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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR


Diretoria De Pesquisa e Pós-Graduação – VRPPG
Programa De Pós-Graduação Em Psicologia

Iracema Do Ceará Guimarães

PSICANÁLISE E DOR:
O QUE (RE)VELA A FIBROMIALGIA.

PSICOANALISYS AND PAIN:


WHAT (RE)VEALS FIBROMYALGIA.

Fortaleza-CE
2011
IRACEMA DO CEARÁ GUIMARÃES

PSICANÁLISE E DOR:
O QUE (RE)VELA A FIBROMIALGIA.

PSICOANALISYS AND PAIN:


WHAT (RE) VEALS FIBROMYALGIA

Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em


Psicologia da Universidade de Fortaleza, como requisito para
obtenção do título de mestre em Psicologia.
Orientadora: Profª. Drª. Maria Celina Peixoto Lima.

Fortaleza-CE
2011
______________________________________________________________________

G963p Guimarães, Iracema Do Ceará.


Psicanálise e dor: o que (re)vela a fibromialgia / Iracema Do Ceará
Guimarães. - 2011.
144 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2011.


“Orientação: Profa. Dra. Maria Celina Peixoto Lima.”

1. Psicanálise. 2. Dor. 3. Fibromialgia. I. Título.

CDU 159.964.2(043.3)
______________________________________________________________________
AGRADECIMENTOS

Querida Celina, aprendi... onde há um desejo há também um caminho! Entendi... as


pedras também podem indicar esse caminho! Certamente, não foi apenas uma questão de
saber compartilhado. Seu exemplo e sua ética tiveram influências para além dos limites
dessa pesquisa. Mestra, obrigada.

Querida Karla... um misto de amizade, cumplicidade e inspiração profissional. A


primeira com quem partilhei o desejo por pesquisar, escrever, aprender, crescer. Aqui
estou... Será que sabes o quanto teu tens aqui?!

Querida professora Leônia, obrigada pela leitura atenta ao meu trabalho. Suas
indagações, exclamações e interrogações me puseram a pensar, enriquecendo de forma
decisiva minha postura de pesquisadora.

Professor Ricardo, seu saber e sua espontaneidade trouxeram novas possibilidades


para minha pesquisa e me fizeram pensar em novos desafios.

Professora Clara e demais professores do mestrado, obrigada pelos ensinamentos que


fomentaram questões e articulações preciosas para meus estudos.

À professora Luiza Freitas, pela oportunidade de realizar esta pesquisa dentro do


NAMI- UNIFOR.

À equipe do NAMI com a qual tive o privilégio de trabalhar, em especial à querida


Isabel Neves, Rejane Abreu, Samuel, Glauter, Vaninha, Socorrinha, Vicente... uma
verdadeira rede de atenção e cuidado ao paciente.

Ao Daniel Padilla, pela competência, dedicação e compromisso na realização das


tarefas da secretaria do mestrado.

À FUNCAP pelo incentivo financeiro destinado à minha pesquisa.

Aos amigos Aurillo, Leonardo e Lisbeth, por compartilharem comigo do momento em


que as primeiras inquietações apontavam o desejo de pesquisar.
Às amigas Ivna Borges, Ângela Vasconcelos, Iane Pinto, Hilda Rodrigues e demais
colegas, por compartilharem a dor e a delícia da pesquisa em psicanálise.

Às amigas Sárvia e Juliana, por terem compreendido minha ausência no Instituto do


Câncer, e principalmente por terem me oferecido incentivo, parceria e amizade nesse
momento final.

À amiga Neusi que apesar da distância (física!) sempre esteve torcendo por mim.

Às pacientes atendidas no NAMI, em especial à Madá, que ao consentirem participar


dessa pesquisa, me confiaram suas histórias de dores e amores. Assim, me permitiram um
saber próprio da experiência clínica.

À prima-irmã Ivana, pelo incentivo de seu humor nos momentos de descontração.

De um modo ainda mais especial, à minha família (que doce palavra!):

Ao querido Guedes, um irmão forte e protetor. Sempre meu referencial de caráter,


equilíbrio e determinação.

À Anecy, minha amada irmã e amiga inseparável, pela cumplicidade de sempre.

Ao Ruyzinho, o caçula adorado, pela parceria nas brincadeiras da infância e a


tranquilidade nas conversas da vida adulta.

Aos meus pais, Ruy do Ceará e Norma Ribeiro do Ceará, por terem me oferecido
um terreno de afeto no qual estabeleci as raízes daquilo que hoje sou.

Às minhas pequenas Lú e Nina, por todo amor que fazem brotar em mim. Raios de um
sol dourado em minha vida!

Ao meu amado Carlinhos, por ser a melhor companhia nesse lado ensolarado que
achei (achamos!) pra caminhar...
Porque a dor é mais dor se se cala.
(Giovanni Pascoli)
RESUMO

Esta pesquisa é resultado do nosso interesse por investigar na psicanálise as possibilidades de


compreensão da dor, mais especificamente dentro do quadro clínico nomeado pela medicina
de fibromialgia. A fibromialgia é considerada uma síndrome em razão da obscuridade
presente em sua gênesis, pois, apesar de todo avanço do arsenal biotecnológico, essa patologia
segue enigmática atingindo de 1 a 5% da população em geral, sendo claramente mais
frequente nas mulheres. O caráter de dor itinerante, invisível ao olhar médico e hermética as
suas intervenções, desafia o discurso da ciência evidenciando a existência de um corpo que
fala de algo para além do orgânico. A psicanálise agindo a partir de uma outra posição
epistemológica, abre possibilidades para que a dor ultrapasse seu retraimento narcísico e
atinja uma dimensão de sofrimento, resultando na construção de algum reconhecimento e
implicação naquilo que faz sofrer. A trama enigmática que envolve a fibromialgia impulsiona
o nosso desejo de buscar em Freud, e alguns pensadores contemporâneos, operadores teóricos
para que possamos construir algo sobre a dor e consequentemente pensar o lugar da
psicanálise em um mundo regido por um discurso totalizante e guiado por parâmetros
biomédicos. Esta pesquisa foi realizada dentro de um serviço multidisciplinar que destina
cuidados ao tratamento da síndrome fibromiálgica. Desse modo, constitui uma pesquisa
teórico-clínica com o propósito de investigar os aspectos psíquicos presentes na formação da
dor. Seguindo os referenciais psicanalíticos, foram atendidas, semanal e individualmente por
cerca de um ano, oito pacientes com diagnóstico médico de fibromialgia. Dentre os oito
casos, escolhemos apresentar aquele que nos mostrou ser paradigmático nas articulações entre
a dor fibromiálgica e a teoria freudiana sobre a histeria. A histeria assim como a fibromialgia
parte exatamente da constatação de que as pacientes testemunham um sofrimento sem
correspondência orgânica. O caráter enigmático, de estranho, de endereçamento ao outro,
apoiados pela plasticidade dos sintomas histéricos e sua trama identificatória, reforçam nossa
hipótese.

Palavras-chave: Psicanálise; Dor; Fibromialgia; Histeria; Pesquisa Clínica.


ABSTRACT

This survey is the result of our interest in researching in psicoanalisys the possibilities of
understanding of pain, more specifically within the clinical picture named by medicine of
fibromyalgia. Fibromyalgia is considered a syndrome because of the obscurity in its genesis,
therefore, despite of all the advances of the biotechnology arsenal, this enigmatic pathology
affects anywhere from 1 to 5% of the population, being clearly more frequent in women. The
character of itinerant pain, invisible to the eye of the doctor, hermetic and their interventions,
challenges the discourse of science evidencing the existence of a body that speaks of
something beyond organic. Thus, the treatment of fibromyalgia convenes another field of
knowledge; psychoanalysis. This, acting from another epistemological position, opens up
possibilities for the pain exceeds your withdrawal delight and reaches a dimension of
suffering, resulting in the construction of some recognition and implication on what makes
someone suffer. The enigmatic plot involving Fibromyalgia boosts our desire to seek in
Freud, and some contemporary thinkers, theoretical operators so that we can build something
about pain and therefore think of the place of psychoanalysis in a world governed by a
totalitarian discourse and driven by biomedical parameters. This research was carried out
within a multidisciplinary service is intended for the care of treatment Fibromyalgic
syndrome. This way, it constitutes a theoretical-clinical research with the purpose of
investigating the psychic aspects present in the formation of pain. Following the benchmark
psychoanalytic approaches, individuals were met weekly and privately for about a year, eight
patients with medical diagnosis of fibromyalgia. Among the eight cases, we chose to present
one that showed us to be paradigmatic joints between the Freudian theory and fibromyalgic
pain about hysteria. Hysteria as fibromyalgia begins exactly with the realization that the
patients testify to an organic correspondence without suffering. The enigmatic character of
strange, addressing another, backed by the plasticity of hysterical symptoms and its
identification plot, reinforces our hypothesis.

Keywords: Psychoanalysis; Pain; Fibromyalgia; Hysteria; Clinical Research.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1. FIBROMIALGIA: UMA DOR EM QUESTÃO .................................................. 15
1.1 Sobre a síndrome Fibromiálgica ............................................................................ 15
1.2 Acerca do campo e da metodologia. ...................................................................... 29
2. A METAPSICOLOGIA FREUDIANA DA DOR ............................................... 41
2.1 A dor corporal: o projeto para uma psicologia científica. ....................................... 42
2.2 De uma dor pseudo-pulsão á uma dor psíquica: o narcisimo e os artigos metapsicológicos.
................................................................................................................................... 50
2.3 A dor para além do princípio do prazer.................................................................. 61
3. FIBROMIALGIA E HISTERIA: UMA HIPÓTESE PSICOPATOLÓGICA ....... 77
3.1 A plasticidade histérica ou a historicidade do sintoma ........................................... 78
3.2 Madá: A Maria do Auxílio, da dor e do amor. ....................................................... 91
3.2.1 A dor no caminho da formação do sintoma ........................................................ 93
3.2.2 A identificação no caminho da formação do sintoma histérico .......................... 103
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 134
REFERÊNCIAIS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 137
ANEXOS .................................................................................................................. 143
9

INTRODUÇÃO

"Sentimos a dor mas não a sua ausência."


(Arthur Schopenhauer)

Apesar da íntima relação entre a espécie humana e a dor, atestada pelo

crescente consumo de analgésicos, esta persiste como um enigma que parece resistir a

qualquer esforço para seu esclarecimento. Dados do Laboratório Bayer nos

surpreendem ao informar um assustador consumo de analgésicos: Só nos Estados

Unidos ultrapassa diariamente a casa de 50 milhões de tabletes de aspirinas, que desde

1899 “conquistou o mundo como analgésico”. Segundo dados revelados pelo

Intercontinental Medical Statistics Health (IMS), consultoria que audita a indústria

farmacêutica, o Brasil é o sexto maior mercado de analgésicos do mundo e lidera os

países emergentes. Segundo o Guia de farmácia (2011), no ranking, o mercado

brasileiro supera também os países como o Japão, a Espanha e a Itália. Tamanha

abrangência tornou necessária a existência de uma Associação Internacional para o

Estudo da Dor (IASP) que propõe uma definição para dor como “uma experiência

sensorial e emocional desagradável que é associada a lesões reais ou potenciais ou

descrita em termos de tais lesões. A dor é sempre subjetiva e cada indivíduo aprende a

utilizar este termo por meio de suas experiências” (Sociedade Brasileira para Estudos da

Dor, 2011). É interessante perceber a multidimensionalidade presente nesta definição

acerca da experiência da dor, que mais do que uma experiência sensorial, é uma emoção

que pode ter origem em lesões reais ou potenciais, o que torna evidente a necessidade

de avaliar tanto os aspectos físicos quanto os psíquicos. Em razão do entendimento da

subjetividade presente no enigma da dor, McCaffery e Beebe (1998) definiram que a


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dor é aquilo que a pessoa que sente diz ser, e existe quando aquele que a sente diz

existir. Algo que Freud já havia nos alertado em 1905, quando escreveu em o

“Tratamento psíquico (ou anímico)”:

Ao formar juízo sobre as dores, que se costuma considerar como fenômenos físicos,
em geral cabe levar em conta sua claríssima dependência das condições anímicas. Os
leigos que de bom grado reúnem tais influências anímicas sob o nome de
‘imaginação’, costumam ter pouco respeito pelas dores decorrentes, em contraste com
as que são causadas por lesões, doenças ou inflamações. Mas isso é evidentemente
injusto: qualquer que seja sua causa, inclusive a imaginação, as dores em si nem por
isso são menos reais ou menos importantes (p.276).

Atualmente, assistimos a um aumento significativo de sintomas

contemporâneos que parecem escolher o corpo como palco para a dor. Acolher essas

novas formas de sofrimento, e fazer deles um sintoma analítico, parece ser um dos

grandes desafios para a psicanálise. Os psicanalistas que iniciam essa empreitada

parecem não poder contar com alguns sinalizadores, que antes balizavam a direção do

trabalho ao demarcar as estruturas clínicas em suas posições frente à castração.

Sabemos que a busca pela completude é uma notória característica do mundo

contemporâneo, onde o discurso da ciência propõe um “Mundo sem limites” (Lebrun,

2004), onde não existe mais espaço para a falta, para a doença, para a dor, para a

incompletude. Lebrun, ao nos falar de uma “Perversão comum” (Lebrun, 2008) também

nos aproxima dessa questão, ao nos colocar diante de um discurso de completude que,

ao tamponar a falta inerente a condição humana, leva a sociedade contemporânea por

um caminho do desmentido, da perversão. Este autor nos fala claramente do avanço de

uma “lua-de-mel” entre a evitação da castração e aquilo que “uma sociedade marcada

pelos implícitos do discurso da ciência faz brilhar” (Lebrun, 2004, p.131). Como então

pensar os sintomas contemporâneos dentro da ideia freudiana do sintoma como uma

formação de compromisso frente a um conflito, frente a uma posição no discurso social?


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Essa é uma questão atual que nos impulsiona no sentido da realização de uma

pesquisa psicanalítica acerca da dor, tomando como referência a dor de uma patologia

nomeada pela medicina de fibromialgia. Berlinck (1999) nos fala dos desafios

enfrentados por aqueles interessados em realizar pesquisas acerca dela: logo se descobre

que a dor possui as mais variadas denominações, dentre estas a fibromialgia. Depois, se

descobre que todas essas denominações são acompanhadas por enigma e obscuridade.

Esse autor toma como exemplo a Dor Muscular Crônica que comporta “um grupo de

síndromes com muitas características em comum que representam um problema clínico

e terapêutico de etiologia desconhecida, englobando formas severas como a

fibromialgia” (Berlink, 1999, p.8).

Os questionamentos em torno da dor fibromiálgica nos ofereceram também

uma reflexão acerca do sofrimento na contemporaneidade, colocando-nos diante da

necessidade de uma leitura atenta da obra freudiana e de alguns pensadores

contemporâneos, para que possamos construir algo sobre tal patologia, e

consequentemente, pensar o lugar da psicanálise em um mundo regido por parâmetros

biomédicos. Se objetivamos saber o sentido do sofrimento dos nossos pacientes, bem

como, o sentido de nosso próprio sofrimento, a lente da teoria freudiana é certamente

uma ferramenta indispensável para desvendarmos a psicogênese da dor. Assim, o

enigma que envolve a fibromialgia convoca nossa ação e, ao mesmo tempo, justifica

nossa pesquisa como uma investigação dos fatores psíquicos presentes na gênese das

dores corporais.

Esta pesquisa é eminentemente clínica, portanto queremos desde já expor o

nosso entendimento acerca do diagnóstico em psicanálise. Não pretendemos promover o

uso do diagnóstico como uma forma de identificação que reúna os sujeitos com

diagnóstico médico de fibromialgia sob qualquer denominador comum. Porém, sabemos


12

da importância de estabelecermos uma hipótese diagnóstica que oriente a direção do

tratamento, sem com isso paralisar o sujeito e menos ainda decidir quanto ao seu futuro.

Concordamos com Monseny (2001) quando, ao nos falar acerca da ‘Ética psicanalítica

do diagnóstico’, fala-nos que mesmo fazendo um diagnóstico de estrutura, não

convertemos o ser do sujeito em uma objetivação. Porém, ressalta o autor que “Elucidar

a estrutura em jogo é necessário para que o analista tome seu lugar e possa sustentar a

dialética da transferência, ou seja, possa entrar na dialética de cada caso (...)” (Moseny,

2001, p.71).

Foi então, a partir da escuta clínica, que a hipótese diagnóstica de histeria

passou a nortear a nossa investigação acerca da fibromialgia. Com isso, alinhamos o

nosso pensamento a um certo número de trabalhos recentes que de algum modo tendem

a aproximar fibromialgia e histeria (Slompo e Bernadino, 2006; Leite e Pereira, 2003;

Leão, 2003; Castellanos, 2009; Besset, Zanotti, Tenenbaum, Schimidt, Fischer, Figale,

2010).

Fiéis, a esse pensamento, desenvolvemos o primeiro capítulo, intitulado

“Fibromilagia: uma dor em questão”, com o propósito de contextualizar e levantar

questionamentos acerca do enigma envolvido nessa patologia médica, que afeta um

corpo aparentemente são, mas que pode inclusive atingir a dimensão de um doer que

limita e paralisa. Nesse capítulo, desenvolvemos um percurso que provoca reflexões

relacionadas ao diagnóstico para a medicina e para a psicanálise. Consequentemente,

provocamos reflexões acerca da dor, do sofrimento e das repercussões do domínio de

um discurso médico totalizante, que promete o fim de qualquer mal, na medida em que

promete o monitoramento daquilo que se entende na contemporaneidade como

:qualidade de vida. Perguntamo-nos então: Qual o lugar da psicanálise em um mundo

regida por parâmetros biomédicos?!, Como a teoria freudiana pode nos orientar no
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tratamento de algumas patologias contemporâneas, em especial na dor fibromiálgica?!

Após esse capítulo inicial, podemos dizer que esta dissertação é constituída por outros

dois momentos, que testemunham, de certa forma, duas vertentes do pensamento

freudiano, acerca da dor. Uma delas diz respeito à concepção da dor como elemento

constituinte do psiquismo, sendo assim equivalente ao estatuto da pulsão e da angústia.

Uma segunda vertente diz respeito à dor como sintoma, portanto, tendo a função, assim

como o sonho, de enigma a ser decifrado. Estamos aí no campo das neuroses e mais

especificamente no quadro da histeria. Essa divisão justifica a organização dos capítulos

II e III da dissertação.

No segundo capítulo, intitulado “A metapsicologia freudiana da dor”,

procuramos fazer um rastreamento da dor na obra freudiana, desde o modo como era

entendida no ‘Projeto para uma psicologia científica’ (Freud, 1895a/1996), na qual

Freud demonstra o predomínio de seu interesse pela dor física. Depois, a ideia em torno

de uma “pseudo-pulsão” (Freud, 1915b/1996, p.151) torna-se imprescindível. Chegando

a um pensamento posterior à introdução do conceito de pulsão de morte (Freud,

1920/1996), em que as questões acerca do excesso pulsional e do masoquismo são de

fundamental importância para o entendimento da dor, como uma experiência psíquica, a

qual culminará com a escrita do Adendo C de “Inibição, sintoma e angústia” (Freud,

1926/1996). Aqui, vale ressaltar que metapsicologia foi um termo criado por Freud para

falar de sua teoria sobre o funcionamento psíquico, com base em sua experiência

clínica. Então, podemos identificar a metapsicologia aos artigos metapsicológicos, mas

também, podemos pensar a metapsicologia como tudo aquilo que diz respeito à teoria

do funcionamento do aparelho psíquico. Nesse último sentido, tanto o ‘Projeto para uma

psicologia científica’ (Freud, 1895a/1996), como os artigos acerca do narcisismo, do

masoquismo e o ‘Inibição, sintoma e angústia’ (Freud, 1926/1996) estão sendo por nós
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entendidos como textos metapsicológicos. Nesse entendimento encontramos o apoio de

Laplanche e Pontalis (2008), que definem metapsicologia como:

Termo criado por Freud para designar a psicologia por ele fundada,

considerada em sua dimensão mais teórica.... Nesse sentido, há certos

textos mais propriamente metapsicológicos que escalonam a obra de

Freud, particularmente o Projeto para uma psicologia científica(

Entwurf einer Psychologie, 1895),... Além do princípio do prazer

(Jenseits dês Lustprizips, 1920) ... (Laplanche e Pontalis, p.284/285)

No capítulo final, nomeado de “Fibromialgia e histeria: uma hipótese

psicopatológica”, partindo da escuta clínica e mantendo a inspiração em Freud,

apresentamos a leitura de um caso clínico com articulações, envolvendo a plasticidade e

a trama identificatória na formação do sintoma histérico. Nesse capítulo, realizamos

uma articulação teórico-clínica para criar uma argumentação que nos autoriza a falar da

fibromialgia como uma manifestação contemporânea da histeria.


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1. FIBROMIALGIA: UMA DOR EM QUESTÃO

“Meu corpo não é meu corpo, é ilusão de outro ser.


Sabe a arte de esconder-me, e é de tal modo sagaz que a mim de mim ele oculta... Meu corpo inventou a
dor a fim de torná-la interna, integrante do meu Id, ofuscadora da luz que aí tentava espalhar-se...”
( Carlos Drummond de Andrade )

Neste capítulo inicial, partiremos de um discurso médico para definir a

fibromialgia, com o intuito de contextualizar o momento no qual esta patologia surge,

desafiando o saber médico e suas práticas de intervenções clínicas. Desse modo,

pensaremos em como o saber psicanalítico é convocado a fazer contribuições na trama

tecida entre a psicanálise e a medicina no tratamento da dor fibromiálgica.

1.1 Sobre a síndrome Fibromiálgica

Segundo Slompo e Bernardin (2006), o termo fibromialgia foi proposto em

1976 por Hench, e em 1977, Smythe e Moldofsky propuseram critérios para o seu

diagnóstico. Os diversos estudos que surgiram, a partir de então, observaram que uma

grande parte dos pacientes com fibromialgia apresentava, em comum, regiões

anatômicas mais dolorosas, salientando-se o epicôndilo lateral, a região costocondral e

os grupamentos musculares da região cervical. Na década de 80, a questão dos critérios

diagnósticos foi bastante debatida e a fibromialgia consagrou-se como uma entidade

clínica. As autoras ainda nos informam que a incidência da fibromialgia é de 1 a 5% na

população em geral. Se considerarmos os pacientes atendidos em clínicas médicas, a


16

frequência é em torno de 5%. Número este que corresponde à 7,5% dos pacientes

hospitalizados. Já na clínica reumatológica esse número aumenta, chegando a ficar em

torno de 14 a 20% dos atendimentos (Slompo e Bernardin, 2006, p.266).

A fibromialgia, que literalmente significa dor nos músculos e nos tecidos

fibrosos (ligamentos e tendões), é denominada de síndrome em razão da diversidade de

sintomas, sem, contudo, ser identificada uma disfunção orgânica específica. Nenhum

exame, nenhum achado clínico justifica os pontos dolorosos por todo corpo. O

diagnóstico de fibromialgia parece ser implacável, espalhando-se por todo o corpo e

desafiando o discurso médico e suas práticas de intervenção clínica.

A dor fibromiálgica quase sempre surge em associação com as mais variadas

manifestações. Os pacientes de fibromialgia, na sua grande maioria mulheres (em uma

proporção de oito mulheres para cada homem, entre as idades de doze a cinquenta e

cinco anos) independente da classe social a que pertencem, referem-se a dor associada a

manifestações como a fadiga crônica, alterações no sono, alterações músculo-

esqueléticas, alterações dérmicas e cutâneas, sensação de irritação nos lábios vaginais,

dores na vulva, dores durante o ato sexual, sensação de rigidez matinal, sensação de

edemas e/ou formigamento, dor de cabeça crônica, dificuldade de memória, ansiedade,

depressão, sentimentos de culpa, perfeccionismo, síndrome do cólon irritável, inchaços

etc. (Camões, 2003). Desse modo, ainda que a dor seja considerada o principal sintoma

desta doença, a sua especificidade não é passível de definição. A dor pode sofrer

variações de um leve incômodo a uma dor difusa, podendo atingir uma dimensão

incapacitante e/ou limitações significativas na vida cotidiana do paciente, além de

enorme sofrimento psíquico. Segundo Leão (2003), os sintomas podem ser

influenciados pelo frio, falta de atividade física e principalmente por estados ansiosos.

Porém, não é certo se a piora dos sintomas é resultado ou causa da ansiedade.


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A dificuldade no diagnóstico aumenta significativamente o sofrimento dos

pacientes que, em geral, passam pelas mais variadas especialidades médicas em busca

de uma justificativa que autorize um tratamento e, consequentemente, uma posição

digna de paciente. Segundo os critérios estabelecidos pelo Colégio Americano de

Reumatologia, somente após três meses consecutivos com queixas de dores por todo o

corpo e a presença de dor, em pelo menos 11 dos 18 pontos pré-determinados, é que

será considerado o diagnóstico de fibromialgia.

Os impasses causados por tal diagnóstico levam a comunidade médica a

conceber que algo extrapola seus conhecimentos. Com isso, o médico se vê diante de

algo que o desafia e lhe impõe a necessidade de produzir um conhecimento. Logo se

origina a necessidade de demarcar uma clínica, a partir de uma “outra cena”, que

ultrapasse a dimensão do fenômeno. Como também se originam alguns desafios para os

psicanalistas que, ao encará-los, deparam-se com o fato de que nem sempre o lugar

destinado para eles coincide com o lugar por eles ocupado. A experiência nos mostra

que, por vezes, é solicitado ao psicanalista uma postura educativa e cúmplice de um

saber totalizador. Postura essa que vai ao sentido contrário da psicanálise, pois como

afirma Clavreul (1978), na psicanálise “trata-se de sempre encontrar o que a ordem do

discurso (de todo discurso) permite modificar no próprio destino deles” (p. 150).

Lacan em “Psicoanalisis y Medicina” (Lacan, 1966) nos coloca diante daquilo

que chama “Falha Epistemo-Somática”, como sendo a consequência do fracasso da

ciência, das pesquisas baseadas em evidências, da indústria dos laboratórios, na relação

do médico com o corpo de seu paciente. Lacan (1966) afirma que aquilo que é banido

do corpo pela ciência, ao corpo retorna como sintoma, pois no corpo que o paciente

oferece ao médico como objeto para investigação, coexistem prazer e dor. Nesse

sentido, estamos diante de falha psíquica, ou seja, a subjetividade falha e, o corpo se


18

apresenta como possibilidade de expressão. Porém, o próprio termo Epistemo3

evidencia algo também relacionado com a ciência, ou seja, algo da relação do médico

com seu paciente.

Esse texto provoca reflexões acerca dos riscos da cronificação, das queixas

infindáveis daqueles pacientes herméticos a qualquer possibilidade de tratamento, que

os profissionais da saúde podem encontrar por não valorizar, ou desconhecer, a

dimensão de uma satisfação pulsional que está por trás daquilo que a demanda veicula.

O médico diante dos casos atípicos, enigmáticos como a fibromialgia, que não

respondem, segundo, aos protocolos estabelecidos pelas pesquisas patrocinadas pelos

laboratórios e pela medicina baseada em evidências, percebe-se impotente, e de certa

forma desalojado em seu saber de mestre. Nesta situação, os diagnósticos médicos

possíveis, para a fibromialgia, são Distúrbio Neuro- Vegetativo, crise histérica,

encenação, “piti”4, sendo esta última uma expressão que, segundo Moretto (2001)

desqualifica e inibe o paciente em sua condição de sujeito.

É importante ressaltar que esse ato médico, o diagnóstico, é um ato possível

dentro daquele discurso que lhe é próprio. O discurso médico tende a excluir a

subjetividade, faz uma escuta seletiva daquilo que lhe “auxilia” na definição do

prognóstico e tratamento. Já o psicanalista, através de um outro referencial teórico, de

outra posição epistemológica, oferece uma escuta livre de qualquer julgamento ou

seleção, para que dessa forma o sujeito fale, cumprindo a única regra que lhe é

fundamental, a da associação livre, que possibilita a emergência das formações do

3
Epistemologia - e.pis.te.mo.lo.gi.a : sf (gr epistéme+logo2+ia1) Filos Teoria ou ciência da origem,
natureza e limites do conhecimento (Michaelis, 2010).

4
Piti - sm gír Escândalo, xilique: O artista era conhecido no hotel por seus pitis. Dar piti, gír: fazer
escândalo (Michaelis, 2010).
19

inconsciente, de sua verdade e de seu desejo. Nas palavras de Moura5 (2009), “nós

psicanalistas, não somos avessos aos médicos, somos antes o avesso deles”.

O psicanalista deve então assumir, e dar conta, daquilo que preciosamente lhe

resta, a falha epistemo-somática, para assim autorizar o paciente em sua posição de

sujeito, sujeito que caminha em busca de novas formas de ressignificação, de

implicação e reconhecimento de si. Nesse sentido, Teixeira (2006) nos diz que “as

queixas orgânicas recorrem à ciência para seu entendimento, porém apontam para o que

resta, o que escapa da apreensão do corpo como carne, abrindo espaço a novos e

inusitados entendimentos” (p. 27)

No mundo contemporâneo, observamos com clareza a inexistência de um lugar

destinado ao entristecer, ao sofrer, até mesmo ao adoecer. O discurso da medicina aliado

aos avanços tecnológicos oferece garantias para a cura de todos os males, sendo este o

atual conceito de bem-estar. O sofrimento, a tristeza, a inquietude, e até mesmo o

envelhecer, não são mais permitidos. Podemos inclusive dizer que se tornaram algo

vergonhoso. Martins, Lima e Rodrigues (2010) nos dizem que a crise ética da atualidade

está articulada aos discursos que a organizam e, dentre eles, destacam o discurso da

ciência ao qual está submetida à racionalidade médica. As autoras nos dizem ainda que,

ao longo das últimas décadas, a medicina do doente vem cedendo lugar para a medicina

da doença, em conseqüência disso estamos diante de uma dupla exclusão, o doente cede

lugar à doença, da mesma forma, o médico é substituído pela medicina. Clavreul

(1978), ao nos expor suas ideias acerca da ‘Ordem médica’, faz-nos pensar na função

silenciadora do discurso médico, um discurso de poder e impotência; “cada médico

particular é apenas um dos representantes do saber médico; ele é seu funcionário, já que

3
Em palestra durante o XVI Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica. (out.2009)
20

sua função é interpretá-lo e aplicá-lo. O ideal da relação médico-doente comporta tanto

o anonimato do médico quanto o do doente” (Clavreul, 1978, p.141)

As relações do homem com o mundo contemporâneo são intermediadas por

medicações, não sendo rara a observação de que os condicionamentos comportamentais

e as milagrosas pílulas colocam o homem à mercê de um imperativo de prazer a

qualquer preço. É interessante a observação de Le Breton (2004) diante do admirável

consumo de medicações que intermediam as relações do homem com o mundo.

Segundo este autor, até mesmo o corpo deixou de ser a encarnação de um destino, de

uma identidade intangível, e tornou-se uma construção pessoal em permanente

restauração. Assim, o desejo de transformar o corpo para adequá-lo à ideia que se faz de

si, é um lugar comum na atualidade, “o corpo tende a tornar-se uma matéria-prima a

modelar-se consoante o clima do momento” (Le Breton, 2004, p. 67).

Acerca dos efeitos de uma medicalização muitas vezes desmedida, Gorayeb

(2002) faz reflexões e indagações que aproximam tal atitude de um flagrante

autoritarismo:

Nunca vemos ninguém perguntar sobre a inconveniência, por exemplo,

de se abortar certas experiências emocionais significativas para alguns

indivíduos, por meio do uso indiscriminado de psicofármacos, que

impedem a pessoa de elaborar aquela experiência e dar um novo

significado aos acontecimentos dos quais foi protagonista. Será que

ninguém vê nisto um flagrante autoritarismo, que é muito diferente do

uso ético de um saber que se põe a serviço de um benefício possível

para o outro, mas que deveria ser, antes de mais nada, repartido?

(Gorayeb, 2002, p. 158)


21

Martins, Lima e Rodrigues (2010, p. 267), em um texto sobre “a velhice e a

morte em tempos de medicalização da existência”, provocam-nos uma reflexão sobre as

consequências de um “viver sem espaço para a subjetivação das figuras do mal-estar

humano”. As autoras citam Agamben (2002) ao falar de uma vida sem qualidades, sem

lugar para os modos de experiência com o tempo e com a linguagem. Assim, seguem

nos fazendo pensar nos efeitos das práticas biologizantes de monitoramento daquilo que

hoje é entendido como qualidade de vida, e de sua incidência direta na subjetivação não

só do envelhecimento, como do adoecimento, e do sofrimento.

A leitura de autores como Le Breton (2004) nos atestam àquilo a que

assistimos na vida cotidiana, ou seja, uma crescente ideia do corpo como obstáculo para

a perfeição de um corpo que impõe limite, um corpo tornado obsoleto, um corpo

acessório, um esboço, matéria-prima que pode ser alterado conforme a ideia que se faz

dele. A aparência está cada vez mais em evidência e o superinvestimento do corpo

como uma via privilegiada para a descarga da angústia frente aos limites próprios da

condição humana favorecem terreno fértil para as manifestações histéricas, bem como,

para um aumento drástico das formas de lidar com a dor não pela via do sofrimento,

mas sim de maneira a tamponar esse sofrimento. Estamos aqui, também, falando de

acordo com a concepção de Birman (2005) do sofrimento como uma dor humanizada;

Eu diria que a experiência do sofrimento é uma espécie de

humanização da experiência da dor... Quero dizer que a experiência da

dor é uma experiência solipsista, é uma experiência de um indivíduo

fechado sobre si próprio, não aberto ao outro e à alteridade… o que

caracteriza, do ponto de vista ético, a subjetividade contemporânea é a


22

crise da concepção de alteridade, de abertura para o outro, da saída do

pólo da dor para o pólo do sofrimento (p. 106)

Assim, ao mesmo tempo em que há uma espécie de entorpecimento, há

também uma extrapolação do valor dado ao corpo. Não precisamos de muito esforço

para perceber certa extravagância no campo das performances e atuações. É bem

verdade que os modos de sofrimento sempre existiram e vão se diferenciando com o

passar dos tempos.

Roudinesco (1999), em seu livro “Por que a psicanálise?”, faz uma análise não

apenas psicanalítica, como também, sociológica e histórica da sociedade contemporânea

e seus padrões culturais e comportamentais. A autora nos diz que a sociedade

contemporânea é formada por indivíduos ávidos por uma normatização farmacológica,

indivíduos aprisionados em uma solidão, que permanecem higiênicos e refratários ao

desejo, fato que pode significar a decretação da falência do sujeito. Com isso,

Roudinesco (1999) nos coloca diante de uma mudança de paradigma, ou seja, antes era

o sujeito da falta e do conflito, hoje temos o sujeito deprimido. A palavra foi substituída

por uma ordem médica que promete pílulas de felicidade e um ideal de normalidade.

Seguindo esse raciocínio, Roudinesco (1999) conclui que não é apenas o sujeito que

está deprimido. Quem está deprimida é a sociedade em si, já que é veículo para um

consumo de padrões de normalidade, que são confirmados e fortalecidos por um

discurso médico biologizante, que submete o psiquismo e suas questões existenciais ao

domínio de uma ciência neuronal e farmacológica.

E é nesse contexto que a histeria persiste fortemente, existindo através de

novas roupagens e de novos diagnósticos do arsenal médico, dentre as quais destacamos

a fibromialgia, mas certamente podemos citar a anorexia, bulimia, depressão, alergias,


23

como modos de subjetivação para lidar com a falta que parecem escolher o corpo como

palco para sua dor. Podemos dizer então, que a fibromialgia surge, dentre outras

manifestações, como uma maneira de (re)velar no corpo aquilo que não pode ser

expresso em palavras.

O declínio do simbólico é uma notória característica da contemporaneidade, e

em consequência disso, acolher essas novas formas de sofrimento psíquico constitui um

dos grandes desafios para a psicanálise. Birman (2005, p.105), em seu texto sobre

diagnósticos na contemporaneidade, contribui para esse pensamento ao afirmar que em

todas as descrições patológicas da contemporaneidade, “há uma falência da ordem do

pensamento que tem como correlato o empobrecimento da linguagem”. O trabalho

psicanalítico exige certo recobrimento imaginário e, consequentemente, uma

possibilidade de implicação do sujeito em suas próprias questões.

Birman, Fortes e Perelson (2010) nos fazem pensar em como empreender uma

clínica da palavra com pacientes que fazem do corpo não apenas o seu sintoma, mas sim

a sua forma de ser. Esses autores nos dizem que no momento em que a subjetividade

perde sua capacidade de ligação, elaboração e simbolização do afeto, o corpo torna-se o

principal lugar para expressão da dimensão afetiva do eu. Segundo esses autores, “(...) é

fundamentalmente a maneira abissal segundo a qual a subjetividade se ausenta e o corpo

se apresenta na cena do mundo contemporâneo que norteia hoje o diálogo entre a

psicanálise e a medicina” (Birman, Fortes e Perelson, 2010, p.11).

Costa (2002), ao falar de “subjetividade exterior”, traz-nos um interessante

paradoxo. Ele nos diz que até a década de 70, a sociedade ocidental era muito voltada

para a questão dos valores, dos princípios, da moral, da ética, do certo e do errado, e de

princípios que norteavam a vida, porém na contemporaneidade esses valores estão

exteriorizados, ou melhor, marcados na aparência física. A subjetividade que Costa nos


24

traz é uma subjetividade que não se relaciona com o sentido de algo interior e imaterial.

É, sim, uma subjetividade que aparece no exterior do corpo, na flor da pele, naquilo que

há de mais apresentável ao outro. Outra característica da contemporaneidade é uma

busca de ser diferente sendo igual e sendo igual ser diferente, de velar e revelar, de jogar

entre expor e esconder, algo que também nos aproxima da dinâmica que envolve a

histeria, ou seja, a questão do véu e do mascaramento tão característico das histéricas.

Contudo, não nos encaminhamos para uma afirmação generalizada de que toda

fibromialgia, necessariamente, diz respeito às questões histéricas. Estamos aqui

comprometidas com uma hipótese levantada a partir dos casos que escutamos.

Como então situar a questão da histérica nesse contexto contemporâneo?! Joel

Dör (1994) em seu livro acerca do tema “Estruturas e clínica psicanalítica” nos ajuda a

pensar em torno da noção do diagnóstico em psicanálise. Dör começa por nos falar do

“embaraço técnico” que a questão do diagnóstico nos remete, logo que somos

apresentados aos meandros da prática. O autor enfatiza que “trata-se, antes de mais

nada, de uma dificuldade de balizamento”, e segue nos alertando que para contornar tal

dificuldade é necessário contar com a experiência e com as ferramentas subjetivas de

que se dispõe para fazer frente à esta prática: “Ao menos com respeito a essas duas

ocorrências, ensinamento algum poderia vir a substituir a elaboração psíquica que elas

exigem. Mas nem por isso é impossível balizar o terreno” (Dör, 1994, p. 9)

Dör (1994) nos traz um modo de balizamento que considera as propriedades

mais fundamentais de nosso objeto: a “causalidade psíquica e o caráter imprevisível dos

efeitos do inconsciente”. Diante disso, devemos nos orientar por uma vigilância atenta à

relação singular que deve ser estabelecida entre o diagnóstico psicanalítico e a direção

do tratamento. Caso contrário, cairemos em uma “interpretação selvagem”, já

denunciada por Freud, que se apóia numa causalidade hipotético-dedutiva, ao não


25

considera a distância que separa o dizer do dito. O diagnóstico deve circunscrever-se

“na ordem do ‘dizer’ do paciente, e não ao nível dos conteúdos na ordem de seu ‘dito’”

(Dör, 1994, p. 13-16).

Nas intervenções do campo da clínica médica, em razão de um determinismo

orgânico, é possível o estabelecimento de uma correlação eficaz entre a especificidade

dos sintomas manifestos e a identificação de um diagnóstico. Já para a psicanálise,

estamos diante de um determinismo particular que opera sob uma causalidade

específica, a “causalidade psíquica”. Ou seja, para a psicanálise “não existem

agenciamentos estáveis entre a natureza das causas e a dos efeitos” (Dör, 1994, p.17).

Porém, o desligamento de uma racionalidade lógica formal não nos isenta de uma

exigência de rigor, “um guia subsiste como fio condutor a se seguir: o dizer daquele que

se escuta. É no dizer que algo da estrutura do sujeito é localizável. Ora, é com a

estrutura que se deve contar para se estabelecer um diagnóstico” (Dör, 1994, p. 18).

Dör (1994) segue nos trazendo alguns exemplos onde a clínica nos evidencia

uma descontinuidade entre a observação de um sintoma e o estabelecimento de um

diagnóstico. Com isso, o psicanalista deve se colocar diante da necessidade de entender

essa relação sintoma- diagnóstico “sobretudo à luz da especificidade dos processos

inconscientes, que não podem ser objeto de uma observação direta sem que se exija a

participação ativa do paciente, quer dizer, uma participação de palavras” (Dör, 1994,

p.20). A investigação diagnóstica deve então, estender-se “aquém do sintoma”,

atingindo um “espaço intersubjetivo” ordenado pela articulação da palavra.

Freud (1913/1996), em sua “Contribuição ao problema da escolha da neurose”,

já nos adiantava:
26

(...) dividimos os determinantes patogênicos que estão envolvidos nas

neuroses em aqueles que uma pessoa traz consigo, para a sua vida, e

aqueles que a vida lhe traz – o constitucional e o acidental – mediante

cuja operação combinada, somente, o determinante patogênico é via de

regra estabelecido. Além disso, a proposição geral, à que aludi acima,

estabelece que os motivos para determinar a escolha da neurose são

inteiramente do primeiro tipo – isto é, que eles têm caráter de

disposição e são independentes de experiências que operam

patogenicamente (p.341).

Em nota de rodapé, encontramos um esclarecimento acerca do termo

'disposição' que, nesse texto de 1913, é usado no sentido de algo puramente

constitucional ou hereditário. Mas que em trabalhos posteriores, Freud dá a esta palavra

um sentido mais amplo, incluindo nela os efeitos da experiência na infância.

Mesmo antes, em “A psicoterapia da histeria” (Freud, 1893/1996), Freud já nos

advertia que não devemos esperar encontrar uma lembrança traumática única e uma

ideia patogênica única como seu núcleo; “devemos estar preparados para sucessões de

traumas parciais e concatenações de cadeias patogênicas de ideias” (p.300). Nesse

sentido, Dör (1994) nos diz que o sintoma é uma formação significante que traz muito

mais do que parece de imediato, e cita a ideia lacaniana que descreve o sintoma como

uma metáfora, ou seja, uma substituição significante (p.22).

Podemos dizer que o sintoma guarda em si uma dimensão histórica. Estamos

aqui falando não apenas de uma dimensão histórica do sujeito, mas também de uma

dimensão Histórica em um sentido mais amplo. Pensamos então, o que mudou foi o

sintoma. Hoje, as histéricas se apresentam respondendo, desafiadoramente, ao discurso


27

médico, ao produzir espetáculos mais sutis do que aqueles outrora testemunhados por

Charcot; diante de seus espelhos que lhe revelam formas distorcidas, em pânicos

paralisantes, ou em dores invisíveis e itinerantes. Esta ideia será melhor abordada no

tópico “A plasticidade histérica ou a historicidade do sintoma”, do último capítulo.

Concordamos com Ramos (2008), “a histeria faz sentido em psicanálise como

conceito e como chave de sua história ”(p.30). A psicanálise surgiu do estudo do

enigma histérico, e hoje a histeria parece manter-se viva apenas na psicanálise. A atual

Classificação Internacional de Doenças, CID-10 (1992), e o American Diagnostic and

Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), nas edições II, III, IV, sob o domínio

das pressões econômicas impostas pelos laboratórios farmacêuticos, nos lugares em que

antes mencionavam a histeria, referem-se agora a uma infinidade de transtornos,

utilizando conceitos como o de personalidade histriônica, transtornos dissociativos e

somatoformes, omitindo também o termo neurose.

A histeria não só desapareceu como se tornou um insulto como palavra ou

diagnóstico. Mitchell (1940/2006) faz uma alerta ao afirmar que não somente a palavra

desapareceu como poucos psiquiatras se arriscam a usá-las num diagnóstico, mesmo

quando tudo leva a isso. Com relação a uma tentativa de objetivação do sujeito que

caracteriza os manuais diagnósticos, Gorayeb (2002) considera que:

(...) tem havido por parte destes psiquiatras uma frequente tentativa de,

justamente por meio do “diagnóstico”, querer fazer crer que se efetuam

progressos no conhecimento das doenças, por via de inventar novos

nomes e reagrupar de modo diverso certas características das

manifestações clínicas que encontramos na prática (...). As teorias que

aparecem como novidades ou até descobertas frequentemente não


28

passam de jogo de palavras que dão roupa nova a velhos problemas

(...). (p. 155-156).

Apesar do sofrimento do homem contemporâneo ser marcado pelo desejo

objetivante do domínio do discurso médico, que exclui (ou desconhece) o conflito

pulsional entre as instâncias psíquicas, é certo que a já conhecida histeria persiste

existindo através de novas roupagens. São frequentes os sintomas contemporâneos que

parecem repaginar a histeria ao nos mostrar os mais variados modos de lidar com a

falta.

Moretto (2001) nos diz com clareza que a forma de enfrentar qualquer tipo de

sofrimento obedece, com rigor, às condições subjetivas de cada pessoa. A esse respeito,

Gorayeb (2002) diz que devemos assumir o compromisso de que “a especificidade da

clínica psicanalítica dever-se-ia ao fato de a psicanálise não privilegiar o sintoma para

fazer o diagnóstico, mas privilegiar a fantasia que determina este sintoma” (p. 116).

Sabemos que cada sujeito estabelece uma relação diferente com as dificuldades

encontradas na vida, e as maneiras de enfrentá-las dizem respeito, de forma muito

singular, ao meio cultural, social, religioso, e psicológico no qual o sujeito se constitui e

se reconhece.

É nesse cenário contemporâneo que a fibromialgia surge, causando um

estranhamento exatamente por impor um corpo aprisionado em uma dor invisível ao

olhar médico, itinerante, que desafia o discurso da ciência, evidenciando a existência de

um corpo para além do orgânico, e nos colocando como parte de uma trama tecida entre

psicanálise e medicina. Ao aceitarmos o desafio de tomá-la como objeto de estudo,

somos convocados a refletir, cuidadosamente, acerca das questões que envolvem a


29

maneira como o corpo, o diagnóstico e o sintoma são entendidos por esses campos de

saber.

1.2 Acerca do campo e da metodologia.

Esta pesquisa está associada a um projeto interdisciplinar desenvolvido pelo

NAMI – Núcleo de Atendimento Médico Integrado da UNIFOR, que se propõe a dar

assistência a um grupo de 46 pacientes com diagnóstico médico de fibromialgia. Alguns

desses pacientes já estavam sendo atendidos há dois anos, mas persistiam com um

quadro de dor incessante, incapacitante e enigmático, permanecendo reféns do serviço e

de sua síndrome dolorosa, com isso indicando a possibilidade de intervenções a partir

de uma outra posição epistemológica. Diante disso, podemos dizer que o critério

utilizado pela reumatologia para nos encaminhar as oito pacientes escutadas nessa

pesquisa foi o diagnóstico de difícil controle da fibromialgia, aliado à livre aceitação por

parte das mesmas em participar desse estudo.

Trata-se de uma pesquisa clínica que utiliza a técnica de estudo de caso. A

inclusão das pacientes nesse estudo só foi possível após a leitura e aceitação do termo

de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Este termo foi elaborado segundo a

resolução 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, e sua assinatura

confirmou o acordo com a proposta dessa pesquisa e assim autorizou o início do

tratamento/pesquisa.

Como já ressaltara Freud (1913/1996), a prática psicanalítica se confunde com

a própria pesquisa, ou seja, a psicanálise é uma pesquisa. Freud se propôs a tratar seus
30

pacientes, não investigando seus organismos, mas lhes fazendo um convite a falar, a

associar livremente. Desta forma, ele inaugurou um novo método de investigação e

tratamento. A psicanálise, diante dos enigmas do corpo que sofre, evidencia as

dimensões históricas e pulsionais ao oferecer uma possibilidade para que o sujeito fale

sobre seu sofrimento, e assim possa construir uma compreensão sobre o seu sintoma.

Nosso interesse é pensar no sofrimento psíquico na sua versão de afecção

dolorosa, e assim avançar nas interrogações sobre a dor e do sofrimento psíquico, para

diante disso propor a escuta psicanalítica como possibilidade de expressão daquilo que é

(re)velado por esses pacientes, ao representarem no corpo aquilo que não conseguem

representar em palavras.

O nosso referencial teórico de base é a psicanálise, com ênfase

predominantemente nas leituras de Freud. Foi a partir desse referencial que esta

pesquisa escutou a dor que envolve a fibromialgia, tomando-a como uma mensagem

enigmática a ser decifrada. Foram atendidas, semanal e individualmente, oito pacientes

diagnosticadas com essa “Síndrome de amplificação dolorosa” (Martinez, 2010),

durante o período de Abril de 2010 a Março de 2011. O diagnóstico médico inicial de

fibromialgia foi realizado pelos professores do Curso de Medicina da Universidade de

Fortaleza – UNIFOR, responsáveis pelo projeto “Avaliação do alívio da dor e do

impacto na qualidade de vida de pacientes submetidos a um programa interdisciplinar

para tratamento da síndrome fibromiálgica”.

Dentre as oito pacientes atendidas, fizemos a opção por desenvolver um estudo

de caso único. Pois, dividimos com Verztman (2009) o entendimento de que o estudo de

caso não representa uma amostragem, seu objetivo é expandir e generalizar teorias

(generalização analítica) e não enumerar frequências (generalização estatística). Esse

autor cita Jasper (1913) ao nos esclarecer que:


31

A base fundamental da psicopatologia é constituída de casos singulares.

A descrição desses casos e do histórico dos pacientes – desde a

exposição de fenômenos particulares até uma biografia completa- é a

casuística. Os métodos casuísticos proporcionam a grande maioria de

nossos conhecimentos e de nossas concepções (Jasper, 1913/1985, 37-

8, citado por Vertzman, 2009, p.6).

Segundo Nasio (2001), o termo “caso” expressa o interesse que um analista

dedica a um de seus pacientes. Por várias vezes, um interesse desse tipo motiva uma

troca entre pares, mas, algumas vezes, torna-se também uma escrita, dando origem

àquilo que chamamos de “caso clínico” (p.11).

Essa dissertação propõe uma investigação acerca de uma realidade que não

pode ser mensurável quantitativamente, não tendo como objetivo nenhum tipo de

controle, descrição ou predição do comportamento, muito pelo contrário, o nosso

objetivo diz respeito àquilo que deve haver de mais singular em cada sujeito, sua

realidade psíquica. Diante disso, não pretendemos fazer um diagnóstico de

exclusividade entre fibromialgia e histeria, pretendemos, sim, através da metapsicologia

freudiana buscar operadores teóricos importantes para o desdobramento das

investigações sobre o sofrimento psíquico na atualidade, e na forma como este vem se

apresentando através de sintomas, mais especificamente na questão da dor na

fibromialgia. Para tal, é imprescindível priorizar uma escuta daquele que nos procura de

modo à conduzí-lo a uma descoberta daquilo que o torna singular.

Aprendemos com Freud que o nosso campo psicanalítico por excelência é a

clínica. Durante a construção da teoria psicanalítica fica evidente a importância dos


32

casos clínicos: Dora na histeria, Schererber na psicose, Pequeno Hans na fobia, o

Homem dos ratos na neurose obsessiva.

Freud (1898/1996) ao escrever sobre “A sexualidade na etiologia das neuroses”

estava se dedicando a teoria acerca das psiconeuroses, e já deixava claro a importância

da sexualidade infantil e do recalque para a estruturação de toda a psicanálise:

Por um singular percurso... é possível chegar a um conhecimento dessa

etiologia e compreender por que o paciente é incapaz de nos dizer

qualquer coisa a esse respeito. Pois os acontecimentos e influências que

estão na raiz de toda psiconeurose pertencem, não ao momento atual,

mas a uma época da vida há muito passada, que é por assim dizer, pré-

histórica – época da primeira infância; e eis por que o paciente também

não sabe deles. Ele os esqueceu – embora apenas em determinado

sentido. (Freud, 1898/1996, p.255).

Logo, diante da incapacidade do sujeito de nos dizer sua verdade, é necessário

então que estejamos aptos a ouvir o corpo adoecido, entendendo a demanda veiculada

através das queixas reveladas, entendendo o corpo para além de sua funcionalidade.

Nesse sentido, Del Volgo (1998) nos fala do “valor de um mito individual” (p.29) que a

história de doente ou romance da doença tem para cada paciente. A autora nos diz ainda

que o sintoma representa o “acontecimento que vem semear a perturbação na cena

corporal” (p.26). Sendo assim, o sintoma representa aquilo que constitui sinal e

acontecimento tanto no campo analítico, como no campo médico. O sintoma somático

motiva a consulta médica, porém, constitui, também, um “acontecimento psíquico...


33

ponto de apelo para o paciente desde que ele esteja sofrendo, infelicidade e sofrimento

justificando uma escuta” (Del Volgo, 1998, p.25-26).

Monseny (2001) nos esclareceu anteriormente sobre a importância da hipótese

diagnóstica para a direção do tratamento, porém esse autor também nos adverte em

relação aos efeitos determinantes do diagnóstico para o sujeito, e nos faz pensar em algo

que Lacan já havia enfatizado no início de seu ensino, no poder da linguagem sobre o

ser humano, na lógica do significante:

(...) quando usamos um significante com a pretensão de captar o ser do

sujeito, antes de mais nada nós o agredimos; além disso, procuramos

petrificá-lo sob o significante posto sobre ele, especialmente quando

acreditamos que essa etiqueta pode objetivá-lo ou, tal como se dizia nos

anos 1960, aliená-lo, ou ainda que podemos traçar seu destino com o

nosso diagnóstico (Monseny, 2001, p. 70).

Apesar de Freud não falar em significante, com a leitura de “Além do princípio

do prazer” (Freud, 1920/1996), podemos pensar em como a marca de um significante

(no caso, o diagnóstico) pode induzir o sujeito a comportamentos recorrentes que

comprovam a possibilidade de um desencontro entre sofrimento e desprazer.

A escuta clínica dos neuróticos evidencia os efeitos do diagnóstico em suas

vidas e em sua relação com o mundo em sua volta, muitas vezes tal efeito é percebido

como obra de uma cruel predestinação. O resultado disso é uma apropriação de uma

história de vida que passará a ser direcionada pela doença e pela racionalidade do

diagnóstico que nomeou tal sintoma. Teixeira (2002) fortalece este entendimento ao nos

dizer que a doença, as prescrições e os medicamentos adquirem sentido na dinâmica


34

subjetiva, não dizendo respeito apenas à enfermidade como objeto de investigação

biomédica.

O diagnóstico psicanalítico não pode operar nessa lógica. Na psicanálise,

opera-se uma lógica que deve articular o particular de cada caso com as possibilidades e

impossibilidades daquilo que foi cogitado como uma hipótese diagnóstica, hipótese

porque não temos instrumentos capazes de fornecer confirmações. O diagnóstico

psicanalítico se sustenta no recurso da linguagem, no discurso do paciente, e, ainda

assim, reconhecendo que esse discurso comporta uma dimensão de erro, de engano, de

velamento e desvelamento. Nas palavras de Elia (2010):

Só a fala permite que o sujeito, que emergirá nos tropeços das intenções

conscientes daquele que fala, possa, além de emergir nesses tropeços,

ser reconhecido como tal pelo falante, que, a partir desse

reconhecimento, não será mais o mesmo porquanto terá sido levado a

admitir como sua uma produção que desconhecia, mas que, ainda

assim, faz parte dele (p. 23).

Portanto, é de extrema importância o reconhecimento de que o dito não

significa necessariamente a verdade do dizer. Dör (1994) enfatiza que o campo da

investigação clínica se delimita na dimensão do dizer e do dito:

De fato, é o lugar onde vem se exprimir o desdobramento fantasmático;

é também aquele em que o sujeito dá testemunho de sua própria

cegueira, já que não sabe realmente o que diz através do que enuncia,
35

do ponto de vista da verdade do seu desejo, do ponto de vista, então,

daquilo que subtende o sintoma em seu transvestimento (p.14)

Del Volgo (1998) nos traz a ideia de que o instante de dizer cria uma

irreversibilidade e abre para uma criação, sendo um “instante de gênese, no sentido em

que é criador de acontecimentos psíquicos” (p.29). Assim, o psicanalista deve estar mais

interessado nesse fio que conduz o discurso, pois o dito, o manifesto, pode ser falseado,

modificado, a todo instante. Segundo Quinet (2001), na psicanálise “trata-se de uma

ética relativa à implicação do sujeito, pelo dizer, no gozo que seu sintoma denuncia, ou

seja, trata-se de uma ética de bem dizer o sintoma” (p.76).

Nossa articulação em torno da fibromialgia teve origem na escuta clínica, e,

sendo um trabalho clínico, seguimos a recomendação freudiana, também desenvolvida

por Cancina (2008), que nos alerta para a importância da atenção flutuante no papel do

analista, em contra partida à associação livre por parte do analisando, de modo que

devemos nos abster da busca para só assim podermos encontrar. Assim, é importante

deixar claro que a hipótese acerca da histeria não esteve presente desde o princípio.

“Psicanálise X Fibromialgia: a escuta de um corpo que sofre sem palavras” foi o título

com o qual primeiramente nos comprometemos.

Depois, nomeamos nossa pesquisa com títulos que remetiam à questão da

“Angústia, melancolia e dor: o que (re)vela a fibromialgia”. Neste momento,

investigávamos onde estaria a Fibromialgia dentro de um diagnóstico de Neurose Atual,

devendo ser tratada epistemologicamente a partir da ideia freudiana de Neurose de

Angústia? O seu sintoma uma somatização? Ou, tratava-se de um sintoma como uma

defesa frente a uma representação incompatível? Sendo neste último caso,

epistemologicamente, tratada como uma Neurose de defesa e, portanto, Neurose de


36

transferência, o qual o sintoma é uma conversão, um símbolo, e não apenas uma

somatização? Devendo com isso, ser pensado qual sentido o envolve. Foi então através

de um percurso clínico que encontramos o título, “Psicanálise e Dor: O que (re)vela a

fibromialgia”. Este título nos compromete com a hipótese de que os casos escutados nos

possibilitam uma articulação entre a escuta clínica das pacientes com diagnóstico de

fibromialgia e a teoria freudiana acerca da dor na histeria, passando a ser este o sentido

do nosso interesse nessa pesquisa.

Freud (1912/1996), em “Recomendações aos médicos que exercem a

Psicanálise”, mostra-nos de forma clara a sua preocupação com a construção do saber

psicanalítico através da utilização de casos clínicos. Em relação à técnica psicanalítica,

ele nos recomenda, dentre outras coisas, “não dirigir o reparo para algo específico e

manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ em face de tudo o que se escuta”,

(p.125). Com isso, Freud nos impõe uma dupla escuta: Uma escuta que deverá nos

surpreender pelo ineditismo de cada história, e uma outra escuta que nos colocará diante

da teoria já conhecida. “‘Sideração e Luz’ são duas palavras que Freud emprega em

‘Interpretação dos sonhos’ (1900). Porém, diz ele, a primeira modalidade é a que

predomina, pois devemos escutar cada caso como um novo caso, ou seja, sideração”

(Peres, 2001).

Sabemos que o analista deve desempenhar sua função assumindo um lugar de

neutralidade, melhor dizendo o analista não está como sujeito, mas como uma função,

uma função objetal. Será a transferência, essa relação assimétrica entre um sujeito do

inconsciente e o analista em sua função de causa, que tornará singular qualquer

intervenção e qualquer resultado. De acordo com o já exposto acerca da escolha por um

estudo de caso único, o caso clínico escolhido para compor essa pesquisa foi

desenvolvido através de uma escuta do sofrimento singular, considerando que é sobre


37

sua história que cada um fala. Dentre os oito casos, escolhemos aquele que nos mostrou

ser paradigmático nas articulações entre a dor fibromiálgica e a teoria freudiana sobre a

histeria.

Entendemos que cada sujeito contém elementos que são universais, é

exatamente por isso que podemos fazer ciência, que podemos usar a teoria psicanalítica

para jogar luz em nossas empreitadas. Ao mesmo tempo, buscamos também abrir

possibilidades para uma produção histórica do sujeito que se submete à regra de ouro de

associar livremente. Assim fazemos coincidir pesquisa e clínica.

O trabalho de construir os casos clínicos, ou seja, o trabalho de escrever sobre a

prática dos casos atendidos opera o fechamento de um ciclo, onde antes a teoria não

estava ausente, mas era posta em suspensão para que uma escuta particular, uma

atenção uniformemente suspensa, pudesse ser instaurada e surpreendida pelo ineditismo

de cada história, e, em outro momento, a teoria é evocada para daí construir um novo

ciclo, a clínica. Pura Cancina (2008) propõe um enodamento entre prática, clínica e

teoria, e ao mesmo tempo faz uma correlação com a descoberta feita por Lacan em 1972

acerca do real, simbólico e imaginário. Para Cancina, a prática é uma experiência,

portanto pertence ao campo do inapreensível, ao campo do Real. Já a clínica é a

teorização vinculada àquilo que foi vivido na prática e que produziu um saber do

analista e do analisando, sendo então possível ser acessada e, assim pertencente ao

campo do Simbólico. A teoria, Cancina nos diz de uma tentativa de dar conta dos furos

do saber e a situa como pertencente ao campo do Imaginário.

Cancina (2008) nos faz refletir acerca da necessidade de que o psicanalista se

coloque de dois modos; aquele que produz efeitos e aquele que utiliza a teoria para

pensar sobre os efeitos que produziu. Assim, é de fundamental importância que o

analista teorize o que produziu, para que, desse modo, possa continuar produzindo
38

efeitos em sua prática. Entendemos que esse sentido deve permanecer presente durante

todo o percurso de uma pesquisa clínica.

Voltando as recomendações de Freud (1912/1996), encontramos algo precioso

quanto às pesquisas em psicanálise. Segundo ele, uma das reinvidicações que a

psicanálise faz em seu favor é que, em sua execução, pesquisa e tratamento coincidem,

porém, prossegue fazendo alerta para o fato de que “após certo ponto, a técnica exigida

por uma opõe-se à requerida pelo outro” (p.128). Com isso acatamos a recomendação

de que não é aconselhável se trabalhar cientificamente em um caso ainda em

andamento. Após dez meses de atendimento, o caso escolhido para compor essa

pesquisa foi encerrado, sendo oferecido à paciente a possibilidade de continuar sendo

atendida no SPA (Serviço de Psicologia Aplicada), de modo que fosse possível o

distanciamento necessário para o desenrolar da escrita e a “submissão do material

obtido a um processo sintético de pensamento” (Freud 1912/1996, p.128). A partir desse

momento, a teoria foi convocada na escrita do caso, e os estudos freudianos acerca da

histeria são utilizados como operadores teóricos para uma compreensão psicanalítica da

dor fibromiálgica.

Freud (1905/1996), ao escrever “Fragmento da análise de um caso de histeria”,

relata um caso clínico (O caso Dora) com o propósito de fundamentar algumas teses que

haviam sido formuladas em escritos anteriores, “Estudos sobre a histeria” (Freud,

1895/1996) e “A etiologia da histeria” (Freud, 1896/1996). Logo no início desse artigo,

encontramos apoio para um certo desconforto ético sentido diante da exposição do

material obtido em um caso recém encerrado. Nas palavras de Freud (1905a/1996):

(...) a publicação de meus casos clínicos continua a ser para mim um

problema de difícil solução. As dificuldades são em parte, de natureza


39

técnica, mas em parte se devem à índole das próprias circunstâncias. Se

é verdade que a causação das enfermidades histéricas se encontra nas

intimidades da vida psicossexual dos pacientes, e que os sintomas

histéricos são a expressão de seus mais secretos desejos recalcados, a

elucidação completa de um caso de histeria estará fadada a revelar

essas intimidades e denunciar esses segredos (p.19)

Em seguida, nesse mesmo texto, Freud nos faz pensar em nosso compromisso

não só em relação a cada paciente, mas também em nosso compromisso em relação à

ciência, e em nosso “dever para com os muitos outros pacientes que sofrem ou sofrerão

um dia do mesmo mal” (Freud, 1905a/1996, p.20). Com isso, a comunicação de um

caso clínico que tem o objetivo de construir, ampliar ou refletir acerca do que faz sofrer

tais mulheres, passa a ser um dever sendo uma “vergonhosa covardia omiti-lo quando se

pode evitar um dano pessoal direto ao paciente em questão” (Freud, 1905a/1996, p.20).

Certamente, estamos fazendo o possível para que nossa paciente não sofra qualquer

dano dessa ordem com a exposição do caso.

Antes da exposição do caso clínico, realizaremos no capítulo seguinte um

estudo direcionado à metapiscologia freudiana da dor, com o objetivo de explorar os

textos freudianos que trazem um entendimento da dor como algo constituinte do

funcionamento do aparelho psíquico.

O interesse por melhor entender os componentes psíquicos presentes na gênese

das experiências dolorosas, justifica a relevância de uma investigação teórica acerca da

dor. È nesse sentido que destinamos o segundo capítulo a um rastreamento da dor na

obra freudiana, desde o modo como era entendida no ‘Projeto para uma psicologia

científica’ (Freud, 1985/1996) em que Freud, ainda muito próximo da medicina, dedica
40

uma atenção a dor física. Depois, em um momento onde o conceito de pseudo-pulsão

(Freud, 1915b/1996) é imprescindível. Chegando a inclusão do conceito de pulsão de

morte (Freud, 1920/1996) em que as questões acerca do excesso pulsional e do

masoquismo serão de fundamental importância para o entendimento da dor psíquica, no

artigo sobre “O problema econômico do masoquismo” (Freud, 1924/1996) e em

‘Inibição, sintoma e angústia’ (Freud, 1926/1996).


41

2. A METAPSICOLOGIA FREUDIANA DA DOR

A fibromialgia é uma doença contemporânea que vem nos mostrar o quanto o

campo da dor tem ampliado os seus limites, que extrapolam o domínio da

neurofisiologia, e fazem necessária a convocação de operadores psicanalíticos para a

investigação sobre os componentes psíquicos envolvidos na gênese das dores corporais.

Embora, Freud não tenha dedicado nenhum escrito específico sobre a dor,

exceto algumas poucas páginas na sessão 6 (p.358) e sessão 12 (p.372) do ‘Projeto para

uma psicologia científica’ (Freud, 1895/1996), e o Adendo C (p.164) de ‘Inibição,

sintoma e Angústia’ (Freud, 1926/1996), encontramos considerações a seu respeito ao

longo de toda a sua obra. Assim, podemos extrair reflexões importantes de modo que

não deixamos de ter uma teoria psicanalítica sobre a dor, que nesse capítulo será

abordada dentro de uma vertente metapsicologica.

Aqui, a dor, a pulsão e a angústia têm o mesmo estatuto de serem algo

constituinte da vida psíquica. Também estão em um caminho de ligação entre o

psíquico e o somático. Com isso, quebram a dicotomia entre corpo e mente. A dor, seja

física ou psíquica, é sempre um fenômeno de limite, “ela emerge sempre no nível de um

limite: o limite impreciso entre o corpo e a psique, entre o eu e o outro ou ainda entre o

funcionamento regulado do psiquismo e sua desregulação” (Nasio, 2008, p.12/13).


42

2.1 A dor corporal: o projeto para uma psicologia científica.

"Não há sensação mais intensa e activa


que a dor; as suas impressões são
inconfundíveis."
( Doantien Sade)

O “Projeto para uma psicologia científica” (Freud, 1895a/1996) inaugura suas

ideias psicanalíticas sobre a dor, e junto com o “Rascunho G” (Freud, 1894b/1996) nos

oferece fundamentos para a investigação desse tema. Nesta obra, Freud afirma que a dor

diz respeito a um excesso de excitação que invade o sistema psi (os neurônios da

lembrança), com isso provoca um aumento repentino de tensão e, consequentemente

uma descarga no interior do corpo. Essa necessidade de descarga está relacionada ao

princípio de inércia neuronal através do qual os “neurônios tendem a se livrar de Q”

(Freud, 1895a/1996, p.348). De modo direto e simples, Nasio (2008) nos diz a respeito

das ideias do Projeto:

Pela brecha aberta na barreira de proteção irrompe, no seio do eu, um

afluxo súbito e maciço de energia, que submerge não o corpo, mas o

psiquismo, no seu próprio núcleo, constituído por ‘neurônios da

lembrança’. Com isso, a homeostase do sistema psíquico é rompida e o

seu princípio regulador – o princípio do prazer- encontra-se

momentaneamente abolido (p. 19)

Segundo Nasio (2008), é nessa submersão que o eu transtornado consegue

autoperceber a perturbação de suas tensões pulsionais, criando a emoção dolorosa.

Assim, esse autor nos traz a ideia da dor como resultante de uma dupla percepção: a
43

percepção externa, chamada por ele de “somatossensorial”, que é voltada para fora com

o objetivo de captar a lesão e a sensação dolorosa, e a percepção interna, chamada de

“somatopulsional”, que é voltada para o interior, com o objetivo de captar o transtorno

psíquico subsequente. A dor da lesão incomoda na fronteira do corpo, enquanto a da

comoção consome a partir do interior.

Em 1895, quando da elaboração do “Projeto para uma psicologia científica”,

Freud está ainda muito próximo das questões médicas e, portanto, pensa

predominantemente na dor corporal, contudo já nos faz pensar que a dor no corpo se

inscreve psiquicamente nos neurônios da lembrança, isto é, no nível inconsciente; “(...)

inferimos que a dor consiste na irrupção de grandes Qs (provenientes do exterior) em ψ

(neurônios da lembrança)” (Freud, 1895a/1996, p. 359). Logo em seguida, ele nos faz

pensar na dor como um poderoso estado limite entre interior e exterior, “A dor aciona

tanto o sistema Ø (percepção externa) como o ψ (sistema de neurônios da lembrança),

não há nenhum obstáculo a sua condução, e ela é o mais imperativo de todos os

processos” (Freud, 1895a/1996, p.359).

Ele nos diz ainda, com base em sua teoria, de que Q produz facilitação, que é

certamente possível pensarmos que a dor deixa facilitações permanentes atrás de si em

psi. É interessante pensarmos na abertura que Freud já nos dá, para a investigação da

contribuição dessa falicitação nas dores recorrentes e crônicas, uma vez que a

quantidade (Q) direciona os excessos da vida mental a percorrer um caminho já trilhado,

evitando com isso a resistência impostas pelo percurso em caminhos novos, “(...) a dor

sem dúvida deixa facilitações permanentes atrás de si em ψ – como se tivesse sido

atingida por um raio” (Freud, 1895a/1996, p. 359)

Não podemos deixar de ressaltar que, nesse momento inicial, Freud está

absorvido pela ideia de “promover uma psicologia que seja ciência natural (Freud,
44

1895a/1996, p. 347), e diante disso nos fala de princípios físicos, o princípio da inércia,

através do qual explica a dicotomia estrutural entre os neurônios motores e sensoriais,

como um dispositivo destinado a neutralizar o excesso de excitação intracelular (Qn).

Pressupõe que um sistema nervoso primário utiliza essa Qn para descarregá-la nos

mecanismos musculares através das vias correspondentes, sendo privilegiadas as vias

que envolvem a cessação do estímulo (fuga do estímulo), e assim se mantém inalterada.

Porém, o princípio da inércia encontra um desafio nos casos em que o sistema nervoso

recebe estímulos endógenos6, que também têm que ser descarregados, “esses estímulos

se originam nas células do corpo e criam as grandes necessidades: como a respiração,

sexualidade” (Freud, 1895a/1996, p.349). Mas, ao contrário do que ocorre com os

estímulos externos, o organismo não pode deles esquivar-se. Esses estímulos,

exigências da vida, cessam apenas mediante certas condições, que devem ser realizadas

no mundo externo por uma ação específica. Em consequência disso, o sistema nervoso

é obrigado a abandonar sua tendência original à inércia, pois precisa “precisa tolerar um

acúmulo de Qn7 suficiente para satisfazer as exigências de uma ação específica” (Freud,

1895/1996,p.349)

Nesse momento do pensamento freudiano, a dor é entendida como uma falha

nos dispositivos para descarga da excitação, “ela é o mais imperativo de todos os

processos. Os neurônios Ψ parecem, pois, permeáveis a ela; portanto, a dor consiste na

ação de Qs de ordem comparativamente elevada” (Freud, 1895/1996, p. 359).

Entendemos que as primeiras marcas mnêmicas se fazem a partir do momento

em que a ação de um outro, de um semelhante, é bem sucedida o suficiente para

fornecer dados de realidade que sejam capazes de apaziguar as tensões criadas pelas

4
Em nota de rodapé (1895/1996, p. 349), encontramos a observação de que esses 'estímulos endógenos'
são os precursores das 'pulsões'.
5
Qn quantidade da ordem de magnitude intercelular.
45

fontes internas de estimulação. Ou seja, o grito do bebê quando chora, ainda que

implique em uma descarga motora, rapidamente (pela mediação de um outro) se

transformará em um gesto de comunicação, se transformará em um ato de linguagem.

Desse modo, Freud (1895a/1996) postula uma ficção do nascimento do sujeito, uma

ficção que começa com o ato, um ato intersubjetivo do Eu e do Outro e, portanto, um

ato de linguagem:

O enchimento dos neurônios nucleares em ψ terá como resultado uma

propensão à descarga, uma urgência que é liberada pela via motora. A

experiência demonstra que, aqui, a primeira via a ser seguida é a que

conduz a alteração interna (expressão das emoções, gritos inervação

vascular). Mas, (...) nenhuma descarga pode produzir resultado

aliviante, visto que o estímulo endógeno continua a ser recebido e se

restabelece a tensão em ψ. Nesse caso, o estímulo só é passível de ser

abolido por meio de uma intervenção que suspenda provisoriamente a

descarga Qn no interior do corpo; e uma intervenção dessa ordem

requer a alteração no mundo externo (fornecimento de víveres,

aproximação do objeto sexual), que, como ação específica, só pode ser

promovida de determinadas maneiras. O organismo humano é, a

principio, incapaz de promover essa ação específica. Ela se efetua por

ajuda alheia ... Essa via de descarga adquire, assim, a importantíssima

função secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres

humanos é a fonte primordial de todos os motivos morais (p. 370).


46

A frase, “o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte primordial de todos

os motivos morais” (Freud, 1895a/1996, p. 370) é algo que nos causa impacto na leitura

de um texto como o Projeto, que fala de uma “psicologia científica”, de uma psicologia

para neurologistas. Impactados, então, partimos para pensar no papel primordial desse

outro que nos antecede como aquele que nessa posição é capaz de fazer um trilhamento

pulsional possível para que o sujeito emerja. Portanto, a moralidade é introduzida na

relação com esse outro, e por esse outro, sendo também parte de uma tentativa

estratégica de negociação e de laço. Assim, Freud nos faz pensar a moralidade como um

resto de juízo, como algo que abre possibilidades para o pensar, para o simbolizar , com

isso nos aproxima da ideia da moral como um recurso para lidar com a dor. Neste

momento, Freud já nos dá indicadores de que está também falando de uma dor muito

particular, a decepção, o desapontamento. Ele nos diz:

É provável que a imagem mnêmica do objeto será a primeira a ser

afetada pela ativação do desejo. Não tenho dúvida de que na primeira

instância essa ativação do desejo produz algo idêntico a uma percepção

– a saber, uma alucinação. Quando uma ação reflexa é introduzida em

seguida a esta, a consequência inevitável é o desapontamento. (Freud,

1895a/1996, p. 372)

Ou seja, quando o desejo é ativado pela imagem mnêmica do objeto pode

produzir algo idêntico a uma percepção, “(...) surge um estado que não é o da dor, mas

que, apesar disso, tem certa semelhança com ela. Este estado inclui o desprazer e a

tendência a descarga que corresponde à experiência da dor” (Freud, 1895a/1996, p.372).

Então, algo se produz - uma alucinação. Mas, se esta é levada a uma descarga a
47

consequência inevitável será a decepção, o desapontamento. Podemos então pensar que

para o estabelecimento do juízo, ou melhor, para o estabelecimento da função de

simbolização, é necessário uma importante parceria, uma parceria que, paradoxalmente,

deve acontecer por um certo desencontro entre descarga do ato (ação) e a intenção

(desejo).

A decepção é inevitável, e se faz também necessário a construção de

estratégias para lidar com isso. O que a teoria freudiana nos diz é que essas estratégias

serão compostas a partir da relação com o outro, ou, falando em uma linguagem do

Projeto (1895a/1996), essas estratégias serão construídas a partir daquilo que também se

cria na relação mediada por uma ação específica do outro. Com isso, podemos

certamente dizer que não existiria um eu sem um outro. O eu é justamente o que se faz

a partir das possibilidades que surgem no encontro com uma satisfação apenas

aproximada do desejo. A ideia do eu no “Projeto para uma psicologia científica” (Freud,

1895a/1996) não é de uma instância psíquica, o eu é uma função que se faz a partir das

condições que lhe são impostas.

É importante frisar então, que as facilitações são uma espécie de trilhamentos

que não estão prontos. Será na relação com o outro que essa vereda será aberta, e uma

vez percorrida deixará facilitações e marcas permanentes atrás de si. É desse modo que

as impressões, que são ainda mais primárias, em relação aos traços, vão marcando as

possibilidades dos caminhos que vão sendo pouco a pouco traçados.

Freud segue sua investigação falando da dor corporal como a dor propriamente

dita, e no afeto. No caso desse último, Freud então se pergunta qual a origem de Qn, já

que todo desprazer significa aumento do nível excitação. Vejamos as palavras de Freud

nesse momento:
48

Como o desprazer significa aumento de nível, deve-se perguntar qual a

origem dessa Qn. Na experiência da dor própriamente dita, era Q

externa irruptora que eleva o nível de ψ. Na reprodução da experiência

– no afeto- a única Q adicional é a que catexia a lembrança, sendo

evidente que esta é da mesma natureza de qualquer outra percepção e

não pode ter como resultado o aumento geral de Qn (Freud,

1895a/1996, p.372).

Freud acaba percebendo que do mesmo modo que existem os neurônios

motores que quando atingem um certo nível descarregam Qn nos músculos, deve

também existir neurônios secretores que quando excitados provocam no interior do

corpo um estímulo sobre as vias endógenas de condução de ψ, “neurônios que, dessa

forma, influenciam a produção de Qn endógena e, consequentemente, não descarregam

Qn, mas fornecem-nas por vias indiretas” (Freud, 1895a/1996, p.373)

Um fato importante é que esses neurônios secretores, também chamados de

neurônios-chave, em razão de sua capacidade de liberar, só são excitados após atingido

um certo nível em ψ. Desse modo, “como resultado da experiência da dor, a imagem

mnêmica do objeto hostil adquiriu uma facilitação excelente para esses neurônios-

chave, em virtude da qual [a facilitação] libera então desprazer no afeto” (Freud,

1895a/1996, p.373).

Freud (1895a/1996) conclui a sessão 12 do “Projeto para uma psicologia

científica”, cujo título é “A experiência da Dor”, fazendo-nos novamente pensar que a

“dor deixa atrás de si facilitações especialmente abundantes”(p.373), sendo essa a razão

que justifica por que o desprazer pode ser extremo mesmo quando o investimento da

lembrança hostil é insignificante. Nasio (2008) nos diz, “enquanto a dor do passado

tinha sido provocada por um agente externo, as manifestações dolorosas de hoje podem
49

ser suscitadas por um estímulo externo ou interno, muitas vezes insignificante e

imperceptível” (p.23). Entendemos então, que uma antiga dor traumática pode ter

sensibilizado os neurônios da lembrança de modo que pode os reativar mesmo com

estímulos aparentemente insignificantes. Essa nova dor é chamada por Freud de afeto, e

essa sensibilização dos neurônios da lembrança são as facilitações, uma espécie de

veredas. Nas palavras de Freud, “a dor sem dúvida deixa facilitações permanentes atrás

de si em ψ – como se tivesse sido atingida por um raio...” (Freud, 1895a/1996, p. 359)

Podemos dizer que Freud no “Projeto para uma psicologia científica” (Freud,

1895a/1996) nos traz duas experiências fundamentais na abertura das facilitações, a dor

e a satisfação. Apesar de ainda não pensar que dor e satisfação podem coincidir, aponta

que certamente deixam marcas no psiquismo.

Quando a pessoa que ajuda executa o trabalho da ação específica no

mundo externo para o desamparado, este último fica em posição, por

meio de dispositivos reflexos, de executar imediatamente no interior de

seu corpo a atividade necessária para remover o estímulo endógeno. A

totalidade do evento constitui então a experiência de satisfação, que

tem as consequências mais radicais no desenvolvimento das funções do

indivíduo (Freud, 1895a/1996, p.370).

Porém, podemos dizer que existe uma interessante diferença entre os

trilhamentos da dor e da satisfação, uma vez que a experiência da satisfação é

conservadora, a da dor ao contrário, abre para caminhos novos. Freud alguns anos

depois, ao escrever “O ego e o id” (Freud, 1923/1996), nos dirá que “as sensações de

natureza prazerosa não têm nada de inerentemente impelente nelas, enquanto que as
50

desprazerosas o têm no mais alto grau. As últimas impelem no sentido da mudança, da

descarga” (p 36).

Diante do já exposto acerca do “Projeto para uma psicologia científica” (Freud,

1895a/1996), Freud nos traz a ideia do eu composto por uma energia circulante que

sempre tende para a descarga, e os neurônios que veiculam esta energia. Em relação à

energia: parte se propaga a partir do exterior, e outra parte se propaga no espaço intra e

interneuronal. Para isso, contamos com três tipos de neurônios; aqueles periféricos, que

têm a função de perceber os estímulos externos; outros que, situados no centro do eu,

compõe os neurônios da lembrança e têm a função de conservar as marcas dos

acontecimentos significativos; e um terceiro grupo de neurônios que agem de modo

parecido com os do primeiro grupo, porém, têm a função de perceber não o mundo

externo, mas, sim, as flutuações de energia interna e de repercuti-las na consciência sob

a forma de afetos agradáveis quando o ritmo do fluxo de energia tem uma sincronia,

afetos desagradáveis quando é assíncrono e doloroso quando for interrompido.

Será justamente o grupo dos neurônios da lembrança que constituirá o sistema

inconsciente, comportando tanto a imagem mnêmica de um acontecimento passado

como o seu afeto correspondente. Desse modo, as considerações acerca desse grupo

neuronal serão decisivas para a compreensão da dor psíquica.

2.2 De uma dor pseudo-pulsão á uma dor psíquica: o narcisimo e os artigos


metapsicológicos.

"Deus pôs o prazer tão perto da dor,


que muitas vezes se chora de alegria."
(George Sand)
51

Sabemos que o “Projeto para uma psicologia científica” (Freud, 1895a/1996)

contém pontos essenciais do pensamento freudiano. Porém, nos artigos

metapsicológicos observamos que Freud, com base em sua experiência clínica, começa

a falar de sua teoria de um modo que valoriza mais os aspectos dinâmicos do psiquismo.

Assim, metapsicologia foi um termo criado por Freud para falar de seus avanços nesse

momento (1915-1917).

Em 1914, Freud escreve “Sobre o narcisismo: uma introdução”, sendo esta

uma obra que marca uma significante reviravolta na teoria psicanalítica, pois, até o

momento anterior, Freud vinha pensando que o eu era fonte de libido, passando agora a

admitir a possibilidade de o eu ser também objeto da libido, “a libido afastada do

mundo externo é dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser

denominada de narcisismo” (FREUD, 1914/1996, p.82). Freud pensa então que a antiga

divisão, pulsão sexual e pulsão de auto-conservação, não faz mais sentido já que a

pulsão sexual pode também tomar o eu como objeto de investimento. Com a queda do

primeiro dualismo pulsional, Freud passa pela possibilidade de cair na constatação da

existência de uma única pulsão. Porém, a ideia de conflito nunca deixou de ser um

importante fundamento para suas construções acerca do psiquismo.

Ao avaliar a influência da doença orgânica sobre a distribuição da libido, Freud

verifica um recolhimento narcísico sofrido por todo aquele que é atormentado por uma

dor ou mal-estar orgânico. Nestes casos, existe um desinvestimento nas coisas do

mundo externo, na medida em que não se relacionam com seu sofrimento. Freud nos diz

que a pessoa enferma retira o interesse libidinal de seus objetos amorosos, “enquanto

sofre deixa de amar... retira suas catexias libidinais de volta para seu próprio ego, e as

põe para fora novamente quando se recupera... concentrada está sua alma (...) no estreito

orifício do molar” (Freud, 1914/1996, p. 89). Minkowski (1973) reforça esse


52

pensamento ao afirmar que “na dor não nos exteriorizamos, não tratamos de deixar

marca no mundo exterior, pelo contrário, suportamos, deixamos que venha, com toda a

sua impetuosidade, fazendo sofre” (p.176). Com isso, podemos entender que nesse

momento, a dor é resultante de uma combinação de um superinvestimento do órgão

afetado e a consequente diminuição do investimento no mundo exterior. Segundo Nasio

(2008) “(...) a dor física é a expressão sensível de uma superestimação reativa da

representação da parte ferida do corpo, e a dor psíquica, a expressão sensível de uma

superestimação igualmente reativa da representação do objeto amado e perdido” (p. 39).

Assim, a dor agora passa a ser entendida como uma expressão de uma

tentativa de defesa desastrosa por parte do eu que, diante de um transtorno, direciona

toda sua energia para a representação do objeto (quer seja objeto parte do corpo, quer

seja o objeto amado) a fim de deter o fluxo de excitações. Embora esse investimento na

representação do objeto seja ineficaz, no sentido em que não leva a um ato reparador,

ele nos indica um caminho ao evidenciar a importância do entendimento da origem

psíquica de toda dor. Nesse momento do pensamento freudiano, é importante o

entendimento da dor como uma fuga possível para os excessos pulsionais que investem

os representantes psíquicos envolvidos no processo doloroso. Nesse sentido, Berlinck

(1999) nos diz que a dor aponta para uma impossibilidade de descarga da tensão

pulsional.

Freud (1915b/1996), em seu texto sobre o recalque, volta a falar sobre o

funcionamento frente a um estímulo externo, para o qual a fuga é o apropriado e, frente

aos estímulos internos “onde a fuga não tem qualquer valia, pois o ego não pode escapar

de si próprio” (p.151). Mas, por que algo que busca a satisfação deve ser recalcado?,

Essa é a pergunta que Freud nos lança, para nos fazer pensar que é possível “o prazer da

satisfação se transformar em desprazer” (Freud, 1915b/1996, p.151).


53

No momento das elaborações de Freud sobre o recalque, a questão da dor ainda

está sendo pensada como uma dor corporal, mas é comparável à pulsão;

Pode acontecer que um estímulo externo seja internalizado – corroendo

e destruindo, por exemplo, algum órgão corpóreo -, de modo que surja

uma nova fonte de excitação constante e de aumento de tensão. Assim,

o estímulo adquire uma similaridade de longo alcance com um instinto

(pulsão). Sabemos que um caso desse tipo é experimentado por nós

como dor. (Freud, 1915b/1996, p. 151).

Mas logo em seguida, ainda no mesmo parágrafo, Freud nos diz que a dor não

é uma pulsão, já que podemos distinguir dor e pulsão tanto em suas finalidades como

nas estratégias frente a ambas. Acerca das finalidades, a dor é um sinal, um sinal de

alarme para fazer cessar o mal que acomete determinado órgão, e a pulsão busca o

prazer. Já em relação às estratégias, para a pulsão podemos contar com o mecanismo do

recalque, frente à dor imperativa ficamos impotentes. Nas palavras de Freud

(1915b/1996):

A finalidade desse pseudo-instinto (pseudo-pulsão), no entanto,

consiste simplesmente na cessação da mudança no órgão e do desprazer

que lhe é concomitante. Não há outro prazer direto a ser alcançado pela

cessação da dor. Além disso, a dor é imperativa; as únicas coisas diante

das quais ela pode ceder são a eliminação por algum agente tóxico ou a

influência da distração mental (p. 151).


54

A relação feita por Freud entre dor e pulsão nos evidencia que, se até esse

momento, ele expõe seu interesse pelo mecanismo da dor física, ao mesmo tempo nos

mostra um interesse por outros temas ligados a sua construção acerca das neuroses.

Assim, quando falamos anteriormente da “ação específica” de um outro que

chega, em condições, a realizar algo em que o bebê não é capaz de realizar sozinho, de

algum modo estamos também falando de uma dor-pulsão que se dirige ao outro. A

equivalência entre dor e pulsão faz também uma exigência de trabalho ao psiquismo.

Seguindo as construções teóricas de Freud, fica claro que, até certo ponto, ele

diferenciava com muita nitidez dor e pulsão, justamente em razão de seu pensamento de

que a pulsão estaria ligada ao prazer e a dor ao desprazer, já em seus estudos sobre as

pulsões e seus destinos” (1915a/1996). Freud traz novas construções em que essa

distinção perde valor, com isso passa a entender que a dor pode coincidir com o prazer,

a exemplo do sadismo e do masoquismo.

Desse modo, Freud volta a fazer uma aproximação entre dor e pulsão. É

interessante observarmos que essa hesitação entre aproximar e diferenciar pulsão e dor

pode ser um reflexo do momento em que Freud está interessado em melhor definir o

conceito de pulsão, mas, ao mesmo tempo está passando por um desconforto diante dos

impasses frente as construções do narcisismo que impõem a possibilidade de cair na

constatação da existência de uma única pulsão. Porém, o conflito continua sendo um

postulado fundamental e, seu pensamento acerca da dinâmica envolvida no processo

doloroso aponta para uma mudança na concepção do masoquismo que culminará

posteriormente na construção do conceito de pulsão de morte, em 1920, e com o texto

sobre o masoquismo, em 1924.

Podemos dizer que nesse momento, Freud (1915a/2004) nos apresenta o par

sadismo-masoquismo atuando de três modos: a) o sadismo, tomado como primeiro


55

tempo da pulsão sexual ativa, que consiste em um exercício de violência, de poder,

contra outra pessoa como objeto. b) o objeto é deixado de lado e substituído pela

própria pessoa. Esse redirecionamento, contra a própria pessoa, também provoca uma

transformação da meta pulsional, de ativa para passiva. A renúncia, a perda do objeto,

própria dessa etapa nos faz pensar no tempo do auto-erotismo. Um outro não se faz

necessário para que haja sofrimento. Aqui, Freud (1915a/2004) nos traz uma articulação

com a neurose obsessivo-compulsiva, pois nesta “existe um retorno em direção ao eu do

sujeito sem uma atitude de passividade para com outra pessoa... O desejo de torturar

transforma-se em autotortura e autopunição, mas não em masoquismo” (p.133).

Posteriormente, em “O problema econômico do masoquismo” (Freud,

1924/1996), essa ideia será revista e passará a ser descrita dentro da forma de

masoquismo chamada masoquismo moral, e essa atitude reflexiva, sem a passividade

para com outra pessoa passará a ocupar a função do superego na segunda tópica. Por

fim, um terceiro momento (c), em que uma outra pessoa, tal qual na primeira etapa, é

procurada como objeto. Porém, agora a meta pulsional se tornou passiva, e essa pessoa

procurada como objeto deve então assumir o lugar de sujeito.

Ainda em 1915, Freud esclarece que paralelamente à finalidade geral da pulsão

sádica, junta-se “uma bem especial – não só humilhar e dominar, como também, além

disso, infligir dor” (Freud, 1915a/1996, p. 133). Ele destaca que, apesar do fato de

infligir dor não desempenhar um papel entre os objetivos originais da pulsão, uma vez

ocorrida a transformação em masoquismo, a dor é muito apropriada para proporcionar

uma finalidade masoquista passiva:

Temos todos os motivos para acreditar que as sensações de dor, assim

como outras sensações desagradáveis, beiram a excitação sexual e


56

produzem uma condição agradável, em nome da qual o sujeito,

inclusive, experimentará de boa vontade o desprazer da dor (Freud,

1915a/1996, p. 134)

Desse modo, quando sentir dor passa a ter uma finalidade masoquista, o

objetivo sádico de causar dor também pode surgir, retrospectivamente. Isto pode ser

explicado pelo fato de que enquanto inflige dor a outra pessoa, são também desfrutadas

masoquisticamente pelo sujeito através de uma identificação com o sofredor. Porém,

Freud esclarece que “não é a dor em si que é fruída, mas a excitação sexual

concomitante – de modo que isso pode ser feito de uma maneira especialmente

conveniente a partir da posição sádica” (Freud, 1915a/1996, p.134). Assim, nesse

momento, a fruição da dor, em sua finalidade originalmente masoquista, só pode tornar-

se uma finalidade da pulsão em sujeitos originalmente sádicos. Ou seja, Freud ainda não

desenvolve, nessa perspectiva, a hipótese de um masoquismo originário, de um sujeito

que busca prazer no sofrimento. Aqui, o masoquismo é pensado como um retorno da

pulsão ao próprio eu, em uma defesa contra a possibilidade de provocar dor no outro. A

pulsão de morte, como algo para além do princípio do prazer, ainda não foi introduzida.

Diante disso, o prazer continua sendo entendido como o único objetivo da pulsão.

Todavia, o modelo em questão começa a sofrer abalos.

Ainda em 1915, a partir do conceito de narcisismo, Freud escreve o artigo

“Luto e melancolia” (1917a[1915]/1996), inclusive nesse momento chama a melancolia

de neurose narcísica. Esse artigo traz um modo de pensar a melancolia, isto é, o

narcisismo e a identificação do eu com o objeto surgem como elementos decisivos para

o entendimento do sofrimento psíquico. O conceito de narcisismo surge como uma

possível explicação para o retorno do investimento libidinal ao eu, já a identificação


57

evidencia uma forma de recusa psíquica frente à realidade da perda do objeto.

A ideia da dor como algo psíquico aparece aqui de um modo muito claro,

“Parece- nos também uma comparação adequada chamar a disposição para o luto de

‘dolorosa’” (Freud, 1917a/1996, p.250), sendo esse estado doloroso, um estado de

predomínio da dor psíquica, aquilo que é mais evidente tanto no luto como na

melancolia. Nessa obra, Freud busca desvendar a natureza da melancolia através de uma

aproximação com o luto, situando suas formulações em torno da impossibilidade de

realizar um trabalho de luto frente a uma perda. A partir dessas formulações, Freud

trabalha a ambivalência nas relações com o objeto, a escolha objetal narcísica, a

identificação, bem como, os sentimentos de culpa e agressões a que o eu se submete.

Nas palavras de Freud, tanto o luto quanto à melancolia são uma “reação à perda de um

ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como

o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante” (Freud, 1917a/1996,

p.249). Mas, por que em algumas pessoas o estado doloroso frente a uma perda é

enfrentado como um luto, que não é considerado patológico e será superado após algum

tempo, e outras pessoas sucumbem na melancolia?

Para um melhor entendimento daquilo que ocorre na melancolia em relação ao

fenômeno da dor, precisamos retornar um pouco para o pensamento de Freud em seu

“Rascunho G” (1894b/1996) sobre a melancolia. Neste, Freud já lhe definira como

“inibição psíquica, com empobrecimento pulsional e o respectivo sofrimento” (p.252),

uma espécie de luto frente à perda da libido. Freud explica isto nos dizendo que quando

ocorre uma grande perda de excitação é possível que aconteça uma espécie de

“retração” do psiquismo, produzindo uma sucção “sobre as excitações contíguas”.

Desse modo estamos diante de um abalo no psiquismo, e, consequentemente, da dor, já

que “desfazer associações é sempre doloroso”. Com isso, esse escrito nos antecipa o
58

entendimento da dor como uma “hemorragia interna” da energia psíquica. Vejamos as

palavras de Freud:

(...) uma retração para dentro (por assim dizer) na esfera psíquica, que

produz um efeito de sucção sobre as quantidades de excitação

contíguas. Os neurônios associados são obrigados a desfazer-se de sua

excitação, o que produz sofrimento. Desfazer associações é sempre

doloroso. Com isso, instala-se um empobrecimento da excitação...uma

hemorragia interna que se manifesta nas outras pulsões e funções. Essa

retração para dentro atua de forma inibidora, como uma ferida, num

modo análogo a dor (...) (Freud, 1894b/1996, p. 252)

Alguns anos depois, Freud retoma esse pensamento ao nos dizer que: “O

complexo de melancolia se comporta como uma ferida aberta, atraindo a si as energias

catexias... provenientes de todas as direções, e esvaziando o ego até este ficar totalmente

empobrecido” (Freud, 1917a/1996, p.258). Porém, concentra suas atenções nas

reflexões acerca da perda do objeto, na ambivalência e no retorno da libido ao eu.

No trabalho do luto, diante da revelação de que o objeto amado não existe

mais, “prevalece o respeito pela realidade, ainda que suas ordens não possam ser

obedecidas de imediato” (Freud, 1917a/1996, p.250). O trabalho psíquico do enlutado

exige tempo e investimento libidinal, fazendo a existência do objeto prolongar-se

psiquicamente até que o trabalho do luto se conclua:

Cada uma das lembranças e expectativas isoladas através das quais a

libido está vinculada ao objeto é evocada e hipercatexiada, e o


59

desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas (...)

contudo, o fato é que, quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica

outra vez livre e desinibido (Freud, 1917a/1996, p.251)

Na melancolia, a perda é de natureza mais ideal, o objeto foi perdido enquanto

objeto de amor, “mesmo que o paciente esteja cônscio da perda que deu origem à sua

melancolia, mas apenas no sentido de que sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu

nesse alguém” (Freud, 1917a/1996, p.251)

Assim, na melancolia, a perda é de algo relativo ao próprio eu, é inconsciente,

ao contrário do luto, do qual nada é inconsciente em relação à perda. O trabalho da

melancolia envolve um enigma, pois não se sabe o que o absorve, o que o esvazia, e o

que o inibe tão profundamente. É notória uma expressiva diminuição da auto-estima e

empobrecimento do ego, o melancólico parece satisfazer-se ao desmascarar-se perante o

outro. “No luto é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego.”

(Freud, 1917a/1996, p. 251).

Na melancolia, a relação com o objeto não é nada simples. O conflito não está

na relação com o objeto externo, mas, sim, na relação com o objeto internalizado,

sendo, portanto, um conflito intrapsíquico bastante complicado em razão de uma

ambivalência que é constitucional, ou surge de experiências relacionadas com a ameaça

da perda do objeto. Desse modo, é travada uma luta de amor e ódio em torno do objeto,

e “É assim que encontramos a chave do quadro clínico: percebemos que as auto-

recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse

objeto para o ego do próprio paciente” (Freud, 1917a/1996, p. 254). Daí a explicação

para a naturalidade com que se autodegradam, os “queixumes” na verdade dizem

respeito a um outro. Além disso, esse retorno das recriminações implica uma clivagem
60

do ego que dará origem ao que Freud chama de consciência moral, uma instância crítica

precursora do superego.

Podemos concluir que existe uma escolha objetal, uma ligação da libido para

uma pessoa (ou algo) especial, por alguma razão essa relação objetal é destruída. A

consequência disso não é primeiro um superinvestimento, depois uma normal e

gradativa retirada da libido desse objeto e um deslocamento para um novo, o que ocorre

na melancolia é uma retirada da libido para o ego, servindo para estabelecer uma

identificação do ego com o objeto abandonado. Assim, “a sombra do objeto caiu sobre o

ego (...) Dessa forma, uma perda objetal se transformou numa perda do ego, e o conflito

entre o ego e a pessoa amada, numa separação entre atividade crítica do ego e o ego

enquanto alterado pela identificação” (Freud, 1917a/1996, p. 254/255). Uma perda

objetal se transforma em uma perda do eu, e o conflito entre o eu e o objeto amado se

transforma em uma separação entre atividade crítica do eu e o eu alterado pela

identificação. A identificação narcísica com o objeto torna-se um substituto do

investimento erótico, o que segundo Freud constitui um importante mecanismo nas

afecções narcísicas.

De forma resumida, destacamos alguns pontos importantes do pensamento

freudiano nesse momento de suas formulações teóricas: na melancolia estamos diante

de um empobrecimento psíquico decorrente de uma perda. Isto provoca uma espécie de

ferida narcísica, um buraco na esfera psíquica que não é preenchido por nada. Há,

portanto, uma “hemorragia interna da libido” que se direciona no sentido de encher

esse buraco. O resultado disso é um excesso de trabalho no psiquismo, que culmina por

esgotar o eu. Um outro ponto muito importante é a relação do melancólico com o

narcisismo, e a identificação aí envolvida. Na melancolia, o sujeito ignora a natureza

narcísica e totalitária que o une ao objeto. Ao perder, o sujeito não encontra no outro
61

nenhuma indicação de que foi desejado, culpa-se por isso, sendo esta a ferida narcísica

que mais dói no melancólico. Esta é a dor psíquica ou dor moral, nada é possível de

conter a “hemorragia interna”.

“Luto e melancolia” (Freud, 1917a/1996) é escrito entre o primeiro e o

segundo dualismo pulsional, sendo inquestionável o seu valor para as construções

teóricas futuras, e sua influência decisiva para a introdução do conceito de pulsão de

morte e a nova concepção sobre o masoquismo.

2.3 A dor para além do princípio do prazer

"Existe apenas uma coisa que excita os animais


mais do que o prazer, é a dor."
(Umberto Eco)

No ano de 1920, assistimos a uma guinada no pensamento freudiano acerca do

funcionamento do psiquismo, em decorrência da introdução do conceito de pulsão de

morte. Nesse momento, já no âmbito da segunda teoria das pulsões, as formulações

freudianas acerca dos excessos pulsionais e do masoquismo ganham fundamental

importância para o entendimento da dor psíquica.

As primeiras referências ao termo masoquismo aparecem já em 1900, com a

escrita de “Interpretação dos sonhos”, quando Freud nos escreve sobre os sonhos de

angústia e naqueles que parecem ser o oposto do desejo. Para estes casos, Freud nos fala

de um componente masoquista na constituição sexual de muitas pessoas e nos diz que

estas podem ser descritas como “masoquistas mentais... essas pessoas podem ter sonhos

como o oposto do desejo e sonhos desprazerosos que são, ainda assim, realizações de

desejos, pois satisfazem suas inclinações masoquistas” (Freud, 1900/1996, p.192)


62

Em 1899, ao concluir a escrita sobre a “Interpretação dos sonhos” (Freud,

1900/1996), Freud se vê diante de conhecimentos que resultam na escrita dos textos

“Sobre a psicopatologia da vida cotidiana” (Freud, 1901/1996), “Os chistes e sua

relação com o inconsciente” (Freud, 1905d/1996) e os “Três ensaios sobre a teoria da

sexualidade (Freud, 1905b/1996). Nesse último, Freud, além de reportar o início da

sexualidade à primeira infância, também questiona abertamente a opinião vigente acerca

da sexualidade humana no começo do século XX. Nessa época, a concepção de

normalidade sexual estava próxima da ideia de instinto, no sentido que lhe dá a

biologia, como um padrão pré-determinado de comportamento. Assim, a normalidade

estaria condicionada a um alvo sexual, o coito, definido como a conjunção genital

heterossexual, a fim de aliviar a tensão sexual e motivada pelo interesse de perpetuar a

espécie. Dentro dessa ideia de normalidade, qualquer desvio dessa conduta (normal) é

entendido como uma transgressão que nos aproxima do conceito de perversão dentro

desse paradigma.

Dentre as perversões, Freud (1905b/1996) confere importância ao par -

sadismo e masoquismo - ao nos dizer que “O sadismo e o masoquismo ocupam entre as

perversões um lugar especial, já que o contraste entre atividade e passividade que jaz

em sua base pertence às características universais da vida sexual” (p. 149). Freud segue

seu pensamento nos dizendo que, em relação ao sadismo, podemos encontrar uma

aproximação no aspecto agressivo que a sexualidade comporta em seu objetivo de

dominar para efetuar o coito. Já o masoquismo é designado por Freud como “todas as

atitudes passivas perante a vida sexual e o objeto sexual, a mais extrema das quais

parece ser o condicionamento da satisfação ao padecimento de dor física ou anímica

advinda do objeto sexual” (p.150). Assim, Freud nos traz a ideia de que o masoquismo,

enquanto perversão está mais distante da normalidade que sua contrapartida (o


63

sadismo).

Como já exposto anteriormente, Freud(1915a/1996) ainda não conseguia

pensar no masoquismo primário (originário), entendendo apenas que este seria uma

continuação do sadismo que se volta contra a própria pessoa, que assume o lugar de

objeto. Será apenas com a introdução do conceito de pulsão de morte, que Freud

reconhecerá um masoquismo primário do qual se desenvolvem posteriormente duas

formas que podem escapar aquilo que entendemos por patológico ao falarmos de

perversão: o masoquismo feminino e o masoquismo moral. O masoquismo em seu

retorno à própria pessoa será entendido então como masoquismo secundário, e terá certa

aproximação com o narcisismo (Freud, 1914/1996) enquanto investimento libidinal no

próprio eu, porém sendo acrescentados os componentes de agressividade e dor.

Diante do estudo realizado em os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”

(1905b/1996), entendemos que Freud descreve o masoquismo dentro de uma dimensão

psicopatológica - a perversão. Mas, simultaneamente, coloca o par sadismo-

masoquismo em um lugar constitutivo da pulsão sexual ao nos dizer que “um exame

mais atento sempre nos mostra que esses novos propósitos, mesmo os que se afiguram

mais estranhos, já se esboçam no processo sexual normal” (p.147).

Com isso, podemos pensar que as chamadas “aberrações sexuais” (p.128)

podem ser encontradas na vida sexual normal, e que para a perversão propriamente dita

seria necessária uma exclusividade na relação com o desvio para a obtenção do prazer,

ou seja, quando há “características de exclusividade e fixação, então nos vemos

autorizados, na maioria das vezes, a julgá-la como um sintoma patológico” (p.153)

Assim, Freud dá início a um novo pensamento acerca do masoquismo, passando a

entendê-lo, não apenas como uma patologia, mas também, como algo que pode ser

originário da sexualidade. É nesse sentido, que Conte (2002) realiza um interessante


64

estudo através do qual situa o masoquismo como um dispositivo metapsicológico para

explicar fenômenos psíquicos, que podem tomar o rumo tanto da constituição como da

patologia. Seguindo a metapsicologia freudiana, a autora desenvolve seu pensamento

para entender como “a passividade, a dor e a excitação se mesclam no início da vida e

passam a ser condições fundamentais para que o indivíduo coloque em marcha o

aparelho psíquico e venha a tornar-se sujeito” (p.17).

Já em 1919, no texto “Uma criança é espancada” (Freud,1919/1996), cujo

subtítulo é ‘Uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais’, Freud faz

uma análise da fantasia de espancamento e busca um melhor entendimento acerca da

origem das perversões, em especial do masoquismo. A fantasia de espancamento tem

sentimentos de prazer relacionados com ela, há quase sempre uma satisfação

masturbatória que pode provocar perturbações na vida adulta. Freud nos diz que o

tratamento analítico do problema encontra inequívoca resistência em razão dos

sentimentos de vergonha e culpa que são provocados. Em geral, tais fantasias aparecem

muito cedo na infância, “certamente antes da idade escolar e jamais depois do quinto ou

sexto ano de vida” (p.195), e podem ser reforçadas quando as crianças assistem a cenas

reais de espancamento. Essa experiência de testemunhar cenas reais de espancamento

produziria na criança “um sentimento peculiarmente excitado... Em alguns poucos

casos, a experiência real da cena de espancamento era sentida como algo intolerável”

(p.196)

Segundo Freud (1919/1996), uma fantasia como essa, principalmente quando é

pensada em seu propósito de satisfação auto-erótica, “só pode, à luz do nosso

conhecimento atual, ser considerada como um traço primário de perversão” (p. 197).

Desse modo, constitui uma fixação em uma fase precoce que compromete o desenrolar

dos processos posteriores de desenvolvimento, dando evidências de uma constituição


65

peculiar e anormal do indivíduo. Porém, esse tipo de fixação pode não ser definitiva,

podendo mais tarde evoluir em diversas direções; pode ser submetida ao recalque, ser

substituída por uma formação reativa, ou ainda ser transformada por meio da

sublimação, “se esses processos, contudo, não ocorrem, a perversão persiste até a

maturidade” (p.197-198). Em razão de sua precocidade, por volta do quinto ou sexto

ano de vida, as impressões que provocaram a fixação não tinham qualquer força

traumática. Porém, é possível “procurar o seu significado no fato de que ofereciam uma

ocasião para fixação (embora acidental) exatamente ao componente que se desenvolveu

prematuramente e estava pronto para se colocar em primeiro plano” (p.198)

A primeira fase das fantasias de espancamento nas meninas pode ser

representada pela frase “O meu pai está batendo na criança” (Freud, 1919/1996, p.201).

Nessa fase, alguns aspectos permanecem indefinidos e os personagens indeterminados.

Porém, é certo que nesta fase a criança em quem estão batendo não é jamais a mesma

que cria a fantasia, em geral é um irmão ou irmã, se existem. Não há relação entre os

sexos da criança que fantasia e da que é espancada. Essa fantasia não pode ser dita

masoquista. Nomeá-la de sádica é uma possibilidade, mas a criança que cria a fantasia

não é quem bate. Acerca da identidade do agressor, só se pode afirmar que é um adulto.

Mais tarde, esse adulto passa a ser reconhecido, inequivocamente, como o pai da

menina. Assim, Freud deduz que a frase passa a ser acrescida da ideia de que “o meu pai

está batendo na criança que eu odeio” (p.201), podendo ainda ser desdobrada em “O

meu pai não ama essa criança, ama apenas a mim” (p.202). Desse modo, é uma fantasia

“não claramente sexual, nem sádica, em si, mas ainda assim a natureza da qual ambos

impulsos surgirão depois” (p.203)

A segunda fase é descrita por Freud (1919/1996) como a mais importante e

significativa de todas. Podemos dizer, que, num certo sentido, jamais teve existência
66

real, sendo, portanto, uma construção da análise. Nessa fase, ocorrem profundas

transformações. A pessoa que bate continua sendo a mesma, o pai. Mas, a criança em

quem estão batendo passa a ser a mesma que fantasia. Desse modo, a frase seria “Estou

sendo espancada pelo meu pai” (p. 201). Para Freud, a fantasia dessa segunda fase é

uma expressão direta do sentimento de culpa da menina em razão de seu desejo

incestuoso para com o pai. A fantasia torna-se então masoquista e a fase é entendida

como masoquismo moral. Nas palavras de Freud (1919/1996);

‘O meu pai me ama’ queria expressar um sentido genital; devido à

regressão, converte-se em ‘o meu pai está me batendo (estou sendo

espancada pelo meu pai)’. Esse ser espancado é agora uma

convergência do sentimento de culpa e do amor sexual... aqui temos,

pela primeira vez, a essência do masoquismo (p.205).

A terceira fase, a criança que cria a fantasia aparece como uma espectadora, e o

pai persiste sob a figura de um professor ou qualquer outra autoridade. A fantasia se

assemelha então à fantasia da primeira fase, “parece haver se tornado, uma vez mais,

sádica” (Freud, 1919/1996, p.206). Porém, apenas a forma é sádica. A satisfação é

masoquista já que “Todas as crianças não especificadas que estão sendo espancadas pelo

professor, afinal de contas, nada mais são do que substitutos da própria criança” (p.206).

Nessa fase, pela primeira vez encontramos uma constância no sexo da criança que é

espancada, este são, invariavelmente, meninos. Este fato assinala uma complicação no

caso das meninas, pois na fantasia a menina tende a se identificar com o menino,

reforçando com isso suas tendências masculinas: “Quando estas se afastam do amor

incestuoso pelo pai, com seu significado genital, abandonam com facilidade o papel
67

feminino. Põe em atividade o seu ‘complexo de masculinidade’ e, a partir de então,

querem apenas ser meninos” (p.206)

Até o momento, podemos dizer então que a essência do masoquismo nasce da

convergência entre o sentimento de culpa e o amor sexual. Assim, o componente erótico

associado ao sofrimento passa a se distanciar da ideia de autoconservação, e a

sexualidade assume uma importância decisiva para a formulação do segundo dualismo

pulsional.

No ano de 1920, a teoria freudiana é marcada por uma mudança decisiva no

entendimento do funcionamento psíquico. Até aqui, o pensamento freudiano tinha suas

bases no “princípio de prazer-desprazer”, tal como podemos observar nos casos de

neuroses. O neurótico desenvolve sintomas que acabam por prolongar uma luta contra o

desejo incompatível, assim, diante desse sofrimento, procuram análise para evitar o

desprazer, ou melhor, para reencontrar o prazer outrora perdido. Porém, a experiência

clínica impõe a Freud uma mudança acerca da equivalência entre prazer e redução de

tensão, e, desprazer e aumento de tensão. Freud passa a não considerar essa correlação

tão evidente e simples, pois a existência de aumento de tensões agradáveis colocava em

cheque o princípio de prazer defendido até então. Freud (1920/1996) propõe então, uma

nova hipótese: uma outra dualidade pulsional, ainda mais elementar que o princípio

prazer-desprazer seria o responsável pelo funcionamento psíquico. O conflito entre as

pulsões de vida e de morte passa a reger psiquismo, e não mais o conflito pulsões do eu

x pulsões sexuais.

Freud (1920/1996) utiliza um pensamento biológico em vista de um organismo

vivo na sua forma mais simplificada possível (uma vesícula primitiva) para descrever a

função exercida pela formação de um escudo para proteger o psiquismo de estímulos

excessivos vindos tanto do exterior como do interior. Freud caminha e nos traz uma
68

importante conclusão acerca de uma natureza conservadora de toda substância viva.

Vejamos as palavras de Freud:

Os atributos da vida foram, em determinada ocasião, evocados na

matéria inanimada pela ação de uma força de cuja natureza não

podemos formar concepção... A tensão que então surgiu no que até aí

fora uma substância inanimada se esforçou por neutralizar-se e, dessa

maneira, surgiu o primeiro instinto: o instinto a retornar ao estado

inanimado (Freud, 1920/1996, p. 49)

Podemos dizer então que a tentativa de neutralização é algo ainda mais

primário que o princípio do prazer. Podemos também estabelecer um paralelo com as

ideias já colocadas, anteriormente, no “Projeto para uma psicologia científica” (Freud,

1895/1996) das quais Freud nos fala do traumático desamparo como uma via de

extrema importância para o funcionamento da vida psíquica, ou seja o, o bebê em sua

condição de passividade e desamparo, necessita que forças externas (ainda que

perturbadoras) lhe animem e convoquem a existência de sua vida subjetiva.

Observamos que a ideia de conflito persiste em toda a obra freudiana. Antes, o

dualismo entre pulsões do ego x pulsões sexuais. Agora, o dualismo entre a pulsão de

vida e a pulsão de morte, que traz uma nova teoria para explicar aquilo que está em um

“Além do principio do prazer”.

A experiência clínica nos mostra que os pacientes revivem com engenhosidade,

ao repetirem na transferência as situações indesejadas e as emoções penosas. Freud

(1920/1996) evolui na sua análise sobre a repetição e chega ao entendimento da

funcionalidade do inconsciente que está por trás de algumas experiências no cotidiano,


69

os quais revelam um caráter repetitivo quase compulsivo:

A impressão que dão é de serem perseguidos por um destino maligno

ou possuídas por algum poder ‘demoníaco’; a psicanálise, porém,

sempre foi de opinião de que seu destino é, na maior parte, arranjado

por elas próprias e determinado por influências infantis primitivas”

(Freud, 1920/1996, p.32)

Em geral, essa perpétua repetição da mesma coisa não nos causa admiração

quando está relacionada a um comportamento ativo, por outro lado ficamos muito

impressionados quando “o sujeito parece ter uma experiência passiva, sobre a qual não

possui influência, mas nos quais se defronta com uma repetição da mesma fatalidade”

(Freud, 1920/1996, p.33). A não participação do sujeito traz uma ideia de vitimização e

desamparo frente a algo que lhe escapa, porém, o estudo da psicanálise nos deixa claro a

importância decisiva do inconsciente em uma parcela de responsabilidade que cabe ao

sujeito na repetição dessas situações, apesar desse não se dar conta do papel ativo que

exerce. Então, estamos falando de uma certa escolha da posição a ser ocupada frente ao

mundo e ao outro em sua volta. O que estaria motivando essas “escolhas” seria uma

experiência traumática, que apesar de seu desprazer, é repetida tanto nos sonhos das

neuroses traumáticas, como em algumas brincadeiras infantis, na análise, e em situações

do cotidiano.

Freud, em “O problema econômico do masoquismo” (1924/1996), analisa o

masoquismo sob três formas: o masoquismo erógeno, o masoquismo feminino, e o

masoquismo moral. Desse modo continua sua investigação sobre este tema que ainda

persiste como um enigma no entendimento sobre o funcionamento do psiquismo, pois;


70

(...) se os processos mentais são governados pelo princípio de prazer de

modo tal que o seu primeiro objetivo é a evitação do desprazer e a

obtneção do prazer, o masoquismo é incompreensível. Se o sofrimento

e o desprazer podem não ser simplesmente advertências, mas em

realidade, objetivos, o princípio de prazer é paralisado – é como se o

vigia de nossa vida mental fosse colocado fora de ação por uma droga

(p.177)

Volich (1999) analisa essa citação freudiana e destaca a importância do alcance

desse desafio. Ou seja, questionar a função do princípio de prazer no funcionamento

psíquico implica necessariamente no desafio de repensar a relação do ser humano com a

dor e com o sofrimento, e mais ainda, implica em reconhecer nesse sofrimento uma

função na preservação da vida (p.51).

Freud (1924/1996) nos lembra da posição adotada em 1920 sobre o princípio

de Nirvana, nome este sugerido por Barbara Low, e adotado por Freud, para falar de

uma “tendência no sentido de estabilidade” (p.177) que sem hesitação é vinculado ao

princípio de prazer- desprazer. Todo prazer deve coincidir com uma redução da tensão e

todo desprazer com uma elevação da tensão psíquica devida ao estímulo. Porém, já nos

é conhecido o fato de que essa equação não é de todo verdadeira, pois a exemplo do

prazer sexual, sabemos da existência de tensões prazerosas e relaxamentos

desprazerosos.

De todo modo, percebemos que o princípio de Nirvana, estando ao serviço da

pulsão de morte em sua tendência a zero, “é um funcionamento primário que no ser

humano sofre uma modificação que o transforma em princípio do prazer” (Volich, 1999,
71

p.51). Essa modificação é provocada pela pulsão de vida, que “lado a lado com a pulsão

de morte, apoderou-se de uma cota na regulação dos processos da vida” (Freud,

1924/1996, p. 178). Fica claro então, que a dinâmica entre pulsão de vida e pulsão de

morte não é marcada por uma oposição, mas sim por uma fusão pulsional:

(...) com vistas à preservação da vida as pulsões de vida e de morte

encontram-se mescladas. As tendências libidinais ficam assim

marcadas pelas forças desagregadoras e destrutivas da pulsão de morte,

e a destrutividade impregnada pelas forças libidinais de ligação e

integração características da pulsão de vida. Segundo Freud, o

masoquismo erógeno primário seria um vestígio do momento em que

se realiza essa liga, essencial para vida, entre Eros e Tanatos (Volich,

1999, p. 52).

Seguindo o pensamento de Volich (1999), e refletindo sobre o pensamento

freudiano desde o “O projeto para uma psicologia científica” (Freud, 1895/1996),

constatamos a importância da presença do objeto materno, ou de seu substituto, como

fator decisivo para a transformação do princípio de Nirvana em princípio de prazer, e

também para o surgimento da primeira estrutura do ego, organizada em torno de um

núcleo masoquista erógeno. Freud (1924/1996) nos esclarece como se dá a constituição

desse núcleo, após uma parte da pulsão de morte ter sido transposta para fora, para os

objetos, “dentro resta como um resíduo seu masoquismo erógeno propriamente dito que,

por um lado, se tornou componente da libido e, por outro, ainda tem o eu (self) como

seu objeto” (p.182). Conte (2002) afirma ser no masoquismo erógeno, no qual a dor e

prazer ocorrem no mesmo sistema, ou seja, não há distinção tópica que coloque a
72

barreira na qual o que é prazer para um sistema seja desprazer para outro.

A segunda forma de masoquismo descrita por Freud (1924/1996) é o

masoquismo feminino. Para Freud, trata-se de uma verdadeira perversão, cujo conteúdo

manifesto é de ser “amordaçado, amarrado, dolorosamente espancado, açoitado, de

alguma maneira maltratado, forçado à obediência incondicional, sujado e aviltado”

(p.179). Freud constata que as fantasias nesses casos colocam o indivíduo numa

situação caracteristicamente feminina; “elas significam, assim, ser castrado, ou ser

copulado, ou dar à luz um bebê”. Por essa razão, Freud chama essa forma masoquista de

“feminina” (p.180), com isso, nos traz certa equivalência entre feminino e passividade.

Também um sentimento de culpa encontra expressão no conteúdo manifesto dessas

fantasias, o indivíduo presume que cometeu alguma falha, portanto deve sofrer as

consequências passando por situações penosas e atormentadoras. Esse componente de

culpa inconsciente aproxima o masoquismo feminino de uma outra forma de

masoquismo, o masoquismo moral, já abordada anteriormente, quando descrevemos a

segunda fase da fantasia de espancamento descrita no texto “Um criança é espancada”

(1919/1996).

Passamos agora para essa outra forma de masoquismo descrita por Freud em

1924, o masoquismo moral. Neste, “o próprio sofrimento é que importa” (p.183), sendo

descrito como notável por haver um afrouxamento de seu vínculo com aquilo que

identificamos como sexualidade. Todos os outros sofrimentos masoquistas levam

consigo a condição de que emanem da pessoa amada, mas “O verdadeiro masoquista

sempre oferece a face onde quer que tenha oportunidade de receber um golpe.” (p.183).

Diante do masoquismo moral assistimos a uma ampliação das formas de

manifestações do masoquismo, podendo agora partir de outro que não mais o amado,

inclusive podendo ser a própria pessoa. Com isso somos convocados a pensar nos
73

limites da cura e na reação terapêutica negativa:

O sofrimento acarretado pelas neuroses é exatamente o fator que as

torna valiosas para a tendência masoquista. É também instrutivo

descobrir, contrariamente a toda teoria e expectativa, que uma neurose

que desafiou todo esforço terapêutico pode desvanecer-se se o

indivíduo se envolve na desgraça de um casamento infeliz, perde todo o

seu dinheiro ou desenvolve uma doença orgânica perigosa (Freud,

1924/1996, p.183/184).

Nesses casos, uma forma de sofrimento substituiu outra, ficando claro que a

importância estava na manutenção do sofrimento. Então, podemos dizer que estamos

diante de questões que envolvem um sentimento inconsciente de culpa, uma

necessidade de punição que estão a serviço da pulsão de morte, mas que também estão a

serviço da pulsão de vida, no sentido em que levam a uma certa satisfação libidinal .

Freud (1924/1996) percebe então uma diferença entre a moral inconsciente e o

masoquismo moral: “Na primeira, o acento recai sobre o sadismo intensificado do

superego a que o ego se submete; na última, incide no próprio masoquismo do ego, que

busca punição, quer do superego quer dos poderes parentais externos” (p. 186). Em

ambos, o que está em jogo é uma necessidade que é satisfeita pela punição e pelo

sofrimento. Com isso, as mudanças decorrentes da segunda teoria pulsional repercutem

no entendimento acerca do prazer, e da dor.

Freud segue nos trazendo inovações em sua teoria. Em 1926, ao publicar

“Inibições, sintomas e angústia” (Freud, 1926/1996), muda sua concepção acerca da

angústia. Antes, acreditava que a libido insatisfeita, recalcada era a responsável pela
74

origem da angústia. Agora, demonstra que a angústia é que produz o recalque. O ego

desenvolveria defesas e sintomas para evitar a angústia, esta representaria uma ameaça

de separação e perda do objeto (p.164).

Freud (1926/1996) destina um adendo para distinguir angústia, dor e luto. Para

esclarecer tal distinção, Freud utiliza como exemplo a reação de angústia de um bebê

quando lhe é apresentado um estranho em vez de sua mãe e acrescenta “a expressão de

seu rosto e sua reação de chorar indicam que ela está também sentindo dor... ela ainda

não pode distinguir entre a ausência temporária e a perda permanente” (p.164). Diante

de uma impossibilidade de compreensão, a situação de sentir falta da mãe é vivida como

traumática. A perda da percepção do objeto é sentida como a perda do objeto, porém

ainda não se trata da perda do amor. Posteriormente, a criança entenderá que o objeto

pode estar presente mas aborrecido com ela, então a possibilidade da perda do amor se

torna um determinante para a angústia.

Essa situação traumática difere do trauma do nascimento, já que neste não

havia qualquer objeto e “dessa forma não se podia sentir falta alguma deste. A angústia

era a única reação que ocorria” (Freud, 1926/1996, p. 165). A frequência da situação de

satisfação dará origem ao objeto mãe. Segundo Freud (1926/1996), a ausência da mãe

será traumática se coincidir com um momento em que o bebê vivencia uma necessidade

que deveria ser suprida pela mãe. Se não houver necessidade atual, a ausência será

sentida como um perigo. Freud então conclui que “a dor é assim a reação real à perda de

objeto, enquanto a angústia é a reação ao perigo que essa perda acarreta e, por um

deslocamento ulterior, uma reação ao perigo da perda do próprio objeto” (Freud,

1926/1996, p.165).

Ao final desse adendo, Freud faz um paralelo entre dor corporal e dor psíquica.

Já nos é conhecido, através da metáfora da dor no molar, que quando existe uma dor
75

orgânica, existirá um grande investimento narcísico no órgão afetado. Mais tarde, em “o

Ego e o Id” (1923/1996) ficamos sabendo que a dor pode também favorecer uma

representação psíquica do próprio corpo. Ou seja, Freud (1923/1996) nos faz pensar que

quando sentimos dor, representamos psiquicamente o corpo e, consequentemente

constituímos o nosso eu. Nas palavras de Freud (1923/1996):

Também a dor parece desempenhar um papel no processo, e a maneira

pela qual obtemos novo conhecimento de nossos órgãos durante as

doenças dolorosas constitui talvez um modelo da maneira pela qual em

geral chegamos a idéia de nosso corpo (p.39).

Assim, tanto na dor física quanto na psíquica ocorre a mesma condição

econômica, um superinvestimento. Na dor orgânica, um investimento na parte do corpo

afetada e que não pode ser descarregada. Na dor psíquica, um intenso investimento no

objeto ausente que pode ser descrito como “anseio”. Nesse sentido Freud (1926/1996)

afirma:

A transição da dor física para a mental corresponde a uma mudança da

catexia narcísica para a catexia de objeto. Uma representação de objeto

que esteja altamente investida pela necessidade instintual desempenha

o mesmo papel que uma parte do corpo investida por um aumento de

estímulo. A natureza contínua do processo de investimento e a

impossibilidade de inibi-lo produzem o mesmo estado de desamparo

mental (p.166).

Assim, diante do estudo realizado nesse capítulo, entendemos que a dor, assim
76

como, a angústia são destinos possíveis para o excesso vivido nas situações traumáticas.

Em seguida, apresentaremos um caso clínico para pensarmos o caráter singular da dor

como sintoma.
77

3. FIBROMIALGIA E HISTERIA: UMA HIPÓTESE


PSICOPATOLÓGICA

Se no capítulo anterior nossa discussão foi prioritariamente teórica, no qual

tentamos fazer um resgate dos principais pontos da obra freudiana, dando ênfase a dor,

passando a entendê-la quase como uma noção fundamental ao funcionamento do

psiquismo, nesse capítulo passaremos a um discurso, poderíamos, dizer mais

psicopatológico.

Aqui, nossa preocupação é prioritariamente clínica. Com esse propósito,

levantamos uma hipótese diagnóstica de um caso atendido. A partir deste, foram feitas

leituras da fibromialgia vinculadas aos desenvolvimentos freudianos sobre a histeria.

Porém, antes da apresentação do caso, desenvolvemos uma compreensão do sintoma

histérico através da historicidade dos discursos organizadores do laço social.

Uma das maiores características da histeria é a habilidade de mudar os destinos

de seu endereçamento, certa capacidade de fisgar o desejo do outro. A história nos

mostra que seu pedido de ajuda foi dirigido aos oráculos, aos filósofos e aos padres.

Hoje, o discurso dominante é o do médico, e é a este que a histérica se dirige atingindo

com sucesso uma posição digna de paciente. Desse modo, encontramos na plasticidade

histérica um argumento a mais que ampara nossa ideia da fibromialgia como uma

manifestação contemporânea da histeria.


78

3.1 A plasticidade histérica ou a historicidade do sintoma

Maria que até já foi nome da mãe do Senhor...


Só sabe que um dia foi linda Maria
Maria de festa, de noite de dança
Maria prendada que agora é perdida
Maria que chamam de louca...
De louca Maria, restou poesia.
( Oswaldo Montenegro )

Antes da era freudiana, podemos dizer que a história da etiologia da histeria se

divide em 3 grandes períodos: Antiguidade, Idade Média, Renascimento.

Na antiguidade, as manifestações histéricas eram atribuídas ao útero (hystera).

Daí a origem de sua denominação, trata-se de um problema no útero, na matriz. Para os

gregos, as manifestações de sintomas como angústia, desmaios, paralisias, perda da fala,

e outros eram entendidas como resultado da ausência de relações sexuais que

ocasionariam um vazio, devido à falta de sêmen ou de filhos. Por sua vez, esse vazio

seria responsável por uma leveza, uma insustentável leveza de ser, desencadeadora de

obstruções em razão de um deslocamento do útero de seu devido lugar. As

manifestações permaneceriam até que o desejo de procriar fosse satisfeito com a união

do homem e da mulher. Assim, o tratamento recomendado era simples “para as moças,

o casamento; para a mulher casada, o coito para umedecer e manter a matriz em seu

lugar; para a viúva, a gravidez” (Trillat, 1991, p.21).

Esse momento da história já nos faz refletir acerca do silêncio, da

impossibilidade, do segredo e do desejo que ligam a histeria ao feminino e à

sexualidade. Algo que mais tarde, Freud em “Fragmentos de uma análise de um caso de

histeria” (Freud,1905a/1996) nos advertirá, “antes de se empreender o tratamento de um

caso de histeria, é preciso estar convencido da impossibilidade de evitar a menção de


79

temas sexuais, ou pelo menos estar disposto a se deixar convencer pela experiência”

(p.55).

Na Idade Média, período talvez mais cruel e intolerante com as histéricas, que

passam a ser consideradas impuras e suas crises eram testemunho do demoníaco, revela

um momento de domínio do discurso religioso. Discurso este que a histérica tomará

como mestre e, através da plasticidade do seu sintoma, se comportará segundo o desejo

desse discurso dominante.

Nessa época, a cristandade foi a responsável por uma transformação através da

qual a histérica passou de um ser doente, objeto da medicina antiga, para um ser

possuído, objeto destinado à competência jurídica e religiosa. Nesse momento da

história, o tratamento para purificar e regenerar as almas possuídas era o fogo. A

inquisição desumana e os cruéis interrogatórios marcaram a caça às “bruxas” e

mancharam a história da humanidade. Esses atos estavam baseados em um verdadeiro

manual chamado “Malleus Maleficarum”, ou, em português “O Martelo das Bruxas”,

compilado pelos inquisidores alemães Heinrich Kraemer e James Sprenger em 1487.

Este era um manual oficial de diagnóstico para identificação, explicação e condenação

das “bruxas”. O que antes era entendido como histeria, agora ganha o nome de

possessão demoníaca.

Será na Renascença, através de um retorno à referência clássica, que a histeria

voltará a ser objeto da medicina. Segundo Mitchell (1940/2006), nessa mesma época,

Thomas Sydenham, um dos fundadores da Medicina clínica e da epidemiologia

moderna, propõe “que explosões de raiva, medo e dor podiam ser causas indiretas para a

histeria”, trazendo então a suposição de que haveria um “desequilíbrio do

relacionamento entre corpo e mente” (p.26). Mitchell (1940/2006) observa que

Sydenham nos traz algo bastante atual ao destacar não só a fluidez, a capacidade de a
80

histeria assumir muitas formas, mas, principalmente, a capacidade de assumir a forma

de muitas doenças (p. 27). Sendo então impossível a definição de um quadro estável de

sintomas que seja capaz de definir a histeria.

Entre o século XIV, início do período da Renascença e o século XIX com a

invenção da psicanálise, surgem muitas teorias que abordam a histeria não mais como

uma maldição. Mas, certamente podemos dizer que o enigma da histeria sempre esteve

acompanhado por preconceitos e desconfianças. A Renascença tinha como propósito

recuperar o clássico, o gosto pela cultura e pela sabedoria, período também da

inquisição, do poder da igreja, mas também de grandes descobertas que entravam em

conflito com os conceitos religiosos vigentes. Segundo Maurano (2010), a “loucura”

histérica, plena de vigor raciocinante, dotada de uma vivacidade testemunhada pela

estimulação do corpo e da alma, confundia os olhares médicos em uma época pautada

pelas luzes da razão, “esses foram se encaminhando, facilmente, de maneira

preconceituosa para a acusação de que na histeria se tratava de simulação, má-fé e

pitiatismo, num imenso prazer de enganar (p.21-22).

Foi com Phillipe Pinel (1745-1826), o libertador dos alienados, que ao tirar a

corrente dos pacientes deu início a uma nova concepção da loucura. A atitude

revolucionaria de Pinel no tratamento dos doentes mentais elevou a categoria dos

doentes mentais, antes tidos como endemoniados e criminosos, a uma condição digna

de tratamento. Pinel foi o primeiro a elaborar, através da observação e análise de seus

pacientes, uma classificação para as doenças mentais. Assim, o psiquismo passa a ser

concebido através de um conhecimento objetivo e quantitativo. A abordagem de Pinel

era claramente psicológica, suas ideias tinham a influência típicas da época, o

iluminismo e a Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Porém, isso

não oferece libertação para os loucos, mas, sim, como sugere Foucault (1978), uma
81

nova modalidade de aprisionamento respaldada pelo poder do médico: “É entre os

muros do internamento que Pinel e a psiquiatria do século XIX encontrarão os loucos; e

é lá, não nos esqueçamos, que eles os deixarão, não sem antes se vangloriarem por os

terem libertados” (Foucault, 1978, p.48).

Foram os impasses encontrados pela clínica médica em face à histeria,

impasses esses de ordem etiológica, diagnóstica e terapêutica, que fizeram com que a

histeria migrasse do discurso da clínica para o da neurologia. Segundo Birman (2010),

este deslocamento se realizou em razão da indiscutível autoridade clínica e institucional

de Charcot, que tomou para si o desafio teórico de elucidar a histeria.

Jean-Martin Charcot era neuropsiquiatra e anatomopatologista, portanto

observava e descrevia atentamente os detalhes das doenças. Com a histeria parece não

ter sido diferente, pois foi através de sua investigação e de seu mapeamento, que

Charcot chegou à conclusão de que o método da hipnose era capaz de tratar várias

perturbações psíquicas, em especial a histeria.

Foi desse modo, que a histeria começa a ser entendida como uma entidade

clínica com leis próprias. Charcot não destinava sua atenção a pesquisar a etiologia

desse quadro, e sim documentava suas manifestações através de verdadeiros espetáculos

de seu tratamento por sugestão. Para ele, a histeria tinha etiologia na hereditariedade e

na degenerescência. O modo minucioso com o qual Charcot descrevia os sintomas

histéricos, levando “lei e ordem a esta doença indomável” (Mitchell, 2006, p.30), parece

ter entusiasmado os estudos de Freud.

O historiador e psicanalista Peter Gay (1923/1989) nos diz que, por volta de

1880, Freud continuava suas pesquisas em anatomia, “especialmente cerebral”. Porém

estava começando a se dedicar à psiquiatria “com olhos postos no rendimento

financeiro”, já que este era um ramo da medicina ainda um pouco praticado em Viena.
82

Peter Gay (1923/1989) cita Freud em algumas cartas e documentos, “A pessoa tinha que

ser seu próprio professor” e nessa época “brilhava o grande nome de Charcot” (p. 58-

59). Seguindo Peter Gay, observamos o quanto o estilo científico e o encanto pessoal de

Charcot dominaram Freud.

Assim, ao final do século XIX, Freud depara-se com o acometimento de

inúmeras mulheres internadas e consideradas loucas, com queixas de dores associadas a

uma infinidade de sintomas sem a apresentação de doenças orgânicas que justificassem

aquelas queixas. Freud atribui uma importância específica à fala ao descobrir seu poder

na construção da rede associativa e o efeito catártico que ela oferece. O sujeito pode

encontrar na palavra um sub-rogado da ação, e, através dela, o afeto pode ser

descarregado quase que do mesmo modo. Caso contrário, a recordação do fato mantém

a mesma intensidade afetiva (Freud, 1893a/1996, p. 44). Desse modo, quando a

abreação não é possível, é como se o sujeito caísse numa espécie de mortificação. É

como se o sujeito de fato se tornasse doente em razão de uma cristalização dessa

representação do evento que foi traumático, e que não pode ser abreagido.

Freud estava muito absorvido com o funcionamento dos fenômenos mentais,

impressionava-se ao ver Charcot induzindo e curando paralisias histéricas através da

sugestão hipnótica. Mas, com o passar do tempo observou que as pacientes

desenvolviam uma espécie de paixão pelo hipnotizador, não muito depois descobriu

também que essa paixão tinha um lado “inconveniente”. Segundo Peter Gay

(1923/1989), certo dia após ter sido libertada de suas dores histéricas em uma sessão

hipnótica, a paciente “lançou seus braços no pescoço de quem a curara”. Esta situação

embaraçosa ofereceu a Freud uma pista para o “elemento místico” que envolvia a

hipnose. Mais tarde, Freud identificaria nisso um exemplo de transferência, que ainda
83

estava por surgir (Gay, 1923/1989, p. 62). Charcot sustentava que o estado hipnótico era

uma condição artificialmente produzida e só poderia ser provocado em histéricos.

Em 1889, Freud procura então Hippolythe Bernheim com o objetivo de melhor

compreender a natureza da hipnose. Ao contrário de Charcot, Bernheim tinha uma forte

preocupação terapêutica e via a hipnose como uma manifestação da condição humana

de ser sugestionável. Ambos, Charcot e Bernheim, tinham uma concepção da histeria

ainda deficiente e que não convenciam Freud, mas o influenciaram.

Em 1893, Freud e Breuer escrevem ‘Sobre o mecanismo psíquico dos

fenômenos histéricos: comunicação preliminar’ (1893a/1996) como uma introdução de

seus ‘Estudos sobre a histeria’ (1895/1996). Nessa comunicação preliminar, os autores

articulam ideias em torno da possibilidade de encontrar uma “conexão causal” (Freud e

Breuer, 1893a/1996, p.40) entre o próprio sintoma (repetição) e o evento que o causou.

Para tal, os autores nos fornecem alguns exemplos: o caso da Srta. Ana O (p.57), o caso

da Sra. Emmy Von N (p.82), Miss Lucy (p.134), e Katharina (p.151).

Mas, essa conexão causal não é sempre tão evidente. A compreensão da

determinação dos sintomas não é sempre tão simples, “São precisamente os sintomas

histéricos típicos que se enquadram nessa classe” (Freud e Breuer, 1893a/1996, p. 41).

Por vezes, consistem em uma relação simbólica entre o fenômeno patológico e a causa

precipitante, “uma nevralgia pode sobrevir após um sofrimento mental, ou vômitos após

um sentimento de repulsa moral. Temos estudado pacientes que costumam fazer o mais

abundante uso dessa espécie de simbolização” (Freud e Breuer, 1893a/1996, p.41).

Desse modo, apesar da dificuldade em achar a conexão causal, os autores nos

dizem que “Observações como essas nos parecem estabelecer uma analogia entre a

patogêneses da histeria comum e a das neuroses traumáticas” (Freud e Breuer,

1893a/1996, p.41). Os autores nos dizem ainda, que suas pesquisas revelam “para
84

muitos se não para a maioria dos sintomas histéricos, causas desencadeadoras que só

podem ser descritas como traumas psíquicos” (Freud e Breuer, 1893a/1996, p. 41). Os

autores falam também que no caso da histeria comum podemos encontrar sem

dificuldades a “ocorrência de vários traumas parciais que formam um grupo de causas

desencadeadoras”. Ao falar da relação causal entre o trauma psíquico determinante e o

fenômeno histérico, os autores esclarecem que o trauma não deve ser entendido como

mero agente provocador na liberação do sintoma, e sim que “devemos antes presumir

que o trauma psíquico – ou, mais precisamente, a lembrança do trauma – age como um

corpo estranho que, muito depois de sua entrada, deve continuar a ser considerado como

um agente que ainda está em ação” (Freud e Breuer, 1893a/1996, p. 42).

Nesse mesmo texto, Freud e Breuer (1893a/1996) nos dizem algo de suma

importância, “Os histéricos sofrem principalmente de reminiscências” (p.43), ou seja, a

ideia estaria dissociada do afeto e, portanto, fora da cadeia associativa, mas certamente

ainda estaria conservada (ao contrário do pensamento normal que evoluiria para o

esquecimento). Diante disso, podemos concluir com facilidade que a permanência do

afeto depende logicamente de sua não descarga, no caso da histeria podemos dizer que a

reminiscência ocorre devido a uma inibição.

Em 1894, “As Neuropsicoses de defesa”, Freud afirma que a tarefa defensiva do

ego diante de uma representação incompatível não pode ser cumprida, nem os traços de

memória, nem o afeto podem ser erradicados, mas o ego consegue tornar fraca essa

poderosa representação, separando-a, privando-a do afeto do qual esta carregada. A

representação incompatível torna-se fraca e o afeto terá que ser utilizado de outra forma.

Nessa época, Freud (1894a/1996) estava dialogando, sobretudo com Pierre

Janet, médico e psicólogo francês cujas ideias acerca da divisão da consciência

(clivagem, onde algumas coisas só eram faladas sob hipnose) como um traço primário,
85

eram muito defendidas e valorizadas. Esse é o ponto de discordância entre Pierre Janet e

Freud, pois para Freud a clivagem existe, porém, é secundária, é adquirida (p.54).

É interessante pensarmos o quanto essa discussão sobre a historicidade do

sintoma nos parece banal, e ao mesmo tempo o quanto parece vivermos um certo

retorno ao momento, quando Freud percebeu a impotência da medicina no tratamento

das histéricas, pois atualmente testemunhamos uma busca desenfreada por explicações

para doenças psíquicas a partir de uma etiologia orgânica.

Freud começa a expor sua suposição de que a causa da histeria seria uma

defesa diante de uma contradição insuportável entre o Eu e uma representação

incompatível. Diante desse insuportável, o Eu retira a carga de energia, o afeto,

enfraquecendo a ideia incompatível. Enfraquecida, porém não destruída, a ideia não

alcançaria o fluxo associativo do pensamento, e no caso da histeria escoaria para o

corpo. Será esse pensamento um tanto matemático que explica o fato de Freud chamar o

afeto de fator quantitativo.

Em “As neuropsicoses de defesa”, Freud (1894a/1996) compartilha algumas

ideias com Breuer até o momento em que defenderá a importância da sexualidade

infantil. Freud nos diz que “segundo Breuer, a base e condição sie qua non da histeria é

a ocorrência de estados de consciência peculiares, semelhantes ao sonho com uma

capacidade de associação restrita, para os quais propôs o nome de ‘estados hipnódes’”

(p.54). Em seguida, Freud coloca suas próprias hipóteses ao demonstrar que a

dissociação não é espontânea, “a divisão do conteúdo da consciência resulta de um ato

voluntário do paciente; ou seja, é promovida por um esforço de vontade” (Freud,

1894a/1996, p.54) esclarece também que a dissociação histérica pode ocorrer em uma

pessoa que gozava de boa saúde mental:


86

(...) até o momento em que houve uma ocorrência de incompatibilidade

em sua vida representativa – isto è, até que seu eu se confrontou com

uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram

um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava

em sua capacidade de resolver a contradição entre a representação

incompatível e seu eu por meio da atividade do pensamento (p.55)

Podemos dizer então, que a dissociação pode acontecer em pessoas que estão

em um bom estado de saúde psíquica, até o momento em que se deparam com

representações incompatíveis, que acabam por despertar afetos dolorosos e de que

gostaria ter esquecido.

Freud segue nos fazendo entender que o ego tenta enfraquecer a força das

representações incompatíveis com um objetivo de defesa, daí o nome “neuropsicoses de

defesa” sem conseguir erradicá-la. Porém, “uma realização aproximada da tarefa se dá

quando o eu transforma essa representação poderosa numa representação fraca,

retirando-lhe o afeto – a soma de excitação- da qual está carregada” (Freud,

1894a/1996, p.56). A representação enfraquecida não tem condição de exigência ao

trabalho de associação, mas a excitação residual tem que ser utilizada de outra forma.

Surge, então, na forma de sintomas patológicos, que no caso da histeria é convertida em

sintoma somático, “na histeria, a representação incompatível é tornada inócua pela

transformação de sua soma de excitação em alguma coisa somática. Para isso gostaria

de propor o nome de conversão”8 (Freud, 1894a/1996, p.56). Freud, em 1905, nos diz

que os processos psíquicos em todas as psiconeuroses são os mesmos durante um

extenso percurso, “até que entre em cena a ‘complacência somática’ que proporciona

8
Segundo nota de rodapé p.56, essa foi a primeira ocorrência desse termo.
87

aos processos psíquicos inconscientes uma saída corporal” (Freud, 1905a/1996,

p.48/49). Assim, a conversão somática é uma vocação, uma capacidade, e um recurso

prioritário na histeria.

Em “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (Freud,

1896/1996), Freud muda a nomenclatura de Neuropsicose de defesa para Neurose de

transferência, e pensa que há uma transferência, há um sentido que foi recalcado,

envolvendo o sintoma. O sintoma é a representação de algo que não pode ser

representado de outra forma.

Nas “Cinco lições de Psicanálise” em referência à histeria, Freud (1910/1996)

concebe os sintomas como resíduo, como “precipitados de experiências emocionais que,

por essa razão, foram denominadas posteriormente de traumas psíquicos; e o caráter

particular a cada um desses sintomas se explicava pela relação com a cena traumática

que o causou”, (Freud, 1910/1996, p. 31). As enfermas sofriam de reminiscências, seus

sintomas são tomados como resíduos e símbolos mnêmicos de experiências especiais

(traumáticas). Assim, os sintomas histéricos seriam equivalentes aos monumentos

históricos das cidades no sentido em que se destinam a perpetuar uma memória de algo.

A neurose implicaria uma fixação às dolorosas vivências passadas e, submetido ao

domínio delas, o momento presente é prejudicado em sua existência, “Não se

desembaraçam do passado e alheiam se por isso da realidade presente” (Freud,

1910/1996, p.33).

Se Freud sustentava a teoria do trauma (da sedução), ou seja, acreditava que as

situações relatadas pelas pacientes teriam concretamente acontecido, a experiência

clínica e a própria auto-análise o levam a concluir que a realidade da qual a histérica

testemunhava em seu discurso, não necessariamente era uma realidade externa, era

antes uma realidade tão ou mais importante, a realidade psíquica.


88

Será então no “Caminho da Formação dos sintomas” (1917b/1996), que Freud

marcará o abandono, ainda que não completamente, da ideia defendida em 1894 acerca

do trauma da sedução, sobre a qual a histeria seria resultado de um trauma de natureza

sexual vivido (p. 164). A partir da clínica, da escuta de suas pacientes, Freud conclui

que o sintoma histérico remete a um trauma, uma situação excessiva, porém não

necessariamente se relaciona com fatos vividos concretamente. Aquilo que sustenta o

sintoma é uma fantasia, uma realidade psíquica (Freud, 1917b/1996, p.369).

É a partir da análise do sintoma, assim como a análise dos sonhos, e dos atos

falhos, que Freud estuda o funcionamento psíquico. Será através do estudo da neurose,

mais especificamente dos sintomas histéricos, que Freud (1917b[1916-17]/1996)

compreenderá como se dá o caminho da formação dos sintomas. Freud usa o termo

“afeto conflitivo” para falar de um conflito entre uma vivência ameaçadora e o Eu. O

Eu diante da necessidade de se defender, reage separando a ideia do afeto. A ideia

(representação) é contida pelo mecanismo do recalque, já diante do afeto (quota de

excitação) o recalque não pode muita coisa, ele (afeto) ficará como uma excitação a

mais dentro do sistema psíquico. Freud (1914/1996) nos diz que o recalque é “pedra

angular da psicanálise” (p. 26). Freud sempre considerou o recalque como mecanismo

de defesa privilegiado. É apenas quando esse mecanismo (recalque) não consegue

funcionar protegendo o Eu, que os outros mecanismos de defesa entram em cena e

constituem a psicose e a perversão. Já no caso da histeria, essa quota de excitação livre

terá outro destino, chegará ao corpo via conversão histérica e formará o sintoma

histérico. Até mesmo nas obsessões, o afeto livre atingirá o pensamento causando as

obsessões e compulsões e de algum modo também afetando o corpo.

Para a psicanálise, o sintoma não é considerado um signo de uma doença, ele é

sim uma saída na busca pela saúde, uma vez que permite uma certa organização
89

psíquica. A psicanálise não entende o sintoma como algo que deve ser eliminado

(Freud, 1912/1996). É certo que essa questão está presente durante um tratamento

clínico, mas tratar o sintoma não é suspendê-lo, e, sim, apreendê-lo na sua função na

subjetividade. Trata-se de buscar-lhe uma significação. Nas palavras de Quinet (2001),

o sintoma não deve ser atacado, mas “abordá-lo como uma manifestação subjetiva que

significa acolhê-lo para que possa ser desdobrado, fazendo emergir um sujeito, seja no

ataque histérico, na depressão da melancolia no delírio do paranóico ou no

despedaçamento do esquizofrênico (p.76).

Ao acompanharmos a obra freudiana fica claro que teoria e prática

permanecem sempre lado a lado. A postura de Freud frente às “psicopatologias” nos

revela como tal expressão é concebida por ele em seu sentido etimológico, ou seja:

(...) conjugando ‘psico’, relativo a psique, alma, com ‘pato’, relativo a

phatos, referido ao que causa espanto, e logia, que pode ser entendida

como busca de sentido. Vista desse modo, psicopatologia vem a ser a

busca de sentido do que causa espanto à alma. Ele quer saber sobre a

verdade da produção dos enigmáticos sofrimentos do psiquismo e a

histeria é sua porta de entrada nesse universo (Maurano, 2010, p.43).

A histeria também tem um papel político muito fascinante. No final do século

XIX, século de ouro das pesquisas e investigações sobre a histeria, bem como,

nascimento da psicanálise, era também uma época em que as mulheres estavam

organizando movimentos internacionais em defesa de seus direitos. Um olhar atento

revela que as histéricas pareciam ser porta-vozes de uma nova ordem, as mulheres

reivindicavam para si não mais a vida sexual exclusiva do casamento, ou a posição


90

exclusiva da maternidade e da procriação. Parecia que elas queriam, ainda que de um

modo muito enigmático, o direito ao desejo e ao prazer. Perguntamo-nos, então, o

que desejam “nossas histéricas” em um mundo onde tudo é permitido? Que

funcionamento estranho é esse que sustenta a produção de uma dor limitante em um

“mundo sem limites” (Lebrun, 2004). O que as faz sofrer? Clavreul (1978) nos diz,

“Sofrimento, o que inclui a dor, mas designa mais geralmente o estado de tensão interna

que deve terminar por uma resolução (...) Sofrimento, então, no sentido em que se diz

que uma carta, uma encomenda, está em suspenso, isto é, à espera” (p. 152). O

sofrimento que aponta para uma tensão interna que demanda resolução. Nesse sentido é

importante pensarmos: a quem hoje é dirigida esse demanda?

Pensamos então: A nomenclatura ‘histeria’ surge primeiramente como uma

metáfora do útero (hystera), evidenciando um órgão que remete ao feminino e aos

limites impostos às mulheres que reivindicavam para si o direito ao desejo e ao prazer.

Em outras palavras, a histeria surge em um movimento linguístico de uma metáfora do

corpo, do órgão útero, que deu nome para ela. Com o passar do tempo, o termo histeria

ganhou autonomia e esquecemos o significante que veio marcar, o útero. Precisamos,

então, devolver para a histeria essa condição metafórica e buscar entender o que pode

estar por trás do sofrimento na fibromialgia, bulimia, anorexia, e tantas outras

expressões do sofrimento contemporâneo.

A dor fibromiálgica parece constituir uma atualização do enigma das histéricas

que desafia e intriga o mundo das neurociências, da evolução tecnológica, que

prometem o fim de qualquer sofrimento psíquico. Nas palavras de Maurano (2010):

(...) a histeria funciona como calcanhar de aquiles da medicina, na

medida em que revela a impotência do saber médico, apesar de todos


91

os seus avanços. Essa reação abre espaço para o surgimento de um

outro campo de investigação para onde a questão virá a ser endereçada.

Esse novo campo será a psicanálise ( p. 44)

Assim como a histeria, a fibromialgia parte exatamente da constatação de que as

pacientes testemunham um sofrimento sem correspondência orgânica. O caráter

enigmático, de estranho, de endereçamento ao outro, apoiados pela plasticidade dos

sintomas histéricos e sua trama identificatória, reforçam nossa hipótese.

Na fibromialgia, nem mesmo o principal sintoma, a dor, é passível de definição.

O afeto carente de sentido busca uma representação sem ao menos conseguir escolher

um órgão. Hoje, essa dor se permite definir apenas pelo seu caráter mutante e invisível.

Seria, então, a escuta psicanalítica uma possibilidade para, através da transferência,

inserir a dor em uma dimensão subjetiva, e desta forma revelar o sofrimento que está

velado pelo enigma que envolve essa dor? Diante dessa interrogação realizaremos em

seguida o estudo de um caso clínico.

3.2 Madá: A Maria do Auxílio, da Dor e do Amor.

Dôo-me até onde penso,


E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar...
(Fernando Pessoa)

A escolha desse caso não foi aleatória. Durante o percurso dessa pesquisa, esta

foi a história que trouxe mais claramente a questão da problemática identificatória e da

formação sintomática. Sendo, portanto, um caso que cumpre a função específica de


92

evocar a teoria psicanalítica acerca da dor e da identificação, constituindo um ponto de

suporte para a construção de uma relação entre prática e teoria, bem como uma relação

entre histeria e fibromialgia. Porém, é ainda necessário deixar claro que não existe uma

trama teórica que seja suficientemente plena na apreensão dos conflitos humanos.

Aquilo que o caso clínico nos oferece é uma tentativa de circunscrever teoricamente

algo que sabemos escapar a qualquer apreensão de pretensão totalitária. A clínica terá

sempre uma soberania frente aos esforços de teorização. A história de Madá estará

circunscrita em um campo teórico que possibilita o desenrolar de um pensamento

comprometido com a pesquisa, que diz respeito ao sujeito, mas não é suficiente para

apreendê-lo.

Diante disso, para tornar possível a trama teórico-clínica que respaldará nossa

investigação, consideraremos o percurso analítico de Madá, uma mulher com

diagnóstico médico de fibromialgia, enfatizando algumas hipóteses relativas ao

processo da problemática identificatória envolvida na constituição de seus sintomas.

Madá é um nome fictício escolhido em razão de ser resultante de uma

combinatória das iniciais dos significantes, Maria-Amor-Auxílio e Dor, que esta

paciente literalmente carrega em seu nome próprio. Nome este que teria sido de uma

Maria-rainha se um precoce problema de saúde, efeito de um “quebrante”, não tivesse

ameaçado sua vida fazendo com que sua mãe mudasse seu nome de rainha à santa como

um apelo pela recuperação de sua saúde.


93

3.2.1 A dor no caminho da formação do sintoma.

"Dai a palavra à dor: a dor que não fala, geme


no coração até que o parte."
(William Shakespeare)

O percurso analítico de Madá teve início quando a mesma bateu

espontaneamente na porta de meu consultório dizendo: “A senhora é a psicóloga?.... É

que soube da desistência de uma paciente... a vaga pode ser minha? Estou precisando

muito”. Madá já estava sendo acompanhada pela medicina (reumatologia) e pela

fisioterapia, mas esta sua atitude claramente endereçava apelo a outro saber,

evidenciando a existência de uma dor para além do orgânico. Esta atitude da Madá pode

também ser entendida como uma tentativa de saída do pólo da dor, uma experiência

solipsista, para o pólo do sofrimento (BIRMAN, 2005, p.106). Neste sentido, estamos

falando de uma experiência de sofrimento, um estado de tensão que inclui a dor, mas

está aberta ao outro à espera de uma resolução. Madá com a sua busca pelo atendimento

psicológico, um atendimento baseado na palavra, rompe com o imperativo

contemporâneo que leva ao caminho através do qual as pessoas querem ser reguladas

por medicamentos, e não por formas de tratamentos pela linguagem.

Madá dirige sua demanda ao saber médico, é bem verdade. É através desse

discurso dominante que alcança o direito ao início de um tratamento, e uma posição

digna de paciente em razão de algo nomeado pela medicina de fibromialgia. Mas, a

insistência de suas dores, o seu caráter enigmático e sua resistência às intervenções

medicamentosas, propõem-nos muitas questões principalmente as que dizem respeito a

sua etiologia. Desse modo, tanto a atitude de Madá por buscar atendimento psicológico,

quanto suas dores herméticas às intervenções da medicina, apontam para algo que
94

extrapola o domínio médico. Nesse sentido, Madá parece não desempenhar bem o papel

de paciente, pois o saber médico não é suficiente para dizer de onde vem o seu sintoma–

dor, e sua melhora parece independer das intervenções da terapêutica médica. Sabemos

com Lacan (1966/2001) que ao procurar o médico, por vezes, não é a cura que o

paciente demanda, “Ele (paciente) põe o médico à prova de tirá-lo de sua condição de

doente, o que é totalmente diferente, pois isto pode implicar que ele está totalmente

preso a ideia de conservá-la. O que ele às vezes vem pedir é para autênticá-lo como

doente (...)” (p.10).

Vejamos então como se deu o nosso primeiro atendimento à paciente. Madá

tem 53 anos, uma pele alva, e bonitos olhos que chamam ainda mais atenção pelo uso

de óculos desajustados e necessitando de cuidados. Após uma peregrinação em busca de

um diagnóstico para sua dor, Madá recebe em julho de 2009 o diagnóstico de

fibromialgia. Com isso, é permitido-lhe um tratamento assistido através da

reumatologia, fisioterapia e farmácia. Entre analgésicos e ansiolíticos, Madá seguia em

uma “vida de dor... dor por todo canto... tudo moído”. Era final de abril (2010), quando

ela entra para o primeiro atendimento se desculpando pelo “atraso”, apesar de sua

pontualidade. O assunto “atraso” parece lhe facilitar o trabalho de falar de si.

Considerando este enunciado, é interessante ressaltar que Freud (1909/1996) em uma

nota de rodapé, em “Notas sobre um caso de neurose obsessiva”, sublinha uma

observação feita pelo professor Dr. Alfred Adler: “O doutor Alfred Adler, que

inicialmente foi analista, certa vez chamou atenção, em um artigo publicado em edição

particular, para a peculiar importância ligada às primeiras comunicações feitas por

pacientes (...)” (p.145).


95

Devemos pensar então, por que a escolha desse significante “atraso”? Atraso é

a ação ou o efeito de atrasar, aquele que atrasa não chega ao seu destino, ao seu lugar,

conforme previsto. Qual lugar Madá haveria reservado para si?!

Nesse primeiro momento, Madá fala da intensidade de suas dores, “dores nas

juntas, nos ombros, nos joelhos, nas mãos entravadas... dor por todo canto”. É

contrastante sua aparência bonita, porém algo desleixada e a escolha por vender

produtos que remetem ao feminino, a vaidade, ao cuidado de si. Apesar de falar com

orgulho da qualidade dos produtos que vende, ressalta “é difícil vender Natura... é mais

caro... nem todo mundo pode comprar... mas, Natura é Natura!”. Prossegue falando que

está “desempregada e agora vendo Natura”. Portanto, Madá não parece considerar tal

atividade como um emprego. Para Madá, vender Natura não lhe tirava da condição de

alguém que não tem colocação (no mercado de trabalho). Diz que tem feito muitas

entrevistas e não consegue êxito: “Faço a seleção. As pessoas dizem que fui bem, mas

não sou selecionada. Acho que não estou sabendo é conversar!”. O seu “atraso” foi em

razão de uma entrega (Natura) para uma amiga, que sabia “ter feito a encomenda apenas

para lhe ajudar”, e que ao chegar “bastou um convite para sentar que desabou a falar”.

Escutar então a demanda subjacente à queixa de não saber conversar, nos

coloca na busca de compreensão, através da fala, sobre a dinâmica psíquica envolvida

na formação de seus sintomas e de seu sofrimento. Berlinck (1999) nos diz que “a dor

crônica como o estresse (desamparo) apontam para uma impossibilidade de descarga da

tensão pulsional” (p.20). Faço então um convite para que ali possa falar sobre o que lhe

aflige. Madá contém as lágrimas e solicita “ajuda para abrir caminhos... tirar as travas”.

Madá é a segunda de oito filhos, sendo a mais velha das mulheres. Quando

contava próximo de seus nove anos, sua mãe sofreu um grave acidente ao pegar carona

em cima de um caminhão com o objetivo de fazer compras “para abastecer a casa”. Sua
96

mãe sobreviveu ao acidente que ocasionou a morte de muitas pessoas, mas ficou

“inválida” por alguns anos. Madá assumiu então, a posição de mãe para seus irmãos,

principalmente para sua irmã, com nove meses na época. “Me lembro que ela procurava

peito em mim para mamar”.

Inicialmente, quando ofertamos um atendimento psicanalítico dentro de uma

instituição médica, no caso dessa pesquisa o NAMI (Núcleo de Atendimento Médico

Integrado da Unifor), encontramos um apelo de recuperação do equilíbrio psicológico

que foi perdido em razão de uma doença, no caso a fibromialgia. Porém, já aprendemos

com Teixeira (2002) acerca das implicações subjetivas que a doença, as prescrições e os

medicamentos podem desencadear, não dizendo respeito apenas à enfermidade como

objeto de investigação biomédica. Assim, cabe à psicanálise instaurar um furo no

discurso médico contemporâneo, classificatório e totalizante. Será em um segundo

momento, oriundo da atuação do psicanalista que através da construção de uma

narrativa, possibilitará um questionamento a respeito de sua responsabilidade na

causação de seus males. Madá afirma ter dado amor de mãe e que hoje recebe grosserias

e indiferença, “o problema é essa minha irmã... ela dá um nó no meu juízo. Doutora, já

me perguntei tanto o que fiz para merecer isso... não sou casada não tive filhos, só me

preocupei em tomar conta dos outros...”.

Salientamos o papel da angústia e do sofrimento como mediador dessa

demanda de escuta. Pois, a presença de sua angústia abre para novos caminhos, faz com

que ela busque algo, se lançando ao ato de direcionar sua demanda para análise. Diante

disso, faz-se necessário designarmos o que entendemos por demanda. Demandar é

pedir, exigir, algo que lhe é necessário, mas não se tem. É bem frequente os pacientes se

queixarem de um sofrimento porque demandam uma satisfação que não conseguem

atingir sozinhos. Assim, esperam que o psicanalista encontre esse modo de satisfação
97

para eles, ou seja, demandam que o psicanalista lhe abra o caminho, um caminho sem

travas. Madá queixa-se para ser liberta de um sofrimento anunciado como insuportável,

“um nó no juízo”. Estamos aqui falando de um insuportável que marca o eu de um

modo muito preciso, a marca da castração. A tarefa primordial do sintoma neurótico de

mascarar a castração, que afeta o eu, se rompe com a busca por um tratamento

psicológico. Madá vem então queixar-se, reclamar de sua castração, muitas vezes vendo

na figura das irmãs, especificamente da irmã mais nova, como causa de todos os seus

males. Entendemos que esse é o primeiro momento da demanda, quando o psicanalista é

visto como aquele capaz de lhe recuperar um antigo estado de prazer, onde o sintoma

era capaz de apaziguar o conflito.

Aprendemos com Freud (1917b/1996) que o conflito psíquico surge em razão

de uma frustração, em conseqüência da qual a libido, impedida de satisfazer-se, é levada

a procurar outros objetos e outros caminhos. Porém, para que o conflito se dê é

necessário que esses outros objetos e caminhos permaneçam sendo desaprovados por

uma parte do eu, de modo que o novo método de satisfação, tal como se apresenta,

permanece vetado. Então, Freud (1917b/1996) nos diz que a mesma libido, finalmente,

“será compelida a tomar o caminho da regressão e a tentar encontrar satisfação, seja em

uma das organizações que já havia deixado para trás, seja em um dos objetos que havia

anteriormente abandonado” (p. 362).

Assim, investindo em fixações situadas durante a trajetória do seu

desenvolvimento, fixações estas que o ego já havia se protegido no passado através do

recalque, a libido se desloca para trás, retirando-se do ego e afastando-se de suas leis,

“sob a dupla pressão da frustração externa e interna, torna-se refratária e relembra

épocas anteriores e melhores” (Freud,1917b/1996, p. 362). Daí em diante, o

funcionamento da libido pertence ao sistema inconsciente e “estão sujeitas aos


98

processos que ali são possíveis, sobretudo a condensação e o deslocamento” (Freud,

1917b/1996, p. 362). È desse modo que o sintoma surge como um “derivado muitas-

vezes- distorcido... uma peça de ambigüidade engenhosamente escolhida” (Freud,

1917b/1996, p.363) para a realização desejos inconscientes.

Portanto, será por um caminho indireto, via inconsciente e utilizando as antigas

fixações, que a libido conseguirá uma saída para satisfação, ainda que seja uma

satisfação restrita e difícil de ser reconhecida como tal. O caminho da regressão,

enquanto um novo modo de satisfazer a libido, é orientado por fixações que marcam sua

trajetória como “um perfil predeterminado da economia do desejo” (Dör, 1994, p.22).

Freud (1913/1996), ao nos trazer sua “Contribuição ao problema da escolha da neurose”

fala da idéia de disposição (p.341) como algo que está para além (ou aquém) das

contingências, ou seja, tem alguma coisa que se dá na relação com o outro em um

momento ainda tão precoce que marca o sujeito de tal modo que Freud chamará de

constitucional (p.341). Porém, esse constitucional não diz de algo herdado

geneticamente, não dizendo também de algo decorrente de um acidente da vida.

A busca de Madá pelo atendimento psicológico se deu nas proximidades de

maio, mês das mães. Madá parecia aflita com a possibilidade de passar esse dia sozinha.

Constantemente verbalizava sentimento de injustiça, “abri mão da minha vida. Não

conseguia nem fazer minhas unhas (mostra as mãos evidencia a rigidez das mesmas).

Quando pensava no dinheiro que ia gastar no salão, fazia logo as contas e via que com

aquele valor dava pra comprar leite, pão.... aí, desistia”. Prossegue, “(...) fiquei com a

parte ruim de ser mãe. Tinha que brigar pra elas (irmãs) lavarem a geladeira,

economizar no telefone, arrumar a casa...educar”, “Tinha os deveres de uma mãe, mas

não tinha os direitos...”, “...quando eu brigava pra ver se elas colaboravam, elas se

irritavam e me diziam que não eram minhas empregadas... Ora, eu é que era empregada,
99

a serva delas!”. Ao final do atendimento, Madá já saindo se volta e diz: “Feliz dia das

mães”.

Essas comunicações feitas por Madá enfatizam questões relativas à

maternidade, relativas a uma falta de lugar, já que sua posição transitava entre as

funções de mãe, irmã, empregada, sendo relativa também a uma dimensão sacrificial já

que “ficou com a parte ruim de ser mãe”. Quem teria ficado com a parte boa de ser

mãe?! Qual seria, para Madá, a parte boa de ser mãe?! Qual conflito estaria organizando

a divisão dessas partes?! Como teria sido ocupar o lugar de mãe (aos nove anos) dos

muitos filhos de sua mãe?! E o pai como seria?! Estas foram algumas reflexões que

surgiram nesse momento, e foram guardadas na aposta de que a paciente caminhasse em

suas associações.

Madá segue durante várias sessões falando de sua relação com a irmã mais

nova. Em determinado momento diz: “Chega, saturei. Enchi o saco!!! Fiz tudo por todo

mundo. Agora, estou só... parece que ninguém vê tudo o que fiz”, “Acho que merecia

ser tratada diferente... quando eu chegasse assim numa festa da família era pra ter um

lugar pra mim... respeito, cuidado, gratidão, não existe... se chego e não tem canto pra

sentar, fico deslocada... em pé mesmo”, “Fico observando por ali... às vezes acabo indo

pra cozinha... e trabalhando, né?!”. Madá, tal como o seu sintoma (dor fibromiálgica),

estava deslocado. Ambos em busca de um lugar. Por fim, o lugar de trabalho parecia

ser o escolhido.

Madá descreve uma vida atual de abandono, “Quando fico triste, chateada,

sozinha, aí vou fazer algo por mim... vou levar comida pros idosos, levar a palavra de

Deus para as pessoas...”. Segue falando de atitudes frente a solidão, “sei que tem coisas

que só eu posso fazer por mim... a médica me mandou fazer caminhadas, mas

ultimamente tenho tido até dificuldades pra ler uns livros que tanto gosto... ganhei de
100

um amigo, o nome é ‘Mulher porque choras’ e ‘Olhai e buscai as coisas do alto’. Peço

para que fale mais, ela segue: “É um livro do padre Léo... ele aconselha que ao invés da

gente ficar olhando pra um lado e outro, agente deve olhar pra cima, pras coisas que

vêm do alto, que vêm de Deus, que são coisas boas e positivas”. Madá diz que nesse

livro também “têm vários psicólogos”. Um deles fala da relação com o pai, “...o tema

tem haver com o pai... na cama com o pai na hora dele morrer (pausa)...não sei direito

não. Quero conseguir ler esse livro melhor”. Pergunto como é sua relação com o pai,

com a mãe. Madá responde rapidamente, “Com ele tenho um relacionamento ótimo. Eu

amo ele. Mas, já com ela (mãe) é diferente... parece com o relacionamento que tenho

com minha irmã... aquela com quem eu tenho dificuldades”. Pergunto, “Aquela que

você criou como filha?”. Madá sorrir e diz, “É!!! Essa mesmo, a M”. Podemos pensar

então, Madá criou M. como filha. Mas, filha do pai?! Nesse sentido Freud (1919/1996)

nos diz que “nos meninos, o desejo de procriar um filho, com a mãe, jamais está

ausente; nas meninas, o desejo de obter uma criança do pai é igualmente constante...”

(p.203).

Freud (1919) nos traz a ideia de que a neurose reativa o complexo de Édipo na

idade adulta, uma vez que os sintomas neuróticos são efeitos das fantasias edipianas mal

recalcadas na infância, ou seja, a “sexualidade infantil, que é mantida sob repressão

(recalque), atua como a principal força motivadora na formação de sintomas; e a parte

essencial do seu conteúdo, o complexo de Édipo, é o complexo nuclear das neuroses”

(p.218).

Madá acaba passando o domingo das mães sozinha. Diante da solidão resolve

então ocupar-se levando “o padre para dar comunhão para algumas pessoas que estão

com problemas...”. Em determinado momento diz, “aí eu olhei pro padre e disse: ‘olha

como ela é forte’, porque doutora eu sou fraca pra dor, graças a Deus nunca me internei,
101

não tive a dor do parto, as minhas dores são assim... externas”. Em sua fala, Madá nos

revela uma proximidade entre a dor que não teve, a dor do parto, e as dores que tem, as

dores externas. Pensamos então, seria a dor do parto aquilo que lhe faltou? E mais, as

dores externas nos aproximam da idéia de algo direcionado para o mundo em sua volta,

melhor dizendo, um modo próprio de existência e de relacionamento com o outro.

Na sessão seguinte, Madá chega à sessão dizendo que veio “precisando de

colo” e que “hoje queria ouvir palavras bonitas que acalmassem... sei que aqui (diante

de uma psicóloga) é diferente... você deve ser mais sensível”. A aposta em uma postura

silenciosa fez com que Madá prosseguisse em suas associações. Após uma pausa, ela

diz: “Fui muito marcada pela indiferença de minha mãe... às vezes até penso se sou

normal”.

Freud em seus estudos sobre a “Sexualidade feminina” (Freud, 1931/1996),

fala-nos da importância da fase de ligação pré-edípica com a mãe, para a compreensão

do desenvolvimento sexual feminino. É interessante pensarmos, segundo a nota do

editor, que Freud trata esse artigo como algo que surgiu espontaneamente, porém parece

claro que sua elaboração foi uma espécie de resposta ao efeito revolucionário causado

pelas descobertas reveladas em seu trabalho anterior intitulado “Algumas consequências

psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (Freud, 1925/1996). Nos estudos de

1931, Freud reelabora a obra anterior dando ênfase, com base nas descobertas clínicas

mais recentes, “à intensidade e longa duração da ligação pré-edipiana da menina à mãe”

(p.231). Assim, Freud segue um caminho que amplia o conteúdo do complexo de

Édipo:

... de modo a incluir todas as relações da criança com os genitores, e,

por outro lado, levar na devida conta nossas novas descobertas dizendo

que a mulher só atinge a normal situação edipiana positiva depois de ter


102

superado um período anterior que é governado pelo complexo negativo

(p. 234)

O entendimento dessa primitiva fase de ligação com a mãe é de difícil

apreensão, quase “como se houvesse sucumbido a uma repressão especialmente

inexorável” (Freud, 1931/1996, p.234). Dentre as novidades trazidas por este estudo,

Freud traz o pensamento de que “essa fase de ligação (pré-edipiana) com a mãe está

especialmente relacionada à etiologia da histeria, o que não é de surpreender quando

refletimos que tanto a fase quanto a neurose são caracteristicamente femininas...”

(p.235).

Madá relata constantemente um misto de sensação de abandono e desejo de

reconhecimento, “ninguém liga pra saber como estou e se preciso de algo”, “não quero

pedir, então faço até faxina na casa da minha irmã...”, “me sinto uma empregada. Faço a

faxina, ela me paga e vou embora... mas também não preciso pedir”. Madá fala com

orgulho que “sempre teve facilidade para entender o sofrimento dos outros”. Em

seguida, lembra com detalhes (a caneca amassada, o prato rachado...) o dia em que

“aceitava um pãozinho molhado no leite que sua avó (paterna) lhe oferecia...”, sua

prima lhe puxava dizendo para que não aceitasse algo daquelas “mãos tão velhas,

enrugadas, entravadas”. Madá traz tal lembrança evidenciando, com certo orgulho, uma

capacidade sua, “... as outras crianças não aceitavam”. Madá também nos traz a

lembrança de momentos onde, em busca de reconhecimento dos adultos, varria os

terreiros das casas, “eles elogiavam o meu serviço bem feito... então eu ia varrendo”,

“Varria o terreiro de todo mundo. Saia de casa em casa...”. Lembra que esse serviço era

feito com uma espécie de ramos de palhas, “era feito quase de cócoras... depois ficava

toda quebrada, toda moída. Mas sabe como é criança, né? O adulto elogia, ela se sente
103

valorizada aí continua fazendo, se esforçando!”. Madá faz associações com a

fibromialgia e me pergunta, “Será que foi aí, doutora?”. Respondo que da dor física não

posso falar muito, porém o desejo de ser valorizada, e reconhecida, é algo forte tanto

nas dores do passado quanto nas dores do presente. Após uma pausa (choro), Madá

responde: “É mesmo doutora. Por que, heim?!... sempre tive dificuldades de dizer um

não”. Assim, Madá parecia refém de sua capacidade de identificar o desejo do outro.

3.2.2 A identificação no caminho da formação do sintoma histérico.

Como inútil taça cheia


Que ninguém ergue da mesa
Transborda de dor alheia...
( Fernando Pessoa)

Em determinado momento, Madá ao falar de sua atitude frente às dificuldades

dos irmãos, das pessoas de sua igreja e do pai, revela: “às vezes vejo o problema das

pessoas... aí penso ‘meu Deus como meu problema é pequeno!’... mas sabe o que é

doutora? Parece que quando vejo o problema dos outros eles ficam na minha bagagem”.

Tendo como guia a nossa escuta clínica, partimos agora para um estudo acerca da

importância da identificação no caminho da formação do sintoma histérico.

Nas obras de Freud, a identificação é estudada, predominantemente, em relação

aos conceitos centrais da obra Freudiana, o recalque e o complexo de Édipo, sendo seu

estudo de fundamental importância para entendermos os caminhos da escolha sexual

decorrente do complexo de Édipo. Esse conceito ganha ainda mais valor a partir do

entendimento de sua importância na constituição dos laços sociais e na realização do

desejo através da formação dos sintomas, dos sonhos e das fantasias.


104

Freud (1897/1996), em sua carta à Fliess (Carta 71), revela as descobertas e o

valor que está destinando ao seu processo de auto-análise ao nos dizer: “Verifiquei,

também no meu caso, a paixão pela mãe e o ciúmes do pai, e agora considero isso como

um evento universal do início da infância, mesmo que não tão precoce como nas

crianças que se tornam histéricas” (p.316). É nessa carta, que ao refletir sobre Hamlet,

Freud traz uma primeira apresentação explícita do complexo de Édipo, e ao mesmo

tempo nos descreve um processo identificatório (apesar de ainda não usar o termo

identificação) que liga o herói trágico ao espectador:

Cada pessoa da platéia foi, um dia, em germe ou na fantasia,

exatamente um Édipo como esse, e cada qual recua, horrorizada, diante

da realização de sonho aqui transposta para a realidade, com toda a

carga de recalcamento que separa o seu estado infantil de seu estado

atual. Passou-me pela cabeça uma rápida ideia no sentido de saber se a

mesma coisa não estaria também no fundo do Hamlet. Não estou

pensando na intenção consciente de Shakespeare, mas acredito, antes,

que algum evento real tenha instigado o poeta à sua representação, no

sentido de que o inconsciente de Shakespeare compreendeu o

inconsciente de seu herói. Como é que o histérico Hamlet consegue

justificar suas palavras: ‘Assim a consciência nos torna todos

covardes’?... De que outro modo poderia ele justificar-se melhor do que

mediante o tormento de que padece com a obscura lembrança de que

ele próprio planejou perpetrar a mesma ação contra seu pai, por causa

da paixão pela mãe... sua consciência [moral] é seu sentimento

inconsciente de culpa... (1897/1996, p. 316)


105

A partir desse momento, começamos a assistir como acontecerá a complexa

trama a qual envolve a identificação, através das subjetividades que se encontram em

um laço necessário para a constituição do sujeito, porém, podendo também apresentar

uma fonte constante de mal-estar nas relações humanas.

Já no rascunho de uma carta anterior, carta 61, datada de 2 de maio de 1897,

Freud utiliza claramente o termo identificação para explicar as acusações que

determinadas mulheres dirigem as suas empregadas. Para Freud essas acusações são em

razão de sentimentos de culpa e autocensura que as patroas sentem, devido uma

identificação com suas empregadas, pois estas “pessoas de baixo padrão moral”

estariam de algum modo libertas de uma moral sexual civilizada e, portanto autorizadas

para realizar alguns de seus desejos sexuais inconscientes (Freud, 1897/1996, p.297-

298). O termo identificação é usado com frequência nas correspondências entre Freud e

Fliess como algo próximo ao senso comum. Será em seus estudos sobre o sintoma

histérico que Freud dará um status de importância indiscutível para esse tema. O

trabalho de Freud (1900/1996) acerca da ‘A interpretação dos sonhos’ constitui um

marco para a psicanálise, sendo uma obra fundamental para as elaborações acerca desse

conceito.

Após a morte de seu pai Jakob Freud (1986), Freud iniciou uma rigorosa

pesquisa acerca do tema dos sonhos, usando como principal material os seus próprios

sonhos. Essa investigação acerca de seus sonhos serviu também para o trabalho de auto-

análise que havia iniciado. Nessa época, os sonhos de Freud traziam com frequência um

material relacionado a lembranças e a morte de seu pai. Esse parece ter sido um período

difícil para Freud, e a escrita dessa obra pode ter tido o objetivo de ajudar na crise

vivida em decorrência do luto do pai, e não apenas um objetivo científico. Apesar de


106

toda dificuldade, esse período foi um período de grandes descobertas, pois graças a sua

auto-análise e a interpretação de seus sonhos, Freud descobriu a técnica de interpretação

própria da psicanálise.

Assim, será em 1900, com os estudos acerca da “Interpretação dos sonhos”,

que Freud fará uma elaboração sobre a identificação histérica ao investigar o

funcionamento do psiquismo a partir dos sonhos. Nesse momento, Freud cria um novo

modo de compreender as neuroses, onde o recalque atua deformando, camuflando, os

desejos incompatíveis com a consciência tanto na formação dos sonhos quanto na

formação dos sintomas.

Freud nos diz com clareza que os assuntos acerca dos sonhos são

invariavelmente discutidos entre ele e seus pacientes neuróticos. Durante essas

discussões, Freud vê-se muitas vezes obrigado a dar algumas explicações psicológicas,

a partir daí fica então suscetível a críticas por parte dos pacientes, “… meus pacientes

invariavelmente contra dizem minha asserção de que todos os sonhos são realizações de

desejos” (1900/1996, p. 180). Em defesa de seus pensamentos, Freud utiliza o sonho da

Bela açougueira para exemplificar o modo como a identificação é utilizada na formação

dos sonhos, e afirma que apesar de seus pacientes se oporem, “todos os sonhos são

realizações de desejos” (1900/1996, p.180). Assim, o sonho da Bela açougueira é um

material no qual a identificação faz parte do esforço feito pelo trabalho do sonho para a

realização de um desejo inconsciente, que só poderá ser revelado sob uma deformação.

Trata-se de um sonho no qual a paciente se vê impossibilitada de oferecer uma

ceia para recepcionar uma amiga em sua casa. Exatamente como Freud (1900/1996) nos

alertou, a paciente começa por contestá-lo, “vou lhe contar um sonho em que um de

meus desejos não foi realizado” (p.181). Freud admite que, à primeira vista o sonho

parecia ser o inverso da realização de um desejo, porém afirma que a análise era a única
107

forma de decidir quanto ao sentido do mesmo. Então, convida a paciente para analisá-lo.

Logo surge a figura do marido, um açougueiro honesto e competente que na

véspera havia comentado sobre seu desejo de emagrecer e para isso pretendia começar

um rigoroso regime, não aceitando, portanto, convites para cear. Em seguida, a paciente

acrescenta sorrindo que o seu marido, no local onde almoçava regularmente, havia

recebido um convite de um pintor para pintar o seu rosto de feições tão expressivas. O

marido agradeceu e recusou afirmando, à sua maneira rude, que “tinha certeza de que o

pintor preferiria parte do traseiro de uma bonita garota a todo o seu rosto” (Freud,

1900/1996, p.181), revelando assim seu desejo por mulheres de carnes fartas. Depois,

em uma fala aparentemente insignificante, a paciente relata que implorara o marido para

que não lhe desse caviar.

Ao ser indagada sobre o significado disso, a paciente explica que há muito

desejava comer caviar, mas que relutava em fazer essa despesa. Mesmo sabendo que o

marido a deixaria fazer tal gasto, a paciente ao contrário, lhe fizera o pedido para que

não lhe desse caviar, para com isso continuar a caçoar do seu marido. Essa explicação

não convence Freud, e o faz lembrar das pacientes de Bernheim, quando em uma

sugestão pós-hipnótica são perguntadas o porque de seus atos, e ao invés de

responderem que não sabem, inventam alguma razão por sentirem-se compelidos a

responder. Freud percebe que do mesmo modo agiu sua paciente, e que teria a

necessidade de inventar para si mesmo um desejo não realizado na vida real. Mas, Freud

se pergunta, por que sua paciente precisaria de um desejo não realizado?

Freud relata que as associações apresentadas até o momento não tinham sido

suficientes para uma interpretação. Não entra em detalhes, mas diz que a pressionou

para que continuasse trazendo novas associações, então, após uma pausa, “como a que

corresponderia à superação de uma resistência”, ela prossegue trazendo um resto diurno:


108

“Na véspera, visitara uma amiga de quem confessava ter ciúmes porque seu marido

estava constantemente a elogiá-la”. Porém, para sua felicidade, já que o marido tinha

preferência por mulheres mais cheinhas, essa amiga era “muito ossuda e magra”. Freud

pergunta acerca do conteúdo de sua conversa com tal amiga, e daí aparece outro

elemento importante: o pedido da amiga para que houvesse um outro convite para ceiar

em sua casa; “Quando é que você vai nos convidar para outro jantar? Os que você

oferece são sempre ótimos”. (Freud, 1900/1996, p.182).

Com isso o sonho começava a ficar claro, e Freud começa o seu trabalho de

interpretação dizendo:

É como se, quando ela faz essa sugestão, a senhora tivesse dito a si

mesma: 'Pois sim! Vou convidá-la para comer em minha casa só para

que você possa engordar e atrair meu marido ainda mais! Prefiro nunca

mais oferecer um jantar'. O que o sonho lhe disse foi que a senhora não

podia oferecer nenhuma ceia, e assim estava realizando seu desejo de

não ajudar sua amiga a ficar mais cheinha. O fato de que o que as

pessoas comem nas festas as engorda lhe fora lembrado pela decisão de

seu marido de não mais aceitar convites para jantar, em benefício de

seu plano de emagrecer (Freud, 1900/1996, p.182).

Faltava ainda uma decifração para o significado do salmão defumado. Freud

pergunta então como a sonhadora havia chegado ao salmão que aparecia no sonho. Ela

responde que este era o prato predileto de sua amiga. Freud nos acrescenta que

conhecesse a senhora em questão e afirmar a predileção desta por salmão defumado.

É interessante percebermos que o material salmão defumado possibilita,


109

também, uma outra interpretação, não sendo esta contraditória a anterior, confirmando

aquilo que Freud nos diz acerca do sonho ser “como todas as outras estruturas

psicopatológicas, têm regularmente mais de um sentido” (Freud, 1900/1996, p.182-

183). Daí surge uma inversão que trará um novo sentido: A bela açougueira sonha com a

não realização de um de seus desejos (sanduíche de caviar), ou seja, a bela açougueira,

identificada com sua amiga, sonha que lhe acontece o que deseja ver suceder com sua

amiga. Nas palavras de Freud:

… ela sonhou que um de seus próprios desejos não era realizado.

Portanto, o sonho adquirirá nova interpretação se supusermos que a

pessoa nele indicada não era ela mesma, e sim a amiga: que ela se

colocará no lugar da amiga, ou como poderíamos dizer, que se

'identificará' com a amiga. Creio que ela de fato fizera isso, e a

circunstância de ter efetivado um desejo renunciado na vida real foi

prova dessa identificação (Freud, 1900/1996, p.183).

Freud denomina de identificação histérica. Um sonho que exemplifica este tipo

de identificação através da ligação entre a bela açougueira e sua amiga, onde a

sonhadora se identifica, onde se coloca, no lugar da amiga por entender que esta ocupa

o seu lugar na atração que exerce em seu marido. Então, o sonho é uma formação

inconsciente que também nos mostra como a identificação pode operar na formação dos

sintomas:

A identificação é um fator altamente importante no mecanismo dos

sintomas histéricos. Ela permite aos pacientes expressarem em seus


110

sintomas não apenas suas próprias experiências, como também as de

um grande número de pessoas: permite-lhes, por assim dizer, sofrer em

nome de toda uma multidão de pessoas de desempenhar sozinhas todos

os papéis de uma peça (Freud, 1900/1996, p.183)

Freud segue seu pensamento fazendo uma diferenciação entre identificação

histérica e imitação, “Este (quadro da identificação) é um pouco mais complicado do

que o quadro comum da imitação histérica; consiste na feitura inconsciente de uma

inferência...” (Freud, 1900/1996, p.183). Entendemos que a diferenciação que Freud nos

coloca entre identificação e imitação, é que esta última é uma mera reprodução,

consciente e portadora de uma intencionalidade. Já a identificação, oferece

possibilidades para a pulsão a partir da relação que o sujeito estabelece com o mundo

em sua volta, e isso acontece de modo inconsciente. Segundo Freud, “… a identificação

não constitui uma simples imitação, mas uma assimilação baseada numa alegação

etiológica semelhante; ela expressa uma semelhança e decorre de um elemento comum

que permanece no inconsciente” (Freud, 1900/1996, p.184).

A análise do sonho da Bela açougueira nos mostra a importância dos fatores

sexuais na trama entre a identificação e a histeria. Freud nos diz que, “Uma mulher

histérica se identifica mais rapidamente – embora não exclusivamente – em seus

sintomas com as pessoas com quem tenha tido relações sexuais, ou com as pessoas que

tenham tido relações sexuais com as mesmas pessoas que ela” (Freud, 1900/1996,

p.184). Freud acrescenta ainda que, na fantasia histérica (assim como nos sonhos), para

que a identificação aconteça é suficiente que haja pensamentos sobre relações sexuais,

sem a necessidade de que tenha ocorrido na realidade, desse modo dando ênfase a

importância que deve ser destinada para a realidade psíquica.


111

A trama identificatória presente no caso da bela açougueira traz com clareza a

ligação entre a identificação histérica e os enigmas dos sonhos e dos sintomas, que

revelam desejos recalcados e atualizados, para isso faz uso de traços que assimila

inconscientemente de suas relações com outras pessoas. Entendemos que a identificação

é um processo complexo que, em consonância com a fantasia, ocupa um lugar de

destaque na formação dos sonhos e dos sintomas histéricos. A partir disso, podemos

pensar na atualidade da articulação entre identificação e formação sintomática em nossa

clínica contemporânea.

Retomemos o nosso caso clínico. O pai de Madá é surdo e mudo, “homem da

roça, muito, muito trabalhador! Está sempre procurando uma coisa pra se ocupar...”. A

relação com ele é descrita com muito carinho, “Quando ele fica aperreado, só eu

consigo entender o que ele quer e acalmar... ele se afoba quando as pessoas não

entendem...”. A infância de Madá foi muito pobre, fala que caminhava cerca de 10 km

para ir à escola. Lembra com detalhes do cansaço e das dificuldades no percurso em

busca “de aprender”. Em seguida lembra que na escola tinha mais amigos homens, era

sempre escolhida pra recitar poesias e as meninas não gostavam, “... mas eu não tinha

vaidade com isso!!!”. Associa então aos problemas que teve com algumas colegas logo

que começou a trabalhar: “Quando não tinha quem servisse o café, eu mesmo levava e

servia. Aí quando o chefe via e me perguntava, eu falava que a pessoa responsável devia

ter tido algum problema e que eu não me importava de fazer esse serviço... mas as

colegas achavam que eu estava puxando o saco. E não era... era uma coisa minha”, “Eu

fazia acontecer...eu não roubava de ninguém ...se eu via serviço pra fazer, eu fazia... Ia

até a diretoria, oferecia cafezinho, preparava e levava...nunca fui demitida, sempre pedi

demissão”.
112

Certa vez, Madá chega vestindo uma blusa branca que parece desconfortável,

algo apertada. As inúmeras tentativas de ajeitar a blusa demonstram além de um

desconforto, uma tentativa de exibir a estampa de uma imagem com perfil cabisbaixo,

posso dizer triste. Interrogada acerca dessa imagem, Madá desencadeia o relato de sua

história e sua ligação com a religião. A blusa havia sido usada em uma data

comemorativa de sua igreja, e tal como um símbolo guardava uma história, uma

lembrança. Assim, Madá segue contando: Aos 17 anos, veio passar férias em Fortaleza

na casa de uma tia que na época pediu emprego para ela aos amigos da igreja, “... ela

precisa tanto. A mãe tem muitos filhos...”. No dia seguinte, Madá foi entrevistada, e

“mesmo sendo de menor” conseguiu emprego de recepcionista em um hospital. Após

um mês, completou 18 anos e teve sua carteira assinada pela primeira vez, “foi uma

glória!!!”. Daí em diante sua “vida mudou”, saiu da casa da tia e foi trazendo pouco a

pouco todos os irmãos para a capital. “Era roupa, remédios, escola, material escolar e

muita preocupação com todos”. Novamente volta a falar dos vários lugares, das várias

funções que ocupava, “... eu era irmã, mãe, empregada, tudo!”. Trabalhava de domingo

a domingo, “Ninguém descongelava uma geladeira!”. “Quando chegava em casa eu

dava minhas chamadas... do jeito que uma mãe faria!”. Fala que talvez tenha sido isso

que deixou sua irmã, aquela que criou como filha, tão “rancorosa”.

Através da análise do caso da Bela açouqueira, observamos que Freud

(1900/1996) estabelece uma relação entre a identificação e a histeria, e desse modo

evidencia um drama em torno do sexual, onde nos apresenta a capacidade do histérico

de se identificar com pessoas que se relacionem com as mesmas que ele. Mais uma vez

devemos deixar claro a importância da realidade psíquica nessa dinâmica, pois estamos

falando de relações empreendidas não apenas na realidade, mas, sobretudo, àquelas

presentes nas cenas fantasmáticas. Sabemos que na histeria, as cenas de ciúmes podem,
113

frequentemente, servir como terreno fértil para que a fantasia sexual se apresente

através da identificação.

Essa fantasia pode ainda mostrar seus efeitos nas relações interpessoais, nos

sonhos e nos sintomas, com isso fazendo da identificação um modo peculiar de ligação

a outra pessoa. Diante disso, passaremos agora ao estudo do caso Dora (Freud,

1905a/1996), com o objetivo de avançar no entendimento da plasticidade da produção

sintomática envolvida no trabalho da identificação histérica.

Sabemos que o Caso Dora é emblemático nos estudos freudianos acerca da

histeria. Dora foi o nome fictício que Freud deu a uma de suas pacientes, na ocasião da

publicação de seu caso no texto “Fragmentos de um caso de histeria” (Freud,

1905a/1996). Freud descreve Dora como uma jovem paciente de dezoito anos, bela,

inteligente e portadora de sintomas histéricos. O círculo familiar de Dora era composto,

além dela própria, por um irmão um ano e meio mais velho e por seus pais. Freud

destaca que o pai era a pessoa dominante desse círculo tanto em razão de sua

inteligência e traços de caráter, como também pelas circunstâncias de sua vida que

forneceram condições para a história infantil e patológica da paciente.

Durante o período da infância de Dora, o seu pai foi acometido por várias

doenças. Dora era muito, carinhosamente, apegada ao pai, e a ocorrência de várias

doenças que o faziam padecer parecia fortalecer ainda mais essa relação. Quando Dora

contava seis anos, seu pai ficou tuberculoso ocasionando a mudança da família para um

local de clima mais favorável a melhora dessa afecção pulmonar. Aos dez anos de

Dora, o seu pai teve um deslocamento de retina tendo que ser submetido a um

tratamento durante o qual permaneceu em um quarto escuro. Em consequência desse

deslocamento de retina, a visão de seu pai ficou permanentemente reduzida. A doença

mais grave aconteceu dois anos mais tarde, quando o pai apresentou uma crise
114

confusional, perturbações psíquicas e sintomas de paralisias. Nessa época, Freud o

tratou com sucesso, fato este que, alguns anos depois, fez com que ele entregasse sua

filha Dora, que ficara neurótica, aos cuidados de Freud.

Freud conhecera também uma tia de Dora, em quem identificou uma forma

grave de psiconeurose sem nenhum dos sintomas mais característicos da histeria, e um

tio, que Freud definira como um solteirão hipocondríaco. Freud nos diz que “fora dessa

família que ela derivara não só seus dotes e sua capacidade intelectual, como também a

predisposição à doença” (Freud, 1905a/1996, p.30). Dora já aos oitos anos começara a

adoecer, apresentando sintomas neuróticos, passando a sofrer de dispnéia crônica sem

causa orgânica. Com o passar do tempo, a jovem apresentou outros sintomas:

enxaquecas, tosse nervosa, perda completa da voz e idéias suicidas. Freud (1905a/1996)

nos diz, “Foi nessas circunstâncias que acriança transformou-se numa jovem madura, de

juízo muito independente, que se acostumou a rir dos esforços médicos e acabou por

renunciar inteiramente à assistência deles” (p. 32).

Dora chega ao consultório de Freud pela primeira vez aos dezesseis anos,

sofrendo de tosse e rouquidão. Freud propôs um tratamento psíquico, mas este não foi

aceito pela moça que apresentou melhora espontânea. Porém, a moça permaneceu sendo

fonte de preocupação para seus pais. O desânimo, a evitação de contatos sociais e uma

alteração de caráter haviam se tornado as principais características de sua doença. Dora

retornou ao consultório de Freud, aos dezoito anos, iniciando sua análise com ataques

de tosse e afonia, porém o fato determinante foi uma carta suicida, seguida de uma

perda da consciência após discutir com o pai. Dora permaneceu em análise por um curto

período, abandonando o processo antes que Freud o concluísse.

Freud relata que o pai de Dora contou-lhe alguns pontos de referências

importantes para a análise do caso, dentre estes o fato de que ele e sua família haviam
115

feito uma íntima amizade com o casal K. O relacionamento com os K. se intensificou

quando a Sra. K assumiu a posição de cuidadora “enquanto a mãe de Dora se mantinha

afastada do leito do doente” (Freud, 1905a/1996, p. 41). Desse modo, a senhora K.

cuidara do pai de Dora durante uma longa enfermidade, momento que resultou em uma

aproximação entre ambos justificada por um sentimento de gratidão. Por outro lado, o

Sr. K. era extremamente amável com Dora, levando-a para passear e dando-lhe

pequenos presentes. Em contrapartida, Dora tratava com o mais extremo cuidado os

filhos do casal K., dedicando-lhe uma atenção quase maternal. Nessa dinâmica entre as

famílias, Freud relata um importante episódio, durante o qual Dora e o seu pai haviam

viajado para encontrar a família K. O pai de Dora passaria alguns dias, enquanto Dora

deveria passar várias semanas. Porém, quando o pai se preparava para partir, Dora

decididamente resolve retornar também. Alguns dias depois, em conversa com sua mãe

e com objetivo de que a informação chegasse ao seu pai, esclarece as razões de seu

comportamento dizendo que o Sr. K lhe fizera uma proposta amorosa. Quando chamado

a prestar contas com o pai da moça, Sr. K negou qualquer atitude que pudesse ter dado

margem para essa interpretação de Dora. Desse modo, lança suspeitas sobre a atitude de

Dora, que segundo Sra. K só mostrava interesses por leituras e assuntos sexuais. Freud

(1905a/1996) nos diz que, “Provavelmente, excitada por tais leituras, ela teria

‘imaginado’ toda a cena que descrevera” (p.35).

Assim, Freud evolui em seu entendimento acerca da importância da fantasia.

Anunciando um pensamento que ficaria mais claro em seu estudo acerca do “Caminho

da formação do sintoma” (Freud, 1917b/1996), conclui que as fantasias possuem

realidades psíquicas em contraste com a realidade material e, em se falando de neuroses

a realidade psíquica é a realidade decisiva. Assim, podemos entender a multiplicidade

de sintomas de Dora como uma atualização, e um prolongamento da existência de seus


116

desejos reprimidos, que acabam revelando uma fantasia alimentada por múltiplas

identificações tecidas na relação com seu pai, sua mãe, sua governanta, e o casal K. Na

leitura do caso encontramos um percurso de identificações; Freud nos diz que a

princípio, Dora teve como modelo o seu irmão, mas que com o passar do tempo cada

um dos irmãos tomou partido de um dos pais, Dora passou a ser mais próxima do pai,

enquanto o irmão apoiava a mãe. Depois, Freud fala de uma época onde a tia paterna foi

tomada como modelo para Dora.

No decorrer do caso, observamos que Freud faz uma análise da carta suicida de

Dora. Ele nos diz que ambos, pai e mãe de Dora, estavam agradecidos a Sra. K por sua

atitude de ter seguido o pai de Dora pelo bosque com a intenção de persuadi-lo a se

preservar para a família, e não de cometer suicídio. No entanto, Dora não acredita nisso.

Para ela, os dois haviam sido vistos juntos e o pai inventara tal história para justificar o

encontro. Em nota de rodapé, encontramos a explicação de que as fantasias suicidas

constituíam o ponto de ligação, fundamentada na identificação histérica, entre Dora e

seu pai, além também da possibilidade de expressar “anseio por um amor similar”

(Freud, 1905ª/1996, p.41) aquele que ela imaginava existir entre seu pai e a Sra. K. Este

amor havia trazido saúde e vida para Sra.K, “até então doentia ... e obrigada a passar

meses num sanatório para doentes dos nervosos por não poder andar” (Freud,

1905a/1996, p.42). Podemos pensar também que tal amor fantasiado por Dora atenderia

também o desejo inconsciente de restituir a potência sexual do pai.

Dora julga que seu pai utilizava as doenças como pretextos para esconder suas

intenções com a Sra. K., além também de acusar o pai de entregá-la ao Sr. K em troca

da cumplicidade deste. Com isso, podemos perceber que Dora se comporta de maneira

semelhante ao pai, pois ela própria não teria se oferecido como cúmplice dessa relação

ao oferecer seus cuidados com os filhos do casal? Então, poderíamos pensar em mais
117

um componente nessa trama identificatória, pois a governanta estava para Dora da

mesma forma que Dora estava para os filhos do casal K. Dora sentia-se um objeto

intermediário para que a governanta atingisse o objetivo de seduzir seu pai, ao mesmo

tempo a sua posição diante dos filhos do casal K. servia como intermediaria de seu

desejo para com o pai daquela família.

Certa vez, Dora apresentou um novo sintoma, dores gástricas. Freud esclarece

tal sintoma a partir do entendimento de que Dora havia visitado umas primas, a mais

nova estava noiva e a mais velha ficara doente, com dores gástricas. Dora entende que

as dores da prima mais velha eram decorrente de uma inveja e de um pretexto para não

participar da alegria da irmã mais nova. Freud percebe que as acusações que Dora faz a

seu pai e a prima podem ser dirigidas a ela própria. Pois, foi dessa identificação com a

prima mais velha, tida com simuladora, que aparecera a dor gástrica. Dora achava que

essa prima sempre adoecia quando queria alguma coisa.

Mas, Dora também havia aprendido com a Sra. K a tirar proveito das doenças:

Dora entende que era a presença do Sr. K que fazia a Sra. K adoecer, e que esta

considerava a doença bem-vinda para escapar das obrigações conjugais. Freud se

pergunta então se a presença ou ausência do homem amado teria influência sobre a

melhora ou piora dos sintomas patológicos, pois tudo levava a crê que sim. Dora

apresentava uma grande incidência de acessos de tosse e perda da voz cuja constância

tinham uma certa sincronia com a presença ou ausência do Sr. K. As doenças de Dora

demonstravam seu amor por Sr. K. tal como na mulher dele demonstravam sua aversão.

Portanto, a afonia de Dora podia ter a seguinte interpretação simbólica: “quando o

amado estava longe, ela renunciava à fala; esta perdia seu valor, já que não podia falar

com ele. Por outro lado a escrita ganhava importância...” (Freud, 1905a/1996, p.47).
118

Em determinado momento, Freud traz a ideia acerca de uma identificação de

Dora com sua mãe, através de formações sintomáticas (dores abdominais e leucorréia)

características de sua mãe, e sobre as quais seu pai era responsabilizado. Portanto, Dora

responsabilizava seu pai pelas enfermidades que acometiam ambas, mãe e filha.

Freud nos diz ainda que a tosse de Dora surgira, sem dúvidas, de um diminuto

catarro real, sintoma que seu pai apresentava em razão da afecção de seus pulmões, mas

também surgia de uma irritação real e organicamente condicionada da garganta. Assim,

podemos falar que este sintoma trazia a expressão de uma identificação não apenas com

a mãe, mas também com o pai, “sou filha de papai. Tal como ele, tenho um catarro. Ele

me fez adoecer, assim como fez mamãe adoecer. Tenho dele as paixões pérfidas que são

castigadas pela doença” (Freud, 1905a/1996, p.82-83), mas também o catarro surgia de

algo real e condicionado, ou seja, “o grão de areia em torno do qual a ostra forma a

pérola” (Freud, 1905a/1996, p.83).

Neste momento, acreditamos ser relevante uma análise dos termos

complacência somática e conversão somática. Freud usou pela primeira vez o termo

complacência somática em 1905 quando, a propósito do Caso Dora ao refletir sobre a

origem psíquica ou somática dos sintomas histéricos, ele nos diz, “...todo sintoma

histérico requer a participação de ambos os lados. Não pode ocorrer sem a presença de

uma certa complacência somática fornecida por algum processo normal ou patológico

no interior de um órgão do corpo ou com ele relacionado” (Freud, 1905a/1996, p.49).

Diante disso, não se faz mais necessário buscar a chave do problema histérico “numa

labilidade peculiar das moléculas nervosas”, nem mesmo na “suscetibilidade aos

estados hipnóides”, mas sim na “complacência somática” (Freud, 1905ª/1996, p.49).

Então, será a complacência somática que dará aos processos psíquicos inconscientes

uma saída corporal, sendo um fator determinante na escolha da neurose.


119

Já o termo “conversão” foi introduzido por Freud na Seção I de seu primeiro

trabalho sobre as neuropsicoses de defesa (Freud, 1894a/1996, p 56), sendo, portanto da

mesma época em que Freud iniciou sua investigações sobre a histeria. È um termo que

traz em si uma ideia econômica, uma vez que diz respeito ao desligar-se da libido da

representação incompatível através do mecanismo do recalque, sendo depois transposta

para o corporal. Este pensamento econômico por sua vez remete a uma concepção

simbólica, para Freud os sintomas corporais, são representantes do psíquico no corpo,

que foram deformados pelos processos de condensação e deslocamento, “nos sintomas

corporais há representações recalcadas que falam” (Laplanche e Pontalis 2008, p.104).

Laplanche e Pontalis (2008) nos falam também de uma atual tendência de

distinção entre a conversão histérica e outros processos de formações sintomáticas, para

os quais se propõe o nome de somatização. Segundo esses autores, “o sintoma de

conversão histérica estaria numa relação simbólica mais concreta com a história do

sujeito, seria menos isolável numa entidade nosográfica somática, (exemplo: úlcera do

estômago, hipertensão), menos estável etc.” (Laplanche e Pontalis, 2008, p.105). Esta

citação nos ajuda a pensar sobre a questão da dor fibromiálgica e sua incapacidade, ou

capacidade, de não estar circunscrita em um órgão específico.

Toda essa trama expõe triângulos amorosos que Dora recria, como rival da

mãe, Dora ajuda na relação entre seu pai e Sra. K, por outro lado se identifica com Sra.

K e deseja os mesmos homens que ela, seu pai e Sr.K. Um jogo identificatório que

revela o desejo de Dora por ocupar o lugar da mãe no desejo do pai. Observando mais

claramente, vários triângulos foram criados onde Dora, por vezes ocupava um lugar

valorizado, e por vezes, ocupava um lugar da excluída, mas o comum a todos os

triângulos era a existência de componentes femininos e masculinos. No triângulo mãe,

Dora e o irmão, a Dora é a excluída; no triangulo Dora, pai e mãe, a mãe é a excluída; já
120

no triangulo Dora, pai e Sra. K, Dora volta a ser a excluída. Outros triângulos existiram:

Dora, a governanta e o pai; Dora, Sr. K e Sra. K; Dora, Freud e Sra. K, e etc. Assim,

Freud evidencia a ideia de que o sintoma histérico é a expressão de uma fantasia sexual

inconsciente, em parte feminina e em parte masculina, sendo portanto da ordem do

irrealizável em razão de seu caráter bissexual, além do caráter incestuoso. Assim, a filha

poderá rivalizar com a mãe até atingir uma identificação com o lugar simbólico que a

mãe ocupa. Isso só será possível através da valorização da condição de mulher capaz de

amar um homem com quem constituirá um casal. Desse modo, a menina tomará o

modelo da mãe, não para alcançar o amor do pai, mas sim para desfrutar, tal como ela,

do amor de um homem.

Voltando a nossa escuta clínica de Madá. Esta nos fala, que na época de seu

primeiro trabalho ainda aos 17 anos, de um médico que lhe fazia muitos elogios. Ele a

chamava de “Lia”, significante presente em seu nome próprio. Segundo ela, esse

médico a achava parecida com a personagem “Lia Ribeiro que a atriz Elizabeth Savala

fazia em uma novela... Ele dizia que minha beleza era simples, natural...”, “eu não usava

maquiagem como as outras... era mesmo bonita, apesar da infância que tive”. Madá

mostra os dentes, e diz que todos aqueles da frente tinha sido arrancados. “Era assim,

doía, arrancavam”. “Não me lembro, até os meus 17 anos, de ter visto escova de dentes

e espelho na minha casa. Minha mãe diz que tinha...eu não lembro!” Peço que ela me

fale mais desse momento e de como era sua vida, suas ocupações, ao ponto dela não

lembrar de ter parado para se ver (no espelho).

Madá volta a falar de sua “facilidade para entender o sofrimento dos outros”.

Então, lembra novamente da avó, mais especificamente do esforço que avó paterna fazia

para superar as mãos entravadas e lhe oferecer pãozinho molhado no leite. Pensamos

então, que talvez aí estivesse a origem inconsciente de um dos sintomas que mais era
121

evidente na Madá, os entraves nas mãos. Daí, também podemos pensar nas “travas” das

quais Madá queixou-se em seu primeiro atendimento, bem como podemos pensar

também nos significantes leite e pão que sempre estavam presentes nas histórias de

sacrifício que envolviam a vida de Madá, desde a época em que esta ocupava a posição

de mãe, e podemos dizer também de pai, para os irmãos.

Em determinada sessão Madá começa dizendo: “parece que sofri um curto-

circuito, agora nada no meu corpo funciona bem!”. Madá havia passado pela

possibilidade de começar um novo trabalho, mas acordou toda “quebrada, entravada,

com dor por todo o corpo. As mãos não abriam, nem o joelho eu desdobrava” (a

maneira como passou a mão nos joelhos me lembrou, a mesma que fez quando se

referiu à situação em que, de cócoras, varria os terreiros). Pontuei, falando que o seu

movimento ao falar dessa recente dor tinha sido o mesmo ao falar do passado, da

infância. Ela chora, fica em silêncio. Após um breve tempo, lhe ofereço um lenço. E ela

continua, “Já cheguei a ganhar 5/6 salários... Morria de trabalhar. Agora não tenho nada,

mas posso não ir pra esse trabalho... não tenho mais aquele monte de gente que

dependia de mim...”. Ela continua falando e agora nos traz um novo triângulo em suas

relações: outro dia o sobrinho, filho daquela irmã mais nova, ligou. Ela estava quase

dormindo, não atendeu e justifica sua atitude: “Estou aprendendo a me cuidar, me

colocar em primeiro. Noutra época, eu corria pra atender, largava tudo”. Assim, o

assunto da irmã é retomado. Madá descreve a relação de carinho e cuidados com o

sobrinho, hoje já rapaz, e que ele e o pai (cunhado) também gostam muito dela. Neste

momento, cogita a possibilidade da irmã sentir ciúmes. Pergunto de quem, do sobrinho

ou do marido? Ela responde que “do marido não pode ser... ela é 10 anos mais nova do

que eu!!!”.
122

Na sessão seguinte Madá faltou. Ligou comunicando que em razão da greve de

ônibus não compareceria. Faltou por mais duas vezes, e nessas faltas não ligou

comunicando. Ao retornar informou que o rapaz da recepção havia lhe dito que o

atendimento psicológico, assim como os demais, estaria de recesso neste mês de férias.

Madá parece ter esquecido de que comuniquei que não interromperia os atendimentos

da psicologia.

Ao voltar desse recesso fala que as dores pioraram, “não sei se é mito mas os

ventos dessa época do ano parece que pioram as dores... tanto o meu pai que é da serra,

como minha mãe que é do sertão, os dois também sentem mais dores nessa época do

ano”. Pergunto o que mais, além dos ventos, acontece nessa época do ano. Madá

começa a lembrar da mãe carregando leite e trabalhando na roça, “a pele é muito

branca, assim como a sua doutora, parece que racha no sol ...”, “o pai trabalhando na

roça e na moagem da cana... serviço pesado... isso ajuda a piorar ...”. Lembra que o pai

reclamava muito que sentia dores. A mãe reclamava das dores do pai, dizendo “todo dia

ele sente uma dor diferente”. Madá por sua vez, reclamava da “indiferença” da mãe em

relação às dores do pai, “Ela (mãe) não dava crédito pra dor dele... Eu ficava pensando;

meu Deus, tomara que eu sinta a dor que o meu pai sente pra ver se é verdade... mas

também era tanto filho, coitada....”

Madá descreve com detalhes a sua tentativa de aliviar a dor do pai, “fazia

massagem, colocava paninho quente, fazia chá de hortelã, capim-santo...”. Na noite

anterior, fala que fez os mesmos cuidados, utilizando “coisas da natureza”, para aliviar

suas dores. Podemos pensar então na sua escolha e sua ligação com a venda de

“produtos da Natura”. As dores da noite anterior eram atribuídas aos cuidados que Madá

estava novamente tendo com um recém nascido, filho do sobrinho. “A esposa do

sobrinho deixou acumular serviço durante todo o fim de semana, .... já não agüento
123

mais”. A história parecia se repetir, buscando atualização agora no triâgulo entre Madá,

o sobrinho e a esposa. Porém, Madá começa a demonstrar mudanças: “Doutora, ás

vezes quero que a senhora me diga como faço pra parar de me preocupar mais com os

outros do que comigo... Mas, já entendi que a senhora não me diz e faz isso pra eu

aprender a pensar... me dei conta disso, aí pensei assim, vou tomar conta de mim. Me

deu uma vontade de vir pra cá....aí falei pro meu sobrinho e pra esposa dele que hoje eu

não iria... pois acredita que ela (esposa do sobrinho) me pediu que ajudasse então a

deixar o almoço do dia seguinte pronto!!!...eu já tava cansada, já na hora de ir embora...

eu fiz, mas também não fui hoje”. Nesse momento, Madá lembra que o diretor da

empresa, na qual trabalhou por mais de dez anos, falava que ela era um “coringa”, “ no

setor pessoal, na copa, ou em qualquer outro lugar... eu trabalhava muito, mas era bem

paga...”. Portanto, Madá tal como suas dores e as dores de seu pai, eram como um

coringa, tinham a capacidade de estar em qualquer lugar, podendo desempenhar vários

papéis de acordo com a identificação das demandas

O tempo passa, e a relação com a irmã parece mais “estável”. No dia dos pais

se encontraram, e foi “normal”. Madá descreve o dia: “Coloquei uma música e fui pra

cozinha, ela foi visitar a família de um primo que tinha morrido ...no carro só cabiam 4,

a irmã, o marido, o pai, e a mãe .... mas achei foi bom... fiquei ouvido música, fui tomar

meu pãozinho molhado no leite em baixo das árvores... e até descansei”.

No dia 25 de Agosto, Madá teve alta da reumatologia. No atendimento

psicológico seguinte, 01. setembro, chega com muitas queixas (não acerca das dores):

“Fui pega de surpresa... Não entendi bem... o jeito dela (Reumato) falar .... a senhora é

psicóloga... ela cuida da dor, do osso... eu fui tão bem tratada, confiava tanto nela, não

consegui nem argumentar.... eu não quero ficar o resto da vida aqui, mas fui pega de

surpresa... quando cheguei no grupo da última sexta as meninas (pacientes) bateram


124

palma... todo mundo gosta de mim. As meninas me perguntaram se eu não sentia mais

as coisas (dores), eu falei que sentia... como elas irão continuar e eu não?! Será que eu

tenho mesmo essa fibromialgia?! Às vezes eu acho que pode ser outra coisa...artrite,

artrose,...sei lá....já nem sei mais... Eu falei pra ela (reumato) que se eu tiver tirando o

lugar de alguém que esteja sofrendo mais do que eu, aí quem quer sair sou eu... não

quero ocupar o lugar de outra pessoa... prejudicar quem está precisando mais... mas eu

sinto dor, olhe minhas mãos.. o problema não é só as mãos, é o joelho, é tudo... parece

que a doutora (reumatologista) não está mais acreditando em mim”. Ao final da sessão,

Madá levanta com dificuldade, reclama dos joelhos ao se por de pé, e não conseguiu

abrir a porta, “Minha mão está sem força, travada, não consigo abrir.”

Certifico-me com a reumatologia e com a fisioterapia das suas condições de

melhora. A avaliação dos pontos dolorosos havia melhorado ao ponto de ser pensado a

alta. A intensidade com que Madá viveu esse momento me fez entender que o meu

atendimento deveria continuar.

Na sessão do dia 8 de setembro, informo-lhe que foi garantido o atendimento

da psicanálise, bem como, uma participação em um grupo de manutenção da

fisioterapia. Ao final desse atendimento, Madá abre a bolsa e retira alguns batons,

pediu-me que escolhesse um. Disse-lhe que não é necessário, depois de sua insistência

entendi que, aquela ação, era o seu pagamento. Parece que aquele presente a autorizou,

deixando-a mais confortável, em ocupar um lugar em meu serviço. Aceitei, porém,

pedi-lhe que escolhesse. Ela abriu um por um, ficou na dúvida e me deu o que tem o

nome de “cereja”. Depois, diz “não sei se era bem esse. Parece que você usa mais pro

rosa, e esse é mais pro vermelho ... quer trocar? Se quiser, eu troco”.

Madá havia passado o feriado de 07 de setembro com os pais. Voltou triste

com a “constatação da pobreza... falta de cuidados consigo mesmo, esforço dos pais já
125

idosos e ainda trabalhando ... acho que deveria ter segurado os meus empregos ... se

tivesse feito isso, hoje poderia está cuidando melhor deles!”, “ Quando eu podia eu

levava tudo, tudo... uma farmacinha”. Nesses dias Madá parece ter constado uma

melhora na sua relação com a irmã.

Segundo Madá, hoje todos os irmãos vivem bem, casados, formados, donos de

lojas (a irmã mais nova), “Fico feliz com isso, mais eles tinham que saber reconhecer o

que fiz”, “Só eu que não casei, não me formei... acho até que fui mãe, mas fiquei com o

lado ruim de ser mãe”. Madá lembra então de um dia chuvoso, que após o longo

caminho que percorria de volta pra casa “com fome e menino (irmãos) pra todo lado”,

ela chega em casa e a porta estava fechada, “... fiquei muito brava. Esmurrei, meti o pé

na porta... que absurdo! Eu era uma criança... com uma peca de filho”, “Eles (pai e mãe)

estavam lá...”. A rivalidade com a mãe era clara. Madá parece não ter alcançado uma

identificação com o lugar simbólico da mãe, para daí poder valorizar a condição de

mulher capaz e amar um homem com quem pudesse fazer um casal.

Madá relata que por vezes se pergunta “por que não aceitou namorar aquele

médico, por que deixou as coisas passarem?!”, em seguida fala que teve um namorado

muito apaixonado. Mas, chateada fala que o namoro começou “sem um pedido”: Era 12

de junho, dia dos namorados, e o rapaz, que já a paquerava, chegou com flores e na hora

de ir embora a beijou, Madá diz não ter gostado, “não era pra ser assim... mas ele não

me pediu... fiquei até com nojo”. Nesse sentido, Freud (1905a/1996) nos alerta que

tomaria por histérica, sem hesitação “qualquer pessoa em que uma oportunidade de

excitação sexual despertasse sentimentos preponderante ou exclusivamente

desprazerosos, fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos” (p.37). Madá

namorou, noivou, chegando inclusive a marcar por duas vezes o casamento, mas Madá

desistia. “Acho que estava cansada daquilo tudo, irmãos, preocupações, obrigações...!”.
126

Madá relata de que gostava muito dele, mas não podia deixar os irmãos, muitos ainda

menores de idade. Neste momento, utiliza as palavras do poeta “... devia ter amado

mais, ter visto o sol se pôr!!!”9. Madá segue em suas associações, fala que o sexo com o

noivo era sentido como algo errado e proibido, “além de não corresponder ao esperado”.

Madá fala que “cedeu” porque uma prima lhe dizia que era maravilhoso, “mas não foi,

ainda tentei mais umas vezes, 2 ou 3!”.

Madá nos diz que “mesmo com tudo isso, ainda se acha uma pessoa normal...

sinceramente, concordo com aquele ditado que diz ‘não existe mulher forte, existe é

cantada fraca’... Acho que não teve ninguém que me tocasse profundamente, as

cantadas foram fracas... acho que ainda pode aparecer uma forte”.

Uma exigência sexual em contraste com uma recusa à esfera sexual, essa

oposição no núcleo da sintomatologia histérica é nomeado por Freud como a “enigma

contradição da histérica” (Freud, 1905/1996, p.156). Vejamos as palavras de Freud,

quando na escrita de seus “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (Freud,

1905b/1996):

O caráter histérico permite identificar um grau de recalcamento sexual

que ultrapassa a medida normal; uma intensificação da resistência à

pulsão sexual (que ficamos conhecendo como vergonha, asco e

moralidade); e uma fuga como que instintiva a qualquer ocupação do

intelecto com o problema do sexo... (Freud, 1905b/1996, p.156).

A vida sexual do histérico constitui um paradoxo, pois, ao mesmo tempo em

que encontramos uma anestesia genital, encontramos também uma erotização

9
Procurei saber sobre esta música e descobri que o seu nome é “Epitáfio”, que significa “inscrição no
túmulo”, segundo definição em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php.
127

generalizada e pulverizada por todo o corpo. Freud (1916-1917/1996) nas suas

conferências introdutórias, traz-nos a ideia acerca da realização de impulsos sexuais

pervertidos que se acham presentes nas sensações e inervações, que encontramos como

sintomas de histeria, em órgãos que não possuem conexão evidente com a sexualidade.

Assim, na sua Conferência XX, ‘A vida sexual dos seres humanos’, Freud (1916-

1917/1996) nos diz que a histeria procura substituir os órgãos genitais por outros

órgãos, que passam a se comportar como órgãos genitais substitutos e, além de sua

função normal, desempenhariam também um papel sexual, erógeno, que, às vezes, se

torna dominante (Freud, 1916-1917 /1996, p. 314).

Durante o mês de Dezembro, após alguns dias passados na casa dos pais, Madá

retorna com algumas lembranças da infância: “Doutora, eu era muito esperta, ajudava

muito minha mãe. Também tinha uma saúde de ferro... todo mundo adoecia menos

eu...quando alguém adoecia, ela (mãe) botava pra dormir junto de mim, pra vê se eu

pegava logo... às vezes eu até queria ficar doente pra poder ser cuidada ao invés de ficar

só dando, cuidando, cansada mesmo ... Um dia eu estava quente, com febre... Eu sabia

que tava com febre, mas só que as minhas febres eram por dentro, interna... eu queria

ficar deitada mas minha mãe não acreditava em mim ... mandava eu sair, me levantar.

Eu nunca tinha o lugar de doente pra receber cuidados.... Eu ficava muito sentida com

minha mãe ... ficava com raiva mesmo...”. As questões relacionadas com o lugar de

doente, com o direito de ser cuidada, trazem certa semelhança com o episódio da alta

dada a ela da reumatologista. Pergunto então sobre o seu sentimento com relação à

médica reumatologista. Ela responde, “fiquei mesmo com muita raiva dela”. Pergunto,

dela quem? Madá responde irritada “Ah, doutora. Das duas, da minha mãe e da R. Ela

me tirou o chão. Eu estava melhorando tanto, aí ela me tira a chance de me cuidar...

Acho que aqui posso falar essas coisas, né?!... quando recebi a chance de ser atendida
128

aqui, pensei: agora vou cuidar de mim”. Falo na possibilidade dessa alta lhe dar a

chance de tentar caminhar na vida sem a necessidade de estar doente. Ela não gosta do

que digo, e responde “não sou disso, se ela (médica) acha que não preciso mais, ou que

devo dá minha vaga pra outra paciente.... vou procurar o SUS é o jeito!”. É interessante

pensarmos que Madá iniciou seu tratamento psicológico, batendo em minha porta,

solicitando a permissão para entrar na vaga de um outro. Solicitando uma vaga, um

espaço, para ser cuidada.

Na sessão seguinte, Madá aparece pontualmente e não toca mais no tema da

alta e nem mesmo na atitude da mãe. Segue falando de uma outra irmã que mora no sul.

Fala que esta irmã estava enfrentando um problema de saúde, “ela me ligou do hospital.

Levei um susto...ela chorava muito, me pedia desculpas ...eu falei pra ela esquecer e

cuidar da saúde dela ... até me ofereci pra cuidar dela”. Porém, algo havia mudado, pois

apesar de ter oferecido cuidados, dessa vez Madá parece não está tão disposta a ocupar

novamente essa função de cuidadora. Madá justifica sua indecisão, fala que tem muito

carinho por sua irmã T., mas que não gosta do marido dela, “Quando eles eram

namorados ele se encheriu pra mim... então ele sabe que eu sei quem ele é”. Foi assim,

“tive um problema e ele foi me pegar no trabalho... no caminho ele olhou para uma

amigo dele (que também estava no carro) e disse, ‘acho que deveria ter ficado é com

essa, olha os olhos dela’... foi um situação muito constrangedora ...ele me elogiando

daquele jeito...”. Este fato parece uma repetição da história de um outro cunhado, a

retição também de um novo triângulo. Pergunto então o nome da irmã dessa história

mais recente. Ela responde, “M.F. é que todas somos Maria. Só quem não é Maria é a

M., mas é também nome de santa”.

Madá segue contando a história do nascimento e origem do nome de sua irmã.

Pergunto, então, pela história do seu nome. Ela responde que “deveria ter sido Maria
129

Antonieta... uma rainha”, mas aos dois meses passou muito mal por causa de um

“quebrante”. Diz que era um bebê muito “bonita, branquinha, gordinha, de olho azul”.

Até que umas visitas chegaram, “abraçaram, beijaram e elogiaram muito a minha

beleza...”. Quando as visitas saíram, ficou mole, teve diarréia, febre, “quase morro...

minha mãe correu pra me batizar... eu tinha dois meses... ela pediu ajuda pra santa do

meu nome”, “acho esse nome muito grande... quando era pequena era difícil de

escrever, eu tinha raiva .... e também as pessoas diminuem, nunca me chamavam pelo

nome todo...”, “... eu acho lindo quando chamam pelo nome todo, assim parece que

estão prestando atenção em você todinha...”, “tinha uma senhora que ajudou agente

quando a mamãe teve o acidente... eu achava lindo quando ela chamava por meu nome e

dizia ‘venha e traga seus irmãos pra merendar’...”, “ Mas, acho que tudo está escrito...

Na bíblia diz: desde o ventre da tua mãe, já te conhecia e te amava... então Ele (Deus)

já sabia meu nome, tudo tem uma história e está escrito como deve ser... Doutora, a

senhora acha que se eu tivesse outro nome as coisas seriam diferentes?”

A sessão chega ao fim e ela me diz que vai procurar saber mais sobre a santa

do seu nome, “até agora o que sei é que toda Maria é uma Santa só. Elas ganham o

nome conforme a cidade que aparecem... A Maria do meu nome foi a única que não

apareceu em lugar nenhum, ela é a mesma que Maria das Dores, que foi quem

acompanhou as sete dores de Cristo! Sete?! É acho que foram sete mesmo.”

Madá, como um bom coringa, desempenhava vários papéis conforme a

demanda identificada no outro. Em determinado momento, travou em uma síndrome de

amplificação dolorosa. Um quebrante teria agido, com a força de sua precocidade, de

modo a tornar possível uma predisposição, não de um órgão específico, mas sim do

próprio corpo como um possibilidade de expressão para a complacência somática.


130

Podendo, desta forma, a conversão somática agir nos moldes das dores itinerantes da

fibromialgia.

Diante do já exposto podemos pensar que Madá não chegou como previsto,

ainda no ventre de sua mãe, ao lugar de rainha, lugar de reconhecimento e respeito por

todos. O que lhe restou foi a parte ruim de ser mãe, o lado do sacrifício de Maria que

acompanha os filhos, com a função materna de trabalho sem direito a férias até a

demissão. O que lhe restou também foi um pagamento de uma dívida, contraída por sua

mãe, pelo restabelecimento de sua saúde ameaçada por um quebrante. Nas palavras de

Freud:

A identificação pode provir do complexo de Édipo; nesse caso,

significa um desejo hostil, por parte da menina, de tomar o lugar da

mãe, e o sintoma expressa seu amor objetal pelo pai, ocasionando

realização, sob a influência do sentimento de culpa, de seu desejo de

assumir o lugar da mãe: ‘você queria ser sua mãe e agora você a é- pelo

menos, no que concerne a seus sofrimentos’. Esse é o mecanismo

completo da estrutura de um sintoma histérico. Ou, por outro lado, o

sintoma pode ser o mesmo que o da pessoa amada (Freud, 1921/1996,

p.116).

Nos textos freudianos relativos à primeira teoria pulsional, encontramos a

identificação em duas vertentes: uma, relacionada aos sintomas histéricos, e outra

relacionada à constituição do laço social, tal como é discutida em “Totem e Tabu”

(1913/1996), com a identificação ao pai e entre os irmãos.


131

Em seu texto sobre a “Psicologia de grupo e a análise do ego” (1921/1996),

Freud se dedica mais minuciosamente ao problema da identificação, e salienta que esta

pode ser entendida de três modos: 1) O primeiro tipo de identificação, originária, está

situado em um momento anterior ao complexo de Édipo, portanto é um processo de

constituição de laço que não está submetido ao recalque, “a mais remota expressão de

um laço emocional com outra pessoa” (p.115). 2) Já o segundo tipo, a exemplo da

Madá, é uma identificação que substitui a escolha de objeto, sendo desse modo derivada

do complexo de Édipo. Nas palavras de Freud, “... a identificação apareceu no lugar da

escolha de objeto e que a escolha de objeto regrediu para a identificação... o ego assume

as características do objeto”. (FREUD, 1921/1996, p.116). 3) Ele introduz um terceiro

tipo, “no qual a identificação deixa inteiramente fora de consideração qualquer relação

com o objeto com a pessoa que está sendo copiada” (p.117).

Para exemplificar esse terceiro tipo de identificação, Freud (1921/1996) nos

traz o exemplo das moças do pensionato. Vejamos um trecho do caso que Freud

(1921/1996) nos traz como exemplo:

Suponha-se, por exemplo, que uma das moças de um internato receba

de alguém de quem está secretamente enamorada uma carta que lhe

desperta ciúmes e que ela reaja por uma crise histérica. Então, algumas

de suas amigas que são conhecedoras do assunto pegarão a crise, por

assim dizer, através de uma infecção mental. O mecanismo é o da

identificação baseada na possibilidade ou desejo de colocar-se na

mesma situação... Um determinado ego percebeu uma analogia

significante com outro sobre certo ponto... uma identificação é logo

após construída sobre esse ponto e, sob a influência da situação


132

patogênica, deslocada para o sintoma que o primeiro ego produziu.

(FREUD 1921/1996, p.117, grifo nosso).

Nesse momento, a leitura desse texto se torna confusa, pois Freud traz um

pensamento ambíguo, na medida em que passa a chamar de identificação histérica uma

identificação que não é a identificação responsável pela formação do sintoma histérico.

Aqui, Freud chama de identificação histérica aquela que mais se aproxima de uma

contaminação psíquica.

Ainda dentro das considerações acerca do segundo modo de identificação,

denominado tipo regressivo, pensamos então na identificação de nossa paciente Madá

com seu pai, que através de suas dores, de sua queixa de não saber conversar, e das

gesticulações de suas mãos, nos faz entender que em razão de seu amor incestuoso, o eu

assumiu algumas características do objeto. Porém, Madá apresenta também traços

identificatórios com a mãe, “o lado ruim de ser mãe”, e com isso revela o desejo de

ocupar o lugar desta junto ao pai. Vejamos o que Freud (1921/1996) nos diz:

... frequentemente acontece que, sob as condições em que os sintomas

são construídos, ou seja, onde há recalque e os mecanismos do

inconsciente são dominantes, a escolha de objeto retroaja para a

identificação: o ego assume as características do objeto. É de notar que,

nessas identificações, o ego às vezes copia a pessoa que não é amada e,

outras, a que é. Deve também causar-nos estranheza que ambos os

casos a identificação seja parcial e extremamente limitada, tomando

emprestado apenas um traço isolado da pessoa que é objeto dela

(p.116/117).
133

Madá com sua história de dor, de auxílio e de amor, nos apresenta um rico
percurso analítico. Madá correspondeu com sucesso à regra de associar livremente, e
sua posição na transferência trouxe evidências de uma identificação com a analista.
Dentre estas evidências, destacamos dois presentes oferecidos a analista. O primeiro já
relatado anteriormente, um batom cor de cereja. Aliado a este, uma mudança
significativa em sua aparência. Em seu ritmo próprio, Madá começou a fazer as pazes
com sua feminilidade. Vestia-se melhor, usava sempre um suave batom rosa, ajustou os
óculos, e solicitou encaminhamento para corrigir a prótese dentária. A posição na
transferência ofereceu a Madá uma possibilidade de reconciliação com sua
feminilidade.
Em dezembro, após já ter comunicado o encerramento dos atendimentos, recebo
um livro que traz em seu título “Um olhar que cura: Terapia das doenças espirituais”.
No oferecimento, um agradecimento por minha “atenção e cuidado”, acompanhado de
um trecho bíblico através do qual Madá revela uma aposta feita em um saber suposto à
figura da analista;

“A sabedoria é resplandecente, não murcha, mostra-se facilmente


aqueles que a amam. Ela se deixa encontrar por aqueles que a
buscam. Ela se antecipa, revelando-se espontaneamente aos que a
desejam” (sb, 6, 12-13)

Madá recusa a possibilidade de continuar em atendimento com outra


profissional, no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da Unifor. Permanece em
atendimento em um grupo de manutenção, através do qual lhe é oferecido um
atendimento fisioterapêutico semanal com o objetivo de fortalecimento muscular, e
também participações grupais em tarefas multidisciplinares.
134

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Toda a ciência provém da dor. A dor


procura sempre a causa das coisas,
enquanto o bem-estar se inclina a estar
quieto e a não olhar para trás.”
( Stefan Zweig)

O mundo contemporâneo é um mundo marcado por uma dinâmica capitalista e

consumista, que através de uma sutil promessa de completude, alia-se ao discurso

médico científico, passando a interpretar o sofrimento psíquico como algo da ordem do

orgânico, e desse modo alimenta a ilusão do encontro com o objeto que tamponará a

falta inerente à condição humana. Hoje, a condição de tragicidade humana parece está

mais reconhecida pelos discursos artísticos e literários do que pelos discursos

científicos. É nesse contexto que a histeria persiste existindo através de novas roupagens

e novos diagnósticos do arsenal médico, dentre os quais destacamos a fibromialgia.

A habilidade de mudar os destinos de seu endereçamento faz da plasticidade

uma característica marcante da histeria. Hoje, o discurso dominante é o da medicina e é

a este que a histérica dirige sua demanda, atingindo como sucesso uma posição digna de

paciente. Na fibromialgia, assim como na histeria, não encontramos justificativas

orgânicas. O caráter enigmático aliado à plasticidade e à trama identificatória presente

na formação do sintoma, sobretudo, a escuta clínica, reforçam a nossa hipótese da dor

fibromialgica como uma manifestação contemporânea da histeria.

Realizar uma pesquisa acerca de uma dor limitante em um mundo sem limites

nos possibilitou avançar nas reflexões sobre o sofrimento psíquico na

contemporaneidade, e também, estimulou-nos no enfrentamento do desafio de falar

sobre um tema tão próximo da nossa condição humana, mais ainda, pouco explorado

pela psicanálise - a dor. O desafiou fica ainda maior se considerarmos que a patologia
135

que nos serviu de guia nesse estudo é uma patologia relativamente nova e também

pouco explorada.

Acreditamos que a escuta psicanalítica tem função primordial na restauração da

lógica, que colocará em curso o movimento de associação necessário para desvendar o

sofrimento envolvido na dor fibromiálgica. Compartilhamos com Leite e Pereira (2003)

a ideia de que, “para que a dor possa mover-se, transformando gemidos em palavras, é

preciso aproximar-se do seu núcleo, ‘a memória da dor’, permitindo que a paciente

compartilhe suas memórias, aliviando, com sorte, o tormento que ecoa amplificado em

seu retraimento narcísico” (p.103). Assim, apresentamos articulações possíveis entre as

manifestações histéricas e as fibromiálgicas, para propor o lugar do trabalho analítico

como possibilidade de expressão daquilo que é (re)velado por uma dor que encontra

impossibilidade de expressão em palavras.

Podemos afirmar que a dor fibromiálgia desafia tanto a medicina quanto a

psicanálise. Assim, concluímos esta pesquisa ainda com muitas interrogações e

ressaltando o caráter inesgotável da clínica. Evidenciamos que há certa especificidade

da dor na fibromialgia, no sentido em que algo escapa a contenção de um sintoma. Pois,

ao contrário da histeria digamos clássica, a fibromialgia não se apresenta na bela

indiferença outrora testemunhada por Charcot. Ao contrário, na fibromialgia existe dor,

muita dor, sendo este o seu principal sintoma. Uma dor inclusive que é intinerante,

percorre vários pontos do corpo sem ao menos conseguir escolher um órgão. Então,

seria a dor fibromiálgica o testemunho de um fracasso da conversão?!

Freud (1923/1996) já nos dizia que as sensações de natureza desprazerosas, ao

contrário das prazerosas que são conservadoras, “impelem no sentido da mudança...”

(p.36). O estudo da psicanálise nos mostra que apenas quando o sintoma (representante

de um conflito) vacila ao não corresponder ao compromisso entre o eu e o recalcado que


136

a angústia irrompe e mobiliza uma atitude em busca de alívio, demarcando um conflito

subjacente à queixa veiculada. Abre-se então uma função para o tratamento através da

palavra.

Certamente, essas indagação acerca da dor fibromiálgica nos convoca para

desdobramentos futuros, porém, ainda em defesa de nosso pensamento, gostaríamos de

expor uma última reflexão: Já nos é conhecido que a ‘complacência somática’ oferece

aos processos psíquicos inconscientes uma saída corporal (Freud, 1905a/1996, p.48/49).

Laplanche e Pontalis (2008) nos trazem a seguinte definição para complacência

somática:

Expressão introduzida por Freud para referir a ‘escolha da neurose’

histérica e a escolha do órgão ou do aparelho corporal sobre o qual se

dá a conversão. O corpo – especialmente nos histéricos - ou

determinado órgão em particular forneceria um material privilegiado à

expressão simbólica do conflito inconsciente (p.69, grifo nosso).

Diante disso, na medida em que “a expressão ‘complacência somática’

pretende explicar não mais apenas a escolha de determinado órgão do corpo, mas a

escolha do próprio corpo como meio de expressão” (Laplanche e Pontalis, 2008, p.70),

somos mais uma vez levados a cogitar a relação entre histeria e fibromialgia. Sendo esta

última, atualmente, considerada como uma síndrome de amplificação dolorosa.

De todo nosso percurso de pesquisa e clínica, fica a certeza de que o tratamento

da dor fibromialgica exige uma convergência de vários campos do saber. A dor, por sua

característica de limite, já indica que esse deve ser o caminho – os campos do SABER.

Caminhamos com Madá, e constatamos que sua última lágrima não foi de dor!
137

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143

ANEXOS
144

ANEXO I

TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO

Você está sendo convidado a participar da pesquisa “Fibromialgia x


Psicanálise: A escuta do corpo que sofre sem palavras” que eu, Iracema do
Ceará Guimarães, desenvolvo na qualidade de mestranda em Psicologia na
Universidade de Fortaleza – UNIFOR, sob a orientação da PROFª.DRª. Maria
Celina Peixoto Lima. Esta pesquisa tem como objetivo geral investigar a
Fibromialgia a partir de uma escuta clínica orientada pela Psicanálise.

Não há nenhum risco relacionado à sua participação, pois esta pesquisa é uma
pesquisa clínica que acontecerá mediante sua livre aceitação da proposta de
atendimento psicológico que acontecerá semanal, e individualmente, para oferecer
uma escuta dos aspectos psíquicos que envolvem pacientes com diagnóstico de
Fibromialgia. É importante deixar claro que sua inclusão nesse estudo só será
permitida após a leitura, compreensão, e aceitação deste Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE). Este termo foi elaborado segundo a resolução 196/96
do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, garantindo portanto o direito à
informação, à isenção de custos adicionais, à garantia de manutenção do tratamento
mesmo após o término da pesquisa, à aceitação livre e o direito de desistir a
qualquer momento da pesquisa, não tendo nenhum tipo de prejuízo para sua pessoa
e seu tratamento. Fica garantido também que todas as informações colhidas neste
trabalho somente serão utilizadas para objetivos científicos da atual pesquisa e,
ficará em sigilo sendo preservado o anonimato dos participantes.

A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido confirmará o


acordo com a proposta dessa pesquisa e, desta forma, autorizará o início de sua
participação. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone da
pesquisadora, pelo qual poderá tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação,
agora ou a qualquer momento.

A sua participação em qualquer tipo de pesquisa é voluntária. Em caso de


dúvidas quanto aos seus direitos, procure o Comitê de Ética em Pesquisa em Seres
145

Humanos (COÉTICA- UNIFOR) localizado na Av. Washinton Soares, nº 1321,


Bairro Edson Queiroz, CEP: 60.811-905, Tel: 34773122, ou coetica@unifor.br. A
pesquisadora coloca-se a sua disposição para maiores esclarecimentos pelo telefone
(85) 91373244.

Depois de esclarecido os pontos principais da pesquisa e ciente de que sua


participação é de grande importância para a realização desse trabalho, agradeço e
solicito sua colaboração assinando o seguinte termo:

Eu,____________________________________________________, ______
anos, portadora de RG n°____________________, declaro que é de livre e espontânea
vontade que estou participando como voluntário da pesquisa “Fibromialgia x
Psicanálise: A escuta do corpo que sofre sem palavras”.

Eu afirmo que li cuidadosamente este Termo de Consentimento Livre e


Esclarecido e que, após sua leitura tive oportunidade de fazer perguntas sobre o
conteúdo do mesmo, como também sobre a pesquisa e recebi explicações que
responderam por completo minhas dúvidas. E declaro ainda estar recebendo uma cópia
assinada deste Termo.

Fortaleza ____/ ___/ _____

__________________________________/___________________________
Nome do Voluntário Assinatura

_________________________________ /___________________________
Nome do Pesquisador Assinatura

_________________________________ /___________________________
Nome do Profissional que aplicou o TCLE Assinatura
146

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