, não está vendo nada” (e ri). L6

“Eu levanto porque isso daí é uma coisa que se a pessoa abaixar a cabeça é pior. Eu não

sinto nada nada. As pessoas não acreditam. E eu digo: ‘É’. E mostro às pessoas. Porque

assim (aponta para a blusa) não dá pra ver, né?” MH 7

“Meu marido era brasileiro. A gente se identificou, se gostou e nos casamos. Aí ele já

desencarnou vai fazer 21 anos dia 1o de dezembro. Eu aqui fiquei sozinha, moro sozinha

lá em Engenheiro Pedreira. Graças a Deus não tenho mais... o resto não tenho mais, não

tenho problema nenhum de sexo não”. R8

“Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo. Meu marido fala as vezes... até já pegou

um papel lá embaixo e tudo... pra repor, né [...] A gente fica assim com receio as vezes.

Vai fazer uma mamografia [...] fica constrangida [...] de tirar a roupa ... “ M 10

“Eu não tenho mais coragem de ter ninguém porque eu não tenho coragem de tirar a

roupa na frente de ninguém [...] a gente sempre tem muita vergonha [...] talvez se

tivesse ginecológico (aqui ela se refere ao câncer ginecológico) talvez a gente não se

sinta tão castrada como a mama, né. Eu acho a mama a parte mais importante para a

mulher esteticamente”. N 11

66
“Eu tinha vergonha de me mostrar, de ficar sem roupa [...] eu sempre falo: acho que tem

alguma coisa errada [...] mas ainda assim no fundo a gente sente um constrangimento

[...] eu sinto vergonha dele, eu ainda sinto [...] mas eu não sei, eu sinto que alguma coisa

fica estranha, entendeu. Até pra ficar perto dele, tomar um banho, alguma coisa assim,

eu fico receosa, eu fico envergonhada”. B 12

“Fica um pouquinho acanhada [...] sempre... dá um receiozinho na gente [...] Só que é

assim: a gente se olha no espelho , se vê diferente e tal [...] e tirando um pedaço assim...

que... porque quando tira por dentro a gente não vê, né. Mas quando tira por fora, já fica

uma coisa diferente”.

MT 13

“Eu acho uma coisa assim tão esquisita [...] quando eu soube que estava com problema

de câncer no seio [...] eu mandei meu marido embora [...] Eu achava que servia pra ele

enquanto eu estava boa”. MG 15

UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO IV

... do tratamento afetivo e atencioso que recebe do companheiro, retribuindo com

elogios e reconhecimento.

“Ele diz: ‘Se você estiver bem, estiver afim, tudo bem. Se não estiver, só para me

satisfazer, não vale a pena’ [...] É por isso que eu digo: ele sempre foi meu amigo, sabe?

[...] Ele é um homem bonito, ainda novo [...] não é desses maridos caidão, apesar de que

ele é mais velho do que eu 7 anos e eu estou mais velha do que ele, sabe (e ri). Tem os

olhos azuis...” I4

67
“Porque ele me deu muito apoio [...] tem 72 anos, mas ele é forte, bonitão, não é porque

é meu marido não, mas é, né? [...] meu marido foi muito bom [...] Ele tinha paciência,

ele me levava em todos os lugares, ele queria ver eu boa, né?” Z5

“...meu marido se preocupa muito comigo, não sei se porque tem mais idade do que eu

[... ] Bem carinhoso, cuidadoso comigo”. L6

“Muito bacana, não tenho o que falar. Muito amoroso nessas horas. Muito bom. Se o

marido não tiver compreensão danou tudo”. D9

“Tem muita força que ele me dá”. M 10

“Ele disse: ‘Pára com isso, isso aí pra mim é só uma cicatriz, eu estou com você, não

estou com sua cicatriz, pra mim você continua a mesma pessoa, estou com você porque

eu quero”. B 12

“Ele foi da maior atenção, atenção total que ele me deu, sabe. E também até na

intimidade também... ele maior atenção...” MT 13

“Ele aceitou bem [...] Só fica o companheirismo [...] Ele entendeu, aceitou [...] Mas ele

é muito mais saudável do que eu [...] Tem uma saúde muito boa”. P 14

“Ele continua o mesmo, ele não mudou nada [...] E ele mesmo me deu uma aula de

lição, né? Me mostrou que não é por aí, né [...] Mas ele continua sendo meu

68
companheiro ali, junto. Se eu passo mal, ele vem, me traz aqui, fica aqui comigo até na

hora de ir embora”. MG 15

UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO V

... da retomada das atividades normais do dia a dia. É possível manifestar alegria em

viver.

“Tudo normal, converso, tenho recebido visita, mas eu deixo as pessoas falarem mais do

que eu porque é melhor a gente poupar um pouquinho mais, e falar só o necessário”.M 2

“Então nós podemos juntar os brilhos delas todas: vamos brilhar todo mundo junto!

Cada um pro seu canto, mas tudo... então, eu acho, eu sempre fui muito assim

extrovertida, a vida toda”. I3

“Mas a minha vida, graças a Deus, tem sido uma maravilha com a minha família, sabe

I4

“Meu estado normal é fazendo serviço dentro de casa. Faço tudo [...] Eu não sei ficar

parada: é costurar, fazer crochê [...] lavo paninho de prato [...] Vou indo. Eu digo: se

Deus quiser que me dê mais anos pela frente”. Z5

“... não parei de trabalhar [...] já trabalho há 28 anos [...] de vez em quando a gente vai a

um baile, uma festa dançante [...] dirigo [...] eu continuei pintando (o cabelo), fazendo

unha, me arrumando [...] trabalho em casa [...] estou sempre querendo ajeitar as coisas

[...] eu nunca estou parada [...] Mas eu continuo, sabe sra. enfermeira, muito feliz

69
porque eu estou vivendo, né? Estou cercada de pessoas amigas [...] eu estou muito bem

[...] Iluminada pelos anjos e por vocês também”. L6

“Eu danço, bebo cerveja, fumo e eu não sinto nada, nada, nada [...] Amanhã vou

trabalhar, depois de amanhã estou em casa, depois de amanhã trabalho. E vou vivendo a

vida [...] 43 anos fiz semana passada [...] Fizeram uma festinha pra mim lá no botequim

mesmo [...] Sempre alegre, sempre de bem com a vida”. MH 7

“... o resto... bem... me dou com todos, gosto de conversar. Se puder ajudar alguém não

deixo de ajudar em qualquer sentido. Eu tenho minha religião, sou cristã-espírita. Tem

um centro lá que eu faço parte há 45 anos. Vou lá, canto com as crianças e me sinto bem

à vontade”. R8

“É. Aí eu não sei né... ou foi coisa de Deus, né, que me deu essa força toda porque eu

rezo muito, peço muito a Deus para me dar bastante força, né. Deus me ilumina muito,

né [...] Tá tudo bem, graças a Deus”. M 10

“Parei porque era muito caro. Eu não tinha... agora eu tomo tamoxifeno que até que no

hospital que me dá. Eu estou te dizendo que a pensãozinha é desse tamanhozinho. Tem

as filhas, mas a gente que é mãe... a gente quer dar a eles e não tirar, não é assim? A

gente prefere as vezes dar... eu pelo menos sou assim: se eu puder dar eu não quero

tirar”. N 11

“... eu me arrumo [...] Aí comecei a estudar [...] No ano passado terminei, agora vou

começar o segundo ano [...] procuro sempre estar fazendo um trabalho manual, faço

70
crochê, ora estou bordando, ora estou costurando, entendeu [...] eu procuro levar a

minha vida normalmente, eu vou à praia sempre que eu posso [...] faço meus passeios,

eu viajo [...] faço minha vida de casa[...]compras[...]supermercado, isso tudo eu faço

normalmente”.B 12

“Dra., a minha menstruação não veio’. E ela: ‘Já que eu estou fazendo a ultra-

sonografia, vou dar uma olhadinha também’. Aí deu uma olhadinha e disse: ‘Iiiiiiiiii,

você está grávida de 8 semanas!’ Eu falei: ‘Não acredito, dra!’ Fiquei apavorada, né,

porque eu fui pra ver uma coisa, né, e achei outra. Aí, lá em casa, a gente primeiro ficou

muito preocupado porque não sabia se ia poder dar continuidade à gravidez, se o neném

tinha algum problema [...] ‘Ah, não, tem que dar certo porque eu quero também agora’

[...] Mas eu vou à praia e tudo [...] já fui aproveitar, né, para espairecer também, né, pra

melhorar e tal [...] E eu ajudo também, faço uns bicos, né, aí ganho um dinheiro e tal”.

MT 13

“Eu casei em 49, agora você faz as contas aí [...] 2 filhas [...] netos [...] É muito

casamento para um casamento só (rindo) [...] E o acompanhamento que antes acho que

era de 6 em 6 meses, depois passou para 1 ano com dr._____”. P 14

“Dia após dia estou sentindo que estou mudando pra melhor [...] Eu venho aqui, todo

mês eu tenho que estar aqui pra apanhar o remédio [...] Eu... se eu pudesse trabalhar

agora, eu até aceitaria voltar a trabalhar porque o trabalho é uma coisa que dá pra gente

esquecer dos problemas, né [...] Cheguei à conclusão que não tem só eu, né. Aí que foi

um pensar. Eu parei e pensei... não tem só eu. Então, eu tenho que encarar, né”.

MG15

71
UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO VI

... da vontade de recuperar a integridade física para se sentir melhor.

“... você tira uma coisa, né, você não está normal. Vou ficar agora depois da cirurgia

[...] meu marido está achando que eu devo fazer, que eu vou me sentir melhor [...] eu

me sinto segura, me sinto com força pra fazer, sabe”. I4

“Mas eu ainda estou com aquele receio de... com medo, né, com um pouco de medo.

Será que eu faço ou não faço? [...] Aí ele disse: ‘Deixo contigo. A decisão é sua. Eu não

quero te forçar a nada”. M 10

“... custei muito a me olhar no espelho [...] Por isso, eu fui correndo tentar (refere-se à

cirurgia de reconstituição de mama)... para eu poder ter minha auto estima”. N 11

“Tanto que até agora a última vez que eu tive com dr._____ eu estava até falando pra

ele se havia a possibilidade de eu começar a fazer a reconstituição pra ver se eu começo

a me sentir melhor, entendeu”. B 12

“Só que é assim: a gente se olha no espelho, se vê diferente e tal, tanto que eu quero

também fazer a reconstituição da mama, né”. MT 13

UNIDADE DE SIGNIFICAÇÃO VII

... do medo da doença que ameaça a vida e faz pensar na morte.

“Então, quando a médica falou que tinha que fazer a retirada da mama, né, aí eu

comecei a chorar. Tinha 2 filhas noivas pra casar. Puxa vida, nem vou fazer o

casamento das minhas filhas. A gente pensa logo nos filhos, entendeu?”

I4

72
“... no começo eu senti muito, mas depois eu fui esquecendo. Tive apoio da família: é o

melhor remédio pra gente, é o apoio dentro de casa, né? Então me distraí, tem hora que

eu até esqueço que tenho esse problema. Vivi a vida toda normalmente que eu sempre

tive calma também. Não sou desesperada. Se tem que acontecer semana que vem, eu só

vou pensar aquela semana, não vou pensar antes que é pior, né?” Z5

“Mas eu continuo, sabe sra. enfermeira, muito feliz porque eu estou vivendo, né?” L 6

“... por causa que saiu um [outro] caroço e a dra. pediu. Se tiver que operar eu opero.

Não estou com medo, nunca tive medo. Um dia eu vou mesmo, todo mundo vai”.

MH 7

“Graças a Deus eu sou cheia de vida. Apesar da minha idade, dos meus problemas, já

fiz 4 cirurgias. Mas assim mesmo tenho muita vida pra viver”. R8

“Será que eu vou morrer?” M 10

“E eu morrendo aos poucos, branca, sem sangue nenhum, fiz 2 cirurgias uma atrás da

outra...” N 11

“...mas é aquela coisa eu tenho que me aceitar era a única opção que eu tinha para ficar

viva [...] lógico que eu vou optar pela vida, sempre”. B 12

“... já me perguntou se ela tem tendência a ter câncer de mama, né, isso ela ficou

preocupada. Só que eu falei pra ela o seguinte: ‘A minha mãe não teve câncer de mama

73
e eu tive. Então você pode não ter”. Não é? Mas claro que todo mundo tem esse risco e

tem que se cuidar, né, preventivo todo ano. Mas ela ficou preocupada nesse sentido, de

também adquirir a doença”. MT 13

“Nesse ponto os médicos me ajudaram muito porque se eles me dessem licença, eu acho

que já tinha feito a besteira. Eu pensava muito em me matar. Quando o meu cabelo caiu

então, oh...” MG 15

5.3 A compreensão das mulheres mastectomizadas

Caminhando no desenvolvimento do 1º momento metódico em Heidegger,

compreensão do ser vaga e mediana, trago a fala das depoentes que é pautada em fatos

reais vividos no dia a dia e que refletem a instância ôntica. É a partir da experiência de

viver um fenômeno próprio desta mulher que falou a sua verdade, obtive pistas para que

fosse descoberto o sentido que aí reside.

A mulher portadora de câncer da mama submetida à mastectomia radical,

independente do período pós-operatório em que se encontra, cor, idade, grau de

instrução, profissão e estado civil, teve liberdade para usar o verbo da maneira que lhe

conviesse, sem qualquer cobrança. Foi ouvida com paciência durante todo o tempo que

contou sua história. Nem sempre falou diretamente e abertamente, mas em sua maioria

respondeu à questão norteadora da entrevista, o que é um ponto favorável em se

tratando de uma abordagem pouco observada na área de enfermagem, especificamente.

A partir de seus depoimentos ricos em emoção, alegrias e tristezas, extraíram-se trechos

que melhor significavam as expressões de sexualidade, sendo possível agrupá-los na

forma de unidades de significação porque guardavam homogeneidade e identidade

entre si.

74
Em suas falas, a sexualidade mostrou-se principalmente através da relação

heterossexual. Em algum período da vida antes do adoecimento e da cirurgia, todas as

depoentes tiveram envolvimentos afetivos e amorosos, e mantiveram relação sexual

com homens que, neste estudo, foram apresentados como marido, companheiro fixo ou

namorado. A retirada de uma das mamas por problema oncológico não constituiu

impeditivo para o retorno desta relação. Até mesmo aquelas que não reiniciam esta

atividade porque já não a mantinham ou porque por hora não a desejam, falam dela,

sugerindo que seja um dado importante.

O ato sexual após a mastectomia aconteceu não apenas com as mulheres casadas

ou com parceiro fixo; mas também com as que não têm um companheiro, pois foram em

busca de conhecer outros homens para namorar e ter novos relacionamentos.

Existe desejo sexual indicado por manifestações físicas da libido independente

das mulheres terem ou não encontros íntimos após a cirurgia. “A relação sexual ocorreu

normalmente”, elas dizem. O que se entende por esse normal? Não houve

intercorrências danosas, diferenças foram superadas, a coisa fluiu. Não existiram

problemas que tenham impedido que conseguissem manter uma relação que teve um

início, meio e fim. O intercurso aconteceu e viram que isso foi possível. Normal apesar

de ser uma situação diferente daquela que o casal / mulher estava acostumado(a).

Sentem-se bem, parecendo até que são recém-casadas, são ‘procuradas’ pelos maridos e

estes querem não só satisfazê-las sexualmente, mas serem por elas satisfeitos.

Falam em acanhamento e receio para a retomada do relacionamento sexual.

Entretanto, consideram que esta atividade é normal, sem problema, a mesma coisa de

antes, que a doença não atrapalhou, que nada mudou, que se sentem bem apesar da

condição adversa em que se encontram posto que as vezes se acham “anormal” e

“diferente”. Pensam que o amor, a convivência e o companheirismo ajudam muito.

75
Quando relatam que houve mudança e que a relação está estremecida, está mais

ou menos, acham que o problema está nelas mesmas e chamam a responsabilidade para

si: pode acontecer afastamento do parceiro porque não se está “afim”. Empregam o

termo “coisa” para designar a situação complicada que ora vivem ou expressar a

estranha sensação que delas toma conta. Algumas se desencorajam, temem ser

rejeitadas e apresentam dificuldade para restabelecer relações interpessoais e contatos

íntimos. A aproximação física até as pessoas e a relação sexual podem ser adiadas.

Outras evitam esses encontros porque são viúvas ou separadas e não têm outro marido,

ou porque resolvem o desejo sexual com chá calmante e banho frio.

Há depoentes que já não tinham atividade sexual antes da doença por se

julgarem de idade avançada ou por terem ficado viúvas, mas acham que isto é bom,

significa um fator a menos de preocupação após a mastectomia. Nas expressões “não

tenho nada disso”, “passou da minha fase aquela euforia toda”, “já vivi bastante”, “não

tenho problema desse” não falam claramente da relação, mas é a ela que se referem,

constituindo-se como um não-dito.

As mulheres mostram que se acostumar e conviver com essa realidade é uma

questão de tempo. Falam de um tempo em que ficaram de repouso após a cirurgia,

tempo que levaram até conseguir tirar a roupa, se olhar no espelho e se mostrar para os

outros, seja em momento de intimidade com o parceiro, seja quando realizam exames

específicos ou se submetem à consultas médicas.

Algumas se entristecem e sofrem com vergonha e receio depois da operação.

Uma sensação de insegurança e instabilidade faz com que nem queiram se olhar no

espelho. Vivem um “luto” pela perda da mama, se ressentem por algum tempo até se

acostumarem e a passarem a viver sem um dos seios. Esse tempo é descrito e se

constitui por ter que passar por novas e difíceis situações não pensadas anteriormente.

76
No início são os curativos, depois uma cicatriz. Expor seu corpo é por demais

doloroso. Revelam que o dano é externo, visível, é na sua superfície corporal. A retirada

da mama, que não pode ser escondida pela nudez, é disfarçada com o uso de artefatos e

fica menos perceptível quando estão vestidas. Aos poucos vão superando a falta de um

pedaço que compromete sua silhueta e sentem-se melhor com o passar dos dias. É

preciso seguir em frente, esta é a opção pela continuidade da vida. Percebem que não

adianta ficar pra baixo e chegam até dar força para outras que passam pela mesma

situação.

O processo de adaptação que não implica, necessariamente, em aceitação da

nova aparência, é peculiar a cada mulher, cada uma tem seu modo e tempo para ir se

acostumando e este nunca é igual. Para algumas, revelar a ferida cirúrgica de imediato

para o marido e familiares, pode reduzir o trauma de ter que conviver com o próprio

corpo e com os outros, sem a mama.

Em seus relatos, as mulheres expressaram que as preocupações no pós-

operatório se concentram em seu pronto restabelecimento e no retorno às atividades do

dia a dia. Passam inicialmente por momentos de muita tristeza, de fragilidade física e de

receio de que as ‘coisas’ não voltem a ser como antes.

Comentam que retirar um seio não é normal e isso faz diferença tanto

fisicamente (quando se queixam de endurecimento da musculatura e restrição do

movimento do braço homolateral) quanto emocionalmente (quando relatam sentimentos

de acanhamento e vergonha). Falam de constrangimento ao se aproximarem do

parceiro e se mostrarem a ele num momento de maior intimidade, quando então, ele

pode constatar esteticamente o pedaço que falta “porque não é por dentro”.

Gradativamente, apoiadas na convivência com ele e familiares, elas enxugam as

lágrimas, erguem a cabeça, vão se recuperando e se acostumando. Não se deixam

77
abater, não se recolhem. No entanto, podem se surpreender quando são lembradas por

outras pessoas do problema que estão tentando esquecer ou quando essas mesmas

pessoas não acreditam que são mulheres mastectomizadas que vivem bem. Chegam ao

ponto de acharem ser cômico quando acontece de serem cortejadas ou paqueradas por

alguém que só as vê pelo que está aparente – rosto, ou pelo que está encoberto pelas

roupas – corpo. Alguém que não conhece sua realidade.

As manifestações de sexualidade representadas ou não pela relação sexual

surgem quando se sentem bem. Aceitam-na porque querem, não são forçadas. De

imediato, não ter marido parece ser coisa boa porque não criam expectativas sobre sua

reação, mas isso não impede que manifestem libido. Tê-lo pode significar, de início

principalmente, sentir vergonha de ficar perto dele, de tirar a roupa e tomar banho

juntos, e até mesmo de namorar.

A sexualidade também é expressa quando reconhecem sentimentos como amor,

apoio e preocupação demonstrados pelos parceiros. Descrevem com palavras e gestos o

tratamento afetivo e atencioso oferecido pelos maridos ou namorados fixos, os quais

podem até ser bem mais velhos, e retribuem com gratidão, não medem esforços para

falar deles com orgulho e elogiá-los: “forte, bonito, saudável, carinhoso, companheiro”.

Há reconhecimento de que sem eles teria sido mais difícil enfrentar o diagnóstico e

tratamento. É um aprendizado para elas que beneficia a vida a dois. Tê-los por perto

pode significar carinho e atenção.

Os homens (maridos e companheiros fixos) parecem compreender a situação de

suas mulheres mastectomizadas e auxiliam no enfrentamento desta realidade. Estas

percebem que têm um amigo que pacientemente cuida dela, sabe lhes dar atenção e

amor nessas horas. Inclusive ouvem palavras de força que mostram a preocupação deles

78
com o bem-estar delas. Eles dizem que as querem porque elas continuam as mesmas

pessoas e que o ato sexual só vale a pena se for para satisfação de ambos.

Algumas falam em companheirismo como expressão de sexualidade numa idade

mais avançada na qual a relação sexual não é mais concretizada pelo casal. A longa

convivência que une alguns casais e o tempo de pós-operatório indicam que os laços

matrimoniais permaneceram atados. A ajuda de demais membros da família também é

bem-vinda, pois fortalece e anima.

Após a cirurgia, recebem visitas, conversam, porém falam somente o necessário

porque é preciso se poupar. Dirigem atenção para sua recuperação, falam de repouso,

medicamentos, retorno periódico ao ambulatório e da restrita movimentação do braço

homolateral. Mas querem muito ficar boas e ficar bem de saúde, por isso vão tentando

fazer as coisas que faziam antes de tudo isto acontecer. Buscam se alimentar

corretamente, procuram fazer atividades mais simples em casa e planejam o retorno ao

trabalho fora do lar, em alguns casos. Muito sofridas por dentro, referem que só elas

sabem pelo que estão passando, embora tentem não demonstrar todo o seu pesar, tanto

para a equipe de saúde, quanto para os familiares.

De volta aos afazeres do dia a dia, vão assumindo sua rotina mediante tarefas simples e

restritas ao espaço doméstico, como: cuidar da casa, costurar, bordar e lavar roupa,

assim como as atividades que requerem maior desprendimento e envolvem outras

pessoas não pertencentes ao seu círculo de amizades: ir à praia, dançar num baile, ir

para escola ou trabalho, retornar rigorosamente ao hospital para consultas ou para

receber medicação, fazer compras no supermercado e até mesmo conversar.

Considerando tudo normal, continuam do jeito que sempre foram: alegres,

extrovertidas e de bem com a vida. Evocam a Deus quando pedem bastante força, luz e

muitos anos pela frente. Falam da felicidade de estarem vivas e da possibilidade de

79
ajudar o próximo. O retorno ao trabalho ajuda a esquecer dos problemas e concluem que

não estão sozinhas, que há outras mulheres na mesma situação e que é preciso encarar

os fatos. O ambiente familiar é salutar, o convívio com marido, filhos, netos e amigos

mais chegados ajuda a compartilhar o problema. A prática de uma religião conforta e dá

forças para seguir a caminhada.

A vida ganha um novo colorido e vivem o dia a dia como o faziam antes e até

mesmo criando novas atividades como voltar a estudar. A felicidade é sentida

continuamente pelo simples fato de estarem vivas, pois elas sempre vão optar pela vida,

sempre, nem que para isso tenha sido necessário passar pelo processo de tirar uma

mama. O surgimento de uma gravidez, talvez considerada por muitos como inoportuna,

e a decisão do casal de levá-la a termo, e ainda o amor pelo filho que vai nascer, é

também um exemplo de expressão de sexualidade da mulher mastectomizada.

Ao buscarem conviver com o corpo incompleto fisicamente, usam de artifícios

que não expõem objetivamente essa ausência. Sabem também da reconstrução cirúrgica

que lhes é apresentada como proposta viável em um prazo de 2 anos. Daí pensam que

este procedimento pode lhes fazer sentir melhor e devolver sua auto estima. Às vezes

mostram-se receosas e põem em dúvida a decisão de fazê-lo. Neste processo, quando o

marido apóia a esposa, esta sente-se segura; quando isso não acontece, fica com medo e

tem dúvida se faz ou não a cirurgia. Esta tentativa pode significar reduzir a diferença,

voltar a ser o que era, normal.

Por outro lado, emergiram também implicações do processo de adoecimento que

não foram estudadas como expressão de sexualidade, mas que são consideradas nesta

análise como expressões da mulher submetida à mastectomia. Assim, quando recebem a

notícia que é preciso tirar a mama, pensam logo nos filhos (quando os tem) e nos planos

futuros que podem não conseguir realizar. No início, o medo da doença as faz ficarem

80
muito sentidas, tristes; mas depois, com apoio da família, chegam, às vezes, a esquecer

o que passaram. Não se desesperam e pensam cada coisa a seu tempo.

Mesmo tendo passado por inúmeros problemas e já não serem tão jovens, elas

não se abatem e se dizem cheias de vida. Porém, existe um momento em que

questionam a si mesmas se vão morrer da enfermidade, da cirurgia, de sua recidiva ou

da plástica reconstrutora. Pensar em se matar é um desejo para acabar com o sofrimento

causado pelo câncer e seu tratamento. Essa ameaça atinge a família, particularmente as

mulheres, que temem adoecer do mesmo mal.

81
CAPÍTULO VI. HERMENÊUTICA EM HEIDEGGER: O

SENTIDO DA SEXUALIDADE DE MULHERES

MASTECTOMIZADAS

Passo ao 2º momento metódico em Heidegger, quando busco absorver a direção

que as depoentes deram. Em cada fala há uma intenção, um sentido obscuro que passo a

desvelar.

Chegar aqui, na etapa de finalização de um estudo na abordagem

fenomenológica, não foi nada fácil. Realizar a interpretação deste sob a ótica da

filosofia elaborada por Martin Heidegger não se deu de forma diferente. Desde o início,

quando decidi pelo mestrado para aperfeiçoamento e crescimento profissional, houve

necessidade de retomar leituras de textos técnicos e teóricos de teor filosófico,

antropológico e sociológico, exercício que há muito não praticava, então percebi quanto

trabalho teria pela frente.

Sempre com perseverança e dedicação fui vencendo as dificuldades dos

primeiros contatos com a fenomenologia, em particular a célebre obra Ser e Tempo do

citado autor, que aborda a questão fundamental do sentido do Ser. E o faz com tamanho

rigor que incita o desafio de pensar, tão somente pensar.

Aceitando este desafio para seguir o método de investigação proposto por

Heidegger, confesso que pensar custou a mim noites em claro dedicadas a uma

atividade de reflexão e leituras que há muito tempo não fazia parte do meu dia a dia

como enfermeira assistencial. Assim, acredito ter alcançado uma interpretação sobre o

sentido da sexualidade para o ser-mulher vitimada pelo câncer de mama e submetida à

mastectomia radical, objetivo desta dissertação.


A conversa que se segue agora é toda pautada nesta obra escrita por Heidegger e,

de modo a sustentar a instância ontológica fundante de toda experiência, são citadas

inúmeras de suas passagens que foram cuidadosamente identificadas com aspas e

número da página. Os trechos em itálico são próprios do pensador e os sublinhados são

da pesquisadora, autora deste estudo.

Ao realizar repetidas leituras de Ser e Tempo, percebe-se a inquietação e

incômodo que perturbava Heidegger sobre a tão discutida questão do ser que, segundo

ele, ninguém até hoje elucidou. Parece realmente que atingir tal conceito traria

esclarecimento para muitas dúvidas, quem sabe. Mas o que interessa nesta investigação

que segue pela fenomenologia heideggeriana é que a razão de ser do homem aqui na

terra poderia ser explicada pelo é já que não se sabe o que diz ser. Conforme Heidegger

aponta: “Nós não sabemos o que diz ‘ser’. Mas já quando perguntamos o que é ‘ser’ nós

nos mantemos numa compreensão do ‘é’, sem que possamos fixar conceitualmente o

que significa esse ‘é’ [até aqui podemos alcançar uma obscura e indeterminada

compreensão sobre o ser que, após ser esclarecida, conduzirá ao sentido de ser]. Nós

nem sequer conhecemos o horizonte em que poderíamos apreender e fixar-lhe o sentido.

Essa compreensão do ser vaga e mediana é um fato” (p. 31).

Entendo que somos pessoas vivendo no mundo com outras com quem nos

relacionamos, em decorrência, somos seres relacionais. Não vivemos isolados apesar de

às vezes assim nos sentirmos. Interagimos com nós mesmos e com as coisas. O homem

marca presença, determina seu espaço não unicamente geográfico e constrói sua história

ao longo do tempo. O homem acontece, ele existe. Os demais entes vivem, ocupam

espaço físico, servem para alguma coisa, e sobretudo têm certa utilidade. A diferença

fundamental entre os dois entes é que o primeiro deles que é “pre-sença sempre se

compreende a si mesma a partir de sua existência, de uma possibilidade própria de ser

83
ou não ser ela mesma”(p.39). O segundo conceito, de ente, é relativo às coisas

inanimadas, objetos e demais seres vivos, sendo designado como “ser simplesmente

dado [que] é o modo de ser de um ente que não possui o caráter de pre-sença”(p. 165).

Tomando como base a compreensão vaga e mediana, nela encontramos pistas,

indícios para chegar ao sentido do ser e tender para seu conceito. Mas isso é pouco,

ainda não sabemos dizer qual o significado de SER. Heidegger diz “ser é o conceito

mais universal e o mais vazio, é indefinível, é evidente por si mesmo” (p. 28). Percebe-

se quão trabalhoso intelectualmente tem sido chegar a este conceito, discussão que vem

rendendo desde a época dos filósofos gregos. Diante da dificuldade em conceituar SER

que ao menos se procure seu sentido.

E por onde começar? O ponto de partida será o próprio ente que se questiona,

nomeado, no vocabulário heideggeriano, como pre-sença. Ele é privilegiado e superior

perante os demais entes justamente porque é capaz, dentre outras possibilidades, de

conduzir o questionamento da questão do ser. Nenhum outro ente tem essa capacidade.

Somente o ente dotado do caráter da pre-sença tem essa primazia, sendo considerado

um ente exemplar. Diz-se, até, um ente precioso que em seu ser está em jogo o seu

próprio viver, o seu próprio existir, o seu próprio ser.

Ser está naquilo que somos e como somos, e, ente é o que somos e como somos.

Então, temos mesmo que partir do ente para chegarmos ao ser. “Desse modo, a pre-

sença se mostra como o ente que, ontologicamente, deve ser o primeiro interrogado,

antes de qualquer outro” (p. 40).

“Todo questionamento é uma procura. Toda procura retira do procurado sua

direção prévia” (p. 30). Heidegger explica os passos a serem seguidos para proceder um

questionamento: o ser é o questionado, o ente o interrogado e o que se procura é o

sentido do ser (o procurado). É através do ente que se tem acesso ao ser. “O ente pode

84
vir a ser determinado em seu ser sem que, para isso, seja necessário já dispor de um

conceito explícito sobre o sentido do ser” (p. 33). E assim caminhamos na investigação

certos e conscientes daquilo que buscamos, nos empenhando em uma “procura ciente”

(p. 30).

Neste mundo que todos nós conhecemos e vivemos, os entes convivem e

compartilham sucessivos momentos no dia a dia. Estão envolvidos uns com os outros

numa relação de proximidade, de interesse, de afinidade, de necessidade, de obrigação

como por exemplo no emprego, no entretenimento, no estudo, no trabalho doméstico.

“A pre-sença não apenas é e está num mundo, mas também se relaciona com o mundo

segundo um modo de ser predominante. Na maioria das vezes e antes de tudo, a pre-

sença é absorvida por seu mundo” (p. 164).

Esse envolvimento entre os entes me conduziu desvelar as mulheres

mastectomizadas que em seus depoimentos unanimemente falaram na relação sexual

como expressão de sexualidade, mesmo sem tê-la vivido depois da mastectomia. Uma

manifestação que exige a presença de uma outra pessoa e traduz um sentimento e/ou

necessidade de comungar e partilhar momentos de vida e da vida. Heidegger fala que “o

‘com’ é uma determinação da pre-sença [...] Na base desse ser-no-mundo determinado

pelo com, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da pre-

sença é mundo compartilhado” (p. 170).

Foi possível observar e compreender o movimento que algumas mulheres

fizeram ao procurarem homens para estar-com num envolvimento íntimo quando não

tinham mais, após a mastectomia, um marido ou companheiro fixo. “A análise mostrou:

o ser-com é um constitutivo existencial do ser-no-mundo. A co-presença se comprova

como modo de ser próprio dos entes que vêm ao encontro dentro do mundo” (p. 178).

Neste estudo mulher e homem são co-partícipes e se entregam um ao outro num

85
encontro. Assim, “na medida em que a pre-sença é, ela possui o modo de ser da

convivência” (p. 178).

A forte manifestação de relação sexual que as depoentes significaram,

interpretei que seja originária do ser-mulher que é, em si mesma, essencialmente, ser-

com. Mesmo quando ela se apresenta sem parceiro, não pratica o ato sexual e fala dele

implicitamente, ainda assim sugere o ser-com existencial da pre-sença: “mesmo o estar-

só da pre-sença é ser-com no mundo. Somente num ser-com e para um ser-com é que o

outro pode faltar. O estar-só é um modo deficiente de ser-com e sua possibilidade é a

prova disso” (p. 172).

Em determinadas situações parece que a mulher se mostra indisposta para este

estar-com outros homens e evita o contato, mostrando a indiferença e preferindo adiar o

encontro. Outras falam o oposto, a relação sexual acontece normalmente em

consonância com o desejo de um estar com o outro simultaneamente: “eles são co-

presentes [...] A própria pre-sença só é na medida em que possui a estrutura essencial do

ser-com, enquanto co-presença que vem ao encontro de outros” (p. 172).

Sobre o tratamento afetivo concedido pelo companheiro que se mostra carinhoso

e amoroso, a mulher fala da satisfação de estar em sua companhia. Ele demonstra

atenção e preocupação com a esposa, passando a idéia de um cuidado especial para com

ela. Sobre isso diz Heidegger que “o ente, com o qual a pre-sença se comporta enquanto

ser-com, também não possui o modo de ser do instrumento à mão, pois ele mesmo é

pre-sença [quando o homem está com a mulher reconhece-a como um semelhante].

Desse ente não se ocupa, com ele se preocupa” (p. 173). Bom saber que esse gesto,

creio eu envolve amor, é um modo eficiente e positivo da preocupação “que, em sua

essência, diz respeito à cura propriamente dita, ou seja, à existência do outro e não a

uma coisa de que se ocupa [porque] ajuda o outro a tornar-se, em sua cura, transparente

86
a si mesmo e livre para ela” (p. 174), entendendo-se cura como “cuidado e dedicação”

(p. 264).

A mulher fala de um tempo para se acostumar e conviver com o corpo mutilado,

parecendo um remédio que faz passar dor profunda, acalmar ânimos, enfim abrandar

muita coisa. Ela prossegue em sua caminhada, aos poucos vai assumindo sua rotina

dentro e fora de casa, vai tocando sua vida. Isso se dá em função do mágico fenômeno

do tempo que “é o ponto de partida do qual a pre-sença sempre compreende e interpreta

implicitamente o ser” (p. 45). Seu caráter dinâmico e elástico acolhe a tudo e a todos

desde sempre. “O ser da pre-sença tem o seu sentido na temporalidade” (p. 47).

Ele é palco para manifestação dos diversos modos de ser da pre-sença, dentre

eles o modo de ser temporal que encerra a possibilidade da historicidade da pre-sença:

“historicidade indica a constituição ontológica do ‘acontecer’ próprio da pre-sença

como tal” (p. 48). A mulher, neste estudo, mostrou-se acontecendo a partir daquilo que

ela sempre se compreendeu, isto é, através de seu passado. “É com base na historicidade

que a ‘história universal’, e tudo que pertence historicamente à história do mundo, se

torna possível. Em seu ser de fato, a pre-sença é sempre como e ‘o que’ ela já foi” (p.

48).

A mulher não sabe, aliás ninguém sabe, quanto tempo ela vai levar para se

acostumar com a nova situação, quanto tempo vai levar para o pesadelo acabar. O

tempo cronológico pode ser contado no calendário, é nele que as consultas são

agendadas, que ela completa 2 anos, 3 meses e 15 dias de cirurgia por exemplo. Pode

também contar nos dedos quantos dias levou para reiniciar a vida sexual após o retorno

ao lar. Tem a impressão de que 1 mês custou mais que 30 dias.

Só ela sabe o problema que está passando e por isso se solidariza com outras

mulheres na mesma situação que ela. Heidegger ressalta “o que se pode na compreensão

87
enquanto existencial não é uma coisa, mas o ser como existir” (p. 198). A mulher

compreende não a mastectomia mas o ser-mulher-mastectomizada. “Pois na

compreensão subsiste, existencialmente, o modo de ser da pre-sença enquanto poder-

ser” (p. 198), e como poder-ser ela é possibilidade de compreensão. “A pre-sença não é

algo simplesmente dado que ainda possui de quebra a possibilidade de poder alguma

coisa. Primariamente, ela é possibilidade” (p. 198).

Parece mesmo não ser exagero quando a mulher mastectomizada faz questão de

dizer que ninguém imagina o que está sentindo porque “ela ‘sabe’ a quantas ela

mesma anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser. Esse ‘saber’ não nasce primeiro de

uma percepção imanente de si mesma, mas pertence ao ser do pre da pre-sença que, em

sua essência, é compreensão” (p. 200). Isso faz sentido quando nos damos conta de que

só vivendo uma determinada situação boa ou ruim é que experimentamos sua

possibilidade positiva ou negativa, respectivamente, ou seja, compreendi que somente o

ser-mulher que vive a realidade de ser-mastectomizada é que pode saber o que isso

significa.

Essa mesma mulher fala de receio e acanhamento que interferem em seu

relacionar-se consigo mesma e com as pessoas de um modo geral. Em companhia do

parceiro, esses sentimentos estão fortemente presentes e influenciam as expressões de

sexualidade. Em seus estudos sobre o temor, Heidegger cita as duas palavras anteriores

- receio e acanhamento - como conhecidas variações do temor e que elas “enquanto

possibilidades da disposição, apontam para o fato de que a pre-sença, como ser-no-

mundo, é “temerosa” (p. 197). Para ele, esses sentimentos apresentados pela mulher são

modos existenciais. “Essa ‘temerosidade’ não deve ser compreendida onticamente no

sentido de uma predisposição fatual e ‘singular’, mas como possibilidade existencial da

disposição essencial de toda pre-sença [...]” (p. 197).

88
Assim, compreende-se que o ser humano originariamente pode sentir medo.

Dependendo do que se teme tem-se mais ou menos medo, são as oscilações em torno

de, mas continuam sendo medo. A mulher pode se sentir tímida e receosa depois da

mastectomia, envergonhada em momento de intimidade, fala que tem medo que seu

parceiro não a queira e apenas diga sim para não magoá-la, sente-se acanhada em expor

o corpo nu agora sem uma mama. A temeridade pela doença e suas manifestações, pela

mutilação de parte tão nobre do corpo, pelo exercício da sexualidade, pela reação

própria e do outro desencadeia sensações desconfortáveis na vida da mulher. Estas

situações são fatos reais.

Então, a vivência desses fatos perpassa seu dia a dia e ela mergulha na rotina da

casa, do trabalho, de tudo, enfim da vida. É impulsionada pelo tempo que não pára, para

sorte dela, e começa a perceber que é possível manifestar alegria em viver. O retorno ao

modo como tudo era antes de é de onde a mulher parte para viver, esta é sua referência.

Lembra o filósofo “na maior parte das vezes e antes de tudo, a pre-sença se entende a

partir de seu mundo” (p. 171).

Ao falar sobre a relação heterossexual ela aponta que não houve mudança nem

problemas, que ocorreu normalmente como sempre foi até o surgimento do câncer de

mama e conseqüente mastectomia radical. Percebe-se que a alteração física provocada

pela cirurgia não causou diferença a ponto de impedir essa relação.

Então, é na rotina do dia a dia que a mulher vai despercebidamente aliviando o

peso de sua dor e se misturando aos outros, parecendo ser um deles, fazendo parte da

massa e assim “obstruindo, encobrindo e obscurecendo” (p. 183) sua identidade. É

como se ela fosse incapaz de ser ela de fato, de se assumir, de ser autêntica. “Não é ela

própria que é, os outros lhe tomam o ser. O arbítrio dos outros dispõe sobre as

possibilidades cotidianas de ser da pre-sença” (p. 179). A impessoalidade torna-se a

89
maneira fluente de ser e exime a mulher de responsabilidade sobre si mesma: ela é mais

uma na multidão. “O impessoal que não é determinado mas que todos são, embora não

como soma, prescreve o modo de ser da cotidianidade” (p. 179).

O movimento público é forte, dominador e aniquila qualquer tentativa de algo

que se desponta diferente da média. Heidegger explica que “essa medianidade,

designando previamente o que se pode e deve ousar, vigia e controla toda e qualquer

exceção que venha impor-se” (p. 180). Neste caso, a mulher mastectomizada constitui a

exceção em meio a todas as mulheres porque o quantitativo de não mastectomizada -

normal como possuidora de mamas saudáveis - é muito superior. “Toda primazia é

silenciosamente esmagada. Tudo que é originário se vê, da noite para o dia, nivelado

como algo de há muito conhecido” (p. 180).

Assim, é como se a mastectomia fosse a exceção a ser silenciosamente ignorada,

algo bastante comum que não devesse se impor como diferente. Portanto, conhecida de

todos de modo que não chamasse atenção nem merecesse tratamento diferenciado.

Então, ao significar sua sexualidade, o ser-mulher-mastectomizada manifestou

expressões que podem ser de todas as mulheres, ou seja, comuns a de tantas outras.

Falou de um ato sexual que transcorreu normalmente, falou de carinho e atenção do

parceiro, de companheirismo e amor que selam uma união. Coisas comuns a muitas

pessoas e que acontecem normalmente.

Daí é possível interpretar que a relação sexual verbalizada por ela como normal

seja fruto da força do cotidiano que apara arestas, que nivela as diferenças, que

transforma o que é de um como de todos, que torna comum o que é raro, que faz o

individual virar público.

Vemos essa mulher falando naturalmente como se não fosse mastectomizada e

enfrentasse algumas dificuldades para viver a sexualidade, ela torna-se “visível em sua

90
cotidianidade e em sua medianidade” (p. 183). Fala como todas e não é ela “no sentido

propriamente si mesmo e sim os outros nos moldes do impessoal” (p. 182). O cotidiano

é o modo onde nos fazemos conhecidos a nós mesmos, aos outros e ao mundo. Nele, a

mulher mastectomizada sente-se familiarizada, sente-se como todas, à vontade. Seu

modo de ser é facilitado pois não precisa ser ela mesma, basta ser superficial no modo

de ser de todos.

Parece-me não haver o que questionar a respeito da ajuda prestada pelo tal

cotidiano que, exercendo seu “domínio caturro” (p. 180) sobre a pre-sença, conforta-a e

acomoda-a, deixando a impressão de que ela tem menos problemas. Assim sendo, a

mulher sente-se bem inclusive sexualmente e quer sentir-se cada vez melhor, como

deixa transparecer no seu desejo de reconstruir cirurgicamente a mama amputada.

No entanto, não é sempre no modo próprio-impessoal que a pre-sença se

comporta, quer dizer, existe sim a pre-sença autêntica que fortuitamente mostra-se

quando “abre pra si mesma seu próprio ser” (p. 182), despojando-se de aparências que

escondem sua identidade, “como um romper das deturpações em que a pre-sença se

tranca contra si mesma” (p. 183).

Esse pensar heideggeriano pode ser melhor entendido quando se pensa na

questão da decisão de fazer ou não a reconstrução da mama. À mulher é exigida uma

atitude própria. O encargo é seu. É como se ela fosse colocada contra a parede na

obrigação de responder por ela mesma e não mais pelo impessoal, pois este já escapuliu

e por nada se responsabilizou.

A modificação do impessoal encaminha a pre-sença para a autenticidade, sendo

este um movimento que vai e vem como possibilidade do ente dotado do ser da

presença. Dessa forma, a mulher mastectomizada autenticamente se reconhece e

reconhece as suas possibilidades de sim e de não para: viver sem uma mama e, apesar

91
disso, ser feliz; tentar novos relacionamentos e também ser feliz; fazer a reconstrução e

sentir-se melhor.

Abre-se um horizonte de possibilidades que, verdadeiramente, já existiam para a

pre-sença. Ela que agora tem olhos para o seu poder-ser. Neste sentido, Heidegger

aponta que “a pre-sença é a possibilidade de ser livre para o poder-ser mais próprio” (p.

199).

Neste movimento gerado pelo acontecer no cotidiano, a mulher mastectomizada

sente-se ameaçada por coisas ruins e negativas que estão a sua volta, que vêm pra ela

como algo que provoca dor, deixa-a feia, causa-lhe alterações físicas como queda de

cabelo, mal-estar, fraqueza, enjôo... Assustada com sua situação, vê seus planos em

cheque, teme pelo que está por acontecer e só enxerga incertezas e instabilidades. Pude

compreender, com o apoio dos estudos rigorosos e sistemáticos, desta vez sobre a

disposição do temor e morte elaborados pelo filósofo, que é possível se atingir a mais

uma compreensão ontológica do ser.

Assim, em meio a tantos medos que cercam uma doença maligna, a mulher

mastectomizada toma a atitude de pensar na morte como finitude e acabamento,

trazendo-a como possibilidade do quando e do como ela viria e não como possibilidade

mais própria da pre-sença. Daí ela pensa que vai morrer, que não testemunhará o

casamento das filhas que estão noivas, que a doença não está sob controle pois possui

outro nódulo e talvez seja necessário operar novamente, que a doença pode atingir sua

prole por ter características hereditárias.

Enfim, esse remoer não muda o medo da morte. Entretanto, ajuda a mulher a

enfrentá-la no cotidiano como possibilidade de toda impossibilidade, ou seja, ela

continua como “possibilidade mais própria, irremissível e insuperável” (p. 32), devendo

ser construída e suportada como possibilidade.

92
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sexualidade: uma grande questão que merece tratamento interdisciplinar. É

como falar do ser humano como um todo porque a sexualidade está nele. Está no

homem, faz parte de sua natureza, é estrutural, é constitucional. Ela nasce e morre com

ele. Faz parte da essência de ser humano, de ser sexuado. Viver a sexualidade não se

restringe a ter desejo sexual, praticar atividade sexual e sentir gratificação sexual. Viver

a sexualidade é tão somente viver a vida. É ex-sistir.

Sexualidade é uma concepção abrangente e relação sexual constitui seu aspecto

de maior significado tendo em vista que através dela o mundo foi povoado e os

benefícios inerentes a ela são indiscutíveis. Essa prática fortemente ligada ao homem

sofre influência de determinantes culturais, princípios religiosos, formações filosóficas e

ponderações psicológicas dentre outros.

As pessoas não percebem que vivem a cada instante a sexualidade, quer dizer,

não se dão conta de que é intrínseca ao ser e que muitas vezes a vivemos sem dela tomar

consciência. Ou melhor, parece ser percebida somente quando se fala em prática ou

exercício sexual que encerra diretamente a relação sexual. Então, viver o papel de

homem e mulher, não necessariamente na relação sexual, é viver a sexualidade.

Suas expressões podem ser observadas a todo instante em gestos, palavras e

atos. Oscilam conforme o humor, o estado de espírito e a disposição. As pessoas estão o

tempo todo, de forma mais sutil e discreta ou não, manifestando sexualidade porque em

nossos atos e atitudes nós somos de um modo, nós os fazemos de uma maneira, nós os

fazemos a nossa maneira. E nesse modo de ser nós assumimos o que somos, assumimos

o ofício de sermos homem ou mulher. Então, tudo tem um toque do sexual, tem uma

marca forte ou discreta, mas tem. Assim, penso entender que o fator saúde, por

93
exemplo, não será sempre um indicativo de se viver bem, inclusive a sexualidade. O

mesmo se aplica para o fator doença que também não vai culminar em desordens neste

terreno. Nas duas situações, saúde e doença, é preciso saber viver para viver a

sexualidade.

Sendo acometida pela mastectomia, a mulher refere dificuldades para se

acostumar com o corpo, mas suas expressões de sexualidade não possuem nada de

extraordinário, atípico ou diferente do que se conhece. Talvez elas sejam como de todas

as mulheres do mundo, mastectomizadas ou não, hipertensas ou não, viúvas ou não.

Enfim, são expressões normais de sexualidade feminina.

Parece que a sexualidade como propriedade ou necessidade não se mostra para a

mulher logo após a mastectomia, pois não se observou nitidamente qualquer

manifestação nesse sentido. Foi possível entender nesse estudo que a sexualidade volta

a ser vivida ou sentida após um tempo. Há outras exigências priorizadas como repouso,

curativo, boa alimentação e consultas médicas. A mulher está presa a estas ocupações e

ainda envolvida na atmosfera hospitalar apesar de se encontrar em casa. Satisfazendo

tais exigências, vai se adaptando ao novo e recuperando seu bem-estar. Começa a dirigir

sua atenção para outras coisas, entre elas a sexualidade, que só chega com o estar bem.

A sexualidade é essência, não desaparece, está presente na constituição do ser

mulher. Em vigência da mastectomia, ela passa por um estado de adormecimento, de

latência e, num determinado momento, ela é manifestada desta ou daquela maneira, ou

da maneira como fora antes da mastectomia ou até mesmo de uma maneira nunca

vivida, quem sabe melhor do que antes.

Preconceituosamente pensamos que a mastectomia causa dano irreversível e que

ter câncer de mama possui um significado muito ruim. Parece caracterizar-se como uma

verdadeira tragédia a partir da qual suas vítimas nunca mais ficarão bem. No entanto, o

94
presente estudo apontou mulheres batalhadoras, otimistas, perseverantes, autênticas

guerreiras amazonas dispostas a encarar o inimigo. Elas nos mostraram que é possível

conviver com a perda da mama e viver a sexualidade.

Elas não se despedem da sexualidade quando dão adeus à mama doente. Pelo

contrário, elas, mastectomizadas, vivem a sexualidade e expressam essa vivência

quando falam na continuidade da união com sentimento de companheirismo, afeto,

carinho, amor, paciência e gentileza; de manter relação sexual com vergonha e

acanhamento e com resultado satisfatório; de viver com alegria, preocupação e medo a

vida conjugal e familiar; de procurar por novos relacionamentos e ter êxito ou de não ter

coragem para encontrar-se e dividir sua intimidade com outras pessoas. É por isso que

elas dizem que é normal, mesmo tendo encarado obstáculos e passado por momentos de

soturna dor.

É possível continuar a vida sendo-sem-a-mama, ex-sistindo plenamente como

mulher mastectomizada, comportando-se integralmente como ser sexuado que de fato é.

Não há perda de identidade porque ela é essência, está no cerne de ser, daí não muda.

Seguindo esse pensamento, arrisco-me um pouco em dizer que a sexualidade, sendo

constitutiva do ser, ela em si mesma não muda, mas sim mudam suas expressões /

manifestações que são diferentemente mostradas, faladas, ouvidas, gesticuladas,

observadas, sentidas, percebidas, até mesmo imitadas, que indicam ser a sexualidade

peculiar, singular, única de cada mulher mastectomizada.

Penso que, ao ouvir dizer em alto e bom tom que hoje vive-se bem (palavras

delas), foi possível tratar deste assunto com a simplicidade e naturalidade que ele exige.

Vejo que este estudo revelou o quanto as mulheres mostraram-se pouco constrangidas,

sentiram-se bem, contando de sua intimidade, revelando coisas nunca ditas a outro

95
profissional. Isso indica que elas estão ali prontas e abertas para o diálogo, ávidas por

uma oportunidade para falar, pois precisam e querem falar.

E nós, enfermeiros assistenciais, podemos dar início ao assunto em questão já

que nos preocupamos com o cliente no sentido dele como pre-sença que é, como pessoa

que ex-siste, merecedora de respeito e valor. Trazendo palavras heideggerianas, trata-se

aqui de um modo positivo da convivência cotidiana, a anteposição liberadora, que nada

mais é do que a preocupação se antepondo ao outro “em sua possibilidade existenciária

de ser, não para lhe retirar o ‘cuidado’ e sim para devolvê-lo como tal” (p. 174). Assim,

podemos estar promovendo o auto-cuidado.

Entretanto, ainda estamos atados fortemente a preconceitos e ao cientificismo, o

que muitas vezes atropelam nossas ações que carecem de olhar atentivo, escuta

cuidadosa, atitude compreensiva e atenção individual. É possível cuidar do outro com

interesse humano. Refletindo sobre os depoimentos positivos e entusiásticos

apresentados pelas depoentes, acredito na importância de um cuidado que também

inclua a saúde sexual pois seus benefícios são claros. Penso nas outras mulheres que

sinalizam a necessidade de auxílio pois ainda se sentem estranhas e pouco à vontade e

imagino o quanto poderiam ser ajudadas no sentido de que é possível viver a

sexualidade, tanto recuperando como usufruindo de sua gratuidade e ganhos.

O estudo também apontou a importância do companheiro que se faz pre-sença

ao lado da mulher, ele de fato cuida dela com carinho. Os benefícios desse cuidado são

reconhecidos por ela, ficando claro que é bom tê-lo próximo e bem-vinda sua ajuda. Em

contrapartida, já tivemos notícia em nosso cotidiano do parceiro que abandona a mulher

porque não consegue suportar a mastectomia. Então penso logo que a assistência deve

ser estendida até ele, sua presença pode ser solicitada assim que a mulher recebe o

96
diagnóstico e a indicação da cirurgia. Enfim, otimizar sua aproximação para que tome

ciência da situação da mulher e desde então, se possível, a acompanhe e lhe dê apoio.

A mulher mastectomizada compreende que pode viver bem sexualmente. E nos

alerta para isso que vem contra uma falsa impressão de que estaria bastante e

definitivamente comprometida. Precisamos mesmo é aprender a conhecer as coisas

como são e não achar que já sabemos. É possível sermos cautelosos nas nossas

deduções e atentivos no nosso cuidar de modo a reduzir pressupostos que destorcem a

realidade. Aproximamo-nos dela a partir da experiência de um fenômeno que é

mostrada por alguém que teve esta vivência na sua existência. O método heideggeriano

orientou-me ir direto até as mulheres mastectomizadas para conhecer sobre o não dito –

a sexualidade - ao invés de ficar fazendo elucubrações a respeito. Daí, ouvindo-as

atentamente, disseram-me mais do que eu esperava e o referencial filosófico permitiu-

me compreender e interpretar o que eu não alcançaria numa outra abordagem de

pesquisa, acredito.

O estudo respondeu-me em muito mais do que almejava. Heidegger não faz uma

fenomenologia simples de ser traduzida principalmente pra mim, habituada a um fazer

mecanicista, funcionalista, pragmático, exigente de muito agir, de intenso desgaste

físico e de um pensar rapidamente. A filosofia é belíssima e podemos aplicá-la

diariamente na vida pessoal e prática profissional. Conduz-nos a esclarecimentos e

entendimentos das coisas em geral, das idéias e dos donos das idéias. Acredito num

melhor profissionalismo da enfermagem na linha fenomenológica pelo seu cunho

valorizador e respeitador do ser do humano e pela sua busca incansável e insistente da

compreensão.

Aprofundando leituras, identifiquei alguns trabalhos de mestrado e doutorado na

área de oncologia com esta abordagem e faço a citação de cinco deles a fim de ilustrar

97
algumas faces da assistência de enfermagem ao paciente oncológico, também

evidenciadas neste estudo. E mais, a equipe de saúde multidisciplinar que cuida do ser-

portador-de-câncer tanto mais valerá quanto mais absorver e perpetuar a riqueza das

proposições que se seguem.

Devemos, pois, segundo...

... Lopes (1996) valorizar a relação interpessoal autêntica que permita a emergência de

modos próprios de ser;

... Lindolpho (1996) olhar o cliente oncológico como ser de possibilidades, pois ele luta

enquanto ex-sistir;

... Amorin (1996, p. 63) “compreender a relevância do olhar atentivo e a aproximação

com o outro, daquilo que não se repete e da experiência vivida”;

... Camargo (1997) privilegiar e valorizar o cliente como ser único e singular,

conjugando um olhar compreensivo às práticas diárias do assistir;

... Luz (2001, p. 117) “buscar a compreensão, a justa medida entre o conhecimento

científico, a arte e a ética que conduz a existência humana”.

Há também uma transformação interior pela qual passei e vou continuar

passando. Uma reviravolta que ora incomoda ora alivia, mas no final acomoda-se. Para

mim, uma mudança para melhor que não posso, ao terminar esta reflexão, omitir

daqueles que um dia a lerão. Não seria justa comigo mesma não vos participar quão

exaustivo foi desenvolver esta investigação que hoje desvela que as expressões de

sexualidade da mulher portadora de câncer de mama submetida à mastectomia radical

têm seu sentido no poder-ser enquanto constituição existencial da pre-sença no seu ex-

sistir.

É um poder-ser que pode ser de alegria que traduza superação de dificuldades,

pode ser de permanecer lado a lado em companhia de outro apenas conversando, pode

98
ser de satisfação orgástica após uma relação sexual, pode ser de respeito e carinho que

selam uma aproximação física apenas, mas que é tudo de que se precisa.

E trazendo Heidegger para fechar o capítulo, jamais encerrar a discussão do

tema, a pre-sença dá à vida o tom que é possível dar. Ela ex-siste como poder-ser e

disso mostrou ter consciência, algumas vezes. A mulher vive bem a sexualidade quando

pode superar a descompensação física causada pela mastectomia. A partir dela mesma,

vemos que é possível esse viver bem, é um descobrimento que ela atinge e que nós nos

deparamos.

Para finalizar esta dissertação de mestrado, optei por construir uma composição

ips literis a partir da união dos quinze depoimentos utilizados. As falas recortadas e

compactadas soam como a voz da mulher portadora de câncer de mama submetida à

mastectomia radical ao falar sobre sua sexualidade.

VOZ: Pode perguntar que eu... eu não vou falar uma coisa que é mentira, vou falar uma coisa que é

verdade.

PESQUISADORA: COMO A SRA. SE SENTE SEXUALMENTE DEPOIS DA MASTECTOMIA?

VOZ: Normalmente. Normal. Não houve problema. Me sinto bem, não sinto nada. No início eu tomei um

choque. Eu acho a mama a parte mais importante para a mulher esteticamente. É aquela coisa, é uma

cicatriz. Eu mesma... eu não gosto. Eu tinha vergonha, eu ficava meio assim receosa. Senti muito, chorei

muito, passei dias na cama. Só depois que você vai convivendo, que você vai vendo, aceitando, entendeu?

Depois eu fui esquecendo. Aí, agora, eu já me aceito com mais naturalidade; mas no início foi difícil. Já

tive relacionamento depois que tirei a mama, nada disso me atrapalhou, nem na vida sexual. Tenho meu

marido. Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo. A nossa vida está normal, eu vou fazer 30 anos de

casada, mas é como se tivesse casado agora. Não mudou nada eu com ele, mesma coisa, continua o

mesmo. Se preocupa muito comigo. Muito bacana, não tenho o que falar. Muito amoroso nessas horas,

bem carinhoso, cuidadoso comigo. Muito bom. Até na intimidade também. Ele me procura, só que tem

hora que eu não estou afim. Se o marido não tiver compreensão danou tudo. Ele aceitou bem, entendeu.

Eu mesma... eu... em mim mesma eu não consegui ainda aceitar a operação, entendeu? Eu pensava muito

em me matar. Não estou com medo. Um dia eu vou mesmo, todo mundo vai. E ele mesmo me deu uma

99
aula de lição. Me mostrou que não é por aí. Aí que foi um pensar. Eu parei e pensei... não tem só eu. São

possibilidades remotas, mas que existem. Então, eu tenho que encarar. Aí eu não sei... ou foi coisa de

Deus que me deu essa força toda. Meu estado normal é fazendo serviço dentro de casa, tudo normal,

converso, tenho recebido visita, estou cercada de pessoas amigas. Não parei de trabalhar, continuei

pintando cabelo, fazendo unha. Vou indo. Eu digo: se Deus quiser que me dê muitos anos pela frente. Se

puder ajudar alguém não deixo de ajudar em qualquer sentido. Quero dar força para as pessoas que

estão pra baixo. É isso. Vamos brilhar todo mundo junto!

100
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TOCCI, H. A. Caracterização e conhecimento de mulheres varredoras de rua sobre


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WOLFF, L. R. Rede de suporte social da mulher mastectomizada.. 1996. 187 f.


Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo. Nº. de classificação: 1251. Resumo.

111
ANEXO nº 1

ANEXO nº. 2

112
ANEXO nº. 2

TERMO DE CONSENTIMENTO
(Resolução 196 / 96 do Conselho Nacional de Saúde - item IV)

Sou Enfermeira do Serviço de Ginecologia do Hospital dos Servidores do Estado


há 14 anos. No momento, estou iniciando uma pesquisa e necessito de sua colaboração.
Trata-se de um trabalho sobre mulheres mastectomizadas onde tenho como objetivo
compreender o significado da sexualidade na visão das mesmas.
Para colher os dados de que preciso, gostaria de gravar uma entrevista que
chamo de semi-estruturada. Será garantido sigilo absoluto das informações
fornecidas, as quais serão utilizadas para atender exclusivamente aos interesses deste
estudo.
Caso a Sra. não tenha entendido algum item acima, estou pronta para lhe dar
melhores explicações.
Atesto o recebimento deste acordo firmado como TERMO DE
CONSENTIMENTO e concordo em participar.
____________________________________________________________________
Assinatura da Participante Data
____________________________________________________________________
Assinatura da Pesquisadora Data

Desde já manifesto meu agradecimento pela sua valiosa colaboração. Caso


você deseje outras informações sobre o estudo, entre em contato com Marise Dutra
Souto pelo endereço: Rua Pojuca nº 195 / 201, Ilha do Governador, Rio de Janeiro.
CEP 21.930-180. Tel. 3386-6143 / 2467-5402.

113
ANEXO nº 3

Com a palavra, a mulher mastectomizada.

ENTREVISTA Nº 1
Pesquisadora: Eu queria saber: depois que você fez a mastectomia, como é que você vem se sentindo
desde da época que você operou até hoje?
Paciente: Estou me sentindo bem. Tenho me sentido muito bem. A falta da mama você quer dizer?
Pesquisadora: Sim.
Paciente: Estou bem, mesmo com a falta da mama. Eu estou bem.
Pesquisadora: Você está bem. E sexualmente falando, como você se sente?
Paciente: Me sinto bem também. Primeiro que eu não tenho marido. Então, quer dizer, na época em que
eu perdi a mama, foi a época em que eu estava me separando já. Não foi por causa disso, tá? A gente não
vinha se dando bem, mas também me sinto bem. Já tive relacionamento depois que tirei a mama, não
houve problema nenhum.

ENTREVISTA Nº 2
Pesquisadora: Como a sra. está se sentindo sexualmente falando, depois de tirar a mama?
Paciente: É... normalmente. Não estou sentindo nada, até disseram: “a sra. não fala muito para não dar
gases!” Não tenho nada disso. Tudo normal, converso, tenho recebido visita, mas eu deixo as pessoas
falarem mais do que eu porque é melhor a gente poupar um pouquinho mais, e falar só o necessário. Mas
está ótimo, só o que está incomodando é que eu fiquei muito mole. Ah! Eu fiquei mole pra caramba, mas
eu sou assim mesmo. Qualquer cortadinha no dedo, ai! Bota um band-aid! Mas eu sou assim mesmo, tá?
Mas a minha filha está: “Mãe, mais do que você está não existe, você está ótima!” Eu digo: “É porque
não é com você!” Eu falo brincando, né? Cheguei aqui na sala agora encontrei umas colegas de leito: “O
que você está fazendo aqui, menina?” Ela respondeu: “Eu estou fazendo o que a sra. vai fazer”. Aí eu
disse: “E se eu operar de novo você vai também?” É brincadeira. É um pessoal muito bom, muito bom
mesmo. As meninas copeiras lá, chegou na hora certa é bandeja e mais bandejas de comida, tudo comida
de dieta, sem sal, mas muita comida que a gente não dá conta de comer tudo. É suco, daí 2 horas é mais
lanche, café com leite, biscoito pra pessoa que puder e quiser comer. Ah! Eu não dou conta de comer tudo
não. Mas eu senti saudade, senti. A gente vinha vindo pra cá...

114
ENTREVISTA Nº 3
Pesquisadora: Como a sra. se sente sexualmente depois que a sra. fez a cirurgia?
Paciente: Olha, apesar de eu estar aposentada sexualmente, mas eu acho que está tudo em cima como
dizem os jovens. E eu acho que se eu estivesse na atividade, eu estaria muito bem porque quando eu sinto
alguma coisa eu tomo uns calmantezinhos, qualquer coisa. Mas eu acho que está bom.
Pesquisadora: Quando a sra. sente algumas coisas...
Paciente: Umas coisinhas, umas excitações, vamos dizer assim, eu tomo um calmante, um banho gelado
e resolve a situação. Mas eu tenho a impressão que não alterou nada não, eu acho que não. Eu imagino
que não altera em ninguém, eu acho, não sei. De repente uma pessoa é diferente da outra, não é? Em mim
realmente não alterou nada. Resolvi me aposentar agora e...
Pesquisadora: Resolveu se aposentar agora...
Paciente: Sexualmente falando.
Pesquisadora: Antes da cirurgia a sra. já estava aposentada sexualmente?
Paciente: Antes da cirurgia eu já estava aposentada.
Pesquisadora: Já estava aposentada?
Paciente: Já estava aposentada. Porque eu acho que já... passou da minha fase aquela euforia toda, já vivi
bastante, vivi muito bem a vida. Então eu acho: dar a vez para os outros (e dá uma gargalhada).
Pesquisadora: A sra. não quer entrar na competição do mercado?
Paciente: Não, não. Absolutamente não. No meu tempo era bom que não tinha o problema da aids, não
tinha problema de nada, né? Então era tudo mais tranqüilo de maneira que tudo era mais interessante. Mas
antes disso, de eu tratar da cirurgia, eu já havia me aposentado porque eu achei que já estava na época de
eu me aposentar.
Pesquisadora: Sexualmente falando?
Paciente: E me aposentei mesmo! E profissionalmente falando também me aposentei.
Pesquisadora: A sra. trabalhava?
Paciente: Trabalhava. Eu era secretária de uma companhia de construção civil. Nesta última firma eu
trabalhei 15 anos. Eu era secretária lá e quando chegou a época eu me aposentei.
Pesquisadora: Trinta anos de serviço?
Paciente: 31 e uns quebrados. Quer dizer, os outros anos foram em outras empresas, né? Na última foram
15 anos. E aí eu me aposentei e aí é que eu fui realmente aproveitar a vida. Me aposentei chegando aos
49, comecei a trabalhar muito cedo e felizmente com carteira assinada. É importante. Então eu disse:
“Bom, já aproveitei bastante”. Isso não quer dizer que quando eu trabalhava não aproveitava a vida.
Aproveitava sim. Mas depois que eu me aposentei, que eu tive tempo livre, aí né, muito mais. Aí eu achei
que sexualmente falando estava na hora de eu me aposentar também. E assim foi.
Pesquisadora: Não tem mais vontade de continuar com a atividade sexual?
Paciente: Não, não quis, muito embora eu sinta de vez em quando uns arrepiozinhos. Mas quando esses
arrepios vêm, eu tomo um banho gelado, eu tomo um calmante, alguma coisa, procuro pensar em alguma
coisa que me preocupe e que passa num instante (e dá uma gargalhada).
Pesquisadora: A sra. pode falar mais desses arrepios?

115
Paciente: Esse arrepios são aqueles arrepios que todo mundo sabe. Aquelas excitações... a gente começa
a pensar... as vezes lembra de coisas passadas e começa a pensar o que não deve. Aí começa a ficar
arrepiadinha e tal coisa. Aí eu digo: “Não! Estou aposentada, então vamos dar um jeito nisso: chuveiro
frio! Pronto!” Depois pega um calmantezinho, um chazinho de cidreira, erva-doce. A sra. desculpa que eu
estou falando muita bobagem.
Pesquisadora: Que isso! A sra. pode falar a vontade. Eu estou adorando ouvir a sra. falar com tanta
descontração.
Paciente: Mas é, não adianta ficar assim porque é realmente o que está acontecendo. Então eu resolvo
com meu chazinho de cidreira, que é calmante, ou com outro calmantezinho e tal... E assim eu me sinto
muito bem. Mas realmente agora falando sério eu acho que já estava mesmo na época de eu passar o
bastão, como dizem (e dá uma gargalhada).
Pesquisadora: Pendurar a chuteira?
Paciente: Pendurar a chuteira, é. Já estava na época. Eu estou com 67, quer dizer, então não é tempo prá
eu ficar como menininha naquela loucura, naquela euforia não. É aquele negócio: depois de uns certos...
quando a gente é jovem é aquela euforia, é aquela coisa, nossa! Parece... mas quando a gente está mais
centrada, vamos dizer assim, as coisas vão mais lentamente, porém de qualidade maior e melhor. Então
eu aproveitei tudo que eu pude. Eu acho que aproveitei mesmo, mas muito bem sem nunca, vamos dizer
assim, prejudicar ninguém, sem nunca afetar ninguém porque eu acho que para que a minha ou a sua
estrela brilhe não precisa apagar o brilho da estrela do outro.
Pesquisadora: Claro.
Paciente: Né? Então nós podemos juntar os brilhos delas todas: vamos brilhar todo mundo junto! Cada
um pro seu canto, mas tudo... então, eu acho, eu sempre fui muito assim extrovertida, a vida toda.
Trabalhava cantando, a companheira da sala dizia assim: “Você não pára de cantar?” Eu dizia: ”Você
quer que eu chore? Eu não!” Eu batia máquina cantando. Eu sempre fui assim, extrovertida a minha vida
toda. A minha irmã as vezes fala: “Você tem que ser mais...” Eu digo: “Mais como?” Eu não vou me
recolher, eu não estou fazendo nada de mal a ninguém! Só conversando e tal. É isso.

ENTREVISTA Nº 4
Pesquisadora: Depois da mastectomia, como é que você se sente sexualmente?
Paciente: Olha, no início mexeu com a minha cabeça.
Pesquisadora: Mexeu com sua cabeça...
Paciente: Eu achava que meu marido não ia, sabe, ser a mesma pessoa comigo como antes, entendeu?
Mas bem que eu vi que ele é a mesma pessoa que sempre foi, com o tempo, sabe, que eu era normal. Que
eu acho que agora, né, você tira uma coisa, né, você não está normal. Vou ficar agora, né, depois da
cirurgia (está se referindo à reconstituição mamária). Então eu evitava trocar de roupa perto dele,
entendeu? Quando ia tomar banho, me sentia mal, entendeu? De me ver assim só com um seio, sabe.
Porque realmente não adianta falar que não mexe com a cabeça, porque mexe. Mexe um pouco com a
cabeça do ser humano. Só depois que você vai convivendo, que você vai vendo, aceitando, entendeu? Aí,

116
agora, eu já me aceito com mais naturalidade, mas no início foi difícil. E com meu marido a nossa vida
está normal, graças a Deus.
Pesquisadora: Está normal...
Paciente: Está normal. Ele quer que eu faça porque acha que vai ser bom pra minha cabeça (a paciente
novamente se refere à reconstituição mamária). Entendeu? Não vou ficar com aquela coisa, né, está
faltando alguma coisa em mim. “Ivanilda, faz que se é prá você se sentir bem, pode fazer. Mas que não
vai alterar nada no nosso relacionamento”, ele disse isso pra mim. Entendeu?
Pesquisadora: Ele disse isso pra você...
Paciente: Ele disse isso pra mim, ele é muito meu amigo, eu pude ver isso agora, né? Graças a Deus eu
vou fazer 30 anos de casada, mas é como se eu tivesse casado agora. Eu vivo muito bem, graças a Deus.
Graças a Deus por isso. Tem muitas mulheres aí que eu vi no hospital que o marido saiu até de casa,
arrumaram outra esposa, entendeu? E quando, sei lá, não existe amor, né? Porque quando se ama de
verdade, né, eu acho que isso daí não altera. Entendeu?
Pesquisadora: Quer dizer, você não viu alteração?
Paciente: Não, não vi mesmo. Te digo com toda sinceridade: ele é a mesma pessoa que era comigo antes,
entendeu? Até minhas filhas comentam isso comigo em casa: “Poxa, mãe, meu pai gosta mesmo de
você!” Entendeu? Que agora que ele provou isso, né?
Pesquisadora: O relacionamento sexual de vocês agora...
Paciente: É normal.
Pesquisadora: Normal.
Paciente: Normal. Tá devagar porque na minha idade já né... (e ri). Na minha idade, com tudo que eu já
passei mexe um pouco com a cabeça, entendeu?
Pesquisadora: Certo.
Paciente: As vezes tinha dia que eu estava afim e eu tinha vergonha de falar pra ele, sabe? Aquilo mexeu
mais comigo do que com ele, entendeu?
Pesquisadora: Mexeu mais com você...
Paciente: do que com ele. Eu é que ficava, eu evitava as vezes chegar pra ele e falar: “Vamos namorar
hoje?” Eu tinha vergonha de falar porque eu achava que ele não ia aceitar, entendeu? Ou poderia até
aceitar só para não me deixar triste. Isso era o que passava na minha cabeça, entendeu?
Pesquisadora: Na sua cabeça...
Paciente: Na minha cabeça. Mas só que no início meu marido me respeitava muito, entendeu? Sempre
que eu estava operada, quando eu ganhei minhas filhas e tudo. Ele nunca foi assim de abusar, entendeu?
Só se eu estivesse bem de saúde, ele sempre foi assim meu amigo: “Se você estiver bem, estiver afim,
tudo bem. Se não estiver, só para me satisfazer, não vale a pena”. Ele sempre conversou assim comigo,
sabe? Então, é por isso que eu digo: ele sempre foi meu amigo, sabe?
Pesquisadora: Amigo...
Paciente: Sempre, graças a Deus por isso! Ele é um homem bonito, ainda novo sabe. Não é desses
maridos caidão, apesar de que ele é mais velho do que eu 7 anos e eu estou mais velha do que ele, sabe (e
ri). Tem os olhos azuis, todo mundo pensa que ele é gaúcho. Eu falo que ele é do Recife, eu nunca vi
gaúcho! Gaúcho do nordeste! (e ri muito). Meu genro é que me encarna: “Puxa vida meu Deus, meu

117
sogro tão bonito, de olhos azuis, casou com essa Paraíba!” Eu digo: “Eu não conheço nem a Paraíba!” Eu
sei que Recife não é na Paraíba. Eu nasci em Recife e Recife é nordeste, não é Paraíba. Paraíba é outro
estado. Eu não nasci na Paraíba, ele me encarna, ele é muito palhaço e fica me encarnando, né? Mas a
minha vida, graças a Deus, tem sido uma maravilha com a minha família, sabe. Mas sei que agora, quem
me deu força mesmo para fazer essa cirurgia foi a minha dermatologista. Eu não ia fazer. Porque quando
eu fiz a cirurgia (mastectomia), Dr. ________ falou assim: “Depois de 2 anos você vai fazer uma
reconstituição da mama”. Mas logo que você faz a cirurgia (mastectomia) você fica muito traumatizada e
eu achava que não queria mais mexer aqui. Mas depois a minha médica falou assim: “Ah! Vai fazer, você
vai se sentir muito melhor. Você ainda é jovem, sabe, não está uma senhora caída ainda, entendeu, só tem
50 anos. A minha paciente fez, ficou muito bem, entendeu?” A paciente dela de 52 anos fez e está ótima.
Ela me deu força, entendeu, conversando comigo. Aí eu falei: “Ah, então eu vou fazer!” Eu perguntei ao
meu ginecologista: “É perigoso fazer?” Ele disse: “Que nada! Eles fazem isso todos os dias”. Ele me deu
força também, entendeu.
Pesquisadora: O que o seu marido está achando?
Paciente: Meu marido está achando que eu devo fazer, que eu vou me sentir melhor. Se eu vou me sentir
melhor, ele aceita. O que é melhor para mim é melhor pra ele, entendeu?
Pesquisadora: Ele é amigo mesmo...
Paciente: Graças a Deus! O meu genro falou assim pra ele: “Ah, se fosse minha mulher não fazia”. Aí
meu marido: “Por que?” Ele disse: “Porque toda cirurgia é um risco, toda cirurgia tem seu risco,
entendeu. Se fosse minha esposa não ia fazer”. Aí meu marido: “Não, que, vai fazer sim!” Minha pressão
é boa, né? Eu estou com a cabeça boa, graças a Deus. Então eu acho que estou pronta pra encarar mais
essa.
Pesquisadora: Você está pronta. Você mesma falou.
Paciente: Estou doutora?
Pesquisadora: Está.
Paciente: Estou mesmo? Muito obrigada! Eu me sinto segura, me sinto com força para fazer, sabe. Pra
você ter uma idéia, quando eu me internei pra fazer essa cirurgia (mastectomia), eu não deixei o meu
marido vir, nem minhas filhas me trazerem no hospital. Como meu cunhado vinha pra cidade, eu peguei
uma carona com ele e vim. Minhas filhas queriam faltar ao serviço, meu marido queria largar o serviço
pra vir me trazer. Eu não deixei ninguém vir, sabe porque? Porque eu sabia que eles iam sofrer. Iam me
deixar no hospital e voltar pra casa chorando, ia estragar o dia deles. Aí eu não deixei que ninguém
faltasse ao serviço, as meninas tiveram atividade normal, foram trabalhar e estudar porque eu vou me
operar e vou me dar bem. E vou voltar numa boa. E eu entrei aqui no hospital com a minha bolsa e todo
mundo que se internou junto comigo chorando e eu bem. Aí a minha médica falou assim: “Puxa, você
veio sozinha?”. “Eu vim”, respondi. E contei a minha história pra ela. Aí ela disse: “Isso é muito bom
porque você está segura no que você vai fazer”. Eu falei: “Vou fazer e vou me dar bem”. Aí, no dia
seguinte, eu fui ligar pra minha casa...não! Quando eu subi, a enfermeira falou assim; “Liga pra casa pra
dizer que já internou”. Aí eu liguei pra minha casa, não tinha ninguém, estava todo mundo trabalhando.
Aí eu liguei pra minha irmã, que é ao lado da minha casa. Aí falei: “Liga pro serviço do meu marido, liga
pro banco onde minha filha trabalha e fala que eu já estou internada, tudo bem e que amanhã já estou

118
operada”. Aí quando a minha médica entrou na sala, depois do almoço, eu contei pra ela e ela disse: “Isso
mesmo, tem que ser assim”. E as outras meninas tudo chorando, uma chorava muito com medo, sabe. Aí
eu falei: “Gente, se a gente confia em Deus, vamos colocar a nossa vida nas mãos dele, sabe. E pedir que
ele tome frente e dê sabedoria cada vez mais aos médicos, entendeu? Né? Porque quanto mais sabedoria o
homem tiver, melhor pra gente, né? A sabedoria vem de Deus, né? Então, a gente tem que pedir a Ele
cada vez mais sabedoria porque tudo que você vai fazer, você faz bem. Porque Deus é sábio, Ele está ali
do teu lado, te orientando, né?”
Pesquisadora: E você está aqui agora com...
Paciente: Um encaminhamento.
Pesquisadora: Um encaminhamento para cirurgia plástica para fazer reconstituição.
Paciente: Isso.
Pesquisadora: Muito bem.
Paciente: E tem mais uma coisa, doutora. Quando eu fizer a minha plástica e estiver muito bem, eu quero
em dia de domingo vir aqui ao hospital para dar força às pessoas que estiverem internadas porque Deus
sempre tocou isso no meu coração, sabe? Foi um momento difícil que eu passei dentro do hospital: fazer
biópsia, foram 4 biópsias para poder dar o resultado. Estava muito escondido esse câncer. Dr. _______ se
não fosse tão bom, acho que ele tinha deixado pra lá. Mas ele não: a 1ª vez não deu resultado nenhum. Ele
pediu a 2ª, não deu. A 3ª não deu. Na 4ª é que deu. Estava muito escondido, entendeu? Então eu achei que
ele se interessou muito pelo meu caso. Dr. ________ , sabe, vou te contar, eu falo pra todo mundo aqui:
esse médico...muito, muito bom mesmo, sabe. Porque tem médico que é de hospital público que não se
interessa pelos pacientes. Eu estava com médico particular, entendeu, me liberou e disse que eu não tinha
nada porque os exames não deram nada, entendeu? Aqui que ele falou até para as meninas que estavam
tendo aula com ele, se ele fosse acompanhar meu caso pelos exames ele não teria me operado. Ele me
operou porque ele insistiu na biópsia porque realmente estava muito escondido. Esse período assim de
fazer a biópsia é muito, sabe, sofrido. Mexe muito com a tua cabeça, entendeu? Então eu tive que
internar, fazer a cirurgia maior para poder ter o resultado. Aí, como eu já tinha feito 3 biópsias e não dava
nada, eu estava certa de que não era nada. Aí eu fiz a 4ª e deu. Aí aquilo me arrasou, mexeu com a minha
cabeça porque você que nunca teve um câncer você acha que é uma coisa do outro mundo, que não tem
cura. Então, quando a médica falou que tinha que fazer a retirada da mama, né, aí eu comecei a chorar.
Tinha 2 filhas noivas pra casar. Puxa vida, nem vou fazer o casamento das minhas filhas. A gente pensa
logo nos filhos, entendeu? Aí aquilo mexeu muito com a minha cabeça. Mas depois eu comecei a ler, ver
televisão a respeito do assunto, entendeu? Aí eu fui vendo assim, não é um bicho de 7 cabeças...que se
você, você que conhece seu corpo, você tem que ter cuidado com seu corpo. Sempre se examinar,
entendeu? Então, no meu caso, foi uma pancada que eu levei, o médico falou pra mim uma vez. E
começou a dar um inchaçozinnho na mama. Isso em dezembro. E em janeiro comecei logo no médico,
entendeu? Só que eu fiz todos os exames e não deram nada conforme os outros exames que também não
deram nada. Aí o médico falou: “Você está com 49 anos, isso pode ser da menopausa, mexe muito os
hormônios, entendeu? Não fica preocupada não”. E me liberou. E eu falei: “Não, agora eu vou pro
Servidores!” Aí eu vim pra qui e caí nas mãos do Dr. ______. Graças a Deus! Senhor!
Pesquisadora: E agora você está com encaminhamento...

119
Paciente: ...para uma nova etapa em minha vida. E vou ter sucesso mais uma vez!
Pesquisadora: Te desejo toda sorte!
Paciente: Muito obrigada!
Pesquisadora: Te agradeço por ter participado do meu trabalho e me ajudado.

ENTREVISTA Nº 5
Pesquisadora: Como a sra. se sente sexualmente depois da cirurgia?
Paciente: Depois que eu operei foi normal. Daí pra cá foi normal (faz uma pausa demorada). Porque ele
me deu muito apoio, meus filhos me deram muito apoio. E eu tive minha vida, senti muito, chorei muito,
passei dias na cama, minhas filhas todas pequenas. E daí pra cá minha vida não foi normal como era
antes. Eu já vinha com aquilo há 2 anos, caroço no seio. Mas o meu marido trabalhava viajando, ele
estava 2 anos em Brasília. Eu estive aqui no hospital, uma doutora me examinou e daí pra cá eu fui pra
cirurgia, da cirurgia resultou a operação.
Pesquisadora: Certo. A sra. operou que lado?
Paciente: O lado direito.
Pesquisadora: E a vida sexual da sra.?
Paciente: Foi normal, a mesma coisa até o ponto em que ele apareceu com uns nodulozinhos na parte,
né? E ainda está com problemas até que agora resultou problema maior pra ele. Ele está doente mesmo e
está usando até fraldão.
Pesquisadora: Ele tem que idade?
Paciente: Tem 72 anos, mas ele é forte, novo, é bonitão, não é porque é meu marido não, mas é, né?
Pesquisadora: E a sra. tem quantos anos?
Paciente: Eu tenho 74 anos na certidão, né? Mas tem muita gente que não acredita que eu tenha essa
idade porque eu não paro. Meu estado normal é fazendo serviço dentro de casa, faço tudo. Faço tudo,
então... de um tempo pra cá... no começo eu senti muito, mas depois eu fui esquecendo. Tive apoio da
família: é o melhor remédio pra gente, é o apoio dentro de casa, né? Então me distraí, tem hora que eu até
esqueço que tenho esse problema. Vivi a vida normalmente que eu sempre tive calma também. Não sou
desesperada. Se tem que acontecer semana que vem, eu só vou pensar aquela semana, não vou pensar
antes que é pior, né?
Pesquisadora: Entendi.
Paciente: E tem sido isso.
Pesquisadora: Quer dizer que na época que a sra. operou a sua vida sexual com seu esposo...
Paciente: Passaram dois meses daí é que começou normalmente. Mas no começo não, né? Eu ainda
fiquei de repouso um tempo, né. Tomei muito medicamento que eu acho que hoje em dia não tem nem
mais aquele medicamento que eu usei. Tomei muito remédio. Meu marido foi muito bom. Fomos até num
centro espírita. E eu fiz até uma cirurgia invisível, né. E foi muito bonita essa operação. Eu é que não sei
contar direito, mas foi lindo. Eu sou medrosa, sempre fui medrosa, né. Mas eu tive uma coragem: deu
coragem em mim na hora que eu fiz tudo direitinho conforme... esse sr. já faleceu, né. Era um velhinho,
era vovô, era vovô Caetano, mas ou menos isso, né? Acho que foi lá em Guadalupe, meu marido me

120
levou. Ele tinha paciência, ele me levava em todos os lugares, ele queria ver eu boa, né? Aí eu fiz também
o remédio. Teve um chá de pena de jacu ou ambu, era uma pena preta, né? Ele ia todo mês lá buscar, eu
tomava aquele chá, cozinhava, fazia aquele chá, tomava como se fosse água 3 vezes ao dia. E eu acho que
fiz durante uns 6 meses ou 1 ano, tomando esse chá. Foi muito bom, quer dizer que eu tive esta cura
também, né? E daí a minha vida sempre foi normal: faço tudo dentro de casa, procuro até serviço que não
tem eu procuro fazer. Eu não sei ficar parada: é costurar, fazer crochê agora não posso mais por causa das
vistas, era bordar, fazia tudo. Lavo paninho de prato, não lavo roupa grande porque tem máquina senão
lavava também, né? Agora, a gente sente uma diferença, né? Essa parte aqui fica meio dura (leva a mão
ao local operado), que aí tem que ficar sempre fazendo movimento: pra lá, pra cá. E também quando a
gente faz muito esforço dói essa parte aqui porque não tem a parte daqui e repuxa até essa parte. Não é
dizer que eu venho esse tempo todo sem sentir nada, eu sinto tudo, mas eu não ligo. Uma dor aqui, uma
dor ali, vou ao médico, ele passa um remédio, melhora. Vou indo. Eu digo: se Deus quiser que me dê
mais anos pela frente.
Pesquisadora: Está bom, Dª _____. Muito obrigada pela sua participação

ENTREVISTA Nº 6
Pesquisadora: Depois que você fez a mastectomia, como você se sente sexualmente?
Paciente: Normalmente. Normal. Não tem nada inclusive meu marido se preocupa muito comigo, não sei
se porque tem mais idade do que eu, não sei se também porque ele é... é... é... português, assim esse
sistema familiar, muito assim... família, e eu tenho dois filhos maravilhosos também que colaboraram
muito com isso, né? Então eu tenho um filho que faz educação física (está terminando). E tem o outro que
faz enfermagem nível superior e pretende seguir a carreira médica. E eu como sou professora trabalho
também em escolas, não parei de trabalhar, continuei trabalhando. Eu trabalho com nível de 2º grau,
trabalho com normalistas, trabalho com psicologia, didática, estrutura, filosofia. E no município eu sou
especialista em educação, orientadora educacional, já trabalho há 28 anos no município, já fui diretora de
escola, agora trabalho na direção, mas não com diretora. E nada disso me atrapalhou nem na vida
profissional, nem na vida sexual, nem nas minhas...assim...digamos...amizade, com as minhas colegas,
nada. Continua normalmente. Meu marido gosta de dançar, de vez em quando a gente vai a um baile, uma
festa dançante. E quer dizer...está tudo normal. Alimentação normal. Dirigo. Eu tenho uma amiga que fez
essa cirurgia parecida com a minha, o mesmo caso, só que ela não dirigiu mais, ela se acomodou, não
pintava mais o cabelo. Eu não: eu pinto o cabelo, eu continuei pintando, fazendo unha, me arrumando. E
agora até estou um pouco preocupada aqui do lado direito porque está saindo uma gordurinha porque eu
engordei, aí depois eu vou tentar falar com meu querido médico porque eu amo o meu médico. Porque o
Dr. ________ já faz parte da minha vida, então eu gosto muito dele como profissional e como gente:
porque ele é 10, sabe? Então eu vou ver se ele me encaminha para tirar essa gordura porque está me
incomodando. Quando faz calor ela me incomoda na axila assim porque eu engordei também um pouco.
Mas olha eu continuo bem, tudo normal.
Pesquisadora: Está certo.
Paciente: Trabalhando.Tudo numa boa.

121
Pesquisadora: Trabalhando bastante...
Paciente: Trabalho bastante. Trabalho em casa: quando estou em casa estou sempre fazendo alguma
coisa, mudando alguma coisa, estou fazendo... minha casa é muito grande e trabalhosa, então eu estou
sempre querendo ajeitar as coisas, arrumar, tá? Eu nunca estou parada. Em 74 eu fui Miss Campo Grande,
nem por isso me deixa recalcada. Fui uma mulher bonita, paquerada, super paquerada, bonitona. E agora
está assim: faltando um pedaço de mim. Mas eu estou erguendo a cabeça e indo pra frente. É passado... só
os filhos ficam caçoando por causa dos retratos, né? Eles falam assim: “não é possível minha mãe, a sra.
tão bonita, tão gostosa, tão fofa e você está assim ficando velha, vai fazer uma plástica para ficar bonita
outra vez”. Eles mexem comigo... porque em 74 eu fui Miss Campo Grande... desfilava... tinha as pernas
bonitas. Fui convidada para fazer propaganda de meia na Casa Olga, até cheguei a fazer umas
propagandas pequenas... Então, nem por isso eu poderia agora estar quebrada porque passou tanta coisa
boa, mas eu não me acho assim jogada fora não! E ainda sou paquerada. E eu penso assim comigo na rua
quando vejo eu estou no sinal, um rapaz me paquerando, eu penso: “Há, meu Deus, ele está olhando só
meu rosto, não está vendo nada” (e ri). As aparências enganam realmente, né? Aí eu fico pensando:
coitado, agora estou velha e não estou com nada (e ri). Mas eu continuo, sabe sra. enfermeira, muito feliz
porque eu estou vivendo, né? Estou cercada de pessoas amigas, você que estou conhecendo que é uma
pessoa simpática, inteligente também, que está fazendo um trabalho maravilhoso, que é a enfermagem,
que o meu filho faz. Eu acho lindo. E o dr. _______ e dr. ______ , eu estou muito bem: estou muito bem
amparada, graças a Deus. Iluminada pelos anjos e por vocês também.
Pesquisadora: Você atualmente mantém relação sexual com seu esposo?
Paciente: Sim. Normal, normal.
Pesquisadora: Normal.
Paciente: Normal. A parte de sexo não tem nada...não mudou nada. Normal. Bem carinhoso, cuidadoso
comigo (pausa).
Pesquisadora: Está bom. _______, muito obrigada.

ENTREVISTA Nº7
Pesquisadora: Depois que você fez a cirurgia, como é que você se sente sexualmente?
Paciente: Me sinto bem, não sinto nada, não sinto dor nenhuma. Eu danço, bebo cerveja, fumo, e eu não
sinto nada, nada , nada.
Pesquisadora: Não sente nada...
Paciente: Nada, só esse caroço que saiu que eles vão fazer pra ver se vai ser alguma coisa. Mas não sinto
nada. Danço. Dou força a outras pessoas que já fez e está pra baixo. Eu levanto porque isso daí é uma
coisa que se a pessoa abaixar a cabeça é pior. Eu não sinto nada nada. As pessoas não acreditam. E eu
digo: “É”. E mostro às pessoas. Porque assim (aponta para a blusa) não dá pra ver, né?
Pesquisadora: Não dá pra ver.
Paciente: Mas pra mim foi ótimo: operei bem, me trataram muito bem aqui, muito bem mesmo. Só fiquei
aqui porque estava com o dreno, aí não fui pra casa.Mas me trataram bem. No dia da alta, ninguém queria
que eu fosse embora. Eu sei que foi tudo bem.

122
Pesquisadora: Você é casada?
Paciente: Não. Viúva.
Pesquisadora: Viúva. Tem filhos?
Paciente: Tenho 2 : o menino de 23 e a menina com 18.
Pesquisadora: E você mora com...
Paciente: Com estes dois.
Pesquisadora: Depois que você fez a cirurgia, você já teve algum relacionamento sexual?
Paciente: Já, já.
Pesquisadora: E como é que foi? Você pode falar prá mim?
Paciente: Normal, normal.
Pesquisadora: Normal.
Paciente: Normal, normal mesmo (pausa). Pode perguntar que eu... eu não vou falar uma coisa que é
mentira, vou falar uma coisa que é verdade.
Pesquisadora: Hum hum.
Paciente: Agora vou falar uma coisa que... igual ao médico que pergunta se eu estou sentindo alguma
coisa. Pra que que eu vou dizer que estou se eu não estou sentindo nada?
Pesquisadora: Isso.
Paciente: Não é não? Inventar uma coisa é só da cabeça das pessoas, não é não? E falar uma verdade que
eu estou... que... que eu estou fazendo aqui: por causa que saiu um caroço e a doutora pediu.
Pesquisadora: Hum hum.
Paciente: Se tiver que operar eu opero. Não estou com medo, nunca tive medo. Um dia eu vou mesmo,
todo mundo vai.
Pesquisadora: Vamos todos.
Paciente: Pra que ficar com medo? O medo é pior. Tem que deitar na mesa e entregar na mão de Deus e
mandar ver. Aí tem que fazer a biópsia. Eu fiz essa biópsia do meu seio a sangue frio, eles não deram uma
anestesia porque estava inflamado e eles cortaram. E eu estou aqui: saí de lá, eles deram uns pontos e fui
pra casa. E estou aqui graças a Deus. Amanhã vou trabalhar, depois de amanhã estou em casa, depois de
amanhã trabalho. E vou vivendo a vida. Não tenho um pingo de medo de um dia eu ir. Porque eu acho
que a pessoa...assim... se não levantar a cabeça e não entregar na mão de Deus, a doença vai tomar conta
com certeza. Porque aí ela vai dizer que está com uma doença na cabeça, uma doença no braço, tudo que
sair é doença. Pode ser assim não. Eu não vou dizer para as pessoas que sou forte, não vou. Quero dar
força para as pessoas que estão pra baixo. Porque não adianta a pessoa ficar pra baixo... a doença um
dia... a gente tem que ir como todo mundo tem que ir, não é não?
Pesquisadora: É. Quantos anos você tem?
Paciente: 43 anos. Fiz semana passada.
Pesquisadora: Teve bolo?
Paciente: Teve. Fizeram uma festinha pra mim lá no botequim mesmo. Lá em casa segunda-feira
fizeram... Sempre alegre, sempre de bem com a vida.
Pesquisadora: É isso aí. Está bom, _______, te agradeço muito por ter me ajudado

123
ENTREVISTA Nº 8
Pesquisadora: Como é que a sra. se sente sexualmente após a cirurgia?
Paciente: Não tenho problema desse. Eu nunca fui muito... se fosse “agitada” por causa de sexo teria
casado mais cedo (e ri), não é? E eu sempre gostei... eu sempre fui assim... quando eu... se eu estiver a
casar-se com uma pessoa que eu ame, se eu não amar não adianta que não vem para perto de mim. Pode ir
embora! E sempre fui aquilo. Então encontrei um brasileiro, também que eu não sou brasileira, não. Já
tenho 49 anos de Brasil. Meu marido era brasileiro. A gente se identificou, se gostou e nos casamos. Aí
ele já desencarnou vai fazer 21 anos dia 1º de dezembro. Eu aqui fiquei sozinha, moro sozinha lá em
Engenheiro Pedreira. Graças a Deus não tenho mais... o resto não tenho mais, não tenho problema
nenhum de sexo não.
Pesquisadora: Certo.
Paciente: É que eu tenho uma alergia, tive uma alergia antes de operar. Fiz tratamento lá em cima em
Queimados, mas não acabei de fazer o tratamento completo. Mas de vez em quando me ataca: dá aquelas
bolinhas como uma mordida de mosquito principalmente nas partes das virilhas. Mas eu passo a pomada
quadriderm, essa é que se dá. Eu trago aqui na bolsa, pra onde eu vou eu levo, não posso ficar sem ela. O
resto está tudo bem, graças a Deus.
Pesquisadora: Estou percebendo que está tudo bem...
Paciente: Pois é. Quando a pessoa, no meu modo de entender, se entrega à doença, ela sente dor de todo
lado. Porque eu também sinto dor... a idade... e a minha vida como jovem, como adolescente, foi sempre
embaixo de uma friagem muito grande lá na minha terra. E eu não tinha o que vestir: eu tirava a roupa à
noite pra dormir e no dia seguinte ia vestir a mesma roupa molhada. Então aquilo me ataca muito os
nervos, o reumatismo. Mas eu já venho aqui várias vezes para tratar do reumatismo, mas só pro ano que
vem é que tem consulta. Ah, não dá não, meu Deus! Aí comprei uma bolsa térmica, mês passado me
atacou aqui assim (aponta a coluna lombar), parecia que tinha um prego enfiado. Não podia dar um passo,
não podia me sentar. Aí eu apanhei a bolsa térmica, a panela de água fervendo, deixei ela ficar lá dentro 5
minutos, depois embrulho numa toalha e coloco ali, me deito. Me alivia muito. Eu já tive aqui (aponta a
coluna cervical) que nem podia torcer o pescoço, dava grito para virar a cabeça no travesseiro. Eu
comprei por minha conta mesmo. Mas graças a Deus, o resto... bem... me dou com todos, gosto de
conversar. Se puder ajudar alguém não deixo de ajudar em qualquer sentido. Eu tenho minha religião, sou
cristã-espírita. Tem um centro lá que eu faço parte há 45 anos. Vou lá, canto com as crianças e me sinto
bem à vontade.
Pesquisadora: Cheia de vida Dª. _________.
Paciente: Graças a Deus eu sou cheia de vida. Apesar da minha idade, dos meus problemas, já fiz 4
cirurgias. Mas assim mesmo tenho muita vida pra viver.
Pesquisadora: É isso aí.

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ENTREVISTA Nº 9
Pesquisadora: Como é que a sra. se sente sexualmente depois da mastectomia?
Paciente: Normal. Não tive nada. Normal.
Pesquisadora: A sra. é casada?
Paciente: Eu sou.
Pesquisadora: Tem vida sexual ativa?
Paciente: Tenho meu marido.
Pesquisadora: E como é que foi o comportamento dele em relação à sua cirurgia?
Paciente: Muito bacana, Deus me livre, não tenho o que falar.
Pesquisadora: É mesmo?
Paciente: Muito bacana, não tenho o que falar. Muito amoroso nessas horas. Muito bom. Se o marido não
tiver compreensão danou tudo.
Pesquisadora: Danou tudo.
Paciente: (rindo muito) Aí pronto!

ENTREVISTA Nº 10
Pesquisadora: Como é que você se sente sexualmente depois da cirurgia? Como é que ficou essa parte da
sexualidade?
Paciente: Assim... como assim?
Pesquisadora: Como você entendeu. Como é que você se sente sexualmente?
Paciente: Eu me sinto bem, me sinto bem, bem mesmo. Meu marido fala as vezes... até já pegou um
papel lá embaixo e tudo... pra repor, né, mas eu ainda estou com aquele receio de... com medo né, com
um pouco de medo. Será que eu faço ou não faço? Será que eu vou morrer? (e ri. A paciente aqui se
refere à reconstituição da mama).
Pesquisadora: O teu marido é que está querendo...
Paciente: Tá, tá. Aí ele disse: “Deixo contigo. A decisão é sua. Eu não quero te forçar a nada”. Não
mudou nada eu com ele, mesma coisa, continua o mesmo, sabe, não mudou nada.
Pesquisadora: Não mudou nada.
Paciente: Nada, nada, graças a Deus! Nada.
Pesquisadora: Você mantém relacionamento sexual com ele?
Paciente: Tudo bem. É. Nada. Tem muita força que ele me dá.
Pesquisadora: É.
Paciente: Não mudou nada, ao contrário, ainda mais ainda.
Pesquisadora: Melhorou?
Paciente: É. Aí eu não sei né... ou foi coisa de Deus, né, que me deu essa força toda porque eu rezo
muito, peço muito a Deus para me dar bastante força, né. Deus me ilumina muito, né. A gente fica assim
com receio as vezes. Vai fazer uma mamografia, aí tira a blusa, fica constrangida, né, de tirar a roupa e
coisa, né, mas depois passa. É só naquele momento, né, aí passa.
Pesquisadora: Hã, hã.

125
Paciente: Tá tudo bem, graças a Deus.
Pesquisadora: Está certo, muito obrigada.

ENTREVISTA Nº 11
Pesquisadora: Depois que a sra. fez a mastectomia, como é que a sra. se sente sexualmente?
Paciente: Eu sou viúva, né. Mas eu sou ‘fogueta’ até hoje! Eu não tenho mais coragem de ter ninguém
porque eu não tenho coragem de tirar a roupa na frente de ninguém.
Pesquisadora: Mesmo antes da plástica?
Paciente: Eu já tinha... já tinha...
Pesquisadora: A sra. tinha namorado?
Paciente: Tinha, tinha.
Pesquisadora: Depois que a sra. fez a mastectomia, a sra. tinha namorados?
Paciente: Tinha. Mas tinha reserva, a gente sempre tem muita vergonha. Não tem mais coragem de tirar a
roupa. Custei muito para tirar a roupa para minhas netas verem. A gente sente faltando um... talvez se
tivesse ginecológico (aqui ela se refere ao câncer ginecológico) talvez a gente não se sinta tão castrada
como a mama, né. Eu acho a mama a parte mais importante para a mulher esteticamente. Não a cabeça,
nem a alma, nem nada, mas estético. A gente... custei muito a me olhar no espelho, muito, muito, muito.
Por isso, eu fui correndo tentar... para eu poder ter minha auto estima. É muito... quando a gente tira não...
Eu podia ter tirado da primeira vez quando deu que era 4 cm, depois ele diminuiu com remédio, ficou 1,5
cm quando eu tirei só um quadrante. Podia ter tirado de uma vez. Se eu tivesse feito aqui no hospital
talvez eles tivessem me convencido a tirar de uma vez. A primeira vez eu não teria sofrido tanto.
Pesquisadora: Em 95 a sra. fez só o quadrante no hospital particular, depois em 99 a sra. ...
Paciente: Aí veio aquele pequenininho no biquinho do peito. Aí dr. _______ : “Tira, tira, tira tira...” Eu
acho que se fosse hoje... eu acho que já tem... tem remédio... o outro diminuiu com remédio: ele tinha 4
eu tomando o remédio ele foi para... se eu continuasse tomando remédio... é que eu parei com 2 anos, não
teria dado de novo, né?
Pesquisadora: A sra. parou o remédio por sua conta?
Paciente: Parei porque era muito caro. Eu não tinha... agora eu tomo tamoxifeno que até que no hospital
que me dá. Eu estou te dizendo que a pensãozinha é desse tamanhozinho. Tem as filhas, mas a gente que
é mãe... a gente quer dar a eles e não tirar, não é assim?
Pesquisadora: É...
Paciente: A gente prefere as vezes dar... eu pelo menos sou assim: se eu puder dar eu não quero tirar. Era
um remédio inglês, um nome até esquisito. Ele me deu pelo plano ele me deu 2 anos. Mas eu acho que
dentro desses 2 anos ele achou que eu estava curada qualquer coisa assim. Eu não pude comprar que era
cento e tantos reais a caixa, era muito caro. Esse agora que eu compro o posto aqui me dá. Quando não
tem, eu compro na farmácia Vita que é mais barato. Mas antigamente era muito, muito caro. Aí eu não
pude comprar e só tomei 2 anos.
Pesquisadora: Certo.
Paciente: 2 anos depois vim fazer a mamografia para prevenção, mas era um carocinho de milho. Aí o
Dr. ________ : “Tira, tira, tira, tira”. Eu fiquei com aquilo na cabeça. Fiquei aqui 25 dias internada.

126
Minha filha chegou aqui e brigou com eles: “Eu quero minha mãe inteira conforme ela entrou aqui”. E eu
com aquele buraco aqui que tirou tudo, né. Ficou um buraco, como é que eles (a paciente se refere à
equipe da cirurgia plástica) iam tampar? Tudo novo, aquela meninada tudo nova. E eu morrendo aos
poucos, branca, sem sangue nenhum, fiz 2 cirurgias uma atrás da outra...
Pesquisadora: Quer dizer que sexualmente a sra. se sentiu diferente depois que fez a mastectomia?
Paciente: A gente fica meio envergonhada. Não sei se casada, entre marido e mulher, se já estão juntos
algum tempo, tendo amor entre os dois, né, aquele amor, aquela convivência. Mas com namorado não tive
mais coragem.
Pesquisadora: Não teve mais coragem...
Paciente: Não tive mais coragem. A gente é mais idoso... eu fiquei muito coisa porque... é a vaidade da
gente. Não sei se eu porque sou muito vaidosa, não aprendo ainda, ainda sou muito vaidosa.
Pesquisadora: Quer dizer que agora depois da plástica, hoje, a sra. não tem mais namorado, não mantém
mais relação?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: Tem vontade mas...
Paciente: não tenho mais coragem. E esses homens estão cada vez pior.
Pesquisadora: Tem que conhecer muito.
Paciente: E novo não serve.
Pesquisadora: Tem que ser um coroa esperto, não é?
Paciente: E eles só querem jovem! É isso aí.

ENTREVISTA Nº 12
Pesquisadora: _______, depois que você fez a mastectomia, como você vem se sentindo sexualmente?
Paciente: A princípio foi assim: no início eu tomei um choque.
Pesquisadora: Você é casada?
Paciente: Eu não sou casada, mas eu tenho uma pessoa. Então foi assim: eu tinha vergonha, vergonha
mesmo no sentido... assim... até em casa mesmo pra minha mãe fazer o curativo essas coisas, eu tinha
vergonha de me mostrar, de ficar sem roupa. Então, no começo é meio complicado, eu ficava meio
assim... pra mim ficar sem roupa. Até pra eu chegar junto mesmo da pessoa, de outra pessoa, eu ficava
meio assim receosa. Com o tempo aí foi que eu melhorei um pouquinho, mas... eu sempre falo: acho que
tem alguma coisa errada. Mas é que é assim, eu comecei a botar na minha cabeça o seguinte: eu é que
tenho que me aceitar, se eu não me aceitar as pessoas não vão me aceitar. Então eu passei a agir com mais
naturalidade nas coisas, mas ainda assim no fundo a gente sente um constrangimento, ainda existe, não
tem como você dizer que não existe porque existe, mas eu consigo tomar meu banho, me olho no espelho,
me examino toda hora estou me olhando. As vezes até ultimamente eu esqueço que não tenho uma mama.
Quando eu tiro a roupa é que me dou conta. As vezes assim... pra ir à praia, à piscina, então fica meio
difícil você tem que estar se policiando, mesmo usando um maiô adaptado pra prótese que eu uso, ainda
assim você tem que estar sempre se policiando, sempre. Uma roupa que eu vou comprar na loja tem que
estar olhando pra ver se não está tendo muita diferença porque eu sou vaidosa, não vou negar: eu sou
vaidosa. Até quando eu estava no hospital mesmo recém operada já andava me arrumando pra disfarçar

127
um pouquinho, aquela coisa, né. Tanto que o próprio dr. que me operou disse: “Guria , você não parece
uma paciente!” Eu estava sempre me arrumando, botava uma camisolinha, um ‘robizinho’. Agora me
abater mesmo, não cheguei a me abater. No início, lógico, quando você tem a notícia de que está com
câncer de mama e o meu que é avançado, lógico que você desaba. Então eu chorei muito, me desesperei
assim nos primeiros dias. Mas aí com o tempo eu fui conversando com a dra. _______, dr. ______, dr.
_______ que foi quem descobriu, quem me encaminhou pro dr. _______. Então ele começou: “Pára com
isso, você está sendo tratada, está sendo assistida, você vai fazer tratamento, você vai ficar bem”. Aí foi
que eu comecei a pensar realmente: poxa, tem pessoas que estão em estado tão mais sério do que o meu.
Eu sei que o meu é seríssimo, eu sou uma paciente... na época eu era de risco total tanto que eles correram
rápido pra tentar fazer a minha cirurgia o mais rápido possível. Aliás, começar o tratamento da
quimioterapia porque eu tive que fazer o tratamento da quimioterapia para redução do tumor. Mas aí, a
princípio, eu fiquei ... lógico você fica abalada. Hoje em dia eu ainda sou meia... de qualquer maneira a
gente fica com aquele receio... tudo você fica acendendo aquela luzinha vermelha... você já...
Pesquisadora: Deixa eu te perguntar uma coisa: quando você teve a notícia do diagnóstico, teve que
internar e fazer a cirurgia, naquela ocasião você tinha um namorado?
Paciente: Tinha um namorado.
Pesquisadora: Como é que ficou o relacionamento de vocês com essa...
Paciente: Ficou um pouco estremecido. Ele diz que é assim... a pessoa nunca admite.
Pesquisadora: Você está com ele ainda?
Paciente: Ainda, mas sabe, mudou muito sabe... ficou uma coisa meio assim... não sei se de repente de
mim, parte de mim, não sei. Fiquei assim mais receosa, qualquer coisa assim que acontece de diferente eu
já acho que é devido a esse meu problema. Claro que você, é aquela coisa, nós conversamos sobre isso,
lógico. Ele é uma pessoa super informada, muito aberta, são muitos anos já de convivência. Mas ele disse:
“Pra mim você continua a mesma pessoa, isso aí é uma cicatriz, você só tem uma cicatriz”. Mas é aquela
coisa, é uma cicatriz, mas se você se analisar, lógico, se você tiver um senso crítico, não é uma visão
bonita de se ter. Eu mesma... eu não gosto, mas é aquela coisa eu tenho que me aceitar era a única opção
que eu tinha para ficar viva. Então, entre a estética e a vida, lógico que eu vou optar pela vida, sempre.
Mas eu sinto... eu... eu... de repente é uma impressão minha, mas estremece. Claro que você... um
homem, no caso, tendo condição de ter uma mulher normal, toda perfeitinha, lógico que.... né... só se
você gostar muito da pessoa então... não vai contar muito. Mas não sei, né, de repente, uma fantasia que
eu tenho... fico criando minhoca na minha cabeça mas eu acho que fica um pouco diferente até por mim
porque eu sinto vergonha dele, eu ainda sinto. As vezes nós estamos juntos na intimidade, ele fala: “Poxa,
se solta, esquece que você tem isso, pára com isso, pra mim isso aí não existe, eu estou com você não
estou com sua cicatriz, eu não estou com sua mama que está faltando, não tem nada a ver”. Mas eu não
sei, eu sinto que alguma coisa fica estranha, entendeu. Até pra ficar perto dele, tomar um banho alguma
coisa assim, eu fico receosa, eu fico envergonhada. Eu tento não pensar na hora e tudo, mas a gente fica...
não tem como não ficar, mas eu procuro ao máximo amenizar, mas a gente sente uma coisa estranha.
Tanto que até agora a última vez que eu tive com dr. _______ eu estava até falando pra ele se havia a
possibilidade de eu começar a fazer a reconstituição pra ver se eu começo a me sentir melhor, entendeu.
Porque eu sei que em vista de muitas pessoas eu estou bem de cabeça. Mas ainda assim você tem que

128
estar se controlando, se vigiando, tem que estar tentando não pensar naquilo ou não botar minhoca na
cabeça. É aquela coisa: eu estou com 41 anos, ele tem 48. Ele já foi casado, se divorciou e tudo, quer
dizer sempre existe aquela possibilidade da pessoa de repente... Eu outro dia falei pra ele: “Você... não dá
mais você me diz que não dá mais. Não é por isso... eu sei que você não é obrigado a ficar atrelado a mim
porque...”
Pesquisadora: E o que ele falou?
Paciente: Ele disse: “Pára com isso, isso aí pra mim é só uma cicatriz, eu estou com você, não estou com
sua cicatriz, pra mim você continua a mesma pessoa, estou com você porque eu quero”. Mas sei lá, a
gente sempre fica assim meio... não dá pra não ficar, entendeu. Por mais que a gente tenha a cabeça boa,
por mais que... entendeu, e ainda mais que ele é uma pessoa muito fechada, a gente se vê pouco porque
ele viaja muito. Agora mesmo: eu estou aqui e ele está no sul. Ele vai chegar acho que final de semana,
ele trabalha na marinha então ele viaja muito, quer dizer, fica mais complicado ainda porque as vezes a
gente passa 4 meses sem se ver, quer dizer, eu fico com mil minhocas na cabeça, fico pensando um monte
de bobagem, aí fica complicado. Mas agora assim... de me aceitar, não, de me aceitar numa boa eu me
aceito: eu me arrumo, eu procuro me arrumar, claro que eu não posso mais usar aquelas
roupinhas...também eu nunca fui de usar mais assim... procuro usar uma blusa sem manga, uma mais
cavadinha, mas sempre tendo cuidado... tenho que estar me policiando pra não dar... eu não ligo mas as
pessoas se chocam. Não tem como dizer que não se chocam porque na época em que eu estava fazendo o
tratamento de quimioterapia, as pessoas olham pra você parece que você está com alguma coisa
contagiosa, né. Então, inclusive tem pessoas que ficaram internadas comigo e tudo, que não aceitavam a
hipótese de ter um nódulo, para elas era uma coisa inaceitável: “Ah, não! Meu Deus, eu posso ter tudo, eu
prefiro morrer do que ter que tirar o meu seio.” Poxa, eu digo que entre morrer e ter que tirar um pedaço
de você, você tirando um pedaço é tremendamente melhor, né. A hipótese no caso, né. Mas é aquela
coisa: cada pessoa encara de uma maneira. Eu não... eu não vou dizer que eu não tenha ficado chocada e
que isso não tenha me afetado. Hoje em dia, se por uma eventualidade acontecer eu me separar desse meu
namorado, com certeza não teria coragem de me aproximar de outra pessoa.
Pesquisadora: Não teria?
Paciente: Não teria. Não porque eu não teria com ele intimidade, são muitos anos juntos e tudo. Mas com
outra pessoa... quer dizer a primeira coisa que eu ia procurar dizer é que eu tinha esse problema, lógico. E
é aquela coisa: até me dar coragem de eu me mostrar para essa outra pessoa ia ser uma coisa meio
complicada.
Pesquisadora: Ia levar um tempo?
Paciente: Ia levar um tempo, com certeza. Eu sei que com o tempo eu iria ter que encarar e eu encararia
realmente. Eu sou assim: eu tenho um problema e não costumo correr dele, eu procuro encarar. Agora... é
aquela coisa: eu tenho que juntar todas as minhas forças e partir pra frente. Agora, com certeza eu daria
um bom tempo até procurar encontrar alguém.
Pesquisadora: Começar de novo.
Paciente: É aquela coisa: eu me aceito como eu sou, mas eu não sei se aquela pessoa está disposta a
aceitar, né. Tem isso. As vezes a pessoa diz: “Ah, não, por mim não tem problema.” Mas no fundo não é
bem aquilo. Mas aí, com esse meu atual namorado... as vezes até ele mesmo fala: ”Poxa, pára com essa

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paranóia, você fica com essa coisa, tem vergonha de tudo” [espaço para troca de fita]. Tenho que encher
meu tempo senão vou ficar maluca. Aí o que que eu fiz: vou voltar a estudar. Aí comecei a estudar só que
tive que interromper porque eu comecei a fazer quimioterapia. Minha quimioterapia era pesada e dava
muitas reações: ficava enjoada, passava mal, as vezes tinha princípio de desmaio, ficava muito fraca
porque não me alimentava por causa do enjôo. Daí me prejudicou um pouco no colégio. Mas aí eu: “Não,
vou ter que retomar”. Aí retomei. No ano passado terminei, agora vou começar o segundo ano porque eu
tive que perder um ano. Vou em frente! A minha turma se formou ano passado e eu fiquei pra traz um
ano.
Pesquisadora: A sua turma já se formou...
Paciente: A minha turma já se formou, terminou o ensino médio. Ah, não tem problema: daqui a um ano
eu estou lá de novo, daqui a pouco eu pego vocês! Aí eu voltei a estudar, comecei a procurar fazer...
preencher meu tempo com outras coisas.
Pesquisadora: Você trabalha?
Paciente: Trabalho, só que agora... como eu trabalho... praticamente o meu trabalho é braçal porque eu
trabalho como encarregada de uma confecção de uniforme profissional, né. Então é assim: eu pego muito
peso, eu tenho que ficar segurando aqueles fardos, levanta, põe na máquina, tira, bota numa mesa pra
revisão, aquela coisa. E eu não posso pegar peso, não posso mesmo. O médico já falou: “Olha, você não
faz nada disso, isso aí pra você não é bom porque isso pode te dar uma inchação no braço e seu braço está
com a circulação prejudicada”. Aí então eu estou em casa, mas aí é assim: eu procuro sempre estar
fazendo um trabalho manual, faço crochê, ora estou bordando, ora estou costurando, entendeu? Procuro
sempre preencher o meu tempo, as vezes estou estudando, quando tenho um tempinho vou para a
biblioteca do colégio, começo a procurar, pesquisar, ler. Então procuro estar sempre me movimentando.
Eu queria ver... esse ano eu não sei... vou tentar ver como é que eu vou fazer porque eu queria ver se eu
me encaixava em alguma coisa de voluntário, entendeu. Mas aí eu tenho que ver como é que eu vou fazer
por causa de horário.
Pesquisadora: No teu emprego, você foi demitida?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: Você vai ser recolocada em outro lugar?
Paciente: Não sei porque é assim: na firma em que eu estava trabalhando, eles fecharam. Era uma
microempresa, eles fecharam. Aí, quer dizer, eu fiquei no INSS, no auxílio doença. Agora, no INSS, eles
me disseram que não tem... que por enquanto eu não posso passar para habilitação profissional nem... eles
podem me dar alta, no caso, porque eu ainda estou em tratamento. Agora, eu não sei, eles vão aguardar
mais um tempo que eu acho que eles têm um critério de prazo deles lá pra ver como é que eles vão fazer
comigo, ou se eles vão me aposentar, não sei o que eles vão fazer. Agora... porque... o problema é esse:
porque a minha profissão... tudo que eu for fazer nela eu vou pegar peso. Porque eu trabalho em negócio
de costura... a menos que eu fosse partir pra uma coisa assim de escritório, departamento pessoal.
Pesquisadora: Na burocracia.
Paciente: Na burocracia, na parte burocrática. Mas aí, no meu setor tudo que eu fizer é relacionado a
essas coisas assim, movimentação essas coisas assim, aí é meio complicado, aí eu não sei como é que eles
vão fazer. Agora eu tenho... dr. _______ já acenou com a possibilidade de eu começar a fazer a cirurgia

130
de reconstituição, eu estou aguardando pra fazer os exames e ver como vai ficar. Até então está tudo bem,
né, agora eu quero ver como é que vai ser depois.
Pesquisadora: A vontade de fazer a reconstituição é sua?
Paciente: É minha. Não! Minha assim... porque eu falei com dr. ______ e ele falou pra mim assim; “Não,
Bárbara, que daqui a uns 2 anos você pode fazer reconstituição”. Porque no início eu estava meio assim:
“Ah, não vou fazer a reconstituição não, vou deixar isso do jeito que está mesmo”. Mas quando eu fiz a 2ª
cirurgia no local, que eu tive que tirar mais tecido, aquilo começou a me incomodar porque ficou muito...
ficou com pouco tecido, então ficou aquela coisa: as vezes eu quero fazer um movimento me dá câimbra,
as vezes eu vou comprar uma roupa... É aquela coisa: ficou entre a estética e o bem estar mesmo físico
porque eu vou comprar uma roupa... eu tenho que dar um jeito de comprar uma roupa que não fique
muito apertada ou que não fique aparecendo muito porque deu uma diferença brutal. A minha prótese, no
caso, eu teria que trocar minha prótese mesmo com silicone, de suporte, porque ela já está pequena, está
dando uma diferença razoável de um lado pra outro. E também quer saber de uma coisa, já que eu posso
fazer essa reconstituição, por que não fazer? Se der pra fazer eu faço. Agora é aquela coisa: também se
não der, lógico que eu vou ficar chateada. Mas é aquela coisa: entre fazer uma cirurgia e continuar bem de
saúde, lógico que eu continuando bem de saúde pra mim está legal. É aquela coisa: aí é onde eu vou
começar a história de ter que trabalhar a minha cabecinha pra encarar...
Pesquisadora: Está certo. Uma coisa de cada vez: vamos fazer isso agora. Então vamos lá. Aí reúne as
forças, como você disse, começa a pensar naquilo... Está certo, você está no caminho certo. A gente
consegue vencer as etapas que vão surgindo na vida da gente com calma, pensando muito, refletindo
muito...
Paciente: No início, assim... as pessoas as vezes dizem: “Poxa, você é meio louca”. Porque quando eu me
internei para fazer a 1ª cirurgia, na véspera dr. ________ passou lá, me visitou e tudo, e disse: “Olha, está
tudo bem com você”? Eu disse que estava tudo ótimo. Aí, né, eu fui tomar banho de manhã... aí as
meninas estavam brincando comigo até a ________ , que é meu anjo da guarda lá em cima, aquela coisa
maravilhosa (refere-se a uma funcionária da equipe de enfermagem da ginecologia – 7º andar), ela falou
assim prá mim: “Olha, se prepara que daqui a pouco você vai subir”. Eu peguei e fui tomar banho e falei:
“Tchauzinho, peito, nunca mais eu vou te ver”. Aí ela falou: “Menina, você está maluca?” Eu falei: “Não,
_______ , eu estou vendo ele pela última vez. Agora o próximo só quando eu fizer a cirurgia plástica”.
Ela falou: “Tu é louca”. Eu falei: “Claro, eu vou chorar? Não vou, ué!” Quero mais é que ele saia daqui
porque ele está me dando a maior dor de cabeça. Aí, quer dizer, as vezes passa coisa assim que até eu
digo: “Meu Deus do Céu, acho que eu sou meio maluca”. Mas, não é, depois que eu fiquei com esse
problema, depois que eu descobri que estava com nódulo, que o nódulo era uma coisa enorme, aquela
coisa toda, eu pensei assim: “Quer saber de uma coisa, se eu me desesperar eu vou viver 20 dias, se eu
não me desesperar eu vou viver os mesmos 20 dias. Então, eu vou procurar viver os 20 dias bem,
entendeu, eu vou viver os meus 20 dias bem”. Aí, comecei a encarar tudo na brincadeira mesmo. Quando
eu fiz quimioterapia, que o meu cabelo caiu, eu primeiro fui ao salão e cortei meu cabelo e tudo, e falei:
“Bem, agora vou me preparar para o cabelo cair”. Aí, ele caiu e tudo...
Pesquisadora: E agora está uma vasta cabeleira!

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Paciente: Pois é, esta semana eu estava falando com minha irmã e ela: “Nossa Senhora, aquele teu cabelo
caiu, parece que piorou e veio cabelo pra 2 cabeças!” Mas é aquela história: eu já não deixo o meu cabelo
crescer tanto porque de repente é aquela coisa, né, precisa fazer quimioterapia novamente... já vou perder
cabelo... mas aí são possibilidades remotas, mas que existem. Eu procuro sempre pensar assim, tá, tem o
lado bom, tá, mas tem o lado difícil e eu tenho que encarar numa boa. Mas aí eu estou sempre fazendo
isso, aí cortei meu cabelinho numa boa tanto que lá onde eu moro as pessoas não sabem que eu fiz
quimioterapia, ninguém sabe que eu tirei uma mama, ninguém percebeu. E olha que eu conheço meus
vizinhos, são vizinhos meus de 20 e poucos anos, 25 – 27 anos, porque foi assim: eu detesto a piedade
alheia. Falei pra minha mãe: “Não quero que ninguém venha chorar junto de mim, quem está doente sou
eu”. Minha família me deu apoio total, minha mãe, meu pai, e olha que são pessoas idosas, e na maioria
das vezes a gravidade do meu problema eu nem contei pra eles porque eu sabia que ia ser um choque,
meu pai é o tipo de pessoa que não demonstra, mas fica assim arrasado. Então, quer dizer, eu passei essa
fase toda da quimio, da perda da mama e tudo, assim: a minha família toda ali em cima de mim me dando
maior apoio e tudo, quer dizer, por que que eu vou precisar da piedade do pessoal de fora que não vai me
ajudar em nada? Então, eu falei: “Não, não precisa ninguém saber”. Eu vou me operar? Vou. De que? Eu
vou tirar um nódulo, pronto e acabou. Não tem essa de ficar: “Ah, coitadinha, ah, porque eu conheci
fulano que teve isso, que morreu, que aconteceu. Não. Vou numa boa. E já faz 2 anos e ninguém... usei
minha peruquinha numa boa. Depois que voltei da quimio, fiz a cirurgia, voltei para 2ª etapa da quimio,
meu cabelo caiu novamente. Então, o dr. falou: “Não, não vai cair mais não. É um caso em mil”. Aí eu
falei: “Então, dr., eu sou o único em mil porque o meu caiu de novo”. Caiu novamente, eu usei a minha
peruquinha numa boa, começou a crescer o meu cabelo, eu deixei de volta. E é assim, tinha gente que
ficava... eu fiquei horrorizada com uma senhora na 2ª vez que eu me internei, ela falou pra mim assim...
ela tinha um nódulo que no caso ela estava fazendo uma biópsia para ela saber o diagnóstico final, no
caso né. Ela já estava desesperada, chorando: “Ah, eu vou perder o meu seio, se eu tiver que tirar o meu
seio eu prefiro morrer, é melhor deixar do jeito que está aqui”. Aí eu fiquei... assim: “Gente, o que é isso?
Olha, se a sra. pensar direitinho é mais vantagem a sra. viver faltando um pedacinho do que a sra. morrer
por causa desse pedacinho que a sra. não vai tirar por bobagem”. Aí ela disse: “Ah, não, mas se eu tiver
que fazer isso eu vou morrer!” Aí eu disse: “Olha, a sra. se ponha no meu lugar”. Na época em que eu
descobri que tinha o tumor, o câncer de mama e tudo, eu tinha 39 anos, eu não tinha filhos. Então, a
princípio o dr. disse: “Não, não vamos fazer ooforectomia em você porque você pode ter a possibilidade
de você ainda ter filhos, de engravidar e tudo mais. Não agora, você vai ter que esperar um tempo e tudo
mais, você ainda pode vir a engravidar”. Mas depois ele falou... quando eu tive a 2ª... quando novamente
ele voltou o problema, aí ele falou: “Olha, nós vamos ter que fazer uma ooforectomia em você porque não
tem... é a melhor solução, é uma coisa que vai te deixar melhor e nós vamos ficar mais tranqüilos. Você
se incomoda?” Eu falei: “Não”. Porque é aquela coisa: eu já estava... se eu não tive filhos antes, agora
vou querer filhos pra que? Pra me preocupar de uma hora pra outra ter que deixar na mão de outras
pessoas. Eu falei: “Não, tudo bem. É pra mim ficar melhor? É pra melhorar meu estado de saúde?” Ele
disse: “Vai”. Eu falei: “Então tudo bem”. Aí, tirei os dois ovários no mesmo dia, eu fiz barba e cabelo. Aí,
quer dizer, né, é assim, as pessoas... eu digo: “Puxa, eu não pude ter filhos, eu tive que tirar minha mama
e eu estou aqui numa boa”. Ela tem filhos, já tem netos e eu não tenho filhos, quer dizer, eu sou louca por

132
crianças. O que que aconteceu? Eu me transferi ainda mais para os meus sobrinhos. Eu falo pra minha
irmã: “Poxa vida, eu não vou te dar sobrinho”. E ela diz: “Não esquenta a cabeça, por enquanto eu ainda
tenho irmã”. Eu me transferi inteira para os meus sobrinhos, meus sobrinhos agora são meus filhos. Claro,
você sente... eu pelo menos eu queria ter um filho. As vezes minha mãe diz que eu sou racional demais.
Eu penso: “Poxa, filho... trabalhando tem que estar deixando com os outros, essas coisas todas”. Aí, eu fui
adiando, adiando, adiando, resultado: deu uma hora que não dava mais. Agora não dá mais, paciência!
Mas eu, sabe, procuro assim, não complicar muito as coisas na minha cabeça porque tem esse negócio de
ficar em depressão. Ah, no início eu fiquei deprimida, eu não dormia, não comia, vivia assim agitada,
nervosa, agoniada, angustiada, chorava que nem uma desesperada. Mas depois eu olhei, parei assim, no
dia em que eu vim pegar o resultado da minha biópsia e o dr. falou que tinha que me encaminhar para a
oncologia , o dr. ________ falou: “Olha, não fica desesperada, a gente está aqui, a gente vai te dar todo
apoio profissional que for possível e psicológico também, e pessoal e tudo. Nós somos a tua família aqui
agora, quer dizer, nós vamos ficar aqui do teu lado, lutando junto com você. Agora, se você não nos
ajudar, nós não vamos ter condição de fazer nada por você”. Aí, daí sim, eu parei: “Tem que encarar?
Tem. Então vamos pegar o bicho de frente e combatendo aos poucos até... se der, uma hora, pra gente
descansar”. E foi o que eu fiz: fiz meu tratamento, fiz minhas sessões de quimio, fiz as minhas cirurgias,
tudo numa boa. Agora, é sempre aquela coisa, quando chegava no lado pessoal aí complicava um
pouquinho, mas aí eu falei: “Quer saber de uma coisa? Apodreça, quer me aceitar assim, aceita; não
quiser também, tudo bem”. Aquela idéia que você é um pouquinho menos que os outros, a gente tem.
Quem disser que não tem, mente. Porque por mais que você... sua auto estima esteja numa boa, por mais
que você goste de você, você vai sempre se sentir um pouco diferente dos outros. Isso não tem como dizer
que não. Claro que... as pessoas que tem no meu círculo de amizades... são poucas as pessoas que sabem
que eu fiz a mastectomia, que ainda não fiz a reconstrução, mas quase ninguém percebe... porque eu não
sou muito de ficar... e outra coisa assim: eu procuro levar a minha vida normalmente, eu vou à praia
sempre que eu posso, procuro não ficar exposta ao sol, mas eu vou à praia, vou à piscina, quando tem um
tempinho e dá pra eu ir, eu faço meus passeios, eu viajo, sempre que eu posso vou pra casa da minha
irmã, fico lá um tempo com ela passeando, me distraindo. Vou pro colégio numa boa, faço minhas coisas
tudo numa boa, procuro fazer minha vida normal, faço minha vida de casa, de compras, de supermercado,
isso tudo eu faço normalmente. Agora, quando está entre 4 paredes a coisa fica um pouco esquisita. Mas
aí eu procuro levar na brincadeira pra não pensar. Porque é assim: se você pensar muito, você acaba
piorando. Quer saber de uma coisa: se ele quiser assim, é assim. Se ele não quiser, tem paciência. Não
tem como mudar, não por enquanto. Mais tarde, talvez... Mas por enquanto não tem. Até estava falando
com ele 6ª feira passada que nós estávamos lá, né, no sul, aí ele falou assim: “Poxa, vai voltar quando?”
Eu falei: “Vou voltar sábado porque tenho consulta na 2ª feira”, que é hoje. Ele disse: “Então tá, eu vou
ficar aqui, volto na 2ª, 4ª feira eu estou lá. E aí, como é que está o negócio do médico? Tá tudo bem, né?”
Eu falei: “Tá tudo bem, os meus exames deram tudo bem”. Ele disse: “Vai fazer a reconstrução mesmo?”
Eu falei assim: “Bem, vamos ver. Vou saber agora quando conversar com o médico, então vou ver a
avaliação que ele vai fazer e ver o que ele vai decidir”. Aí ele falou assim: “Mas tu já gosta de uma mesa
de cirurgia”. Aí eu falei assim: “Pois é, né, levei tanto tempo, mas quando comecei não quis mais parar”.
Você entendeu, eu tento levar a coisa assim na brincadeira. Aí ele disse: “Vai pensando na mesa de

133
cirurgia, vai!” Pois é, quando eu vou é assim, né, logo uma tacada, passo de uma, passo de duas, agora
acho que vou fazer umas duas ou três que eu não sei como é que funciona e assim eu vou levando. Aí ele
falou assim: “Não esquenta a cabeça não, breve, breve isso vai acabar e você não vai mais precisar estar
mexendo nisso aí”. Eu falei: “É, Deus te ouça!” Eu procuro sempre...
Pesquisadora: Está certo, ______, te agradeço muito por tudo que você conversou comigo agora, sua
entrevista vai ser usada no meu trabalho e eu te desejo toda sorte.
Paciente: Obrigada.

ENTREVISTA Nº 13
Paciente: Meu nome é ___________, tenho 39 anos.
Pesquisadora: Quando é que você fez a mastectomia?
Paciente: Foi em setembro de 2001. Tem 1 ano e 5 meses, vai fazer agora dia 27 de março 1 ano e 6
meses.
Pesquisadora: E aí você há 7 meses atrás descobriu que estava grávida?
Paciente: Quer dizer, nem descobri há 7 meses atrás, descobri há 5 meses atrás. Porque quando eu
descobri que estava grávida eu fui fazer uma revisão porque eu quero fazer a reconstituição da mama. Aí
eu fui fazer uma revisão para ver se estava tendo mais algum problema do câncer de mama, se tinha
alguma outra coisa além, né. Aí, o dr. mandou eu fazer uma ultra-sonografia. Aí eu fiz a ultra-sonografia
pra ver o rim, bexiga, os órgãos, né. Aí, eu conversei com a dra. que eu estava tomando tamoxin e que a
menstruação não tinha vindo em setembro. Aí ela disse: “Isso aí não deve ser nada de mais porque o
tamoxin faz a menstruação ficar um pouco escassa, né, não vem regularmente”. Não sei se fui eu que
entendi mal, eu achava que quando a gente estava tomando esse remédio não engravida, não ovula. Mas,
pelo visto, eu estava ovulando, né. Porque eu não me preveni mais, eu já estava sem tomar remédio
também antes de operar, o anticoncepcional. Eu evitava... assim... tipo uma tabelinha... mas nada muito
sério porque lá em casa a gente também nunca gostou de usar camisinha e tal, não tem hábito mesmo. Aí
foi indo, foi indo, quando eu fui ver... também tive uma inflamaçãozinha... é... não me lembro bem o que
foi, mas foi coisinha pouca no útero, aí botei um creme 7 noites e eu acho que também, né, fez aquela
limpeza total, né, no útero, aí ficou bem preparadinho pra receber o neném, aí pronto! Aí não teve jeito.
Aí quando foi em setembro eu falei com a dra.: “Dra., a minha menstruação não veio. E ela: “Ah, não,
tudo bem, o remédio realmente faz com que a menstruação diminua, mas de qualquer maneira você está
com a bexiga cheia? Eu disse: “Estou”. E ela: “Já que eu estou fazendo a ultra-sonografia, vou dar uma
olhadinha também”. Aí deu uma olhadinha e disse: “Iiiiiiiii, você está grávida de 8 semanas!” Eu falei:
“Não acredito, dra.!” Fiquei apavorada, né, porque eu fui pra ver uma coisa, né, e achei outra. Aí, lá em
casa, né, a gente primeiro ficou muito preocupado porque não sabia se ia poder dar continuidade à
gravidez, se o neném tinha algum problema. Aí, lá onde eu operei, fui lá perguntar aos mastologistas. Aí,
eles até ficaram meio... preocupados também porque eu havia feito radioterapia. Porque a minha
radioterapia foi um pouquinho... assim... tardia. Eu não fiz logo assim que operei não. Eu operei em 2001,
só fiz a radioterapia em 2002 perto da copa, foi em junho e julho, comecei no meio de junho e terminei
em julho. E em agosto foi que eu engravidei, foi a minha sorte, se eu tivesse engravidado antes poderia ter
algum risco sério, né. Mas graças a Deus eu engravidei depois.

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Pesquisadora: É a primeira gestação?
Paciente: Não, é a 2ª, quer dizer, eu até tive um aborto também, né, já há muitos anos. E tenho uma filha
de 14 anos e esse neném agora.
Pesquisadora: Tem uma filha de 14 anos?
Paciente: 14 anos. Aí agora ela perguntou: “Mãe, e o exame?” Nunca tinha me perguntado por exame
nenhum e perguntou: “Mãe, e o exame deu bem?” (foi quando eu cheguei, né, nesse dia, foi em outubro,
dia 1º de outubro) E o exame deu tudo bem? Tudo normal?” Aí eu fiquei olhando pra ela assim... e falei:
conto ou não conto pra ela? Aí eu falei: ”Dá uma lida aí”. Ela falou: “Ah, mãe, eu não entendo esse
negócio de exame”. Eu disse: “Não, tu vai entender. Lê, lê”. Aí ela leu,né: “Bexiga normal, pulmão
normal, rim normal... mãe aqui uma observação: um embrião com 8 semanas! Você está grávida, mãe?”
Aí falei pra ela: “É, né”. Ela falou: “Ainda bem, né, mãe, que não está doente”. É um alívio, sabe, mas
mesmo assim eu fiquei preocupada, fui procurar saber se podia dar continuidade, né. Eu até... que logo
assim... com certeza com uma vontade tremenda de dar continuidade e tudo, mas os médicos me
deixaram também preocupada porque começaram a me alertar do risco que poderia ter, né, se tivesse tido
a radioterapia junto com a gravidez, aí me deixaram assim... em alerta, né. Aí eu falei: “Ah, não, tem que
dar certo porque eu quero também agora”. Aí eu conversei com meu marido também, ele disse: “Ué, você
não quer? Então, vamos embora!”
Pesquisadora: Qual é o sexo?
Paciente: É outra menina.
Pesquisadora: É outra menina? Que lindo...
Paciente: Minha filha está gostando, meu marido também. Está preocupado, mas...
Pesquisadora: Aí, você veio pra cá, está fazendo o pré-natal e o acompanhamento pela mastologia...
Paciente: Isso. Pra poder, né, ficar sabendo se está tudo bem... eu até perguntei se eu poderia
amamentar... a dra. já disse que não tem problema nenhum, que tem que ter paciência, né, porque o
neném custa a pegar mesmo, né...
Pesquisadora: Mas você não é marinheira de primeira viagem...
Paciente: Ah, é, mas já tem tantos anos, né...
Pesquisadora: Mas a gente não esquece...
Paciente: É... (e ri) 14 anos, quase 15 já, né, aí fica difícil...
Pesquisadora: Está parecendo uma 1ª vez, né.
Paciente: Ah, é. Minha mãe sempre falou isso, como é que é? Mãe de 2 filhos únicos porque tive uma
filha e agora tem outra bem longe, são 2 filhos únicos... na verdade não existe isso, né.
Pesquisadora: Tereza, agora, especificamente, falando da mastectomia, depois que você fez a cirurgia
como é que você vem se sentindo sexualmente?
Paciente: Olha, na verdade, logo assim que eu operei, até eu comentei com o médico, aí eu comecei a
tomar o tamoxin também, comecei a me sentir muito seca, né, e... assim... fica um pouquinho acanhada,
né... (nesse momento lágrimas rolam de seus olhos e ela faz uma pequena pausa).
Pesquisadora: Se sentiu acanhada?
Paciente: Eu senti (fala meio que engasgada, chorando).
Pesquisadora: Logo depois da cirurgia, né?

135
Paciente: Hum. Hum (ainda chorando).
Pesquisadora: E como é que foi com o passar dos dias...
Paciente: A gente também vai acostumando, né. Meu marido também... assim... a ser compreensivo e
tal... mas... sempre... dá um receiozinho na gente, né (ainda chorando, com a voz trêmula).
Pesquisadora: E a sua filha...
Paciente: Olha, ela até... acho que está mais... assim... assim... ela... assim... se familiarizou assim do jeito
que eu estou, normalmente, rápido. Acho que ela...
Pesquisadora: Se adaptou.
Paciente: É, melhor, mais rápido também não sei se é porque é adolescente ainda também, não tem
muito... acho que ela controla bem... ela não fica assim... agora ela também se preocupa... já me
perguntou se ela tem tendência a ter câncer de mama, né, isso ela ficou preocupada. Só que eu falei pra
ela o seguinte: “A minha mãe não teve câncer de mama e eu tive. Então você pode não ter”. Não é? Mas
claro que todo mundo tem esse risco e tem que se cuidar, né, preventivo todo ano. Mas ela ficou
preocupada nesse sentido, de também adquirir a doença. Mas, assim, de ver assim... o jeito que a gente
fica, né, fisicamente assim... ela até que... não sentiu assim muito...
Pesquisadora: Não sentiu diferença.
Paciente: Não, não se impressionou não. A única coisa que ela fica nervosa é quando... se eu quiser que
ela bote a mão ou até as vezes eu peço pra fazer uma massagem, ela diz: “Ah, mãe, só se for rapidamente
porque se ficar muito tempo não gosto não, não gosto de botar a mão não”. Ela fala assim, sabe. Mas
impressionada ela não ficou não. Ela levou assim mais “light”, né.
Pesquisadora: E o teu marido? Mais exatamente: você e ele na intimidade.
Paciente: Ele também, logo assim que eu operei, ele... no dia seguinte que eu fui fazer o curativo, ele já
estava presente. Então ele já viu...
Pesquisadora: Ele assistiu o curativo?
Paciente: Tudo, é, sabe...
Pesquisadora: E você também olhou?
Paciente: Olhei logo, também. Só que eu achava que o curativo era enorme, né. Aí, fui ver que era um
negocinho assim pequenininho, que é uma coisinha simples, não é uma coisa estrondosa, né. Aí, mas logo
assim que eu operei... então ele viu,participou do curativo, foi uma maneira assim dele já me ver do jeito
que eu já estava. Então, não teve assim também aquele trauma de me ver, de custar a botar a mão, de
custar... não, sabe, não teve nada disso não. Foi bem assim... natural. Só que é assim: a gente se olha no
espelho, se vê diferente e tal, tanto que eu quero também fazer a reconstituição da mama, né. Só que eu
tive que dar uma paradinha porque engravidei, né. É... vem o bebezinho, né...
Pesquisadora: É outra menina que está chegando aí...
Paciente: Aí tem que esperar um pouquinho, mas eu quero fazer também, eu quero fazer mesmo.
Pesquisadora: Mas, então, depois que você saiu do hospital, teve alta, foi prá casa, e aí só você e ele.
Paciente: (dá umas risadinhas primeiro e depois fala) Ah, sim, você... diz na intimidade?
Pesquisadora: É.
Paciente: Depois que eu tinha ficado boa da cicatriz assim né?
Pesquisadora: É. O retorno de você pra casa e os primeiros contatos...

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Paciente: Ele foi da maior atenção, atenção total que ele me deu, sabe. E também até na intimidade
também... ele maior atenção... eu digo pra ele... as vezes eu brinco e tal, né: “E... mas está assim, né...”
Ele diz: “Ué, o que que tem? Não tem a outra ainda? Então vamos embora usar a outra!”
Pesquisadora: Ainda bem que a gente tem duas, né.
Paciente: É, né. Ainda tem essa vantagem, graças a Deus.
Pesquisadora: Tirou uma, mas tem a outra.
Paciente: Ainda tem a outra pra poder... e usa a outra e tal. É assim... não vou dizer que foi tudo
maravilhas, né, porque ainda mais que a gente só em ser cortada, né, fazer uma cirurgia, a gente já fica
sentida, né. E tirando um pedaço assim... que... porque quando tira por dentro a gente não vê, né. Mas
quando tira por fora, já fica uma coisa diferente. A pessoa sendo gordinha aparece mais ainda, né,
porque...
Pesquisadora: Você usa uma prótese?
Paciente: É. Uso uma protesezinha de painço. O pessoal fala que é alpiste, mas não é porque o alpiste é
muito comprido, né, e o painço são as bolinhas. E tem a bolinha de isopor junto para controlar, eu acho, o
peso e dar o volume porque se fosse só o painço ia ficar muito pesado. Eu quero também... eu até tenho
uma de silicone, mas já está meio usada que eu ganhei e ainda eu não fiz uma limpeza nela porque veio
de outra pessoa, né, eu quero fazer uma... ver o que que eu posso fazer, né, porque é melhor, né, porque
pode molhar, né, e essa não pode molhar, né. Vai pra praia e tal eu boto assim uma... que eu já fui à
praia... agora eu não vou ir porque eu estou... mais gorda, né (e ri), grávida. Mas eu já fui à praia com ele,
em Cabo Frio, porque se dissessem: “Ah, ela foi pra uma prainha”. Eu não, eu fui lá pra Cabo Frio com
minhas irmãs e... eu até... eu tenho uma sobrinha do meu marido, ela pergunta assim: “Tu não quer ir à
praia por que?” Eu falei assim: “Eu heim, eu tenho varizes, não quero não, estou com um barrigão!” Ela
disse: “Há, eu pensei que fosse por causa da mama”. Eu falei: “Ah não, por causa da mama não. É uma
cirurgia como outra qualquer”. Eu boto um enchimento porque eu não vou deixar, né, vazio, e eu boto um
enchimentozinho que possa molhar e as vezes eu boto um paninho também porque esse braço a gente tem
que evitar que pegue muito sol, aí eu já fico...né boto... e fico também... sempre tenho um guarda-sol, uma
coisinha qualquer. Aí quando eu me deito assim, eu quero pegar um pouquinho de sol nas outras partes e
jogo o pano para também não ficar toda arreganhada, né, porque não tem necessidade, né.
Pesquisadora: E depois você é muito clara, né. Pegar muito sol depois vai ficar...
Paciente: Vermelhona, ardida. Mas eu vou à praia e tudo, não tenho ido esse verão, agora que eu não fui.
Mas depois da cirurgia eu já fui, já fui aproveitar, né, para espairecer também, né, pra melhorar e tal.
Agora, também, eu vou ser sincera: as vezes, também, o relacionamento também do casal as vezes
diminui um pouquinho, mas eu acho que também... também a parte da situação financeira (e ri) porque
hoje em dia tudo gira em torno disso. Então, eu até... de repente... agora mesmo e disse assim: “Pô,
mozinho, agora tu não tá mais querendo como tu queria? (e ri) Aí ele: “Ah, não, mas eu estou tão
preocupado porque tenho que fazer isso, aquilo e aquilo outro”. Ele trabalha, ele é autônomo, aí ele diz
assim: “O trabalho está tão fraco, tão fraco que eu estou tão preocupado com as dívidas”. E eu ajudo
também, faço uns bicos, né, aí ganho um dinheiro e tal. Ele diz: “Pô, tu não está vendo que o dinheiro não
está dando? Você ganha e assim mesmo não dá?” Aí ele, que é o chefe, né, que tem que repor as coisas

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todas dentro de casa, obrigação, né, porque eu mesma faço algumas coisinhas, mas sem obrigação
nenhuma, apesar de que meu dinheiro eu gosto sempre de gastar com coisas sérias...
Pesquisadora: Não sai por aí gastando com bobagens.
Paciente: Não, não. Aí ele: “Eu estou preocupado, não tenho nem disposição pra nada”. Aí, eu fico
assim, né, fica um pouquinho... assim... sem muita atração. Eu acho que também é mais nesse sentido da
situação financeira, que a situação financeira está atrapalhando muito, muito, muito, muito.
Pesquisadora: É, não é só a vocês, é a muita gente.
Paciente: É. Eu acho que nem foi a mastectomia, não foi não. Foi mais pela situação financeira, que o
desinteresse... e ainda mais que também eu não sou nenhuma garotinha, né, 39 anos, ele também não é
porque ele já era mais velho, né, e agora já está com 52 anos, aí... já fica difícil, né.
Pesquisadora: Mas nada que com uma pimenta não vá dar um estímulo, ele só vai ter que dar um tempo
porque depois que a neném nascer, a mama vai ser só dela, entendeu, ele vai ficar de longe só vendo.
Paciente: É. E tem aquele período também, né, que a gente não pode fazer mesmo nada, claro...
Pesquisadora: O resguardo.
Paciente: Tem o resguardo. É... mas... só saboreando um pouquinho dá pra engatilhar novamente (e ri).
Pesquisadora: Está certo. _______, muito obrigada pela participação.

ENTREVISTA Nº 14
Pesquisadora: Depois que a sra. fez a mastectomia, como é que a sra. vem se sentindo sexualmente?
Paciente: Bem. Agora com 71 já mais... mas antes me sentia bem.
Pesquisadora: Se sentia bem?
Paciente: Não tive problema não.
Pesquisadora: Não teve problema não?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: A sra. é casada?
Paciente: Sou, sou.
Pesquisadora: Na ocasião, a sra. tinha relação com seu esposo?
Paciente: Sim, sim.
Pesquisadora: E a cirurgia, e o relacionamento com seu marido, como é que aconteceu?
Paciente: Ficou bem. Ele aceitou bem.
Pesquisadora: Ele aceitou bem?
Paciente: Ele aceitou bem, também ele é mais velho do que eu 5 anos, então não teve problema.
Pesquisadora: Não teve problema?
Paciente: Não, não.
Pesquisadora: Não?
Paciente: Não.
Pesquisadora: A sra. hoje não tem mais relação?
Paciente: Não (e ri). Só fica o companheirismo, né.
Pesquisadora: Só fica o companheirismo. Quantos anos de casada?
Paciente: (rindo) Eu casei em 49, agora você faz as contas aí.

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Pesquisadora: 49? Vai fazer 54.
Paciente: Fez 53 agora dia 3 de janeiro, 53.
Pesquisadora: É muito tempo...
Paciente: Muito tempo (e ri).
Pesquisadora: A sra. tem filhos?
Paciente: 2 filhas.
Pesquisadora: Netos?
Paciente: Netos.
Pesquisadora: Bisnetos?
Paciente: Não. Só tenho 4 netos.
Pesquisadora: 4 netos...
Paciente: É. Eu tenho uma filha que trabalha aqui.
Pesquisadora: Ah é?
Paciente: É.
Pesquisadora: Trabalha na enfermagem?
Paciente: Trabalha na enfermagem e trabalha no lugar dos nenenzinhos pequenos. É a Shirlei.
Pesquisadora: Ah, sei.
Paciente: É Shirlei Sueli Silva Ismael.
Pesquisadora: Há, há. Mas então, Da. _______, depois da cirurgia não houve...
Paciente: Não houve problema. Nada.
Pesquisadora: ... problema de ordem sexual nenhum?
Paciente: Não, não, não.
Pesquisadora: Seu marido lhe ajudou?
Paciente: Foi, foi. Ele entendeu, aceitou, né, porque não tinha outra... né, tivemos que aceitar juntos.
Pesquisadora: Certo. Está muito bem.
Paciente: Você achou muito casamento (rindo)?
Pesquisadora: Graças a Deus!
Paciente: É muito casamento para um casamento só (rindo).
Pesquisadora: É difícil a gente ver tanto tempo, né.
Paciente: Mas ele é muito mais saudável do que eu.
Pesquisadora: É?
Paciente: Tem uma saúde muito boa.
Pesquisadora: Mas a sra. fez a cirurgia em 91, vem fazendo acompanhamento até agora, e sem
problemas...
Paciente: Sem problemas.
Pesquisadora: Na ocasião , a sra. chegou a fazer algum tratamento específico?
Paciente: Não, não. Como é que fala? Qui-mi-o-te-ra-pia. Não fiz, nada.
Pesquisadora: Foi só a cirurgia?
Paciente: Só a cirurgia. E o acompanhamento que antes acho que era de 6 em 6 meses, depois passou
para 1 ano com o dr.______ .

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Pesquisadora: Está certo.
Paciente: Tá.
Pesquisadora: Está bom, Da. _______, muito obrigada.

ENTREVISTA Nº 15
Pesquisadora: Depois que você fez a mastectomia, como é que você vem se sentindo sexualmente?
Paciente: Olha, sexualmente, tá assim... uma relação mais ou menos, não está muito boa não.
Pesquisadora: Está mais ou menos?
Paciente: É, está mais ou menos.
Pesquisadora: Explica pra mim melhor porque ‘mais ou menos’.
Paciente: O mais ou menos?
Pesquisadora: É.
Paciente: Assim... como assim... eu mesma... eu... em mim mesma eu não consegui ainda aceitar a
operação, entendeu?
Pesquisadora: Certo.
Paciente: Aí, sei lá, eu acho uma coisa assim tão esquisita. Aí eu mesma, eu, tanto que quando eu
operei... quer saber tudo?
Pesquisadora: Quero saber tudo. Quero saber tudo que você quiser falar. Eu estou ouvindo.
Paciente: Quando eu operei... quando eu soube que estava com problema de câncer no seio, o que que eu
fiz com o meu marido?
Pesquisadora: Sei.
Paciente: Simplesmente eu mandei ele embora, né.
Pesquisadora: Mandou ele embora.
Paciente: Falei com ele: “Oh, arruma sua roupa e procura outra pessoa”. Porque eu estava doente mesmo,
mas ele não foi, ele ficou, né. Aí, daí, sei lá, eu me acho... que está faltando alguma coisa, entendeu. Eu
não... fiquei mesmo muito arrasada, fiquei mesmo pra baixo. Então, quando eu fiz a quimioterapia, então,
acabou comigo mesmo, piorou. Inclusive pedi as contas no serviço, se tivessem me dado as contas, eu não
estava no INPS hoje, né.
Pesquisadora: É verdade.
Paciente: Mas o desespero é que é o terrível. A gente quando... não tem uma pessoa pra conversar, pra
dizer pra gente sobre o problema, como é que a gente vai aceitar. Mas, até agora, graças a Deus, vou
conseguindo recuperar, aceitar aos poucos.
Pesquisadora: Está conseguindo aceitar aos poucos. E como é que está o seu marido nessa história? Ele
não foi embora. Você mandou ele embora e ele não foi.
Paciente: Não, não foi. Ele continua o mesmo, ele não mudou nada.
Pesquisadora: Ele ainda te procura?
Paciente: Procura, ele me procura. Só que tem hora que eu... não estou afim, mas é em mim mesmo,
entendeu.
Pesquisadora: O negócio é você?
Paciente: O negócio é comigo.

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Pesquisadora: E ele não quis ir embora, está até hoje por que ele gosta?
Paciente: É. Porque eu achei, já que eu estava doente, que ele fosse embora, entendeu.
Pesquisadora: Olha só...
Paciente: Como é que é a mente? Eu achava que servia pra ele enquanto eu estava boa.
Pesquisadora: Você então achava que só servia porque você estava com o corpo inteiro?
Paciente: Inteiro, porque aí faltou um pedaço e não servia mais.
Pesquisadora: Mas que isso! E ele te mostrou...
Paciente: que não é assim.
Pesquisadora: que não é assim.
Paciente: E ele mesmo me deu uma aula de lição, né?
Pesquisadora: É.
Paciente: Me mostrou que não é por aí, né.
Pesquisadora: E os filhos? Como é que os filhos ficaram nessa história?
Paciente: Ah, os filhos até que ficaram bem, reagiram bem.
Pesquisadora: Ajudaram você?
Paciente: Ajudaram, ajudaram e continuam ajudando até hoje, né.
Pesquisadora: O teu marido também é teu companheiro?
Paciente: Também é um companheirão. [ P A U S A ] É a minha mente mesmo que vacilou. Mas ele
continua sendo meu companheiro ali, junto. Se eu passo mal, ele vem, me traz aqui, fica aqui comigo até
na hora de ir embora. Mas se é a pessoa mesmo, o problema da doença, não sei o que que acontece,
entendeu. É... mas dá pra levar, graças a Deus, está dando...
Pesquisadora: Você acha que você está mudando alguma coisa na tua cabeça?
Paciente: Está mudando. Graças a Deus agora eu estou mudando.
Pesquisadora: Pra melhor?
Paciente: Pra melhor. Dia após dia estou sentindo que estou mudando pra melhor.
Pesquisadora: E você continua fazendo tratamento com dr. ______?
Paciente: Continuo.
Pesquisadora: Quimioterapia que você está...
Paciente: Agora não. Agora só tomo o remédio, né. Eu venho aqui, todo mês eu tenho que estar aqui pra
apanhar o remédio.
Pesquisadora: E você se aposentou? Foi fácil você conseguir se aposentar?
Paciente: Olha, primeiro eu me encostei. Fiquei encostada durante um período, né. Aí, depois, é que me
deu a aposentadoria provisória. Eu ainda estou presa no serviço porque eles não me deram a
aposentadoria definitiva. Me deram a provisória, que daqui algum tempo eles me chamam pra perícia. Aí
a perícia é que vai dizer se eu vou continuar ou volto a trabalhar.
Pesquisadora: Entendi. E o que você acha disso? Você pensa em voltar a trabalhar?
Paciente: [ P A U S A ] Eu... se eu pudesse trabalhar agora, eu até aceitaria voltar a trabalhar porque o
trabalho é uma coisa que dá pra gente esquecer dos problemas, né.
Pesquisadora: Isso.

141
Paciente: Tem muito coleguinha, aí um fala uma coisa, outro fala outra, naquela hora a gente nem lembra
do problema.
Pesquisadora: Isso.
Paciente: Em casa já é um pouco mais... a gente se sente sozinha, né. Em casa, tem hora que sai todo
mundo, a gente se torna sozinha. Quando a gente fica sozinha, a gente começa pensar muitas coisas, né.
Mas... graças a Deus...
Pesquisadora: O tipo de serviço que você fazia, você pode continuar fazendo ou é um serviço braçal?
Paciente: Eu acho que não vai dar não porque o meu serviço é cozinha. Eu trabalho em colégio e em
colégio tem as panelas grandonas, né. Tem aquelas panelonas que tem que botar pra lá e pra cá. Aí já se
torna mais difícil. Justamente o lado que eu preciso, o lado direito. É o lado que a gente faz mais
movimento, né?
[PAUSA]
Pesquisadora: Está certo, Maria (já ia finalizando ...mas ela retomou o diálogo).
Paciente: Antes de eu operar, o médico não me deu licença. Eu vim aqui e ele disse: “Você continua
trabalhando porque você trabalhando você não vai ficar pensando nas besteiras que você está pensando.
Chega lá, descasca um legume, fica sentada, descasca legume”. Aí, assim eu fiz. A firma, o colégio me
aceitou... eu ficava sentada lá, fazia as coisas, só mais coisinha leve, entendeu. Mas graças a Deus, nesse
ponto os médicos me ajudaram muito porque se eles me dessem licença, eu acho que já tinha feito a
besteira.
Pesquisadora: É.
Paciente: Eu pensava muito em me matar.
Pesquisadora: É mesmo. Ficou desesperada, hein Maria.
Paciente: Quando o meu cabelo caiu então, oh...
Pesquisadora: E você fez quimioterapia antes de operar pra poder reduzir...
Paciente: E depois eu fiz de novo.
Pesquisadora: O cabelo caiu antes...
Paciente: Caiu antes, caiu todinho. Aí eu fiz a quimioterapia antes, depois fiz de novo e depois fiz por
último a radioterapia.
Pesquisadora: Sei. Mas aos poucos as coisas estão melhorando.
Paciente: Estão melhorando. O cabelo voltou de novo...
Pesquisadora: Voltou do mesmo jeito, não voltou liso!
Paciente: Não voltou liso, pois é. Tinha que voltar lisinho, não é? Tinha que ter voltado lisinho, né, com
o efeito do remédio, poxa (e ri muito). Aí, se acontecer alguma coisa, eu não posso fazer ainda por causa
do negócio da operação. Mas aí, dá pra superar né, graças a Deus.
Pesquisadora: Você usa um enchimento no sutiã?
Paciente: Uso.
Pesquisadora: E você tira a roupa na frente do seu marido?
Paciente: Tiro, antes eu não tirava não, antes não tirava não, perto de ninguém.
Pesquisadora: Escondida, só você e você.

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Paciente: Mas agora não. Agora não ligo mais não. Mas antes não tirava não. [ P A U S A ] Cheguei
à conclusão que não tem só eu, né. Aí que foi um pensar. Eu parei e pensei... não tem só eu. Então, eu
tenho que encarar, né.

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