Você está na página 1de 285

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA – UNIFOR

Vice-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação – VRPPG

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Doutorado em Psicologia

FENOMENOLOGIA CLÍNICA DO TEMPO VIVIDO NA

ANSIEDADE

Clinical Phenomenology of Lived Time in Anxiety

CAMILA PEREIRA DE SOUZA

Fortaleza

2020
2

CAMILA PEREIRA DE SOUZA

Fenomenologia Clínica do Tempo Vivido na Ansiedade

Clinical Phenomenology of Lived Time in Anxiety

Tese apresentada à Coordenação do Programa de

Pós-Graduação em Psicologia da Universidade

de Fortaleza – UNIFOR, como requisito para

obtenção de título de Doutor. Linha de Pesquisa:

Produção e Expressão Sociocultural da

Subjetividade. Projeto de Pesquisa:

Fenomenologia Crítica do Adoecer: Estudos em

Psicopatologia e Psicoterapia.

Orientadora: Profª. Drª. Virginia Moreira.

Fortaleza

2020
3
4

Universidade de Fortaleza – UNIFOR


Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Produção e Expressão Sociocultural da Subjetividade

Tese intitulada "Fenomenologia clínica do tempo vivido na ansiedade", de


autoria da doutoranda Camila Pereira de Souza, aprovada pela banca
examinadora constituída pelos seguintes professores:

______________________________________________________________
Profa. Dra. Virginia Moreira (UNIFOR) - Orientadora

______________________________________________________________
Profa. Dra. Anna Karynne da Silva Melo (UNIFOR) - Membro efetivo

______________________________________________________________
Profa. Dra. Luciana Maria Maia Viana (UNIFOR) - Membro efetivo

______________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo (UERJ) - Membro efetivo

______________________________________________________________
Prof. Dr. Guilherme Peres Messas (FCMSCSP) - Membro efetivo

Fortaleza, 14 de Outubro de 2020.

Visto: Profa. Dra. Normanda Araujo de Morais


Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
UNIFOR

Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz- Fortaleza, CE – 60.811-905 – Brasil - tel: 55 (0**85) 3477-3000
5

AGRADECIMENTOS

À minha família, em especial a meus pais, Taciana e Geraldo, pelo amor, carinho e
apoio incondicional, por me impulsionarem a ir além com a segurança de ter para onde
retornar.

Ao meu marido, Lívio, pelo amor e companheirismo cotidiano, que deram um toque de
leveza e alegria especial durante esse percurso.

Ao Luke, meu filhote de quatro patas e coautor favorito, que esteve ao meu lado na
escrita de todos os capítulos desta tese.

À minha orientadora, professora Virginia Moreira, fonte de inspiração e que tanto me


ensinou ao longo de toda a minha trajetória profissional. Agradeço o carinho, o cuidado,
a parceira e a confiança depositada em mim.

À professora Karynne, pelo suporte e disponibilidade em acompanhar a construção


desse trabalho. Suas colocações, sempre precisas, foram fundamentais para a minha
formação como psicóloga e pesquisadora.

Aos meus amigos, queridos e especiais, que o universo da pesquisa me proporcionou


fortalecer e estreitar laços, Rosa, Louise, Caroline, Juliana, Marília e Will. Vocês
tornaram esse percurso mais leve, feliz, cheio de cor e vivacidade. Obrigada por todos
os dias!

Ao Lucas, amigo que tanto admiro, sou grata pela parceria, disponibilidade e escuta nos
momentos de angústia.

À Márcia, por ter sido fonte de apoio e cumplicidade. Obrigada pelo ombro amigo e
acolhedor em tantos momentos, pelas risadas, conversas e cafés. Sua presença foi
essencial ao longo desse percurso.

À Fernanda, amiga de longa data, com quem tenho dividido novos sonhos e desafios.
Sou grata pela paciência, confiança e por me ensinar, todos os dias, a delicadeza do
cuidado ao outro.

Aos colegas do APHETO, pelas ricas trocas de conhecimento e pelos felizes encontros
compartilhados.

Aos membros da banca, Profa. Dra. Anna Karynne Melo, Profa. Dra. Luciana Maia,
Profa. Dra. Ana Feijoo e Prof. Dr. Guilherme Messas por suas valiosas contribuições na
construção desta tese.

Ao prof. Dr. Andrea Caprara pela participação em minha banca de qualificação.

Às participantes da pesquisa, Clarice, Rachel e Cecília, cujas histórias e experiências


compartilhadas deram vida a este trabalho.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo


suporte financeiro para a realização desta pesquisa.
6

RESUMO

A ansiedade, no cenário contemporâneo, é comumente retrata como sintoma ou como


transtorno mental, a saber: os transtornos de ansiedade. Mas para além de seus traços
mórbidos, a ansiedade faz parte da dinâmica da vida humana, pois é uma condição
própria de nossa existência engajada no mundo. Nesta tese, nos situamos no eixo da
fenomenologia clínica, área que nos permitiu compreender os modos de ser da
experiência de adoecer e os seus significados para quem a vivencia. Dentre as condições
que possibilitam a constituição dos mundos vividos (psico)patológicos, encontramos o
tempo vivido. Este corresponde a algo basal, que fundamenta a fonte originária de
nossas experiências – o Lebenswelt. É na abertura oriunda de nosso engajamento
intersubjetivo com o mundo, que o tempo vivido se atrela à ansiedade. Tivemos como
objetivo geral compreender o tempo vivido na ansiedade em distintos mundos vividos
(psico)patológicos, pois percebemos que a ansiedade transita em contextos variados,
mas manifesta diferentes significados. Para apresentar esta discussão, dividimos esta
tese em cinco capítulos. Os três primeiros são estudos teóricos que apresentam a
questão tempo vivido e os estudos da ansiedade na fenomenologia clínica. No que se
refere à construção metodológica, realizamos pesquisa qualitativa inspirada no método
fenomenológico crítico, mas o utilizamos para a elaboração de estudos de casos
fenomenológicos por meio de um instrumento dividido em duas etapas, a saber: o
encontro clínico e o relato descritivo. A pesquisa de campo foi realizada no Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) Geral da Secretaria Executiva Regional (SER) III,
localizado no município de Fortaleza-CE, e possibilitou a construção dos casos clínicos
de Clarice, Rachel e Cecília. No primeiro caso clínico – A incessante espera de Clarice
em seu “mundo de sonhos” –, encontramos a ansiedade entrelaçada um modo de
funcionamento psicótico e seu sentido se expressa por meio da fragmentação do tempo
vivido de Clarice. No segundo caso – Rachel e a ansiedade de “correr o mundo” –, a
participante encontra-se aprisionada diante um futuro sem cor e sem direção. Ansiedade
e angústia se aproximam como expressões de um mesmo vivido. Por fim, no estudo de
caso A “dor na alma” de Cecília, a vulnerabilidade existencial da participante se
desvela como abertura para a experiência vivida na ansiedade. Importante destacar que
nos dois últimos casos clínicos, a ansiedade estava atrelada ao vivido depressivo por
meio da dessincronização do tempo vivido. Enfatizamos que a compreensão dos
mundos vividos das participantes desta tese (Clarice, Rachel e Cecília) nasceu de um
processo dialético, sem síntese e sempre aberto na interseção da relação construída ao
longo dos encontros clínicos. Estes comportaram o entrelaçamento dos mundos vividos
das participantes como a pesquisadora como uma co-experiência, sempre em status
nascendi, por meio da qual pudemos acessar e compreender o tempo vivido na
ansiedade.

Palavras-chave: ansiedade; tempo; fenomenologia; clínica; Lebenswelt.


7

ABSTRACT

Anxiety, in the contemporary setting, is commonly portrayed as a symptom or as a


mental disorder as anxiety disorders. But in addition to its morbid features, anxiety is
part of the dynamics of human life, as it is a condition of our existence engaged in the
world. In this thesis, we are located on the axis of clinical phenomenology, an area that
allowed us to understand the ways of being of the experience of falling ill and their
meanings for those who experience it. Among the conditions that enable the constitution
of (psycho)pathological lived worlds, we find the lived time. This corresponds to
something fundamental, which underlies the original source of our experiences -
Lebenswelt. It is in the opening that comes from our intersubjective engagement with
the world that the lived time is linked to anxiety. We had as a general objective to
understand the lived time in anxiety in different (psycho)pathological lived worlds,
because we perceive that anxiety transits in different contexts, but manifests different
meanings. To present this discussion, we have divided this thesis into five chapters. The
first three are theoretical studies that present the question of lived time and anxiety
studies in clinical phenomenology. With regard to methodological construction, we
carried out qualitative research inspired by the critical phenomenological method, but
we used it to develop phenomenological case studies using an instrument divided into
two stages, namely: the clinical encounter and the descriptive report. The field research
was carried out in the General CAPS located in the city of Fortaleza-CE, and made it
possible to build the clinical cases of Clarice, Rachel and Cecília. In the first clinical
case - The incessant waiting for Clarice in her “world of dreams” - we find anxiety
intertwined with a mode of psychotic functioning and its meaning is expressed through
the fragmentation of Clarice's lived time. In the second case - Rachel and the anxiety of
“running the world” - the participant is trapped before a future without color and
without direction. Anxiety and anguish come together as expressions of the same
experience. Finally, in the case study Cecília's “pain in the soul”, the participant's
existential vulnerability is revealed as an opening to the experience lived in anxiety. It is
important to highlight that in the last two clinical cases, anxiety was linked to the
depressed experience through the desynchronization of the lived time. We emphasize
that the understanding of the lived worlds of the participants in this thesis (Clarice,
Rachel and Cecília) was born from a dialectical process, without synthesis and always
open at the intersection of the relationship built during clinical encounters. These
involved the interweaving of the participants' experienced worlds as the researcher as a
co-experience, through which we were able to access and understand the lived time in
anxiety.

Key-words: anxiety; time; phenomenology; clinic; Lebenswelt.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................11

Capítulo 01 – O tempo da tradição da fenomenologia filosófica...............................27

1.1. Husserl e a consciência interna do tempo........................................................28

1.1.1. A origem do tempo e a crítica à Brentano...........................................29

1.1.2. A análise da consciência do tempo em Husserl: retenção, protensão e

a consciência absoluta........................................................................................35

1.1.3. Tempo, Lebenswelt e a crise das ciências europeias............................46

1.2. A fenomenologia do tempo em Merleau-Ponty..............................................53

1.2.1. O tempo na estrutura do comportamento...........................................54

1.2.2. O tempo na unidade do corpo próprio.................................................63

1.2.3. A síntese do tempo na constituição do Lebenswelt..............................71

1.2.4. A ‘carne do tempo’ na ontologia de Merleau-Ponty...........................78

Capítulo 02 – O tempo vivido na fenomenologia clínica............................................86

2.1. A experiência sensível do tempo.......................................................................87

2.2. O ímpeto vital na dinâmica do tempo vivido...................................................92

2.3. Tempo e subjetividade.......................................................................................99

2.4. A (des)sincronização da experiência do tempo............................................106

Capítulo 03 – Estudos da ansiedade: diálogos com a fenomenologia clínica.........115

3.1. Do sintoma ao fenômeno na ansiedade..........................................................116

3.2. A ansiedade e suas aproximações e distanciamentos com o medo, a angústia

e a vulnerabilidade...........................................................................................124

3.3. Da modernidade à pós-modernidade: ansiedade, cultura e aceleração......135


9

Capítulo 04 – Método..................................................................................................144

4.1. Delineamento do estudo...................................................................................144

4.1.1. A pesquisa fenomenológica crítica na investigação qualitativa.........144

4.1.2. O estudo de caso fenomenológico.........................................................148

4.2. O local da pesquisa...........................................................................................150

4.3. Os participantes da pesquisa...........................................................................153

4.4. Procedimentos para a realização da pesquisa...............................................154

4.5. Instrumento da pesquisa.................................................................................160

4.6. Construção dos estudos de casos fenomenológicos.......................................164

4.7. Cuidados éticos da pesquisa............................................................................164

Capítulo 05 – Estudos de casos fenomenológicos......................................................168

5.1. A incessante espera de Clarice em seu “mundo de sonhos”.........................168

5.1.1. Descrição do Caso Clínico.....................................................................168

5.1.2. A experiência de se sentir ansiosa e a corporeidade...........................171

5.1.3. A incerteza e a inquietude na espera....................................................174

5.1.4. A não aceitação e a ansiedade...............................................................179

5.1.5. O medo e a fuga para o mundo dos sonhos.........................................183

5.1.6. Dessincronização, ansiedade e hiperreflexividade..............................186

5.2. Rachel e a ansiedade em “correr o mundo”..................................................193

5.2.1. Descrição do Caso Clínico.....................................................................193

5.2.2. Entre o movimento e a paralisação no mundo vivido de Rachel.......195

5.2.3. A medicalização na experiência de ser ansiosa...................................205

5.2.4. Ansiedade e Angústia na solidão de Rachel.........................................209

5.3. “A dor na alma” de Cecília ............................................................................216


10

5.3.1. Descrição do Caso Clínico.....................................................................216

5.3.2. Violência e Vulnerabilidade no vivido de Cecília...............................218

5.3.3. Tempo, ansiedade e vulnerabilidade na relação com Outrem...........223

5.3.4. A “carne do tempo” na ansiedade de Cecília......................................232

5.3.5. A (res)sincronização do tempo no mundo vivido de Cecília..............236

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................240

ANEXOS.......................................................................................................................249

REFERÊNCIAS...........................................................................................................265
11

INTRODUÇÃO

A ansiedade é um fenômeno que ressoa ao longo da história da humanidade. Ela

põe em dúvida a própria condição de ser dos indivíduos, alterando seus comportamentos

e exacerbando suas emoções. Mas foi apenas em meados do século XIX que a

ansiedade passou a estar interligada à condição de adoecimento ao aparecer descrita em

textos e evidências clínicas, os quais destacaram seu funcionamento alterado como

sintoma pela medicina (Berrios & Link, 2012).

O percurso clínico da ansiedade demonstra sua construção como sintoma e,

posteriormente, como transtorno de acordo com o momento em que ela estava inserida.

Havia certa confusão histórica nos estudos dos sintomas da ansiedade, questão que

ainda se faz presente nos dias de hoje. Durante décadas só se conheciam suas aparições

somáticas devido às queixas físicas dos pacientes, as quais eram consideradas como

doenças fisiológicas e tratadas em domínios médicos variados, tais como a medicina

cardiovascular, gastrointestinal e neurológica (Berrios & Link, 2012; Clark, 2012),

mantendo-se distante do campo psicopatológico.

Em 1813, surge a primeira definição de ansiedade como um tipo de

desorganização mental. Augustin Jacob Landré-Beuvais (1772-1840) descreve tal

desorganização como um estado de alteração emocional com reações fisiológicas

(Vianna, Campos & Landeira-Fernandez, 2010). Conhecida como queixa nervosa, a

ansiedade aparecia com mais frequência nas situações da vida cotidiana burguesa

(Clark, 2012).

Após os anos 1820, a ansiedade passou a ser descrita como estado mental

oriundo de experiências humanas normais que podiam se converter em formas de


12

estresse ou como “uma causa potencial de insanidade” (Berrios & Link, 2012, p. 881),

isso a insere timidamente na prática psiquiátrica como sintoma, mas com baixa

associação aos transtornos mentais graves.

No início do século XX, a ansiedade passa a ser conceituada como neurose,

sobretudo devido aos trabalhos de Sigmund Freud no campo da psicanálise (Vianna,

Campos & Landeira-Fernandez, 2010; Berrios & Link, 2012). Até então, as neuroses

tradicionais evidenciadas pela psiquiatria se resumiam à histeria e à hipocondria. A

ampliação deste quadro clássico foi intitulada como novas neuroses e, em seu conjunto,

os transtornos de ansiedade foram inseridos ao lado da neurastenia, da depressão

neurótica, do transtorno obsessivo-compulsivo e da neurose vascular (Clark, 2012).

A inserção da ansiedade no contexto psiquiátrico resultou na elaboração de seu

quadro semiológico, o qual se manifestou de duas formas. Inicialmente, encontramos os

sintomas somáticos, tais como dor abdominal, náusea, vertigem, tontura, palpitações,

falta de ar e outras ocorrências corporais. Por fim, a ansiedade também passou a

apresentar sintomas subjetivos, são eles: medo, terror, despersonalização, obsessões e

etc. Estes podiam variar e aparecer em combinações diferentes de acordo com aspectos

sociais, culturais e individuais (Berrios & Link, 2012).

Além de ser encontrada como sintoma em diversos transtornos psiquiátricos

graves, com alta incidência de mortes e risco de suicídio, a ansiedade foi classificada

como transtorno propriamente dito ao se apresentar demasiada ou persistentemente em

relação ao elemento que a desencadeia. Em outras palavras, quando os sintomas de

ansiedade são primários, ou seja, não derivam de comorbidades psiquiátricas e não

podem ser explicados por elas – depressões, psicoses, transtornos do desenvolvimento,


13

etc. (American Psychiatric Association, 2014; Castillo, Recondo, Asbahr & Manfro,

2000; Machado, Ignácio, Jornada, Réus & Abelaira, 2016).

As estatísticas epidemiológicas mostram a prevalência da ansiedade na

população em geral, mas priorizam dados referentes à sua classificação nosológica,

informando que, atualmente, os transtornos de ansiedade são os mais prevalentes em

meio aos quadros clínicos que acometem a população (Castillo et al., 2000; Machado et

al., 2016; Brentini, Brentini, Araújo, Aros & Aros, 2017; Mangolini, Andrade & Wang,

2019). Estes transtornos afetam uma vasta quantidade de pessoas e, no Brasil, os dados

indicam que 9,3% da população brasileira (18.657.943 de habitantes) apresentam

transtornos de ansiedade (WHO, 2016; 2017).

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais

(DSM-V), há nove tipos distintos de transtornos de ansiedade, a saber: transtorno de

ansiedade de separação; mutismo seletivo; fobia específica; transtorno de ansiedade

social (fobia social); transtorno de pânico; agorafobia; transtorno de ansiedade

generalizada (TAG); transtorno de ansiedade induzido por substância/medicamento e

transtorno de ansiedade devido a outra condição médica. O que os diferencia entre si é o

tipo de objeto ou situação que leva ao medo, ansiedade e comportamento de esquiva,

sendo eles os sintomas mais presentes nos quadros clínicos mencionados (American

Psychiatric Association, 2014). A Classificação Internacional das Doenças (CID-10)

nomeia os transtornos de ansiedade como transtornos neuróticos e apresenta

classificação semelhante ao DSM-V (OMS, 1996).

Vale destacar, entretanto, que além dos elevados índices epidemiológicos dos

transtornos de ansiedade, esta condição também se faz presente em outros quadros

patológicos. Sua maior prevalência é em relação aos transtornos depressivos (Mangolini


14

et al., 2019), embora também possa estar associada ao transtorno bipolar (Kinrys,

Bowden, Nierenberg, Hearing, Gold, Rabideau, Sylvia, Gao, Kamali, Bobo, Tohen,

Deckersbach, McElroy, Ketter, Shelton, Friedman, Calabrese, McInnis, Kocsis, Thase,

Singh, Reilly-Harrington, 2019), ao transtorno obsessivo compulsivo (Mangolini et al,

2019), a esquizofrenia (Buonocore, Bosia, Baraldi, Bechi, Spangaro, Cocchi, Bianchi,

Guglielmino, Mastromatteo & Cavallaro, 2019), dentre outros, o que aumenta ainda

mais a incidência da ansiedade na população.

É nesse sentido que nos deparamos, frequentemente, com a aproximação da

ansiedade com os fenômenos mórbidos, seja na psicopatologia, na psiquiatria ou na

psicologia (Teixeira, 2006). Além de poder ser considerada uma forma de adoecimento

em si, como transtornos de ansiedade, ela passa a transitar em outros quadros

patológicos. Somado a este fator, nos deparamos em nossa cultura com certa dificuldade

em se lidar com o sofrimento. Como assinala Pinto (2017), “cada vez mais pessoas

preferem se anestesiar” (p. 96), o que contribui para um aumento significativo do

consumo de ansiolíticos em países ocidentais (Azevedo, Araujo & Ferreira, 2016),

contribuindo para o enquadre da ansiedade à condição de doença ou sintoma.

É importante destacar que as variadas concepções da ansiedade no decorrer dos

séculos, ora como doença orgânica, ora como neurose e, por fim, como transtorno,

auxiliaram sua formação e consolidação nos campos psiquiátricos e psicopatológicos.

Estes, por sua vez, evidenciaram a supremacia dos sintomas e, como afirma Tatossian

(1979/2006), “os sintomas médicos tendem, assim, a serem cada vez mais precisos,

isolados e sempre reconhecíveis por si mesmos” (p. 39-40), haja vista que eles

sinalizam que algo está acontecendo com o sujeito a nível comportamental e expressam
15

apenas pequenos fragmentos da realidade, pois não fazem alusão à totalidade da

experiência vivida.

Retratar o percurso histórico da ansiedade, e o seu delineamento nosológico e

epidemiológico, nos auxiliou a entender as manifestações mórbidas desse fenômeno na

contemporaneidade. Esta visão incorpora uma perspectiva psiquiátrica tradicional ainda

marcada pela objetividade dos sintomas e por suas características patológicas universais

ao deixar escapar os aspectos singulares de quem vivencia a ansiedade.

Cada vez mais centrada na experimentação e em métodos cientificistas, a

psiquiatria clássica buscou nas alterações biológicas a origem ou os marcadores

específicos para o diagnóstico da doença mental (Schneider, 2009). Mas há aqui um

problema, pois como apontam Messas e Fukuda (2018) ainda não existe um consenso

sobre a natureza do objeto psicopatológico. Esse debate, embora atual, está em vigor há

mais de um século no campo da psicopatologia e põe em questão o dualismo

mente/corpo.

Os questionamentos sobre a abordagem dos transtornos mentais na psiquiatria

clássica ganham força com a publicação da obra Psicopatologia Geral, em 1913, por

Karl Jaspers. Ao invés de uma incessante busca das causalidades determinantes das

doenças mentais pelas vias mecanicistas do corpo, caberia ao clínico adotar uma postura

compreensiva para alcançar a totalidade da experiência de adoecer, pois esta tem

morada na própria existência humana (Jaspers, 1912/2005; Rodrigues, 2005; Messas,

2014; Fukuda & Tamelini, 2016).

Jaspers (1912/2005) recorre ao método fenomenológico de Edmund Husserl

(1959-1938), fundador da fenomenologia como campo filosófico, para alcançar o viés

compreensivo e descritivo do adoecimento mental que carecia à psiquiatria de sua época


16

(Schneider, 2009; Messas, 2014; Fukuda & Tamelini, 2016). Entretanto, esta

empreitada acaba por recair na objetivação da dimensão subjetiva ao integrar o modelo

causal e explicativo das ciências empíricas, não alcançando uma ruptura radical com o

modelo classificatório tradicional da psiquiatria (Tatossian, 1979/2006).

Apesar disso, ao utilizar o método fenomenológico de Husserl, Jaspers

(1912/2005) abre as portas para que, posteriormente, a fenomenologia ganhe espaço e se

consolide no campo psicopatológico (Rodrigues, 2005). Este feito ocorre quando a

fenomenologia transborda o eixo filosófico e passa a compor eminentemente a área

clínica ao fornecer subsídios que auxiliam na compreensão da existência humana para

além da lógica causal, mecanicista e classificatória (Tatossian, 1979/2006; Schneider,

2009; Moreira, 2011; Fuchs, 2005; 2010; 2019a).

Em meados dos anos 1920, inaugurou-se então uma nova abordagem dos

transtornos mentais, cujo objetivo principal era a compreensão dos modos de ser dos

vividos patológicos ao superar as noções dicotômicas de normal e patológico, somático

e psíquico, interno e externo, etc., em que se buscava alcançar a totalidade da

experiência de adoecer e seus significados (Tatossian, 1979/2006). Esta perspectiva

ficou conhecida inicialmente como fenomenologia psiquiátrica ou psicopatologia

fenomenológica, mas ao longo do tempo outras nomeações também ganharam destaque,

tais como análise fenômeno-estrutural, análise existencial, daseinsanálise e, no contexto

contemporâneo, fenomenologia clínica (Bloc, Moreira, Wolf-Fédida & Chamond,

2017).

Esta última é utilizada na presente tese por comportar a amplitude do sentido

clínico, uma vez que abrange tanto a proposta psiquiátrica e psicopatológica quanto as
17

práticas psicoterapêuticas de base fenomenológica utilizadas na psiquiatria e na

psicologia clínica (Bloc et al., 2017; Melo, Araújo, Bloc & Moreira, 2016).

Na tentativa de alcançar a globalidade da experiência de adoecer bem como os

seus significados, a fenomenologia clínica, desde o seu nascimento como psicopatologia

fenomenológica, buscou descrever as alterações dos vividos (psico)patológicos além de

alcançar as condições que os possibilitam aparecer, ou seja, a gênese constitutiva da

experiência de adoecimento; os fundamentos que constituem a existência humana em

seu entrelaçamento com o mundo, a saber: o tempo, o corpo, o espaço e o Outro1

(Tatossian, 1979/2006; 1983/2012, 1994; Messas, Tamelini, Mancini & Stanghellini,

2018).

Dentre as categorias fenomenológicas apontadas acima, historicamente os

escritos no campo da fenomenologia psiquiátrica – ou clínica – deram destaque à

dimensão do tempo vivido como elemento chave para a compreensão da experiência de

adoecimento (Minkowski, 1933/1994; Binswanger, 1960/2005; Tatossian, 1979/2006).

Vale destacar que aqui não se trata de apontar o tempo objetivo e atrelado à passagem

das horas, mas como fenômeno de ordem pré-reflexiva, atrelado à existência e que se

constitui como um dos fundamentos da experiência (psico)patológica.

As investigações sobre o tempo estão presentes na fenomenologia desde o seu

início com os trabalhos filosóficos de Edmund Husserl (Zahavi, 2015). Para Husserl

(1928/1994), o tempo corresponde ao fundamento da consciência e, na tentativa de

compreendê-lo, o filósofo resgata a distinção categorial entre tempo objetivo e tempo

vivido. O primeiro é responsável pela contagem das horas e nos auxilia na organização

1
O termo Outro é utilizado por Arthur Tatossian em maiúsculo como alusão à relação intersubjetiva
sujeito/mundo. Nesta tese, optamos por manter a grafia original como foi utilizada por Tatossian.
18

concreta da vida, já o segundo é pessoal, de ordem subjetiva e se atrela à singularidade

das experiências de cada sujeito.

O eixo central para a compreensão fenomenológica da experiência do tempo

reside nesta última dimensão, o tempo vivido, pois seus traços imanentes nos vinculam

ao mundo. Husserl (1928/1994) resgata o tempo cronológico e objetivo como ponto de

partida para suas investigações filosóficas, mas sinaliza a importância de deixá-lo em

suspenso para acessar o tempo vivido ao elaborar uma análise da consciência do tempo.

Esta representa um marco na fenomenologia filosófica, pois reconhece que os processos

de estruturação da consciência são temporais (Zahavi, 2015).

Se o tempo é “origem e estrutura da consciência” (Maldonato, 2008, p. 39), ele

tem um papel fundamental para a constituição da subjetividade (Holanda, 2014). A

relação entre tempo e subjetividade é das mais íntimas, uma vez que a experiência do

tempo “é a sutura do absoluto (o pensamento naturante ou a verdade) e do relativo (o

pensamento maturado, a facticidade). É o vínculo entre o sujeito e o mundo, a alma e o

corpo, o ego e o alter ego” (Dupond, 2010, p. 69). Isso nos conecta ao mundo e às

experiências, temporalizando nossa existência. Logo, se a subjetividade também é

temporal, para compreendê-la devemos tentar acessar a experiência do tempo, a qual é

dimensão do mundo e do sujeito simultaneamente como parte do Lebenswelt 2 (mundo

vivido ou mundo da vida).

Na tradição da fenomenologia filosófica, o termo Lebenswelt é oriundo da obra

de Husserl e surge com o intuito de criticar as ciências europeias positivistas ao resgatar

a fonte originária de nossas experiências (Husserl, 1954/2012). Posteriormente, o

filósofo francês Maurice Merleau-Ponty (1945/2006) resgata a noção de Lebenswelt e a

2
Os termos mundo vivido, mundo da vida e Lebenswelt são utilizados neste projeto de tese como
sinônimos devido às variações de traduções encontradas em língua portuguesa.
19

utiliza como fundamento para sua fenomenologia da ambiguidade. Ao trilharem o

caminho do mundo vivido (Lebenswelt), Husserl e Merleau-Ponty constroem estudos

sobre a experiência do tempo e atribuem a ela uma via de compreensão intersubjetiva da

relação sujeito/mundo ao afirmarem que nossas experiências também são temporais.

Encontramos nos escritos destes filósofos os fundamentos que nos auxiliarão a

compreender a experiência do tempo vivido como fundamento do Lebenswelt. Mas

como apontamos anteriormente, os estudos fenomenológicos do tempo não se

restringem à fenomenologia filosófica. Eles também aparecem vinculados à prática

clínica em psiquiatria e psicologia para auxiliar na compreensão das experiências de

adoecimento no terreno da psicopatologia (Melo et al., 2016).

O tempo se insere no eixo clínico em fenomenologia com os trabalhos do

psiquiatra Eugène Minkowski (1933/1994), que resgata a noção de tempo vivido como

elemento atrelado aos aspectos existenciais e singulares da experiência humana (Costa

& Medeiros, 2009; Tatossian, 1979/2006). É o tempo da vida e, entrelaçado ao

Lebenswelt de cada sujeito, não pode ser completamente alcançado via mensuração e

quantificação racional. “O tempo vivido, assim compreendido, não é acessível à

consciência psicológica do indivíduo, mas ele pode ser apreendido através de seu

comportamento, seja ele verbal ou não, quer este implique o tempo direta e

indiretamente” (Tatossian, 1975/2012, p. 34). Ele está integrado ao devir, como tempo

vital e imediato, a nível pré-consciente e pré-reflexivo (Tatossian, 1979/2006).

Na fenomenologia clínica, a experiência do tempo

é descrita de formas distintas de acordo com o desenvolvimento teórico desse campo.

De início, encontramos o tempo já constituído e passível de descrição numa semiologia

temporal, pois está no nível do sujeito. No entanto, a principal questão para a


20

fenomenologia clínica se apoia em seu segundo aspecto, que não se resume aos dados

objetivos e materiais do mundo exterior (Fuchs 2007a, 2007b, 2010, 2014; 2019a;

Tatossian, 1979/2006, 1989/2012). É o problema do tempo constituinte que se enraíza

na subjetividade e encontra nela os alicerces de sua gênese subjetiva. É o tempo do

sujeito, constituído “na e pela subjetividade” (Tatossian, 1979/2012, p. 78) que, atrelado

ao mundo, ganha sentido intersubjetivo.

Se o tempo vivido e a intersubjetividade estão misturados e entrelaçados em uma

relação mais íntima, só conseguimos alcançar a compreensão da experiência do tempo

como imanente à consciência e vice-versa. Como assinala Merleau-Ponty (1945/2006),

o tempo nasce da nossa relação com as coisas e com o mundo. Ele não pode ser

entendido apenas como um objeto a ser racionalizado, pois compõe a dimensão do ser

em uma relação ambígua e de mútua constituição. É um tempo vital, imanente e

inacessível à consciência reflexiva, escapando à percepção do sujeito, pois é o tempo da

vida que se mistura ao mundo intersubjetivamente (Tatossian 1979, 1979/2006,

1979/2012; 1994).

Como o tempo vivido corresponde a algo basal, que fundamenta a fonte

originária de nossas experiências – o Lebenswelt –, ele emerge na abertura e passagem

de nosso contato com o mundo, vinculando-se à constituição dos diversos quadros

(psico)patológicos. O fluxo experiencial vivenciado pelo paciente nos permite

compreender os modos existenciais que o constituem, e o tempo compõe uma das

esferas vitais que sustentam as experiências de adoecimento como condição de

possibilidade de nossa existência (Tatossian, 1981).

Não é a toa que encontrarmos diversos estudos em fenomenologia clínica

(Binswanger, 1960/2005; Fuchs, 2001; 2005; 2007a; 2007b; 2010; 2014; Minkowski,
21

1933/1994; 1933/2011; 1966/2000; Tatossian, 1979; 1981; 1994; 1979/2006;

1979/2012; 1980/2012) alicerçados na temática do tempo como ponto de apoio para a

compreensão dos mundos vividos (psico)patológicos em geral. Nesta pesquisa,

resgataremos os estudos do tempo vivido na fenomenologia filosófica e clínica como fio

condutor para compreendermos a experiência vivida na ansiedade como forma de

resgatar os fundamentos que permitem o seu aparecimento como fenômeno no mundo

contemporâneo.

Se a experiência do tempo nos atrela ao mundo vivido, ela também nos permite

agir e nos movimentar em relação a este mundo, o que nos leva a questionar o seu ritmo

e a sua velocidade em nossas vidas. Atualmente, nos encontramos em meio a uma

turbulência de mudanças sociais, culturais, políticas e tecnológicas que ilustram “uma

aceleração do tempo social como característica saliente da nossa época” (Boris &

Barata, 2017, p. 163). Somos constantemente bombardeados por inúmeras experiências

que ilustram a artificialidade e a pressão em produzir e consumir cada vez mais,

adulterando nossa relação com o tempo e com o mundo. Tal frenesi, oriundo da

aceleração do mundo vivido, tende ser expresso sob a forma da ansiedade.

O mundo ocidental dissemina socialmente um modo de funcionamento

alicerçado na produtividade e no consumo contínuo. O passado se perde na busca

repetitiva e incessante por mais, o futuro se esgota e se fatiga devido à constante pressão

por sua presença instantânea e o “presente torna-se profundamente ansioso” (Boris &

Barata, 2017, p. 163) devido ao desejo de algo que ainda não aconteceu. Em tal cenário,

nos deparamos com uma alteração na experiência do tempo do mundo e, por

conseguinte, de nós mesmos, resultando na aproximação cada vez mais intensa da

ansiedade em nossas vidas cotidianas.


22

Vale destacar que a ansiedade, além de uma forma de adoecimento atrelada a

aceleração do tempo vivido, também pode ser concebida como uma expressão do

dilema humano (May, 1979/2000). Na literatura corrente, a ansiedade tende a ser

descrita de duas maneiras distintas, a saber: ansiedade normal e patológica (May,

1950/1980; 1979/2000; Castillo et al., 2000; Pinto, 2006; 2017; Andrade, Pereira,

Vieira, Silva, Silva, Bonisson & Castro, 2019). A primeira faz referência a uma

vivência construtiva, que nos permite lidar com situações de tensão e conflitos. Se, por

exemplo, um incêndio acontecer, as mudanças físicas em nosso corpo e sentidos nos

preparariam para enfrentar ou fugir da situação ameaçadora. Já a segunda, tende a ser

experienciada de forma destrutiva, uma vez que nossa experiência de nós mesmo e do

mundo se restringe (May, 1950/1980; 1979/2000; Castillo et al., 2000; Pinto, 2006;

2017; Andrade et al., 2019).

Num sentido fenomenológico, a ansiedade se desvela em sua relação com o

mundo enquanto possibilidade existencial. Já a experiência de adoecimento se configura

pela perda do movimento contínuo de nossa capacidade de ação e transformação do

mundo (Tatossian, 1979/2006), e no vivido (psico)patológico da ansiedade o sujeito

perde a sincronia e a comunicação com o tempo do mundo e da vida. Tempo e

ansiedade caminham de mãos dadas e, como pano de fundo, encontramos a inibição do

devir em decorrência de um futuro cada vez mais contraído (Aho, 2020).

Nesta tese, buscamos compreender o mundo vivido (psico)patológico na

ansiedade, atrelado ao tempo vivido, em distintos quadros clínicos. Essa escolha se

articula com a minha prática clínica como psicoterapeuta, em que me deparei com um

grande aumento de pessoas que buscavam atendimento devido a queixas de ansiedade.

Percebi ser comum, entre os pacientes que atendi, a presença da ansiedade como
23

expressão de uma existência frustrada e inibida, além de sua aproximação com outros

modos de funcionamento, tais como o vivido depressivo. Nesses contextos, a ansiedade

preponderava e emergia de forma similar, mas manifestava significados distintos de

acordo com os modos globais de funcionamento de cada paciente.

Em paralelo à experiência clínica como psicóloga e psicoterapeuta, realizei uma

pesquisa teórica de Mestrado alicerçada no referencial da tradição da Psicopatologia

Fenomenológica. Um dos resultados encontrados na pesquisa fazia referência à

necessidade de retorno à experiência imediata, que emerge no espaço clínico (Souza,

2013) como meio de compreensão do Lebenswelt de cada sujeito. Esta investigação nos

aproximou de discussões sobre o tempo vivido nas experiências de adoecimento e abriu

caminhos para dialogarmos com questões emergentes no mundo contemporâneo, tais

como a ansiedade.

Como a experiência do tempo pode ser vivida como condição de possibilidade

de uma existência aprisionada (Moreira & Chamond, 2012), ela tornou-se o fio

condutor para a nossa compreensão da ansiedade em distintos modos de funcionamento

(psico)patológicos. Na ansiedade, o tempo vivido se caracteriza por uma aceleração do

devir, ou seja, pela antecipação do tempo interno e imanente ao sujeito que se encontra

estagnado em sua relação com o mundo (Moreira, 2014). Além de elemento intrínseco,

o tempo vivido também é um ponto de convergência entre diferentes modos de

funcionamento (psico)patológicos, o que nos permitiu ir além da lógica do sintoma tão

frequente nos estudos sobre a ansiedade em geral.

Na fenomenologia clínica, o termo patológico não se resume à conotação

negativa comumente atribuída a algo problemático e desviante do funcionamento

padrão como doenças ou transtornos. Há algo a mais na dimensão patológica e isso abre
24

a possibilidade de ampliarmos a ideia de ‘doença’ em direção à dimensão originária que

emerge como fundamento de nossa existência; o pathos. Ao atravessar toda a existência

humana, o universo de significados atrelados à dimensão pática pode ser acessado

quando o compreendemos para além da classificação de anormalidade ou morbidade

(Martins, 1999).

A ansiedade é um fenômeno oriundo da dimensão existencial do ser,

manifestando-se, no momento oportuno, em diversas situações. De acordo com

Minkowski (1966/2000), ela é mais um estado afetivo presente em todas as reviravoltas

de nossa existência do que uma classificação diagnóstica. Portanto, sua origem não é

apenas patológica como uma doença, mas pática. Há uma dimensão fundamental que a

sustenta, a qual deve ser resgatada para compreendermos este fenômeno e sua relação

com o mundo contemporâneo.

Diante deste contexto, podemos ampliar os olhares sobre a ansiedade ao

traçarmos caminhos que não a restrinjam a um único viés – o sintomatológico -, mas

abram meios para compreendermos esse fenômeno frente à multiplicidade de elementos

que o constituem, tais como aspectos sociais, políticos, culturais, biológicos,

existenciais e etc. Como afirma Moreira (2014), a ansiedade é um fenômeno vivido no

entrelaçamento ambíguo do homem com o mundo, ou seja, ela possui contornos

variados e os seus significados emergem por meio desta relação intersubjetiva.

Cabe, então, buscar meios de acesso à totalidade da experiência vivida na

ansiedade para compreendê-la. Encontramos na fenomenologia clínica uma área que

nos permite questionar o adoecimento e compreender os mundos vividos dos sujeitos

(Bloc et al., 2017; Santiago & Holanda, 2013), contribuindo para resgatarmos a

experiência do tempo vivido em um mundo que “perdeu a noção do que é o tempo”


25

(Boris & Barata, 2017, p. 164).

Assim, alguns questionamentos nos impulsionaram à construção deste projeto,

são eles: Como é vivida a experiência do tempo na ansiedade? Como se dá a relação do

tempo vivido com o Lebenswelt (mundo vivido) do paciente ansioso em diferentes

vividos patológicos? Para responder a estas questões, propomos a investigação do

tempo vivido na ansiedade como elemento entrelaçado à relação intersubjetiva do

sujeito com o mundo, sustentado pela via do Lebenswelt.

Nesta tese, temos como objetivo geral compreender o tempo vivido na ansiedade

em distintos mundos vividos (psico)patológicos. Para tal fim, propomos como objetivos

específicos: discutir o tempo nas fenomenologias filosóficas de Edmund Husserl e de

Maurice Merleau-Ponty; discutir a experiência do tempo na fenomenologia clínica;

apresentar estudos da ansiedade na fenomenologia clínica; discutir aproximações e

distanciamentos da ansiedade em distintos modos de funcionamento (psico)patológicos.

Na tentativa de construir tais objetivos, esta tese foi organizada em cinco

capítulos. Inicialmente, apresentamos o tempo nas fenomenologias filosóficas de

Husserl e Merleau-Ponty e discutimos as contribuições desses autores para pensarmos o

tempo como experiência do Lebenswelt. No capítulo seguinte, apontamos a discussão da

experiência do tempo na fenomenologia clínica e sua relação com as experiências de

adoecimento. Apresentamos, no terceiro capítulo, estudos sobre a ansiedade na

fenomenologia clínica. No quarto, construímos uma proposta metodológica respaldada

no encontro clínico como instrumento para a realização da pesquisa, o que nos

possibilitou a compreensão do tempo vivido em distintos modos de funcionamento por

meio do entrelaçamento ambíguo experienciado na relação intersubjetiva

participante/pesquisadora. Por fim, no quinto e último capítulo apresentamos os


26

resultados da pesquisa sob o formato de estudos de casos fenomenológicos atrelados às

discussões teóricas.
27

Capítulo 01

O TEMPO NA TRADIÇÃO DA FENOMENOLOGIA FILOSÓFICA

A fenomenologia, como corrente filosófica propriamente dita, surgiu no início

do século XX com as publicações dos trabalhos do filósofo Edmund Husserl e teve

continuidade com outros autores clássicos da área, tais como Merleau-Ponty, Heidegger

e Sartre (Holanda, 2014; Moreira, 2016; Schneider, 2009; Zahavi, 2015). Em conjunto,

eles representam um marco na tradição da fenomenologia filosófica devido ao

importante papel para o desenvolvimento e consolidação desta área, também inspiraram

a abertura de novos caminhos epistemológicos e metodológicos para a construção de

investigações fenomenológicas no âmbito da clínica psicológica e psiquiátrica (Melo et

al., 2016).

Apresentaremos, neste capítulo, estudos do tempo na fenomenologia filosófica

de Husserl (1928/1994; 1954/2012; 1987/2002) e Merleau-Ponty (1942/2006;

1945/2006; 1946/2015; 1964/2014). São autores que discutem a experiência do tempo

entrelaçada à noção de Lebenswelt (mundo vivido), por compreenderem este último

como o palco onde se desvelam as experiências humanas e seus significados, tais como

os vividos patológicos no adoecimento mental.

A temática do tempo, no campo da fenomenologia filosófica, suscita discussões

sobre o fundamento da consciência, da subjetividade e da própria existência humana.

Ao abordá-la tomando o Lebenswelt como fio condutor, aproximamo-nos de uma

fenomenologia da ambiguidade, a qual nos permitirá compreender o papel do tempo no

entrelaçamento intersubjetivo homem/mundo.


28

1.1. Husserl e a consciência interna do tempo

Considerado o fundador da fenomenologia enquanto corrente filosófica, Edmund

Husserl (1859-1938) elaborou vasta obra na intenção de combater o psicologismo

estabelecido no início do século XX. Ao iniciar a construção da fenomenologia

transcendental, cujo objetivo buscava alcançar a consciência pura dos fenômenos,

Husserl (1928/1994) se detém ao problema filosófico do tempo e disserta a obra Lições

para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, publicada em 1928 (Alves,

1994; Zahavi, 2015).

As Lições são “a única peça até hoje efetivamente publicada das investigações

de Husserl sobre o tempo” (Alves, 1994, p. 19). Esse manuscrito foi elaborado em um

período crucial do desenvolvimento do pensamento de Husserl, no qual o autor saía do

eixo da psicologia descritiva – representado pela obra Investigações Lógicas, 1901 –

para iniciar o percurso na fenomenologia transcendental – com a obra Ideias, 1913

(Alves, 1994; Zahavi, 2015).

As discussões tecidas nas Lições são amplamente utilizadas no cenário da

fenomenologia clínica, seja ela tradicional ou contemporânea, e permitiram autores

desta vertente (Minkowski, 1933/1994; Binswanger, 1960/2005; Tatossian, 1979/2006;

Fuchs, 2010) a elaborarem discussões sobre a relevância do tempo para a compreensão

das experiências de adoecimento mental. Resgatar esta obra nos auxiliará a

compreender a experiência vivida na ansiedade, bem como o papel do tempo no campo

da fenomenologia clínica.

Na última fase dos escritos de Husserl, sobretudo com a obra A crise das

ciências européias e a fenomenologia transcendental, publicada em 1954, a noção de

Lebenswelt ganha destaque e o tempo emerge como o seu fundamento, compondo um


29

terreno fértil para a compreensão da intersubjetividade no vivido patológico da

ansiedade.

1.1.1. A origem do tempo e a crítica à Brentano

O tempo é um dos aspectos cotidianos mais conhecidos da humanidade, pois

reflete nossa existência. A análise de seus traços conscientes remonta aos primórdios da

psicologia descritiva e da teoria do conhecimento. Santo Agostinho foi um dos

primeiros pensadores que se voltou para a tentativa de compreensão do problema do

tempo, como consta nos capítulos 14 a 28 do Livro XI das Confissões. Husserl

(1928/1994) atribui grande importância a este pensador quando afirma que seus escritos

“devem ainda hoje ser profundamente estudados por quem se ocupe com o problema do

tempo” (p.37), pois os avanços da época moderna a esta questão não foram

significativos e grandiosos o suficiente como os de Santo Agostinho.

Para Husserl (1928/1994), a análise do tempo, além de complexa, está entre as

mais importantes para a fenomenologia, pois os processos estruturantes de nossa

consciência são temporais. É nela que se encontra a chave de compreensão da dimensão

temporal dos atos e dos objetos intencionais, sem os quais não se pode resolver o

problema da intencionalidade. A análise da consciência do tempo nos permite

compreender a relação entre percepção e lembrança, bem como as sínteses de

identidade, construindo uma condição de possibilidade da constituição intencional de

todos os objetos (Zahavi, 2015).

Mas o que é o tempo? Conseguimos percebê-lo de diferentes maneiras no

decorrer da vida cotidiana quando datamos a origem do universo, as eras geológicas do

planeta Terra, a Idade Média, as Guerras Mundiais e etc. Esse tempo é mensurável,
30

histórico, objetivo e remonta às primeiras análises elaboradas por Husserl (1928/1994),

nas quais o autor se interrogava fenomenologicamente sobre como essa dimensão

objetiva constituía e validava a temporalidade.

Dentre as dificuldades sobre a análise do tempo, Husserl (1928/1994) aponta

especificamente para o paradoxo que reside na constituição do tempo objetivo via

consciência subjetiva. Para isso, ele afirma que,

Assim que tentamos dar-nos conta da consciência do tempo, estabelecer a reta

relação entre o tempo objetivo e a consciência subjetiva do tempo e tornarmos

compreensível como a objetividade temporal, por conseguinte, a objetividade

individual em geral, se pode constituir na consciência subjetiva do tempo, assim

como quando tentamos simplesmente submeter à análise a consciência

puramente objetiva do tempo, o teor [Gehalt] fenomenológico das vivências do

tempo, enredamo-nos nas mais estranhas dificuldades, contradições e confusões.

(Husserl, 1928/1994, p. 37)

Para a construção dessa análise, torna-se determinante suspender, inicialmente,

toda e qualquer afirmação, constatação ou suposição objetiva acerca do tempo, pois o

tema central da fenomenologia é o tempo imanente atrelado ao fluxo da consciência e

não o tempo objetivo do mundo. “Através da análise fenomenológica não se pode

encontrar a mínima noção de tempo objetivo” (Husserl, 1928/1994, p. 39), pois

devemos retornar ao tempo vivido e experimentado. Entretanto, é primordial não

confundir o tempo originário, aquele das apreensões da vivência do tempo em seus

traços objetivos que configura o instante agora vivido, com o tempo objetivo do mundo
31

(Husserl, 1928/1994).

A referência do tempo objetivo se constitui por meio da apercepção empírica de

dado fenômeno, ou seja, o sentido atribuído a um fenômeno ocorre via apreensão

consciente, tornando-o objetivo. Como assinala Husserl (1928/1994), “o tempo objetivo

pertence à conexão da objetividade da experiência” (p. 40). Para exemplificar esse

aspecto, Husserl (1928/1994) nos convida a considerar um pedaço de giz. Se fecharmos

e abrirmos os olhos, alcançamos duas distintas percepções temporais do mesmo objeto.

Na primeira, percebemos a duração em relação ao objeto (giz), uma vez que o seu rastro

permanece presente à consciência como representação do giz real. Na segunda, no que

diz respeito ao fenômeno apreendido, destaca-se a mudança em relação ao conteúdo

representado.

O conteúdo vivido torna-se objetivado e, então, é constituído o objeto material

dos conteúdos vividos segundo o modo da apreensão. Mas o objeto não é

simplesmente a soma ou a complexão destes conteúdos, que não entram de

modo nenhum nele, ele é mais que um conteúdo e, de certa maneira, outra coisa.

A objetividade pertence à experiência e, na verdade, à unidade da experiência, à

conexão da natureza segundo as leis da experiência. Dito fenomenologicamente:

a objetividade não se constitui precisamente nos conteúdos primários, mas sim

nos caracteres de apreensão e na legalidade que pertence à essência destes

caracteres. (Husserl, 1928/1994, p. 41)

O interesse fenomenológico pela origem do tempo não se reduz à sua gênese

empírica, mas aos sentidos apreendidos e descritos na vivência temporal. Esse traço
32

originário remonta aos aspectos da essência do tempo e se dirige às “formações

primitivas” da consciência do tempo. É através desta que Husserl (1928/1994) visa

clarificar a constituição essencial e esclarecer os dados a priori do tempo.

Sua principal finalidade, na obra Lições para uma fenomenologia da consciência

interna do tempo, é buscar o aspecto absoluto da constituição do tempo intencional

objetivo por meio da consciência. Para isso, Husserl (1928/1994) utiliza como ponto de

partida, em sua construção teórica a respeito da temporalidade, a análise do tempo

elaborada previamente por Brentano (Pereira Júnior, 1990).

A origem das concepções do tempo assinalada por Brentano jaz na imaginação

como “fonte única da temporalidade” (Pereira Júnior, 1990, p. 73). Nossas percepções

sensoriais sobre os elementos que nos cercam são duplicadas pela imaginação,

acarretando um fluxo de representações que reproduzem o conteúdo da anterior. Tal

associação possibilita que o fenômeno percebido se mantenha presente à consciência

por um período de tempo, mesmo que modificado. A duração do fenômeno na

consciência é percebida no movimento de continuidade, que conecta cada representação

a nível temporal e foi chamado por Brentano de “associação originária” (Husserl,

1928/1994; Pereira Júnior, 1990; Zahavi, 2015).

A passagem do tempo em passado e futuro estaria atrelada ao fluxo contínuo das

representações e o cruzamento destas duas dimensões temporais torna possível a ideia

de duração e sucessão. A ligação de cada representação com uma cadeia contínua de

representações que a reproduzem é exemplificada por Husserl (1928/1994) através de

objetos temporais, ou seja, aqueles que se estendem temporalmente, que possuem

diferentes traços e que não podem existir simultaneamente e, por isso, se desdobram no

fluxo contínuo do tempo.


33

Quando, por exemplo, soa uma melodia, o som individual não desaparece

completamente com o cessar do estímulo ou então com o movimento dos nervos

por ele excitados. Quando soa o novo som, o precedente não desaparece sem

deixar rastro, senão nós seríamos mesmo incapazes de notar as relações entre os

sons consecutivos; nós teríamos, em cada instante, um som, eventualmente, no

intervalo de tempo entre o toque de dois sons, uma pausa vazia, nunca, porém, a

representação da melodia. (Husserl, 1928/1994, p. 43)

A lei universal que rege a cadeia contínua de representações retratadas no

pensamento de Brentano leva-o a negar a existência perceptiva da sucessão e da

alteração, ou seja, ele afirma como conclusão de sua teoria que é impossível perceber a

duração temporal conscientemente. Passado e futuro só poderiam ser acessados no

momento presente, uma vez que seriam representações imaginárias de um fenômeno

sensorial. Este dado consolida o posicionamento contraditório através do qual passado e

futuro seriam simultaneamente presentes e apenas este último seria considerado

realidade (Husserl, 1928/1994; Pereira Júnior, 1990). O fluxo das associações

originárias é presidido como sujeito no momento agora real, mas este só é capaz de

produzir predicados irreais, uma vez que o presente é encarado como um passado

vindouro.

Como destaca Husserl (1928/1994), a percepção do tempo, na qual as dimensões

de passado e futuro se constituem, deve ocorrer em um nível mais fundamental que o

apresentado por Brentano, pois Husserl “recusa que a gênese da temporalidade esteja na

imaginação” (Pereira Júnior, 1990, p. 74). Caso assim fosse, seríamos incapazes de

experimentar qualquer objeto que se estendesse temporalmente – como as melodias –


34

pois estaríamos fadados a viver exclusivamente no agora e incapazes de vivenciar a

duração dos objetos temporais.

Nossa consciência, entretanto, tem a capacidade de abranger para além dos

elementos destacados no presente. Damo-nos conta daquilo que poderá acontecer

iminentemente, bem como dos dados que acabaram de se manifestar. Para Brentano, a

nossa fantasia é o fator que nos permite ultrapassar o momento vivido no agora, pois

podemos imaginar o que já ocorreu no passado e o que se destacará no futuro (Husserl,

1928/1994, Zahavi, 2015). Husserl (1928/1994) rejeita essa ideia, pois ela se contradiz

com a intuição ao impossibilitar nossa percepção de objetos temporais que se estendem

e possuem duração. Seríamos incapazes de ouvir uma música e manter uma longa

conversa, pois essas situações só poderiam ocorrer em nossas fantasias e imaginações.

A principal crítica à teoria de Brentano se dá em seu caráter psicológico, focado

nos conteúdos dos sentidos gerados por estímulos. A lei da associação originária

manifesta vivências psíquicas dadas e, portanto, objetivadas. Seria uma teoria acerca da

gênese psicológica da representação temporal e, para Husserl (1928/1994), “tais coisas

pertencem ao campo da psicologia e não nos interessam aqui” (p. 49). O aspecto

psicológico da teoria de Brentano traz problemas na constituição da dimensão do

passado, que se resumiria a um aglomerado de fantasmas subprodutos de representações

presentes, uma vez que este autor não diferencia ato, conteúdo de apreensão e objeto

apreendido (Pereira Júnior, 1990).

O segredo da constituição do tempo, de acordo com Husserl (1928/1994), reside

na unidade da consciência e em seu traço intencional, sendo esta a esfera propriamente

fenomenológica para se pensar a gênese do tempo. Diferentemente de Brentano, Husserl

(1928/1994) afirma que os dados temporais de sucessão e duração não são encontrados
35

exclusivamente nos conteúdos primários, mas também nos atos de apreensão e nos

objetos apreendidos compondo, assim, os elementos de constituição integral da

consciência e que atravessa a subjetividade.

Para alcançar a compreensão da consciência do tempo, Husserl (1928/1994)

elabora análise acerca dos atos da consciência intencional e de seus objetos, apontando

para a amplitude do presente e descaracterizando a dimensão do passado como irreal,

uma vez que seus dados constituintes não repousam exclusivamente nos conteúdos que

o fundam (Pereira Júnior, 1990; Zahavi, 2015).

A proposta de Husserl, em sua análise da consciência do tempo, embasará os

estudos subsequentes em fenomenologia clínica na tentativa de se compreender as

experiências de adoecimento pela via da temporalidade. Ela será retomada por diversos

autores, que apresentaremos no segundo capítulo deste projeto de tese, e nos auxiliará a

compreender o tempo vivido na ansiedade.

1.1.2. A análise da consciência do tempo em Husserl: retenção, protensão e a

consciência absoluta

Ao distanciar-se da construção previamente apresentada por Brentano, Husserl

(1928/1994) dá o primeiro passo para a elaboração de sua análise da consciência do

tempo. A grande diferenciação proposta pelo autor reside no alargamento da dimensão

do presente, pois para ele o instante agora é intuído numa extensão temporal. Isso

acontece devido ao ‘dogma da momentaneidade de um todo de consciência’, ou seja, a

totalidade da consciência é construída por um conjunto de partes sucessivas que se

reúnem momentaneamente (Husserl, 1928/1994).

Os elementos que percebemos e acessamos conscientemente no agora não se


36

manifestam de maneira desassociada. Eles compõem um fluxo contínuo e interligado,

inseridos numa unidade constante de sucessões que se dirige à formação total

apreendida pela consciência.

Que vários sons sucessivos resultem numa melodia, é possível somente porque a

sequência de processos psíquicos se une <sem mais> numa formação total. Eles

estão na consciência uns após os outros, mas caem no interior de um e o mesmo

acto total. Nós não temos os sons de uma vez e não ouvimos a melodia graças à

circunstância de, por ocasião do último, os precedentes durarem ainda, mas os

sons formam uma unidade sucessiva com um efeito comum, a forma da

apreensão (Husserl, 1928/1994, p. 54).

Se a consciência, então, possui um senso de unidade, no qual os objetos

temporais se movimentam num fluxo contínuo, como essa multiplicidade de dados que

se sucedem uns aos outros podem fazer parte simultaneamente do momento presente?

Como o próprio tempo se constituiu e, com ele, a duração e a sucessão? Estes foram os

principais questionamentos levantados por Husserl (1928/1994) ao investigar a relação

entre o tempo e a consciência. Para solucioná-los, encontrou na intencionalidade sua a

via de acesso, uma vez que só podemos perceber os objetos temporais se em nossa

percepção já existir temporalidade; só percebemos a duração se nossa percepção

também for durável e assim por diante.

Inicialmente, Husserl (1928/1994) tenta esclarecer a constituição do tempo

através de objetos temporais como o som e a melodia. Ele afirma que cada som tem

uma extensão temporal, sendo percebido como instante agora ao soar. Se tal instante
37

ressoar, origina-se um novo presente e o som anterior torna-se passado. Isso pode

retornar objetivamente à consciência como recordação e os sons que, ainda,

pressupostamente serão escutados aparecem como expectativa. O arco total e duradouro

do som é composto, então, pela tríade: recordação, expectativa e percepção. Entretanto,

após ouvir a fase atual do som ela não se torna imediatamente recordação. Retemo-la

durante o momento presente como “agora duradouro” e, enquanto ela se conserva,

possui sua própria temporalidade (Husserl, 1928/1994).

Para exemplificar, se escutarmos uma sucessão de sons representados pelas

letras A, B e C, mesmo que focássemos nossa atenção apenas ao último som emitido

(C), encontraríamos em nossa consciência resquícios dos dois primeiros (A e B). O som

C não existe isoladamente em nossa percepção, pois nossa consciência percebe o som C

e também está consciente dos dois sons anteriores. A condição em relação aos sons

‘passados’ A e B não é meramente uma imaginação ou uma lembrança, pois eles estão

presentes sonoramente à nossa consciência, devido ao arco intencional que os entrelaça

a cadeia de sucessões (Husserl, 1928/1994; Zahavi, 2015).

Apesar de estarem presentes em nossa consciência, os sons A e B não se

manifestam da mesma maneira que o som C, pois não são contemporâneos. A e B foram

percebidos como ‘passados’, em relação a C, e essa condição é necessária para que

experimentemos a sequência dos sons em sua duração temporal. Caso contrário,

ouviríamos apenas sons isolados e diluídos uns nos outros, visto que nossa consciência

estaria enclausurada no momento presente e fechada em si mesma. Nós percebemos

simultaneamente as três etapas da sequência sonora: o agora, os seus momentos

passados e os futuros (Zahavi, 2015).


38

Quando um objeto temporal decorreu, quando a duração actual passou, não se

extingue com isso, de nenhum modo, a consciência do objeto agora passado, se

bem que ela já não funcione agora como consciência perceptiva ou, dito de um

modo porventura melhor, como consciência impressional. (Husserl, 1928/1994,

p. 63)

Para descrever as relações temporais, Husserl (1928/1994) utiliza os conceitos

proto-impressão (ou impressão originária), retenção e protensão. O primeiro se refere

ao ato concreto dirigido no momento presente ao objeto. É a fonte “com que se inicia a

produção do objeto duradouro” (Husserl, 1928/1994, p. 62). Por ser um dado abstrato, a

impressão originária, por si só, não permite a vivência de nenhum objeto temporal. Ela é

a consciência do momento agora do objeto percebido, o que é distinto da situação

presente em si (Zahavi, 2015). A impressão originária não pode ser encontrada sozinha,

pois está alicerçada num horizonte temporal, cuja consciência é envolvida numa teia de

mutações permanente ao ser acompanhada pela retenção e pela protensão. Estas últimas

são intenções, que nos levam, respectivamente, à consciência da fase que acabou de

acontecer e ao momento quase indeterminado e iminente que está por vir (Husserl,

1928/1994).

As protensões são possíveis devido à nossa característica intrínseca de

anteciparmos o que se sucederá. Esse dado é fruto de nossa experiência com o mundo e

pode ser ilustrado pelas reações de surpresa e espanto (Zahavi, 2015) se, por exemplo,

nos deparássemos com uma árvore que se move repentinamente. Surpreender-nos-

íamos com tal situação, porque estaríamos antecipando que a árvore não sairia do seu

lugar de coisa inanimada. É por podermos ser constantemente surpreendidos em nossas


39

relações com o mundo que temos, diante de nós, um horizonte de antecipações e, com

elas, protensões.

Os fluxos de protensões e retenções se assemelham ao movimento daquilo que já

ocorreu e do que está por vir, mas não devem ser confundidos com as lembranças e as

expectativas, respectivamente. Husserl (1928/1994) assinala a forte diferença entre

esses elementos, uma vez que as lembranças e as expectativas refletem atos intencionais

independentes, já as protensões e as retenções sinalizam ocasiões atuais não autônomas.

Se voltarmos ao exemplo dos sons (A, B e C), em seu horizonte de sucessões contínuas,

percebemos que as retenções A e B, que acabaram de soar, são distintas das lembranças

de uma melodia tocada em dias passados. As retenções e as protensões nos dão

consciência do objeto atual em seu horizonte temporal, enquanto as lembranças e as

expectativas nos levam a consciência de novos objetos (Zahavi, 2015).

Segundo Husserl (1928/1994), retenção e protensão são movimentos intuitivos,

mesmo que demarquem a intuição de algo ausente, o que lhes confere um caráter

passivo. A lembrança e a expectativa, em contrapartida, são atos que podem ser

produzidos por nós mesmos e, por isso, independentes do horizonte temporal

demarcado pelo fluxo da duração e da sucessão.

Vale ressaltar que “a retenção e a protensão não são dotadas de caráter de

passado e futuro na relação com a impressão originária, mas se dão ‘ao mesmo tempo’

que ela” (Zahavi, 2015, p. 125). Para complementar essa ideia, encontramos na obra

Lições (Husserl, 1928/1994) a elaboração da estrutura da consciência do tempo

exemplificada pelo objeto sonoro. Ilustraremos essa relação por meio de nossa

sequência de sons A, B e C. O primeiro som (A) irá soar e será assimilado à consciência

como impressão originária. Quando o som B dá seguimento a ele, B é atualizado como


40

impressão originária, enquanto A é mantido no horizonte temporal pela retenção. Ao

soar o último som, C, o mesmo acontece. C passa a ser intencionado pela impressão

originária, e B substitui A no fluxo retencional. Esse processo se complica, quando

relembramos que as retenções e protensões não são consciências isoladas do som.

Quando B dá continuidade à apresentação originária de A, resquícios do primeiro som

seguem à consciência e estão retidos em B (Ba). Assim que C sobrepõe B, nossa

consciência de C é acompanhada pela retenção de B (Cb) e pela retenção anterior (Ba)

(Zahavi, 2015).

No diagrama abaixo, ilustramos a relação estabelecida aqui. Salientamos que a

linha vertical (exemplificada em ‘D, C, Cb, Ca) constitui uma etapa passageira da

consciência por meio de retenções, protensões e impressão originária. Já a reta diagonal

(exemplificada em A, Ba, Ca e Da) reflete a permanência dos sons, mesmo quando eles

irrompem no passado (Zahavi, 2015).

Diagrama 01: Estrutura da consciência do tempo (Zahavi, 2015, p. 128).

Percebemos que, a cada instante atual, a consciência se modifica e produz

retenções de retenções. “Resulta, assim, um constante contínuo da retenção, de tal modo


41

que cada ponto posterior é retenção para cada ponto anterior. E cada retenção é já um

contínuo” (Husserl, 1928/1994, p. 62). Este movimento poderia nos levar a uma cadeia

ininterrupta em direção ao infinito, mas isto não ocorre por que cada retenção traz

consigo o legado do passado, tanto que são nomeadas por Husserl (1928/1994) como

“recordações primárias”. É como se, figurativamente, a apreensão do momento agora

representasse o núcleo de um cometa e a cauda que o segue fosse o fluxo sucessivo de

retenções a cada novo ponto no agora (Husserl, 1928/1994).

É notória, então, a diferença entre os conteúdos originários e as retenções. Elas

fazem parte do arco intencional no momento presente, pois estão atreladas à consciência

do agora, mas não se confundem com as impressões originárias. Estas são sentidas

numa plenitude de intensidade e, quando se dissipam, as retenções brotam para que o

objeto percebido ainda possa ser sentido, mas como uma simples ressonância que

mergulha a cada instante nas entranhas no passado.

Depois de a melodia ter sido tocada, não a temos mais percepcionada como

presente, mas têmo-la ainda na consciência, ela já não é melodia agora presente,

mas melodia mesmo agora passada. O seu ‘mesmo-agora-passado’ não é uma

simples opinião, mas sim um facto dado, dado por si próprio, por conseguinte,

‘percepcionado’ (...) A retenção não produz nenhuma objectividade duradoura

(nem original nem reprodutivamente), mas apenas retém na consciência o

produzido e imprime-lhe o carácter de ‘mesmo agora passado’ (Husserl,

1928/1994, p. 68).

Ao afirmar que a retenção não produz novos objetos à consciência, mas retém
42

nela objetos previamente dados, Husserl (1928/1994) aponta à necessidade de modificar

a forma como compreendemos a ideia de percepção. Em seu sentido geral, o termo

percepção se define como “a fase de consciência que constitui o puro agora” (Husserl,

1928/1994, p. 71). A percepção como dado ideal está limitada à fugacidade do instante

presente, não cabendo nessa definição os processos retentivos.

À medida que os objetos temporais se expandem, eles promovem um

alargamento da extensão temporal. Quando nós percebemos, conscientemente, a

melodia, esta é captada no aspecto total de sua extensão e não som por som. Essa

característica do ato de percepcionar nos sinaliza que os processos retentivos (ou

recordação primária) também estão presentes na percepção dos objetos temporais. “Se

chamarmos (...) percepção ao acto em que reside toda <origem>, que constitui

originalmente, então a recordação primária é percepção” (Husserl, 1928/1994, p. 72).

Essa é uma das descobertas mais significativas da análise do tempo elaborada por

Husserl (Zahavi, 2015), pois no dado instante em que um som é retido, por exemplo, o

mesmo acontece com nossa consciência do som. O objeto temporal e a consciência se

constituem mutuamente e ambos só podem existir atrelados um ao outro.

A análise acima foi elaborada para compreendermos a constituição dos objetos

temporais – aqueles que em sua estrutura possuem temporalidade – e sua relação com

nossa consciência. Entretanto, devemos ressaltar que a íntima relação entre tempo e

consciência não se restringe exclusivamente a esses tipos de objetos.

De acordo com Husserl (1928/1994), nossa percepção também se constitui

temporalmente. Os atos e as experiências que vivenciamos se assemelham aos objetos

temporais (sons, melodia, etc), pois são regidos pela duração e pela sucessão. É por

meio do fluxo temporal de retenção, protensão e impressão originária que eles tornam-
43

se conscientes. Assim, a análise de Husserl (1928/1994) se radicaliza quando o autor se

volta para a compreensão dos atos subjetivos que compõem a consciência e sua relação

com o tempo (Zahavi, 2015).

A estrutura essencial da consciência do tempo pode ser destrinchada, de acordo

com Husserl (1928/1994), em três graus diferenciados: a experiência do tempo objetivo,

as unidades imanentes do tempo pré-empírico (discutida acima em relação aos objetos

temporais) e o fluxo absoluto da consciência constituinte do tempo.

Esta última, entretanto, não pode ser dada em um tempo constituinte, fluído e

que desliza em seus atos intencionais, pois ela não é correlacionada aos fenômenos que

são constituídos temporalmente (Husserl, 1928/1994). São dois aspectos que não

possuem um denominador comum, por isso reafirmamos que o fluxo absoluto não é

atravessado pelas modificações temporais.

Este fluxo é qualquer coisa que nós nomeamos assim, a partir do constituído,

mas ele não é temporalmente <objetivo>. É a subjetividade absoluta e tem as

propriedades absolutas de algo que se designa metaforicamente como <fluxo>,

que brota de um ponto de actualidade, de um ponto-fonte primitivo, de um

‘agora’, etc. (Husserl, 1928/1994, p. 101)

A ideia discutida por Husserl de um fluxo absoluto que é constituinte do tempo

pode gerar equívocos no sentido de entendê-lo como algo atemporal, ou seja, que não

possui nenhuma conexão com o tempo. No entanto, o fluxo absoluto é sempre atual no

instante agora e detém um tipo de temporalidade particular (Zahavi, 2015). Essa

característica amplia a discussão da consciência interna, a qual deixa de ser vista


44

estritamente como uma consciência do tempo e passa a ser entendida como um processo

temporal específico.

No decorrer da obra Lições, Husserl (1928/1994) tenta clarificar a relação

estabelecida entre o fluxo absoluto e o tempo subjetivo. Ele afirma que em toda

consciência encontramos um conteúdo imanente dotado de atos intencionais e, portanto,

compõem um fluxo de unidade temporal imanente com duração. Estas unidades “se

constituem na corrente absoluta” (Husserl, 1928/1994, p. 102) que é una e possui a

mesma duração e comprimento dos conteúdos imanentes.

Ao discutir a subjetividade, Husserl (1928/1994) sinaliza que ela se organiza

como elemento “autotemporalizador”, pois ela se temporaliza em si mesma via atos

intencionais que se organizam num movimento fluido e constante. Ela está atrelada à

consciência interna do tempo, ou seja, à autoconsciência pré-reflexiva dos atos

intencionais. Esta é uma consciência que desliza absoluta e independentemente de

objetos temporais, pois usa os atos intencionais em seu lugar no tempo subjetivo

(Zahavi, 2015).

A autotemporalização da subjetividade só é possível devido a principal

característica dos atos intencionais: são eles que permitem um objeto aparecer e se

mostrar a determinada consciência (Zahavi, 2015). Isto significa que, por serem

constituídos num processo cíclico, os atos intencionais são conscientes de algo distinto

deles próprios, a saber, a consciência do objeto. No entanto, não carregam o objeto

consigo e, por isso, são considerados atemporais. Por possuírem consciência de algo, os

atos intencionais são momentos específicos na fluidez da consciência, possibilitando

que a subjetividade se temporalize a ela mesma.

De acordo com Zahavi (2015), os princípios que fundamentam a


45

intencionalidade dos objetos não podem ser transpostos para a automanifestação da

subjetividade, pois são processos que acontecem de formas distintas. Husserl

(1928/1994) aponta, por conseguinte, a necessidade de entendê-los a partir de dois tipos

diferentes de intencionalidades na retenção.

Por mais chocante (se não mesmo absurdo, no início) que pareça ser afirmar-se

que o fluxo da consciência constitui a sua própria unidade, é porém assim (...) E

isso pode torna-se compreensível a partir da sua constituição essencial. O olhar

pode dirigir-se, uma vez, através das fases que, como intencionalidade do som,

<coincidem> na constante progressão do fluxo. Mas o olhar pode também

voltar-se para o fluxo, para uma extensão do fluxo, para a passagem da

consciência fluente desde o começo do som até o seu fim. Todo adumbramento

de consciência do tipo <retenção> tem uma dupla intencionalidade (Husserl,

1928/1994, p. 105).

A primeira intencionalidade auxilia na constituição do objeto imanente, como o

som, e permite o desvelamento da retenção como recordação primária. A segunda é

constitutiva da unidade de todo o fluxo da consciência retentiva, sendo uma

intencionalidade longitudinal (Husserl, 1928/1994). As duas intencionalidades são

inseparáveis. Elas se entrelaçam mutuamente ao ponto de corresponderem a lados

opostos de uma mesma moeda. Uma é responsável pela formação do tempo imanente e

objetivo, composto pela duração e alteração. A outra auxilia na constituição das fases

quase temporais do fluxo absoluto, sempre posicionadas no instante agora.

Funda-se, assim, uma temporalidade pré-fenomenal e pré-imanente, que se


46

constitui “intencionalmente como forma da consciência constituinte do tempo, e em si

própria” (Husserl, 1928/1994, p. 107). Este movimento se organiza dentro de um arco

paradoxal de intencionalidades, no qual encontramos a consciência interna como uma

autoconsciência pré-reflexiva, distanciando-se de uma filosofia da presença ingênua que

existe por si só (Zahavi, 2015).

A ampliação da noção de intencionalidade, na fenomenologia de Husserl,

evidencia a relevância do tempo como experiência constitutiva do processo de

elaboração da consciência e da percepção. Elemento este fundante da subjetividade

humana, nos doa habilidades retentivas e protentivas. Esta última, ao inserir o porvir no

momento presente, abre as portas para anteciparmos os acontecimentos da vida e os

vivenciarmos na ansiedade. O tempo passa a se destacar na consolidação da noção de

intersubjetividade, que Husserl construirá com base na experiência de Lebenswelt

(mundo vivido ou mundo da vida).

1.1.3. Tempo, Lebenswelt e a crise das ciências europeias

Dentre as diversas contribuições de Husserl, para a construção e o

desenvolvimento da fenomenologia como campo filosófico, a elaboração da noção de

Lebenswelt está entre os temas fundamentais. Este conceito surgiu de sua crítica às

ciências positivistas, em ascensão no século XX, por desconsiderarem os sentidos vitais

que compõem a subjetividade humana. Para Husserl (1954/2012, 1987/2002), a ciência

de sua época virou sinônimo de sobreposições de técnicas mecânicas, esvaziadas de

sentidos ao objetivarem tudo ao seu redor, inclusive o homem.

Diante deste contexto, Husserl (1954/2012, 1987/2002) destaca a crise das

ciências no continente europeu e aponta a fenomenologia transcendental como


47

alternativa ao positivismo. O filósofo traz reflexões sobre o tecnicismo exacerbado do

modelo científico da época, que se via enclausurado no dualismo cartesiano sujeito-

objeto ao tentar compreender como o mundo é em si mesmo, independente de como ele

aparece para nós. De tal forma que a “subjetividade criadora da ciência perde seu lugar

na ciência objetiva” (Husserl, 1987/2002, p. 60), uma vez que esta última priorizava o

conhecimento objetivo e desconsiderava o solo sob o qual ela própria se constituiu: a

experiência humana.

O interesse da fenomenologia de Husserl consta em restituir ao sujeito a fonte

originária de significações e esta reside no Lebenswelt – mundo vivido ou mundo da

vida –, ou seja, “o mundo pré-dado como horizonte de todas as induções com sentido”

(Husserl, 1954/2012, p. 40). O Lebenswelt é anterior a toda e qualquer idealização

científica, pois é o mundo das intuições sensíveis experienciadas de forma imediata e

em sua obviedade reside à base de sustentação do conhecimento científico.

As discussões de Husserl sobre o mundo da vida revelam um novo caminho

traçado pelo autor na tentativa de introduzir sua fenomenologia transcendental, tendo

em vista a necessidade de compreender e acessar as relações existentes entre a

subjetividade e o mundo factual. Assume, como principal tarefa filosófica, esboçar a

estrutura essencial ontológica do Lebenswelt (Gentil, 2017; Zahavi, 2015).

Para Husserl (1954/2012), as estruturas fundamentais do mundo da vida são: a

intencionalidade transcendental, a intersubjetividade, a linguagem, o corpo, o espaço e o

tempo. Este último faz alusão à principal característica do Lebenswelt; a sua

transitoriedade (Zahavi, 2015). Por não ser estático, o mundo da vida está

continuamente em movimento, se configurando como o mundo das realidades

conhecidas e desconhecidas. Tal formato, de acordo com Husserl (1954/2012), só é


48

possível por sua dinâmica espaço-temporal que abre o horizonte contínuo do fluxo da

vida.

A categoria de ‘horizonte’ supõe que cada experiência, cada dado ou cada

palavra, se encontra num nexo global de sentido proveniente da intencionalidade

subjetiva. Os dados e as experiências singulares compartilham ser e sentido com

a totalidade na qual se inserem. O horizonte, entretanto, constitui uma totalidade

aberta e viva (Ziles, 2002, p. 33).

O mundo da vida, por estar situado na dimensão do tempo, ganha abertura como

horizonte inacabado e doador de sentido às experiências vividas. A relatividade do

mundo da vida escancara a sua característica experiencial imediata, de modo que cada

sujeito o constrói no percurso contínuo de suas vivências. Ao mesmo tempo, o

Lebenswelt se origina na cultura, na linguagem e na história, sobrepondo-se aos dados

objetivos da ciência tradicional. Por ser histórico, o encontramos inserido no tempo com

suas tradições passadas, seu presente contínuo e sua possibilidade de futuro aberta no

horizonte da vida.

O Lebenswelt é o “mundo espaço-temporal, cujo sentido próprio de ser, como

mundo da vida, pertence um espaço-temporalidade (a espaço-temporalidade ‘viva’, não

a lógico-matemática)” (Husserl, 1954/2012, p. 137). A estrutura do tempo não se

resume a símbolos numéricos objetivos, pois encontramos em seu fundamento uma

infinidade de experiências possíveis. No Lebenswelt, tudo é intuível, experienciado e

experienciável, não podendo ser definido como o lugar das idealizações geométricas e

do aprisionamento matemático (Gentil, 2017; Husserl, 1954/2012, 1987/2002).


49

No Lebenswelt, o tempo não é objetivo e mensurável, pois lhe é exigido o

retorno ao mundo das intuições experienciadas, as quais antecedem as certezas objetivas

e concretas da vida, encontrando na percepção seu lugar de origem. Se “a percepção é o

modo originário da intuição” (Husserl, 1954/2012, p. 85), nela encontramos a

presentificação que torna as modalidades do tempo conscientes. O instante agora, o

passado retido e o futuro aberto ao porvir são presentificados na consciência do presente

e se repetem na intuição experienciada no Lebenswelt como fenômenos livres que atuam

conjuntamente.

O mundo é mundo temporal, espacial, no qual cada coisa tem a sua extensão

corpórea e duração e, em relação a estas, por sua vez, a sua posição no tempo

universal e no espaço. O mundo sempre permanece, então, consciente na

consciência desperta, em validade como horizonte universal. A percepção

refere-se somente ao presente. Mas é de antemão visado que este presente tem

atrás de si um passado infinito, e à sua frente um futuro aberto (Husserl, 1954,

2012, p. 130).

Por ser o campo originário das experiências, os dados intuíveis que aparecem no

Lebenswelt já se mostram como manifestação da temporalização da consciência, ou

seja, o horizonte no qual o mundo da vida se desdobra como temporal. Esta

característica peculiar nos põe em contato contínuo com o mundo factual e, em sua

transitoriedade, emergem as experiências como possibilidade, as quais, sempre em

fluxo, estão distanciadas de qualquer a priori universal puro.


50

É por ter o tempo como uma de suas principais estruturas de fundamentação que

o Lebenswelt pode ser definido como mundo predado e, por isso, constante no horizonte

das experiências. Ele não existe em si mesmo, isolado dos dados concretos da realidade,

pois a disposição temporal do mundo vivido se expressa na intencionalidade. Os atos

intencionais da consciência se organizam na síntese da duração temporal, integrando a

unidade do Lebenswelt (Husserl, 1954/2012). É nessa integração que se produz a

unicidade da consciência do ser, a qual ganha destaque na percepção.

Quando percebemos algo temos em vigência o ato de perceber, mas este não

ocorre isolado na percepção, e sim no campo perceptivo total de nossas impressões do

mundo. O objeto é percepcionado num “horizonte aberto de percepções possíveis”

(Husserl, 1954/2012, p. 132), em que ele é uma coisa no meio de tantas outras

simultaneamente dadas na percepção. Nesta, encontramos múltiplas apresentações no

instante agora, as quais estão sempre em curso e não são sinônimos do mundo. Este se

mostra para nós pela percepção consciente, ao mesmo tempo em que se encontra nos

pequenos fragmentos que a preenchem como núcleo original. “Dessa maneira, o mundo

continua sempre a ser percepcionado na nossa vida” (Husserl, 1954/2012, p. 133) ao

doar caráter contínuo e subjetivo ao campo da percepção.

Vale ressaltar, entretanto, a dimensão intersubjetiva do Lebenswelt, uma vez que

não estamos sozinhos nesse curso contínuo. Vivemos em mútua relação com outros

homens e mulheres e o mundo, como horizonte universal, é comum a todos (Husserl,

1954/2012; 1987/2002). A subjetividade transcende a si mesma, uma vez que Husserl

fala de uma intersubjetividade transcendental. A relação eu-outro pressupõe a

subjetividade do eu como elemento originário constitutivo. Entretanto, o mundo da vida


51

é, simultaneamente, constituído pela perspectiva subjetiva e pela consciência

intersubjetiva do mundo (Gentil, 2017; Zahavi, 2015).

A subjetividade do eu, originária em si mesma, possui essa característica

autônoma evidenciada nos estudos de Husserl da consciência interna do tempo3, em que

o eu originário emerge pela autotemporalização de si – independente do mundo como

eixo estrutural. Em paralelo, nossa subjetividade está sempre em relação aos demais

sujeitos como intersubjetividade no horizonte contínuo do fluxo da vida (Husserl

1954/2012; Zahavi, 2015). De um lado, encontramos a experiência do tempo como

fundamento da consciência originária e, de outro, percebemos que ela nos põe em

abertura ao mundo.

A constituição intersubjetiva do Lebenswelt ocorre na intencionalidade de seus

atos, o que confere sentido às manifestações em síntese no campo de percepção. “A

intencionalidade é o título para a única e genuína explicação, para o único e genuíno

tornar compreensível” (Husserl, 1954/2012, p. 137). Ela fornece os laços que integram

numa unidade de sentido a multiplicidade de aparições do horizonte perceptivo, os quais

se abrem para novos horizontes e, assim, sucessivamente, de acordo com o vivido

singular de cada sujeito que é também universal.

Devido aos seus modos intuitivos de se mostrar, o Lebenswelt de cada um é

único. Os objetos são percepcionados em suas formas de aparição à consciência

intencional e se distinguem nela de acordo com as direções reflexivas do nosso olhar.

Na reflexão, o eu como identidade durável se temporaliza. “Como temporalização, o eu

agora atual também pode, entretanto, relacionar-se com o seu eu passado, não mais de

agora, justamente, dialogar com ele e criticá-lo, como a outros” (Husserl, 1954/2012, p.

3
Ver item 1.1.3. deste capítulo.
52

141). O eu não fica enclausurado em si mesmo e só adquire suas características

constitutivas quando a subjetividade emerge como intersubjetividade, isto se dá na

experiência do tempo.

Para Husserl (1954/2012), “a síntese da intersubjetividade diz respeito a tudo”

(p. 141) e ela se constitui no tempo. As modalidades temporais do eu formam um

horizonte pessoal (e temporal) que abre para a síntese “eu-outro” nas relações universais

da humanidade. Isto forma o desdobramento simultâneo da intersubjetividade do

Lebenswelt que aparece idêntico a todos os sujeitos, pois sustenta a sucessão das

múltiplas aparições do campo perceptivo como o fio condutor intencional, orientando o

mundo comum e singular ao mesmo tempo. O eu e o outro são duas dimensões

universais fundadas reciprocamente em um horizonte aberto e indefinido.

Definir o que é o mundo vivido é uma das tarefas filosóficas mais árduas, pois

não encontramos nele apenas um juízo objetivo e concreto, e sim uma pluralidade de

significados que variam de sujeito a sujeito (Gentil, 2017; Zahavi, 2015; Ziles, 2002),

mas que se entrelaçam num mundo comum a todos nós. O homem está em seu centro

devido à subjetividade transcendental que sintetiza o solo originário que o estrutura,

mas o índice temporal histórico abre o fluxo experiencial intersubjetivo, pondo o

Lebenswelt em contato com o mundo circundante.

O mundo vivido é solo e horizonte, simultaneamente, de nossas experiências

(Gentil, 2017). Ele não existe como entidade pura em si mesmo, uma vez que este fator

empobreceria a pluralidade de vivências possíveis que atravessam nossa relação com o

mundo. Sua estrutura originária fornece a base de sustentação para as experiências

vividas, mas a vida transitória e contínua ganha sentido no horizonte temporal

intersubjetivo que a cerca.


53

Mesmo discorrendo a respeito da imbricação homem/mundo como elemento

fundante das experiências do Lebenswelt, Husserl não abandona a existência de uma

consciência originária ou absoluta, sendo esta fundada temporalmente. Sua grande

contribuição ao cunhar a noção de Lebenswelt, sobretudo ao legitimá-lo como dimensão

fincada no tempo, reside em situar o desvelamento das experiências por meio de sua

correlação ao mundo. O fenômeno da ansiedade se encaixa nessa descrição. Ele é vivido

singularmente por cada sujeito ao mesmo tempo em que reverbera nossas experiências

do mundo.

Para Husserl (1954/2012), o segredo das condições de possibilidade de nossas

experiências pode ser alcançado pelo sujeito transcendental de Husserl, o qual se

constitui mediado pelo mundo vivido (Lebenswelt) e pela temporalização de sua própria

subjetividade como consciência originária, entretanto, e se a experiência fosse

simultaneamente o fundamento e a condição que possibilita a emergência do sujeito

transcendental? Tal questionamento, elaborado por Merleau-Ponty (1942/2006;

1945/2006; 1946/2015; 1964/2014) aponta para a ampliação dos olhares a cerca da

experiência como elemento fundamental à compreensão do Lebenswelt e encontramos o

seu desenvolvimento nos trabalhos filosóficos de Merleau-Ponty.

1.2. A fenomenologia do tempo em Merleau-Ponty

Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) foi um filósofo a ocupar lugar de destaque

na tradição fenomenológica, por ter difundido essa vertente de pensamento na França.

(Coelho Júnior, 2003; Coelho Júnior & Carmo, 1992). A obra de Merleau-Ponty oferece

um legado único à Filosofia, à Psicologia e à Psicopatologia ao reinserir a existência

como pano de fundo na constituição da relação homem/mundo.


54

Grande leitor e admirador das obras de Husserl, Merleau-Ponty tece discussões

sobre o tempo desde suas primeiras obras, levando-o a estudos no campo

transcendental. Este é o primeiro passo para o desenvolvimento posterior de seu projeto

ontológico, que se organizará com “a recusa à concepção de uma identidade através da

constituição” (Alvim, 2011, p. 144), ou seja, o filósofo abandona a construção da

consciência em atos intencionais e se utiliza da experiência do corpo para abordar a

noção de carne4 em sua obra póstuma publicada em 1964 e intitulada O Visível e o

Invisível (Alvim, 2011).

Na obra de Merleau-Ponty (1942/2006; 1945/2006; 1946/2015; 1964/2014)

encontramos a temática da experiência do tempo emergindo como aspecto importante

em seus estudos da percepção, do comportamento, do movimento, da corporeidade e da

existência entrelaçada ao mundo, pois é campo de abertura ao mundo vivido

(Lebenswelt).

1.2.1. O tempo na estrutura do comportamento

O primeiro passo de Merleau-Ponty em seu percurso filosófico ocorre em 1942,

com a publicação original da obra La structure du comportement. O autor lança como

objetivo discutir as principais escolas de psicologia experimental da época, a saber, o

behaviorismo, a teoria da Gestalt, e as proposições interpretativas de ambas acerca do

comportamento humano (Merleau-Ponty, 1942/2006).

Merleau-Ponty (1942/2006) afirma que sua principal questão nessa obra é

“compreender as relações entre a consciência e a natureza – orgânica, psicológica ou

mesmo social” (p. 01). O tema comportamento ganha destaque e, com ele, Merleau-

4
As noções de corpo e carne, oriundas da filosofia de Merleau-Ponty, serão explicadas nos itens
subsequentes deste capítulo em decorrência de sua complexidade.
55

Ponty desconstrói a ausência de conexão entre o mundo material e o abstrato, uma vez

que define o mundo como uma conjuntura de relações amparadas pela consciência.

Merleau-Ponty (1942/2006) arquiteta um retorno às teorias clássicas sobre o

comportamento reflexo e os comportamentos superiores condicionados – de Pavlov –

para desconstruir o racionalismo científico oriundo da filosofia cartesiana, que anula o

sentido original da percepção intuitiva e da experiência factual atrelada à relação do

homem ao mundo.

De acordo com Waelhens (2006), todo o esforço de Merleau-Ponty está “no

sentido da elaboração de uma doutrina da consciência engajada” (p. XX), na qual o

homem está imerso num mundo material e deve caminhar entre seus objetos. Merleau-

Ponty (1942/2006) comprova que a imagem do comportamento humano construída

pelas ciências experimentais da época se contradiz, e ele utiliza informações coletadas

por estas mesmas ciências para ratificar seu pensamento.

As principais escolas de psicologia experimental (sobretudo a psicologia da

Gestalt e o behaviorismo) desenham de nós mesmos – com cores que nem

sempre se harmonizam – e se dedica a provar que os fatos e os materiais

reunidos por essa ciência bastam para contradizer cada uma das doutrinas

interpretativas às quais o behaviorismo ou a teoria da Gestalt recorrem implícita

ou explicitamente (Waelhens, 2006, p. XXII).

A análise da noção de comportamento é o caminho inicialmente encontrado por

Merleau-Ponty para questionar o naturalismo científico e alcançar uma filosofia

transcendental enraizada na facticidade do mundo. É uma noção neutra, diferentemente


56

das distinções tradicionais entre o “psíquico” e o “fisiológico” que tentam explicar as

causas do comportamento cada uma a sua maneira.

No terreno das ciências modernas encontramos, de um lado, a Medicina

tradicional que se preocupa em atender as alterações do corpo fisiológico por meio de

intervenções físico-químicas. De outro, nos deparamos com a Psicologia da “alma” que

atua no campo psíquico com intervenções simbólicas. Em ambas surgem discursos que

sinalizam para influências do corpo na “alma” e vice-versa (Furlan, 2001). Merleau-

Ponty elabora uma análise fenomenológica das ciências do comportamento, interligando

essas duas vias ao abrir as portas para a compreensão do comportamento por meio da

subjetividade.

Como proposta de oposição aos elementos da consciência ingênua, a ciência

tradicional elabora análises sobre o comportamento e as suas estruturas. De acordo com

a teoria clássica dos reflexos, estes são fenômenos longitudinais e interligados numa

cadeia de eventos. “A operação de um agente físico ou químico definido sobre um

receptor localmente definido, que provoca, por um trajeto definido, uma resposta”

(Merleau-Ponty, 1942/2006, p. 08). O comportamento é, então, explicado por meio de

teorizações fisiológicas causais.

Na teoria clássica dos reflexos, os excitantes só podem operar por suas

propriedades específicas. Ocorre, assim, uma série linear de acontecimentos, na qual os

agentes físicos não possuem a capacidade de influenciar o organismo de acordo com as

suas características de forma: movimento, ritmo, espacialidade, etc. Este dado deixa de

lado as formas espaciais e temporais, pois estas não se fixam ou não influenciam os

receptores de estímulos diretamente (Merleau-Ponty, 1942/2006).


57

O foco das teorias experimentais não alcança a ideia de comportamento como

unidade integrada e dinâmica em sua dimensão total, pois o funcionamento das partes é

analisado separadamente da esfera total que o configura (Melo et al, 2016). Esta

característica limita o entendimento do comportamento ao utilizar explicações

anatômicas específicas e pontuais (Furlan, 2001).

Portanto, assim que deixamos de nos fiar nos dados imediatos da consciência e

queremos construir uma representação científica do organismo, parece que

somos conduzidos à teoria clássica dos reflexos – ou seja, a decompor a

excitação e a reação em uma multiplicidade de processos parciais, exteriores uns

aos outros tanto no tempo quanto no espaço (Merleau-Ponty, 1942/2006, p. 06).

A mediação estímulo-resposta é complexa e ocorre no interior do sistema

nervoso. Sob essa lente, o tempo é percebido por meio das sequências de reflexos, nas

quais o reflexo atual é dependente dos anteriores num processo em cadeia (Merleau-

Ponty, 1942/2006). O tempo é entendido como elemento concreto que permite a

sucessão dos estímulos; é o fundo sob o qual os estímulos se mostram numa sequência

contínua que escapa a percepção consciente dos indivíduos. Ele não é contextualmente

considerado como elemento significativo para a constituição perceptiva da consciência

do mundo, mas apenas como ponte cronológica que conecta os estímulos sensórios.

No contexto cientificista, a teoria clássica dos reflexos é complementada pelos

estudos de Ivan Pavlov sobre reflexo condicionado, que insere a análise dos

comportamentos perceptivos ao questionar o grau de complexidade ambiental que

condiciona os reflexos cotidianos. Entretanto, esta teoria ainda se mantém numa


58

perspectiva determinista e mecanicista, e Merleau-Ponty faz uso da Psicologia da

Gestalt para inserir novo olhar compreensivo às relações entre o indivíduo e o meio

(Merleau-Ponty, 1942/2006, Melo et al, 2016).

Como grande contribuição aos estudos de Merleau-Ponty, a teoria da Gestalt

ampliou os horizontes da percepção do mundo ao ultrapassar a visão atomística do

comportamento dividido em pedaços distintos. Os comportamentos não são mais

entendidos como fatos isolados, e sim como arranjos interligados no tempo e no espaço

(Melo et al, 2016). Eles se configuram em uma estrutura de conduta e na integração de

suas partes encontramos a estrutura do comportamento. Para exemplificar, quando surge

uma lesão ou uma doença estas não afetam apenas o desempenho do órgão ou do

membro prejudicado, mas influenciam globalmente toda a estrutura comportamental do

sujeito (Furlan, 2001).

Para Merleau-Ponty (1942/2006), os estímulos não criam as reações tampouco

produzem o conteúdo da percepção, pois o mundo real não determina o percebido. “O

percebido seria explicável apenas pelo próprio percebido” (Merleau-Ponty, 1942/2006,

p. 145). São os dados fenomenais que possibilitam a abertura necessária para

conhecermos a fisiologia viva inserida pelo sistema nervoso e, com esta ideia, Merleau-

Ponty inaugura uma nova estrutura da percepção.

A teoria da Gestalt auxilia Merleau-Ponty a criticar as visões atomistas do

mundo, encontradas na fisiologia e na Psicologia da época, por meio de uma perspectiva

estrutural que prioriza as formas totais dos comportamentos. Entretanto, a noção de

estrutura da teoria da Gestalt não vai além do mundo concreto da física. “De tal forma

que o que parecia, com a Gestalt, apontar para a especificidade do fenômeno da

percepção, encerrava-se, mais uma vez, no próprio mundo das explicações físicas”
59

(Furlan, 2001, p. 24), em uma segunda teoria também objetiva e materialista que não

intenciona o sentido dos comportamentos.

Merleau-Ponty (1942/2006) faz distinções entre as estruturas psíquicas,

fisiológicas e físicas. Para ele, as formas físicas – inanimadas e materialistas,

desprovidas de significado – não são suficientes para sustentar os comportamentos

humanos. Suas críticas às doutrinas psicológicas tradicionais, como a teoria da forma

(Gestalt), são também uma crítica ao racionalismo como a única forma de apreensão da

consciência, do tempo e do espaço.

Não podemos, após haver rejeitado o dogmatismo das leis, agir como se estas

bastassem para dar sentido ao campo temporal e ao campo espacial, como se o

‘fundo não relacional’ sobre o qual se fundam as relações estabelecidas pela

física não entrasse na definição do conhecimento (Merleau-Ponty, 1942/2006, p.

222-223).

Merleau-Ponty recusa a objetividade das teorias atomistas dos comportamentos

reflexos e do materialismo estrutural da Psicologia da Gestalt, encontrando, no homem,

o fundamento para a emergência do fenômeno da consciência no sentido de uma

filosofia transcendental (Furlan, 2001). A consciência constitui o universo diante dela

própria e apreende os objetos experienciados, pois ela aparece simultaneamente como

parte do mundo e coextensiva dele (Merleau-Ponty, 1942/2006; 1946/2015). A

característica intencional da consciência eleva a percepção do tempo para um fenômeno

que supera a sucessão cronológica dos elementos percebidos como estados de

consciência.
60

Os comportamentos são acontecimentos do mundo, situados num campo

mediado pelo tempo e pelo espaço. Mas o domínio espacial e o segmento temporal, não

se limitam apenas à passagem de uma realidade a outra. A globalidade da vida, no

campo das experiências, e a consciência são temas adicionais que aparecem para

complementar a insuficiência das determinações fisiológicas e psíquicas das teorias

clássicas (Merleau-Ponty, 1942/2006).

A relação do tempo e do espaço faz-se presente na constituição da consciência

perceptiva, ao ultrapassar a simplicidade da abstração clássica que outrora as compunha.

Os elementos sensíveis e históricos da experiência imediata também constituem o

conhecimento físico e dão sentido ao mundo percebido, reformulando a ideia de

percepção como algo que vai além do naturalismo (Merleau-Ponty, 1942/2006;

1946/2015).

O fio que tece as relações entre o tempo, o espaço, a consciência e a percepção

se estreita desde o início da trajetória filosófica de Merleau-Ponty, correlacionando-se

mutuamente numa teia que as aproxima da compreensão das experiências humanas.

Nesse sentido, deve-se superar o mecanicismo numa direção que leve aos significados

dos processos da vida, pois estes também fazem parte da estrutura total do mundo

percebido.

Merleau-Ponty (1942/2006) redefine a noção de percepção como “um momento

da dialética viva de um sujeito concreto” (p. 258), a qual será amplamente discutida em

suas obras posteriores. O elemento descritivo da percepção também exige um

refinamento do conceito de consciência, ultrapassando a noção de algo construído pelos

elementos exteriores causais. A consciência, numa perspectiva inicial de Merleau-Ponty

(1942/2006), é “uma rede de intenções significativas” (p. 270) que podem se mostrar
61

com clareza ou que nem sempre emergem nitidamente para si mesmas quando são

amplamente vividas.

Como aponta Merleau-Ponty (1942/2006), “a consciência vivida não esgota a

dialética humana” (p. 272), pois o homem se define em sua capacidade de recriar as

estruturas já postas, uma vez que o movimento existencial se encontra nos dados

fenomênicos do mundo percebido. A consciência não é uma região ou um tipo de

comportamento, mas está em toda parte como integração da existência. Como ela, o

tempo e o espaço são indefinidos na pluralidade do mundo percebido além da

concretude material.

Merleau-Ponty (1942/2006) descreve a percepção como “um feixe de luz que

revela os objetos no lugar em que estão e manifesta a presença deles, até então latentes”

(p. 288). Apreendemos os objetos percebidos como coisa “em si” indivisível, mas estas

manifestações não são suficientes para esgotar as possibilidades perceptivas do mundo

real. Cada objeto percebido não se reduz às determinações de como ele se mostra “para

nós”; este é apenas um lampejo de seu revestimento atual.

Não construímos a percepção como se constrói uma casa, reunindo materiais

emprestados dos sentidos e materiais emprestados da memória; não podemos

explica-la como um acontecimento da natureza, situando-a na confluência de

várias séries causais – mecanismos sensoriais e mecanismos mnemônicos.

(Merleau-Ponty, 1942/2006, p. 307)

A noção de estrutura, mesmo distanciada das perspectivas atomistas e

materialistas, ainda se manifesta no pensamento de Merleau-Ponty, mas em uma nova


62

configuração. Sua função é apresentar a consciência como situada no mundo em estado

nascente e atrelada às possibilidades de sentido dos fenômenos apreendidos, pois recusa

o intelectualismo da consciência e o mecanicismo do corpo. Essa nova estrutura da

consciência rompe com a lógica do tempo linear, pois a descoberta do mundo não se

limita às vivências transcorridas sucessivamente. O comportamento humano ultrapassa

a si mesmo do percurso indefinido de tempo e espaço (Melo et al, 2016).

Nesse sentido, o tempo se manifesta com características duplas em relação à

consciência e à percepção, pois ele existe para a consciência como o “devir histórico

que a preparou”, ou seja, é no decurso do tempo que ela se constitui. Simultaneamente,

por não seguir uma direção linear e causal, o tempo também é constituído pela

consciência perceptiva. Ele é o jorrar inesgotável situado no centro da consciência que

também possui um significado intelectual e manipulável quando separado dela.

(Merleau-Ponty, 1942/2006).

A pluralidade de possibilidades de nossa percepção nos lança a um universo de

experiências que compõem o mundo percebido. Este não se resume a estados de

consciência, estruturas deterministas ou a representações que criamos da realidade. O

mundo não é apenas o objeto de uma consciência no instante agora, mas está presente

nela fazendo parte do percurso histórico que a constituiu. Este dado atrela o tempo à

experiência intersubjetiva de nossas relações com o mundo.

Além das relações próximas entre tempo, consciência e percepção, Merleau-

Ponty aponta, brevemente, para uma aproximação ente corpo e percepção, o que insere

nova ramificação para posteriores discussões sobre o tempo. Para o autor, é através do

corpo que entramos em contato com o mundo percebido. O corpo é o mediador de nossa

relação com o mundo. Ele não é experienciado apenas como uma massa material, uma
63

máquina ou um instrumento, “mas como o invólucro vivo de nossas ações” (Merleau-

Ponty, 1942/2006, p. 292). O corpo é o principal intermediário de nossa percepção no

mundo real, sendo a sede dos fenômenos que fundamenta a percepção e a consciência,

tais como o tempo e o espaço, mas esta relação – sobretudo entre corpo e tempo –

aparece de forma tímida na primeira obra de Merleau-Ponty e ganha destaque em seus

escritos posteriores.

1.2.2. O tempo na unidade do corpo próprio

Após três anos da data de publicação original da obra La Structure du

Comportement, Merleau-Ponty apresenta à comunidade acadêmica sua tese de

doutorado publicada sob o título La Phenomenologie de la Perception. Esta obra dá

continuidade aos estudos sobre a percepção, inaugurando uma nova perspectiva sobre a

experiência do tempo.

Na referida obra, Merleau-Ponty apresenta sua principal tese acerca da

construção subjetiva do homem, elabora uma releitura da filosofia de Husserl ao

destacar o Lebenswelt – mundo vivido ou mundo da vida – como o principal tema da

fenomenologia ao repor a existência na essência dos fenômenos. Para isto, a epoché –

ou redução fenomenológica – torna-se o caminho possível para alcançar a experiência

transcendental por retornar à atitude natural do sujeito (Melo et al, 2016).

Apesar de focar no tema da percepção como fundamento do jogo constitutivo

que nos atrela ao mundo, a noção de tempo atravessa toda a obra de Merleau-Ponty

mesmo que de forma indireta. O autor, desde as primeiras palavras escritas, sinaliza o

tempo como o caminho que o conduziria à subjetividade, pois todas as experiências “se

dispõem segundo o antes e o depois” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 549).


64

A percepção se constitui mediante algo percebido, e o percebido só é acessível

por meio da percepção, compondo uma relação ambígua que insere o fenômeno

apreendido num horizonte de significados. Para Merleau-Ponty (1945/2006), a

percepção funda o conhecimento e o tempo é o alicerce que a organiza, uma vez que as

recordações do passado complementam a percepção daquilo que emerge a consciência

no instante agora.

Entretanto, recordação e percepção não são sinônimas. Esta última possui algo

de originário que permite à consciência reabrir experiências antigas como ato de

lembrança ou doar significados imediatos ao fenômeno percebido. O passado é um

campo sempre à disposição da consciência, já que envolve todas as suas percepções no

horizonte tempo. Ele é revivido constantemente nas experiências que traz à tona, pois

não pode existir em si mesmo (Merleau-Ponty, 1945/2006).

A apreensão total das experiências no campo perceptivo ocorre na duração do

tempo que escoa diante o mundo percebido. Estas experiências organizam-se num

campo fenomenal contínuo, em que cada instante é coordenado ao precedente ou ao

seguinte como um texto único e sem lacunas. Os diversos pontos da experiência

percebida são reunidos e integrados à consciência, constituindo uma lógica de

funcionamento do tempo que se desdobra num horizonte de várias temporalidades

(Merleau-Ponty, 1945/2006).

A percepção que temos de um dado objeto o constitui para nós ao mesmo tempo

em que abarca uma pluralidade de experiências deste objeto enquanto totalidade.

Percebemos o todo e não apenas aquilo que se mostra diretamente aos olhos. Como

afirma Merleau-Ponty (1945/2006, p. 104), “olhar um objeto é entranhar-se nele”.

Vemos o objeto em perspectiva a outros como ele, num horizonte que o desvela e
65

dissimula os demais. Este horizonte perceptivo assegura a constituição identitária da

coisa observada em diferentes perspectivas. Para ilustrar esta ideia, Merleau-Ponty

(1945/2006) retrata o exemplo de uma casa, a qual poderia ser vista de diferentes

maneiras, dependendo de onde se encontra o observador. Se ele está ao seu lado, dentro

dela, ou a vendo de um avião. Todas as imagens representam a mesma casa, mas

nenhuma destas aparições é a casa em si.

Assim como a dimensão do espaço, ilustrada acima no exemplo da casa, os

momentos do tempo também existem em uma pluralidade de perspectivas. A casa é

vista hoje de acordo com um ponto específico da duração do observador e é a mesma

casa que se viu ontem ou anos depois. Ela até pode ser demolida um dia, mas terá

existido em todos os outros. Cada instante fundado no agora solicita que os demais

sejam reconhecidos. Por mais que o olhar humano só coloque em destaque uma das

faces do objeto, é através dele que podemos reconhecer todos os outros. Só alcançamos

o tempo em intenção diante o que é experienciado em seu horizonte (Merleau-Ponty,

1945/2006).

O objeto é visto portanto a partir de todos os tempos, assim como é visto de

todas as partes e pelo mesmo meio, que é a estrutura de horizonte. O presente

ainda conserva em suas mãos o passado imediato, sem pô-lo como objeto, e,

como este retém da mesma maneira o passado imediato que o precedeu, o tempo

escoado é inteiramente retomado e apreendido no presente. O mesmo acontece

com o futuro iminente que terá, ele também, seu horizonte de iminência

(Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 106).


66

O passado escoado e o futuro iminente são retomados e apreendidos no instante

agora, destacando o duplo horizonte da temporalidade por meio de retenções e

protensões. Essa questão, inicialmente apontada por Husserl (1928/1994) e retomada

por Merleau-Ponty (1945/2006), sinaliza que o escoamento constante da duração do

tempo transforma o presente num ponto fixo que, além de revelar os demais, pode ser

objetivado.

A objetivação da percepção experiencial desloca a experiência de mundo para o

campo das ideias, imutável em todos os tempos e lugares como expressão universal.

Surge o pensamento objetivo, atrelado ao senso comum e à ciência empírica, que se

distancia da experiência perceptiva que o originou. Ele denota uma posição absoluta,

que imobiliza a experiência (Merleau-Ponty, 1945/2006). Para romper esse extremo,

faz-se necessário reencontrar o objeto no cerne de sua experiência, assim como a

compreensão do tempo como horizonte nos permite compreender a dinâmica que

constitui o mundo da vida.

Entretanto, o acesso ao mundo da vida não é simples. Merleau-Ponty

(1945/2006) destaca ao corpo o papel de arrastar os fios intencionais que nos conectam

ao mundo, nos permitindo conhecê-lo, mas essa função não cabe ao corpo objeto,

oriundo da fisiologia mecanicista, pois o fluxo experiencial invade todas as partes do

corpo vivo e este só pode ser acessado quando considerado em direção ao mundo da

vida.

A noção de experiência do tempo é redefinida na obra de Merleau-Ponty devido

à vivência intersubjetiva do corpo vivido – ou corpo próprio (Melo et al, 2016). Para

ilustrar essa questão e amarrá-la a noção de tempo, Merleau-Ponty (1945/2006)

apresenta uma discussão acerca do membro fantasma, pois este não pode ser explicado
67

exclusivamente pela Fisiologia ou pela Psicologia. O membro amputado pode ser

descrito como a representação de uma parte do corpo que não existe mais como

elemento físico, mas ele ainda é considerado pelo sujeito no horizonte de sua vida ao

ganhar destaque como coisa percebida. Ele é sentido vivamente como existente apesar

de sua ausência concreta, uma vez que o passado é vivido no instante agora como

experiência retida na percepção mundana (Merleau-Ponty, 1945/2006).

Por ser engajado no mundo, o corpo torna-se o veículo que enraíza o homem

nele, entendendo-o em seu horizonte como extensão do tempo. A fixação do sujeito ao

membro fantasma não é uma recordação ou lembrança. O passado não se distancia, pois

está sempre presente, afinal, somos seres encarnados e estamos ligados à estrutura

temporal do ser no mundo, já que o tempo “esboça o movimento da existência”

(Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 125).

O que nos permite centrar nossa existência é também o que nos impede de

centrá-la absolutamente, e o anonimato de nosso corpo é inseparavelmente

liberdade e servidão. Assim, para nos resumir, a ambiguidade do ser no mundo

se traduz pela ambiguidade do corpo, e esta se compreende por aquela do tempo

(Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 126).

O membro fantasma é sentido como uma espécie de “quase-presente”,

experienciado no instante agora e não como índice do passado longínquo, demonstrando

o alargamento da dimensão do agora que retém experiências já ocorridas, porém,

inacabadas. Esse exemplo nos sinaliza que compreender a ambiguidade do tempo,


68

atravessada pela ambiguidade do corpo, é um dos caminhos que nos permite acessar o

mundo da vida (Lebenswelt).

O corpo, diferentemente dos demais objetos, não pode se afastar ou nos

abandonar, uma vez que ele nos compõe. “Sua permanência não é uma permanência no

mundo, mas uma permanência” ao nosso lado (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 134). Ele

existe conosco e, por isso, está à margem de nossas percepções. Por meio dele

adquirimos um ponto de vista sobre o mundo, mas não manejamos o corpo próprio

como um objeto exterior por que ele é em nós.

O mundo enquanto horizonte desvela os objetos que se mostram em perspectiva,

e nós percebemos os lados escondidos também coexistentes ao mundo em seu

horizonte. Eles se comunicam por meio do corpo próprio, que é a abertura de contato ao

mundo e convive com os demais objetos em sua duração no tempo. O mundo é “o

horizonte latente de nossa experiência” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 136-137),

sempre encarnado no instante presente, e o corpo é o núcleo significativo em que

“aprendemos a conhecer esse nó entre a essência e a existência” (Merleau-Ponty,

1945/2006, p. 204). Quando ele está em movimento, habita o espaço e o tempo ao

resgatar suas significações originárias, pois movemos o corpo fenomenal e não o corpo

objeto.

O doente picado por um mosquito não precisa procurar o ponto picado e o

encontra à primeira tentativa porque não se trata para ele de situá-lo em relação

a eixos de coordenadas no espaço objetivo, mas de atingir com sua mão

fenomenal um certo lugar doloroso de seu corpo fenomenal. E porque entre a

mão enquanto potência de coçar e o ponto picado enquanto ponto a ser coçado
69

está dada uma relação vivida no sistema natural do corpo próprio (Merleau-

Ponty, 1945/2006, p. 153).

A experiência do movimento ganha sentido por estar atrelada a um arco

intencional que lhe dá unidade e sustenta a vida perceptiva da consciência. Nela

encontramos a multiplicidade de aspectos que nos situam no mundo vivido e o tempo é

um dos denominadores que o compõe. Por exemplo, o movimento não ocorre em

decorrência de o pensarmos previamente, pois só o apreendemos após o corpo o ter

compreendido, ao invés de assimilado, numa experiência pré-reflexiva quando

incorpora o movimento ao seu mundo (Merleau-Ponty, 1945/2006).

O corpo próprio possui uma estrutura temporal, uma vez que ele existe no

presente e nunca pode se tornar absolutamente passado. Isso demonstra que a síntese do

tempo elabora sempre um novo recomeço, no qual os instantes que antecedem o

movimento não são ignorados, mas estão atrelados ao presente. A percepção do instante

agora deve reaprender os movimentos anteriores por estar alicerçada nos atuais, o que

doa ao corpo a capacidade de compreender o mundo sem necessitar de representações

ou objetivações, pois ele é um espaço expressivo de ancoragem ao mundo da vida

(Lebenswelt) (Merleau-Ponty, 1945/2006). A experiência do corpo próprio mostra que

há o enraizamento do tempo na existência, pois o corpo é uma unidade integrada que se

movimenta no mundo implicando-se nele temporalmente.

O corpo é um “nó de significações vivas” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 210) e

através dele o homem se lança e se enraíza no mundo. Ele é o conjunto de significados

vividos, os quais irradiam no tempo e no espaço e nos apercebemos disto por não

distinguirmos claramente a expressão daquilo do que é expresso. Comparativamente, o


70

corpo se aproxima das obras de artes que desdobram nossos sentidos num fluxo

experiencial vivido no horizonte do tempo diferentemente de sua vivência como objeto

(Merleau-Ponty, 1945/2006).

Por ser o lugar de apropriação do mundo, o corpo o faz existir para nós ao pôr-se

em evidência (Ferraz, 2009). O elo que construímos com o mundo, mediante esta

relação, não pode jamais ser plenamente rompido. Quando dormimos, por exemplo, não

estamos plenamente encerrados em nós mesmos e ao despertar salienta-se esse

fenômeno. Mesmo o indivíduo adoecido, quando perde o movimento entre o passado, o

presente e o futuro, pode tornar o corpo o esconderijo que amarra sua existência, mas

ainda assim não se desvincula completamente do laço intersubjetivo cravado no mundo

e o seu retorno se dá mediante às funções impessoais do sentido e da linguagem

(Merleau-Ponty, 1945/2006).

O corpo nos abre ao mundo e nos põe em situação. Essa abertura permite o

movimento existencial que escoa no tempo, em direção ao futuro, e seu processo de

recomeço. Como a existência corporal não repousa em si mesma, o corpo não se

transforma em objeto, pois não rompe com o movimento existencial. Ele é o meio de

comunicação de nossa memória com o tempo e “a memória não é a consciência

constituinte do passado” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 245). A experiência do tempo

integra os aspectos fisiológicos e psíquicos da existência (Ferraz, 2009), uma vez que,

por ser no tempo, o corpo não se fixa como coisa, sendo um eterno recomeço no mundo

de significações.
71

1.2.3. A síntese do tempo na constituição do Lebenswelt

Ao estabelecer uma íntima relação entre o tempo e a subjetividade, Merleau-

Ponty (1945/2006) afirma que nossa constituição subjetiva é temporal, pois não somos

um somatório de acontecimentos psíquicos (Ferraz, 2009). A temporalidade, a

espacialidade e a sexualidade são dimensões existenciais do ser que o envolvem

totalmente (Merleau-Ponty, 1945/2006). A subjetividade não se organiza antes ou

depois do tempo, como sua causa ou consequência, ela é no tempo.

Nas falas do senso comum, encontramos com frequência a ideia popularmente

estabelecida de que o tempo passa numa cadeia sucessiva e linear, assemelhando-se a

um rio que “escoa do passado em direção ao presente e ao futuro” (Merleau-Ponty,

1945/2006, p. 550). Sob uma lente fenomenológica da ambiguidade, essa definição soa

insatisfatória, pois os eventos temporais não se dão num fluxo de sucessões. O futuro

não é uma consequência do presente, assim como o presente não é causa do passado.

Essa visão linear nos mostra recortes dos acontecimentos temporais, restringindo

a totalidade espaço-temporal que aparece no mundo objetivo. A lógica da eterna

sucessão esbarra na finitude que fundamenta a individualidade humana e nos obriga a

perceber que “o tempo supõe uma visão sobre o tempo” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p.

551), distinta daquela do rio que corre. Devemos inverter a perspectiva comumente

aceita sobre o decurso do tempo. O presente não segue em direção ao futuro, pois se

perde no passado. O futuro caminha lado a lado com o presente, e o passado não é a

origem do tempo.

Não é o passado que empurra o presente nem o presente que empurra o futuro

para o ser; o porvir não é preparado atrás do observador, ele se premedita em


72

frente dele, como a tempestade no horizonte. Se o observador, situado num

barco, segue a corrente, pode-se dizer que com a corrente ele desce em direção

ao seu porvir, mas o porvir são as paisagens novas que o esperam no estuário, e

o curso do tempo não é mais o próprio riacho: ele é o desenrolar das paisagens

para o observador em movimento (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 551).

O futuro, assim como o passado, não acontece após, ou antes, do presente, mas

estão vinculados simultaneamente a ele como a paisagem e o barco. O passado e o

porvir são preexistentes, pois o tempo nasce da relação que estabelecemos com o mundo

e com as coisas, não podendo se limitar a cadeia de sucessões lineares (Merleau-Ponty,

1945/2006). As coisas do mundo também são temporais. Elas possuem história, mas são

apreendidas por nós de forma inacabada devido a fundamentação temporal da

subjetividade (Ferraz, 2009).

O discurso do senso comum sobre o tempo resume-se, portanto, a uma “sucessão

de agoras”, demonstrando ser duplamente inconsistente. Em primeiro lugar aborda-se o

passado e o futuro como presentes e, em segundo, destrói-se a noção de sucessão e com

ela a de “agora”. O mesmo erro ocorre quando, no campo da Psicologia, explica-se a

consciência do passado pelas lembranças e a do futuro por meio de projeções de

recordações (Merleau-Ponty, 1945/2006). Por exemplo, quando criança, rabiscamos

nosso nome na casca de uma árvore e, anos depois, reencontramos esta marca. Apesar

de deixarmos um momento de nosso passado na árvore, as letras incrustadas em sua

superfície não detém o poder de voltar no tempo por si só, pois são presentes. Nós

carregamos conosco o sentido desse passado longínquo e atribuímos ao objeto este

significado. O passado só existe quando é para nós diante nosso mundo. O mesmo
73

ocorre em relação ao futuro, ele passa a existir para nós nos instante presente e pode ser

experienciado como ansiedade.

Diferentemente do passado que nos marca, o porvir ainda não aconteceu e por

isso não nos toca. “O porvir é este vazio que agora se forma diante de meu presente”

(Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 554). Contudo, ele pode se assemelhar à relação que o

presente estabelece com o passado, pois o sentido do porvir precisa existir em nós antes

que o projetemos ao mundo como uma espécie de retrospecção. Essa lógica paradoxal

do tempo nos remete a uma importante inversão de valores, na qual o tempo deixa de

ser um elemento da consciência, tendo em vista que esta desdobra o tempo

constituindo-o. A consciência, então, liberta-se de seu aprisionamento ao presente,

transitando entre o passado e o porvir, pois os funda como objetos imanentes (Merleau-

Ponty, 1945/2006).

Apesar deste movimento, o tempo não pode existir completamente desdobrado e

constituído, pois perderia sua principal característica: a transitoriedade e o

inacabamento. Ele necessita de sua síntese como um eterno recomeço em que o antes e

o depois sejam os resultados da passagem do tempo apreendidos pelo mundo objetivo.

Quando retornamos ao passado, por mais distante que ele esteja, encontramos ali uma

ordem temporal própria, pois reabrimos o tempo no momento em que ele ainda possuía

um horizonte de porvir (Merleau-Ponty, 1945/2006).

Merleau-Ponty (1945/2006) coloca em questão a explicitação do tempo em

estado nascente, pois entende esta noção como uma dimensão do ser e não como um

objeto a se conhecer. É na experiência originária do tempo que o futuro desliza no

presente e no passado sem que precisemos evoca-lo. “Eu não penso na tarde que vai

chegar e em sua sequência, e todavia ela ‘está ali’, como o verso de uma casa da qual
74

vejo a fachada, ou como o fundo sob a figura” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 557). A

relação intencional que temos com o mundo esboça o estilo daquilo que virá

antecipadamente, já que o porvir não é uma mera hipótese ou divagação.

A cadeia de intencionalidades foi denominada por Husserl com o aparecimento

das retenções e das protensões, como explicado no item 1.1.3 deste capítulo. Merleau-

Ponty (1945/2006) retoma o pensamento husserliano, mas sua grande contribuição foi

acrescentar uma rede de protensões em proporção simétrica a de retenções. Tendo em

vista que Husserl deteve-se mais aos estudos desta última, Merleau-Ponty destacou um

papel mais ativo ao porvir no que tange sua participação no fluxo intencional do tempo.

Este elemento será um ponto de apoio importante para os desdobramentos no campo da

fenomenologia clínica sobre a experiência da ansiedade em seus variados vividos

globais patológicos.

O tempo se movimenta e transcorre no próprio curso de intencionalidade que o

define, pois assim como ele não é uma linearidade de eternas sucessões, ele também não

pode ser uma multidão de retenções e protensões aglomeradas. Quando um novo

presente surge, ele se torna um momento de passagem e move o tempo. O antigo

presente corre ao passado e o futuro ao presente, mas eles não são sucessivos, pois são

diferentes uns dos outros. O tempo é “um ambiente movente que se distancia de nós,

assim como a paisagem na janela do vagão” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 562).

Nós somos a passagem do tempo à medida que a vivemos numa relação ambígua

e entrelaçada ao mundo, sem a pensarmos ou a analisarmos. A continuidade do tempo é

um fenômeno essencial, porém, ela não define a unidade do tempo em sucessões

lineares. O passado e o futuro não estão enclausurados em si mesmos, eles brotam

quando nos abrimos a eles. Como assinala Merleau-Ponty (1945/2006),


75

Nós não dizemos que o tempo é para alguém: isso seria estendê-lo ou imobilizá-

lo novamente. Dizemos que o tempo é alguém, quer dizer, que as dimensões

temporais, enquanto se recobrem perpetuamente, se confirmam umas as outras,

nunca fazem senão explicitar aquilo que estava implicado em cada uma,

exprimem todas uma só dissolução ou um só ímpeto que é a própria

subjetividade. É preciso compreender o tempo como sujeito e o sujeito como

tempo (p. 564-565).

O homem é no tempo e a síntese deste, como assinala Merleau-Ponty

(1945/2006, 1946/2015), é a transição e o movimento que desdobra a vida, sendo

possível apenas quando é vivida. O autor nos fala de uma perspectiva ambígua do

tempo, em que a retenção do que já foi nos dá esse movimento no instante agora,

mesmo que à distância. O tempo constituinte e indiviso é o que torna possível a sua

multiplicidade sucessiva num eterno recomeço: “ontem, hoje, amanhã, esse ritmo

cíclico, essa forma constante pode-nos dar a ilusão de possuí-lo por inteiro de uma só

vez” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 567).

A perspectiva ambígua do tempo é posta no campo da experiência, em que o

tempo só pode existir para nós por estarmos situados nele. Ele não se mostra à nossa

frente e não podemos vê-lo, da mesma forma que não conseguimos visualizar nossa face

sem a presença de um espelho, mas ele está ali e envolve a totalidade do nosso ser.

Conseguimos nos aproximar do tempo no instante agora, já que nessa dimensão ocorre

o cruzamento da consciência com o ser. Como afirma Merleau-Ponty (1945/2006),

“existe tempo para mim porque tenho um presente” (p. 568).


76

A união do ser e da consciência no momento presente torna-os um só, por mais

que o primeiro não se restrinja ao que percebemos dele. O enraizamento da consciência

no ser e no tempo abre o canal de comunicação que temos com o mundo e com nós

mesmos. “Nós temos o tempo por inteiro e estamos presentes a nós mesmos porque

estamos presentes no mundo” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 569).

Este fator define a consciência em um movimento próprio ou como um fluxo de

temporalização. Ela possui uma formação global e se lança a si mesma no mundo,

reconhecendo-se nesse processo em atos ou experiências, no qual a temporalidade surge

como luz que clareia a subjetividade (Merleau-Ponty, 1945/2006), uma vez que retira

esta última de uma individualização para um enraizamento ambíguo e inseparável do

mundo.

Se o sujeito é temporalidade, então a autoposição deixa de ser uma contradição,

porque ela exprime exatamente a essência do tempo vivo. O tempo é ‘afecção de

si por si’: aquele que afeta é o tempo enquanto ímpeto e passagem para um

porvir; aquele que é afetado é o tempo enquanto série desenvolvida dos

presentes; o afetante e o afetado são um e o mesmo, porque o ímpeto do tempo é

apenas a transição de um presente a um presente. Este ek-stase, esta projeção de

uma potência indivisa em um termo que lhe está presente, é a subjetividade

(Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 571).

Além de tempo efetivo que corre, nós também o conhecemos como fluxo

originário, segundo o qual pode haver a ipseidade (Merleau-Ponty, 1945/2006), ou seja,

o sentido daquilo que é em si próprio indistinto no tempo como estrutura universal


77

(Blanc, 2016). No entanto, diferentemente do pensamento de Husserl (1954/2012),

Merleau-Ponty (1945/2006) não isola o sujeito no fluxo originário. Este se abre a nós

mesmo e inserimos aí nossas reflexões sem rachar a dualidade do tempo. Uma das

características essenciais do tempo, assim como da subjetividade, é a abertura ao Outro

num movimento de saída de si que se distingue de uma identidade imutável (Merleau-

Ponty, 1945/2006).

Nossa capacidade de temporalização não ocorre conscientemente por escolha e

autoria nossa. Não a controlamos da mesma forma que não detemos o poder de

movimentar o sangue que circula em nossas veias, mas uma vez que existimos no

mundo o tempo nos é confluente. Ele jorra em nós e possibilita nos apreendermos a nós

mesmos num eterno recomeço, retirando-nos da ação causal exterior.

Como aponta Merleau-Ponty (1945/2006, p. 573), somos “inteiramente ativos e

inteiramente passivos, porque somos o surgimento do tempo”. Ele funda a potência que

temos em nos habitar e em atribuir ou não sentido ao mundo. Precisamos ir ao encontro

das coisas para as conhecermos, isso ocorre por meio de nossos sentidos, de nosso

corpo e de nosso campo perceptivo, os quais nos mostram a presença do mundo em nós

mesmos.

O mundo é a “unidade primordial de todas as nossas experiências no horizonte

de nossa vida” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 576) e ele é intrínseco a um sujeito que

se faz como seu projeto. Da mesma forma, o sujeito não se aparta do mundo, pois é ele

quem o projeta. A relação ambígua entre homem e mundo pode ser compreendida

quando adicionamos o fator tempo na equação, pois isso é o fundamento de toda

experiência.
78

Homem e mundo são inseparáveis, pois fazem parte de um mesmo tecido que

compõe o horizonte temporal. Quando experimentamos nossa existência, ultrapassamos

o tempo concreto em direção ao tempo vivido. Isto desconstrói a passagem de um

momento a outro em sucessões lineares para a descoberta do passado e do futuro como

elementos inseridos no presente, o que marca a unidade do tempo. Ela atravessa nossa

experiência como um todo, revelando o tempo como fenômeno uno a fluir

integralmente em nossa relação com o mundo.

A experiência do tempo é compreendida como um fenômeno único e indiviso

devido ao arco intencional que entrelaça homem e mundo. A construção de Merleau-

Ponty sobre esta temática é revestida pela análise da intencionalidade elaborada por

Husserl no texto das Lições, a qual se utiliza das retenções, protensões e apresentações

para discutir a unicidade do tempo. Apesar de reconhecer a importância do trabalho

iniciado por Husserl e o tomar como ponto de partida, Merleau-Ponty tece críticas à

subdivisão consciência e mundo oriundo da noção de intencionalidade de Husserl e

caminha em direção a uma ontologia.

1.2.4. A ‘carne do tempo’ na ontologia de Merleau-Ponty

As contribuições de Merleau-Ponty ao estudo da experiência do tempo ganham

continuidade no sentido de uma construção ontológica da relação homem/mundo. Em

sua célebre obra O visível e o Invisível, publicada postumamente, Merleau-Ponty

(1964/2014) tece reflexões e questionamentos que aprofundam a forma de compreender

a relação homem e mundo, desconstruindo os caminhos da atitude natural.

Merleau-Ponty (1964/2014) radicaliza a discussão da unidade do tempo, iniciada

na obra Fenomenologia da Percepção, ao pôr em cena o enigma do mundo, apontando


79

que este não é tão evidente para nós quanto aparenta. Vivemos num processo de troca

contínua com as coisas, com os outros e com nosso próprio corpo (Silva, 2011), o que

leva o filósofo a tentar compreender a manifestação do ser no mundo ao invés de

explicar conceitualmente a existência do mundo (Ferraz, 2009).

Ocorre a passagem de uma perspectiva fenomenológica que já se delineava num

sentido ontológico em suas obras iniciais devido à ambiguidade presente na ideia da

mútua constituição homem e mundo, para uma ontologia em toda a sua radicalidade

(Ferraz, 2009; Laconte, 2012). Esta se voltará com mais atenção à noção de experiência

devido à questão ontológica de nossa encarnação no mundo (Silva, 2011). Tal passagem

aponta para uma renovação do pensamento de Merleau-Ponty, o que repercute em seus

estudos da experiência do tempo.

Nós nos configuramos como indivíduos temporais. Mas o que isso significa?

Perguntas rotineiras como “onde estou?” e “que horas são?” anunciam a ausência de um

fato, como se houvesse uma lacuna ou uma fissura na continuidade das coisas que nos

dão certeza do mundo factual, já que o tempo e o espaço são certos, bastaria saber em

que ponto ou momento deles estamos inseridos. Entretanto, a tentativa de responder a

essas questões com explicações tradicionais como a concretude da hora do relógio, por

exemplo, confere apenas uma breve simulação de seu potencial (Merleau-Ponty,

1964/2014). São questões mais amplas, que reverberam naquilo o que acreditamos ver e

sentir em nosso contato com o mundo.

“Santo Agostinho dizia do tempo, que este é perfeitamente familiar a cada um,

mas que nenhum de nós o pode explicar aos outros” (Merleau-Ponty, 1964/2014, p. 15-

16). O tempo foge à linearidade da cadeia de sucessões5 e se entranha em nós,

5
Conforme apresentado no subitem 1.2.4 deste capítulo.
80

compondo o estofo de nossa existência durável. Ele nos remete ao mundo, uma vez que

sua unidade revela a plenitude do ser.

Para Merleau-Ponty (1964/2014), o tempo não é uma abstração como os fatos e

as ideias. Ele é “a presença e a latência” (p. 115) que subscreve cada indivíduo. A

experiência do tempo não nos encerra em uma individualidade descontextualizada e a-

histórica no âmbito de uma essência pura, mas nos permeia em relação aos demais

sujeitos que habitam nosso mundo e nos põe em contato com eles.

O mundo é um campo ambíguo de horizontes, que está aí desde o princípio e se

abre a nós. Nele o tempo pode ser prejulgado sob as dimensões passado, presente e

futuro, mas não se resume a tal perspectiva. “O tempo se vincula por todas as suas

fibras ao presente e, por seu intermédio, ao simultâneo” (Merleau-Ponty, 1964/2014, p.

53). O presente, enquanto campo de presença, não se manifesta sem horizonte; ele o

engloba, rompendo com a lógica de uma cadeia de sucessões. Aqui encontramos a

simultaneidade, em que passado e futuro aparecem como co-presença no presente e

cada novo presente anula o anterior. A experiência do tempo, nesse sentido, remontaria

a uma espécie de eternidade devido à ausência de um núcleo visível e linear (Laconte,

2012).

É devido à reflexão de nossas experiências, inclusive a do tempo, que

assimilamos a lógica do depois. Ela imprime em nós a idealização do porvir por meio

de uma construção retrospectiva, mas que não é suficiente para expressar a plenitude do

tempo e seu entrelaçamento à existência do ser (Merleau-Ponty, 1964/2014). Homem,

mundo e outro estão implicados mutuamente graças ao tempo e ao espaço. É uma

abertura natural e histórica que permeia nossa existência.


81

Nossa vida possui, no sentido astronômico da palavra, uma atmosfera; está

constantemente envolvida por essas brumas que chamamos mundo sensível ou

história, o sujeito indeterminado (on) da vida corporal e o sujeito indeterminado

da vida humana, o presente e o passado, como conjunto misturado dos corpos e

espíritos, promiscuidade de rostos, palavras, ações, e com essa coesão entre

todos, que não podemos recusar-lhes, já que todos são diferenças, distâncias –

extremas de um mesmo algo (Merleau-Ponty, 1964/2014, p. 87).

A proposta de Merleau-Ponty (1964/2014), em oposição à busca das essências,

reside em resgatar a experiência que nos funde às coisas e ao mundo. Não se trata de

buscar algo imediato, misterioso, escondido nas profundezas do ser, pois nossa

percepção se apaga no instante em que ela se torna pura como fator mediado pela

experiência do tempo.

Para Merleau-Ponty (1964/2014), mais do que questionar a essência do tempo, é

imprescindível suscitar questionamentos a respeito da relação que o tempo estabelece

com sua essência, pois tal interrogação pontua “a relação última com o Ser e como

órgão ontológico” (p. 119). É uma questão que não se resume a um horário específico

no tempo, objetivado pela passagem dos minutos e segundos, mas que se abre para algo

inesgotável, cujo vínculo indestrutível nos liga ao mundo e as coisas.

Com o intuito de superar a lógica da essência, presente na fenomenologia

transcendental de Husserl, Merleau-Ponty (1964/2014) desconstrói a figura do homem

como um puro espectador da realidade constituído apenas pelo campo da ideação, pois

“toda ideação, porque é uma ideação, se faz num espaço de existência” (p. 111). O
82

homem está entranhado no mundo, e a experiência do tempo é revelada como ponto

privilegiado sob o qual esta relação se inicia (Silva, 2011).

Por sermos situados e entranhados temporalmente no mundo, Merleau-Ponty

(1964/2014) presume que algo sente e toca este mundo, servindo de ponte a ele. Este

algo é o corpo, o qual é simultaneamente vidente e visível, sensível e senciente, sujeito e

objeto de nossa existência. A experiência do corpo, na filosofia de Merleau-Ponty

(1942/2006; 1945/2006; 1946/2015; 1964/2014), passa a ser reconfigurada por uma via

metafórica; a carne. Ela é o eixo sob o qual se desvelará a perspectiva ontológica da

fenomenologia de Merleau-Ponty por corresponder a uma nova teoria do ser.

Pensar a Carne como Ser de transcendência é refazer, mais propriamente, esse

círculo de nossa conaturalidade com o mundo, com o outro, com as coisas. É

interrogar o sentido mais profundo de ‘nossa encarnação numa natureza’. Eis,

então, em linhas gerais, o sentido desse recomeço de uma nova teoria

transcendental: o caráter irrevogável pelo qual a vida ambígua se faz corpo ou,

se se quiser, se faz carne (Silva, 2011, p. 171).

O sujeito está inserido num campo de experiências, em que compreendemos o

sujeito como tempo e o tempo como sujeito (Merleau-Ponty, 1945/2006; 1964/2014;

Silva, 2011). Eles são um só fenômeno coeso, dialético e vivido como “carne do tempo”

(Merleau-Ponty, 1964/2014, p. 111). Ao invés de assumirmos que estamos no tempo e

no espaço, como algo que transcorre por baixo de nós, somos tempo e espaço. Eles

constituem o estofo invisível de nossa existência como carne que nos entranha ao

mundo.
83

As coisas, aqui, ali, agora, então, não existem mais em si, em seu lugar, em seu

tempo, só existem ao término destes raios de espacialidade e temporalidade,

emitidos no segredo da minha carne, e sua solidez não é a de um objeto puro que

o espírito sobrevoa, mas é experimentada por mim do interior enquanto estou

entre elas, e elas se comunicam por meu intermédio como coisa que sente

(Merleau-Ponty, 1964/2014, p. 113).

A ideia de uma “carne do tempo” insere o tempo como dimensão fundamental

que abre o mundo de experiências, pois ele nos permite compreender a totalidade que

integra o elo eu-outrem-mundo. O decurso da experiência do tempo promove “o acordo

entre o transcendental e o mundo” (Silva, 2011, p. 168) por meio da síntese que integra

a passagem do tempo como unicidade. Por este caminho Merleau-Ponty (1964/2014)

insere a ideia de encarnação ao abordar a existência, uma vez que somos carne e estofo

do mundo. Como afirma Silva (2011), o tempo é a “experiência matriz” (p. 168) que

desconstrói o ideal de uma subjetividade como elemento eterno em si mesmo e

constituinte. É por sermos no tempo que somos seres no mundo.

Entretanto, o tempo continua a existir enquanto essência e se torna visível a nós

por meio das presentificações de nossa realidade, as quais nos permitem materializá-lo,

preenchê-lo e ocupá-lo, porém, essa dimensão plana do tempo bloqueia nossa visão,

uma vez que ele se estende para além e, ao buscá-lo, encontramos uma segunda

perspectiva: a das significações. Estas não possuem uma temporalização específica, são

invisíveis a nosso olho nu e atrelam-se a nossa existência. Possuem, como assinala


84

Merleau-Ponty (1964/2014), “um vínculo misterioso” (p. 112) com o tempo, o qual é

visível e invisível simultaneamente.

A experiência do tempo nos conecta ao outro e o faz por meio da generalidade

de nosso corpo, pois somos tempo do mundo e, entranhados em sua carne, somos tempo

de experiências vividas. O tempo, ao encontrar-se distanciado da noção de essência, não

pode ser sobrevoado como algo que existe em si. Temos em torno de nós mesmos um

tempo “de proliferação, de imbricação, de promiscuidade” (Merleau-Ponty, 1964/2014,

p. 114). É um tempo de textura, de entrelaçamento com a experiência sensível do ser, a

qual não pode ser reduzida ao racional e imutável por se constituir como experiência

global (Silva, 2011). É nessa experiência total e integrada que nasce a simultaneidade

entre tempo e corpo, fundidos como carne e que circunscrevem um único

acontecimento.

Ao introduzir o conceito de carne, Merleau-Ponty radicaliza o contato do

homem com o mundo em sua ambiguidade. A experiência de mundo, que se faz no

tempo, deixa de ser fruto de uma consciência intencional que se conecta

simultaneamente com as coisas, pois “tudo o que se dá ao Ser se retira da experiência,

tudo o que se dá à experiência se retira do Ser” (Merleau-Ponty, 1964/2014, p. 120).

O pensamento ontológico de Merleau-Ponty supera a divisão de Husserl entre

consciência e mundo, embora ambos estejam correlacionados intencionalmente, pois

nossa experiência do mundo está entranhada em nós mesmos. Somos tocados e

tocantes, visíveis e videntes como carne do mundo, indistinta e inseparável. Se não há

consciência e objeto, também não há passado e consciência do passado, uma vez que

este se renova e torna-se novamente presente no horizonte ambíguo de nossas

experiências.
85

Se a lembrança pura é o antigo presente conservado e se, na rememoração, volto

a ser verdadeiramente o que fora, não se vê como poderia abrir-me à dimensão

do passado; se, inscrevendo-se em mim, cada presente perde sua carne, se a pura

lembrança em que se transmuda é um invisível, há então um passado, mas não

coincidência com ele, estou separado dele por toda a espessura de meu presente,

o passado só é meu se aí encontra lugar de alguma maneira, fazendo-se de novo

presente (Merleau-Ponty, 1964/2014, p. 120).

As paisagens de nossa vida, como aponta Merleau-Ponty (1964/2014), são

“segmentos da carne durável do mundo” (p. 121). O tempo, vivido como estofo do

mundo, é radicalizado na última fase do pensamento de Merleau-Ponty ao ser

compreendido no quiasma, ou seja, no entrelaçamento ambíguo que o integra ao mundo,

ao corpo e ao outro como carne do mundo. Esta perspectiva nos abre a possibilidade de

compreensão crítica das experiências de adoecer vividas na ansiedade, uma vez que elas

não se constituem dentro ou fora dos indivíduos, e sim em uma espécie de fronteira

borrada que nos entrelaça ao mundo.


86

Capítulo 02

O TEMPO VIVIDO NA FENOMENOLOGIA CLÍNICA

Estudos sobre o tempo se fizeram presentes desde os primeiros trabalhos de

cunho fenomenológico no campo da psicopatologia (Melo et al., 2016). Eles auxiliaram

a ampliar a compreensão do adoecimento mental para além do modelo tradicional

preponderante que priorizava os sintomas, retornando à experiência vivida que, por sua

vez, se desvela no horizonte do tempo.

O tempo vivido é tema que atravessa a fenomenologia clínica, seja ela

tradicional ou contemporânea, e comumente aparece atrelado à compreensão de

patologias específicas, tais como a esquizofrenia, a melancolia e a mania (Tatossian,

1979/2006). Neste capítulo, entretanto, tivemos como objetivo apresentar os estudos

sobre o tempo vivido na fenomenologia clínica, destacando temáticas que nos

auxiliaram na compreensão da ansiedade.

Inicialmente, abordamos a experiência sensível do tempo, pois esta é nossa

ponte de contato com o mundo. É por meio dela que captamos o movimento de nossa

existência. Em seguida, discutimos a questão do ímpeto ou élan vital que, atrelado ao

devir humano, nos permite criar o futuro. Adiante, tratamos sobre a relação paradoxal

entre tempo e subjetividade e, por fim, pontuamos a dimensão intersubjetiva do tempo

por meio do processo de (des)sincronização da experiência temporal. Estas temáticas

nos permitiram dar alguns passos na construção de uma fenomenologia clínica do

tempo vivido na ansiedade.


87

2.1. A experiência sensível do tempo

A importância de se resgatar a experiência sensorial para a compreensão dos

fenômenos patológicos ocorreu por meio dos estudos do psiquiatra e psicólogo alemão

Erwin Straus (1935/2000; 1948/1967) sobre o tempo (Araújo, 2000), pois a experiência

sensorial é a ponte intencional de nosso contato com o mundo. Esta perspectiva se

contrapõe à ciência moderna, que renegou o conhecimento sensível, já que ele não se

distancia objetivamente do fenômeno investigado.

A filosofia moderna, representada pelo pensamento cartesiano, separa a

realidade entre mundo interior e exterior, construindo “um abismo entre a consciência e

o mundo” (Straus, 1948/1967, p. 180). Ao sentirmos o cheiro do almoço de domingo

sendo preparado, por exemplo, teríamos aí uma criação puramente mental de nossa

consciência, apartada dos dados do mundo exterior.

A ciência moderna considerava “as sensações como um tipo inferior de

conhecimento” (Straus, 1948/1967, p. 181, tradução livre), distanciando-se de toda a

riqueza dessa forma de percepção. Partia-se do princípio que as sensações isoladas à

consciência não poderiam nos afetar. Mas será que a sensação de taquicardia, falta de ar

e medo extremo, dentre outros, tão recorrentes nas experiências de ansiedade não

merecem atenção por parte do pesquisador ou clínico como fenômenos que nos

permitiriam compreender o mundo vivido de quem as sente?

Para a ciência moderna e cartesiana, não! A experiência sensorial era

considerada confusa e contribuiria para confundir o pesquisador ou clínico. O seu ponto

de partida residia na ideia da consciência isolada do mundo, existindo sozinha e voltada

para si mesma (Straus, 1948/1967) de forma atemporal e a-histórica, como alguém

preso numa ilha deserta.


88

Mas é a experiência sensorial que capta o movimento de nossa própria

existência, o qual transcorre num horizonte temporal marcado pela continuidade do

devir. Nossos sentidos nos carregam consigo (Straus, 1948/1967), pois são as janelas

que nos permitem conhecer o mundo, além de determinar o momento presente e

concreto de nossa existência.

Se algo ocorre conosco, isso se dá no mundo. Se diante o medo paralisante me

sinto sem conseguir respirar e com o coração acelerado, estas sensações vividas em

momentos de intensa ansiedade dizem sobre o sujeito que as sente e também sobre o

mundo em que ele vive, correspondendo a uma experiência intersubjetiva e mundana.

Para Straus (1948/1967), o conhecimento científico “não pode sair da esfera da

experiência cotidiana” (p. 185, tradução livre) e, se almejamos compreendê-la, devemos

retornar aos seus princípios, seus axiomas, os quais se fundamentam no intercâmbio

contínuo entre os indivíduos, as coisas e o mundo.

Como espectador você se encontra no mesmo mundo em que os objetos que viu.

O sujeito desta experiência não é uma consciência pura nem apenas empírica; é

essa criatura infalsificável, irreproduzível, real e vivente, que experimenta os

sucessos dentro do contexto de sua vida histórica e pessoal (Straus, 1948/1967,

p. 186).

A compreensão da experiência do tempo vivido na ansiedade perpassa essa troca

que cada sujeito constrói com o mundo ao seu redor, ao invés de enquadrá-lo como

sintoma isolado em si mesmo. A experiência sensível se torna um dos pilares do mundo

humano e, para a compreendermos, devemos retornar as condições que a possibilita


89

existir, tais como o tempo (Straus, 1948/1967).

Os nossos sentidos, como a visão, o tato, o paladar e etc., nos permitem conhecer

simultaneamente a nós mesmos e as coisas ao nosso redor (Straus, 1935/2000;

1948/1976). Ao ver a imagem de um pássaro voando, por exemplo, o percebemos como

algo diferente de nós ao mesmo tempo em que experienciamos sensações e vivências

singulares desta percepção.

Tal simultaneidade de caráter intencional percebida na experiência sensorial

promove uma articulação entre movimento e sensação (Straus, 1935/2000). Ambos se

integram numa unidade indissociável amarrada pelo laço do tempo, pois tudo o que

experienciamos sensorialmente se dá num horizonte temporal. O movimento se vincula

ao tempo e, por sermos seres em devir, esta estrutura movente nos permite sentir o

mundo ao nosso redor (Veríssimo, 2014).

Não é muito difícil dar-se conta de que apenas um ser senciente pode mover-se a

si mesmo; mais difícil é a proposição inversa, a saber, que apenas um ser capaz

de moção espontânea pode ter experiências sensoriais. E, porém, são estas duas

afirmações simétricas que expressam conjuntamente a unidade interior e o pleno

conteúdo da experiência (Straus, 1948/1967, p. 191, tradução livre).

A experiência sensorial é imediata. Ela se dá anteriormente à racionalização e

não pode ser alienada por esta (Straus, 1948/1967), atravessando toda a percepção que

construímos do mundo ao nosso redor e de nós mesmos. Há uma relação entre liberdade

e confinamento nesta experiência, uma vez que ela confina toda a possibilidade de

conhecermos o mundo e, simultaneamente, é o que nos permite conhecê-lo.


90

Como assinala Straus (1948/1967), “nosso mundo diário se forma dentro do

clima da experiência sensorial” (p. 203). Nossos sentidos abrem as portas para

construirmos significados diante o que experienciamos em nosso contato ambíguo com

o mundo, e é por meio de alterações nesta estrutural básica das experiências humanas,

que emergem os quadros patológicos, tais como a ansiedade.

As mais graves perturbações ocorrem quando há alterações profundas na relação

entre o sujeito e o mundo (Straus, 1948/1967), modificando a direção, a continuidade e

a transitoriedade de nossa experiência mundana. Dados estes que compõe o horizonte de

sentido de nossas experiências, tornando-as temporais e históricas.

Os sentidos nos permitem alcançar um conhecimento apreendido no movimento

originário de nosso contato ingênuo com o mundo. Straus (1935/2000) assinala que a

experiência sensorial se entrelaça com a dimensão pática de nossa existência, pois o

sentir é pré-objetivo e pré-predicativo. Ele permite o reencontro com a disposição

originária do ser (Veríssimo, 2014) e serve de ponte para o conhecimento que

construímos do mundo, da vida e nós mesmos.

Ao resgatarmos a experiência sensível podemos dar um passo diante na tentativa

de compreender uma forma de conhecimento para além do cognitivo. É um retorno ao

fenômeno naquilo que ele possui de mais originário, fundamental e pático, pois se

constrói histórica e temporalmente na duração e na continuidade do contato que cada

sujeito estabelece com o mundo.

Aproximar-se do mundo sensível, mesmo que ele seja opaco, turvo e embaçado,

é se desdobrar sobre a existência do sujeito. Ao sentir, nos transformamos.

Desdobramos nossa relação com o mundo em acontecimentos subjetivos bem como em

dados do mundo objetivo, pois o horizonte temporal da experiência sensorial se situa no


91

instante agora (Straus, 1935/2000; 1967/2000).

Esta é uma perspectiva existencial do tempo entranhada nos dados sensíveis de

nossa experiência, que ganha destaque por sua tentativa de superação da visão dualista

tradicional presente na filosofia entre o tempo pessoal (ou vivido) e o tempo

cronológico (ou objetivo) ao construir uma perspectiva que as unifique com a noção de

agora (Straus, 1967/2000; Moskalewicz, 2017).

As convenções sociais constroem formas de quantificar o tempo, por meio de

calendários, relógios, cronômetros e etc. A mensuração do tempo está presente em

diferentes culturas, de diferentes formas e se apresenta como uma habilidade humana

universal (Moskalewicz, 2017). Mas o tempo em si é maior que tais formalidades, pois

“a medição restringe o tempo à ordem do um após o outro” (Straus, 1967/2000, p. 118)

e deixa de lado o fluxo contínuo de sua transitoriedade. Em outras palavras, as

convenções sociais nos permitem marcar nos ponteiros dos relógios o exato instante de

algo, mas não é possível captar com a mesma precisão a simultaneidade do passar das

horas.

A visão unificada que Straus constrói sobre o tempo descreve o tempo objeto

como inseparável de sua vivência subjetiva “graças à sua posição única” (Straus,

1967/2000, p. 119) no instante agora em relação ao avançar do dia. Cada instante do

tempo (horas, dias, semanas, meses, etc.) a ser quantificado pela racionalidade humana

também possui um significado próprio em nossas vidas.

O homem “vivendo no tempo, é capaz de alcançar o além do instante, tanto no

futuro quanto no passado e, dessa maneira, estabelecer sua própria posição no vasto

horizonte temporal do ‘não-ainda’ e do ‘não-mais’ (Straus, 1967/2000, p. 120). A

dicotomia clássica entre tempo objetivo e tempo vivido ilustra dois lados de uma mesma
92

moeda – a experiência do tempo. Essas duas formas devem manter uma relação de

equilíbrio para vivenciarmos “uma experiência temporal normal” (Moskalewicz, 2017,

69, tradução livre).

Na visão de Straus (1967/2000), a tensão entre o tempo cronológico e o tempo

vivido está implícita e, quando ela se desequilibra, ocorrem as experiências de

adoecimento mental. Nesses casos, há uma experiência anormal no tempo vivido que

pode aparecer como uma forma de desorientação ou desintegração da unidade do

tempo. Enquanto nos estados depressivos, por exemplo, a balança pende para o passado,

nos estados eufóricos, tais como a ansiedade, o futuro é favorecido (Moskalewicz, 2017;

Moskalewicz & Schwartz, 2020).

2.2. O ímpeto vital no tempo vivido

Estudos sobre o tempo são presentes desde o início da tradição fenomenológica

em psicopatologia. Inicialmente, ele foi objeto de investigação no campo da

fenomenologia filosófica, como apresentado no primeiro capítulo desta tese, e, em

seguida, com o surgimento dos estudos fenomenológicos em psiquiatria, o tempo

passou a ser abordado também nesse contexto, pois se buscava acessar o mais

profundamente possível a gênese dos fenômenos mórbidos para delimitar o elemento

gerador das patologias mentais (Fuchs, 2014; Tatossian, 1979/2006, 1980/2012).

Neste percurso, o psiquiatra Eugène Minkowski publicou, em 1933, a célebre

obra Le temps vécu e inaugurou a descoberta do tempo vivido como a principal via de

acesso à compreensão dos transtornos mentais (Fuchs, 2005, 2010, 2014; Tatossian,

1979/2006). Minkowski (1933/1994) assumiu como objetivo “compreender o vivo

fenômeno do tempo em toda sua riqueza, em toda sua especificidade original”


93

(Minkowski, 1933/2011, p. 88), pois só assim se configuraria a base de todas as

significações experienciais do homem (Pélicier, 1995).

Foi nesta obra que Minkowski (1933/1994; 1933/2011) apresentou o ímpeto

(élan) vital como fenômeno temporal atrelado ao devir humano. A experiência do devir,

tão importante à compreensão do tempo vivido (Minkowski, 1933/1994; 1933/2011),

traz à tona o fenômeno do ímpeto (élan) vital, o qual é responsável por criar “o futuro

diante de nós e é somente ele que o faz” (Minkowski, 1933/2011, p. 97). Nossa

existência ganha direção e sentido por meio de um futuro aberto com inúmeras

possibilidades. Nos prejuízos desta relação encontramos a condição de possibilidade da

ansiedade (Moskalewicz & Schwartz, 2020), uma vez que o futuro se contrai e inibe o

devir humano.

É importante destacarmos, contudo, que o tempo é um elemento atrelado a

nossas vidas e, direta ou indiretamente, circunda nosso cotidiano (Minkowski,

1933/1994, 1933/2011). Para nos orientarmos em nossas tarefas diárias, recorremos

continuamente aos relógios, aos calendários e a outros instrumentos que contabilizam o

tempo em instantes precisos como segundos, minutos, horas, dias, semanas, etc. (Costa

& Medeiros, 2009; Minkowski, 1933/1994, 1933/2011).

Em todas estas situações o que percebemos é o movimento contínuo em reduzir

o tempo a um ponto fixo que deve ser mensurado e quantificado, pois se trata aqui do

“tempo assimilado ao espaço” (Minkowski, 1933/2011, p. 87). Mas ele possui

características que ultrapassam a objetividade cronológica do mundo e escapam a ela.

Estes são apenas os elementos mais abstratos e distantes de um tempo experiencial,

nomeado por Minkowski (1933/1994; 1933/2011) como tempo vivido, e a sua descrição

bem como a de suas alterações é uma das tarefas da fenomenologia clínica.


94

Para isso, precisamos destacar a correlação entre tempo e devir. O tempo é algo

“movente, misterioso, grandioso e poderoso que eu vejo ao redor de mim, em mim, em

todo lugar, em uma palavra, quando medito sobre o tempo. É o devir” (Minkowski,

1933/2011, p. 89). Ele é marcado pela fluidez, transitoriedade e um contínuo processo

de vir a ser no sentido experiencial, o que impossibilita a apreensão conclusiva deste

fenômeno pela racionalidade e objetividade do mundo.

Adaptado ao ser, o pensamento se mostra incapaz de abordar o devir. O devir é

inacessível ao conhecimento, não porque se localiza fora do conhecido, mas

porque se encontra, por assim dizer, totalmente dado, não colocando sobre o

tema de sua natureza nenhum problema que seja do domínio do pensamento

discursivo (Minkowski, 1933/2011, p. 90).

Ao aproximar tempo vivido e devir, Minkowski (1933/1994; 1933/2011),

influenciado pela fenomenologia filosófica de Husserl (1928/1994), tece críticas à

noção de sucessão. Se o passado já ocorreu, ele não é mais no instante agora. Já o

futuro, que ainda não aconteceu, esvazia o presente por não ser ainda. O presente, por

sua vez, acaba no instante em que acontece porque não possui extensão e está situado

entre dois ‘nadas’, tornando-se também vazio. A linearidade sucessória entre passado,

presente e futuro reduz o tempo a “um nada situado entre dois nadas” (Minkowski,

1933/2011, p. 90), pois cada instante seria independente dos demais.

O tempo se torna o ‘nada’ quando o enquadramos à rigidez da racionalidade ao

inibir sua fluidez no movimento do devir. A riqueza e a vivacidade do tempo não

podem ser acessadas e compreendidas pelo raciocínio e a premissa que apresenta o


95

tempo como sinônimo do “nada” comprova apenas a irracionalidade desta dimensão

(Costa & Medeiros, 2009; Minkowski, 1933/2011), pois o tempo é um dos fundamentos

de nossa existência.

Compreender a natureza íntima do tempo, como propõe Minkowski (1933/1994;

1933/2011), significa alcançar o aspecto ambíguo desta dimensão, pois o tempo se

configura em seus dados objetivos, mensuráveis e racionais, mas também em seu

aspecto vivido no bojo de nossas experiências do mundo.

Passado, presente e futuro são dimensões interligadas que coexistem numa

síntese una e inquebrável (Merleau-Ponty, 1945/2006). Os dois polos extremos da

temporalidade revelam a necessidade de transitarmos entre eles e nas alterações dessa

passagem, Minkowski (1933/1994, 1933/2011) aponta, assim, o fundamento das

experiências de adoecimento psicopatológico.

Duração, fluxo e continuidade são os três fenômenos temporais que nos auxiliam

a assimilar o tempo de modo natural, oriundo do movimento da vida. Ao invés de

percebermos o tempo nos engolindo como uma areia movediça, ele se estende diante de

nós, deixando a impressão de estabilidade, consistência e similitude. É apenas pelo

esforço da abstração que a experiência do tempo torna-se racional e ele ganha aspecto

objetivo (Minkowski, 1933/1994, 1933/2011). Anteriormente a isso, no entrelaçamento

da duração, do fluxo e da continuidade, abre-se a possibilidade de vivenciarmos o

tempo no movimento contínuo de nossas experiências como tempo vivido.

A unidade do tempo vivido (1933/1994; 1933/2011), além de retomar a

teorização de Husserl (1928/1994) sobre a ampliação do momento presente para

associá-lo ao que já foi (retenção) e ao que irá ser (protensão), amarra tal questão ao

fluxo contínuo do devir. Vincula-se a uma perspectiva experiencial ao invés de atrelada


96

à constituição da consciência, como destacava o criador da fenomenologia filosófica.

Por nunca ser estático, o devir segue o movimento de nossas experiências do

mundo. Ele progride e avança para o futuro por ter uma direção. No fluxo do devir,

desbravamos territórios desconhecidos e racionalmente inexistentes até então e lhes

conferimos significados à medida que seguimos em nossa jornada, impulsionados pelo

ímpeto vital.

O futuro e o ímpeto vital estão tão intimamente ligados um ao outro que não são

mais que um. É o ímpeto vital que nos desvela a existência do futuro, que no-lo

dá um sentido, que o abre e o cria diante de nós, esse futuro acerca do qual

chegaremos a saber talvez alguma coisa um dia, de todo modo pouca coisa

(Minkowski, 1933/2011, p. 98).

Vale ressaltar, entretanto, que o ímpeto vital é anterior ao desejo ou a

necessidade de realizar determinadas ações. Ele abre o futuro diante de nós, cheio de

infinitas possibilidades, sendo anterior aos fatos isolados e específicos das situações de

nossa vida (Minkowski, 1933/1994, 1933/2011). Por exemplo, o anseio em cumprir os

prazos estipulados no cronograma desta pesquisa nos lança à realização de ações

pontuais no tempo e no espaço devido ao significado que atribuímos a este contexto. O

ímpeto vital é anterior a este movimento, ele não se esgotará quando a pesquisa estiver

concluída e passar a pertencer ao passado. Pelo contrário, ao vislumbrar o nascimento

do futuro diante de nós e por estar no fundamento de nossa existência, o ímpeto vital

tem a habilidade de recriar o futuro e amarrá-lo ao passado.

O ímpeto vital é irracional, irrefletido e, portanto, temporal. Entretanto, por que


97

temos a sensação deste ímpeto seguir uma direção específica? Minkowski (1933/2011)

assinala uma característica peculiar deste fenômeno. Ao mesmo tempo em que ele é

indeterminado, pode ser fracionado em direções particulares que possuem objetivos

específicos. Todavia, o somatório de todos estes resquícios não traduz a totalidade do

ímpeto vital. Seus fragmentos se sucedem, criam uma história e, nesta trama, eles se

entrelaçam, pois o seu movimento experiencial possui a mesma tessitura.

Tal movimento abre as portas da ansiedade, uma vez que estamos

constantemente em busca de realizar determinados objetivos. Quando um se encerra, já

encontramos outro para dar continuidade, numa sucessão constante de etapas que reflete

a insaciável vontade em irmos além ao curso de nossas vidas (Minkowski, 1933/1994,

1933/2011).

Ímpeto

Eu Realização

Figura 1: Ímpeto vital (Minkowski,


1933/1994, p. 41, tradução livre).

Sem o ímpeto vital nada poderíamos realizar ou buscar. Além deste saldo

positivo, o ímpeto vital anda acompanhado da sensação de limite, incompletude,

nostalgia e desejo pelo novo (Minkowski, 1933/1994). É na interseção desses pontos

que nos deparamos com a ansiedade, vivida na tensão e expectativa de realizarmos algo,

já que nos firmamos como sujeito perante a realização, e não em sua busca.

Vale ressaltar que o ímpeto vital é um fenômeno entrelaçado ao mundo, ou seja,

ele não é exclusivamente subjetivo, pois a existência do homem se dá ao lado da

existência do mundo (Minkowski, 1933/1994) numa relação intersubjetiva. O ímpeto


98

vital se integra a marcha do mundo, que também é minha como mundo vivido

(Lebenswelt). Somos, simultaneamente, atores e expectadores desta relação.

A ambiguidade que caracteriza o ímpeto vital se sustenta no caráter vivo da

relação de coexistência entre o sujeito e o mundo, a qual foi denominada por

Minkowski (1933/1994) como contato vital com a realidade. Este possui uma natureza

dinâmica e sua principal característica é a habilidade de avançar em harmonia com o

devir, num estado de sincronismo vivido (Minkowski, 1933/1994).

O sentimento que invariavelmente carregamos de caminharmos junto ao tempo e

de acordo com ele só é possível em decorrência do contato vital com a realidade, que

nos põe numa relação de sincronicidade (Minkowski, 1933/1994) com o mundo que nos

cerca num sentido intersubjetivo. Experienciamos um ritmo único, comum a nós – seres

em devir – que nos dá a sensação de avançarmos no curso da vida e, respectivamente,

com o tempo. Quando há alterações na sincronia entre sujeito e mundo, se desvelam as

experiências de adoecimento.

Os estudos de Minkowski sobre o ímpeto (élan) vital como fenômeno temporal

atrelado ao devir humano focou na utilização do método descritivo da fenomenologia

para alcançar os aspectos já constituídos do tempo vivido a fim de compreender suas

alterações. Eles consideravam a experiência do tempo o principal fenômeno para o

entendimento dos quadros psicopatológicos (Fuchs, 2005, 2010; Tatossian, 1979/2006)

e nos auxiliam a compreender a dinamização e a antecipação do futuro como traços já

constituídos na experiência vivida na ansiedade.

Contudo, as alterações do tempo constituído, aquele que já está posto e é

acessível à consciência como fenômeno, não expressa necessariamente o aspecto

fundamental ou o traço gerador dos transtornos mentais. Para conhecer o seu segredo, é
99

preciso ir além, pois ele se oculta na intersubjetividade (Tatossian, 1979, 1979/2012) do

mundo vivido (Lebenswelt).

2.3. Tempo e subjetividade

A relação paradoxal entre tempo e subjetividade, no eixo da fenomenologia

clínica, é apontada de forma mais específica pelo psiquiatra francês, de origem armênia,

Arthur Tatossian. Ao discutir esta questão, Tatossian (1979, 1979/2006, 1979/2012;

1980/2012, 1994) dialoga com a noção de mundo vivido (Lebenswelt) para elaborar a

proposta de uma psicopatologia que tenha na experiência o seu fio condutor. A

fenomenologia, sobretudo a psiquiátrica, deveria ser vivida ao invés de se concentrar na

busca por receitas prévias e estereotipadas (Tatossian & Samuelian, 2006).

Destacar a autoridade da experiência é uma das grandes contribuições de

Tatossian para a fenomenologia clínica, pois não cabe ao fenomenólogo aplicar

conceitos filosóficos no encontro com o paciente (Tatossian, 1979/2006). A experiência

está sempre em estado nascente, uma vez que é tecida no arco intencional que mescla

sujeito e mundo numa relação ambígua, sempre em construção e, em seu inacabamento,

esconde-se o tempo.

É notório, nos escritos de Tatossian, a importância que ele confere ao fenômeno

do tempo para a psicopatologia, pois “o tempo é a escola da experiência” (Tatossian &

Samuelian, 2006, p. 356). Ele permite que nossas experiências, sempre inacabadas,

prossigam no fluxo contínuo do devir e que só podemos compreendê-las em sua

transitoriedade. É em seu cerne que nos pomos em relação e, com isso, descobrimos o

mundo, o Outro e a nós mesmos.

Na tentativa de compreender a experiência vivida, temporal, pré-reflexiva e não


100

lógica racional, a descrição é a primeira etapa utilizada pelo fenomenólogo (Tatossian,

1979, 1979/2012). Ela nos permite a aproximação com os elementos constituídos, que já

estão dados e, por isso, podem ser descritos. Mas também existe uma segunda

dimensão, a constitutiva, em que “tudo aquilo que encontra a consciência é constituído

como sentido para a consciência” (p. 72). Isto implica na busca fenomenológica por

desvelar os processos constituintes que estruturam a experiência, e não apenas em

descrevê-los (Tatossian, 1979, 1979/2012).

Esta característica da experiência nos revela que compreender o tempo não é

tarefa simples, pois ele se manifesta de forma paradoxal. Para Tatossian (1994),

subjetividade e tempo estão entrelaçados e um não pode ser compreendido sem o outro.

Percebemos que “a intimidade entre o tempo e a subjetividade é tão estreita que é difícil

decidir qual dos dois constitui o outro” (Tatossian, 1994, p. 264, tradução livre), uma

vez que as questões tocantes à gênese e à aparição da subjetividade também dizem

respeito ao enigma do tempo (Pringuey, 2010). Ideia esta discutida, anteriormente, nos

trabalhos filosóficos de Husserl (1928/1994, 1954/2012) e Merleau-Ponty (1945/2006,

1946/2015, 1964/2014).

Aí está a dificuldade do problema fenomenológico do tempo. Por um lado, o

tempo é constituído pela subjetividade como espaço, as coisas ou estados

psíquicos, mas por outro lado, não se fazendo a não ser com a subjetividade, ele

é tempo constituinte, motor e meio de qualquer constituição (Tatossian,

1979/2012, p. 71-72).

Nesse contexto, emerge o paradoxo da experiência do tempo, pois a questão


101

fenomenológica do tempo só pode ser plenamente compreendida em seu duplo aspecto:

como elemento que constitui e é constituído na experiência. No início da fenomenologia

psiquiátrica, nos anos 1920, Minkowski, Strauss e Von Gebsattel descobriram na

alteração do tempo vivido o fundamento para os transtornos mentais, mas o abordavam

como tempo constituído sem se questionar sobre o seu fundamento (Tatossian, 1979,

1979/2012).

A noção de tempo vivido permanece estática e resulta em uma fenomenologia

descritiva que revela um dado, um constituído, e o aceita tal qual, como

fenômeno primitivo, sem pesquisar os processos genéticos de sua constituição.

Portanto existe uma gênese do tempo vivido (Tatossian, 1979/2012, p. 77).

Esta é nomeada como gênese subjetiva do tempo vivido e só é possível de ser

efetuada com o avanço dos estudos da subjetividade no âmbito fenomenológico.

Designado como reviravolta fenomenológica este segundo momento marca a passagem

da fenomenologia descritiva para a genética, cujo objetivo é compreender as alterações

basais do vivido global do sujeito ao transpor os limites do tempo vivido no sentido de

um tempo fundamental (Tatossian, 1979, 1979/2012).

O tempo vivido é ordenado pelas esferas de passado, presente e futuro, as quais

se sustentam no tripé percepção, memória e espera. Já o tempo fenomenológico deve ser

compreendido numa estrutura temporal fundamental, a qual se encarrega de revelar sua

gênese e não apenas suas alterações (Tatossian, 1979, 1979/2012). Tal estrutura foi

previamente descrita por Husserl como retenção, protensão e apresentação. Ela se

vincula à consciência como a base de sua constituição, sobretudo devido à noção de


102

intencionalidade, na qual tempo e consciência são imanentes um ao outro.

É devido a estrutural temporal fundamental que tempo e subjetividade se

interligam e se confundem num elo comum. Como afirma Tatossian (1979/2012), “a

temporalidade não é conferida ao sujeito pelo conjunto de sua história” (p. 78), mas ela

está nele, lhe é própria e faz parte de sua ‘tessitura como elemento integrado a cada

instante de sua vida.

Isto ocorre devido à ambiguidade da relação homem/mundo por meio da qual é

construída a identidade humana, ou seja, “a permanência daquilo que o homem pode

dizer sobre si mesmo” (Tatossian, 1994, p. 258, tradução livre). Na identidade humana

encontramos o paradoxo da experiência do tempo, uma vez que a noção de eu é

elaborada por meio da conciliação de dois elementos opostos: a duração e a transição

das vivências do sujeito, e ambas compõem uma experiência temporal (Tatossian, 1994;

Pringuey, 2010).

Para compreender o tempo, não se trata então de investigar os eventos em si que

compõem a biografia do sujeito, sua duração, intensidade ou transitoriedade, mas

compreender a relação que o sujeito estabelece com o tempo como fator atrelado à

subjetividade (Tatossian, 1979, 1979/2012, 1994).

Cada indivíduo, à medida que vivencia certas situações, tende a dividi-las em

momentos específicos. Temos a habilidade de fragmentar em cenas aquilo que

vivenciamos. A experiência de ir ao cinema pode ser rememorada em diversos trechos,

como a compra do ingresso, o deslocamento à sala, a procura do melhor lugar para

assistir ao filme e o momento chave: a exibição do longa-metragem. Entretanto, a

experiência que temos do tempo não está contida nessas situações específicas, como

elemento externo a nós.


103

Como aponta Tatossian (1994), a divisão dos eventos em situações específicas é

decorrente de um recurso inerente aos sujeitos, a saber: a significação. Cada sujeito

tenta conciliar os estados de permanência e mudança dos eventos vividos por meio da

significação (Pringuey, 2010). Tais eventos não são apenas acontecimentos que ocorrem

exclusivamente no espaço exterior, pois encontramos a experiência do tempo como

horizonte de escoamento das significações confluentes aos sujeitos.

A fenomenologia atribui grande valor ao significado das experiências, buscando-

o em suas mais variadas formas metodológicas e clínicas. Tais significados só são

possíveis de irromper por sermos sujeitos orientados num fluxo temporal constituinte de

nossa subjetividade. Aquilo que nos distingue dos demais animais, que dá sentido a

nossa vida e que está no cerne de nossas vivências emerge no fluxo do tempo que

organiza a vida subjetiva de cada sujeito.

Entretanto, a subjetividade confinada em si mesma seria uma força sem motor e,

portanto, desprovida de movimentação. É a experiência do tempo que a torna

consciência com um indivíduo portador de uma história de vida embebida em

significados. Em contraste, sem a subjetividade doadora de sentido, o tempo se tornaria

externo a nós. Seus eventos e estímulos estariam inscritos numa cronologia mecânica e

impessoal, desprovida de uma biografia (Tatossian, 1994).

De fato, o psiquiatra, que encontra o ser humano depois de ter passado por uma

longa história, não o encontra imediatamente como subjetividade, da qual ele só

poderia assumir liberdade e poderes, mesmo que ele os invalidasse. Ele o

encontra como um sujeito na alienação em que ele foi constituído, e que são de

certa forma o seu estofo (Tatossian, 1994, p. 257, tradução livre).


104

A subjetividade desempenha papel central para a constituição estrutural do modo

de ser dos indivíduos. Tatossian (1994) reafirma a ideia expressada inicialmente por

Merleau-Ponty (1945/2006) sobre a subjetividade humana compor um elemento central

para os estudos da fenomenologia, e a complementa ao apontar sua relação com a

psicopatologia.

A subjetividade está intimamente ligada ao que revela as patologias. Nesse

ínterim, o equilíbrio não é plenamente alcançado entre a subjetividade e as alienações

que a constituem. De acordo com Pringuey (2010), “encarregada da harmonia e de uma

porção medida deste equilíbrio, a subjetividade é posta em questão nos transtornos de

ansiedade” (p.160). É como se os estados patológicos desfizessem a organização

fundamental que se articula com nossa liberdade de vir a ser, o que também repercute

no fenômeno da ansiedade.

Ele põe em questão o tempo propriamente humano, distinto daquele do mundo

exterior passível de coisificação, pois é o tempo do sujeito que se manifesta “alterado

em todas as síndromes psiquiátricas” (Tatossian, 1979/2012, p. 72). Tais alterações são

expressões do tempo propriamente fenomenológico que, atrelado ao devir humano,

perde a sincronicidade com o tempo do mundo, uma vez que “é o vazio do tempo

correspondente a um vazio de mundo” (Tatossian, 1979/2012, p. 75).

Os estudos de Tatossian acerca da subjetividade e sua relação com a experiência

do tempo estão entre as suas grandes contribuições para o campo dos estudos

fenomenológicos em psicopatologia e psiquiatria, ao buscar retornar ao seu fundamento,

o qual repousa na posição ambígua do sujeito no mundo e que nos permite caminhar no

sentido da fenomenologia clínica pautada na noção de Lebenswelt (mundo vivido).


105

A vivência do tempo, “no homem normal”, se apresenta como experiência de

poder em sua essência, pois é alguém que tem a possibilidade de transformar o mundo e

a si mesmo no desvelamento do porvir. A perda da sincronia com o mundo reverbera na

impossibilidade basilar do sujeito realizar ações verdadeiras, vividas como

desdobramentos de si mesmo (Tatossian, 1979/2012).

A subjetividade pura, una e isolada em si mesma é intangível. Aos nos

aproximarmos dos indivíduos, podemos compreendê-los em suas biografias dotadas de

sentidos. Tornam-se sujeitos conscientes ao passo que o eu individual e pessoal se

manifesta como linguagem e significações de suas experiências. Em paralelo, surge

Outrem, representado pela família e pela sociedade para constituir os diversos

revestimentos e estofos que sustentam o sujeito (Tatossian, 1994).

“O Eu constitui o Outro, mas o Outro constitui o Eu num equilíbrio dialético que

nunca é definitivamente conquistado, mas deve ser integrado ao longo da vida”

(Tatossian, 1994, p. 291, tradução livre). A aparição do Outro, em decorrência da

experiência do tempo, insere o sujeito numa relação intersubjetiva com o mundo.

Esclarecer o desenrolar desse processo ambíguo será fundamental para

compreendermos o mundo vivido (Lebenswelt) na ansiedade.

O trabalho de Tatossian (1979/2006, 1979/2012, 1994) no eixo da

psicopatologia condiz com uma proposta pautada na noção de ambiguidade, em que há

o empenho em discutir o paradoxo da experiência como co-experiência, ou seja, a

experiência vivida no adoecimento ocorre na interseção da universalidade do sintoma e

da singularidade do vivido (Tatossian, Bloc & Moreira, 2016).

Tatossian (1979/2006) aponta como possível solução uma abordagem

fenomenológica dos transtornos mentais que funcione de maneira complementar, ou


106

seja, considerando, de um lado, os aspectos descritivos de uma experiência já

constituída. Por outro lado, a compreensão da gênese constitutiva do fenômeno em

questão, ou seja, os aspectos originários que fundamentam e organizam a experiência

vivida do paciente a nível pré-reflexivo.

A proposta de Tatossian (1979/2006) visa um resgate desses dois momentos do

pensamento fenomenológico, o descritivo – representado por Minkowski – e o

transcendental – por Binswanger –, pois se insere na interseção de ambos.

2.4 A (des)sincronização do tempo vivido

Para o desenvolvimento de uma psicopatologia do tempo intersubjetivo a

subjetividade passa a ser entendida como intersubjetividade, a qual se constrói nos

processos relacionais de sincronização entre sujeito e mundo. Encontramos essa

discussão no eixo contemporâneo da fenomenologia clínica por meio dos escritos do

psiquiatra alemão Thomas Fuchs, cujas publicações (Fuchs, 2005, 2007a 2007b, 2010,

2014, 2019a, 2019b) corroboraram com a tentativa de se estabelecer uma clínica

fenomenológica pautada na ambiguidade da experiência vivida ao destacar a

intersubjetividade como elemento central.

Fuchs (2005) destaca a dimensão intersubjetiva do tempo, a qual ocorre na

sintonia entre o ser vivo e o seu ambiente. É um processo que ocorre comumente a nível

biológico, mas também desponta no plano social. A sincronização ótima, como aponta

Fuchs (2005, 2010), se manifesta no tempo implícito, o qual faz referência à experiência

do tempo que passa despercebida pela reflexão humana. Sua transitoriedade não é

iluminada pela consciência perceptiva e o sujeito não se dá conta do decurso do tempo,

pois este é vivido e não refletido. É o tempo experienciado, pré-flexivo e atrelado à


107

síntese constitutiva do tempo interno e imanente ao sujeito.

Se nós olharmos para uma criança enquanto evidentemente ela brinca com seus

brinquedos, perdida para o mundo, podemos assumir que a passagem do tempo

não é sentida. O tempo vivido corre com o movimento da vida, implícito na

experiência da criança ao estar envolvido em sua brincadeira e direcionado aos

seus objetivos (Fuchs, 2005, p. 195, tradução livre).

O tempo implícito está escondido no fluxo da experiência, sendo fugaz, vívido e

contínuo como ela. É o tempo que emerge a todo instante em que estamos absorvidos

com algo ao ponto de, paradoxalmente, termos a sensação da ausência do tempo quando

alcançamos o auge da experiência vivida. Como assinala Fuchs (2005, 2010), a

intensidade deste processo reflete uma sincronização plena ao ponto de passado e futuro

não se distinguirem do instante presente durante a existência pré-reflexiva.

O tempo implícito, para Fuchs (2010), demanda duas condições chave para se

organizar. Na primeira, encontramos aproximações diretas à análise de Husserl sobre a

síntese transcendental constitutiva da consciência interna do tempo6, ressaltando a

importância deste filósofo para a construção do pensamento de Fuchs acerca da

experiência do tempo.

A síntese passiva e automática que organiza protensão, apresentação e retenção

numa cadeia temporal contínua, como discutido por Husserl (1928/1994), também

inclui uma autoconsciência pré-reflexiva ou implícita (Fuchs, 2010). Devido a ela

conseguimos manter uma conversação com outras pessoas, escutar músicas ou escrever

6
O tema mencionado foi discutido no primeiro capítulo deste projeto de tese, no item 1.1 referente à obra
de Edmund Husserl.
108

cartas e e-mails, por exemplo:

Se eu falo uma frase, não estou apenas retendo o que eu acabei de dizer e

"protendendo" o que vou dizer, mas ao mesmo tempo estou consciente de que

sou eu quem fala e que continuará falando sem ter que parar refletir sobre mim

mesmo como palestrante (Fuchs, 2010, p. 3-4, tradução livre).

Há uma conexão que integra a cadeia contínua do processo de fala, como

ilustrado no exemplo acima, a qual é denominada, de início por Merleau-Ponty

(1945/2006) e reutilizada por Fuchs (2010), como arco intencional. Este contém uma

autoconscientização implícita, cuja continuidade e unidade temporal se entrelaçam à

noção de ipseidade – self básico ou mínimo –, reconhecida como a essência da vida

subjetiva (Fuchs, 2010).

A segunda condição para a manifestação do tempo implícito é nomeada por

Fuchs (2010) como momento conativo-afetivo ou simplesmente conação. Ela significa a

energia mental intrínseca a todo organismo vivo que o conduz à ação e ao movimento.

“É a raiz da espontaneidade, orientação afetiva, atenção e busca persistente de um

objetivo, os- quais são característicos dos seres vivos em geral” (Fuchs, 2010, p. 04,

tradução livre), mas sua contribuição ao tempo implícito é ceder a ele a energia e a

tensão necessárias ao seu aparecimento. Somado a isto, a conação contribui para a

manutenção da constituição pré-reflexiva (ipseidade). O momento conativo-afetivo é

fundamental para a configuração da experiência do tempo, pois repercute na forma

como o tempo vivido é sentido e nas variações básicas que ocorrem nos estados dos

sujeitos. A conação é a força vital, de caráter individual e relacional com os outros, que
109

impele os indivíduos em direção ao futuro (Fuchs, 2010).

A distinção entre conação e estrutura intencional básica do tempo é

sumariamente didática, uma vez que ambas configuram o arco intencional de percepção,

atenção e ação. Estes são a condição básica do eu essencialmente temporal, pois ele

supera a sucessão dos estados de consciência devido ao seu percurso intencional e

afetivo (Fuchs, 2010).

Ao mesmo tempo em que nossas experiências de mundo se interligam ao tempo

implícito, sob o qual repousa a sincronia entre homem e mundo, elas não são absorvidas

exclusivamente por ele. Alguns hiatos surgem em determinados momentos, tais como as

lacunas entre necessidade e satisfação, desejo e realização e etc., o que rompe a

sincronia anteriormente descrita e o tempo se torna evidente para nós, ou seja, explícito

(Fuchs, 2005). É o tempo conscientemente experimentado em decorrência da negação

ou interrupção do tempo implícito e se alia as distinções clássicas entre passado,

presente e futuro (Fuchs, 2010).

Na experiência explícita do tempo, o futuro aparece como algo que ainda não

aconteceu e aguarda, torna-se presente, sendo experimentado como espera, expectativa

ou desejo de realização (Fuchs, 2005). Isso ilustra que a passagem do tempo passa a ser

sentida pelo sujeito e a incompletude das experiências vividas no agora explicitam o

desejo de seu preenchimento com o porvir.

Fuchs (2005) aponta que algo semelhante acontece em relação ao passado que,

experimentado como falta, esboça uma lacuna ao separar o presente de algo perdido e

conscientemente vivido como “não mais”. A brecha para o passado torna-se

intransponível e o sujeito vivencia a perda do objeto experimentado.


110

Em tais momentos, a pura temporalidade vivida sustenta uma fenda: “agora” e

“não mais” são desconectados e criam uma segmentação elementar do tempo. O

que até agora fora um eterno continuum se separa do presente e se transforma

em um passado lembrado (e não mais apenas “retido”). Isto torna o tempo

consciente ou explícito (Fuchs, 2010, p. 05, tradução livre).

No tempo explícito, tanto a experiência de expectativa, não realização e

insatisfação (futuro) quanto à de perda, arrependimento e vazio (passado) carregam

consigo a sensação de desagrado e sofrimento, as quais se aproximam da ideia de

finitude da vida. Por sua vez, esta ilumina a impressão de independência do tempo,

como se ele fosse uma força autônoma a nós e que nos domina (Fuchs, 2010).

Os períodos de escassez, desequilíbrio e assincronia, percebidos na

temporalidade explícita, exigem algum tipo de compensação. São momentos de

dessincronização e necessitam de medidas para auxiliar o reestabelecimento da

homeostase. Como afirma Fuchs (2005), isto ocorre a nível biológico e social, o que

pode ocasionar a perda de sincronicidade também com os outros.

A dessincronização pode se manifestar de duas formas. Na primeira, ela ocorre

como retardação, ou seja, há uma lentificação do tempo próprio do sujeito em

comparação ao mundo externo. A segunda forma é a oposição da anterior, em que a

dessincronia ocorre por meio da aceleração do tempo (Fuchs, 2005). Em ambos os

estados de dessincronização, percebemos o tempo vivido experienciado de forma

alterada e tais modificações emergem na relação intersubjetiva homem/mundo.


111

Figura 2: Sincronização e Dessincronização do tempo próprio e do mundo (Fuchs, 2011, p. 09).

Se de um lado encontramos o tempo implícito vivido como sincronização, de

outro temos o tempo explícito caracterizado por estados de dessincronização, os quais

aparecem como retardação ou aceleração do tempo próprio e imanente ao sujeito. Essas

regras, bem como suas irreversibilidades, são experienciadas em decorrência da

afinidade entre o nosso tempo com o dos outros e do mundo. Cada sujeito experiencia o

tempo com referência explícita ou implícita em relação aos demais (Fuchs, 2005; 2010),

o que valida a importância de considerarmos a intersubjetividade na experiência do

tempo.

Para Fuchs (2005, 2010), a ordem formal e linear passado, presente e futuro não

é suficiente para ilustrar o tempo intersubjetivo, pois este se caracteriza por “uma ordem

relacional de processos que interagem e ressoam uns com os outros” (Fuchs, 2010, p.

07, tradução livre) ao implicar configurações de simultaneidade e assincronia.

Os sujeitos se temporalizam a medida que constroem uma sintonia temporal não

consciente aprendida no contato diário que estabelecem com os outros; como parte das

relações da atitude natural e do senso comum. Este simples contato implica em uma

ressonância corporal (Fuchs, 2010), o que atrela as categorias tempo e corpo para o

desenvolvimento do mundo intersubjetivo.

Fuchs (2010) resgata de Minkowski a noção de sincronicidade vivida para


112

expressar o processo relacional e intersubjetivo dos indivíduos, os quais possuem a

sensação implícita de estarem interligados temporalmente com os outros e com o

mundo. “A intersubjetividade do instante agora é constituída pela presença do outro”

(Fuchs, 2010, p. 08, tradução livre) e a imersão no fluxo temporal, que ocorre no

processo de sincronia do tempo implícito, é oriunda da imersão do sujeito consigo

mesmo e da ressonância com os outros.

A distinção entre o tempo explícito e implícito assemelha-se a outra comumente

referida no campo da fenomenologia, que, como assinala Fuchs (2005, 2010), ocorre

entre o corpo vivido (Leib) e o corpo corporal (Koerper). Tal diferenciação, oriunda da

duplicidade de termos em alemão para aludir a palavra corpo com sentidos

diferenciados, é um ponto de convergência entre os estudos da experiência do tempo e

do corpo, mas não o único.

Fuchs (2005) constrói uma importante relação entre essas duas categorias

fenomenológicas. Para o autor, o tempo implícito e o corpo vivido “são quase

sinônimos” (Fuchs, 2005, p. 196, tradução livre). Pode-se considerar o tempo implícito

como uma função do corpo vivido, a qual se desdobra por meio das potencialidades da

experiência corporal que conecta homem e mundo. Por estarmos dentro do tempo,

perdemo-nos no decurso de nossas tarefas e não experimentamos conscientemente a

passagem do tempo e nem os movimentos do corpo. Em contrapartida, na

temporalidade explícita o corpo se manifesta também em seu viés corporal e concreto,

tornando-se uma ferramenta material ou um empecilho para a ação (Fuchs, 2005, 2010).

Ao cair doente, experimentamos nosso corpo não mais como um meio tácito,

mas sim como um objeto ou obstáculo, enquanto observamos a desaceleração do


113

tempo e talvez até nos sentindo excluídos do movimento da vida. Assim, a

personificação do corpo e a temporalidade tem uma estrutura paralela em plano

de fundo (Fuchs, 2005, p. 196, tradução livre).

A ressonância corporal vivida na relação do sujeito com os outros e consigo

mesmo é o que o põe em contato com o mundo e, como consequência, confere à

dinâmica do tempo, implícito e explícito, o seu aporte intersubjetivo. A sincronia do

templo implícito e a dessincronia do tempo explícito organizam-se em um processo

dialético cíclico, o qual reflete a ambiguidade de nossas experiências mundanas.

Entretanto, a fragmentação do tempo explícito, subdividido em passado,

presente e futuro (Fuchs, 2010) pode comprometer o fluxo experiencial intersubjetivo e

precisa ser reorganizado. Sua reintegração deixa de ocorrer pela síntese passiva do

tempo implícito, uma vez que este foi perdido, e agora se dá como síntese ativa

realizada pelo próprio indivíduo. Para isso, Fuchs (2010) aponta a importância de um eu

narrativo, pessoal ou expandido, ou seja, capaz de apropriar-se de sua própria

autobiografia bem como de se projetar ao futuro.

Quando o eu pessoal emerge, ele supera a lacuna deixada pelo tempo explícito,

tornando-o tempo pessoal, histórico e biográfico. Tal movimento reintegra o passado e

o futuro ao presente do eu, que se percebe historicamente em relação ao mundo factual.

Nessa medida, o indivíduo adquire a capacidade de se lançar ao futuro mediante o que

já vivenciou até o momento. Como pontua Fuchs (2010), ele está “retrospectivamente

olhando para o futuro” (p. 06, tradução livre), ao mesmo tempo em que ele compreende

sua história por meio de suas opções de futuro. É um processo de temporalização

pessoal, o qual impede a invasão completa do tempo explícito.


114

O tempo não é experienciado em um estado metafísico, como uma entidade que

existe independente a nós, mas vivenciamos as mudanças na temporalização de nossa

existência, tais como estados de pressa, atraso, apreensão, rapidez, etc., as quais estão

embutidas no ritmo da vida. Por não ser autônomo, o tempo só pode ser experienciado

por estamos em contato intersubjetivo com os outros (Fuchs, 2010), configurando assim

uma relação temporal mundana.

A dimensão do tempo discutida no decorrer do pensamento de Fuchs, por meio

dos processos de sincronização e dessincronização em seus dois níveis respectivos –

tempo implícito e explícito –, é inaugurada pelo autor e insere, nos estudos

fenomenológicos em psicopatologia, a importância de se compreender a dimensão

intersubjetiva do tempo.
115

Capítulo 03

ESTUDOS DA ANSIEDADE: DIÁLOGOS COM A FENOMENOLOGIA

CLÍNICA

As discussões sobre ansiedade no cenário contemporâneo têm ganhado destaque

em decorrência de uma maior presença deste fenômeno na vida cotidiana (WHO, 2017).

Como área que propõe uma compreensão do ser humano em seu atravessamento com o

mundo, a fenomenologia clínica é um terreno fértil para a construção de novos debates

sobre a ansiedade, sobretudo em decorrência das profundas mudanças nas estruturas

sociais e culturais de nossa época.

Com esta finalidade, neste capítulo apresentaremos inicialmente uma discussão

que articula as noções de sintoma e fenômeno com a ansiedade. É uma forma de

ampliarmos a discussão sobre a ansiedade para além de uma lente que privilegia seu

estado mórbido como condição patológica. Em seguida, construímos um diálogo entre a

ansiedade, o medo, a angústia e a vulnerabilidade, temáticas que se cruzam e, por vezes,

se confundem. Por fim, com a compreensão do fenômeno aqui estudado, a saber: a

ansiedade, nós elencamos uma discussão entre ansiedade e cultura. Ao compreendermos

o mundo contemporâneo e suas vicissitudes nos aproximamos da ansiedade e como ela

se configura no cenário atual.


116

3.1. Do sintoma ao fenômeno na ansiedade

A ansiedade tem ganhado lugar de destaque no contexto da saúde pública por ser

comumente entendida como enfermidade pela clínica médica. No Brasil, por exemplo,

os transtornos de ansiedade lideram o ranking de doenças mentais mais comuns na

população em geral com prevalência de 9,3% (WHO, 2017; Souza & Machado-de-

Souza, 2017).

Atrelado a estes dados, o termo ansiedade tem se tornado mais presente no

cotidiano das pessoas e na linguagem coloquial do dia a dia. Tanto que diferentes

formas de sofrimento passam a ser confundidas e referenciadas como ansiedade

(Rodrigues, 2003). Há uma espécie de uso generalizado deste termo e de sua associação

como patologia ou sintoma no cotidiano, o que nos leva a tecer aqui algumas

considerações a respeito desta questão.

Os sintomas, sobretudo no campo da medicina, possuem um lugar de

protagonismo na discussão das condições de sofrimento e adoecimento. Eles anunciam

a presença de algo e são as principais referências para a elaboração diagnóstica, pois

permitem uma observação direta daquilo que é exteriormente observável. Eles fazem

parte de uma cadeia causal e linear que conduz à inferência de enfermidades somáticas

(Tatossian, 1978/2016, 1979/2006; Bloc & Moreira, 2013).

Já nos quadros de ansiedade, os sintomas possuem uma configuração

diferenciada, pois escapam à observação direta. Esta é uma característica comum aos

sintomas psiquiátricos e que não ocorre nos sintomas somáticos (Tatossian, 1978/2016,

1979/2006). Medo, tensão muscular, vigilância em relação a perigos futuros,

comportamentos de esquiva e pensamentos de fuga são alguns dos sintomas presentes

nos quadros de ansiedade (American Psychiatric Association, 2014). Eles apontam para
117

comportamentos materiais evidentes, mas podem significar coisas diferentes (Tatossian,

1979/2006). Por exemplo, enquanto o sintoma de febre em uma gripe diz diretamente

sobre a gripe, os pensamentos de fuga na ansiedade possuem sentidos variados de

acordo com a experiência do indivíduo que o vivencia.

Os sintomas somáticos, por remeterem ao soma e sua realidade divisível, se

manifestam de forma isolada e são independentes entre si. Eles podem ser

compreendidos sem a mediação da experiência do clínico, pois os sintomas dizem

apenas sobre o objeto de uma realidade fragmentada – a doença (Tatossian, 1978/2016,

1979/2006). Já na ansiedade, esta divisibilidade é da ordem do impossível e, não

podendo se afastar, há aí a impossibilidade da saída do plano descritivo.

É o vivido do doente que é o objeto por excelência da experiência psiquiátrica,

que não se pode atingir senão pela mediação de aspectos materiais exteriores

(compreendido aí o comportamento verbal) considerados como a ‘expressão’

desse vivido (...). Na medida em que a descrição psiquiátrica concerne antes de

tudo aos vividos dos doentes, o sintoma psiquiátrico preferencial não pode ser

um dado do vivido imediato do observador, o que é justamente o sintoma

médico [somático] (Tatossian, 1979/2006, p. 38).

Os sintomas psiquiátricos possuem sentidos variados mesmo quando ilustram

características e comportamentos semelhantes, pois eles têm “a função de remeter a

outra coisa que a si mesmos” (Tatossian, 1979/2006, p. 39), o que dificilmente ocorre

nos sintomas somáticos. A sua especificidade gira em torno do modo de ser global, do
118

vivido dos pacientes, os quais não podem ser apreendidos por fragmentos ou dados

divisíveis de suas realidades (Tatossian, 1978/2016; Bloc & Moreira, 2013).

Por exemplo, na ansiedade encontramos uma pluralidade de estados ansiosos.

Dentre eles, há a dificuldade da espera. Esta pode ser entendida como uma parte

acessória, ou seja, é um elemento secundário ao sintoma. Mas há também um aspecto

primário e essencial, o qual corresponde à forma de ser do paciente em sua relação com

o mundo e, por conseguinte, com o tempo. Como assinala Tatossian (1979/2006), os

sintomas possuem uma dimensão que aponta para algo basal, estrutural e fundante da

experiência de adoecimento, a saber: o fenômeno.

É no fenômeno que reside o interesse da fenomenologia clínica, e não nos

sintomas. Embora estes últimos não possam ser descartados, pois sintoma e fenômeno

possuem uma origem comum e uma relação de reciprocidade na experiência patológica

(Tatossian, 1979/2006; Tatossian, Bloc & Moreira, 2016). O fenômeno “não é

absolutamente um indício de doença, mas alguma coisa onde se manifesta um caráter de

ser do Dasein” (Tatossian, 1978/2016, p. 51), do vivido global do paciente.

É nesse sentido que a ansiedade escapa ao seu próprio quadro diagnóstico –

transtornos de ansiedade –, e passa a transitar em outras patologias tais como transtorno

bipolar, depressão, esquizofrenia, transtorno obsessivo compulsivo, etc.,

simultaneamente como sintoma e como fenômeno, sendo parte de um modo de

funcionamento do vivido global do paciente (American Psychiatric Association, 2014;

Moreira, 2014), discussão esta que será aprofundada no próximo subitem deste capítulo.

Entretanto, o olhar predominante que ainda encontramos no cenário

contemporâneo tende a priorizar os sintomas em detrimento do fenômeno (Bloc &

Moreira, 2013). Isto repercute em uma visão reducionista e classificatória, contribuindo


119

para o enquadre da ansiedade como doença. Não é à toa que há um aumento crescente

da popularização do uso de medicamentos do tipo ansiolíticos benzodiazepínicos, os

quais estão “entre os fármacos mais prescritos nos países ocidentais” (Azevedo, Araújo

& Ferreira, 2016, p. 84). A medicalização da ansiedade no mundo contemporâneo é um

reflexo da hegemonia do biopoder, que centraliza as práticas de tratamento dos

transtornos mentais com a sedutora promessa de eliminação dos sintomas (Rodrigues,

2003).

Enquanto esta perspectiva desconsidera o vivido presente no fenômeno da

ansiedade, priorizando seus traços objetivos, a fenomenologia clínica se volta à tarefa de

buscar alcançar os modos de ser global de cada paciente por meio da compreensão da

totalidade de suas experiências bem como de seus significados (Tatossian, 1979/2006;

Tatossian, Bloc & Moreira, 2016). “A fenomenologia clínica atuaria no sentido de

desvelar aquilo que está encoberto, o fenômeno” (Bloc & Moreira, 2013, p. 33).

O fenômeno vivido na ansiedade, para além de um comportamento, sintoma ou

patologia, é algo inerente a todos os seres humanos (May, 1950/1980; Pinto, 2006,

2017). Antes de se apresentar como condição patológica, a ansiedade é uma expressão

do horizonte temporal de nossa existência. Ela se desvela no movimento do ímpeto

vital, que nos impulsiona diante o fluxo da vida, além de nos mobilizar frente às

decisões do dia a dia por estimular nosso caminhar em direção ao futuro.

Como afirma Pinto (2006), “uma vida sem ansiedade é impossível” (p. 03), pois

ela é condição humana oriunda de nosso engajamento ao mundo (Moreira, 2014). A

ansiedade tem um traço ontológico, anterior à experiência do sintoma, o qual deve ser

revisitado para sua compreensão como fenômeno.


120

Quem primeiro atentou para o sentido ontológico da ansiedade foi o psicólogo

americano Rollo May, nomeando-a como ansiedade normal em sua proposta de uma

psicoterapia existencial (May, 1950/1980, 1953/2016, 1967/2000, 1983/2000). Apesar

de não se situar no eixo da fenomenologia clínica, encontramos em seus escritos

importantes diálogos com campo fenomenológico existencial, sobretudo no que se

refere à ansiedade.

A ansiedade normal, como apontada por May (1950/1980), faz parte de nossa

vida cotidiana por meio das expectativas de um futuro ainda por acontecer e diante do

qual não podemos escapar. Ela abre a possibilidade de construirmos formas criativas

para lidar com este momento ao dialogar com a fluidez do devir.

Um indivíduo tem ansiedade porque é possível criar – criar o próprio eu, quer

ser o seu próprio eu, assim como criar em todas as inúmeras atividades

cotidianas. O indivíduo não teria ansiedade se não existisse possibilidade

alguma. (...) assinalar que a presença da ansiedade significa que um conflito está

em curso e, na medida em que isso é verdade, é possível uma solução

construtiva (May, 1950/1980. p. 58).

A ansiedade normal é vivida como abertura a novas possibilidades e à

criatividade em contornar as adversidades da vida (May, 1950/1980, 1953/2016,

1967/2000, 1983/2000). Ela é “esse estado afetivo que se encontra em todas as

reviravoltas da existência e sob todas as formas da existência humana” (Ey, 1950/2006,

p. 379), pois é inerente ao ser e seus significados se desvelam no contato ambíguo com

o mundo.
121

Resgatar o estatuto ontológico da ansiedade é um primeiro passo para a

compreensão deste fenômeno de forma mais ampla, o que aponta para uma mudança na

visão de diagnóstico. Como assinalam Messas e Fukuda (2018), o diagnóstico

psicopatológico fenomenológico vai para além do modelo classificatório tradicional. Ele

“atinge um plano existencial profundo, que depende do conhecimento minucioso, por

parte do psicopatologista, das experiências” (Messas & Fukuda, 2018, p. 163) dos

sujeitos, não implicando necessariamente a presença de um transtorno.

Ele é construído mediante a experiência interpessoal entre o clínico e o seu

paciente (Messas & Fukuda, 2018; Tatossian, 1979/2006; Tatossian, Bloc & Moreira,

2016), pois é uma proposta que resgata o vivido que não cabe no sintoma, sendo este

último priorizado pela clínica nosológica tradicional. Para a fenomenologia clínica

como o sujeito está sempre entrelaçado ao mundo, é na ambiguidade desta relação que

se constitui a experiência (psico)patológica, seja ela um transtorno ou não.

Ao tocar a questão do patológico, a ansiedade revela um problema a respeito de

si, pois, na condição de fenômeno humano, ela vem “causar agitação, perturbar a

existência” (Minkowski, 1966/2000, p. 162) ao denotar um ‘mal-estar’, uma forma de

sofrimento. Este último, dói, machuca e, devido a estas características, tende a ser visto

como um ‘mal’ a ser extirpado. Tal visão maniqueísta não dá conta da complexidade

desta questão, pois a ansiedade, vivida como sofrimento, não é nem um ‘bem’ e nem

um ‘mal’. Ela abre as portas dos problemas da existência e os põe diante o sujeito,

reafirmando seu aspecto pático (Minkowski, 1966/2000).

É nesse sentido que o patológico remete ao pathos, ou seja, a uma disposição

afetiva fundamental que se encontra na base da existência, ampliando a visão do que é o

patológico e o retirando de uma conotação negativa e atrelada a visão médica


122

tradicional de doença para uma dimensão essencialmente humana (Martins, 1999). A

linha entre o normal e o patológico torna-se turva, e a ansiedade, situada como

fenômeno, não pode ser reduzida exclusivamente à condição de transtorno ou sintoma.

Como assinala Minkowski (1966/2000),

Mesmo denotando um “mal-estar”, ela não é em absoluto uma doença.

Considerá-la como um transtorno da emotividade, mesmo sem querer negar as

ligações que podem existir entre as duas, seria voltar a subordinar um fenômeno

maior no plano existencial a um fenômeno menor (p. 162).

No âmbito da fenomenologia clínica, o vivido patológico está fadado a aparecer

quando o sujeito perde o movimento inerente à sua existência. É uma condição atrelada

ao modo de ser global do sujeito, e não ao repertório de sintomas que ele manifesta

(Tatossian, 1979/2006; Bloc & Moreira, 2013; Messas & Fukuda, 2018).

Em relação à ansiedade, encontramos na obra de May (1950/1980, 1953/2016,

1967/2000, 1983/2000) uma denominação similar a esta condição definida como

ansiedade neurótica – ou patológica. Nela ocorre uma espécie de impossibilidade à

ação, uma vez que o indivíduo se encontra aprisionado, paralisado diante as escolhas de

sua vida e perde a habilidade de agir criativamente sob o mundo.

A ansiedade neurótica, portanto, é a que ocorre quando a incapacidade para

enfrentar adequadamente ameaças não é objetiva, mas subjetiva – quer dizer,

não é devida a uma fraqueza objetiva, mas a padrões e conflitos psicológicos


123

internos que impedem o indivíduo de usar seus poderes (May, 1950/1980, p.

208).

Vale ressaltar que em seus estudos sobre a ansiedade, May (1950/1980,

1953/1988, 1967/1977, 1983/1988) apresenta uma visão dicotômica do ser humano, que

o separa em interno/externo, subjetivo/objetivo. Apesar de este autor ter se voltado para

a construção de uma psicoterapia existencial ao entrar em contato com obras de

psiquiatras fenomenólogos, tais como Eugène Minkowski, Erwin Straus e Ludwig

Binswanger, seus estudos sobre a ansiedade se sustentam na visão de uma subjetividade

encapsulada e apartada do mundo, o que é incompatível com uma lente fenomenológica

(Kirby, 2004) da ambiguidade.

Porém, o diálogo com os escritos de May (1950/1980, 1953/1988, 1967/1977,

1983/1988) nos auxiliou na construção de uma discussão sobre a ansiedade em seu

sentido global, sustentada na intersubjetividade temporal da relação sujeito/mundo. A

subjetividade humana é mutuamente constituída em seu engajamento ambíguo ao

mundo (Merleau-Ponty, 1945/2006), em que as fronteiras entre interno/externo,

dentro/fora, subjetivo/objetivo são borradas, embaçadas e se misturam no horizonte

contínuo da existência.

May (1950/1980, 1953/1988, 1967/1977, 1983/1988) se distancia da vertente de

uma fenomenologia clínica da ambiguidade ao associar a ansiedade como produto de

valores identitários humanos, mas se (re)aproxima desse campo quando resgata a

dimensão ontológica da ansiedade, a qual está intimamente interligada à noção de

liberdade.
124

Ao seguir este caminho, compreendemos a ansiedade patológica como uma

experiência de aprisionamento e embotamento de nossas possibilidades de ser no

mundo. “Enquanto a ansiedade normal é adaptativa, a ansiedade mórbida interrompe o

devir temporal da pessoa” (Moskalewicz & Schwartz, 2020, tradução livre, 2010). Nela,

há uma compressão do tempo vivido, cujo fluxo se acelera e, ao transcorrer mais rápido,

não conseguimos acompanhar o seu ritmo.

3.2. A ansiedade e suas aproximações e distanciamentos com o medo, a angústia e a

vulnerabilidade

Medo, angústia e vulnerabilidade, termos que compõem o título do presente

subitem, possuem aproximações e distanciamentos em relação à ansiedade. Por vezes,

eles são retratados como sinônimos ou confundidos entre si e, no terreno da

fenomenologia clínica, esta diferenciação nem sempre é clara e pode tornar difusa a

compreensão do fenômeno da ansiedade.

As sobreposições mais frequentes ocorrem entre a ansiedade e o medo. Na

literatura científica em geral é frequente encontrarmos definições de ansiedade que a

correlacionam diretamente ao medo (Castillo et al., 2000; Baptista, Carvalho & Lory,

2005; Pinto, 2006; Machado et al., 2016). Estes dois fenômenos caminham de mãos

dadas e tendem a ser confundidos devido aos traços fisiológicos que acarretam nas

pessoas, tais como taquicardia, sudorese, tremores, etc. Estas alterações se dão em

decorrência da sensação de ameaça presente tanto no medo quanto na ansiedade,

embora ela ocorra de maneiras diferentes (May, 1950/1980, 1953/2016, 1967/2000).

Num cenário que dialoga com a fenomenologia existencial, as correlações entre

medo e ansiedade surgem com os estudos de May (1950/1980, 1953/2016), os quais


125

apontam que no medo há uma ameaça clara e vinculada a um ou mais objetos bem

definidos (Pinto, 2006, 2017). Por exemplo, ao sermos abordados por assaltantes,

situação esta que nos afasta da sensação de segurança, podemos sentir o coração bater

mais forte, entregamos rapidamente os bens exigidos ou, até mesmo, procuramos rotas

de fuga para voltarmos a nos sentir seguros.

Como o medo ou a experiência do medo corresponde a algo específico, é

possível que este objeto seja removível ou administrável (Zevnik, 2017). “Quando

temos medo sabemos o que nos ameaça, somos dinamizados pela situação, nossa

percepção é aguçada e tomamos medidas para fugir ou evitar, de outras maneiras, o

perigo” (May, 1953/2016, p. 35). Na tentativa de nos protegermos da ameaça iminente,

como ilustrado no exemplo sobre o assalto, nosso organismo como um todo se altera

com o intuito de nos protegermos. Reconhecemos o que nos amedronta e somos capazes

de nos preparar para lidar com isso.

Já na ansiedade, ocorre uma antecipação de algo que ainda não aconteceu ou que

já transcorreu, o que ilustra sua relação direta com a experiência do tempo. Logo após o

assalto, podemos ficar atordoados sem saber o que fazer e para onde ir. O coração

acelera ainda mais rápido, e a ansiedade se sobrepõe ao medo (Zevnik, 2017). É

possível sentirmos fraqueza, uma sensação de paralisia e vazio no estômago. A situação

de ameaça não está mais visível, mas algo permanece. Ela se torna difusa, e temos

dificuldade em compreendê-la pela falta de um objeto concreto, específico que a

justifique (May, 1950/1980, 1953/2016, 1967/2000, 1983/2000; Baptista, Carvalho &

Lory, 2005; Pinto, 2006, 2017; Zevnik, 2017).

Enquanto o medo é periférico, circunstancial e passageiro, a ansiedade é

primordial, podendo assumir qualquer forma e intensidade (Pinto, 2006, 2017). Ela
126

atinge o âmago, o fundamento do ser e irradia para tudo ao seu redor. Por que, então,

confunde-se ou se associa ansiedade e medo? Porque apesar das diferenciações

apresentadas anteriormente, o medo pode estar presente na experiência vivida na

ansiedade, acompanhando-a. Em alguns casos, esta correlação chega a alcançar níveis

extremos como ocorre em ataques de pânico, nos quais a ansiedade é vivida como

experiência de medo do próprio medo (Souza, Melo & Moreira, 2020). Esta visão

corrobora em parte com a ideia de que na ansiedade os indivíduos não conseguem fugir

ou enfrentar diretamente as ameaças que os cercam, pois estas são invisíveis uma vez

que não existem como objeto (May, 1950/1980; Pinto, 2017).

Em contrapartida, no cenário da psiquiatria fenomenológica europeia,

encontramos o trabalho de Minkowski (1966/2000) sobre a ansiedade, o qual se detém

em uma perspectiva eminentemente fenomenológica e tem como contribuição o resgate

da existência humana como elemento fundante da ansiedade para além de sua

categorização mórbida como patologia. É importante observarmos que, ao aproximar a

ansiedade da existência, Minkowski (1966/2000) não deixa clara a relação entre

ansiedade e angústia. Retornaremos a esta questão mais adiante.

A ansiedade é uma reação humana. Sempre a mesma, manifestando-se no

momento oportuno em diversas situações, ela não se reduz absolutamente ao

conjunto dessas experiências isoladas e não é absolutamente sua resultante.

Pungente, dolorosa crispação interior, ela estreita o campo da consciência e ao

mesmo tempo o da existência. Ela paralisa o livre desabrochar, determina um

‘universo ansioso’ que lhe é próprio (Minkowski, 1966/2000, p. 161-162).


127

Este universo ansioso corresponde a um modo de funcionamento que se dá no

entrelaçamento intersubjetivo sujeito/mundo, pois a ansiedade é vivida como uma

experiência global do modo de existir do sujeito enraizado no mundo. É uma visão que

converge com a discussão proposta por Moreira (2014) no terreno da fenomenologia

clínica contemporânea, em que “a ansiedade é aqui entendida como parte de um estilo

existencial enraizado no Lebenswelt” (p. 39). Ela se configura como uma forma de estar

no mundo e de construir sentidos diante as singularidades das experiências aí vividas

(Moreira, 2014; Souza & Moreira, 2017).

A expressão ‘estilo existencial’ refere-se à regularidade de um modo de se

comportar em termos de uma estrutura mantida através do tempo. Em outras

palavras, o estilo existencial é o modo específico de estar no espaço e no tempo

e de estar-no-mundo no mundo particular de cada indivíduo, de uma mesma

estrutura que é universal, além da experiência infinitamente única de cada

história subjetiva (Moreira, 2014, p. 39-40).

Estilo existencial corresponde aos traços estruturais que organizam as variadas

formas de ser no mundo e que se desvelam nas falas, na linguagem, no comportamento,

nos gestos, ou seja, nas diversas expressões humanas (Moreira & Chamond, 2012).

Nesta tese, compreendemos a ansiedade como parte de um estilo existencial, ou seja,

como parte de um modo de funcionamento e, como tal, ela se entrelaça às estruturas

fundantes da existência, tais como o tempo.

É nesse sentido que a ansiedade não se restringe a um sintoma, a uma doença ou

a um comportamento. Ela é da ordem da experiência e possui um universo particular de


128

significados que se constituem sob o fundo universal de um mundo que já está dado

como realidade.

Vale ressaltar que os estilos existenciais em que encontramos a ansiedade

ocorrem diante as vicissitudes do mundo contemporâneo. Este está sob a égide de um

tempo de aceleração, calcado no imperativo cultural da lógica do desempenho em que

não temos ‘tempo a perder’ (Han, 2017). Estamos entrelaçados a um mundo cada vez

mais acelerado, modificando nossa relação com o tempo e, por conseguinte, com o

processo de subjetivação. Devido à amplitude desta temática e sua relevância para

compreendermos a relação entre tempo, ansiedade e contemporaneidade, teceremos esta

discussão no próximo subitem deste capítulo.

A ansiedade, como parte de um estilo existencial, é uma expressão de como cada

pessoa constrói a si mesma em sua relação com outrem e com o mundo diante a

inquietação de um futuro que ainda não se fez presente. Boris & Barata (2017), no

contexto da fenomenologia clínica contemporânea, atentam mais diretamente para a

relação entre tempo e ansiedade, em que ocorre uma constante antecipação do futuro,

esvaziando o presente e desconectando o sujeito do passado. Há a exigência de que o

tempo corra cada vez mais rápido, sustentando-se no vazio da espera (Boris & Barata,

2017).

A ansiedade é uma expressão do abismo da incerteza, o qual é vivido como

antecipação e aceleração do devir. É nesse ponto que encontramos a ansiedade

comumente confundida ou associada com a noção de angústia. Esta aproximação é bem

mais complexa e de difícil compreensão (Ey, 1950/2006) que a anterior – medo.

Seja na linguagem popular, filosófica ou científica é comum encontrarmos uma

sobreposição das terminologias ansiedade e angústia. Ora são confundidas como


129

sinônimos, ora são utilizadas de forma diferenciada (Pereira, 2003). Estes traços

também se evidenciam no sentido etimológico destas palavras. No dicionário Michaelis

(2019), encontramos a ansiedade definida como sofrimento físico e psíquico expresso

como aflição, agonia, ânsia e angústia; é um sentimento de intranquilidade frente a um

futuro incerto e perigoso. Já a angústia é uma experiência interna de opressão, estreiteza

e desespero, vivida pelas sensações de desassossego e sufocamento (Michaelis, 2019).

São definições próximas no que toca a experiência de inquietude, além do fato

do termo angústia aparecer na definição da ansiedade. Esta semelhança ocorre por

causa dos radicais latinos destas palavras (Cardoso, 2001) que nascem com as traduções

para as línguas românicas – português, espanhol, francês, etc., oriundas do latim

(Pereira, 2003; Pinto, 2017). Nestes idiomas os termos ansiedade e angústia procedem

do grego agkhô (aperto; estreito), o qual se desdobra no latim em dois verbos distintos

ango (aperto) e anxio (tormento). Essa subdivisão não ocorre no inglês e no alemão, por

exemplo, os quais possuem apenas uma terminologia; anxiety e angst, respectivamente.

Vale ressaltar que o termo anguish, do inglês, pode ser traduzido por angústia, mas seu

uso se restringe ao contexto literário (Pereira, 2003).

O problema de tradução dos termos ansiedade e angústia torna-se evidente na

publicação de May (1983/2000) intitulada A descoberta do ser, em que o autor justifica

o uso do termo ansiedade por não encontrar melhor tradução para o inglês da palavra

alemã angst – que remete à angústia em português. Dado este que nos leva a questionar

em que medida May (1980/1950, 1983/2000) tece discussões exclusivamente sobre a

ansiedade ou o faz de forma misturada com a noção de angústia.

A segunda opção nos parece mais plausível em decorrência da problemática de

tradução anteriormente mencionada. Como assinala Ponte (2011), o uso do termo


130

angústia faz mais sentido na obra de Rollo May. Mas aqui apontamos a seguinte

ressalva, a saber: a discussão de May (1982/2000) sobre a ansiedade se confunde com

angústia nos momentos em que o autor evidencia aproximação e influência dos escritos

de Kierkegaard (1944/2017), filósofo que inaugura os estudos sobre angústia no âmbito

da filosofia existencial.

No cenário da psiquiatria europeia, também encontramos o debate de uma

separação clínica entre angústia e ansiedade, em que a primeira faria referência a um

conjunto de sintomas físicos – tremores, sufocamento, constrição – e a segunda, aos

estados de perturbação psicológica – inquietude, terror (Ey, 1950/2006; Pereira, 2003).

O psiquiatra francês Henry Ey, na obra Études Psychiatriques, afirma que tal

distinção é artificial, pois não pode ser observada claramente na clínica. Em seus

estudos, Ey (1950/2006) propõe que os termos ansiedade e angústia sejam utilizados

como sinônimos, o que se tornou tendência na psiquiatria contemporânea que utiliza

idiomas de origem românica (Pereira, 2003). Ey (1950/2006) inaugura o termo

ansiedade mórbida para descrever as variadas formas clínicas dos estados de ansiedade

(Pereira, 2003), questionando a simplificação da ansiedade como mero sintoma de

desordens afetivas.

No campo da fenomenologia clínica contemporânea, Dörr (2014) não apresenta

uma distinção clara entre ansiedade e angústia, mas ressalta a influência americana dos

manuais diagnósticos (DSM) para a popularização do termo ansiedade e o desuso do

termo angústia. Em sua terceira edição (DSM-III), houve uma substituição da

nomenclatura neurose de angústia para transtornos de ansiedade (Fischer, 1998;

Chiabi, 2018), o que contribuiu para uma patologização da ansiedade.


131

Mas afinal, o que é angústia? Ela é de fato um sinônimo de ansiedade? Ou

poderíamos dizer que a ansiedade é uma forma dos estados de angústia? A angústia foi

uma noção amplamente discutida na filosofia existencial ao apontar os traços de

indeterminação da existência (Feijoo, 2011).

Nas palavras de Kierkegaard (1944/2017) a “angústia pode-se comparar com

vertigem. Aquele, cujos olhos se debruçam a mirar uma profundeza escancarada, sente

tontura. Mas qual é a razão? Está tanto no olho quando no abismo. Não tivesse ele

encarado a fundura!” (p. 67). Se na vertigem os olhos do observador encaram o vazio do

abismo, na angústia eles miram o vazio da existência, o nada, o não-ser (Kierkegaard,

1944/2017).

Posicionada numa dimensão trágica, a angústia é gerada no confronto com o

nada, pois ao nos darmos conta de que existimos, simultaneamente, nós percebemos que

poderíamos não existir. Este paradoxo põe a existência em ameaça permanente ao não-

ser, devido a característica de indeterminação do nada originário da angústia

(Kierkegaard, 1944/2017; Feijoo, 2011; Feijoo, Protasio, Gill & Veríssimo, 2015).

Cada escolha que fazemos na vida também nos mostra uma perda diante o que

não foi escolhido e, embora tais escolhas afirmem o nosso ser, elas constatam a

inevitabilidade do não-ser. É nesse sentido que a angústia caminha de mãos dadas com

a noção de liberdade, tendo a incerteza e a impotência como sentimentos característicos.

Diante sua condição de indeterminação, há um desamparo na abertura do mundo como

espaço de possibilidade e de responsabilidade frente às escolhas da vida (Kierkegaard,

1944/2017; Feijoo, 2011; Boris & Barata, 2017).

Ser defrontado com a angústia e com o peso da liberdade não é tarefa fácil. Por

se configurar como uma disposição afetiva fundamental (Martins, 1999; Feijoo, 2011;
132

Heidegger, 1927/2015), a angústia é inevitável, mas o ser humano busca saídas para

escapar de suas amarras. Tais fugas foram nomeadas por Kierkegaard (1944/2017)

como não liberdade e por Sartre (1943/2015) como má-fé. Elas são tentativas frustradas

de negar a indeterminação da existência – o nada, o não-ser – como forma de escapar da

liberdade e, consequentemente, de si mesmo.

A aproximação entre angústia e ansiedade se dá a nível ontológico, pois ambas

dizem sobre o fundamento da existência humana. No cenário da fenomenologia clínica

contemporânea, ao discutir tal aproximação, Boris e Barata (2017) afirmam que “a

ansiedade é uma expressão da angústia” (p. 151), ou seja, a ansiedade se posiciona de

forma sistemática na existência (Ey, Bernard & Brisset, 1989). Mas o sentido aqui

atribuído à ansiedade a propõe como sintoma ou comportamento, cuja gênese repousa

na fuga da angústia em direção ao futuro (Boris & Barata, 2017).

A ansiedade é já um tipo de resposta à angústia dirigida para o futuro. A

consciência da inassimilabilidade do futuro pelo presente – o futuro transcende

sempre o presente – motiva uma tentativa de precipitar, com urgência, o futuro

no presente. Como se assim aquela transcendência cessasse, o futuro fosse

dominado pelo presente e a liberdade coincidisse com essa consciência de

domínio (Boris & Barata, 2017, p. 159).

É uma perspectiva que põe a ansiedade como consequência da angústia, fruto da

má-fé (Boris & Barata, 2017). Mas quando o tempo é apontado como elemento

significativo para o desvelamento da ansiedade, esta também passa a estar inserida

numa dinâmica experiencial e atrelada ao Lebenswelt (Moreira, 2014). A linha que


133

distingue ansiedade e angústia é tênue e borrada, pois ambas são expressões de um

mesmo vivido.

Entendemos a angústia como uma condição que possibilita o desvelamento da

ansiedade, pois há uma interseção entre estas experiências que encontra na dimensão do

tempo seu ponto de convergência. Por relacionar-se ao devir, a dinâmica do tempo se

articula à angústia e funda nosso projeto de ser (Feijoo, 2011). Mas na dinâmica

experiencial da ansiedade, encontramos um frisson, um estremecimento nas estruturas

do tempo que a constitui. Como afirmam Boris e Barata (2017), na ansiedade nos

tornamos reféns do futuro. Inquietamo-nos com a espera deste em se tornar presente, a

qual é sentida na urgência do tempo se acelerar. Esta alteração não acontece na angústia,

cujo movimento possui uma profundidade maior com o plano existencial (Cardoso,

2001).

A ansiedade tem seu fundamento na ambiguidade da relação eu-outrem-mundo.

Engajada no mundo, ela antecipa o futuro e costura o seu horizonte de sentidos. Ao

sermos lançados na vertigem diante o vazio da angústia, a ansiedade se exprime como

parte de um estilo existencial tendo no Lebenswelt o seu fundamento.

Ao se aproximar da dinâmica da existência, a ansiedade também toca outra

temática relevante aos estudos em fenomenologia clínica, a saber: a vulnerabilidade.

Experienciar a ansiedade situada na abertura do mundo diante o horizonte do tempo é

abrir-se à insegurança do novo (Boris & Barata, 2017). Enquanto vivemos as

expectativas do que ainda não aconteceu, nos pomos em uma situação passível de

sofrimento e, portanto, nos tornamos vulneráveis (Boublil, 2018; Fuchs, 2019b).

A vulnerabilidade, para a fenomenologia clínica, pode ser definida como “um

conceito multifacetado que descreve nossa natureza encarnada e relacional


134

(vulnerabilidade ontológica) e nossa existência necessariamente situada e imprevisível

(vulnerabilidades situacionais)” (Boublil, 2018, p. 183). Isto nos remete à

fenomenologia da ambiguidade de Merleau-Ponty no que tange a intercorporeidade e

seu papel no enraizamento do sujeito ao mundo.

De acordo com a definição acima, encontramos duas formas de vulnerabilidade.

Na primeira, ela é ontológica, enraizada à existência e diz sobre nossa inevitável

capacidade de sermos afetados e de afetarmos o mundo e os outros. É uma espécie de

receptividade diante da qual não podemos fugir (Boublil, 2018; Butler, 2011). É um

estado de abertura que nos põe em relação e nos conecta ao mundo a nossa volta. Já o

segundo tipo de vulnerabilidade faz alusão a formas específicas de sermos vulneráveis

de acordo com o mundo social e cultural que nos cerca (Butler, 2011) como, por

exemplo, a intensa violência e criminalidade de nosso país.

A ansiedade emerge no entrelaçamento com a vulnerabilidade humana nesse

estado de permanente abertura. De um lado, em seu sentido ontológico, a

vulnerabilidade apresenta certo ar de passividade e imutabilidade (Boublil, 2018). Ela se

relaciona com a angústia nesse ponto, pois nos encontramos vulneráveis diante o temor

da finitude. Em contrapartida, o contato com outrem, característica da vulnerabilidade,

nos põe fora de nós mesmos, agita nossa existência, nos inquieta. “Há ansiedade em

razão da possibilidade de se machucar o Outro” (Butler, 2011, p. 21) ou de ser

machucado por ele (Lawlor, 2018). Na intersubjetividade própria à vulnerabilidade, o

sofrimento e a opressão se destacam como experiência e como condição de

possibilidade da ansiedade.

Para a fenomenologia clínica, a vulnerabilidade tem papel central na

estruturação de nossa experiência subjetiva do mundo, uma vez que ela possibilita
135

abertura e transformação. Todos os nossos laços e relações são vulneráveis, não por que

podem acabar a qualquer momento ou por que tem o poder de nos oprimir, mas por

estarmos continuamente abertos ao que vier.

É nessa insuperável co-existência que construímos sentidos diante o mundo e

abrimos as portas ao novo e a possibilidade de mudança (Boublil, 2015, 2017). Em

contrapartida, este horizonte de possibilidades ancorado na experiência do tempo, marca

nossa existência e nos deixa suscetíveis ao não saber, à insegurança e ao martírio da

espera, dados estes que se entrelaçam à ansiedade.

Estar vulnerável é estar suscetível a nos machucarmos, nos frustrarmos e a

sofrermos, mas é também estarmos disponíveis e sensíveis às experiências dos outros de

forma empática (Boublil, 2017). Como não prevemos e não controlamos o que vem de

outrem e do mundo, encontramos a ansiedade entrelaçada a este vivido de insegurança

existencial (Marandola Júnior & Hogan, 2009) presente na vulnerabilidade.

O desconhecimento sobre o futuro e a urgência em torná-lo presente, tão comuns

às experiências na ansiedade, estão intimamente relacionados com o contexto cultural e

social em que vivemos. Nossa época tem por características a aceleração da vida, dos

meios de comunicação, a obsolescência programada das novas tecnologias e etc., o que

modifica o tempo do mundo (Boris & Barata, 2017; Rosa, 2017) e, por conseguinte, o

tempo vivido.

3.3. Da modernidade à pós-modernidade: ansiedade, cultura e aceleração

A cultura é um dos principais elementos para a compreensão da ansiedade. Não

é a toa que a encontramos como ponto central nas publicações de May (1950/1980;
136

1953/2016; 1967/2000) sobre este fenômeno. Todavia, vale ressaltar que em tais

estudos a ansiedade é contextualizada por meio da cultura moderna do século XX.

Desde então mudanças importantes traçaram uma nova configuração no mundo,

tais como a globalização, o avanço tecnológico, novas formas de trabalho, dentre outros

(Han, 2016; 2017), levando-nos a questionar como a ansiedade se desdobrou na cultura

pós-moderna do mundo contemporâneo. Mas antes de tentarmos responder a esta

pergunta, retornaremos à ansiedade na cultura moderna por a considerarmos precursora

do que se passa no mundo atual.

A modernidade engloba um complexo processo de modernização, o qual não

compreende um momento específico na história da humanidade. Ela se constrói

paulatinamente, à medida que ocorrem alterações nas estruturas políticas, econômicas e

sociais como frutos da revolução industrial e da revolução francesa (Bauman, 2001;

Rosa, 2017).

A principal característica da modernidade é a desconstrução das sólidas

estruturas existentes até então por meio dos processos de dinamização, aceleração e

inovação, que transformam suas bases. O curioso paradoxo é que a estrutura dinâmica

da sociedade moderna busca estabilidade e firmeza, mas o faz ao movimentar-se

continuamente (Rosa, 2017).

Como define Rosa (2017), “uma sociedade é moderna quando apenas consegue

se estabilizar dinamicamente; quando é sistematicamente disposta ao crescimento, ao

adensamento de inovações e à aceleração, como meio de manter e reproduzir sua

estrutura” (p. XI). Este projeto de modernidade exige a construção de um novo sentido,

de uma reinvenção da sociedade. Mas em tal urgência de transformação como tentativa

de libertação de amarras autoritárias e tradicionais, encontra-se uma tendência ao


137

enrijecimento, culminando em um mundo previsível, sólido, estável e administrável.

(Bauman, 2001; Rosa, 2017).

É a promessa de um mundo autodeterminado com base na liberdade e na

autonomia que funda a modernidade. Essa promessa, entretanto, constrói uma

identidade social e cultural dotada de previsibilidade e solidez, pois se amparava na

valorização da racionalidade individual (Bauman, 2001, 2007; Rosa, 2017).

A ascensão social e pessoal só seria possível por meio da razão, e quem não se

encaixasse em tais valores estaria colocando a própria existência em perigo (May,

1950/1980, 1953/2016, 1967/2000). É nesse ínterim que as discussões sobre a ansiedade

iniciam no século XX, a saber: situado em um mundo que começava a descobrir a

urgência da aceleração da vida, mas aprisionado no tecnicismo irredutível de sua época.

No sujeito moderno, a significação da existência e dos conhecimentos

apreendidos na relação com o mundo é amparada pela racionalidade, seja em relações

familiares, de trabalho, metas a conquistar, etc. (May, 1950/1980, 1953/2016,

1967/2000). Como discutido no segundo capítulo desta tese7, a experiência sensível do

mundo era descartada como forma válida de conhecimento (Straus, 1935/2000,

1967/2000).

Ao depositar total confiança nos métodos e instrumentos da racionalidade em

prol de uma sociedade tecnicista, o sujeito moderno vive o dilema entre o ter que e o

querer, o desejar, o sentir. Como assinala May (1967/2000), “o dilema humano é aquilo

que se origina da capacidade de um homem para sentir a si mesmo simultaneamente

como sujeito e como objeto. Ambas as capacidades são necessárias” (p. 25). É desta

perda de significação vivida no distanciamento de si mesmo, bem como da dicotomia

7
Ver subitem 2.1.
138

entre a razão e os sentidos, que a ansiedade se desvela como fenômeno entrelaçado ao

mundo na cultura moderna.

Mas esta perspectiva não perdura por muito tempo, uma vez que o modelo

criado pela modernidade passa por novas alterações na segunda metade do século XX.

A estrutura criada até então é alvo de fortes decepções, as quais são evidenciadas pela

crise democrática, pela inabilidade em lidar com a desigualdade social, pelo

afrouxamento dos laços inter-humanos e pelo enfraquecimento das estruturas sociais.

Somado a isto, alguns fenômenos sociais – globalização, revolução tecnológica e

individualização – modificaram radicalmente as bases da modernidade, tornando-a mais

dinâmica, acelerada e volátil (Bauman, 2001, 2007, 2008; Rosa, 2017).

Tais modificações não foram suficientes para encerrar a modernidade. Ainda

vivemos em uma cultura moderna, porém hoje ela possui uma configuração diferente e

passou a ser nomeada como modernidade tardia ou pós-modernidade (Rosa, 2017).

Neste novo cenário, as bases para pensarmos o fenômeno da ansiedade ganham

contornos diferenciados.

Estamos inseridos em uma nova dinâmica, em que impera a norma do

desempenho e da produção. (Han, 2016, 2017). Enquanto aceleração, crescimento e

inovação, características fundantes da modernidade clássica, eram meios para a

solidificação das estruturas disciplinares e de controle da sociedade (Foucault,

1975/2009; Han, 2017; Rosa, 2017). No século XX e XXI, estas mesmas características

permeiam a sociedade dos shoppings centers, dos laboratórios de genética, dos

aeroportos, dos prédios comerciais, etc. A urgência em maximizar a produção passa a

ocorrer pelo poder ilimitado atribuído aos indivíduos (Han, 2017).


139

Na ‘Modernidade Tardia’, a lógica da roda de hamster tomou tão intensamente

tantas pessoas sob suas garras que estas já não se deixam parar nem mesmo

pelos seus corpos (a gripe, a perna quebrada, a hérnia de disco não nos param:

além disso, fazemos mais e planejamos o nascimento com a cesariana e o funeral

com a cremação, de modo que estes se encerrem a tempo e se adequem ao

planejamento temporal) – até que somos tomados pela experiência da paralisia

temporal, rígida e desesperançada (Rosa, 2017, p. XXVI).

A liberdade paradoxal da sociedade pós-moderna é evidenciada quando cada

sujeito torna-se o senhor e o escravo de si mesmo, impondo a si uma espécie de

violência sistematizada para maximizar o desempenho (Han, 2017). Há o

aprisionamento em uma espécie de “paralisia frenética” (Rosa, 2017, p. XIII). Como

assinala Han (2017), as experiências de adoecimento mental da cultura pós-moderna são

também expressões patológicas deste paradoxo da liberdade.

Uma vez que a cultura é compreendida como parte do mundo vivido (Moreira,

& Sloan, 2002; Telles & Moreira, 2014), ela também constitui o fenômeno da

ansiedade. Não se trata aqui de associar a cultura como produtora ou influenciadora da

ansiedade, pois cairíamos numa relação determinista e linear de causa e efeito. Mas,

embasados na fenomenologia filosófica de Merleau-Ponty (1942/2006, 1945/2006,

1964/2014), compreendemos a cultura como constitutiva deste fenômeno, pois ela é

uma espécie de mediadora entre a vida subjetiva e a vida coletiva.

a distinção dos dois planos (natural e cultural) é, aliás, abstrata: tudo é cultural

em nós (o nosso Lebenswelt é ‘subjetivo’) (a nossa percepção é cultural-


140

histórica) e tudo é natural em nós (mesmo o cultural repousa sobre o

polimorfismo do Ser selvagem) (Merleau-Ponty, 1964/2007, p. 229).

O mundo cultural pós-moderno penetra em nossas vidas e se entrelaça a elas por

meio dos significados que produz, mas na interseção desse movimento também

encontramos o horizonte de nossas experiências vividas. É uma relação ambígua que se

constitui mutuamente (Moreira & Sloan, 2002; Telles & Moreira, 2014).

Dentre os significados do mundo pós-moderno, encontramos a aceleração. Esta

se faz presente deste o surgimento da modernidade com a dinamização social, cultural e

econômica da sociedade e, no cenário contemporâneo, a velocidade da vida cotidiana

está cada vez mais acelerada (Han, 2017; Rosa, 2017; Tziminadis, 2017). As estruturas

da modernidade e da pós-modernidade, segundo Rosa (2017), se firmaram sob a égide

da aceleração e encontraram no tempo uma categoria central para a compreensão da

cultura e dos fenômenos sociais.

A modernização não é apenas um processo multifacetado no tempo, mas

também, primeiramente e sobretudo, uma transformação estrutural e cultural

extremamente importante das próprias estruturas e horizontes temporais, e de

que o conceito de aceleração social é o mais apropriado para abranger as

direções dessa transformação (Rosa, 2017, p. 08).

A experiência de um tempo pessoal (vivido) é, simultaneamente, experiência do

tempo cotidiano e do tempo histórico de nossa época. As atividades que temos para

realizar no dia a dia em termos de velocidade, duração e ritmo não dependem apenas de
141

nós mesmos como atores individuais, mas estão sincronizadas ao tempo social e cultural

de nossa sociedade pós-moderna (Rosa, 2010, 2017; Tziminadis, 2017). É nesse sentido

que o tempo se torna um fio condutor para compreendermos a cultura pós-moderna e

seu atravessamento ao fenômeno da ansiedade.

Na pós-modernidade, vivenciamos uma espécie de “crise do tempo” (Rosa,

2017, p. 28) em decorrência do aumento da aceleração da vida. Há uma nova forma de

coerção dos indivíduos, os quais se desnudam em prol de um máximo desempenho e

produtividade. Nas palavras de Han (2017), “o aceleramento de hoje tem muito a ver

com a carência de ser” (p. 46). Somos prisioneiros dessa lógica pós-moderna, que

sobrepõe o futuro ainda não existente a um presente esvaziado de sentidos. Perdemo-

nos de nós mesmos na urgência da aceleração social, que também é vivida como

aceleração pessoal, mas que se cristaliza numa paralisia frenética presente no fenômeno

da ansiedade por meio da tentativa frustrada de sincronização entre o tempo do mundo e

o tempo vivido.

É possível encontrar na história da Modernidade queixas periódicas a respeito do

aumento da velocidade da vida, e de um ritmo de vida cada vez mais acelerado,

aos quais são relacionadas diversas características adoecedoras, sobretudo na

forma de nervosismo e sobrecargas (Rosa, 2017, p. 32).

Como discutiremos no capítulo seguinte, a ansiedade também se manifesta sob a

máscara do nervosismo, do medo e do pânico. Traços estes que se entrelaçam à cultura

pós-moderna, cuja aceleração social encontrou um ponto tão elevado – a simultaneidade


142

dos acontecimentos – que tornou impossível a sincronização e a integração entre o

tempo da vida e o tempo do mundo (Rosa, 2010, 2017; Tziminadis, 2017).

Enquanto na modernidade havia a possibilidade das pessoas se locomoverem

mais rápido em direção a um destino mais ou menos definido. Na pós-modernidade,

cria-se uma rede de conexões instantâneas, facilitada pelo desenvolvimento das novas

formas de comunicação e tecnologias, que abre uma infinidade de caminhos

simultâneos e impossíveis de serem alcançados no decurso de uma vida (Tziminadis,

2017). Estamos em permanente estado de movimento, sem necessariamente sairmos do

lugar.

A condição miserável do homem flexível, que deve correr para manter-se no

mesmo lugar, é também o propulsor de um mal-estar social cada vez mais

evidente. A ansiedade gerada por todos os medos que podem devir de uma

ordem imprevisível, somada ao solapamento do caráter e da confiança em si,

propiciam um estado de terror continuado no qual a saúde emocional torna-se

extremamente vulnerável (Tziminadis, 2017, p. 47).

A expectativa passa a ser dotada de valor em si, pois o sujeito pós-moderno

busca alcançar a segurança do porvir e o bem-estar do presente por meio da

maximização de seu desempenho (Han, 2017; Chauvin, 2019). Não se pode parar; não é

permitido sequer adoecer. É a urgência da antecipação de um futuro ainda por acontecer

com a aceleração e a simultaneidade do presente, que põe os sujeitos a correrem

ininterruptamente e sem cautela, além de desprovidos de garantias, certezas ou sequer

direção (Rosa, 2017; Tziminadis, 2017).


143

A ansiedade, enraizada nesse mundo pós-moderno, possui um componente

cultural significativo que a constitui. Ela se desvela na perda de sincronicidade entre o

tempo vivido e o tempo do mundo, sendo esta perda atrelada à aceleração cada vez mais

frenética de um mundo que se perdeu em um turbilhão esvaziado de sentidos.


144

Capítulo 04

MÉTODO

4.1. Delineamento do estudo

Esta pesquisa se insere em um método qualitativo e elaborou estudos de casos

clínicos com usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Geral da Secretaria

Executiva Regional (SER) III do município de Fortaleza. Investigamos a noção do

tempo vivido na ansiedade em distintos quadros clínicos sob a lente de uma

fenomenologia clínica da ambiguidade inspirada na fenomenologia filosófica de

Merleau-Ponty, a qual é considerada uma ferramenta crítica para pesquisas em

psicopatologia e fenomenologia. Nesta investigação, tivemos 03 participantes que

experienciavam a ansiedade, e que estavam em acompanhamento terapêutico semanal

no CAPS Geral da SER III.

4.1.1 A pesquisa fenomenológica crítica na investigação qualitativa

A investigação qualitativa se baseia na percepção e na compreensão humana.

Tem como meta tentar entender uma situação social, uma interação específica, um

grupo, um papel ou um evento singular, podendo utilizar diferentes tipos de concepções

filosóficas, estratégias de investigação e métodos de coleta de dados (Stake, 2011;

Creswell, 2010; Holanda, 2006).

Uma das principais características da pesquisa qualitativa é que sua definição é

epistemológica, e não instrumental, pois se sustenta “no processo de construção do

conhecimento” (Holanda, 2006, p. 364) ao aprofundar fenômenos complexos. Ela

insere, no ato da investigação, a subjetividade do pesquisador e do participante, o que


145

amplia o fenômeno estudado ao abranger panoramas sociais, culturais, econômicos,

existenciais e etc. (Holanda, 2006; Deslauriers & Kérisit, 2008).

Creswell (2010) destaca alguns aspectos relevantes concernentes à pesquisa

qualitativa, que auxiliaram a firmar a nossa escolha diante deste caminho metodológico.

O ambiente natural da pesquisa deveria ser priorizado e, na qualidade de pesquisadora,

assumi a tarefa de me inserir em um campo de prestação de serviços em saúde mental,

onde pude interagir e conversar diretamente com os participantes deste estudo.

O pesquisador, na investigação qualitativa, é um dos principais instrumentos

para a concretização da pesquisa, pois desempenha papel ativo ao obter pessoalmente as

informações do campo (Stake, 2011; Creswell, 2010; Flick 2008). Ele mantém o foco

nas percepções e nas experiências dos participantes, bem como em seus próprios

constructos pessoais (Creswell, 2010).

Dentre os métodos de base qualitativa, utilizamos a pesquisa fenomenológica

(Andrade & Holanda, 2010; Creswell, 2010) com o objetivo de compreender o tempo

vivido na ansiedade em distintos quadros patológicos. Partimos da descrição dos

significados das experiências vividas pelos participantes, o que nos permitiu uma

exploração detalhada do fenômeno investigado (Giorgi, 2008).

Andrade e Holanda (2010) destacam que “a proposta da fenomenologia surge

como uma excepcional perspectiva de olhar o fenômeno humano no sentido da

descoberta e desvelamento desse particular fenômeno da realidade” (p. 267), uma vez

que se firma como o estudo do vivido, ou seja, da experiência imediata e de ordem pré-

reflexiva. Mas, para isto, ela precisa de uma base filosófica que a sustente em uma de

suas vastas correntes teóricas, pois de acordo com o pensamento fenomenológico

utilizado aparecerão variações metodológicas e epistemológicas entre a pesquisa e a


146

lente utilizada pelo pesquisador (Moreira, 2004; 2009).

Ao propor uma fenomenologia da ambiguidade, os escritos de Merleau-Ponty

(1942/2006; 1945/2006; 1964/2014) nos auxiliaram no movimento de superação das

dicotomias existentes entre os dados objetivos e subjetivos, singulares e universais do

fenômeno psicopatológico investigado. Compreendemos que estes elementos estão

entrelaçados e são indissociáveis na experiência do Lebenswelt8 (mundo vivido) dos

participantes e da pesquisadora, pois “o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo

que eu vivo” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 14).

Com a lente da ambiguidade de Merleau-Ponty (1942/2006; 1945/2006),

retratamos os participantes e a pesquisadora como sujeitos enraizados no mundo, ou

seja, eles fazem parte do mundo e vice-versa. Constituem-se mutuamente em um enredo

plural marcado por aspectos sociais, familiares, biológicos, psicológicos, existenciais,

etc. É a ideia de um sujeito que não pode ser pensado dissociado do mundo do qual faz

parte, pois está necessariamente ligado a ele (Moreira, 2004; 2009). Estas dimensões

variadas se entrelaçam ao fenômeno do tempo vivido na ansiedade, destacando a

necessidade de o compreendermos por meio de uma perspectiva metodológica que

aborde sua totalidade.

Partimos do método fenomenológico crítico, desenvolvido por Moreira (2004;

2009), que utiliza a fenomenologia filosófica de Merleau-Ponty como ferramenta crítica

para a construção de pesquisas em psicopatologia e psicologia. Este caminho

metodológico nos abriu as portas para a compreensão da experiência de adoecimento

como fenômeno vivido no mundo e com outrem. Ao invés de priorizarmos uma

discussão sobre a patologia (ansiedade, depressão, esquizofrenia, bipolaridade, etc.),

8
Ver capítulo 01, subitens 1.1.3 e 1.2.3.
147

ressaltamos, nesta tese, a necessidade de construir uma visão global do ser humano para

além da patologia em seus múltiplos contornos.

A lente crítica utilizada para a compreensão do tempo vivido na ansiedade nos

auxiliou na apreensão da experiência de coexistência entre participante e mundo, cujo

fundamento é o Lebenswelt (mundo vivido). Ele se situa na interseção dos aspectos

universais e singulares de nossas relações com o mundo, configurando-se como uma

“experiência dupla, ao mesmo tempo empírica (no sentido comum) e apriórica”

(Tatossian, 1979/2006, p. 36), pois é ambígua.

O Lebenswelt (mundo vivido) comporta uma experiência inacabada, sempre em

movimento (Moreira, 2004; 2009; 2016). Para acessá-la, buscamos resgatar seus traços

pré-teóricos e pré-reflexivos, que se manifestaram num movimento dialético contínuo

ao integrar a universalidade da teoria e a singularidade do vivido na prática (Tatossian

& Moreira, 2012) desta pesquisa. Como assinala Merleau-Ponty (1945/2006),

Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão

minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não

poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo

vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente

seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência

do mundo da qual ela é expressão segunda (p. 03).

Esta posição aponta para o pesquisador como sujeito mundano, ou seja,

entrelaçado ao mundo, pois é constituído por ele ao mesmo tempo em que o constitui. O

mundo é familiar ao pesquisador, ele o conhece e, para apreendê-lo, deve romper tal
148

familiaridade ao deixar em suspenso ideias, pensamentos, pré-conceitos e constructos

teóricos que já existiam por meio de uma mudança de atitude (Moreira, 2004; 2009). Há

a saída da atitude natural e cotidiana, passível de racionalização, para uma atitude

fenomenológica, que prioriza a compreensão e a descrição da realidade. Ao mesmo

tempo, essa ruptura nunca se dá por completo, pois somos o mundo e vice-versa

(Merleau-Ponty, 1945/2006).

É uma perspectiva que se contrapõe à afirmação que as pessoas são o resultado

de um somatório de causalidades, passíveis de serem reduzidas a teorias e conceitos

explicativos. Os seres humanos são a fonte primária de suas próprias experiências, e

nosso esforço nesta pesquisa se deu na tentativa de construir um caminho metodológico

que facilitasse o desvelamento das experiências vividas pelos participantes na

intersubjetividade do encontro com a pesquisadora.

O caráter mundano do pesquisador, ou seja, o que faz referência ao

enraizamento sujeito/mundo no sentido da ambiguidade nos permitiu construir uma

abertura em direção à experiência vivida pelos participantes no entrelaçamento

intersubjetivo com a pesquisadora durante os encontros da pesquisa, visando à

compreensão de uma experiência sempre em movimento. Este processo foi descrito

nesta tese no formato de estudos de caso fenomenológicos.

4.1.2. O estudo de caso fenomenológico

Num panorama geral, o estudo de caso é um tipo de investigação qualitativa

definida por seu alcance intenso em pesquisas científicas de fenômenos complexos, uma

vez que o exame minucioso destes permite obter características globais do sujeito e de

seu contexto (Flyvbjerg, 2011). Esse tipo de trabalho é uma das formas mais comuns e
149

tradicionais de se realizar pesquisas e, no campo da psicoterapia e do aconselhamento,

os estudos de caso surgiram como tentativa de validar a prática terapêutica em ascensão

ao explorar a história de vida do paciente (Yin, 2015; Stake, 2008; McLeod, 2010).

O estudo de caso auxilia na investigação de “um fenômeno contemporâneo

dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e

o contexto não estão claramente definidos” (Yin, 2015, p. 22). Em outras palavras, o

estudo de caso permite uma visão aprofundada do fenômeno por não o isolar de seu

contexto. É uma perspectiva que pode se alinhar à lente fenomenológica crítica, pois

esta aponta para uma compreensão do fenômeno estudado em seu entrelaçamento ao

mundo.

Nesta pesquisa, utilizamos a lente fenomenológica mundana de Merleau-Ponty

(1942/2006; 1945/2006; 1964/2014) para a elaboração de estudos de caso

fenomenológicos, compreendendo-os como um desdobramento do método

fenomenológico crítico proposto por Moreira (2004; 2009).

Em seu formato tradicional, os estudos de caso priorizam a visão de apenas uma

das pessoas que compõem a pesquisa – o participante –, embora o faça de forma

contextualizada (Yin, 2015; McLeod, 2010). Porém, por partimos de uma

fenomenologia da ambiguidade, os estudos de caso fenomenológicos, desta tese, foram

elaborados de acordo com o contexto experiencial e intersubjetivo construído na

imediaticidade dos encontros entre os participantes e a pesquisadora. Não priorizamos a

visão de um ou de outro, mas o que ocorreu na interseção do mundo vivido

(Lebenswelten) de ambos.

Tratou-se de captar os significados no horizonte de nossas experiências, pois o

mundo não se resume à soma de objetos. Merleau-Ponty (1945/2006) ilustra tal questão
150

com a metáfora de mãos se tocando: “duas mãos são ao mesmo tempo tocadas e

tocantes uma em relação à outra” (p. 137). Elas se alternam na função de quem toca

quem, num movimento ambíguo em que se mesclam as várias sensações. Como a

sobreposição de uma mão com a outra, a construção dos nossos estudos de casos

fenomenológicos se desenvolveram com a descrição da experiência vivida dos

participantes no encontro com a pesquisadora, como em uma conversa cujo foco foi

compreender o fenômeno do tempo vivido na ansiedade em distintos quadros

patológicos.

4.2. O local da pesquisa

A ansiedade, para além de um sintoma, pode ser vivida como experiência

atrelada a diversos quadros patológicos. Em nossa tentativa de alcançar este fenômeno,

recorremos a equipamentos de saúde mental no município de Fortaleza que oferecessem

serviços de cuidado e assistência à população com transtornos mentais, tais como o

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Geral.

Oriundo de movimentos críticos em relação ao processo de internação

psiquiátrica, o CAPS surge na década de 1970 como conquista da Reforma Psiquiátrica

no Brasil e tem como finalidade a substituição ou a complementação do serviço de

saúde mental tradicional que priorizava o modelo hospitalar (Ferreira, Mesquita, Silva,

Silva, Lucas & Batista, 2016; Pande & Amarante, 2011).

É um espaço de referência em atendimentos às pessoas que apresentam

transtornos mentais em geral e/ou graves e persistentes e também auxiliam dependentes

químicos de álcool e outras drogas, contribuindo para o desenvolvimento da saúde

(Ferreira et al, 2016). A ampla estrutura dos CAPS abre espaço para a integração de
151

diversas áreas de atuação profissional correlacionadas ao gerir equipes

multiprofissionais e transdisciplinares, as quais visam o desenvolvimento de ações de

atenção à saúde por meio da promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e

reabilitação de seus usuários para uma melhor qualidade de vida (Brasil, 2014).

Os CAPS são organizados em três tipos de modalidades, os quais se diferenciam

de acordo com a ordem de complexidade e a abrangência populacional do município.

De acordo com a portaria 3.088 (Brasil, 2011), o CAPS tipo I é destinado a municípios

ou regiões de saúde entre 20.000 e 70.000 habitantes e funciona em dois turnos (manhã

e tarde) durante os 05 dias úteis da semana. O CAPS tipo II abrange uma maior

capacidade populacional, situando-se em locais entre 70.000 e 200.000 pessoas, e pode

inserir um terceiro turno (noite) para a realização de suas atividades. Já o CAPS tipo III

tem como finalidade municípios ou regiões acima de 200.000 mil habitantes. É um

serviço 24h, que funciona inclusive em feriados e fins de semana, e tem como proposta

atendimentos ambulatoriais de atenção contínua.

No município de Fortaleza, a Rede de Atenção Psicossocial é composta pelo

total de 14 CAPS, os quais se tornaram referência devido à importância dos

atendimentos ofertados para a população. Eles se subdividem entre as regionais do

município de Fortaleza e de acordo com especificidades do público atendido. Contamos

06 CAPS Geral e 06 CAPS AD (álcool e drogas), distribuídos um em cada regional da

cidade, e 02 CAPS Infantis (Fortaleza, n.d).

A implantação, em Fortaleza, destes serviços substitutivos em saúde mental

ocorreu primeiramente com a fundação do CAPS Geral da SER III em 1988 (Quinderé,

Sales, Albuquerque & Jorge, 2010), popularmente conhecido como CAPS Universitário

por ter tradição em recepcionar pesquisadores em vias de desenvolver projetos de


152

pesquisa. Esse dado foi percebido desde o primeiro contato com a coordenação do

CAPS Geral da SER III, que tornou possível a realização desta pesquisa devido à

facilidade de comunicação e a agilidade nos abrirem as portas da instituição num

período em que toda a rede de saúde mental do município passava por uma séria

transição em diversos cargos técnicos.

Dentre os usuários acompanhados no serviço, encontramos uma pluralidade de

pessoas que apresentavam a queixa da ansiedade em quadros clínicos distintos. Isto nos

auxiliou a compreender o tempo vivido na ansiedade por meio do desvelamento de seus

mundos vividos (Lebenswelten), que também comporta a interação vivenciada por eles

no espaço terapêutico.

O CAPS Geral da SER III conta com um espaço organizado e regularizado para

a realização de suas atividades. No município de Fortaleza, os serviços oferecidos pelo

CAPS Geral da SER III atualmente são: acolhimento, avaliação inicial/anamnese,

atendimento intensivo, semi intensivo, não intensivo, reavaliação, busca ativa, visita

domiciliar, visita institucional, ações intersetoriais, apoio matricial, assembleia de

usuários, abordagem de rua, encaminhamentos, oficinas terapêuticas, oficina produtiva,

grupo de arte, grupo de famílias, grupos diversos, terapia comunitária e atividades

individuais: serviço social, clínica médica, assistência farmacêutica, enfermagem,

técnico de enfermagem, psicologia, terapia ocupacional, massoterapia e psiquiatria

(Fortaleza, n.d).

Para acessar os serviços do CAPS Geral da SER III, os usuários podem buscar

diretamente os centros de atendimentos ou serem encaminhados por postos de saúde e

outras unidades da rede. Os atendimentos são distribuídos no decorrer dos dias da

semana (segunda à sexta-feira), de acordo com o horário de funcionamento do serviço,


153

que ocorre de 8h às 12h e de 13h às 17h.

4.3. Os participantes da pesquisa

Dentre os usuários do CAPS Geral da SER III, realizamos estudos de caso

fenomenológicos com 03 participantes para compreendermos a experiência do tempo

vivido na ansiedade em seus quadros patológicos, os quais não foram restritos

previamente a nenhum diagnóstico específico. Os participantes foram convidados para

esta pesquisa após identificarmos em seus prontuários palavras-chave que remetiam à

ansiedade seja em sentido geral ou como sintoma. Como aponta o DSM-V (American

Psychiatric Association, 2014), estes termos foram, a saber: medo, pânico, fobia,

angústia, inquietação, ansiedade, etc., e eram localizados nas fichas de anamnese e/ou

nas fichas de evolução, sendo este nosso primeiro critério de inclusão.

Apesar de entendermos que a experiência de adoecimento não se resume ao

sintoma, o utilizamos como ponto de partida que poderá nos levar além, ou seja, ao

fenômeno de adoecimento. Como afirma Tatossian (1989/2012), os sintomas são os

“indícios visíveis de qualquer coisa de invisível por natureza” (p. 144). Apesar de

excluírem tudo o que não é a patologia, eles também compõem o vivido global do

fenômeno de adoecimento, podendo ser o primeiro passo para alcançarmos o tempo

vivido na ansiedade.

Os demais critérios de inclusão foram, a saber: pacientes adultos com idade entre

18 e 60 anos, sem distinção de gênero, em processo de acompanhamento semanal nos

grupos terapêuticos coordenados pela equipe multiprofissional do CAPS Geral da SER

III, que conseguiam conversar sobre sua experiência de adoecimento e descrever o

vivido da ansiedade, que aceitaram voluntariamente participar desta investigação. Por


154

conseguinte, tivemos como critérios de exclusão sujeitos que não possuíam a queixa da

ansiedade descrita em seus prontuários, que não estavam participando semanalmente

dos grupos terapêuticos coordenados pela equipe multiprofissional do CAPS Geral da

SER III, que não aceitaram participar voluntariamente deste estudo, que não se

disponibilizaram a ter encontros clínicos contínuos e que não se queixavam da

ansiedade no momento do convite.

O contato inicial com cada participante ocorreu mediante nossa inserção nos

grupos terapêuticos, em que foi possível explicar a proposta da pesquisa e realizar o

convite. Após a manifestação de alguns interessados, foram acordados encontros

individuais com cada um. Neles, conversamos novamente sobre o que consistia a

pesquisa bem como o seu funcionamento, entregamos uma cópia do termo de

consentimento livre e esclarecido (TCLE), o qual foi lido juntamente a cada

participante. Esclarecemos as dúvidas que surgiram nesse momento e ambos,

participante e pesquisadora, assinaram o TCLE de acordo com as normas do Comitê de

Ética da IES e da Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza (COGTES).

Os participantes convidados para esta pesquisa estavam nos seguintes grupos

terapêuticos: arte, bipolaridade, música terapia e arte terapia, os quais eram coordenados

por profissionais da psicologia, da enfermagem, do serviço social e da música. Além

dos referidos grupos, os participantes também eram acompanhados em outras atividades

no CAPS Geral da SER III, tais como psicoterapia de grupo, atendimentos psiquiátricos,

massoterapia, psicoterapia individual e outros grupos terapêuticos. Segue abaixo uma

breve descrição dos participantes.

Clarice, 41 anos de idade, iniciou acompanhamento no CAPS Geral da SER III

no dia 03 de agosto de 2009. Foi encaminhada ao serviço após consulta médica no posto
155

de saúde de seu bairro. Apresenta queixa recorrente de ansiedade e medo, descritas em

seu prontuário, e possui diagnóstico de transtorno esquizoafetivo do tipo depressivo

(F25.1). Nossos encontros clínicos ocorreram às terças-feiras, dias em que Clarice

participava do grupo de artes, e somam um total de 13 encontros.

A segunda participante desta pesquisa, nomeada Rachel, possui 57 anos de idade

e iniciou seu acompanhamento no CAPS Geral da SER III no dia 11 de abril de 2003.

Foi uma das primeiras usuárias do CAPS e seu encaminhamento também ocorreu por

meio do posto de saúde de seu bairro. Suas queixas referentes à ansiedade andavam

acompanhadas pelo medo da morte. Rachel foi diagnosticada com transtorno afetivo

bipolar, atualmente em remissão (F31.7), e somamos um total de 16 encontros clínicos,

os quais ocorriam às sextas-feiras quando a participante comparecia ao grupo de música

terapia.

Cecília, 50 anos de idade, foi a terceira participante deste estudo. Seu

acompanhamento no CAPS Geral da SER III iniciou no dia 18 de março de 2009, ano

após três tentativas de suicídio. Após avaliação psiquiátrica, Cecília recebeu o

diagnóstico primário de transtorno misto ansioso e depressivo (F41.2) e diagnósticos

secundários de transtorno de personalidade com instabilidade emocional (F60.3) e

transtorno depressivo recorrente (F31.3). Nossos encontros ocorreram às sextas-feiras,

quando a participante também comparecia ao grupo de música terapia e somaram 12

encontros clínicos.

4.4. Procedimentos para a realização da pesquisa

O instrumento encontro clínico – que será descrito detalhadamente no próximo

subitem deste capítulo – nos permitiu entrar em contato com o fenômeno do tempo
156

vivido na ansiedade para além do conteúdo da fala dos participantes, pois ele também se

desvelava em seus gestos, durante a espera na recepção, na troca coletiva com os demais

usuários e profissionais e etc. Tivemos a liberdade para explorar as experiências

descritas pelos participantes e aprofundá-la diante o contexto emergente na interação

com eles, pois nossa conduta era atravessada pelo olhar clínico, o qual possui traços

dinâmicos e perceptivos.

Após a submissão e aprovação do projeto de tese nos comitês de ética da IES e

da secretaria de saúde do município de Fortaleza (COGTES), entramos em contato com

a coordenadora do CAPS Geral da SER III para nos apresentarmos, bem como à

pesquisa a ser realizada naquele campo. A referida instituição está situada na Rua

Capitão Francisco Pedro, 1269 – Rodolfo Teófilo, Fortaleza-CE. Estivemos presentes

neste campo no período de agosto de 2018 à julho de 2019.

Semanalmente, ocorrem neste CAPS reuniões com toda a equipe

multiprofissional para a discussão de questões referentes ao seu funcionamento, ao

acompanhamento de alguns usuários e etc. A coordenadora nos convidou para participar

da próxima reunião, que ocorreu numa quinta-feira no turno da manhã, com a finalidade

de nos apresentar e ao projeto de pesquisa à equipe. Fomos muito bem recebidas e

acolhidas por parte de todos, inclusive alguns profissionais se interessaram pela

temática da ansiedade e se disponibilizaram como participantes do estudo, o que não

ocorreu devido aos nossos critérios de inclusão e o objeto da pesquisa.

Quando o usuário busca o serviço dos CAPS, no município de Fortaleza, ele

passa por atendimento inicial, nomeado de acolhimento, com os profissionais que

compõem a equipe de saúde mental. A finalidade é realizar uma triagem inicial e

identificar se eles configuram o perfil de usuários do CAPS. Após este momento, os


157

usuários iniciam acompanhamento psiquiátrico e terapêutico, no referido equipamento

de saúde mental, com abertura de prontuários a serem preenchidos pela equipe que os

acompanha.

O CAPS Geral da SER III consta com mais de 1000 prontuários abertos, dentre

os quais 67 estavam listados como ativos nas atividades semanais dos grupos

terapêuticos. Nesta pesquisa, colocamos como critério de inclusão a participação em tais

grupos, pois precisávamos de participantes que retornassem semanalmente ao CAPS

devido à continuidade dos encontros clínicos.

Realizamos um levantamento destes 67 prontuários para identificar referências

sobre a ansiedade nas fichas de triagem inicial e nas folhas de evolução. Estas últimas

são preenchidas após a realização de qualquer atividade do usuário no serviço pelo

profissional responsável e constam com uma breve descrição do trabalho terapêutico

realizado. Nesse momento, encontramos algumas dificuldades, pois nem sempre este

preenchimento era feito com informações clínicas dos usuários. Normalmente, redigia-

se apenas sua presença ou ausência nas atividades de grupo, com exceção das consultas

psiquiátricas e psicoterapêuticas que tendiam a ser mais elaboradas.

Dos 67 prontuários, foram identificadas questões referentes à ansiedade em 26.

Era comum encontrar a sobreposição de termos tais como ansiedade, medo, pânico,

angústia, pavor, nervosismo e insônia. Após a localização dos prontuários,

identificamos em quais grupos terapêuticos eles estavam inseridos. Percebemos maior

quantidade nos grupos que ocorriam às terças-feiras – grupo de artes e grupo de

psicoterapia – e às sextas-feiras – grupo de música terapia – no turno da tarde, somando

um total de 18 prontuários nestes dias e turnos. Foram selecionados, então, estes grupos

para a realização da pesquisa, os quais iniciavam às 14h e encerravam às 16h.


158

Após a identificação dos prontuários, de acordo com os critérios de inclusão

desta pesquisa, participamos de um encontro nos referidos grupos terapêuticos com o

auxílio dos profissionais do CAPS Geral da SER III. Pudemos nos apresentar aos

usuários e comunicar o que fazíamos na instituição, convidando-os para aderirem à

pesquisa caso tivessem interesse.

Dentre os 18 usuários identificados após o levantamento dos prontuários, 06 não

manifestaram interesse em participar da pesquisa e 03 não se diziam ansiosos no

momento do convite. Demos início aos encontros clínicos com os 09 usuários restantes,

que concordaram em participar da pesquisa. Entretanto, 03 participantes abandonaram o

acompanhamento no CAPS Geral da SER III e 03 participantes não se disponibilizaram

em ter encontros clínicos contínuos.

Os participantes tiveram plena liberdade e autonomia para decidir se desejavam

atuar como voluntários ou não nesta pesquisa. Eles poderiam desistir de sua

participação a qualquer instante sem sofrer nenhum tipo de penalidade. Aqueles que

consentiram em colaborar com esta investigação científica tiveram seus dados pessoais

resguardadas sigilosamente com o intuito de preservarmos a sua confidencialidade.

No contato inicial com os participantes, que ocorreram presencial e

individualmente no CAPS Geral da SER III, apresentamos novamente a pesquisa,

entregamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), lemos o termo

junto a cada participante, esclarecemos dúvidas que surgiram e explicamos que

estaríamos disponíveis para conversar com eles nos dias em que comparecessem aos

grupos terapêuticos, antes ou depois da realização do grupo, além de explicitarmos que

estas conversas – encontros clínicos – poderiam se repetir. Notamos, neste momento,

que alguns participantes optaram por deixar previamente marcado o horário dos
159

encontros.

Além dos encontros com os participantes, pudemos nos integrar ao

funcionamento da instituição, pois passamos a transitar e a observar diversos setores,

além de nos aproximarmos dos profissionais, compreendendo o papel desempenhado

por eles naquele contexto e em sua relação com os participantes. Também pudemos nos

aproximar de forma mais natural dos usuários do serviço, dentre eles dos participantes

da pesquisa, ao transitar de forma livre na recepção, na copa, nos corredores e nas áreas

abertas como o jardim. Estávamos misturados no mesmo contexto, e nos sentimos parte

de seus mundos ao nos familiarizarmos com a dinâmica do CAPS.

Os participantes nos abordavam quando nos encontrávamos nas dependências da

instituição. Aproximavam-se para conversar de forma espontânea e, após alguns

minutos, os convidávamos para uma das salas de atendimento individual como forma de

preservar o sigilo de nossas conversas. Nem sempre o convite era aceito, alguns

participantes se sentiam mais a vontade conversando nas áreas externas e nos

mantínhamos assim nestas ocasiões. Ocorria um tipo de relação pautada na escuta, na

postura diante o sujeito que também é constituído pelo mundo (Dutra, 2004).

Nossa inserção no campo ocorreu no mês de agosto de 2018, período em que

realizamos o levantamento de prontuários. Já os encontros clínicos tiveram início em

meados do mês de setembro. Eles tiveram como duração o tempo que os participantes

se disponibilizavam para conversar conosco, pois tínhamos o intuito de deixá-los livres

para falar e expressar suas experiências. Foi neste movimento fluido e contínuo que

pudemos acessar a experiência do tempo vivido na ansiedade em distintos estilos

existenciais. Após cada encontro clínico, utilizamos um espaço reservado para a redação

dos relatos descritivos textualmente.


160

4.5. Instrumento da pesquisa

A especificidade do objeto de estudo desta tese, ancorado na noção do tempo

vivido como discutido nos capítulos 01 e 02, nos apontou a necessidade de utilizarmos

um instrumento de pesquisa que ampliasse as possibilidades de compreensão dos

mundos vividos das participantes, sem desconsiderar seu entrelaçamento com o mundo

vivido da pesquisadora. Foi nesta interseção que pudemos apreender o vivo fenômeno

do tempo na ansiedade diante seu horizonte de devir, pois a estrutura (tri)intencional

desta experiência – retenção, protensão e apresentação – se dá no entrelaçamento entre

sujeito e mundo.

Como, então, poderíamos facilitar uma relação desta natureza no ambiente da

pesquisa? Partimos de uma interação com as participantes, um estilo de conversa que

explorasse e encorajasse a espontaneidade, a liberdade de ser e expressar em suas falas e

em seus gestos suas experiências vividas de forma imediata e pré-reflexiva.

Estruturamos este processo com o instrumento chamado encontro clínico, o qual possui

duas etapas distintas e complementares: 1) realização de encontros clínicos com os

participantes da pesquisa; 2) escrita de relatos descritivos dos encontros clínicos.

Encontro Clínico

Um encontro pode ser definido etimologicamente como o ato de encontrar, ou

seja, a aproximação ou a junção de pessoas ou objetos (Priberam, 2011) com finalidades

diversas. No sentido de uma fenomenologia clínica da ambiguidade, o encontro

ultrapassa essa definição etimológica, pois remete às particularidades inerentes ao

contato com o outro, sobretudo quando este aparece como um prolongamento de nós

mesmos (Merleau-Ponty, 1945/2006; Dastur, 2013).


161

Para Merleau-Ponty (1945/2006), a experiência que temos do encontro com o

outro é a de um relacionamento de reciprocidade; de uma co-existência em uma

dinâmica intersubjetiva que pressupõe a comunicação e o diálogo como base da

experiência de alteridade (Dastur, 2013). Por exemplo, “na experiência do diálogo,

constitui-se um terreno comum entre outrem e mim, meu pensamento e o seu formam

um só tecido” (p. 474-475) por meio de uma operação conjunta e sem um único criador.

Nesta pesquisa, o encontro seguiu o percurso da intersubjetividade amparado

pelo contexto clínico em psicologia, o qual compõe um lugar de escuta, cuidado,

facilitação, acolhimento e ética. O encontro clínico, instrumento inspirado na

fenomenologia da ambiguidade de Merleau-Ponty (1942/2006; 1945/2006; 1946/2015;

1964/2014), envolveu a interação da percepção clínica que, “para ser viva e eficaz, não

é estática, mas dinâmica e mesmo dialética” (Tatossian, 1989/2012, p. 145), em estado

nascente e que se atualiza a cada novo instante. Característica esta que nos permitiu

captar os sentidos da experiência vivida entre participante e pesquisadora.

É nesta primeira etapa do instrumento encontro clínico em que ocorrem os

encontros, ou seja, a interação, a presença entre participantes e pesquisadores, como

uma conversa em que os participantes possam ficar à vontade e livres para se

expressarem sem a mediação de perguntas previamente elaboradas. Como apontam

Stanghellini et al. (2015), é um “estilo conversacional interativo” (p. 48), uma vez que

as questões geradas ocorrem durante os encontros e estão em sintonia com a experiência

de troca que ali se configura.

Para que esta interação promova um diálogo genuíno, reconhecemos a

necessidade da construção de um clima de facilitação por parte da pesquisadora ao

promover um espaço caloroso, seguro e acolhedor, que permitiu as participantes a livre


162

expressão de suas experiências. Para isto, recorri a minha formação clínica como

psicoterapeuta humanista fenomenológica, que tem como um de seus fundamentos o

trabalho do psicólogo americano Carl Rogers (1961/2009) para a construção de uma

comunicação interpessoal promotora de crescimento humano.

Como esta é uma proposta metodológica com uma dimensão clínica, utilizamos

as atitudes facilitadoras propostas por Rogers (1961/2009), a saber: autenticidade,

compreensão empática e consideração positiva incondicional, para potencializar a

compreensão dos mundos vividos (psico)patológicos das participantes.

Ser autêntica, nos encontros clínicos, significou estar em um estado de

integração, atenta ao que ressoava em mim a nível experiencial durante o contato as

participantes. Isto possibilitou a construção de uma relação de maior abertura e

proximidade, o que me permitiu me colocar no lugar das participantes por meio de uma

atitude empática. Por fim, ao nos distanciarmos de juízos de valor durante os encontros

clínicos, pude considerar incondicionalmente as participantes em seus estados de

confusão, desarticulação, etc., promovendo uma maior liberdade para ser, estar e

comunicar (Rogers, 1961/2009; Moreira & Souza, 2017).

Não buscamos apenas o conteúdo material expresso em suas falas concretas,

pois o tempo vivido nem sempre é acessível à consciência. No entanto, tentamos

compreender “o modo do vivido global, o estilo de vida essencial” (Tatossian,

1989/2012, p. 146) durante os encontros clínicos.

Relatos Descritivos

A segunda etapa do instrumento encontro clínico, nomeada de relato descritivo,

foi realizada após cada encontro com os participantes da pesquisa. O significado


163

etimológico do termo relato se refere ao ato de relatar, ou seja, narrar algo ou alguma

coisa (Priberam, 2011) e, no sentido fenomenológico, a descrição é o meio pelo qual

nos aproximamos dos significados do Lebenswelt, embutidos nos relatos de cada

participante. Como afirma Merleau-Ponty (1945/2006), é a tentativa “de descrever, não

de explicar nem de analisar” (p. 03) como forma de retornar às coisas mesmas, ou seja,

ao mundo experiencial que antecede o conhecimento objetivo, mas do qual esse mesmo

conhecimento também fala.

Os relatos descritivos consistem, então, em contar a experiência intersubjetiva

vivida entre participante e pesquisador, pois “o real deve ser descrito, não construído ou

constituído” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 05), distanciando-nos de uma assimilação

direta de seus significados por meio de nossos atos e juízos. Mais do que narrar o que se

passou nos encontros clínicos com os participantes da pesquisa, a descrição desta

experiência abre as portas para retornarmos às coisas mesmas, ou seja, como afirma

Merleau-Ponty (1945/2006).

Os relatos descritivos dos encontros clínicos foram redigidos textualmente, logo

após a realização de cada encontro com os participantes. Sua finalidade era escrever

detalhadamente a descrição dos sentidos expressos nas falas e nos gestos dos

participantes, bem como nossas impressões no campo diante o que observávamos no

contexto institucional e as vivências e afetações experienciadas no entrelaçamento da

relação participante, pesquisadora e mundo, compondo assim o que nomeamos de um

texto descritivo.

Buscamos alcançar a riqueza e a complexidade das experiências vividas dos

participantes no contato ambíguo com a pesquisadora (Moreira, 2016) durante os

encontros clínicos e expressá-las textualmente nos relatos descritivos. Este foi um dos
164

movimentos mais enriquecedores desta investigação fenomenológica, pois nos permitiu

uma abertura para novas possibilidades de compreensão do fenômeno investigado.

4.6. Construção dos estudos de casos fenomenológicos

A construção dos estudos de caso fenomenológicos demandou da pesquisadora

desta tese o desenvolvimento de uma atitude fenomenológica, em que ela se distanciou

de uma postura analítica, avaliativa e explicativa durante os encontros clínicos, pois,

como assinala Merleau-Ponty (1945/2006), “não somos o resultado ou o

entrecruzamento de múltiplas causalidades” (p. 03) que nos determinam. Nossa

experiência do mundo supera a subdivisão de nós mesmos em partes ou nossa

concepção como objeto, exigindo de nós, como pesquisadores, uma postura

compreensiva para acessarmos os significados do tempo vivido na ansiedade.

Como assinala Merleau-Ponty (1945/2006), “a ciência não tem e não terá jamais

o mesmo sentido de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que ela é uma

determinação ou uma explicação dele” (p. 03). Não buscamos explicar ou analisar o

fenômeno do tempo vivido na ansiedade, mas descrevê-lo por meio de relatos

descritivos do modo como foram experienciados nos encontros clínicos.

Por meio desta mudança de atitude retornamos, durante a construção e

compreensão dos estudos de caso fenomenológicos, à fonte primária das experiências e

de seus significados – o Lebenswelt – no tempo vivido da ansiedade das participantes

desta pesquisa, uma vez que a racionalidade interpõe-se como uma barreira que separa o

sujeito do contato ingênuo com o mundo que ele experiencia.

O processo de construção dos estudos de caso fenomenológicos teve início com

a ruptura da redução fenomenológica após a realização dos encontros clínicos, ou seja,


165

no momento em que saímos dos parênteses e retornamos às hipóteses iniciais que nos

auxiliaram a tecer esta pesquisa (Moreira, 2004; 2009), a saber, a manifestação do

tempo vivido como eixo central da ansiedade em suas expressões em distintos vividos

patológicos.

Os estudos de caso foram construídos individual e separadamente, e nosso

primeiro passo (1) foi reler sucessivamente os relatos descritivos de cada participante

para compreendermos as experiências que permearam os encontros clínicos a partir da

descrição contida nestes textos. Durante esta releitura, (2) captamos os tons, os

movimentos que atravessaram os encontros clínicos para, em seguida, (3) separarmos as

temáticas emergentes. Estas foram organizadas em subitens no corpo do texto de cada

estudo de caso fenomenológico. Por fim, tecemos possíveis (4) articulações teóricas.

Fizemos uso de fontes oriundas de nossa pesquisa de revisão de literatura para

construirmos relações entre a teoria e as experiências vividas nos encontros clínicos,

colaborando com o processo de elaboração de novos conhecimentos (Moreira, 2004;

2009) no âmbito da fenomenologia clínica.

É importante destacar que o critério utilizado para a divisão das temáticas

emergentes dos relatos descritivos teve como base o próprio vivido das participantes

desta pesquisa bem como o conteúdo proveniente da articulação teórica tecida aí. Para

facilitar a organização textual, optamos por redigir primeiro trechos dos relatos

descritivos e, após este momento, destacar a discussão teórica. Os resultados deste

processo serão apresentados e discutidos no capítulo cinco desta tese.

4.7. Cuidados Éticos da Pesquisa

O desenvolvimento da pesquisa ocorreu após a autorização do Comitê de Ética


166

da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (COGTES) e da IES com base nas

Resoluções 466/2012 e 510/2016 (Brasil, 2012; 2016). As informações dos

participantes foram preservadas via anonimato, por meio da utilização de nomes

fictícios, com a finalidade de manter suas identidades preservadas.

A atuação dos participantes durante a pesquisa pôde ser revertida em benefícios

para a construção de novos conhecimentos e produções científicas no campo da

psiquiatria, psicopatologia e psicologia, para o desenvolvimento das atividades no

âmbito da saúde mental, ao promover novos olhares ao cuidado, intervenção e

terapêutica, e para os próprios participantes de forma direta ou indireta, imediata ou

tardia. Estes puderam se beneficiar com um espaço compreensivo para a livre

expressão, podendo promover novas percepções sobre sua vida de forma a lhe promover

saúde mental.

Além dos benefícios, puderam surgir riscos num grau leve durante a realização

dos encontros clínicos, os quais ocasionaram desconfortos ou prejuízos à dimensão

subjetiva do participante como algum tipo de constrangimento, recusa em falar, choro,

expressões de raiva, medos, angústia ao narrar momentos de sua história de vida que

ocasionavam sofrimentos diversos.

Ao serem identificados alguns dos riscos mencionados acima, foram

desenvolvidas estratégias para reduzi-los a fim de minimizar o impacto aos

participantes. A pesquisadora, por possuir experiência como psicóloga e psicoterapeuta,

promoveu um espaço de escuta, cuidado e acolhimento aos participantes durante os

encontros clínicos, dando suporte psicológico à dimensão emocional e subjetiva dos

participantes. Em situações extremas, os participantes poderiam ter sua participação

suspensa, entretanto esse tipo de situação não ocorreu.


167

Por fim, o material construído, no decorrer desta investigação, será guardado

como arquivo de teor sigiloso pela pesquisadora, por um período mínimo de 05 anos

dado o encerramento da pesquisa como solicita a resolução 001/2009 do Conselho

Federal de Psicologia. Este critério tem a finalidade de resguardar o manuseio das

informações dos participantes e evitar uso indevido por terceiros.


168

Capítulo 05

ESTUDOS DE CASOS FENOMENOLÓGICOS

Apresentamos neste capítulo três casos clínicos resultantes da pesquisa

fenomenológica realizada no CAPS Geral da SER III como descrito no método9 desta

tese. Com o intuito de facilitar a compreensão dos leitores e nos permitir um mergulho

nas experiências compartilhadas, os casos clínicos foram organizados por participantes

e discutidos de acordo com os temas centrais abordados ao longo dos encontros

clínicos. Inicialmente, apresentamos trechos dos relatos descritivos produzidos após os

encontros clínicos, os quais se encontram destacados em itálico. Ressaltamos que os

trechos de falas diretas das participantes desta investigação foram apresentados no

corpo do texto por meio do uso de aspas. Por fim, tecemos articulações teóricas que

visam dialogar as temáticas apresentadas com o fenômeno do tempo vivido na

ansiedade.

5.1. A incessante espera de Clarice em seu “mundo de sonhos”

O dia corre lá fora e há abismos de silêncio em mim

(Clarice Lispector)

5.1.1. Descrição do Caso Clínico

Durante a realização desta pesquisa, Clarice contava 42 anos de idade, morava

com a mãe, as irmãs e alguns sobrinhos e iniciou seu acompanhamento no CAPS Geral

da SER III no dia 03 de agosto de 2009. Foi encaminhada ao serviço após consulta

9
Ver capítulo 04.
169

médica no posto de saúde de seu bairro, pois se queixava de nervosismo, ansiedade,

insônia, medo de morrer e apresentava episódios psicóticos, no qual tinha delírios

persecutórios e alucinações.

Clarice começou a falar e a andar depois dos cinco anos de idade e atribui isto ao

fato de ter sido atacada por um cachorro quando criança. Este machucou sua orelha, e a

participante precisou fazer uma cirurgia reconstitutiva. Aos 26 anos de idade, decidiu

consagrar sua vida a Deus e entrou para convento Toca de Assis. Nesta época, Clarice

relatou ter passado por episódios de agressividade, perseguição, choros constantes,

acordava durante a madrugada e andava a esmo pelo convento, além de ouvir vozes que

diziam que sua vida não valia nada. Após uma “crise de nervos”, Clarice abandonou a

Toca de Assis e foi encaminhada para atendimento no CAPS Geral da SER III.

A queixa da ansiedade e do medo era muito presente em sua fala e em seus

gestos. Em relação ao seu histórico clínico diagnóstico, encontravam-se muitas

alterações em seu prontuário. Seu primeiro diagnóstico, em 2009, foi de transtorno de

ansiedade generalizada (F41.1). Em 2013, foi registrado novo diagnóstico, agora de

transtorno afetivo bipolar (F31). Nova mudança ocorreu em 2016 para esquizofrenia

(F20) e retardo mental leve (F70). Em 2017, Clarice voltou para o diagnóstico F31. Em

2019, após nova avaliação psiquiátrica, foi diagnosticada com transtorno esquizoafetivo

do tipo depressivo (F25.1).

Os encontros clínicos com Clarice ocorreram às terças-feiras, dia em que a

participante estava presente no grupo de artes/autocuidado e somaram um total de 13

encontros. Entretanto, nem todos ocorreram semanalmente devido a feriados, consultas

psiquiátricas que chocavam os horários, eventos no equipamento de saúde mental ou a

desmarcação do grupo terapêutico que a participante frequentava. Em certa ocasião,


170

Clarice compareceu mesmo com o cancelamento do grupo terapêutico que teria nessa

data. Ela valorizava os espaços em que podia falar de si e de suas questões, pois ao

conversar e “colocar pra fora” seus medos e angústia se sentia aliviada.

Clarice se manteve engajada até o encerramento dos encontros clínicos, o qual

foi combinado previamente devido o período de realização da pesquisa estipulado para

junho de 2019. Em nosso último encontro, Clarice agradeceu o espaço de escuta e disse

que sentiria falta, sobretudo por preferir conversas individuais a grupais, mas entendia o

fim da pesquisa. Estava animada com a entrada de novos profissionais – dentre eles

psicólogos – no CAPS Geral da SER III.

Além dos encontros clínicos, sua assiduidade também era presente nas

atividades do CAPS de modo geral. No início desse estudo, ela participava de 02 grupos

terapêuticos, a saber: psicoterapia de grupo às segundas-feiras e grupo de

artes/autocuidado às terças-feiras, além de fazer acompanhamento com médico

psiquiatra. Em seu prontuário havia poucos registros de faltas nestas atividades.

No decorrer desta pesquisa, o grupo de psicoterapia de Clarice encerrou, pois as

psicólogas que o facilitavam tiveram seus contratos de trabalho finalizados. O mesmo

ocorreu com a enfermeira que facilitava o grupo de artes, porém esse grupo ganhou

novas configurações com outros profissionais e, dentre as nomeações que recebeu,

findou como grupo de autocuidado. Estas mudanças reduziram os espaços de suporte da

participante, deixando-a vulnerável e, por vezes, à deriva na instituição até a

reorganização do CAPS, período este que coincidiu com o fim da pesquisa. Os

encontros clínicos com Clarice ocorriam antes do início do grupo de artes/autocuidado.

Ao chegar ao CAPS, era comum encontrá-la me aguardando na recepção com um

sorriso no rosto.
171

5.1.2. A experiência de se sentir ansiosa e a corporeidade

Clarice iniciava os encontros clínicos queixando-se de ansiedade. Esse era um

dos discursos mais presentes em sua fala, sempre se referindo à ansiedade como

“uma coisa muito ruim” que a desorganizava. As suas primeiras descrições de

ansiedade ocorriam por meio das sensações corporais que a incomodavam tais

como sudorese, tremedeira, mãos frias e taquicardia – “meu coração fica

batendo forte”. Clarice também se queixava de pensamentos invasivos, embora

não conseguisse descrevê-los, e muitos medos por não saber o que irá acontecer

em sua vida e o que esperar do futuro. Sentia-se assim a cada nova situação ou

perspectiva de mudança e não conseguia se controlar. Ao mesmo tempo em que

Clarice ansiava pelo futuro, ela também o temia e atribuía isto à mordida que

sofreu de um cachorro quando era criança. Para Clarice esta foi a primeira

causa de sua ansiedade. Desde então passou a perder o controle diante de

mudanças.

A ansiedade é frequentemente experienciada como estado de sofrimento

(Minkowski, 1966/2000). No vivido de Clarice, este se traduz por meio de sensações de

incômodo “em que a pessoa vive angustiada, tensa, preocupada, permanentemente

nervosa ou irritada” (Dalgalarrondo, 2019, p. 646), o que ilustra alguns dos sintomas da

ansiedade (Dalgalarrondo, 2019; American Psychiatric Association, 2014; Berrios &

Link, 2012).

Os sintomas indicam que algo se passa (Tatossian, 1978/2016, 1979/2006) e, na

experiência vivida na ansiedade de Clarice, eles apontam para alguma coisa além deles

próprios, a saber: o fenômeno. Estes constituem significados particulares para a


172

participante uma vez que também se entrelaçam ao seu mundo vivido. É por meio dos

sintomas de sudorese, taquicardia, tremedeira e mãos frias que Clarice se reconhece

como alguém ansiosa, uma vez que tais sintomas apontam para a ansiedade como uma

experiência vivida no corpo. Esta pode ser configurada como experiência sensorial, as

quais são as primeiras portas de acesso ao mundo e a nós mesmos (Straus, 1948/1967,

1935/2000), e com Clarice não é diferente.

A experiência sensorial é algo meu; o que capto nela, eu capto em relação

comigo, com minha existência, com meu devir. Nela se determina meu tempo

presente, este momento concreto de minha existência irreversível, entre meu

nascimento e minha morte (Straus, 1948/1967, tradução livre, p. 184).

O tempo é um dos pilares de sustentação da experiência sensível. Esta não é

estática, pois há uma simultaneidade entre a sensação e o movimento. Só podemos

sentir por que estamos em movimento contínuo e ininterrupto em nosso contato com o

mundo, fruto do devir humano (Straus, 1935/2000). No mundo vivido de Clarice, a

experiência sensível vivida na ansiedade, ao invés de conectá-la ao instante agora, traz à

tona o futuro (medo do desconhecido) e o passado (lembrança traumática do cachorro).

Ambos, ameaçadores e temidos, revelam as incertezas que a cercam.

Nos encontros clínicos em que a participante afirmava se sentir ansiosa, sua

sensação se tornava evidente para mim por meio da aceleração de seu ritmo. Ao

descrever cada sensação corporal de ansiedade, Clarice se movimentava

inquieta na cadeira, balançava as mãos, tocava a testa e o peito ao mesmo


173

tempo em que falava de forma acelerada. Sua inquietação transbordava em seu

corpo, em seus movimentos, em seus gestos e em sua fala. Tentava acompanhá-

la por meio de uma escuta atenta e livre de a priori, ao mesmo tempo em que me

percebia sentindo dificuldade em caminhar no mesmo ritmo da participante. Era

como se estivéssemos em velocidades diferentes. E estávamos! Por vezes, eu não

conseguia compreender o que ela me dizia por atropelar palavras e misturar

sentidos.

A ansiedade vivida por Clarice reverberava em seu corpo e em seus

movimentos, pois o corpo “é o invólucro vivo de nossas ações” (Merleau-Ponty,

1942/2006, p. 292). O corpo não é apenas matéria, objeto isolado em si mesmo, mas a

principal ponte de conexão do sujeito com o mundo (Merleau-Ponty, 1942/2006,

1945/2006, 1964/2014).

Esta é uma dinâmica ambígua da corporeidade, uma vez que o corpo é

simultaneamente sujeito e objeto (Merleau-Ponty, 1945/2006). No vivido de Clarice, a

integração desta ambiguidade se dá na dinâmica do corpo próprio. Isto só é possível

porque o corpo próprio reside no tempo e no espaço (Merleau-Ponty, 1945/2006; Saint

Aubert, 2011, 2013).

A corporeidade se faz no movimento, em interação com o mundo e o outro, na

história, na sociedade. Isso implica afetar e ser afetado, ver e ser visto, sentir e

ser sentido, tocar e ser tocado. Nesse movimento vivo (...) vai se esboçando um

modo singular de ser no mundo, de perceber, um estilo motor de andar, ver,


174

falar, ouvir, se movimentar, capaz de expressão e de transformação (Alvim,

2016, p. 30).

O movimento do corpo próprio de Clarice expressava as significações vividas

por ela de forma pré-reflexiva e pré-verbal, uma vez que o corpo vibra e ressoa seus

sentidos interpessoais (Fuchs, 2013). Na experiência da ansiedade, a dinâmica e os

ritmos corporais são acelerados (Aho, 2020), e estes reverberam no ponto de

entrelaçamento da experiência compartilhada entre a participante e a pesquisadora

durante o encontro clínico. A aceleração corporal de Clarice aponta para uma correlação

entre tempo e corpo, uma vez que o tempo abre o horizonte de experiências vividas na

dinâmica do corpo próprio.

5.1.3. A incerteza e a inquietude na espera

Desde o primeiro encontro clínico, Clarice afirmava que tinha um grande sonho

na vida. Ela queria casar, ter filhos e constituir uma família. Ansiava por esse

momento acontecer logo e, ao se dar conta de que esse sonho estava longe de

ser alcançado, inquietava-se. Clarice nunca viveu um relacionamento amoroso

e, devido sua idade – 41 anos – sabia da dificuldade de ter filhos biológicos.

Ainda assim, Clarice aguardava a realização de seu sonho e, na espera, sentia-

se triste, frustrada e ansiosa. Esta questão apareceu em todos os encontros

clínicos com Clarice, e a partir do sexto somou-se a vontade de ser

independente, de trabalhar e ter sua própria casa. Em dados momentos, o

desejo de ter marido e filhos passou a oscilar. Clarice ora afirmava querer, ora

não. “Eu tenho 41 anos, vou casar pra quê?! Se eu tiver um filho, não vou vê-lo
175

ser adolescente”. As irmãs de Clarice lhe diziam que não valia a pena namorar

e casar, pois dava trabalho e havia situações de abuso e violência. A

participante incorporou este discurso em suas falas, sobrepondo-o aos seus.

Clarice se utilizava do discurso de suas irmãs para inibir suas frustrações diante

as expectativas não realizadas e a incerteza, durante a espera, de seus sonhos se

concretizarem. Como assinala Minkowski (1933/1994), existir significa habitar o

tempo. Isto pode ocorrer tanto pelo resgate do passado com a recordação quanto pela

antecipação do futuro, já que o presente é dinamizado por estes dois movimentos (Costa

& Medeiros, 2009; Bush, 2020).

Entretanto, em Clarice, encontramos uma espécie de desorganização do

horizonte do tempo devido a uma paralisação , estagnação do tempo vivido evidenciada

pelo estado de espera (Costa & Medeiros, 2009; Aho, 2020; Bush, 2020). Ao invés de

se movimentar rumo ao porvir (Minkowski, 1933/1994; Costa & Medeiros, 2009; Bush,

2020), o presente de Clarice se esvaziou e foi invadido pela não realização do futuro,

experienciada pela participante como ansiedade.

A aceleração ou antecipação do próprio tempo em relação a problemas externos

torna necessária a espera. A espera nos impõe uma estrutura temporal mais lenta,

à qual podemos responder com paciência ou impaciência. Mas também o tédio

destaca desagradavelmente a discrepância entre a própria motivação ou interesse

e a falta de estímulo externo ou possibilidades de ação (Fuchs, 2010, tradução

livre, p. 07-08).
176

A objetividade do tempo demonstrada pelo marco cronológico da idade de

Clarice, como sinaliza Husserl (1928/1994), faz parte da unidade de sua experiência e a

põe em contato com o mundo factual como uma espécie de bússola que orienta a vida

cotidiana. A contagem dos anos não é suficiente para a compreensão do tempo vivido

(Minkowski, 1933/1994; Tatossian, 1979/2006; Fuchs, 2010) de Clarice, mas a

entrelaça ao mundo diante a duração de sua própria história.

Nossa vida, em essência, possui uma orientação básica que a direciona ao futuro

(Minkowski, 1933/1994; Costa e Medeiros, 2009; Bush, 2020). Tal direção,

denominada por Minkowski (1933/1994) de ímpeto vital, possui seis categorias

específicas, a saber: desejo, esperança, prece, ação ética, atividade e espera (Costa &

Medeiros, 2009; Minkowski, 1933/1994). Esta última é experienciada por Clarice como

sofrimento vital atrelado ao vivido da ansiedade por não saber o que irá acontecer com

seus sonhos, uma vez que a espera “engloba todo o ser vivente, suspende sua atividade e

a congela, ansiosa, esperando” (Minkowski, 1933/1994, tradução livre, p. 80).

No decorrer dos encontros clínicos com Clarice, o funcionamento do CAPS

Geral da SER III sofreu alterações. Entre dezembro de 2018 e junho de 2019

este equipamento de saúde mental, bem como os demais do município, ficou com

carência de profissionais da saúde. Aguardava-se a convocação dos

profissionais concursados após o vencimento dos antigos contratos. Este fator

mundano reverberou no vivido de ansiedade de Clarice, tendo em vista que o

acompanhamento da participante poderia ser prejudicado. Nosso sétimo

encontro clínico ocorreu enquanto Clarice aguardava consulta com novo

psiquiatra, e a ansiedade pela incerteza era apontada constantemente em sua


177

fata, pois Clarice não sabia se seria ou não atendida devido à elevada demanda.

O medo pela incerteza do futuro também se mostrava no mundo vivido de

Clarice em relação ao temor do inferno. Clarice é bastante religiosa e, em sua

juventude, tentou consagrar sua vida a Deus ao entrar para a Toca de Assis,

uma fraternidade vinculada à Igreja Católica. Suas primeiras “crises de

nervos”, como ela própria chama, ocorreram durante o período de reclusão no

convento. Clarice manifestou um estado psicótico em que ouvia vozes, as quais

lhe diziam que ela não valia nada e que deveria se matar. Nesse período,

Clarice se sentia perseguida e vigiada por uma das freiras. “Ela está sempre

atrás de mim, me olhando”. Mesmo quando não havia ninguém, Clarice ficava

em estado de espera e de alerta ao ponto de, em dado momento, tentar agredir a

freira. Clarice pede perdão a Deus e afirma que confia e espera Nele respostas

sobre como deve viver. Ao mesmo tempo, demonstra impaciência, pois espera

há “muito tempo” [ênfase na palavra muito]; há 41 anos, sua vida inteira. Não

sabe se deve casar ou não; ter filhos ou não; e aguarda essa resposta de Deus,

pois Ele deve escolher o seu destino. Ao reiteramos seu sentimento da espera,

Clarice afirmou que estava cansada, que não se importava mais sobre qual

seria a resposta, só queria que ela viesse logo. O lugar do não saber lhe era

sofrido e Clarice falava que estava fadada a “esperar, esperar, esperar”,

demonstrando sua frustração. Na inquietude da espera vivencia a ansiedade e,

em nosso último encontro clínico, Clarice afirmou que não sabia o que fazer da

vida por não ter condições de trabalhar ou estudar, percebendo-se estagnada.


178

Como assinala Minkowski (1933/1994), na espera “nós vivemos o tempo no

sentido inverso. Nós vemos o futuro vindo em nossa direção e esperamos que o futuro

se faça presente” (tradução livre, p. 80). Clarice espera conseguir seu atendimento

psiquiátrico, construir sua própria família por meio do casamento e da maternidade e

não ser lançada ao inferno. Durante sua espera há uma contensão das possibilidades de

agir sobre o mundo, tornando a espera é um evento dolorido, sofrido. Embora diferente

da dor, a espera é um fenômeno temporal por englobar o futuro imediato em si mesmo

no momento presente (Minkowski, 1933/1994) e, em experiências (psico)patológicas

encontramos uma perda de sincronia neste campo temporal (Fuchs, 2010).

A espera, assim, penetra o indivíduo até as entranhas, enche-o de terror diante da

massa desconhecida e inesperada. A espera primitiva é assim ligada a uma

angustia intensa; ela é sempre uma espera ansiosa. Isso não é surpreendente,

uma vez que ela é uma suspensão da atividade que é a própria vida (Minkowski,

1933/1994, tradução livre, p. 80).

É importante destacar que a ansiedade vivida na espera de Clarice também se

entrelaça com o estado paranoico e alucinatório da participante durante a crise psicótica

vivida no convento. Como apontam Goghari e Harrow (2020) há uma alta prevalência

de comorbidades entre a ansiedade e a esquizofrenia, inclusive em quadros

esquizoafetivos como o de Clarice. Estes últimos são considerados transtornos

episódicos, uma vez que os sintomas esquizofrênicos aparecem simultaneamente a

episódios de humor do tipo maníaco ou depressivo (American Psychiatric Association,


179

2014; Havrelhuk & Langaro, 2020). Esta mistura situa o transtorno esquizoafetivo em

um campo de fronteira, dificultando o seu diagnóstico (Sallet, Fritzen & Fukuda, 2011).

Para além das definições nosológicas, no caso de Clarice, encontramos a

experiência psicótica entrelaçada a um vivido de ansiedade e esta é uma expressão da

alteração do tempo vivido da participante, que se percebe em estado de alerta, espera e

insegurança em seus delírios persecutórios. Há um prejuízo da sincronização

intersubjetiva, o que desintegra a continuidade presente-passado-futuro (Fuchs &

Pallagrosi, 2018). Abrem-se lacunas, fissuras no fluxo da consciência que são

preenchidas por experiências alucinatórias e delirantes (Sass & Parnas, 2003). No caso

da participante, temos as vozes que lhe dizem que sua vida não possui valor e o delírio

persecutório da freira.

A ansiedade de Clarice se configura como parte de seu mundo vivido delirante

ao se entrelaçar às vozes e às ilusões que sensorialmente percebe, sendo experienciada

como uma tensão que tenta preencher o vazio impregnado nas fissuras e lacunas que se

abrem no fluxo temporal de sua consciência. É uma ansiedade antecipatória que retira

Clarice da possibilidade de experienciar o percurso natural do porvir, o qual se encontra

obstruído diante o prejuízo de sua relação intersubjetiva com o mundo.

5.1.4. A não aceitação e a ansiedade

Desde o primeiro encontro clínico, a participante retratou experiências de não

ser aceita pelas pessoas em geral. Sentia-se “a coitada” em casa por ser

“doente mental”. Era tratada de forma diferente pelos irmãos, pelos sobrinhos e

pela mãe, inclusive com afirmações de que ela era “louca”. Sua mãe não

confiava em deixá-la sair de casa sozinha, pois ela podia ser assaltada, se
180

perder, etc. Por vezes, a participante incorporava o discurso e o medo da mãe e,

ao mesmo tempo em que os entendia como forma de cuidado, se sentia podada.

Em nosso primeiro contato, Clarice me perguntou antes de sair da sala se falou

“certo”. Questionei o que seria o falar certo, e a participante revelou o medo de

falar “algo errado, alguma besteira”, etc. Compartilhei a aceitação de ouvi-la

da forma como ela poderia se expressar e, no encontro comigo, o que ela me

falasse de sua vivência estaria correto. A busca de Clarice, em todas as suas

relações, sobretudo na família, era por aceitação. Em geral, as pessoas não

tinham paciência com ela por não a entenderem. Esta dificuldade de

entendimento às vezes também aparecia para mim nos encontros clínicos.

Percebia que Clarice tinha dificuldade em se expressar. Sua fala era acelerada

e desconexa, misturando ideias que não se aprofundavam e mais pareciam

andar em círculos em um movimento automático. Apesar disso, como

pesquisadora, eu era alguém que poderia estar presente para ela em sua solidão

e, no decorrer desta pesquisa, Clarice evidenciou preferir os encontros clínicos

aos espaços grupais do CAPS. Acolhi seu sentimento ao mesmo tempo em que

reafirmei a relação de nossos encontros como lugar de pesquisa, não

substituindo o espaço terapêutico da instituição.

Há uma espécie de desqualificação e não aceitação por parte dos familiares de

Clarice diante o seu modo de ser no mundo, o qual é considerado desviante e distante

das expectativas da sociedade, deixando as marcas do estigma da doença mental

(Oliveira & Azevedo, 2014; Weber & Juruena, 2017) na participante.


181

Por parte da pessoa com doença mental, experienciar o estigma e a

discriminação podem aumentar os níveis de stress e angústia e conduzir a uma

diminuição do seu funcionamento psicossocial. Podem surgir sentimentos de

raiva, tristeza e desencorajamento e, consequentemente, depressão, ansiedade e

baixa autoestima (Oliveira & Azevedo, 2014, p. 227).

O estigma da doença mental aponta para uma tensão e vulnerabilidade no

contato com outrem e com o mundo, relacionando-se com a experiência de ansiedade

vivida por Clarice. Como aponta Merleau-Ponty (1945/2006) Eu/Outro/Mundo estão

em permanente ressonância, e no vivido de Clarice não é diferente. Entretanto, é

importante destacar que nas experiências de adoecimento encontramos uma

desproporção na síntese desta unidade dialética (Tatossian, 1979/2006, 1994; Fuchs,

2005, 2007a, 2007b, 2010, 2014; Stanghellini et al., 2016; Sass et al., 2017).

Para Clarice, o mundo e o outro nem sempre são facilmente acessíveis, o que

também se evidencia nos encontros clínicos. A dificuldade de comunicação da

participante, sobretudo em se fazer entender na relação com a pesquisadora e vice-versa

se articula com sua experiência (psico)patológica.

Clarice também possui um movimento de incorporar para si o discurso de

outrem, ilustrado no relato descrito pelo medo que sua mãe sente em a participante sair

de casa. Há uma perda de sentido de si, e Clarice tenta preencher este vazio com o

desejo de outrem, que se mistura em sua busca por aceitação. Isto tem um papel

importante na temporalização da existência (Fuchs, 2010; Fuchs & Pallagrosi, 2018) da

participante, pois “a intersubjetividade do agora é constituída pela presença do outro”

(Fuchs, 2010, p. 07) e, no vivido de Clarice, o outro existe na projeção de um futuro


182

habitado pela expectativa e pelo desejo de ser aceita e de pertencer a esse mundo que

lhe é estranho.

A busca por aceitação também aparece em relação à pesquisadora, quando a

participante questionou se falou “certo”, por exemplo. Nossa tentativa foi de nos

distanciarmos de um contato avaliativo que pudesse condicionar a experiência (Moreira,

2004; 2009; 2016) de Clarice, considerando os mais diversos elementos presentes em

seu mundo vivido. Esta atitude, denominada por Rogers (1957/2008; 1961/2009) de

consideração positiva incondicional abriu as portas para uma escuta acolhedora e

compreensiva, sobretudo diante dos movimentos e das falas distantes, alheias e por

vezes incompreensíveis de Clarice.

A busca de aceitação de Clarice, à medida que os encontros clínicos se

aprofundaram, ganhou um novo contorno ao se relacionar com seu desejo pelo

casamento e por ter filhos. Clarice sentia-se cobrada por vizinhos, conhecidos e

alguns familiares. Sua urgência pelo casamento transitava entre seu desejo

pessoal e a cobrança que sente do mundo, mesmo quando esta se dá de forma

indireta. Ao falar sobre esse ponto, Clarice mostrava-se confusa, contorcia as

mãos, dizia sentir-se ansiosa com “muitos pensamentos na cabeça”. Por vezes,

a participante permanecia alguns segundos em silêncio, pensando, e ao final

dizia não saber o que queria. Clarice sentia-se confusa e ansiosa por um futuro

que ainda não estava ali. "Eu tomo três fluoxetinas por dia e não resolve nada".

Assim como o medo de sair de casa, o anseio de Clarice pelo casamento se

constitui na ambiguidade da relação Eu/Outro/Mundo, pois nasce de um desejo pessoal


183

e singular da participante entrelaçado, simultaneamente, às expectativas sociais e

familiares do mundo contemporâneo. Casar seria uma forma de atender a estas

cobranças, reconfigurando sua identidade pessoal para, enfim, sentir-se pertencente e

familiarizada ao mundo e a outrem.

5.1.5. O medo e a fuga para o “mundo de sonhos”

Havia um distanciamento entre Clarice e o mundo que a cercava. A participante

tinha muitos medos sobre como seria seu futuro e afirmava que o seu “mundo

de sonhos” era mais confortável. Clarice criou uma realidade alternativa,

nomeada por ela como mundo de sonhos ou mundo de fantasia, e passava horas

e horas imaginando sua vida da forma como gostaria de vivê-la, construindo

sua própria história pela imaginação. Clarice fechava os olhos e se perdia em

seu mundo particular. Sentia-se plena e realizada nesse “mundo de sonhos” que

tanto desejava. Nele, Clarice trabalhava como professora de teologia, era

casada, morava com o marido e eram felizes juntos; riam, brincavam e

conversavam. Sentia-se plena e realizada com a vida que tanto sonhou. “Quero

muito ter esse mundo”.

No desejo reside o grande significado da vida, pois ele abre possibilidades para a

realização daquilo que não se tem (Costa & Medeiros, 2009). Próprio à vida em geral, o

desejo possui horizontes infinitos ao ir além daquilo que se possui, configurando-se

como uma categoria temporal relacionada ao futuro. Porém, diferente da espera que

arrasta o indivíduo de forma imediata e contínua, no desejo a experiência se alonga ao

se distanciar do agora e ocorrer de maneira mediata (Minkowski, 1933/1994).


184

O que Clarice deseja só se concretiza em seu mundo de sonhos e fantasias, e este

permanece imutável com o passar dos anos, pois perdura com a mesma narrativa e

configuração, a saber: casamento e filhos. Seu “mundo dos sonhos”, atrelado à dinâmica

do tempo vivido, fundamenta-se no desejo e em seus traços de permanência. O desejo

“pode ser comparado à forma que anima a matéria, pois sem a forma a matéria se

perderia, assim como sem o direcionamento do desejo a vida explodiria ou implodiria”

(Costa & Medeiros, 2009, p. 380-381). É no desejo vivido em seu “mundo de sonhos”

que Clarice encontra alento e sentido, mas também o vivencia como frustração quando

acorda e se dá conta da distância entre sua vida real e aquela que sonha alcançar.

Ao criar uma realidade própria, Clarice se distanciava do mundo factual que a

cercava. Fugia para o seu “mundo de sonhos”, em que era casada, trabalhava,

não era “doente mental” e morava em sua própria casa, ao mesmo tempo em

que esperava que ele se concretizasse. “Aquilo que o homem sonha, Deus

realiza”. Clarice falava de seus sonhos com urgência, pois queria ser feliz

“logo” apesar de afirmar que precisava esperar o “tempo de Deus”. Mas este é

um tempo diferente do que ela precisava para se sentir bem naquele momento, o

seu “tempo pessoal”. Um se contrapunha ao outro e, enquanto esperava,

Clarice mergulhava em seu mundo de fantasias. Ao descrever como era o seu

“mundo de fantasia”, dizia que se desligava em qualquer lugar, “é até

perigoso” para ela mesma, pois se distraia e desfocava da realidade. Já houve

situações em que, perdida no imaginário, Clarice se perdeu e quase foi

atropelada. Esse mundo é seu espaço de fuga em si mesma, e que lhe ajuda a

dar sentido a sua realidade.


185

O mundo dos sonhos de Clarice parece suprir aquilo que falta em sua realidade

concreta. Ele é parte de seu mundo vivido e, mais do que breves momentos de

imaginação sobre as possibilidades da vida como acontece com as pessoas em geral, o

“mundo de sonhos” de Clarice é mais vívido. Ele possui um traço de passividade, que

sequestra a participante para outra realidade, embebendo-a em esperança.

A ideia do futuro, cheio de infinitas possibilidades, é, portanto, mais frutífera

que o próprio futuro, e é por isso que encontramos mais charme na esperança do

que na posse, no sonho do que na realidade. Encontramos especialmente o

encanto na esperança, porque ela abre em grande parte o futuro diante de nós

(Minkowski, 1933/1994, tradução livre, p. 86).

A esperança, categoria temporal aliada ao desejo, é vivida de acordo com a

mesma direção que rege a espera, a saber: futuro-presente (Minkowski, 1933/1994).

Como assinalam Costa e Medeiros (2009), “a esperança nos libera da ansiedade e do

aperto da espera; ela desvia o contato com o presente imediato e dirige o olhar do eu

para uma instância mais distante” (p. 381). Para além de um otimismo ou pessimismo, a

esperança possui uma dinâmica contemplativa e construtiva que consegue estar presente

após diversas derrotas (Minkowski, 1933/1994; Costa e Medeiros, 2009). Entretanto, no

vivido de Clarice, a espera se sobrepõe à esperança, pois Clarice tem pressa.

O fenômeno do tempo vivido no “mundo de sonhos” de Clarice se dá na

interseção entre o real e o imaginário. O mergulho da participante no imaginário –

“mundo de sonhos” – reflete seu alheamento a outrem e ao mundo (Merleau-Ponty,


186

1945/2006), fragmentando seu contato com a realidade. O imaginário, atrelado às

alterações da síntese intersubjetiva do tempo vivido, se constitui em um mundo de

sonhos que preenche e dá sentido à sua realidade fragmentada. Longe desse mundo,

Clarice experiencia o tormento vivido na espera sob a forma de ansiedade.

No imaginário, Clarice consegue estabelecer uma espécie de aproximação das

pessoas e de si mesma, podendo agir e se movimentar, mesmo se encontrando

concretamente sozinha no real. É uma experiência ambígua, em que a aproximação de

outrem e do mundo se dá por meio de seu distanciamento (Tatossian, 1979/2006). Na

tentativa de agir sobre o mundo (real), Clarice atua presa em si mesma (imaginário) e,

como afirma Fuchs (2010), “a realidade congelada da ilusão prende o curso do tempo

biográfico explícito, a fim de compensar a fragmentação do tempo vivido” (tradução

livre, p. 20).

Real e imaginário se entrelaçam e borram suas fronteiras no mundo vivido de

Clarice. Apesar da tentação de se perder no imaginário, atrativo e esperançoso, é

impossível uma ruptura completa do real, pois real e imaginário se constituem

mutuamente (Moreira, 2009; Merleau-Ponty, 1945/2006).

5.1.6. Dessincronização, ansiedade e hiperreflexividade

Em nosso quinto encontro clínico, Clarice fazia aniversário de 42 anos. Ao me

encontrar no CAPS, veio falar comigo para dizer que não estava se sentindo

muito bem e gostaria de conversar. Após adentrarmos a sala de atendimento

individual, a participante narrou que se sentia mal devido a idade. No dia a dia,

às vezes Clarice percebia que envelhecia, mas entrou em contato com esse

processo de forma mais evidente na passagem dos anos comemorada por seu
187

aniversário. Para Clarice, o tempo estava passando e seus sonhos ainda não

haviam se realizado como ela ansiava. Clarice compartilhou nesse encontro

clínico que se sentia bastante ansiosa e, devido à ansiedade, tem comido

bastante. “Nunca comi tanto”. Dizia que comer a ajudava a acalmar a

ansiedade, pois tinha “algo na comida” que a tranquilizava. Pedi para Clarice

me descrever o que seria esse “algo” e a participante relatou que a comida

“preenche alguma coisa”. A sensação de vazio lhe acompanhava e a ansiedade

se refletia na busca pelo preenchimento desse abismo.

Quando a experiência do tempo não se evidencia na percepção, por ser pré-

reflexivo, falamos do tempo vivido ou implícito. Há uma sincronia entre as experiências

humanas e o mundo. Entretanto, alguns hiatos podem ocorrer, o que rompe com a

sincronização do tempo implícito, tornando-o explícito e se agrupando às tradicionais

distinções entre passado, presente e futuro (Fuchs, 2005, 2010).

Na experiência descrita por Clarice, o tempo explícito emerge devido à lacuna

que separa o desejo e a realização (Fuchs, 2005), ou seja, o desejo de seus sonhos e a

ausência de sua realização. O tempo torna-se conscientemente experimentado para

Clarice na incompletude de sua experiência vivida no instante agora. O futuro, que

ainda não aconteceu, presentifica-se na espera e na expectativa (Fuchs, 2005, 2010),

materializando por meio da aceleração vivida na ansiedade.

Em nosso nono encontro clínico, Clarice fez referência à religião, um dos

pontos mais importantes e inquestionáveis de sua vida, como algo interligado a

seu sofrimento. Disse que resolveu ser freira para viver a religiosidade, mas o
188

convento destruiu sua vida. “Queria voltar no tempo! Se pudesse, não entraria

no convento, onde tudo deu errado”. Clarice ansiava por apagar o passado

“como fazem nos cadernos”. Dizia que, se pudesse apagar o passado, ela

estaria casada e com um filho. Sentia raiva do “maldito cachorro” que a atacou

quando criança e de sua estadia no convento, pois atribuía a tais episódios a

culpa por sua estagnação. A participante descrevia o seu sofrimento ao ver

pessoas em relacionamentos amorosos, seja na vida real ou na ficção – filmes,

novelas, etc. “Eu não consigo olhar para a minha irmã e o marido dela quando

estão juntos” como casal, também contava que não conseguia assistir a cenas

românticas em filmes. Pedi que Clarice me descrevesse como era para ela ver

tais cenas, seja na vida real ou no cinema, e a participante contou que sentia

que “o tempo vai passando, passando, passando e eu vou ficando para trás”.

Nesse momento afirmou, “é muito difícil sonhar”.

Ao tornar-se explícito, o tempo perde sua sincronicidade com o agora e seus

estados de dessincronia são vividos por meio da retardação e da aceleração (Fuchs,

2005, 2010). No mundo vivido de Clarice, a aceleração é ilustrada por meio da

ansiedade na urgência do futuro ocupar o presente. Já a retardação, é vivida na tentativa

de recuperar um passado que não pode mais retornar (Fuchs, 2010).

A dessincronização – bem como a sincronização – do tempo vivido de Clarice se

sustenta na intersubjetividade do tempo, uma vez que este fenômeno é um arranjo de

processos individuais e sociais em correlação (Fuchs, 2005, 2010) que se entrelaçam e

se constituem mutuamente temporalizando a existência (Merleau-Ponty, 1945/2006).


189

A experiência do tempo se vincula ao ritmo da vida e em como esta se constitui,

uma vez que o tempo experienciado não existe enquanto coisa em si, como uma

entidade metafísica (Fuchs, 2005, 2010, 2014). Mas antes, a dessincronização do tempo

vivido ocorre quando o tempo é experimentado em relações, “principalmente em

relação aos outros” (Fuchs, 2010, tradução livre, p. 09). No mundo vivido de Clarice, a

paralisação do tempo vivido ocorre por meio da perda de sincronia com o tempo do

mundo e de seu distanciamento de outrem, sobretudo em relações amorosas.

A experiência de estar “parada no tempo” é aprofundada pela participante nos

dois últimos encontros clínicos. O que mais lhe angustia, afirma, é "ver o tempo

correndo e não consigo fazer nada". Clarice retrata a experiência de

paralisação do vivido do tempo, entrando em contato com uma sensação

descrita por ela como "desespero e ansiedade” por não conseguir se mover,

ansiando para que o futuro se faça presente. Nestes encontros, percebi que

Clarice narrava situações como se fossem atuais, quando em realidade elas

ocorreram há vários meses ou anos. Nem sempre ficava claro em seus relatos

que se tratava de uma lembrança ou memória distante, deixando confusa minha

comunicação com a participante. Era como se houvessem fragmentos, lapsos na

continuidade de sua fala que prejudicavam a coerência do que era

compartilhado comigo durante o encontro clínico.

Nos momentos compartilhados com Clarice, a descrição foi fundamental, pois

nos permitiu “retornar a este mundo anterior ao conhecimento do qual o conhecimento

sempre fala” (Merleau-Ponty, 1945/2006, p. 04) ao nos distanciarmos de uma análise


190

reflexiva prévia do mundo vivido da participante. Pudemos nos aproximar de seu

mundo vivido da forma como ele nos apareceu, confuso, inibido, paralisado, ansioso e

fragmentado.

A perda de sincronia temporal no mundo vivido de Clarice se traduz como

experiência de paralisação do tempo implícito. Ao mesmo tempo em que a participante

deseja agir sobre o mundo, não consegue, pois se encontra como alguém preso em uma

areia movediça. Quanto mais tenta se mover, mais Clarice afunda. É nesse momento

que a ansiedade aparece, a saber: na fronteira entre a impossibilidade e a necessidade de

movimento inerente ao fluxo do devir humano.

Ao mesmo tempo em que encontramos a alteração do tempo implícito descrita

acima por meio da perda de sincronia com o tempo do mundo (Fuchs, 2010), o mundo

vivido de Clarice também nos dá indícios de uma possível segunda forma de alteração

temporal, talvez um pouco mais sutil que a primeira em sua experiência. Durante os

encontros clínicos, percebemos uma fragmentação da experiência temporal de Clarice

manifestada por meio de sua fala embotada e desconexa, em que o senso de

continuidade temporal estava perdido em alguns momentos pela participante,

dificultando o nosso acesso ao seu mundo vivido. Este fator tornava confusa para a

pesquisadora à comunicação com a participante, e a percepção desta alteração temporal

só foi possível com o passar dos encontros clínicos.

Era muito presente nos encontros clínicos com Clarice a participante fazer

referências a pensamentos acelerados e invasivos. Em nosso primeiro encontro,

Clarice falou de suas frustrações e tristezas por não haver realizado seus

sonhos de casamento. Sentia-se triste, ansiosa e com muitos pensamentos ruins


191

– inclusive de morte. Nesse momento, falava sem parar de forma rápida,

acelerada e, por vezes, desconexa para mim que a ouvia. O tema “pensamentos

ruins” retornou no encontro seguinte, quando Clarice afirmou ser muito difícil

não sucumbir às vozes que a mandavam acabar com sua vida. Clarice resistia a

elas, pois temia o inferno. “Isso é obra do demônio”. Ao lhe perguntar sobre

estas vozes, Clarice dizia que são os pensamentos que lhe invadiam. São tantos

que sentia dificuldade em acompanhá-los [Bateu na cabeça com a mão ao

afirmar isso]. “É um incômodo na minha cabeça, uma agonia, uma ansiedade e

me dá vontade de sair correndo”. Para fugir dos pensamentos, Clarice se

colocava em movimento. Organizava a casa, limpava, varria, passava o pano,

passeava com os cães, punha água nas plantas. Sentia-se bem quando se

ocupava, pois “descansa a cabeça”, já que vivia pressionada, ansiosa e

“agoniada” com “o mundo na cabeça”. Ao mesmo tempo em que falava da

profunda tristeza em não ter realizado seus sonhos [casamento], dizia não saber

o que queria para si. “Nem eu sei o que eu quero. Ou é matrimônio ou é vida

consagrada”. As irmãs lhe diziam que casar era ruim, e Clarice passou a

incorporar esse discurso, ao mesmo tempo se lembrava do período do convento

e dizia que foi “muito ruim”. Também não podia trabalhar, pois “o cachorro

me mordeu e trouxe todo esse destroço na minha vida.”.

No mundo vivido de Clarice, a ansiedade se entrelaça à aceleração de seus

pensamentos. É um processo que a participante vivencia como invasão, pois ela própria

não consegue acompanhá-los e nem alcançar seu eixo formativo. Clarice fala destes

pensamentos como elementos externos, que se originam fora dela e, de repente, a


192

atacam – ou a invadem. Seu desejo imediato é se colocar fora de si mesma, longe de tais

pensamentos que carregam consigo suas dores, angustias e frustrações. A sensação de

invasão, no vivido de Clarice, faz parte de sua ansiedade.

A fala desorganizada de Clarice reaparece neste relato descrito, nos apontando

novamente para uma fragmentação de seu arco temporal. Os pensamentos acelerados e

invasivos reverberam no encontro clínico por meio de sua fala confusa e também

acelerada, devido ao prejuízo na continuidade da estrutura temporal retenção-

presentação-protensão (Tatossian, 1979/2006; Fuchs, 2005, 2010, Fuchs & Pallagrosi,

2018). Essa fissura do arco intencional da temporalidade de Clarice se expressa por

meio da antecipação do futuro, a qual se traduz sob as formas do medo e da ansiedade.

É importante destacar que, entrelaçada à antecipação do futuro, Clarice faz

referência a vozes que lhe apontam o caminho do suicídio. Estas são tidas como algo

alheio, externo, pois a fragmentação temporal enfraqueceu a experiência de self (Fuchs,

2013) da participante em uma espécie de alienação de si mesma e do mundo. Como

afirma Fuchs (2007b), “um pensamento que invade o arco intencional fragmentado

carece do senso de gerência; não é mais meu. Aparece contra a minha intenção e 'me

fala' como se fosse uma força alienígena” (p. 234), como algo de fora e, portanto,

invasor, sejam as vozes ou os demais pensamentos.

Há uma perda de significação no campo experiencial, agora atravessado pela

racionalização mecânica e hiperreflexiva como forma de preenchimento das lacunas que

se abriram no início do quadro (Fuchs, 2010) clínico de Clarice. A hiperreflexividade,

característica básica dos quadros esquizofrênicos, é definida por uma consciência

exacerbada e automática de si (Sass & Parnas, 2003; Fuchs, 2007b, 2010; Fuchs &

Pallagrosi, 2018).
193

Além das vozes e dos pensamentos invasivos, a consciência hiperreflexiva de

Clarice está em constante monitoramento de si mesma no que concerne a origem de sua

doença mental, aos seus desejos e as suas expectativas diante a antecipação do futuro. É

um movimento automático, acelerado e, por vezes, experienciado por meio da

ansiedade.

5.2. Rachel e a ansiedade em “correr o mundo”

Falam que o tempo apaga tudo.

Tempo não apaga, tempo adormece.

(Rachel de Queiroz)

5.2.1. Descrição do Caso

Rachel, de 57 anos de idade, era usuária do CAPS Geral da SER III desde 2003

quando apresentou crises de ansiedade e pânico. Foi encaminhada ao CAPS pela

atenção primária e era uma das usuárias mais antigas desse equipamento de saúde

mental. Atualmente Rachel não trabalha, mas exercia a função de faxineira/doméstica

em residências.

Sua mãe faleceu quando contava 04 anos de idade e, desde então, Rachel “vivia

de casa em casa”. Ora morava nas casas de famílias para quem trabalhava, ora com as

irmãs. Desde a infância à adolescência, Rachel foi abusada sexualmente pelos cunhados.

Contava para as irmãs sobre as carícias que recebia, mas era chamada de mentirosa e

não acreditavam nela ou a acusavam de provocar os assédios.

Rachel engravidou na adolescência e, ao descobrir a gravidez, foi rejeitada pelo

pai e pela madrasta. Precisava de um lugar para morar, mas não o encontrou na casa
194

paterna, sendo expulsa quando souberam da gestação. Para Rachel, falar sobre seu

passado, sobretudo em relação ao período de abusos e ao abandono paterno, era muito

sofrido durante os encontros clínicos. Quando a participante trazia estes conteúdos não

os sustentava por muito tempo, mudando de assunto ou pedindo para o encontro

encerrar. Tanto que algumas informações sobre esse período de sua vida permanecem

um mistério também para mim.

Como foi mãe solo, sem ajuda e sem dinheiro, Rachel deixou o filho bebê para

ser criado por uma de suas irmãs. Rachel precisava trabalhar para mandar dinheiro para

o sustento do filho, mas não podia cuidar dele presencialmente, uma vez que morava na

residência da família onde era doméstica. Hoje, Raquel possui uma relação difícil e

conturbada com esse filho, a quem chamaremos João. Em sua última briga com o filho,

a qual ocorreu durante os encontros clínicos desta pesquisa, Rachel e o João deixaram

de se falar. João afirmou que não a reconhecia como mãe e, em uma mistura de mágoa e

orgulho ferido, Rachel validou que não era mãe dele se ele não a visse assim.

Além de João, Rachel possui também duas filhas – Antônia e Maria. Rachel

casou com o pai de suas duas filhas e viveu com ele um relacionamento abusivo de

ordem física e emocional. Separou-se do pai de suas filhas e, dois anos antes de iniciar

acompanhamento no CAPS Geral da SER III, tentou suicídio.

Ao iniciar o acompanhamento no CAPS, Rachel se queixava de perturbações,

insônia, pesadelos, nervosismo, agressividade, falta de paciência, isolamento social,

ansiedade e pânico. No início, seu quadro clínico diagnóstico era inconcluso, pois em

seu prontuário percebia-se marcações de dúvidas ao lado da especificação da CID com a

escrita de pontos de interrogação [?], além de muitas alterações diagnósticas. Ao

acompanhar cronologicamente a evolução de seu prontuário, encontramos as seguintes


195

classificações, a saber: transtorno depressivo recorrente (F33.3), psicose não orgânica

não especificada (F29), esquizofrenia (F20), transtorno afetivo bipolar (F31), transtorno

de personalidade com instabilidade emocional (F60.3). Em 2018, houve um aumento

das queixas de ansiedade por parte de Rachel, as quais andavam lado a lado por um

medo contínuo da morte e estavam descritas em seu prontuário. Seu atual diagnóstico é

transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão (F31.7).

Os encontros clínicos com Rachel, que somaram 16 ao total, ocorriam às sextas-

feiras quando a participante comparecia ao grupo de música do CAPS. Durante a

realização desta pesquisa, Rachel fez uma cirurgia para a retirada de uma hérnia na

barriga, ausentando-se do CAPS por um período de quase 03 meses. Havíamos tido

apenas 02 encontros clínicos quando isto ocorreu. Apesar desta interrupção, ao retornar

ao CAPS, Rachel me procurou para retomarmos os encontros clínicos. Teve uma

participação ativa e com poucas ausências desde então. Afirmava que gostava de

conversar comigo, pois se sentia aliviada, embora demonstrasse certas resistências ao se

aproximar das temáticas dolorosas de sua infância e adolescência. Ao encerrarmos os

encontros clínicos com o fim da pesquisa, além do grupo de música, Rachel também

havia dado início ao processo de psicoterapia individual no CAPS Geral da SER III.

5.2.2. Entre o movimento e a paralisação no mundo vivido de Rachel

Desde o primeiro encontro com Rachel, ela se mostrava ansiosa. À primeira

vista, sua ânsia era por falar, compartilhar suas histórias e inquietações.

Coloquei-me no lugar de ouvi-la e acolhê-la, pois percebi Rachel sedenta por

compartilhar com alguém suas angústias. Ela dizia ser uma pessoa ansiosa e

impaciente, sentindo-se assim “o tempo todo”. Ao me descrever esta ansiedade,


196

Rachel contou “eu quero tudo logo”, manifestando sua dificuldade em esperar.

Às vezes se percebe assim nos grupos do CAPS, sem paciência, inquieta e com

vontade de se levantar e sair, mas se segura e permanece. Na semana anterior,

Rachel contou que essa sensação foi mais forte, pois soube, enquanto aguardava

o início do grupo de musicoterapia, que seu pai havia sido internado em

decorrência de um ataque cardíaco. A participante lembrou que precisou sair

do grupo em alguns momentos, pois se encontrava tão ansiosa e impaciente que

não conseguia ficar sentada, “parada”; precisava movimentar-se enquanto

aguardava notícias. Seu pai veio a óbito no mesmo dia e Rachel foi a última

pessoa da família a ter conhecimento sobre o falecimento. Ao falar sobre isso,

Rachel chora e transborda mágoa em suas lágrimas. “Eles quiseram esconder

de mim porque eu tenho problemas mentais. Eles têm medo de como vou

reagir”. Esse foi um dia de espera para Rachel, que ficava “olhando o relógio

de hora em hora sem saber se ele estava vivo ou não”.

A ansiedade, para Rachel, aparece atrelada a sua necessidade de se colocar em

movimento. Permanecer parada significa se defrontar com o horizonte do tempo e as

incertezas do porvir, pois há um traço de passividade na espera. Esta possui uma

estrutura temporal mais lenta, que nos exige respostas com maior ou menor grau de

paciência (Fuchs, 2010, 2019a; Fuchs & Pallagrosi, 2018). No caso de Rachel, a

impaciência prevalece e reverbera em sua dinâmica corporal, uma vez que o corpo é,

simultaneamente, via de expressão da ansiedade e objeto que a porta (Trigg, 2018).

Como o corpo reside no tempo e no espaço, o movimento assume

simultaneamente estas suas dimensões em suas significações originárias e as imprime


197

no corpo (Merleau-Ponty, 1942/2006, 1945/2006, 1946/2015). A inquietação de Rachel

se torna visível diante sua dificuldade em permanecer sentada durante as atividades

terapêuticas do CAPS. Seu corpo se dinamiza em busca de movimento, mas como

afirma Merleau-Ponty (1945/2006), “não é nunca nosso corpo objetivo que movemos,

mas nosso corpo fenomenal” (p. 153). Este é sentiente e movente, pois é o corpo vivido

que se dirige intencionalmente ao mundo.

Como aponta Fuchs (2005, 2010, 2019a), nossas experiências subjetivas são

encarnadas no mundo e possuem direção, sentido e potencialidade corporal por

estarmos conectados ao tempo vivido – ou implícito. Com Rachel não é diferente, uma

vez que diante a ansiedade da espera seu corpo vivido pulsa por movimento.

Vale destacar que a ansiedade de Rachel emerge como experiência vivida em

seu engajamento com o mundo (Moreira, 2014) diante a expectativa de perder um ente

querido. Nesta questão, para além de um sintoma ou de compor parte do modo de

funcionamento psicopatológico da participante, a ansiedade também se entrelaça à sua

dimensão existencial e humana (May, 1950/1980; Pinto, 2017).

Quando Rachel se sentia ansiosa afirmava que aparecia uma “vontade de

voar”. Ao me descrever o que seria essa vontade, a participante contava que se

voasse poderia pular o estado de espera e chegar mais rápido no momento

desejado. Sentiu isso enquanto aguardava notícias do estado de saúde do pai.

Queria voar para o momento do dia em que a notícia chegaria. Mas, em geral,

sua sensação era inversa. Quanto mais caminhava em direção ao “logo”, mais

o percurso aumentava, intensificando sua ansiedade. “Eu ando, ando, ando e

não saio do canto”. O sentimento de impotência se escondia sob a fala de


198

Rachel e, ao captá-lo, o devolvia à participante. Nesse momento, Rachel

afirmava que sua “ansiedade faz parte da depressão”, pois quando está

depressiva, Rachel também se percebe inquieta, não dorme, não bebe, fica mais

sensível e com um aperto constante no peito.

Enquanto a temporalidade corporal vivida na dinamização do corpo fenomenal a

nível pré-reflexivo relaciona-se com a dinâmica do tempo vivido – ou implícito, a

manifestação da “vontade de voar” de Rachel para alcançar o ‘logo’, o ‘não ainda’, o

porvir, aponta para uma consciência explícita ou objetiva do tempo que se fundamenta

em termos de passado, presente e futuro. (Fuchs, 2005, 2010, 2019a; Fuchs &

Pallagrosi, 2018). Em outras palavras, a participante experimenta uma lacuna entre o

presente e o futuro, uma vez que permanece aguardando alcançar o “logo” que nunca

chega.

É nessa lacuna que a experiência da ansiedade se desvela para Rachel, que

aguarda o futuro. Como afirma Fuchs (2019a), na lacuna entre o presente e o futuro

“experienciamos a temporalidade como segmentada e parcialmente separada do

presente. Não estamos mais imersos em nossas atividades” (p. tradução livre, 433).

Nesse sentido, como a temporalidade é uma dimensão intersubjetiva (Tatossian, 1994),

seus aspectos implícitos ou explícitos convergem para um processo relacional com os

outros (Fuchs, 2005, 2010, 2019a; Fuchs & Pallagrosi, 2018).

Na experiência de ansiedade de Rachel, a intersubjetividade do tempo é marcada

por sua sensação de não sair do lugar. A participante se perde na busca por agir e se

movimentar, sentindo-se paralisada diante suas possibilidades de ser no mundo. Há uma

espécie de perda de sincronia, termo este apontado inicialmente por Minkowski


199

(1933/1994) e, contemporaneamente, por Fuchs (2005, 2010, 2019a), em que Rachel

vivencia uma aceleração de seu tempo pessoal e imanente em relação ao tempo do

mundo. É nesta aceleração que se desvela a experiência de ansiedade em seu mundo

vivido (psico)patológico.

Neste processo, nos deparamos com sentimentos de impotência e frustração, os

quais são devolvidos para a participante por meio da atitude de compreensão empática

(Rogers, 1957/2008, 1961/2009) utilizada nos encontros clínicos pela pesquisadora. Ao

reconhecer-se estagnada em sua relação com o mundo, Rachel aproxima sua experiência

vivida na ansiedade com a depressão. Como assinala Dörr (2014), os quadros

depressivos e os de ansiedade possuem um elemento comum, a saber: ambos

correspondem a uma mesma perturbação na disposição afetiva fundamental à existência

humana.

No início do segundo encontro clínico, encontrei Rachel dormindo na recepção.

Ela despertou quando me ouviu passar e, ao iniciarmos o encontro, contou que

chegava bem cedo ao CAPS e “cochilava” enquanto aguardava o grupo

começar. Os grupos terapêuticos iniciavam às 14h, mas Rachel chegava horas

antes, “às vezes eu chego de manhã cedo; umas 9h, 10h”. Ao lhe indagar a

razão de chegar tão cedo, Rachel contou que sentia “uma coisa, uma agonia”,

mas a princípio não conseguia nomeá-la. Ao tentar descrever tal agonia, Rachel

falou “Como é o nome? Aquela coisa ruim... [pausa] ansiedade. Me sinto muito

ansiosa, me dá uma agonia e eu preciso sair”. Rachel não sabia para onde ir,

sua vontade era de andar sem direção até a ansiedade passar. Desde quando

acorda, Rachel sente essa “agonia” para se movimentar e “correr o mundo”.


200

Tenta resolver todas as coisas o mais rápido possível. Também se refere à

ansiedade ao contar sobre a dificuldade em esperar a cirurgia de remoção da

hérnia. Não sabe quando esta irá ocorrer, pois a cada nova tentativa aparecem

empecilhos em relação às vagas pelo SUS e outros entraves. Quando retornei ao

CAPS na semana seguinte, soube que Rachel conseguiu a cirurgia e passava

bem em casa. Três meses depois, a participante retornou ao CAPS e se mostrou

animada em retomar os encontros clínicos. A participante contou que sentiu

muito medo em fazer a cirurgia. Nem gosta de falar sobre, pois relembra o

medo que sentiu. Seu principal medo era morrer. Hoje, se inquieta ao pensar na

possibilidade da hérnia retornar e ter que passar por tudo novamente.

Na descrição acima, Rachel apresenta sua possibilidade de agir inundada pela

urgência de “correr o mundo”. A espera é vivida como agonia, uma vez que o porvir

invade o agora e reverbera na dessincronização de seu horizonte temporal (Minkowski,

1933/1994; Faizibaioff & Antunéz, 2014). “Correr o mundo” é a tentativa de Rachel

trazer o futuro para o presente por meio da possibilidade de ação, preenchendo a lacuna

que se abre neste ponto. Entretanto é um futuro vazio, em que a participante não aponta

um destino final, apenas projeta correr a esmo de sua agonia.

Encontramos em Rachel, por meio da descrição de sua “agonia” vivida como

ansiedade, uma energia vital que a direciona ao futuro, impulsionando-a a “correr o

mundo”. É um vivido imediato, pré-reflexivo e atrelado ao devir, o que o aproxima da

noção de ímpeto (élan) vital ou pessoal como proposto por Minkowski (1933/1994) em

sua célebre obra Le temps vécu. Como o ímpeto vital cria o horizonte do futuro a nossa
201

frente, ele doa direção ao devir e nos integra a ele (Minkowski, 1933/1994; Faizibaioff

& Antunéz, 2014).

No mundo vivido de Rachel, esta integração ocorre atrelada à aceleração de seu

eixo temporal, em que há um descompasso entre o seu tempo pessoal e o tempo do

mundo. O presente é inundado pelo o futuro e Rachel chega ao CAPS, por exemplo,

horas antes do início dos grupos terapêuticos. O curioso é que, enquanto na vida

cotidiana a espera é terrível, ao chegar ao CAPS Rachel se estica nas cadeiras, fecha os

olhos e espera tranquilamente o início dos grupos terapêuticos.

Ao falar sobre o processo cirúrgico, Rachel dá lugar de destaque ao medo que

experienciou. Nessa situação, o medo da participante está atrelado a um objeto muito

específico, a saber: a morte. Como assinalam May (1950/1980) e Pinto (2006; 2017),

diferentemente da ansiedade, o medo possui uma ameaça claramente definida por um ou

mais elementos. Quando essa ameaça cessa, no caso de Rachel com o fim da cirurgia, o

medo também se estingue. Ele reaparece em sua fala diante a possibilidade do objeto

ameaçador retornar.

Ao longo dos encontros clínicos, a ansiedade de Rachel passou a se misturar

com um humor depressivo. A participante aparentava tristeza, apatia e, ao

sentar-se na cadeira da sala de atendimento, narrava seu “cansaço de viver no

mundo”. Rachel afirmava que “era como se eu já tivesse vivido bem muito. Não

dá mais para viver”. Sua perda de ânimo pela vida era justificada, em sua fala,

pela depressão. “A depressão coloca tudo de ruim em cima da gente”. Rachel

sentia-se deprimida diante as frustrações da vida, sobretudo com um de seus

filhos com quem brigou e que a estava ignorando. Ela tem tentado se manter
202

forte, cercada pela fachada de mulher durona e que não se abate. Entretanto,

por trás dessa máscara, vejo Rachel murchando e seu ânimo passa a transitar

entre o medo da morte, o vazio de sentidos e a angústia, o que abre espaço para

a ansiedade em sua rotina. Rachel sentia uma “agonia” para que as coisas

acontecessem “logo”, que o dia amanhecesse mais rápido, etc; “tudo meu é pra

logo”. Em geral, desejava que o tempo corresse mais depressa. Às vezes,

percebia esse movimento em nossos encontros, quando Rachel olhava para o

relógio e perguntava se já estava na hora de ir para o grupo de musicoterapia.

“Eu não posso me atrasar”. Embutido em sua fala, percebia o movimento de

acelerar o tempo para fugir do contato de seus medos e angústias que

apareciam nesses momentos durante o encontro clínico.

Assim como pessoas ansiosas podem apresentar estados depressivos, estes

últimos podem andar acompanhados de quadros de ansiedade (Dörr, 2014; Aho, 2020;

Rós, Ferreira & Garcia, 2020) como ocorre no mundo vivido de Rachel. Esta

aproximação se relaciona com a natureza afetiva destes quadros clínicos, tanto que Dörr

(2014) propõe inserir as síndromes ansiosas e depressivas como timopatias, ou seja,

relacionadas ao humor. Este último, como aponta Tatossian (1979/2006), possui um

traço de passividade que não depende da vontade do indivíduo, pois está enraizado na

totalidade da existência humana.

O emurchecimento de Rachel, percebido no decorrer dos encontros clínicos, é

um traço apontado por Tatossian (1975/2012, 1977/2016, 1979/2006) como intrínseco

ao vivido depressivo, em que há uma perda de frescor e vitalidade que impregna todos

os âmbitos da vida. Há uma deformação da experiência e uma estagnação do tempo

vivido, cujo presente se encontra esvaziado das possibilidades do futuro (Tatossian,


203

1975/2012, 1979/2006, 1983/2012). Apesar de parecem vividos (psico)patológicos

antagônicos, uma vez que na depressão a dessincronização do tempo intersubjetivo se

dá por meio da retardação e não da aceleração como ocorre na ansiedade, esta

correlação sinaliza a possibilidade das suas formas de dessincronia ocorrerem em um

mesmo indivíduo (Aho, 2020).

O lugar da ansiedade no vivido depressivo de Rachel se orienta pela alteração da

temporalidade, uma vez que o tempo vivido se encontra inibido, estagnado e sem

direção, esvaziando o seu presente. (Ambrosini, Stanghellini & Raballo, 2014; Fuchs,

2010, 2019a, Tatossian, 1979/2006). Diante o vazio que se presentifica na depressão, a

ansiedade se desvela sob a forma do medo em o experienciar (Moreira, 2014), tanto que

Rachel tenta fugir para o “logo”, acelerando o tempo. É como se Rachel estivesse

caminhando sob uma fina camada de gelo. A qualquer momento esse fio pode rachar

sob seus pés e a jogar em águas gélidas. Para não sucumbir ao vazio, Rachel corre cada

vez mais rápido embora não consiga sair do lugar. A ansiedade é vivida na tentativa vã

de antecipar um futuro inexistente como forma de fugir do vazio instalado no agora.

Estes movimentos de fuga também são experienciados durante os encontros

clínicos. É como se Rachel tivesse um limite de contato com suas questões. Ao

descrever a “agonia”, os medos e as angústias, Rachel se aproxima do vazio que eles lhe

despertam e seu movimento imediato é olhar para o relógio e checar se nosso tempo se

esgotou, na tentativa de acelerá-lo. A antecipação do fim do encontro clínico é a forma

de Rachel também se distanciar de si mesma, movimento este que foi compreendido de

forma empática e considerado incondicionalmente pela pesquisadora ao respeitar o

tempo da participante.
204

Rachel, mãe de três filhos, mora com Maria [a filha mais nova] e com quem tem

uma relação mais próxima. Maria “é a filha que me cria”. Rachel traz esta

afirmação ao descrever Maria como sua cuidadora, pois é quem lhe ajuda com

os medicamentos, as consultas no CAPS e etc. Entretanto, apesar dos cuidados e

da proximidade, Rachel não se sente compreendida por Maria em relação a

tristeza, a desmotivação e a falta de forças que vivencia. Essa falta de

compreensão leva Rachel a não compartilhar com a filha seus sentimentos. Um

deles é a mágoa que carrega do filho mais velho, que não a reconhece como

mãe hoje. Quando engravidou dele, Rachel passou a trabalhar como doméstica

para sustentá-lo. Não podia levar o filho para o trabalho, pois dormia lá, e o

deixou sob os cuidados de uma irmã. Visitava-o frequentemente e enviava

dinheiro para o seu sustento, mas o distanciamento pela falta de convívio se

traduziu em mágoas. O filho se sentiu abandonado pela mãe ao mesmo tempo

em que Rachel se culpou por não o ter criado, diferente do que ocorreu com

suas filhas mais novas. Ao relembrar o passado, Rachel fala de seu futuro sem

cor e sem perspectiva, em que não vê possibilidades de reconstrução da relação

com o filho. A participante afirmava que o futuro significa para ela uma mistura

entre “expectativa com ansiedade” e “vazio com morte”.

Na dessincronização temporal de Rachel, encontramos a culpabilização pelas

escolhas que a participante fez no passado e de como as experiencia hoje na relação que

construiu com o filho. Ao olhar para o futuro, a participante se perde na impossibilidade

de projetar novas ações, uma vez que seu porvir aparece desprovido de sentidos.
205

Como assinala Tatossian (1979/2006), “a dialética das estases temporais

permanece ‘imobilizada’ numa série de momentos sucessivos, sem articulação nem

movimento” (p. 137), pois o tempo vivido encontra-se paralisado sob o peso do passado

que não pode ser modificado. O passado é experienciado como uma espécie de falta

impagável, permanecendo latente sob a forma de culpabilização (Tatossian, 1979/2006;

Fuchs, 2010, 2019a, Fuchs & Pallagrosi, 2018).

Além da mágoa, Rachel carrega a culpa por não ter criado o filho mais velho,

por fazer acompanhamento psiquiátrico e se sentir “um peso para Maria” [nome

modificado] e até por ter criado as filhas mais novas em comparação a João. Entretanto,

mais do que as escolhas feitas no passado, a culpabilização de Rachel se entrelaça à

incapacidade para a ação, o não poder; é uma espécie de dívida impagável diante o

fluxo do devir (Tatossian, 1979/2006).

É nesse cenário que a ansiedade é vivida por Rachel como expectativa diante a

projeção de um futuro inexistente. Em seu mundo vivido, a ansiedade se entrelaça à

sensação de vazio e de morte descritas pela participante, como destacado no relato

descrito acima, pois ambas representam a perda de sentido experienciada no bojo da

paralisação do tempo vivido de Rachel.

5.2.3. A medicalização na experiência de ser ansiosa

No segundo encontro clínico com Rachel, a participante relatou uma crise que

teve recentemente quando ficou sem tomar seus medicamentos (citalopram).

Sentiu seu peito fechar, ficou muito mal e chorou em demasia. Não conseguiu os

remédios nos postos de saúde, apesar de sua filha ter procurado em vários

lugares da cidade. Relata que durante a crise sentia todas as coisas ruins de
206

uma vez só, tais como taquicardia, sensação de peso e compressão no peito,

agitação, agonia e medo. “Eu preciso deles nas mãos para garantir que não vou

piorar”. “Nas mãos”, para Rachel, significa saber que os medicamentos estão

por perto, acessíveis para quando ela precisar. Quando está “doente” se sente

sensível, e quando tem “tudo nas mãos” [os medicamentos] melhora, embora às

vezes ainda se perceba agressiva. A intensidade do sofrimento que Rachel

vivencia durante as crises reverbera em sua fala e em seus gestos. Percebo que

os medicamentos ocupam um lugar de segurança importante em seu mundo

vivido e lhe ajudam a lidar com a dor, o sofrimento e a ansiedade. No encontro

clínico seguinte, Rachel compartilhou que se sentia ansiosa e assustada quando

os medicamentos estão acabando. “Eu dependo deles!”.

Durante os encontros clínicos, buscamos captar os significados da experiência

vivida pela participante em sua totalidade, o que nos foi possível por meio da atitude de

compreensão empática. Como afirma Merleau-Ponty (1945/2006), “compreender é

reapoderar-se da intenção total” (p. 16), da maneira única de existir, misturada e borrada

ao mundo compartilhado da participante. Nesta interseção se constituem as

significações do mundo vivido (Merleau-Ponty, 1945/2006), sempre únicas e

inalienáveis por possuírem um sentido comum, já que “meu mundo é sempre assim

nosso mundo” (Tatossian, 1979, tradução livre, p. 88).

No mundo vivido de Rachel, a medicação significa um misto de segurança e

estabilidade. Imaginar a falta dos remédios lhe desperta sofrimento e, até mesmo, crises

de ansiedade e comportamentos agressivos. Estes aspectos singulares e subjetivos de

sua experiência vivida se entrelaçam, simultaneamente, aos dados objetivos e universais


207

do mundo concreto e compartilhado por todos nós. Neste último, encontramos

significações sobre o uso de psicofármacos que englobam perspectivas concretas de

melhora e às vezes até cura (Czarnobay et al.,, 2018), aliado ao contexto medicalizante

da sociedade contemporânea (Pereira et al., 2019).

Para além do papel efetivo na redução dos sintomas, os psicofármacos que

Rachel faz uso também funcionam como uma espécie de rede de suporte e segurança

emocional. Saber que eles estão disponíveis para o seu uso, mesmo que não vá

consumi-los de forma imediata, representa uma espécie de apoio diante a iminência da

instalação de possíveis crises. Num sentido fenomenológico, a medicação funciona para

Rachel como um invólucro [housing], em que a participante se refugia dos medos que

emergem na co-existência com outrem e com o mundo (Fuchs, 2013, 2019b;

Stanghellini, 2019). Ter os remédios por perto se torna uma premissa básica implícita na

consciência de Rachel, que facilita sua habitação no mundo ao restringir suas

possibilidades de se projetar no horizonte experiencial.

Em nosso sétimo encontro clínico, Rachel retoma a questão dos medicamentos

devido à consulta com um dos novos médicos psiquiatras a assumir

provisoriamente um cargo no CAPS. Esse profissional modificou a medicação

da participante, retirando um fármaco e alterando a dosagem de outro.

Entretanto, Rachel não concordou com esta alteração. Sente pavor em mexer

nos remédios e fica ansiosa com essa possibilidade, pois se lembra da época em

que aumentaram a dose do clonazepam e passou a sentir uma sensação

constante de desmaio. Rachel toma psicofármacos há mais de 30 anos e,

segundo ela afirma, seu organismo “já está acostumado”. “Ele é médico e sabe
208

tudo, mas não sabe o que eu sinto”. Diferentemente dessa situação, em nosso

décimo quarto encontro clínico, Rachel contou sobre as últimas mudanças de

medicação da nova consulta psiquiátrica já com outro médico. Este aumentou a

dosagem da quetiapina, mas a participante ficou tranquila devido à confiança

que sentiu nesse profissional. “Ele me ouviu e senti que trabalhava com amor”.

Por fazer uso destes psicofármacos há mais de trinta anos, Rachel atribui a eles

lugar central em sua vida. A participante deposita nos medicamentos parte da confiança

no bom andamento de seu tratamento e em se sentir bem consigo mesma. A iminência

da mudança de medicação e dosagem confronta Rachel com um futuro incerto e

obscuro, impossível de ser vivido por carregar consigo a dor e o sofrimento que recorda

das crises passadas. É a antecipação de algo que ainda não ocorreu, vivida no instante

agora, sob a projeção de medo e ansiedade.

Como os medicamentos funcionam como uma suposta proteção, a iminência de

perdê-los marca uma situação-limite para Rachel. Esta noção, oriunda dos estudos de

Jaspers (1919/1967) e resgatada no contexto da fenomenológica clínica contemporânea

para discutir o adoecimento mental (Fuchs, 2013, 2019b; Stanghellini, 2019), aponta

para situações que interrompem o diálogo entre o Eu e a alteridade, pondo em risco a

existência humana. Sem os medicamentos, Rachel não sabe como viver no mundo por

se reconhecer em um estado de vulnerabilidade.

Nossa existência é sempre vulnerável, pois a abertura do devir proveniente do

fluxo de nossas experiências que se desvelam num horizonte temporal impede o total

fechamento de nós mesmo. Co-habitamos o mundo e outrem numa relação de alteridade

marcada pela temporalidade intersubjetiva (Fuchs, 2013, 2019b). Entretanto, ter


209

consciência desta co-existência pode significar entrar em contato com a invasão e a

vulnerabilidade (Stanghellini, 2019). Para Rachel, qualquer alteração em seus remédios,

mesmo que seja feita por um médico, significa ameaçar retirar o chão de seus pés.

5.2.4. Ansiedade e Angústia na solidão de Rachel

Pensamentos sobre a morte circundam os encontros clínicos com Rachel desde

o início. Percebo ser uma temática mobilizadora de ansiedade na participante,

pois Rachel, ao falar, fica inquieta, põe a mão sobre o peito e diz sentir-se

“agoniada”. Ao pedir que ela me descreva como é essa agonia, Rachel conta

“É uma pontada; como se meu peito fechasse e apertasse”. Diz que tem medo

de morrer e, ao pensar sobre a morte, sente-se ansiosa por não saber quando e

como morrerá. Além de não saber o que acontecerá consigo Rachel também se

preocupa em como ficará sua família sem os seus cuidados. Tais pensamentos a

atormentam e, ao entrar em contato com eles, Rachel sente-se ansiosa. Ontem,

Rachel disse que, além da ansiedade, teve uma “sensação de morte”. Ao

descrever tal sensação, a participante afirmou que era como se a morte

estivesse ali, ao seu lado, o que a apavorava. Contou que ficou sem saber o que

fazer como se estivesse paralisada. “Me senti congelada com uma angústia e um

peso”. No vivido de Rachel, isto se entrelaçava à sensação de solidão, pois os

filhos não a compreendiam e não conseguiam entender como é ter a morte ali,

ao lado. Rachel chora e conta que se sente aliviada em poder conversar. Acolho

seus sentimentos e Rachel encerra o encontro, justificando que o grupo de

musicoterapia irá iniciar [ainda faltavam 20 minutos].


210

Ao aproximar-se de inquietações sobre a morte, o medo e a ansiedade se

entrelaçam no mundo vivido de Rachel. Entretanto, a ansiedade e o medo possuem

distinções (May, 1950/1980; Pinto, 2006, 2017; Zevnik, 2017). Enquanto o medo

apresenta um objeto claro e distinguível – para Rachel, a realização de sua morte – a

ansiedade é difusa e impregna o vivido temporal da participante em relação à incerteza

do futuro.

A experiência de ansiedade de Rachel é vivida, como afirma Minkowski

(1933/1994), diante a incerteza do futuro. Ao entrar em contato, no instante agora, com

a sensação de não saber; não saber como seus familiares estarão e o que acontecerá

consigo mesma. Rachel experiencia a ansiedade e, com ela, um turbilhão de emoções,

pensamentos e etc.

Além de aproximações com o medo e a ansiedade, a questão da morte no mundo

vivido de Rachel traz à tona também um terceiro elemento, a saber: a angústia. Esta

aparece vinculada à solidão e ao vazio para a participante. Como discutido no terceiro

capítulo desta tese, a angústia é condição da existência humana e nos põe em contato

com a indeterminação de nossa existência frente ao nada e ao não-ser (Feijoo, 2011;

Boris & Barata, 2017). Mas distintamente da ansiedade, a qual é vivida como urgência e

aceleração, a angústia aparece para Rachel como peso que a enrijece.

Rachel, logo que acorda, busca por movimento. Arruma a casa, lava a louça e

organiza os afazeres domésticos. Busca se colocar em movimento, sentindo-se

inquieta e ansiosa, e procura coisas para fazer assim “não tem espaço para os

pensamentos ruins” aparecerem. Rachel dorme pouco e tem problemas de

insônia e afirma se sentir “ansiosa para o dia amanhecer logo”. Enquanto pela
211

manhã Rachel tem o ímpeto para ação, à medida que o dia vai se encerrando

sua energia vai se esgotando junto. Seu ímpeto diminui e Rachel diz que sente

“uma tristeza”. Não sabe explicar por que se sente assim à noite, mas percebo

que o fim do dia tem algo de opressor para ela. Rachel diz que sente medo da

noite, dá a sensação de que o dia está acabando. “É menos um dia!”. Ao ouvi-

la, escuto o sentido de que é a vida que está se findando. Nesses momentos,

Rachel diz sentir forte angústia, ao ponto de não conseguir dormir direito

quando está muito inquieta. “Eu fico me levantando a noite inteira”, e quando

se levanta olha o relógio na expectativa de que em breve amanheça.

No cenário contemporâneo, os termos ansiedade e angústia são inseridos no uso

coloquial e, por vezes, passam a descrever estados de humor similares e que podem se

alternar (López-Ibor & Zapino, 2019). A princípio, esse aspecto pode confundir o leitor

em relação ao mundo vivido de Rachel, que ora faz referência à ansiedade e ora à

angústia como vemos no relato acima. Entretanto, sinalizamos aqui algumas distinções

que emergem em relação à passagem das horas do dia.

A relação de Rachel com a passagem do dia nos sinaliza para uma mudança

gradual em seu funcionamento no mundo. Para além da concretude do decorrer do

tempo cronológico, sua significação dos turnos do dia se altera a medida que eles

mudam (Fuchs, 2007, 2001, 2014). Durante a manhã há ânimo, agitação e urgência em

viver, em cumprir seus afazeres. É um estado de inquietude vivido por Rachel como

ansiedade de o tempo correr mais rápido. Entretanto, é um vivido ambíguo, marcado

pela abertura à ação no mundo e, simultaneamente, esta abertura se configura como

fuga de contato de si mesma.


212

Enquanto a manhã é significada pela abertura a novas possibilidades, embora

elas não se realizem necessariamente, a noite representa a finitude, o vazio, o nada. Não

se trata aqui da morte concreta, mas de sua versão existencial (Kierkegaard, 1940/2016)

que lança Rachel na vertigem do abismo.

Como afirma López-Ibor e Zapino (2019), há um fundo mais agonizante na

angústia. Já a ansiedade pode ser diferenciada por meio de sentimentos de inquietação e

nervosismo (López-Ibor & Zapino, 2019). Ambos se apresentam no mundo vivido de

Rachel. De um lado ela se remete à angústia e ao vazio existencial à noite, antes de

dormir. E, ao descrever tal angústia, fala de sensações de inquietude, insônia e

expectativa pelo amanhecer do dia seguinte.

A angústia de Rachel se intensifica com o avançar dos encontros clínicos e, em

nosso décimo primeiro encontro, a participante narra que se sente “sozinha

mesmo com milhões de pessoas por perto”. Não sente vontade de ver, falar ou

encontrar com ninguém. Está magoada com as brigas com o filho e carrega a

sensação de não ser aceita. A agressividade que transbordava na semana

passada se diluiu e transformou-se em falta de ânimo e apatia. Rachel não sabe

mais quem é, parece confusa e tenta se encontrar. “Eu fico me olhando no

espelho, sem saber quem eu sou, o que eu sou”. É como se Rachel buscasse se

encontrar no espelho, mas em seu lugar se depara com o vazio e suas

incertezas. Nesse momento relatou sentir um “nó na garganta”, apontando para

essa parte do corpo. Era como se a angústia se materializasse em Rachel, que

movimentava as mãos em direção ao pescoço, como se houvesse algo preso ali,

entalando-a. Passou-me a sensação de sufocamento e a compartilhei com


213

Rachel, que confirmou sentir-se assim – sufocada. Nesse momento, Rachel fala

que sente vontade de morrer e acabar com tudo. Ao mesmo tempo, a

participante diz ter “muito medo da morte”. Pensar e falar sobre esse assunto

lhe causa medo, pois não sabe o que acontece depois. Apesar de afirmar que

tem medo de morrer, preocupo-me com as ideações suicidas de Rachel,

sobretudo por serem presentes em seu histórico clínico. A participante me diz

que não vai fazer nada, pois seu medo de morrer é maior que o desejo pelo fim

do sofrimento. De todo modo, eu acolhi sua angústia e ressaltei a importância

dela buscar rede de apoio nesses momentos como o CAPS, sua família e etc.

Para a participante não se trata apenas do medo do desconhecido, mas de um

medo de outra ordem, “é um vazio” (sic) que diz sobre a ausência de possibilidades de

si mesma experienciada no momento presente. Ao se olhar no espelho, Rachel não se

reconhece e perde a noção de quem é, pois a continuidade de seu horizonte de sentidos é

interrompida no fluxo do tempo.

Como assinala Fuchs (2003, 2005, 2010, 2011, 2014) há uma dessincronização

na vivência temporal, indicada pela interrupção na sincronia entre o tempo do mundo e

o tempo pessoal. Ao se olhar no espalho, Rachel se encontra com o desconhecido, uma

vez que a descontinuidade entre o que se foi (passado) e o que será (futuro) aparta-se do

que se é (agora). Há uma perda de continuidade temporal, vivida como perda de si, e

Rachel se torna uma estrangeira em si mesma.

No 13º encontro clínico com Rachel, a ideação suicida apareceu novamente. Ao

entrar na sala de atendimento, a participante andava lentamente. Sua fala era


214

tão baixa que no início eu não conseguia lhe ouvir; quase um sussurro.

Compartilhei com ela essa impressão, e Rachel, falando um pouco mais alto,

repetiu que em casa havia visto “um litro de álcool; ai me deu uma vontade de

jogar em cima de mim e tacar fogo”. A participante relatou apenas a vontade,

mas não chegou a fazê-lo. Nesse momento, compartilhei com Rachel uma

atitude empática como forma de acolher seus sentimentos diante a ideação

suicida e o peso que ela carregava. Menos envergonhada do assunto e dos

pensamentos, contou que “Deus me segurou, minha fé e força de vontade de

viver”. Rachel relatou um “cansaço de viver”, pois não tinha forças para se

movimentar; “quase não vinha hoje”. Aponto para a participante que apesar

disso ela veio ao CAPS, e Rachel contou que às vezes percebe duas forças

agindo sobre ela. “Uma me empurra para vir, e a outra me chama pra trás” e

ela se encontra no meio desse conflito sem saber o que fazer, sentindo-se nesses

momentos ansiosa. Apesar de não conseguir agir e se movimentar como

gostaria, percebendo-se mais lenta, Rachel disse que dentro de si há um

turbilhão. Não tem conseguido dormir com o “sono agoniado”, inquieto e

agitado. Nesse encontro, sua falta de ânimo se apresentava em todo o seu modo

de ser. A lentidão e a paralisação de Rachel era experienciada por mim

inclusive em relação à passagem do tempo, que senti correr mais devagar.

Nos três últimos encontros clínicos com Rachel a participante apresentava

diminuição em suas ideações suicidas e do “cansaço de viver”. Teve nova

consulta psiquiátrica com renovação de medicação e iniciou acompanhamento

em psicoterapia individual no CAPS. Continuava se queixando da ansiedade e

de “um aperto” no peito. Narrou que tem sentido isso ao sair de casa de ônibus;
215

“meus nervos travam”, pois “tenho medo de algo ruim acontecer”. Faz

referência à violência do mundo como assaltos, acidentes, etc. Quando sente

que “os nervos travam”, todo o seu corpo se enrijece e se tensiona. Rachel se

segurava nas barras, portas e janelas do ônibus na iminência de algo acontecer.

Em nosso último encontro, a participante trouxe a sensação de alívio em ter

alguém com quem falar e compartilhar suas angústias. “Vou sentir saudade

quando eu chegar aqui e não te ver”. Encerrei com a sensação de ter

contribuído não apenas para esta pesquisa, mas também na história de Rachel.

Ao descrever a experiência de sair de casa, Rachel faz referência à ansiedade.

Esta é descrita por meio de alterações corporais como tensão e enrijecimento diante um

mundo tido como ameaçador pelo cenário de violência que nos é imposto

cotidianamente. Isso é sabido pelos dados do Atlas da Violência 2019, que informa que

já atingimos um nível de violência endêmica nas principais capitais do Brasil tais como

Fortaleza (IPEA, 2019).

Nesse sentido, a ansiedade vivida por Rachel possui um atravessamento

mundano. Ela é constituída entrelaçada a este mundo factual, situado em meio a altos

índices de violência urbana, ao mesmo tempo em que Rachel constitui sua ansiedade

mediando os significados que constrói no âmago dessa relação.

Importante frisar que como seres engajados no mundo, não estamos fixados nele.

Há sempre uma abertura para novas possibilidades, uma vez que o momento presente

abre o tempo diante de nós em seu horizonte de sentido (Merleau-Ponty, 1945/2006).

Em tal abertura, o futuro – sempre incerto –, é antecipado por Rachel e arrastado ao

instante agora; já a ansiedade se desvela no tensionamento deste vivido temporal.


216

A urgência em falar e, por vezes, em agir no instante agora revelam esse

tensionamento. Tanto que é prevalente nos encontros com Rachel, bem como com

outros participantes desta pesquisa, relatos de sensações de alívio ao compartilharem

com alguém as experiências latentes que lhes inquietam. Nesse sentido, o encontro

clínico é um instrumento de pesquisa que, além de auxiliar na compreensão do mundo

vivido de cada participante, também pode ser terapêutico.

5.3. A “dor na alma” de Cecília vivida na paralisação do tempo

Não seja o de hoje.

Não suspires por ontens...

Não queiras ser o de amanhã.

Faz-te sem limites no tempo.

(Cecília Meireles)

5.3.1. Descrição do Caso Clínico

Cecília, terceira participante desta pesquisa, possui 50 anos de idade e iniciou

acompanhamento no CAPS Geral da SER III em 2009, quando ocorreu sua terceira

tentativa de suicídio. Após avaliação psiquiátrica, foi diagnosticada com transtorno

misto ansioso e depressivo (F. 41.2). Cecília também iniciou um processo de

psicoterapia individual no CAPS Geral da SER III e, aliado à medicação e a

participação nos grupos terapêuticos da instituição, seu quadro clínico foi melhorando.

No momento da realização desta pesquisa, a participante era acompanhada pelo serviço

de psiquiatria e participava do grupo de musicoterapia às sextas-feiras; dia em que

ocorreram nossos encontros clínicos, os quais somaram o total de 14.

Cecília é mãe de dois filhos, Ricardo e Joana, frutos de seu primeiro casamento.
217

Hoje trabalha como vendedora em uma feira de frutas com o atual companheiro, Edson.

O trabalho representa um lugar significativo na vida de Cecília, pois a participante se

sente útil, ativa e em movimento.

Cecília mora com Edson e com o seu filho mais velho, Ricardo. A filha mais

nova, Joana, é casada e reside com o marido e a filha de seis anos – neta de Cecília. A

relação da participante com o filho é bem conturbada, cheia de atritos, frustrações e

mágoas de ambas as partes. Cecília relata que Ricardo nunca aceitou a separação dos

pais e os conflitos com a mãe pioraram desde que o atual companheiro passou a morar

com eles.

A não de aceitação de Edson não acorria apenas por parte do filho de Cecília,

mas estava presente em toda a família da participante, sobretudo por sua mãe. Esta

queria que a participante permanecesse no casamento com o ex-marido por acreditar ser

essa a função da mulher, independente do comportamento do cônjuge. Cecília sentia-se

sozinha e sem ter a quem recorrer por ajuda, pois vivia um relacionamento abusivo e era

vítima de violência doméstica.

Cecília sofreu violência psicológica, física e sexual e sustentou essa relação ao

longo de vinte anos. Durante esse período, conviveu com crises de choro, medo e

pânico. No ápice do desespero, “devido às brigas em meu casamento”, Cecília tentou se

suicidar. Foram três tentativas em um único ano (2009).

A participante permaneceu cinco anos em psicoterapia individual no CAPS da

SER III e afirmou a importância desse processo para conseguir tomar a decisão de

deixar o marido e pedir o divórcio. Em 2015, Cecília apresentou novas ideações

suicidas e foi internada no CAPS 24h durante o período de uma semana. Nessa época,

as brigas com sua mãe, irmãs e filhos se intensificaram devido o início de seu
218

relacionamento com Edson. Desde então, as relações familiares de Cecília se tornaram

ainda mais desgastantes por eles não aceitarem seu companheiro. A participante não

entende essa incompreensão familiar, pois está com alguém que lhe faz bem e que cuida

dela. Diferente do que ocorria no casamento anterior.

5.3.2. Violência e vulnerabilidade no vivido de Cecília

Em nosso primeiro encontro clínico, Cecília dizia sentir uma ansiedade muito

forte, que lhe acompanhava constantemente durante quase toda a sua vida, e

relacionava esta ansiedade às situações de violência que experienciou no

primeiro casamento. “Já passei por todas as formas de abuso e violência que

uma mulher pode passar. Físico, sexual e psicológico”. Neste casamento, que

durou mais de 20 anos, Cecília sofreu muitas crises de choro, desespero, medo e

pânico. Tentou fugir várias vezes de casa, mas nunca conseguiu ter êxito. No

ápice do desespero, tentou se suicidar. Fez isso em três ocasiões distintas. Além

do abuso em si, em nosso segundo encontro clínico, Cecília falou sobre a falta

de compreensão das pessoas ao seu redor diante o sofrimento vivido na

violência doméstica. Os familiares justificavam as condutas do ex-marido e não

o viam como agressor. Certo dia, o ex-marido da participante chegou bêbado

em casa, gritando, quebrando os móveis e objetos. Bateu em Cecília e em seus

filhos, mas eles conseguiram fugir pela janela para a casa da vizinha onde

ficaram escondidos. Depois de alguns minutos, a participante sentiu cheiro de

gás vindo de sua casa e chamou a polícia. O ex-marido ia incendiar a

residência da família ao colocar todas as suas roupas da participante para

queimar no fogão. Esse foi um momento limite, em que Cecília, com a ajuda da
219

polícia, tirou o ex-marido de casa e deu entrada no divórcio. A participante

contou que ficou aterrorizada e em pânico diante esta situação vivida. O pavor

e a agonia foram tão intensos que renascem durante a sua fala e reverberam em

seu corpo com tremores nas mãos.

No mundo vivido de Cecília, a ansiedade e a violência caminham lado a lado, o

que nos leva a destacar que a ansiedade, assim como a depressão, é comumente

identificada no histórico de mulheres vítimas de violência doméstica (Bittar &

Kohlsdorf, 2017; Ribeiro, 2017). Para ilustrar essa questão, Zancan e Habigzang (2018)

apontam uma pesquisa realizada numa delegacia no estado do Ceará, em cuja amostra

de 100 mulheres vítimas de agressão e que prestaram queixa, foi encontrado que 78%

experienciava sintomas de ansiedade.

O fundo sob o qual estes dois elementos – ansiedade e violência – se

correlacionam é a condição de vulnerabilidade humana. Há uma conexão irredutível

entre violência e vulnerabilidade (Lawlor, 2018). Esta, por sua vez, “se refere ao fato de

que os seres humanos possuem um corpo que pode ser danificado” (Lawlor, 2018,

tradução livre, p. 01). Em outras palavras, a experiência vivida possui um traço de

passividade devido à porosidade do corpo próprio. Nunca estamos completamente

encerrados em nós mesmos, nem quando dormimos (Fuchs, 2019b; Lawlor, 2018). E

esta abertura, condição do devir da existência humana que se estende num horizonte

temporal, é o que nos lança [vulneráveis] sempre ao contato com Outrem e com o

mundo.

É precisamente nesse ponto que a vulnerabilidade habita o tempo, uma vez que

ela nos mostra a impossibilidade de nos enclausurarmos em nós mesmos. “A


220

vulnerabilidade, portanto, refere-se a essa não-fechadura temporal da experiência

humana” (Lawlor, 2018, tradução livre, p. 02). Isto significa que não temos a opção de

nos fechar ao que estar por vir (protensão) e, em face de uma experiência agressiva e

invasora, como vivida por Cecília, a ansiedade ganha forma sob a antecipação da

violência do ex-marido e o pânico da possibilidade de sua própria destruição.

Vale destacar, entretanto, que esta irredutível abertura e receptividade de afetar e

ser afetado desvela a vulnerabilidade em seu sentido ontológico. Mas a especificidade

do contexto de vulnerabilidade vivido por Cecília, atrelado a situação de violência

doméstica e às agressões do ex-marido, revelam também características específicas e

concretas de nosso mundo social e cultural, apontando para uma vulnerabilidade

situacional (Butler, 2004; Boublil, 2018). Esta distinção é apenas para apontar as

múltiplas facetas da vulnerabilidade humana e sua complexidade, mas são aspectos que

se cruzam e se atravessam na dinâmica do mundo vivido.

A ruptura com o ciclo da violência vivida por Cecília ocorre após a tentativa de

incêndio de sua casa por parte do ex-marido. Aqui se configura a vulnerabilidade

situacional da participante diante a agressão sofrida, ao mesmo tempo em que também

se revelam condições fundamentais de sua existência antes escondidas sob os

escombros do cotidiano, tais como a inevitabilidade da separação, a culpa e o abandono.

Como aponta Jaspers (1919/1969), tais contradições são nomeadas como

situação-limite, as quais nos empurram para uma consciência de nossa própria

vulnerabilidade existencial. O invólucro [housing] de proteção da existência de Cecília é

fraturado e situações cotidianas passam a ter o potencial de se tornarem situações-

limites quando há uma ruptura da estrutura fundamental de segurança e proteção do ser

(Perdigão, 2001; Fuchs, 2013; 2019b). A perda da ilusão desta solidez diante o
221

horizonte temporal do devir abre o caminho para a invasão das protensões e, com isso,

da ansiedade no vivido de medo, pânico e terror.

O ciclo de violência vivido por Cecília acontecia desde o início do casamento.

Pouco tempo após a união, a participante descobriu uma traição do ex-marido,

separou-se e, durante a separação, descobriu que estava grávida do filho mais

velho (Ricardo). Optou, então, em retomar a união, mas o ex-marido passou a

desconfiar da legitimidade de sua paternidade. Humilhava constantemente

Cecília, em momentos de raiva dizia que o filho não seu e a ameaçava verbal e

fisicamente. A participante sente-se culpada pela situação e afirma “Eu deveria

ter feito exame de DNA, assim não teria passado por tanta humilhação”. No

início da gestação chegou a se arrepender por estar grávida e, em alguns

momentos de raiva, esmurrou a própria barriga. Apesar de ter se arrependido, a

culpa não a liberta e marca sua relação com o filho, pois Cecília afirma sentir

que Ricardo sempre foi deixado de lado pelo pai. Conta que sempre tentou

compensar a ausência e distanciamento do ex-marido, mas nunca conseguiu e

vive hoje uma relação também distante com o filho (precária). “É como se

houvesse um grande muro entre nós dois”. Cecília se agarra com todas as suas

forças a qualquer fragmento, por menor que seja, de afeto do filho e teme o seu

abandono e desprezo. “Se ele sair de casa não precisará mais de mim e não se

importará comigo”. De certa forma a participante já retrata isso em suas falas,

mas seria uma concretização do abandono e da solidão. É nesse momento que a

ansiedade e a confusão de Cecília têm como pano de fundo o medo da perda e

do vazio deixado pelo filho.


222

A dúvida sobre a paternidade do filho de Cecília por parte de seu ex-marido

rondou o seu primeiro casamento desde a descoberta da gestação. A humilhação, o

desprezo e as ofensas sofridas deixaram marcas não apenas na participante, mas

também na relação construída entre ela e o filho. Não se tratou de uma violência física,

mas psicológica (Bittar & Kohlsdorf, 2017; Ribeiro, 2017; Zancan & Habigzang, 2018),

demarcando o estado de sua vulnerabilidade existencial. Esta, como assinala Fuchs

(2019b), pode ser compreendida em certa medida como o lado subjetivo da

sensibilidade humana diante a abertura da co-existência com outrem (Fuchs, 2013,

2019b).

Esta abertura inerente ao estado de vulnerabilidade existencial é marcada pela

presença de um tempo intersubjetivo (Fuchs, 2010), que constituí e é simultaneamente

constituinte do mundo vivido (Tatossian, 1979/2006) de Cecília. Tanto, que na

experiência da participante o passado retorna à consciência do agora pela lembrança

misturada ao desejo de refazer o que já foi com o teste de DNA para provar a

paternidade do filho. Esta, como assinala Lawlor (2018), é uma das reações possíveis à

abertura inerente à vulnerabilidade, em que se tenta negá-la e negar à violência de

outrem ao se encerrar em si mesmo na inevitabilidade do passado.

Entretanto, reside aí uma contradição inerente ao movimento próprio da

experiência do tempo, pois a memória do passado (comum, idêntica e universal) que

Cecília tenta apagar está em relação direta com a abertura ao futuro (diferença,

singularidade e unicidade). O arco temporal que põe em trânsito passado, presente e

futuro numa unidade indivisa é a própria abertura de uma existência sempre vulnerável,

que tenta se proteger fechando-se no passado ou antecipando o futuro e, com isso,


223

experienciando a ansiedade.

Em nosso quinto encontro clínico, Cecília aparentava estar distante de um

vivido ansioso. Ao contrário da aceleração característica da ansiedade, a

participante retratou uma perda de motivação; uma falta de vontade para

realizar suas atividades rotineiras. “Sinto-me regredindo, por que não tenho

vontade de fazer nada”. Cecília encontrava-se sem forças, sem energias. Seu

único desejo é ficar sozinha e dormir. Nessa condição, a participante relatou um

esforço gigantesco para sair de casa e ir ao CAPS. Ao mesmo tempo em que

Cecília reconhece a dificuldade de sair de casa, sabe que não pode correr o

risco de ficar sem acompanhamento e teme perder sua vaga no CAPS. Além da

busca por se anestesiar, percebo em Cecília também uma tentativa de luta

contra isso em diversos momentos. “Fico melhor quando conto essas coisas pra

quem eu tenho confiança. Por que tenho confiança em você”. Ao se permitir

falar e compartilhar em um ambiente seguro seus medos e suas fragilidades,

Cecília sente-se mais aliviada e com a sensação de não estar sozinha.

5.3.3. Tempo, ansiedade e vulnerabilidade na relação com Outrem

Na primeira “crise de nervos” que experienciou, logo após uma briga com o ex-

marido, Cecília pegou um ônibus e foi sozinha ao hospital mental de Messejana.

“O que eu senti não era normal; tinha a sensação de estar ficando louca”. A

fala de Cecília ressoa com amargura e ressentimento, pois sua mãe não

percebeu nada e, quando soube, tratou como bobagem. Percebo o vazio e a

solidão de Cecília quando fala de sua mãe. Além da mãe, o relacionamento da


224

participante com o filho também é cheio de conflitos, o que a faz sentir uma

“dor na alma”. Cecília descreveu sua frustração por nunca ser aceita pela

família. “Tudo o que faço é visto como errado. Estou cansada! (chora)”. Nesse

tensionamento, Cecília vive com medo. Teme a não aceitação, o que irão pensar

e o que pode acontecer. Ao falar, percebo que suas mãos estão trêmulas e

Cecília as aperta constantemente. Pergunto como ela está se sentindo e Cecília

diz que sente algo ruim. Não consegue me descrever o que é o “algo ruim”, mas

a percebo agitada, acelerada em seus movimentos gestuais e inquieta.

A crise descrita por Cecília funcionou como um ponto de ruptura, em que a

participante se viu no limiar entre a loucura e a normalidade. Diante esta situação,

Cecília percebeu-se sozinha, sem suporte e apoio. De um lado, tinha o ex-marido como

figura de agressão e abuso; de outro, encontrava a indiferença da mãe frente a seus

problemas e questões. O grito de Cecília por ajuda ressoou em silêncio aos ouvidos de

quem lhe cercava e a participante se deparou com o abandono de outrem.

O lugar de outrem, no vivido de Cecília é idealizado na figura de uma mãe

calorosa e de um filho comunicativo e afetuoso. Idealização essa que aponta para o

fluxo da experiência temporal como dado do engajamento da participante no mundo,

uma vez que a relação dialética Eu/Outro, no contexto de uma fenomenologia da

ambiguidade, faz referência a uma co-existência, uma co-habitação da alteridade na

intersubjetividade (Tatossian, 1994; Merleau-Ponty, 1945/2006).

Em outras palavras, ser no mundo significa ser com outrem diante a abertura do

fluxo experiencial que só é possível em face do tempo. Não há uma separação concisa

entre a participante e seus familiares, como subjetividades encapsuladas que existem


225

independentemente umas das outras. Cecília projeta na família a si mesma e retém deles

os significados de sua própria existência, criando a expectativa de um único futuro, a

saber: a aceitação.

É importante destacar a dificuldade inicial da participante em descrever suas

sensações, percepções e sentimentos como ilustrado ao final do relato descritivo. A

ansiedade, presente em seus gestos, movimentos e mãos trêmulas não consegue ser

expressa verbalmente pela participante. Entretanto, a alteração do fluxo do tempo se faz

presente também nas alterações dos ritmos corporificados (Fuchs, 2003, 2010; Aho,

2020) de Cecília e reverbera no entrelaçamento de seu mundo vivido com o da

pesquisadora durante o encontro clínico.

Cecília vive hoje um relacionamento diferente e sente que pode contar com o

atual companheiro. “Ele é alguém que me ajuda quando preciso e que está

sempre ali para mim”. Entretanto, a convivência entre Edson, o filho Ricardo e

a participante é conflituosa. Ricardo trabalha, mas não ajuda com as despesas e

os afazeres da casa. “Ele não se responsabiliza com nada, nem com as próprias

roupas. Tem tudo de mão beijada”. Ao mesmo tempo em que Cecília reclama da

situação, alimenta o comportamento do filho na tentativa de conquistá-lo e vive

uma profunda dor quando não é retribuída em afeto. “É uma dor na minha

alma”. Edson se queixa, reclama de Ricardo e cobra que Cecília se posicione. A

participante dá razão ao companheiro, mas sente-se profundamente dividida.

“É como se eu tivesse que escolher entre ele e o meu filho”. Está confusa,

angustiada e não sabe o que fazer. Esse ciclo retroalimenta cada vez mais o

conflito familiar e a ansiedade de Cecília em tentar resolver a situação. A


226

solução que a família encontrou para resolver este dilema foi dividir a casa em

suas e deixar uma das residências com Ricardo. Mas Cecília, ao falar sobre

esse projeto, desmorona em ansiedade. A participante carrega uma sensação

constante de ter que escolher entre o companheiro e o filho, o que a assombra e

a deixa ansiosa. Diz que esse é o seu grande problema. Ao tirar o filho de casa,

Cecília sente que está escolhendo o companheiro. Mas se não fizer isso, estaria

escolhendo o filho. Ao narrar sua vivência, e o conflito paradoxal em que

sempre recai, Cecília traz sua ansiedade e a descreve como algo que se

amplifica nesses momentos. Ao pedir que a participante a descreva, ela conta

"Eu não sei explicar. Só sabe como é quem passa por isso. É rápido como um

tiro. Você só pensa em fazer algo logo".

A “dor na alma” de Cecília tem como pano de fundo o horizonte do tempo que

sustenta a relação da participante com outrem e com o mundo. Uma vez que a existência

humana se constitui na projeção das possibilidades que vislumbramos para nós mesmos

no horizonte do tempo (Merleau-Ponty, 1945/2006; Tatossian, 1979/2006; Fuchs, 2010;

Aho, 2020), o agora para a participante é restrito diante uma única possibilidade

relacional, a saber: evitar o abandono e a solidão ao tentar resgatar o afeto do filho sem

perder o do atual companheiro. O futuro, constrito, impede o livre desabrochar da

participante no agora, que experiencia a ansiedade paralisante em suas relações com

outrem, consigo mesma e com o mundo.

Há uma alteração no fluxo da experiência de Cecília no horizonte do tempo, a

qual desvela uma relação precária na dialética Eu/Outrem. No campo fenomenológico, a

precariedade não é definida apenas como uma ausência ou miséria, mas é “a privação
227

dolorosamente sentida de uma identidade adequada e honrada para aqueles que sentem

vergonha, descrédito, anonimato e que lutam para existir mais por si do que para os

outros” (Dastur, 2018, tradução livre, p. 07). É um estado de incertezas, insatisfações e

busca vã por apoio nas relações de co-existência e, na impossibilidade de construção de

vínculos mais fortes o mundo precário de Cecília entra em colapso (Fuchs, 2013;

2019b; Dastur, 2018).

O mundo vivido da participante encontra-se contraído, uma vez que há um

prejuízo na dialética da relação Eu/Outrem. Como afirma Tatossian (1994), “não há

expectativa de intersubjetividade sem afetar a subjetividade” (p. 291). Nesta afetação

intersubjetiva, o vivido de abandono, solidão, vergonha e culpa se entrelaçam ao vazio

afetivo (Aho, 2020) de Cecília e exacerbam ainda mais a sua ansiedade.

Para a participante, a sua grande questão na vida é a impossibilidade da escolha

entre o filho e o atual companheiro. Esta escolha revela as contradições da existência de

Cecília e também se configura como uma situação-limite, a qual aponta para um status

nascendi do mundo vivido (psico)patológico (Jaspers, 1919/1969; Fuchs, 2013, 2019b).

Em geral, construímos premissas básicas que habitam nossa consciência de

forma implícita e servem para nos dar conforto, segurança e facilitar a nossa habitação

no mundo. Elas nos confortam com a [ilusória] sensação de proteção e defesa, tais como

valores, significados e etc., que construímos na relação com outrem e com o mundo

(Jaspers, 1919/1969; Perdigão, 2001; Fuchs, 2013, 2019b).

No caso de Cecília, uma das significações básicas de seu funcionamento

existencial é situada na ideia de “Se eu fizer tudo por meu filho, ele me retribuirá com

afeto e proximidade”. Entretanto, os próprios impasses da vida cotidiana e de seu

relacionamento com Edson põem essa premissa em questão, dissolvendo o seu


228

invólucro [housing] existencial e a pondo em contato direto com a ausência de proteção

diante o abandono, a solidão e a culpa em uma condição de vulnerabilidade existencial.

Diante esta perda de proteção a ansiedade se desvela como experiência vivida no

tensionamento da perda de fluidez no horizonte temporal de Cecília.

Com a decisão da divisão da casa, a expectativa de Cecília se voltou para o

início da obra. Desde então a participante tem se queixado cada vez mais de

ansiedade e sua inquietação reverbera em nossos encontros clínicos. Percebo-a

em seu modo de falar, cada vez mais acelerado, no tensionamento de seu corpo

e na agonia de seu sofrimento. Inicialmente, a participante atribui a ansiedade a

não conseguir conversar com o filho sobre a decisão de divisão das casas. Quer

que ele seja independente, mas não quer mandá-lo embora. Cecília também

sofre ao imaginar a reação de sua família (mãe e irmãs), pois sabe que será

criticada, o que aumenta sua tensão. Em seguida, relaciona a ansiedade ao

medo do filho morar sozinho. “Será que ele vai se alimentar direito? E se ele

ficar doente? Eu não vou saber por que ele não me conta nada”. Mas à medida

que nossos encontros acontecem, o mundo vivido de Cecília vai clarificando

para mim e percebo que sua ansiedade recai por outros lugares. Além da perda,

Cecília teme mudanças. “Gosto das coisas estáveis, sempre do mesmo jeito”. A

expectativa do que virá por não saber precisamente o que será e como irá

vivenciá-lo a deixa na defensiva. Logo aparece a apatia, e a agonia da

ansiedade dá lugar à perda de vivacidade. Mais do que o medo do filho ficar só,

a agonia de Cecília diz sobre sua própria solidão. Entretanto, ao descrever sua

ansiedade Cecília conta que tem tudo a ver com essa reforma, pois "é uma
229

reforma na minha casa e na minha vida”. Quando passar a reforma, "vou

rebolar meu filho pra fora; pra casa dele".

A ansiedade vivida por Cecília, e retratada no encontro clínico descrito acima,

não apresenta um único gatilho ou disparador. Como aponta Zevnik (2017), a ansiedade

“sugere a experiência de algo mais poroso, líquido, não identificável, desconhecido e

talvez até ausente” (p. 236). Para Cecília, a ansiedade alterna entre diversos elementos,

não se fixando em um ou outro objeto, pois não diz respeito apenas à situação manifesta

e sim ao seu mundo vivido (Moreira, 2014).

Este se configura mediante alterações no vivido temporal cada vez mais

acelerado, tensionando o instante agora diante à expectativa do futuro. Do ponto de

vista pessoal e singular, a ansiedade pode ser descrita como “uma experiência de

inquietação ou incerteza sobre o futuro ou a incapacidade de lidar com o cotidiano

social” (Zevnik, 2017, tradução livre, p. 236). À primeira vista este movimento se

evidencia no vivido de Cecília pela falta de confiança no futuro, o qual é antecipado

diante a expectativa misturada ao medo do filho não conseguir se cuidar da forma como

a participante gostaria. Mas à medida que os encontros clínicos transcorrem, o mundo

vivido de Cecília, antes desconhecido e alheio, vai tornando-se mais compreensível e

familiar, o que nos permite uma maior proximidade com o seu modo de funcionamento.

Nos primeiro encontros, a participante associava a ansiedade diretamente a

motivos específicos. “Estou ansiosa por que briguei com meu filho”; “Estou ansiosa por

que a mudança vai iniciar”, etc., sendo estes os elementos que primeiramente apareciam

no contato entre a participante e a pesquisadora. Mas ao caminhar de mãos dadas

(Moreira, 2004; 2009; 2013; 2014; 2016) no mundo vivido de Cecília, percebemos
230

durante os encontros clínicos que sua falta de confiança no futuro reflete algo anterior,

mais basal e fundamental à constituição da existência humana, a saber: perda de

confiança no mundo e em Outrem.

Num sentido fenomenológico, esta noção faz referência a um distanciamento na

comunicação vital Eu/Outrem/Mundo. O fundo de constituição basal de nosso mundo

vivido perde a solidez, desvelando em Cecília um vazio existencial (Tatossian, 1977,

1978, 1979/2006, 1981). Esta é uma característica do modo de funcionamento no

mundo vivido depressivo, o que corrobora com o diagnóstico inicial da participante, a

saber: transtorno misto do tipo ansioso e depressivo (F. 41.2). Aqui percebemos,

novamente10, uma aproximação entre a ansiedade e a depressão, pois a co-ocorrência

destas duas condições “significa que a aceleração [ansiedade] e a retardação [depressão]

temporal podem ocorrer simultaneamente no mesmo indivíduo” (Aho, 2020, tradução

livre, p. 262) como duas faces de uma mesma moeda.

No mundo vivido (psico)patológico de Cecília há uma espécie de reversibilidade

entre a experiência depressiva e a ansiosa, ou seja, estas experiências se movimentam e

Cecília transita entre elas. Isto é possível pois há um eixo comum, que se sustenta na

perda de confiança na relação com o mundo e com Outrem, tornando-os estranhos e

ameaçadores. Como assinala Tatossian (1977/2016), “é porque esta confiança lhe falta

que o depressivo é incapaz de mudar” (p. 35). É nesse sentido que qualquer perspectiva

de mudança, diante o horizonte de possibilidades do porvir, é vivido por Cecília como

ameaça, temor e se desdobra num vivido de ansiedade.

Cecília lida com uma relação frustrada com o filho, que não se comunica com

10
Referência ao segundo de estudo de caso fenomenológico desta tese, em que a co-relação entre
depressão e ansiedade também foi apresentada e discutida.
231

ela. Passa o dia isolado no quarto, só sai para comer, não conversa e não se

preocupa em saber com ela está. “É como conviver com um estranho, mas ele é

meu filho”. Ao mesmo tempo em que diz que eh o jeito dele, gostaria de fazer

mais, fazer algo para mudar essa relação. Há um sentimento de impotência e de

frustração, e Cecília não sabe lidar com eles. A dificuldade de convivência gera

incômodo para toda a família, inclusive para o marido de Cecília (padrasto de

seu filho). Ao vê-la sofrer, o marido toma suas dores e confronta o filho, o que

gera brigas e conflitos ao ponto de ficar insustentável a relação de todos na

mesma casa. Percebo que Cecília sente um peso insuportável ao ficar entre os

dois. “Tenho que escolher entre eles”. Escuto o verbo “ter” ser dito com muito

peso, uma obrigação que não deveria estar ali, e devolvo isto para a

participante. Cecília pausa, silencia sua fala e, após alguns instantes, responde

que não quer fazer essa escolha, pois quer dividir o amor entre ambos e não

optar por um deles. Sente que não é justo para ela estar desse jeito e se culpa

por se sentir assim. Nesses momentos, sente vontade em acabar inclusive com a

própria vida.

Para Cecília, o futuro se desvela por meio de uma única possibilidade, a saber: a

escolha entre o atual companheiro e o filho. Assumir o lugar dessa escolha significa

sustentar uma perda impossível para a participante. Vale destacar que não é a perda da

pessoa concreta o que está em questão, uma vez que Cecília deposita em Outrem [mãe,

marido, filho, etc.] a confiança que lhe falta. Como destaca Tatossian (1977/2016), ao

não esperar muita coisa de si, Cecília “não pode mais do que esperar muito de outrem,

de quem ela tenta obter aprovação e amor” (p. 35). É uma espécie de estratégia de
232

substituição da confiança primitiva que lhe falta ao projetá-la no Outro.

No mundo vivido de Cecília, o futuro não se perde completamente, mas se

congela em uma única possibilidade, a qual invade o seu presente e o acelera. A

participante permanece tomada pela dúvida e sua ansiedade de traduz na alternância

dessa dualidade, sem poder realizar nenhuma das duas opções. Nesse sentido, a

experiência (psico)patológica da participante se dá por meio do prejuízo na

temporalização de sua consciência em decorrência do encurtamento do horizonte do

porvir (Burgese & Ceron-Litvoc, 2015; Aho, 2020).

5.3.4. A “carne do tempo” na ansiedade de Cecília

Ao longo de nossos encontros clínicos, e neste não foi diferente, a ansiedade

tomou conta da participante, transparecendo em suas mãos. Como no encontro

anterior, noto seu tremor além de movimentos constantes em apertar as mãos. É

como se Cecília estivesse se segurando em si mesma, repetidamente, para não

cair. Ao me descrever isto, Cecília fala da ausência de suporte em sua vida e de

sua solidão, pois ninguém a compreende. Não tem espaço em nenhum lugar

para conversar sobre essas questões, e se sente grata em poder falar comigo.

Solidão e ansiedade são os pontos centrais da fala de Cecília. Por não ter com

quem compartilhar, percebe uma sobrecarga em si mesma. Algo a aperta, a

angustia, uma espécie de sufocamento, que vira um desespero, uma ânsia por

algo que não sabe o que é. “Eu vou enchendo e enchendo até explodir”, e

Cecília sente isso, sobretudo em seu corpo. Às vezes pensa em morrer, mas hoje

se contenta em dormir. Dorme muito para não lidar com seus problemas, para

não se sentir triste, angustiada e ansiosa, pois é difícil lidar com o peso de tais
233

questões. “Nada existe quando durmo”. A iminência da mudança, sobretudo

quando lembra a reforma da casa, faz Cecília se sentir ansiosa, nervosa e

inquieta. Ao me descrever sobre esta ansiedade, Cecília fala se algumas

sensações corporais, tais como gastura, náusea, tremores e insônia. Este último

acontece com a invasão de pensamentos que a cercam, eles [pensamentos]

tomam de conta e a participante não consegue relaxar e dormir. Fica em estado

de alerta.

Ao longo dos encontros clínicos com Cecília, ficou presente que a

temporalização de seu mundo vivido transbordava em suas experiências corporais. Nos

momentos de ansiedade, seu corpo, seus gestos e seus movimentos se aceleravam e se

tornavam quase que visíveis para nós. Esse é um dado curioso, pois o tempo não possui

materialidade em si mesmo. Ele é um fenômeno perceptivo que se mostra no

entrelaçamento da relação e, aqui, esta foi vivida na dinâmica do encontro clínico com

Cecília.

Participante, pesquisadora e mundo se implicam mutuamente devido ao tempo,

que impõe uma abertura experiencial e histórica. Na fenomenologia da ambiguidade de

Merleau-Ponty (1964/2014), encontramos a descrição desta co-existência por meio da

noção metafórica de carne, que nos entranha ao mundo e nos funde a ele uma vez que a

percepção nasce no corpo. É nesse sentido que o tecido da experiência vivida no

entrelaçamento do encontro clínico se configura como essa “carne do tempo” da qual

Merleau-Ponty (1964/2014, p. 111) nos fala. Carne e tempo são fenômenos coesos, que

dão textura e representam o estofo de nossas experiências no mundo. Invisível em seu

traço de materialidade, a experiência do tempo se torna visível para nós nos encontros
234

clínicos devido a sua coesão corporal encarnada na aceleração do tempo e do corpo de

Cecília.

Vale destacar que a tentativa da participante de aliviar tais opressões vividas na

ansiedade ocorre pela forma do sono. Dormir torna-se seu meio de escape; condição

esta que desliga ou apaga provisoriamente a transitoriedade do tempo e o sofrimento

encarnado em seu ser pelo distanciamento consciente e refletido de suas percepções de

outrem, do mundo e de si mesma.

Em nosso nono encontro clínico, Cecília trouxe que se sentiu ansiosa durante

toda a semana. Seja no trabalho ou em casa, a ansiedade lhe rondava e, ao

descrever como percebia isto, Cecília traz as sensações corporais como ponto

de identificação da ansiedade, tais como as mãos trêmulas, o coração

acelerado, uma forte tensão, sobretudo nos ombros, e às vezes, dificuldade em

respirar. No último domingo, comemorou-se o dia das mães, mas seu filho a

ignorou. Ao lembrar-se da situação, os tremores e a sensação de suor frio

reaparecem durante o encontro clínico. É como se a agonia de Cecília se

tornasse visível para mim, não por meio de sua fala, mas de seu corpo, o que me

auxiliou a compreender empaticamente o seu mundo vivido. O dia das mães e o

seu aniversário aconteceram em datas bem próximas esse ano e, a ausência de

demonstração de afeto e carinho por parte do filho evidenciou para a

participante o distanciamento da relação de ambos. “Essas datas lembram a

família e me deixam ansiosa”. Ao narrar essa frase, noto que Cecília se

encontra aprisionada não apenas em sua vida, mas também em seu corpo. No

encontro seguinte, Cecília fala de sua sensação de aprisionamento diante a


235

impossibilidade da escolha entre o marido e o filho. Percebo um movimento em

suas mãos, que se apalpam e apertam num gesto circular. Esse movimento se

intensifica quando Cecília fala do sentimento de prisão, ela aparenta se apertar

com mais força, como se seus músculos das mãos contraíssem. Comunico esta

percepção para Cecília, e aponto que ela parece literalmente presa em suas

mãos. Cecília olha para as mãos e concorda com a cabeça.

A ansiedade vivida por Cecília é encarnada em sua corporeidade,

temporalizando seu corpo por meio de tremores nas mãos, aceleração cardíaca, dentre

outros. Isto se dá, pois o “corpo é um ‘corpo de ressonância’, uma caixa de ressonância

mais sensível na qual as ‘vibrações’ interpessoais e outras reverberam constantemente”

(Fuchs, 2014, tradução livre, p. 223). No corpo de Cecília ressoam as frustrações do

distanciamento do filho, a impossibilidade da escolha que demarca a mudança na

estrutura familiar, o aprisionamento de suas experiências na aceleração do tempo vivido

e o contato, no instante agora, com tais questões compartilhadas ao longo dos encontros

clínicos.

Vale destacar que nos encontros clínicos a intercorporeidade ganhou espaço,

sobretudo em relação a expressão temporal da ansiedade de Cecília. Como afirma Fuchs

(2014), “nosso corpo é afetado pela expressão do outro e experimentamos a cinética,

intensidade e momento de suas emoções através de nossa própria cinestesia e sensação

corporal. Assim, a intercorporeidade é a base essencial da empatia”. (tradução livre, p.

223). Na qualidade de pesquisadores e clínicos também somos atravessados pelo outro,

por seus gestos e movimentos, os quais ressoam em nossa própria corporeidade

encarnada e nos lança à compreensão do mundo vivido.


236

Como carne do mundo e do tempo (Merleau-Ponty, 1964/2014), Cecília não

vive a ansiedade apenas internamente. Esta atravessa o seu ser, suas relações com a

família, consigo mesma, com o trabalho e também durante o próprio encontro clínico, o

que só é possível por que Cecília não está sob o tempo, mas é o tempo no estofo e na

textura de sua carnalidade (Merleau-Ponty, 1964/2014). No relato acima, percebemos

que as mãos de Cecília aparecem como o reflexo de suas angústias, seus medos e suas

frustrações, que reverberam, ressoam em seu corpo. Ao se sentir aprisionada e sem

conseguir agir sobre a vida e tomar uma decisão em relação a sua família, Cecília age

sobre o próprio corpo sem se dar conta que o faz.

5.3.5. A (res)sincronização do tempo no mundo vivido de Cecília

Desde o início dos encontros clínicos, Cecília conta sobre a importância do

CAPS da SER III em sua vida. “É um dos únicos momentos em que eu realmente

me sinto relaxada”. Cecília gosta muito do grupo de música, pois se sente

acolhida pelos profissionais e usuários do equipamento de saúde mental e

consegue se distanciar dos conflitos familiares. “Aqui eu esqueço os

problemas”. Nesse momento, ouvimos na sala de atendimento as batidas e a

cantoria da sala ao lado, sinalizando que o grupo de música se iniciava. Cecília

olha para o relógio e diz ter pedido a noção do tempo. “Passou tão rápido

hoje!”. Antes de sair da sala, compartilha comigo que também se sente aliviada

quando conversarmos. “Falar a ajuda. Jogo pra fora essas coisas ruins que

carrego; me sinto mais aliviada, menos ansiosa”.

Cecília carrega consigo sentimentos de gratidão e carinho pelo CAPS e pelos


237

profissionais que a acompanham neste equipamento de saúde mental, pois é o lugar em

que consegue compartilhar o peso de seu sofrimento, sentir-se acolhida e um pouco

mais leve em relação às vicissitudes da vida.

No mundo vivido de Cecília, a ansiedade caracteriza-se por meio da

dessincronização do tempo vivido – ou implícito, uma vez que a aceleração

característica do seu horizonte temporal e encarnada em sua corporeidade se desvela

quando as protensões (direcionamento intencional rumo ao futuro) de sua consciência

invadem as retenções (direcionamento intencional rumo ao passado). Em outras

palavras, a unidade temporal básica que constitui nossa consciência presente, como

apresentado inicialmente por Husserl (1928/1994) e complementado por Merleau-Ponty

(1945/2006), perde sua sincronia e o porvir invade o agora, ocupando todo o seu espaço.

Sem a unidade desta síntese intencional, a aceleração característica da ansiedade

(Aho, 2020), e também inerente ao mundo vivido de Cecília, se configura no

aprisionamento a um mundo de preocupações e projeções – “e se?” (Aho, 2020). As

inquietações do futuro que se impõe sobre a participante a paralisa diante o peso vivido

na perda de movimento e sincronicidade, pois sua experiência imediata é habitada pela

invasão do futuro.

Entretanto, como ilustrado no relato descritivo acima, durante o encontro clínico,

Cecília reabre o seu horizonte temporal no processo de fala/escuta. A participante

mergulha em si mesma no contato com a pesquisadora e tem a sensação de que o tempo

passou mais rápido. É uma experiência temporal que se distancia da reflexão e a

consciência perceptiva de Cecília não se dá conta da transitoriedade do tempo. Como

assinala Fuchs (2005, 2010, 2014) ocorre uma espécie de sincronização plena, em que

passado e futuro não se distinguem no agora. Nesse breve momento, atravessado pela
238

intersubjetividade do campo de escuta no encontro clínico, não houve experiência de

invasão do porvir no mundo vivido de Cecília.

No encontro clínico seguinte, Cecília trouxe que tem acordado muito ansiosa e

angustiada, com muitos pensamentos (embora ela não tenha explicado quais)

que a invadem, mas à medida que o dia vai passando ela encontra outras coisas

para fazer e essa agonia diminui um pouco. Nesse momento traz novamente o

CAPS e o grupo de música. Cecília diz que é difícil sentir o que sente, mas que o

grupo de música a ajuda. Ela se sente mais relaxada quando canta e pode,

naquele momento, vivenciar algo diferente. Ao descrever como se sente durante

os encontros do grupo de musicoterapia, Cecília conta que quando canta no

grupo, libera todas as tensões e descarrega o peso que vive, sentindo-se menos

ansiosa e mais aliviada. "Ás vezes essa agonia quer voltar, mas eu foco aqui no

que eu estou fazendo agora e passa".

O prejuízo da conscientização do presente no vivido (psico)patológico da

ansiedade de Cecília, como discutido anteriormente, ocorre atravessado pela perda de

continuidade da unidade temporal. Esta, como discutida por Fuchs (2010), é a primeira

forma de manifestação das alterações do tempo vivido – ou implícito. Há ainda uma

segunda, a qual é denominada de momento conativo-afetivo e se vincula a uma espécie

de energia que direciona todo indivíduo à ação e ao movimento, pois é o fundamento de

nossa espontaneidade, atenção e orientação afetiva.

Durante o grupo de musicoterapia, Cecília experiencia um redirecionamento

deste segundo aspecto do tempo vivido – ou implícito. Em geral, a participante


239

permanece inibida diante a aceleração do tempo vivido e paralisada por medos,

incertezas e expectativas do futuro, mas ao cantar consegue se reconectar com este fluxo

conativo-afetivo e reorientar sua dinâmica temporal.

Estudos apontam (Conceição, Almeida, Oliveira & Ribeiro, 2020; Ribeiro &

Biffi, 2020) que a musicoterapia tem sido um recurso amplamente utilizado nos serviços

de saúde mental, pois a música tende a aproximar as pessoas e promover diversas

sensações. É uma proposta terapêutica que se utiliza da criatividade e do

autoconhecimento, os quais ressoam na movimentação e na execução musical, e

auxiliam no desenvolvimento de habilidades interpessoais além de reduzir a ansiedade.

A música, como apontado por Husserl (1928/1994), é um fenômeno temporal,

pois possui duração em si mesma. Para acompanharmos as melodias, nossa consciência

retém resquícios do que acabamos de ouvir (retenção) e antecipa indícios do som que

ainda virá (protensão). Ao se conectar com a música, experienciando-a intimamente no

momento presente, Cecília retorna a este ponto de integração do arco intencional de sua

temporalidade intersubjetiva. A participante canta suas dores, seus sofrimentos e sua

ansiedade e, neste momento, a imediaticidade da experiência é vivida, por meio da

música, na síntese passiva da sincronia temporal que desacelera sua existência.


240

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer desta tese, buscamos construir uma fenomenologia clínica do tempo

vivido na ansiedade em distintos modos de funcionamento. Durante o percurso da

pesquisa de campo, entramos em contato com os vividos depressivo e esquizofrênico

nos mundos vividos (psico)patológicos de Clarice, Rachel e Cecília, as três participantes

que deram vida a esta tese.

Encontramos no tempo vivido o eixo para a compreensão da ansiedade, uma vez

que ele é experienciado de forma pré-reflexiva mediante a intersubjetividade da relação

eu-outrem-mundo. Em suas alterações, encontramos a condição de possibilidade para a

ansiedade. Os encontros clínicos, como instrumento metodológico e de acesso ao

vivido, permitiram a compreensão da relação de implicação entre participantes,

pesquisadora e mundo por meio de uma co-experiência compartilhada. Assim,

assumimos uma lente crítica, sustentada na fenomenologia filosófica de Merleau-Ponty,

como forma de compreendermos este entrelaçamento em relação ao tempo vivido na

ansiedade. Para isto, retornamos aos fundamentos da gênese de constituição da

experiência de adoecer na ansiedade de Clarice, Rachel e Cecília ao assumirmos um

posicionamento que repousa na ambiguidade da relação sujeito e mundo tendo como

base o Lebenswelt.

A temporalização dos mundos vividos das participantes na ansiedade se tornou

visível para nós por meio da corporificação da ansiedade encarnada na aceleração do

tempo. Este fenômeno, sem materialidade e concretude em si mesmo, se mostrava nos

encontros clínicos com a pesquisadora por meio das alterações rítmicas nos gestos, nos

movimentos e nas falas das participantes. A alteração da velocidade das palavras que
241

fluíam sem sentido e direção de Clarice, a ânsia por movimento em “correr o mundo” de

Rachel e os tremores e tensionamentos das mãos de Cecília são marcas de um tempo

encarnado que ressoam na dinâmica do corpo próprio o sofrimento de suas experiências

de adoecer na ansiedade.

É importante destacarmos que a fenomenologia clínica dedicou pouca atenção à

questão da ansiedade, seja em sua vertente clássica no campo da psicopatologia

fenomenológica ou em seu eixo contemporâneo. Supomos que isto se deu por duas

questões principais. A primeira relaciona-se à priorização de estudos sobre as psicoses

devido aos traços de incompreensibilidade psicológica deste fenômeno patológico.

Diante o exposto, os estudos sobre a ansiedade nesta tese, embora inseridos em distintos

modos de funcionamentos patológicos, propiciam uma ampliação das possibilidades de

incursão da fenomenologia clínica diante esta questão cada vez mais presente no cenário

contemporâneo para além das psicoses.

Já a segunda questão associa-se com a própria atualidade do fenômeno estudado.

A ansiedade, apesar de não ser originária do século XXI, tem ganhado maior proporção

como experiência associada à condição de sofrimento humano no contexto atual por

estar correlacionada à aceleração que impregna nossa sociedade pós-moderna.

Entendemos que resgatar essa discussão nos lança em um percurso de compreensão dos

mundos vividos (psico)patológicos de Clarice, Rachel e Cecília mediante uma

perspectiva crítica da experiência de adoecer. Esta nos aponta para a necessidade de sair

de um olhar voltado para a dimensão individual e nos posiciona no sentido do vivido da

ansiedade, o qual se constitui no caráter mundano do entrelaçamento ambíguo

Eu/Outrem/Mundo.
242

Constatamos que, mais do que um sintoma, a ansiedade é um fenômeno que

compõe o vivido global do sujeito contemporâneo, o qual está enraizado em um mundo

cada vez mais acelerado. Nos estudos de casos fenomenológicos das participantes desta

tese, esse vivido se exacerba ao se atrelar ao sofrimento e potencializar os processos de

adoecimento. Encontramos na ansiedade uma condição humana vivida por meio de

nosso engajamento no mundo, sendo ela uma expressão do horizonte temporal da

existência e, para compreendê-la, resgatamos os sentidos dos modos de ser global por

meio de uma atitude compreensiva e descritiva nos encontros clínicos com as

participantes desta tese para a elaboração de estudos de casos fenomenológicos.

Diferentemente de estudos de casos tradicionais, que funcionam para aprofundar

e analisar o objeto estudado, os estudos de casos fenomenológicos foram construídos

com base na fenomenologia da ambiguidade de Merleau-Ponty para resgatar o

entrelaçamento da experiência vivida entre a pesquisadora e as participantes durante os

encontros clínicos. Foi um método que nos permitiu o distanciamento de uma relação

sujeito/objeto para, assim, alcançarmos os modos de ser global dos sujeitos em seu

atravessamento com o tempo vivido na ansiedade em distintas condições patológicas.

Este foi um ponto central de nossa construção metodológica, pois foi nesta intersecção

que pudemos apreender o fenômeno do tempo vivido na ansiedade por meio de um

olhar crítico e compreensivo.

Outra contribuição significativa de nossa construção metodológica recaiu nas

próprias características do encontro clínico como instrumento de pesquisa, o qual se

sustentou na formação clínica da pesquisadora em uma perspectiva humanista

fenomenológica. Em diversos momentos da pesquisa, o olhar atento, compreensivo e

sensível às experiências compartilhadas por Clarice, Rachel e Cecília foi facilitado por
243

meio das atitudes de consideração positiva incondicional, compreensão empática e

autenticidade, as quais foram desenvolvidas pelo psicólogo americano Carl Rogers. Isto

facilitou uma troca genuína com as participantes da pesquisa, pois nos permitiu

caminhar de mãos dadas em seus mundos vividos ao encorajar o contato com suas

próprias experiências, que, em diversos momentos, trouxeram à tona confusão, agonia,

angústia, vulnerabilidade, aceleração, paralisação, inquietude pela espera, etc.

Além disso, também percebemos que as participantes se beneficiaram do espaço

de escuta, cuidado e acolhimento oferecido pela pesquisadora durante os encontros

clínicos. Para além da coleta de dados, os encontros clínicos abriram um campo de

reconfiguração e ressignificação das experiências vividas pelas participantes. Somado a

isto, Clarice, Rachel e Cecília compartilhavam uma frequente sensação de alívio e a

importância de um espaço de escuta compreensivo e sem julgamentos. Este lhes

permitiu experienciar, no aqui e agora da relação, a ansiedade, presentificando esta

experiência. Foi um movimento que ocorreu de forma natural pela própria configuração

do instrumento de pesquisa, que só foi possível a partir de um olhar clínico da

pesquisadora diante as experiências de adoecer.

Assim, ao invés de nos atermos a categorizações prévias e aplicações

conceituais, seguimos o caminho da experiência vivida para resgatar a pluralidade de

sentidos do tempo vivido na ansiedade nos mundos vividos (psico)patológicos de

Clarice, Rachel e Cecília. A continuidade dos encontros clínicos, que ocorriam

semanalmente, também nos permitiu um mergulho profundo nos mundos vividos das

participantes. Além do fortalecimento de um vínculo de confiança e liberdade, algumas

questões se desvelaram paulatinamente ao longo dos meses em que os encontros

clínicos ocorreram como, por exemplo, a reversibilidade entre a experiência depressiva


244

e ansiosa de Rachel e Cecília. Vale destacar que o acompanhamento longitudinal

característico dessa pesquisa para a elaboração dos estudos de casos fenomenológicos

traz como limitador a quantidade de participantes do estudo.

Destacamos que, nos modos de funcionamento das três participantes desta

pesquisa, encontramos a centralidade da alteração do tempo na experiência de adoecer,

e a ansiedade se desvelou na perda de sincronia entre o tempo vivido e o tempo do

mundo. Encontramos um prejuízo na dinâmica do ímpeto ou élan vital, noção esta

importante para a compreensão do tempo vivido na ansiedade, uma vez que, ao avançar

em direção ao futuro, o devir o abre diante de nós. Como o ímpeto vital tem a

capacidade de recriar o futuro no agora, na ansiedade encontramos que a

dessincronização do tempo vivido se dá sob a forma da aceleração.

A aceleração do tempo vivido esteve presente nos três casos clínicos desta tese.

Clarice, Rachel e Cecília, ao descreverem a ansiedade, o faziam desvelando o modo

como vivenciam esse mundo por meio da inquietude da espera, da busca por

movimento diante a paralisação da existência, da dinamização do corpo e da

antecipação de medos e desejos. Além das alterações do tempo vivido já constituídas na

dinâmica da aceleração na ansiedade, como salientamos acima, também se desvelaram

os elementos constituintes da gênese intersubjetiva do tempo vivido, os quais compõem

o fundamento dos modos de ser (psico)patológicos de Clarice, Rachel e Cecília.

No mundo vivido de Clarice, encontramos traços de um modo de funcionamento

psicótico, em que a participante transita entre o real e o imaginário. Há uma alteração na

relação intersubjetiva de Clarice com o mundo, a qual dissolve a unidade temporal

passado-presente-futuro ao fragmentar seu contato com a realidade. Abriam-se lacunas

no fluxo da consciência da participante, as quais evidenciavam uma forma de


245

fragmentação temporal percebida pela pesquisadora como co-experiência compartilhada

nos encontros clínicos por meio de uma dificuldade de acessar e, por vezes, entender as

falas, os gestos e os movimentos de Clarice. A ansiedade ganhava lugar exatamente

nessas lacunas; nos fragmentos da consciência temporal da participante. Tanto que era

especialmente quando Clarice mergulhava no imaginário, ou seja, em seu “mundo de

sonhos” que a inquietude da aceleração vivida na ansiedade se dissipava.

Outro elemento que apontou para a ansiedade na fragmentação do tempo vivido

de Clarice foi o fenômeno da hiperreflexividade, em que a participante apresentou uma

espécie de consciência exacerbada e automática de si mesma. Os pensamentos eram

vividos como alheios ou alienígenas, e lhe invadiam. Neste modo de funcionamento, a

ansiedade se desvelou também como experiência vivida na aceleração da consciência

hiperreflexiva de Clarice, uma vez que a participante perdia o senso de gerência sobre si

mesma ao ser invadida pelo fluxo de sua própria consciência sob a forma de delírios.

Em contrapartida, para Rachel, a aceleração característica da ansiedade possuía

traços diferenciados, em que encontramos a correlação entre ansiedade, movimento e

inibição do devir no vivido depressivo. Enquanto a experiência de aceleração vivida por

Clarice articulava-se com a fragmentação temporal de seu arco intencional, em Rachel a

aceleração vivida na ansiedade se dava mediante a urgência de “correr o mundo”.

Havia uma dessincronização entre o tempo vivido da participante e o tempo do mundo,

em que este último aparentemente corria mais devagar, impossibilitando Rachel de sair

do lugar. A ansiedade de Rachel se desvelava na interseção entre o movimento e a

paralisação em seu contato com outrem, com o mundo e consigo mesma.

Sem poder agir sobre o mundo, Rachel movimentava a si mesma na aceleração

de sua existência. Entretanto, era uma experiência paradoxal, pois Rachel permanecia
246

paralisada, uma vez que a ansiedade vivida na busca por movimento antecipava um

porvir sem sentido e sem direção. Constatamos que a ansiedade vivida na aceleração do

tempo vivido de Rachel relacionava-se com o seu modo de funcionamento depressivo

devido à perda de direção diante um futuro vazio. Mais do que a tentativa de alcançar o

futuro, a antecipação do porvir no mundo vivido de Rachel era uma forma de

preenchimento do vazio que impregnava sua existência no agora.

Entrar em contato com este esvaziamento de si mesma dissolvia o vivido de

ansiedade de Rachel em angústia, sendo esta experienciada por meio da retardação do

arco temporal da participante. Ao se aproximar da angústia, a aceleração característica

da ansiedade dava lugar à retardação em uma espécie de reversibilidade de um mesmo

vivido. É nesse sentido que defendemos nesta tese que ansiedade e angústia são

expressões diferentes da existência humana, embora ambas se mantenham atravessadas

mutuamente por uma natureza afetiva comum, aproximando a ansiedade e a depressão

no vivido de Rachel como duas faces de uma mesma moeda. Encontramos estes

mesmos traços no mundo vivido (psico)patológico de Cecília, que também

experienciava o vivido depressivo atrelado à ansiedade.

As alterações na gênese intersubjetiva do tempo vivido de Cecília, em sua

interface com a ansiedade, entrelaçavam-se com a impossibilidade da escolha da

participante entre o filho e o marido. Enquanto para Rachel a invasão do porvir que lhe

retirava do contato com o agora vazio se dava sem sentido e sem direção, Cecília era

invadida por um fluxo de protensões que lhe apontavam uma única possibilidade, ou o

marido ou o filho. Na impossibilidade da escolha, a ansiedade passou a reinar em seu

mundo vivido e se entrelaçou à condição de uma vulnerabilidade existencial.


247

Identificamos, nos mundos vividos de Cecília e também de Rachel, uma grande

aproximação entre vulnerabilidade e ansiedade, sobretudo quando destacamos as marcas

da violência vivida pelas participantes. Essas retiraram o chão de seus pés e, sem o

invólucro [housing] de proteção, a sensação de segurança se esfacelou. Para Rachel, os

medicamentos ocupavam este lugar seguro e o breve vislumbre de perdê-los era

insuportável, o que passou a ser vivido como ansiedade. Com Cecília, a vulnerabilidade

existencial se entrelaçava ao vivido da ansiedade quando a participante se via

defrontada com o medo do abandono e da solidão. Havia uma experiência precária, em

que o futuro ficava constrito diante uma única possibilidade e a ansiedade emergia

frente à paralisação do devir.

Estes elementos corroboraram com nossa hipótese inicial [como desconfiança]

de que o eixo central para a compreensão da ansiedade encontrava-se sob a gênese

intersubjetiva do tempo vivido. Porém, mais do que as alterações já constituídas da

dimensão temporal, defendemos que a ansiedade possui diferentes significados em cada

vivido patológico e estas diferenças emergem como uma co-experiência, cujo eixo

central é a temporalidade. Assim, discutimos a relação entre tempo e intersubjetividade

na perda de sincronização temporal nos mundos vividos (psico)patológicas de Clarice,

Rachel e Cecília como forma de contribuição para uma fenomenologia clínica do tempo

vivido na ansiedade.

Esta pesquisa, sobretudo no estudo de caso fenomenológico de Cecília,

apresentou alguns apontamentos iniciais sobre a ressincronização da experiência

temporal. Estas se mostraram a partir da potencialidade dos grupos terapêuticos, tais

como o de musicoterapia, que auxiliaram na reconexão do fluxo temporal sincronizado

com o momento presente. Estes elementos nos sinalizam para a importância do


248

desenvolvimento de pesquisas futuras sobre as práticas terapêuticas e psicoterapêuticas

que impulsionem a ressincronização do arco temporal a partir da experienciação no

instante agora na ansiedade.

Salientamos a relevância de uma atitude humanista fenomenológica como forma

de potencializar o livre desabrochar das experiências vividas na ansiedade e

compartilhadas no encontro clínico. Estar com o outro diz de um processo dialético sem

síntese e aberto diante do engajamento do sujeito no mundo. É uma experiência vivida

como co-experiência na relação participante-mundo-pesquisadora, sustentada em um

espaço de confiança, acolhimento, liberdade e empatia, o qual facilitou a compreensão

do tempo vivido na ansiedade.

Por fim, consideramos que para uma fenomenologia clínica da ambiguidade, a

ansiedade se constitui na totalidade da existência humana, cujo fundamento é o tempo

vivido. Este é o laço que amarra e integra nosso horizonte experiencial entrelaçado ao

mundo, tanto em seus aspectos universais quanto singulares. Assim, a ansiedade possui

sentidos diferenciados para cada mundo vivido. Em Clarice, encontramos uma

experiência de invasão diante a fragmentação do tempo vivido. Para Rachel, a ansiedade

se atrela à antecipação de um porvir sem direção e esvaziado. Já em Cecília, o futuro é

constrito, precário, sem cor e carente de possibilidades, acelerando sua existência no

vivido da ansiedade. Mais do que um sintoma, para uma fenomenologia clínica da

ambiguidade, a ansiedade se configura como uma possibilidade de ser frente às

contradições da existência humana e se desvela diante a perda [ilusória] de segurança, a

qual abre nossa condição de vulnerabilidade. Estar ansioso é estar em maior contato

com a vulnerabilidade.
249

ANEXOS
250

Anexo 01 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TÍTULO DA PESQUISA: Fenomenologia clínica do tempo vivido na ansiedade

NOME DO PESQUISADOR: Camila Pereira de Souza

ENDEREÇO: Rua Costa Sousa, 100. Benfica, Fortaleza-CE.

TELEFONE: (85) 99980.1498

Prezado(a) Participante,

Você está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa desenvolvida por

Camila Pereira de Souza, doutoranda pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia

da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), que irá investigar como você vivencia o

tempo na ansiedade. Nós estamos desenvolvendo esta pesquisa porque queremos saber

se a experiência do tempo vivido contribui para compreendermos a ansiedade em

distintos quadros clínicos.

1. POR QUE VOCÊ ESTÁ SENDO CONVIDADO A PARTICIPAR?

O convite para a sua participação se deve a você fazer parte do grupo de pacientes

atendidos no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Geral da regional III do município

de Fortaleza-CE com diagnósticos de depressão, transtornos de ansiedade ou transtorno


251

obsessivo compulsivo, e ter idade entre 18 e 60 anos.

2. COMO SERÁ A MINHA PARTICIPAÇÃO?

Ao participar desta pesquisa você irá relatar suas experiências de vida, de forma

livre e espontânea. Por meio das descrições de suas vivências, poderei compreender

como o tempo vivido se aproxima da ansiedade. Não utilizarei nenhuma pergunta que

direcione o conteúdo de sua fala, pois o intuito deste estudo é você possa se expressar

livremente.

Durante sua fala, estarei lhe ouvindo atentamente e não irei considerar conteúdos

teóricos sobre a ansiedade ou o tempo, pois meu interesse é conhecer sua experiência.

Nossos encontros terão duração livre, de acordo com sua disponibilidade de tempo e

necessidade de diálogo. Informo que será mantido sigilo do material resultante desses

encontros ele será destinado apenas para fins de pesquisa.

Lembramos que a sua participação é voluntária, isto é, ela não é obrigatória, e

você tem plena autonomia e liberdade para decidir se quer ou não participar. Você pode

desistir da sua participação a qualquer momento, mesmo após ter iniciado o(a)/os(as)

DADOS PESSOAIS, ENTREVISTA(S), RESPOSTAS, sem nenhum prejuízo para

você. Não haverá nenhuma penalização caso você decida não consentir a sua

participação, ou desistir da mesma. Contudo, ela é muito importante para a execução da

pesquisa. A qualquer momento, durante a pesquisa, ou posteriormente, você poderá

solicitar do pesquisador informações sobre sua participação e/ou sobre a pesquisa, o que

poderá ser feito através dos meios de contato explicitados neste Termo.

3. QUEM SABERÁ SE EU DECIDIR PARTICIPAR?


252

Somente o pesquisador responsável e sua equipe saberá que você está participando desta

pesquisa. Ninguém mais saberá da sua participação. Entretanto, caso você deseje que o

seu nome / seu rosto / sua voz ou o nome da sua instituição conste do trabalho final, nós

respeitaremos sua decisão. Basta que você marque ao final deste termo a sua opção.

4. GARANTIA DA CONFIDENCIALIDADE E PRIVACIDADE.

Todos os dados e informações que você nos fornecer serão guardados de forma sigilosa.

Garantimos a confidencialidade e a privacidade dos seus dados e das suas informações.

Tudo que o(a) Sr.(a) nos fornecer ou que sejam conseguidas por DADOS PESSOAIS,

ENTREVISTA(S), RESPOSTAS, serão utilizadas(os) somente para esta pesquisa. Não

haverá a necessidade de gravação das entrevistas. O material da pesquisa com os seus

dados e informações será armazenado em local seguro e guardados em arquivo, por pelo

menos 5 anos após o término da pesquisa. Qualquer dado que possa identificá-lo será

omitido na divulgação dos resultados da pesquisa. Caso você autorize que sua voz seja

publicada, teremos o cuidado de anonimizá-la, ou seja, sua voz ficará diferente e

ninguém saberá que é sua. Caso você autorize que sua imagem seja publicada, teremos

o cuidado de anonimizá-la, ou seja, seu rosto ficará desfocado e/ou colocaremos uma

tarja preta na imagem dos seus olhos e ninguém saberá que é você.

5. EXISTE ALGUM RISCO SE EU PARTICIPAR?

O(s) procedimento(s) utilizado(s) na pesquisa, que no nosso caso serão encontros

clínicos, apresenta um risco mínimo caracterizado por desconfortos ou prejuízos à

dimensão subjetiva do participante como algum tipo de constrangimento, recusa em

falar, choro, expressão de raiva, medo, angústia ao narrar momentos de sua história de
253

vida que ocasionem sofrimentos diversos. Eles serão reduzidos a fim de minimizar seu

impacto aos participantes por meio de estratégias desenvolvidas pela pesquisadora. Por

possuir experiência como psicóloga e psicoterapeuta poderá promover um espaço de

escuta, cuidado e acolhimento ao participante durante os encontros clínicos,

promovendo suporte psicológico à dimensão emocional e subjetiva do participante. Em

situações extremas, sua participação será suspensa.

6. EXISTE ALGUM BENEFÍCIO SE EU PARTICIPAR?

Os benefícios esperados com a pesquisa são no sentido de construção de novos

conhecimentos e produções científicas no campo da psicopatologia, psicologia e

fenomenologia clínica, para o desenvolvimento de estratégias no âmbito da saúde

mental, para as atividades e intervenções realizadas no CAPS Geral III ao promover

novos olhares ao cuidado, intervenção e terapêutica e, sobretudo, para os próprios

participantes de forma direta ou indireta, imediata ou tardia. Estes poderão se beneficiar

com um espaço compreensivo para a livre expressão, podendo promover novas

percepções sobre sua vida de forma a lhe promover saúde mental.

7. FORMAS DE ASSISTÊNCIA E RESSARCIMENTO DAS DESPESAS.

Se você necessitar de ENCAMINHAMENTO, ESCLARECIMENTO,

ORIENTAÇÃO, TRATAMENTO, como resultado encontrado nesta pesquisa, você

será encaminhado(a) por Camila Pereira de Souza para Centro de Atenção Psicossocial

(CAPS) Geral da regional II, situado na Rua Capitão Francisco Pedro, 1269 – Rodolfo

Teófilo, Fortaleza-CE, 60010-681, telefone: 3105.3451/3433.2568. Caso o(a) Sr.(a)

aceite participar da pesquisa, não receberá nenhuma compensação financeira. No caso


254

de algum gasto resultante da sua participação na pesquisa e dela decorrentes, você será

ressarcido, ou seja, o pesquisador responsável cobrirá todas as suas despesas e de seus

acompanhantes, quando for o caso, para a sua vinda até o centro de pesquisa.

8. ESCLARECIMENTOS

Se você tiver alguma dúvida a respeito da pesquisa e/ou dos métodos utilizados

na mesma, pode procurar a qualquer momento o pesquisador responsável.

Nome do pesquisador responsável: Camila Pereira de Souza

Endereço: Av. Washington Soares, 1321, Sala N-13, Fortaleza-CE.

Telefone para contato: (85) 99980.1498

Horário de atendimento: 8h às 17h

Se você desejar obter informações sobre os seus direitos e os aspectos éticos

envolvidos na pesquisa poderá consultar o Comitê de Ética da Universidade de

Fortaleza, Ce. O Comitê de Ética tem como finalidade defender os interesses dos

participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e tem o papel de avaliar e

monitorar o andamento do projeto de modo que a pesquisa respeite os princípios éticos

de proteção aos direitos humanos, da dignidade, da autonomia, da não maleficência, da

confidencialidade e da privacidade.

Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade de Fortaleza-

COÉTICA

Av. Washington Soares, 1321, Bloco M, Sala da Diretoria de Pesquisa e

Desenvolvimento e Inovação.

Bairro Edson Queiroz, CEP 60811-341.

Telefone (85) 3477-3122, Fortaleza, Ce.


255

9. CONCORDÂNCIA NA PARTICIPAÇÃO.

Se o(a) Sr.(a) estiver de acordo em participar da pesquisa deve preencher e

assinar este documento que será elaborado em duas vias; uma via deste Termo ficará

com o(a) Senhor(a) e a outra ficará com o pesquisador. O participante de pesquisa ou

seu representante legal, quando for o caso, deve rubricar todas as folhas do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, apondo a sua assinatura na última

página do referido Termo. O pesquisador responsável deve, da mesma forma, rubricar

todas as folhas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, apondo sua

assinatura na última página do referido Termo.

10. USO DE VOZ E/OU IMAGEM

Caso o(a) Senhor(a) deseje que seu nome, seu rosto, sua voz ou o nome da sua

instituição apareça nos resultados da pesquisa, sem serem anonimizados, marque um

dos itens abaixo.

____ Eu desejo que o meu nome conste do trabalho final.

____ Eu desejo que o meu rosto/face conste do trabalho final.

____ Eu desejo que a minha voz conste do trabalho final.

____ Eu desejo que o nome da minha instituição conste do trabalho final.

11. CONSENTIMENTO

Pelo presente instrumento que atende às exigências legais, o

Sr.(a)__________________________, portador(a) da cédula de

identidade__________________________, declara que, após leitura minuciosa do


256

TCLE, teve oportunidade de fazer perguntas, esclarecer dúvidas que foram devidamente

explicadas pelos pesquisadores. Ciente dos serviços e procedimentos aos quais será

submetido e, não restando quaisquer dúvidas a respeito do lido e explicado, firma seu

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO em participar voluntariamente desta

pesquisa.

E, por estar de acordo, assina o presente termo.

Fortaleza-Ce., _______ de ________________ de _____.

__________________________________________________

Assinatura do participante ou Representante Legal

___________________________________________________

Assinatura do Pesquisador

___________________________________________________

Impressão dactiloscópica
257

Anexo 2. Parecer Consubstanciado


258
259
260
261
262
263

Anexo 03 – Carta de Anuência para a realização da pesquisa


264
265

REFERÊNCIAS

Aho, K. (2020). Temporal experience in anxiety: embodiment, selfhood, and the

collapse of meaning. Phenom. Cogn. Sci., 19, 259-270.

Alves, P. M. S. (1994). Introdução do Tradutor. Em E. Husserl. Lições para uma

fenomenologia da consciência interna do tempo (pp. 07-25). Lisboa: Imprensa

Nacional-Casa da Moeda.

Alvim, M. (2011). A Ontologia da Carne em Merleau-Ponty e a Situação Clínica na

Gestalt-Terapia: Entrelaçamentos. Revista da Abordagem Gestáltica, 19(2), 143-

151.

Alvim, M. (2016). O lugar do corpo e da corporeidade na gestalt-terapia. Em: L. M.

Frazão & K. O. Fukumitsu, Modalidades de intervenção clínica em Gestalt-

terapia (pp. 27-55), São Paulo: Summus.

Ambrosini, A., Stanghellini, G. & Raballo, A. (2014). Temperament, personality and

the vulnerability to mood disorders. The case of the melancholic type of

personality. Journal of Psychopathology, 20(4), 393–403.

American Psychiatric Association (2014). Manual Diagnóstico e Estatístico de

Transtornos Mentais. DSM-V, quinta edição. Porto Alegre: Artes Médicas.

Andrade, C. C. & Holanda, A. F. (2010). Apontamentos sobre pesquisa qualitativa e

pesquisa empírico-fenomenológica. Estudos de Psicologia, Campinas, 27(2),

259-268.

Andrade, J. V., Pereira, L. P., Vieira, P. A., Silva, J. V. S., Silva, A. M., Bonisson, M. &

Castro, J. V. R. (2019). Ansiedade um dos problemas do século XXI. Revista de

saúde ReAGES, 2(4), 34-39.


266

Araújo, J. N. G. (2000). Erwin W. Straus (1891-1975). Revista Latinoamericana de

Psicopatologia Fundamental, 3(3), 113-114.

Azevedo, A. J. P, Araújo, A. A. Ferreira, M. A. F (2016) Consumo de ansiolíticos

benzodiazepínicos: uma correlação entre dados do SNGPC e indicadores

sociodemográficos nas capitais brasileiras. Ciência e Saúde Coletiva, 21(1). Rio

de Janeiro.

Baptista, A., Carvalho, M., & Lory, F. (2005). O medo, a ansiedade e as suas

perturbações. Psicologia, 19(1-2), 267-277.

Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar.

Bauman, Z. (2007). Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar.

Bauman, Z. (2008). Medo líquido. Rio de Janeiro: Zahar.

Berrios, G. E. & Link, C. (2012). Transtornos de Ansiedade: seção clínica. In. G. E.

Berrios & R. Porter, Uma história da psiquiatria clínica: a origem e a história

dos transtornos psiquiátricos (vol. 03) (pp. 863-886). São Paulo: Escuta.

Binswanger, L. (2005) Mélancolie et manie: etudes phénoménologiques. Paris: Presses

Universitaires de France (Publicado originalmente em 1960).

Bittar, D. & Kohlsdorf, M. (2017). Ansiedade e Depressão em mulheres vítimas de

violência doméstica. Psicologia argumento, 21(74), 447-456.

Bloc, L. & Moreira, V. (2013). Sintoma e fenômeno na psicopatologia fenomenológica

de Arthur Tatossian. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., 16(1), 28-41.

Bloc, L., Moreira, V., Wolf-Fédida, M. & Chamond, J. (2017). Lá relation d’implication

(et non d’application) entre lés phénoménologies philosophiques et cliniques: lê

point de vue d’Arthur Tatossian. Bulletin de psychologie,70(4), 301-309.


267

Boris, G. D. J. B. & Barata, A. (2017). A angústia e ansiedade: um esboço histórico-

conceitual e uma perspectiva sartreana. In. G. D. J. B. Boris & A. Barata. Sartre

Hoje – volume 02 (pp. 151-172). Porto Alegre: Fi.

Boublil, E. (2018). The Ethics of Vulnerability and the Phenomenology of

Interdependency. Journal of the British Society for Phenomenology, 49(3), 183-

192.

Brasil, Ministério da Saúde (2011). Portaria número 3.088 de 23 de dezembro de 2011

que Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou

transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e

outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília: Ministério

da Saúde.

Brasil, Ministério da Saúde (2012). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do

Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde. Diário Oficial da União

2012; 12 dez.

Brasil, Ministério da Saúde (2014). CAPS - Centro de Atenção Psicossocial, Secretaria

da Saúde, Portal da Saúde.

Brasil, Ministério da Saúde (2016). Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do

Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde. Diário Oficial da União

2016; 7 abr.

Brentini, B. C., Brentini, L. C., Araújo, E. C. S. Aros, M. S. & Aros, A. C. P. C. (2017).

Transtorno de ansiedade generalizado no contexto clínico e social: revisão de

literatura. Revista científica da fundação educacional de Ituverava, 15(1), 237-

248.

Buonocore, M., Bosia, M., Baraldi, M., Bechi, M., Spangaro, M., Cocchi, F., Bianchi,
268

L., Guglielmino, C., Mastromatteo, A. & Cavallaro, R. (2018). Exploring

anxiety in schizophrenia: New light on a hidden figure. Psychiatric Research,

268, 312-316.

Bush, M. (2020). Refractions in Time: A Minkowskian Understanding of Being

Dislocated in Time. Journal of the Society for Existential Analysis, 31(1), 133-

141.

Butler, J. (2004). Precarious Life, The Powers of Mourning and Violence. London, NY:

Verso.

Butler, J. (2011). Vida precária. Contemporânea, 1, 13-33.

Cardoso, C. M. (2001). Pelos trilhos da Angústia. Revista Saúde Mental, 3(1), 21-26.

Castillo, A. R. G. L.; Recondo, R.; Asbahr, F. R. & Manfro, G. G. (2000). Transtornos

de Ansiedade, Revista Brasileira de Psiquiatria, 22(2), 20-23.

Burgese, D. F. & Ceron-Litvoc, D. (2015). Contribuições de Viktor Frankl ao sentido da

vida e na temporalidade contemporânea. Revista de Psicopatologia

Fenomenológica Contemporânea, 4(2), 36-57.

Chamond, J. & Moreira, V. (2012). O estilo existencial obsessivo compulsivo: Laura

prisioneira de sua temporalidade. In. A. Tatossian & V. Moreira, Clínica do

Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia fenomenológica (pp. 277-284). São

Paulo: Escuta.

Chauvin, J. P. (2019). Diálogo com Byung-Chul Han. Afluente, 4(12), 242-251.

Chiabi, S. (2018). A angústia na clínica psicanalítica e na psiquiatria. Psicanálise &

Barroco em revista, 12(1), 135-147.

Clark, M. J. (2012). Transtornos de Ansiedade: seção social. In. G. E. Berrios & R.

Porter, Uma história da psiquiatria clínica: a origem e a história dos


269

transtornos psiquiátricos (vol. 03) (pp. 887-901). São Paulo: Escuta.

Coelho Júnior, N. (2003). Da Intersubjetividade à Intercorporeidade: Contribuições da

Filosofia Fenomenológica ao Estudo Psicológico da Alteridade. Psicologia USP,

14(1), 185-209.

Coelho Júnior, N. & Carmo, P. S. (1992). Merleau-Ponty: Filosofia como corpo e

existência. São Paulo: Escuta.

Costa, V. & Medeiros, M. (2009). O tempo vivido na perspectiva fenomenológica de

Eugène Minkowski. Psicologia em Estudo, Maringá, 14 (2), 375-383.

Conceição, D., Almeida, C., Oliveira, M. & Ribeiro, R. (2020). A aplicabilidade da

musicoterapia nas terapêuticas de transtorno de ansiedade. Em: T. T. Pereira, L.

H. A. Castro & S. A. Oesterreich (orgs.). Ciências da Saúde: campo promissor

em pesquisa (pp. 01-08). Ponta Grossa, PR: Atena.

Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e mistos.

Porto Alegre: Artmed.

Czarnobay, J., Brusamarello, T., Capistrano, F. C., Marin, M. J. S., Nimtz, M. A. &

Maftum, M. A. (2018). Uso de psicofármaco pelo portador de transtorno mental:

percepções do enfermeiro. Cogitare Enferm., (23)1, e52149.

Dalgalarrondo, P. (2019). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto

Alegre: Artmed.

Dastur, F. (2013). L’expérience de la rencontre. L’information psuchiatrique, 89(6),

443-451.

Dastur, F. (2018). Préface. In. J. Chamond (org.). La précarité comme être sans: sens

anthropologique et phénoménologie clinique de la situation précarie (pp. 01-13).

Paris: Le cercle herméneutique.


270

Deslauriers, J.P. & Kérisit, M. (2008). O delineamento de pesquisa qualitativa. In J.

Poupart, J-P. Deslauriers, L-H. Groulx, A. Laperriére, R. Mayer & A. Pires, A

pesquisa qualitativa (pp. 127-153), Rio de Janeiro: Vozes.

Dörr, O. (2014). Los síndromes ansiosos y depressivos como timopatías. Psicopatologia

fenomenológica contemporânea, 3(1), 01-22.

Dupond, P. (2010). Vocabulário de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes.

Dutra, E. (2004). Considerações sobre a psicologia clínica na contemporaneidade.

Estudos de Psicologia, 9(2), 381-387.

Ey, H. (2006). Études psychiatriques. Paris: Cherey (Texto original publicado em

1950).

Ey, H., Bernard, P. & Brisset, P. H. (1989). Manuel de psychiatrie. Paris: Masson.

Faizibaioff, D. S. & Antúnez, A. E. A. (2014). Sobre o aspecto temporal da vida em

Minkowski: revisitando o tempo vivido. Revista Psicopatologia

Fenomenológica Contemporânea, 3(1), 48-115.

Feijoo, A. M. L. C. (2011). A existência para além do sujeito - A crise da subjetividade

moderna e suas repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica

com fundamentos fenomenológico-existenciais. Rio de Janeiro: IFEN.

Feijoo, A. M. L. C., Protasio, M. M., Gill, D. & Veríssimo, L. J. (2015). Kierkegaard, a

Escola da Angústia e a Psicoterapia. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(2),

572-583.

Ferraz, M. S. A. (2009). Fenomenologia e Ontologia em Merleau-Ponty. São Paulo:

Papirus.

Ferreira, J. T., Mesquita, M. N. N., Silva, T. A., Silva, V. F., Lucas, W. J. & Batista, E.

C. (2016). Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS): uma instituição de


271

referencia no atendimento à saúde. Revista Saberes, 4(1),

Fischer, W. (1998). Norma e patologia em el mundo de la angústia. Em M. L. Rovaletti,

Temporalidad: el problema del tempo em el pensamento actual (pp. 63-66).

Buenos Aires: Lugar edidorial.

Flick, U. (2008). Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed.

Flyvbjerg, B (2011). Case Study. In. N. K. Denzin & Y. S. Lincoln, The Sage

Handbook of Qualitative Research (pp. 301-316). London: Sage Publications.

Fortaleza, Prefeitura Municipal (n.d.). Centro de Atenção Psicossocial – CAPS,

catálogo de serviços. Fortaleza: Saúde.

Foucault, M. (2009). Vigiar e Punir. São Paulo: Vozes (Texto original publicado em

1975).

Fuchs, T. (2001). Melancholia as a desynchronization. Towards a psychopathology of

interpersonal time. Psychopathology, 34, 179-186.

Fuchs, T. (2003). The phenomenology of shame, guilt, and the body in body

dysmorphic disorder and depression. Journal of Phenomenological Psychology,

33(2), 223 – 243.

Fuchs, T. (2005). Implicity and ExplicityTemporality. John Hopkins Press, 12(3), 195-

198.

Fuchs, T. (2007). Fragmented selves: Temporality and identity in Borderline personality

disorder. Psychopathology, 40, 379-387.

Fuchs, T. (2010). Temporality and Psychopathology. Phenomenology and the Cognitive

Sciences, 01-30.

Fuchs, T. (2013). Existencial vulnerability: toward a psychopathology of limit situation.

Psychopathology, 46, 301-308.


272

Fuchs, T. (2014). Psychopathology of depression and mania: symptoms, phenomena

and syndromes. Journal of Psychopathology, 20, 404-413.

Fuchs, T. (2019a). The experience of time and it’s disorders. Em: G. Stanghellini, M.

Broome, A. V. Fernandez, P. Fusar-Poli, A. Raballo & R. Rosfort (eds). The

Oxford Handbook of Phenomenological Psychopathology (pp. 431-441)

Publisher: Oxford University Press.

Fuchs, T. (2019b). Para uma psiquiatria fenomenológica: ensaios e conferências sobre

as bases antropológicas da doença psíquica, memória corporal e si mesmo

ecológico. Rio de Janeiro: Ifen.

Fuchs, T. & Pallagrosi, M. (2018). Phenomenology of Temporality and Dimensional

Psychopathology. Em: Biondi M., Pasquini M., Picardi A. (eds). Dimensional

Psychopathology (pp. 287-300). Springer, Cham.

Furlan, R. (2001). A noção de consciência n’a estrutura do comportamento, Psicologia

USP, 12(1), 11-31.

Fukuda, L. & Tamelini, M. G. (2016). A compreensão psicológica jasperiana revisitada

sob a perspectiva da psicopatologia fenomenológica. Psicopatologia

Fenomenológica Revisitada, 5(2), 160-184.

Gentil, H. S. (2017). Linguagem e Temporalidade na estruturação do Lebenswelt: uma

proposta de investigação. International Journal of Phenomenology,

Hermeneutics and Metaphysics, 1(2), 98-11.

Giorgi, A. (2008). Sobre o método fenomenológico utilizado como modo de pesquisa

qualitativa nas ciências humanas: teoria, prática e avaliação. In Vários autores, A

pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos (pp. 386-409.,

A. Cristina, Trad.). Petrópolis, RJ: Vozes.


273

Goghari, V. M. e Harrow, M. (2020). Anxiety symptoms across twenty-years in

schizoaffective disorder, bipolar disorder, and major depressive disorder.

Psychiatric Research, 275, 310-314.

Han, Byung-Chul. (2016). Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes.

Han, Byung-Chul. (2017). Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes.

Heidegger, M. (2015). Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Vozes (Texto original publicado

em 1927).

Holanda, A. (2006). Questões sobre pesquisa qualitativa e pesquisa fenomenológica,

Revista Análise Psicológica, 3(24), 363-372.

Holanda, A. (2014). Fenomenologia e Humanismo: reflexões necessárias. Curitiba:

Editora Juruá.

Husserl, E. (1994). Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo.

Lisboa: Casa da Moeda (Texto original publicado em 1928).

Husserl, E. (2002). A crise da humanidade europeia e a filosofia. Porto Alegre:

EDIPUCRS (Texto original publicado em 1987).

Husserl, E. (2012). A crise das ciências européias e a fenomenologia transcendental.

Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária (Texto original publicado em

1954).

IPEA, Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019). Mapa da Violência, Brasília,

disponível em:

https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&i

d=34784

Jaspers, K. (1969). Entre el ser y la voluntad. Madrid: Ediciones Guadarrama (Texto

original publicado em 1919).


274

Jaspers, K. (2005). A abordagem fenomenológica em psicopatologia. Rev. Latinoam.

Psicopat. Fund., 8(4), 769-787 (Texto original publicado em 1912).

Kierkegaard, S. (2017). O conceito de angústia. Rio de Janeiro: Vozes (Texto original

publicado em 1944).

Kinrysa, G., Bowdenc, C. L., Nierenberga, A. A., Hearingd, C. M., Golde, A. K.,

Rabideauf, D. J., Sylviaa, L. G., Gaog, K., Kamalia, M., Boboh, W. V., Toheni,

M., Deckersbacha, T., McElroyj, S. L., Ketterl, T. A., Sheltonm, R. C.,

Friedmann, E. S., Calabreseg, J. R., McInniso, M. G., Kocsisp, J. Thaseq, M.

Singhc, V. & Reilly-Harringtona, N. A. (2019). Comorbid anxiety in bipolar

CHOICE: Insights from the bipolar inventory of symptoms scale. Journal of

Affective Disorders, 246, 126–131.

Kirby, S. (2004). Dimensions and meanings of anxiety. Existential analysis, 15(1), 73-

86.

Laconte, P. (2012). Notes sur lá temporalité chez Merleau-Ponty. Philopsis, 01, 01-18.

Havrelhuk, J. & Langaro, F. (2020). Lino's story: psychopathology from the perspective

of phenomenology and existentialism. Revista da Abordagem Gestáltica, 26(1),

39-52.

Lawlor, L. (2018). Vulnerability and Violence: On the Poverty of the Remainder (or

Beyond Kant). Journal of the British Society for Phenomenology, 49(3), 01-12.

López-Ibor, M. I. & Zappino, J. P. (2019). Vital Anxiety. Em: G. Stanghellini, M.

Broome, A. V. Fernandez, P. Fusar-Poli, A. Raballo & R. Rosfort (eds). The

Oxford Handbook of Phenomenological Psychopathology (pp. 475-483)

Publisher: Oxford University Press.

Machado, M. B.; Ignácio, Z. M.; Jornada, L. K.; Réus, G. Z & Abelaira, H. M. (2016).
275

Prevalência de Transtornos Ansiosos e algumas comorbidades em idosos: um

estudo de base populacional, Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 65(1), 28-35.

Maldonato, M. (2008). Consciência da temporalidade e temporalidade da consciência.

Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 11(1), 39-54.

Mangolini, V., Andrade, L. H. & Wang, Y.-P. (2019). Epidemiologia dos transtornos de

ansiedade em regiões do Brasil. Revista de Medicina, 98(6), 415-422.

Marandola Junior, E. & Hogan, D. J. (2009). Vulnerabilidade do lugar vs.

Vulnerabilidade sociodemográfica: implicações metodológicas de uma velha

questão. R. bras. Est. Pop., 26(2), 161-181.

Martins, F. (1999). (1999). O que é phatos?. Revista Latinoamericana de

Psicopatologia Fundamental, 2(4), 62-80.

May, R (1980). O Significado da Ansiedade: As causas da integração e desintegração

da personalidade. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar (Texto original publicado em

1950).

May, R (2000). Psicologia e Dilema Humano. Rio de Janeiro: Zahar (Texto original

publicado em 1967).

May, R (2000). A Descoberta de Ser: estudos sobre a psicologia existencial. Rio de

Janeiro: Rocco (Texto original publicado em 1983).

May, R. (2016). O Homem a Procura de si mesmo. Petrópolis: Vozes (Texto original

publicado em 1953).

McLeod, J. (2010). Case Study Research: in counselling and psychotherapy. London:

SAGE.
276

Melo, A. K., Araújo, V. V., Bloc, L. &Moreira, V. (2016). A Experiência do Tempo em

Merleau-Ponty: contribuições para a Fenomenologia Clínica, Interação em

Psicologia, 20(1), 10-19.

Merleau-Ponty, M. (2006). A estrutura do comportamento. São Paulo: Martins Fontes

(Texto original publicado em 1942).

Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes

(Texto original publicado em 1945).

Merleau-Ponty, M. (2014). O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva (Texto

original publicado em 1964).

Merleau-Ponty, M. (2015). O Primado da Percepção e suas Consequências Filosóficas.

Belo Horizonte: Editora Autêntica (Texto original publicado em 1946).

Messas, G. (2014). O sentido da fenomenologia na Psicopatologia Geral de Karl

Jaspers. Psicopatologia fenomenológica contemporânea, 3(1), 23-47.

Messas, G. & Fukuda, L. (2018). O diagnóstico psicopatológico fenomenológico da

perspectiva dialético-essencialista. Revista Pesquisa Qualitativa. 6(11), 160-191.

Messas, G., Tamelini, M., Mancini, M., & Stanghellini, G. (2018). New perspectives in

phenomenological psychopathology: Its use in psychiatric treatment. Front.

Psychiatric, 9(466), 01– 05. http://dx.doi.org 10.3389/fpsyt.2018.00466

Michaelis (2019). Moderno dicionário da língua portuguesa. Editora Melhoramentos.

Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/

Minkowski, E. (1994). Le temps vécu. Paris: Presses Universitaires de France (Texto

original publicado em 1933).


277

Minkowski, E. (2000). Breves reflexões a respeito do sofrimento (aspecto pático da

existência). Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 3(4),

156-164 (Texto original publicado em 1966).

Minkowski, E. (2011). O tempo vivido (J. L. Freitas, trad., A. Holanda, rev. técnica).

Revista da Abordagem Gestáltica, 17(1), 87-100 (Texto original publicado em

1933).

Moreira, V. & Sloan, T. (2002). Personalidade, ideologia e psicopatologia crítica. São

Paulo: Escuta.

Moreira, V. (2004). O método fenomenológico de Merleau-Ponty como ferramenta

crítica na pesquisa em psicopatologia. Psicologia: reflexão e crítica, 4(7), 247-

256.

Moreira, V. (2009). Clínica humanista-fenomenológica: estudos em psicoterapia e

psicopatologia crítica.

Moreira, V. (2011). A Contribuição de Jaspers, Binswanger, Boss e Tatossian para a

psicopatologia fenomenológica. Rev. Abordagem Gestáltica, 17(2), 172-184.

Moreira, V, (2012). A contribuição de Jaspers, Binswanger, Boss e Tatossian para a

psicopatologia fenomenológica. In A. Tatossian & V. Moreira. Clínica do

Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia fenomenológica (p. 189-217). São

Paulo: Escuta.

Moreira, V. (2014). Merleau-Ponty and the experience of anxiety in humanistic

phenomenological psychotherapy. Self and Society, 4(3), 39-43.

Moreira, V. (2016). From essence to Lebenswelt as a method in phenomenological

psychopathology. Estudos de Psicologia (Campinas), 33(3), 403-411.


278

Moreira, V. & Souza, C. (2017). Innovating the person centered approach through

phenomenological research. Person-centered & experiential psychotherapies,

16(4), 316-334.

Moskalewicz, M. (2017). Toward a unified view of time: Erwin W. Straus’

phenomenological psychopathology of temporal experience. Phenomenology

and the Cognitive Sciences, 17, 65-80.

Moskalewicz, M. & Schwartz, M. A. (2020). Temporal experience as a core quality in

mental disorders. Phenomenology and the Cognitive Sciences, 19, 207–216.

Oliveira, A. R. F., & Azevedo, S. M. (2014). Estigma na doença mental: estudo

observacional. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, 30(4), 227-

234.

Organização Mundial de Saúde (1996). Classificação Estatística Internacional de

Doenças e Problemas Relacionados à saúde: CID 10, 10ª revisão. São Paulo:

EDUSP.

Pande, M. N. R. & Amarante, P. D. C. (2011). Desafios para os centros de atenção

psicossocial como serviços substitutivos: a nova cronicidade em questão. Revista

Ciência e Saúde Coletiva, 16(4), 2067-2076.

Pélicier, Y. (1995). Vivre le temps: Eugène Minkowski. In. E. Minkowski. Le temps

vécu (pp. V-XI). Paris: Presses Universitaires de France. (Texto original

publicado em 1933).

Pereira, M. E. C. (2003). Psicopatologia dos ataques de pânico. São Paulo: Escuta.

Pereira Júnior, A. (1990). A percepção do tempo em Husserl. Trans/Form/Ação, 13, 73-

83.

Pereira, T. A., Duarte, M. N. F., Silva, M. S., Cavalcante, V. O., Pereira, J. B. &
279

Beltrão, I. C. S. L. (2019). Concepção dos usuários do centro de atenção

psicossocial acerca da eficácia do tratamento com antidepressivos. Revista

multidisciplinar e de psicologia, 13(48), 312-324.

Perdigão, A. C. (2001). A filosofia existencial de Karl Jaspers. Análise Psicológica,

4(19), 539-557.

Pessotti, I. (1979). Ansiedade. São Paulo: EPU.

Pinto, E. B. (2006). Ansiedade na adolescência. Revista da abordagem gestáltica, 12(2),

59-66.

Pinto, E. B. (2017). A ansiedade e seus transtornos na visão de um Gestalt-terapeuta. In:

L. M. Frazão & K. O. Fukumitsu (orgs.). Quadros clínicos disfuncionais e

Gestalt-terapia (pp. 93-115). São Paulo: Summus.

Ponte, C. R. S. (2014) Reflexões Sobre a Angústia em Rollo May. Nufen, 5(1), p.57-63.

Ponte, C. R. S. & Sousa, H. L. (2011). Reflexões críticas acerca da psicologia

existencial de Rollo May. Revista da Abordagem Gestáltica, 17(1), 47-58.

Priberam (2011). O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Priberam Informática,

S.A.

Pringuey, D. (2010). Phénoménologie de lá subjectivité: Tatossian et lá clinique

psychiatrique. Psychiatr. Sci. Hum. Neurosci, 8, 158-162.

Quinderé, P.H.D.; Sales, F.D.A.; Albuquerque, R.A; Jorge, M.S.B. (2010). A

convivência entre os modelos asilar e psicossocial: saúde mental em Fortaleza-

CE. Saúde em Debate. Rio de Janeiro, 34(84), 137-47.

Ribeiro, C. M. (2017). Intervenção psicológica em mulheres vítimas de violência

doméstica. Revista brasileira de psicologia (4)1, 44-51.

Ribeiro, V. R. & Biffi, D. (2020). Percepções dos usuários de CAPS sobre um grupo de
280

musicoterapia. Revista científica de enfermagem, 10(29), 83-89.

Rogers, C. (2009). Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes (Texto original

publicado em 1961).

Rogers, C. (2008). As condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica da

personalidade. Em: J. K. Wood (org.). Abordagem Centrada na Pessoa (pp. 143-

162). Vitória: EDUFES.

Rodrigues, J. T. (2003). A medicação como única resposta: uma miragem do

contemporâneo. Psicologia em Estudo, Maringá, 8(1), 13-22.

Rodrigues, A. C. T. (2005). Karl Jaspers e a abordagem fenomenológica em

psicopatologia. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., 3(4), 754-768.

Rós, I. A., Ferreira, C. A. C. & Garcia, C. S. (2020). Avaliação da psicoterapia de grupo

em pacientes com ansiedade e depressão. Revista Psicologia e Saúde, 12(1), 75-

86.

Rosa, H. (2010). Full speed burnout? From the pleasures of the motorcycle to the

bleakness of the treadmill: the dual face of social acceleration.

International Journal of Motorcycle Studies, 6(1).

Rosa, H. (2017). Aceleração: a transformação das estruturas temporais na

Modernidade. São Paulo: Unesp.

Sallet, P. C., Fritzen, F. M. & Fukuda, L. M. (2011). Síndromes Psicopatológicas:

Transtornos Psicóticos Breves, Transtorno Esquizoafetivo e Transtorno

Delirante. Em: E. C. Miguel, V. Gentil & W. F. Gattaz. (Org.). Síndromes

Psicopatológicas: Transtornos Psicóticos Breves, Transtorno Esquizoafetivo e

Transtorno Delirante, Clínica Psiquiátrica (pp. 623-649). São Paulo.

Sass, L. & Parnas, J. (2003). Schizophrenia, Consciousness, and the Self. Schizophrenia
281

Bulletin, 29(3), 427–444.

Sass, L., Pienkos, E., Skodlar, B., Stanghellini, G., Fuchs, T., Parnas, J. & Jones, N.

(2017). EAWE: Examination of Anomalous World Experience.

Psychopathology, 50(1), 10-54.

Saint-Aubert, E. (2011). Conscience et expression: avant-propos. Em: M. Merleau-

Ponty, Le monde sensible et le monde de l’expression (pp. 07-38). Gèneve:

Metis Presses.

Saint-Aubert, E. (2013). Être et Chair. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin.

Santiago, A. & Holanda, A. (2013). Fenomenologia da Depressão: uma análise da

produção acadêmica brasileira, Rev. Abordagem Gestáltica, 19(1), 38-50.

Sartre, J-P. (2015). O ser e o nada. Rio de Janeiro: Vozes (Texto original publicado em

1943).

Schneider, D. (2009). Caminhos Históricos e Epistemológicos da Psicologia:

contribuição da fenomenologia e existencialismo. Cadernos Brasileiros de

Saúde Mental, 1(2), 62-76.

Silva, C. A. F. (2011). O Transcendental encarnado: Merleau-Ponty e a nouvelle

ontologie. Kriterion, 123, 159-176.

Souza, C. P. (2013). Da Depressão à Depressividade: diálogos com a psicopatologia

fenomenológica de Arthur Tatossian, Dissertação (Mestrado), Universidade de

Fortaleza, Fortaleza.

Souza, C. P.; Melo, A. K. & Moreira, V. (2020). The lived space of Ana: a clinical case

study from the perspective of phenomenological psychopathology, Trends in

Psychology, 28, 16-30.

Stake, R. E. (2011). Pesquisa Qualitativa: estudando como as coisas funcionam. São


282

Paulo: Editora Penso.

Stanghellini, G. (2015). Qualitative analysis. Its use in psychopathological research.

Acta Psychiatr. Scand., 117, 161-163.

Stanghellini, G. (2019). The PHD Method for Psychotherapy: Integrating

Phenomenology, Hermeneutics, and Psychodynamics. Psychopathology, 52(2),

75-84.

Stanghellini, G., Ballerini, M., Presenza, S., Mancini, M., Raballo, A., Blasi, S. &

Cutting, J. (2016). Psychopathology of Lived Time: Abnormal Time Experience

in Persons With Schizophrenia. Schizophrenia Bulletin, 42(1), 45–55.

Straus, E. W. (1967). Estesiologia y alucinaciones. Em R. May & E. A. H. F.

Ellenberger (Eds.), Existencia: nueva dimensión em psiquiatria y psicologia (pp.

177-211), Madrid: Editorial Gredos (Texto original publicado em 1948).

Straus, E. W. (2000). Uma perspectiva existencial do tempo. Revista latinoamericana

de psicopatologia fundamental, 3, 115-123.

Tatossian, A. (1979). Aspects phénoménologiques du temps humain em psychiatrie.

Colloque de Vézelay, juin 1977. Em Y. Pelicier (Ed.), La folie, le temps, la folie.

Paris, 111-142.

Tatossian, A. (1981). Phénoménologie de la dépression. Encéphale, 7, 361-366.

Tatossian, A. (1994). La subjectivité. In D. Widlöcher, Traité de psychopathologie (pp.

253-318). Paris: Presses Universitaires.

Tatossian, A. (2006). A fenomenologia das psicoses. São Paulo: Escuta (Texto original

publicado em 1979).

Tatossian, A. (2012). Fenomenologia da depressão. In A. Tatossian & V. Moreira.

Clínica do Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia fenomenológica (pp. 29-


283

44). São Paulo: Escuta (Texto original publicado em 1975).

Tatossian, A. (2012). Aspectos fenomenológicos do tempo humano em psiquiatria. In

A.Tatossian & V. Moreira. Clínica do Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia

fenomenológica (pp. 71-90). São Paulo: Escuta (Texto original publicado em

1979).

Tatossian, A. (2012). Teoria e Prática em Psiquiatria: sintoma e fenômeno, um ponto de

vista fenomenológico. In A. Tatossian & V. Moreira. Clínica do Lebenswelt:

psicoterapia e psicopatologia fenomenológica (pp. 91-100). São Paulo: Escuta

(Texto original publicado em 1980).

Tatossian, A. (2012). Depressão, vivido depressivo e orientação terapêutica. In. A.

Tatossian & V. Moreira, Clínica do Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia

fenomenológica (pp. 109-128). São Paulo: Escuta. (Texto original publicado em

1983).

Tatossian, A. (2012). O que é a clínica? In A. Tatossian & V. Moreira. Clínica do

Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia fenomenológica (pp. 141-147). São

Paulo: Escuta (Texto original publicado em 1989).

Tatossian, A. & Moreira, V. (2012). Clínica do Lebenswelt: psicopatologia e

psicoterapia fenomenológica. São Paulo: Escuta.

Tatossian, A. (2016). O sentido da depressão. Em: A. Tatossian, L. Bloc & V. Moreira,

Psicopatologia Fenomenológica Revisitada (pp. 31-40). São Paulo: Escuta.

(Texto original publicado em 1977).

Tatossian, A. (2016). Sintoma clínico e estrutura fenomenológica. Em: A. Tatossian, L.

Bloc & V. Moreira, Psicopatologia Fenomenológica Revisitada (pp. 41-56). São

Paulo: Escuta. (Texto original publicado em 1978).


284

Tatossian, A., Bloc, L. & Moreira, V. (2016). Psicopatologia Fenomenológica

Revisitada. São Paulo: Escuta.

Tatossian, J & Samuelian, J.-C. (2006). Pósfacio da segunda edição francesa. In A.

Tatossian. Fenomenologia das Psicoses (pp. 347-357). São Paulo: Escuta.

Teixeira, J. A. C. (2006). Problemas psicopatológicos contemporâneos: uma perspectiva

existencial. Análise Psicológica, 24(4), 405-413.

Telles, T. C. B. & Moreira, V. (2014). A lente da fenomenologia de Merleau-Ponty para

a psicopatologia cultural. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(2), 205-212.

Trigg, D. (2018). Situated Anxiety: A Phenomenology of Agoraphobia. Situatedness

and Place, 187–201.

Tziminadis, J. L. F. (2017). Para narrar o tempo da vida: um ensaio sobre a aceleração

social. Rev. Cadernos de Campo, 22, 33-53.

Universität Heidelberg. (2018). Universität Heidelberg. Recuperado em 2 de Março,

2018, em https://www.klinikum.uni-heidelberg.de/Prof-Dr-med-Dr-phil-

Thomas-Fuchs.6031.0.html?.

Veríssimo, D. S. (2014). Merleau-Ponty e a condição do natural em nós. Arquivos

brasileiros de psicologia, 66(1), 72-86.

Vianna, R. B.; Campos, A. A. & Landeira-Fernandez, J. (2010). Histórico, diagnóstico e

epidemiologia da ansiedade infanto-juvenil. Revista brasileira de terapias

cognitivas, 6(2), 37-57.

World Health Organization (2016). Investing in treatment for depression and anxiety

leads to fourfold return. Geneva: World Health Organization.

Word Health Organization (2017). Aumenta o número de pessoas com depressão no

mundo. Brasil: World Health Organization.


285

Weber, C. A. T., & Juruena, M. F. (2017). Paradigmas de atenção e estigma da doença

mental na reforma psiquiátrica brasileira. Psicologia, Saúde & Doenças, 18(3),

640-656.

Waelhens, A. (2006). Uma filosofia da ambiguidade. Em M. Merleau-Ponty, A

Estrutura do Comportamento (pp. XXI-XXV), São Paulo: Martins Fontes

(Texto original publicado em 1942).

Yin, R. (2015). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Porto Alegre: Bookman.

Zahavi, D. (2015). A Fenomenologia de Husserl. Rio de Janeiro: Via Verita.

Zancan, N., & Habigzang, L. F. (2018). Regulação Emocional, Sintomas de Ansiedade

e Depressão em Mulheres com Histórico de Violência Conjugal. Psico-

USF, 23(2), 253-265.

Zevnik, A. (2017). From Fear to Anxiety: An Exploration into a New Socio-Political

Temporality. Law Critique, 28, 235–246.

Zilles, U. (2002). Introdução. In. E. Husserl, A crise da humanidade europeia e a

filosofia (pp. 06-46). Porto Alegre: EDIPUCRS.

Você também pode gostar