Você está na página 1de 51

Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre

Introdução a Psicopatologia

MANIFESTAÇÕES DOS ESTADOS PSICOPATOLÓGICOS

CONSCIÊNCIA

 A consciência é o estado em que o indivíduo está ciente em relação a si próprio e ao meio que o rodeia.
Depende do bom funcionamento das seguintes funções: atenção, memória, orientação, perceção e
pensamento.
 Uma pessoa está inconsciente quando não existe uma experiência subjetiva de
consciência, o que acontece em casos de doença cerebral, ou durante o sono.
 Porém, poderá também estar alterada em casos de patologia psiquiátrica ou orgânica.
 As perturbações da consciência podem ser: alterações quantitativas e qualitativas.

Alterações Quantitativas

 Diminuição
 Obnubilação: ligeiro grau de sonolência, com ou sem agitação, dificuldades de concentração e
atenção;
 Sonolência: a pessoa está acordada, mas se não existir estimulação externa adormece. Existe
lentificação psicomotora, diminuição dos reflexos e do tónus muscular;
 Torpor (estupor): redução generalizada do nível de consciência. Desperta apenas com
estimulação forte;
 Coma: o doente apresenta-se totalmente inconsciente.
 Em fases iniciais pode ser acordado por estímulos intensos ou dolorosos.
 Nas fases mais profundas não apresenta resposta a qualquer tipo de estimulação.

 Os quadros de diminuição da consciência são, na sua grande maioria, causados por patologia orgânica,
sendo fundamental a sua avaliação do ponto de vista médico.

Alterações Qualitativas

 Estado oniroide (confuso-onírico)


 Estado que se assemelha ao sono, associado a patologia orgânica, embora, por vezes, possa
ocorrer durante episódios dissociativos.
 Ocorre com:
 Aumento do limiar de captação para todos os estímulos;
 Desorientação temporo-espacial, mas não autopsíquica;
 Presença de alucinações visuais (geralmente pequenos animais –
microzoopsias) associadas a medo ou mesmo terror e, ocasionalmente,
alucinações liliputianas (pessoas pequenas) que podem ocorrer associadas ao
sentimento de prazer;
 Incapacidade de distinguir entre as suas imagens mentais e as perceções;
 Variação circadiana (com agravamento das queixas – nomeadamente
desorientação, agitação e alucinações – à noite);
 Geralmente existe agitação psicomotora, insónia, e interpretação do
comportamento dos outros como ameaçador.
 Pode também estar presente o delirium ocupacional (em que o doente pensa
que está a executar tarefas da sua rotina diária).
 Dentro deste tipo de alteração de consciência podem incluir-se:
 Delirium ou estado confusional agudo: síndrome inespecífica caracterizada por
perturbação da consciência, atenção, perceção, pensamento, memória, comportamento
psicomotor, emoção e ciclo sono-vigília.

1
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Surge em associação com a diminuição abrupta do nível de consciência com


flutuações ao longo do dia (habitualmente com agravamento noturno).
 Associada a patologia orgânica, sendo considerado uma emergência médica.
 Delirium tremens: tipo particular de delirium associado a situações de abstinência
alcoólica (desde o primeiro ao sétimo dia).
 Pode estar associado a alucinações visuais (nomeadamente liliputianas, em que
o paciente vê pequenas criaturas ou microzoopsias em que vê pequenos
animais) e sintomas físicos como tremor, taquicardia, hipertensão, febre,
hipersudorese e desidratação.
 Também constitui uma emergência média.
 Estreitamento (ou restrição) da consciência
 A consciência está limitada a poucas ideias e atitudes que dominam a mente do doente; existe
uma polarização da consciência sobre determinada experiência. Pode haver alguma diminuição
do nível de consciência, de modo que, em alguns casos, o doente apresenta uma desorientação
ligeira (temporal e espacial).
 Ocorrem sobretudo em casos de ansiedade grave, perturbações dissociativas e
epilepsia.
 Estado crepuscular: observa-se um estreitamento da consciência caracterizado por
início e fim abruptos, duração variável de horas a semanas e ocorrência de explosões de
violência não deliberadas, no contexto de um comportamento aparentemente normal,
ao qual se segue uma amnésia.
 O doente está geralmente confuso e perplexo.
 É comum apresentar-se obnubilado, sendo por vezes descrita a presença de
perseveração (repetição automática e frequente de presentações verbais e
motoras) e automatismos (execução de atos ou movimentos sem intervenção
consciente da vontade).
 A sua origem é habitualmente atribuída a causas orgânicas, tais como epilepsia
temporal, mania a potu (reação patológica ao álcool), mas também associado a
perturbações dissociativas.
 Expansão da consciência
 Experiência subjetiva de estar mais alerta, perceção mais viva, com melhor capacidade de
memória, maior facilidade de compreensão e atividade intelectual mais intensa.
 Este quadro pode ocorrer após o consumo de psicoestimulantes ou em casos de mania
aguda e menos frequentemente, na esquizofrenia.

ATENÇÃO

 A atenção refere-se à orientação da atividade psíquica sobre determinado estímulo, objeto ou evento.
 A sua natureza pode ser considerada:
 Ativa ou voluntária: em que existe o esforço consciente e intencional para dirigi-la para
determinado objeto;
 Passiva ou espontânea: que é suscitada pelo interesse momentâneo que um objeto
desperta, não existindo aquele esforço consciente.
 Hiperprosexia: estados de atenção aumentada com tendência incoercível a obstinar-se, a deter-
se indefinidamente sobre certos objetos.
 Ocorre nas perturbações obsessivas e na esquizofrenia paranoide, mas também,
transitoriamente, com a utilização de estimulantes (e.g., anfetaminas)
 Hipoprosexia (diminuição da atenção) e a distratibilidade (instabilidade e mobilidade acentuada
da atenção voluntária) são consideradas perturbações da atenção ativa.

2
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Pode ser um estado não patológico (e.g., como no sono, na fadiga, no tédio ou em
estados hipnóticos), por outro lado pode ter como etiologia estados orgânicos graves
(e.g., traumatismo craniano, intoxicação por álcool ou drogas, epilepsia, hipertensão
intracraniana, entre outros), estar associada a estados psicogénicos (e.g., episódios
dissociativos, ansiedade aguda, depressão, mania, hipomania ou psicose) ou fazer parte
do quadro de perturbação do défice de atenção.
 Estreitamento da atenção: a atenção apenas se focaliza em determinado ponto do que é
consciencializado.
 Ocorre nas psicoses (em que o doente está apenas atento às alucinações), em vivências
delirantes internas, em certas depressões (com hipertenacidade em temas depressivos)
ou em indivíduos sem patologia sujeitos a emoções extremas (medo, dor).

ORIENTAÇÃO

 A orientação é a capacidade de se identificar e de se situar adequadamente no tempo, espaço, na sua


situação pessoal e no geral.
 Há quatro tipos de perturbações da orientação:
 Desorientação no tempo: quando relativa a uma questão de horas será um caso de
desorientação ligeira; se a alteração envolve dias, meses ou anos, trata-se de uma
desorientação moderada a severa. Não saber a estação do ano é um quadro de
desorientação avançada.
 Este é o tipo de orientação mais precocemente alterada em várias patologias.
 Pode evidenciar-se também incapacidade de ordenação cronológica de factos e
recordações pessoais.
 Desorientação no espaço: não saber onde está ou onde vive, bem como a ideia exata da
proporção e distribuição dos objetos que tem ante si;
 Desorientação autopsíquica: refere-se a si próprio. Não sabe o seu nome, idade, estado
civil ou a sua biografia pessoal.
 Habitualmente num estádio tardio de processo orgânico;
 Desorientação alopsíquica: refere-se ao que está fora de si. Não se apercebe de quem
são os outros.
 Inclui também a desorientação no tempo e no espaço.
 A desorientação no espaço e no tempo tem, em princípio, etiologia num processo orgânico.
 Um estado dissociativo pode mimetizar desorientação, mas apresenta características bizarras,
por exemplo, maior desorientação em relação ao próprio que em relação ao tempo e espaço.

MEMÓRIA

 As funções mnésicas permitem a capacidade de fixar, conservar e rememorar informação, experiências e


factos. Podemos falar de várias fases da memória:
 Sensorial ou imediata: com a duração de segundos;
 Primária, recente ou a curto prazo ou de trabalho: que dura segundos a minutos;
 Secundária, remota ou a longo prazo: prolonga-se desde minutos a décadas.
 Podemos também referir-nos a quatro tipos de memória, a que correspondem estruturas cerebrais
diferentes e que têm interesse específico para a semiologia neuropsiquiátrica:
 Semântica: em que não existe referência ao tempo ou ao espaço (situações de conhecimento
geral, mais teóricas, por exemplo, “o mundo é redondo”);
 Episódica, biográfica ou histórica: referente a experiências do próprio (por exemplo, “hoje de
tarde comi um sanduíche”).

3
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 A memória autobiográfica corresponde a eventos da vida do próprio (por exemplo, data


de casamento, de nascimento dos filhos).
 Consoante as modalidades cognitivas poderá também falar-se de memória:
 Explícita ou declarativa: centra-se habitualmente em factos e acontecimentos e o próprio está
consciente da utilização da memória;
 Implícita ou de procedimento: as memórias são obtidas automaticamente e utilizadas de forma
inconsciente (p.e., conduzir, andar de bicicleta).
 Refere-se a hábitos e capacidades motoras, sensoriais ou eventualmente linguísticas.
 Existem quatro processos/estágios de formação de memória:
 Apreensão: capacidade de adicionar novas memórias.
 Perceção adequada
 Compreensão adequada
 Resposta ao material a ser apreendido
 Retenção: capacidade de armazenar novas memórias.
 Memória imediata
 Memória a curto prazo (de trabalho)
 Memória a longo prazo
 Evocação: capacidade de tomar consciente em dado momento o material armazenado;
 Reconhecimento: capacidade de sentir-se familiarizado com determinada experiência já
armazenada na memória.
 No retorno do material à consciência

 As alterações da memória podem dividir-se em dois grupos: quantitativas e qualitativas.

Alterações quantitativas

 Hipermnésia
 Caracterizada por uma capacidade mnésica muito superior ao normal com uma familiaridade
exagerada em recordar.
 Pode ocorrer com a utilização de psicoestimulantes, nos estados febris, nas vivências
relativas a situações limite (com a ilusão de reviver num instante toda a vida), nas
perturbações obsessivas (interesse focalizado num tema), na personalidade histriónica
(sobretudo memória hiperestésica), na aura epilética (com saída automática de
recordações) e na perturbação de stress pós-traumático (memórias em flash de
emoções intensas, invulgarmente claras, detalhadas e prolongadas).
 Ecmnésia: recapitulação e revivescência intensa, abreviada e panorâmica de factos do passado
que pareciam já esquecidos.
 Descrita na intoxicação por drogas, nas personalidades histriónicas, em doentes sujeitos
a hipnose e em crises epiléticas temporais.
 Alguns destes fenómenos atingem uma intensidade tal, próxima da alucinação,
designando-se então de eidolias.
 Amnésia ou hipomnésias
 Existe capacidade parcial ou total de ficar, manter e evocar conteúdos mnésicos.
 A amnésia pode ser:
 Anterógrada: o paciente esquece tudo o que ocorreu após um facto ou acidente
importante;
 Retrógrada: existe incapacidade de evocar situações ocorridas antes de um certo ponto;
 Lacunar: em que existe esquecimento de factos ocorridos entre duas datas;
 Remota: são esquecidos factos ocorridos no passado.
 As amnésias podem ainda ser divididas em dois subgrupos:

4
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Amnésia orgânica: é menos seletiva em relação ao conteúdo do material esquecido que


a psicogénica, existindo múltiplas causas que afetam os vários estágios de formação da
memória causando amnésia.
 A fase de apreensão pode ser bloqueada em casos de delirium, traumatismos
cranianos (habitualmente amnésia retrógrada) e nos blackout alcoólicos
(habitualmente amnésia anterógrada).
 Quadro demenciais afetam habitualmente a fase de retenção.
 A fase de evocação é afetada em dois quadros clássicos:
o Amnésia diencefálicas: exemplo típico é a síndrome de Korsakoff, em
que o paciente não tem insight para a situação e apresenta
confabulação.
o Amnésia hipocampal: ao contrário da anterior o doente apresenta
insight e consequentemente não confabula;
 Ocorre em situações de lesões do lobo temporal, como por
exemplo pós-encefalite.
 Amnésia psicogénica: em que há perda de elementos mnésicos focais que têm um valor
psicológico específico (simbólico, afetivo) e está normalmente associada a perturbações
da evocação e reconhecimento.
 Amnésia dissociativa: o doente apresenta uma perda completa de memória e
identidade, embora consiga desempenhar papéis de comportamentos
complexos e seja capaz de tomar conta de si próprio, havendo um contraste
entre a perda de memória e a manutenção de uma personalidade intacta.
o Esta situação difere da amnésia de causa orgânica em que a amnésia
total coexiste com uma incapacidade de tomar conta de si próprio.
o Poderá ocorrer associada ao fenómeno de fuga dissociativa em que
existe estreitamento da consciência, fuga do ambiente habitual,
amnésia subsequente e manutenção de autocuidados.
o Outra condição clássica associada é a síndrome de Ganser, em que
doentes apresentam os seguintes sintomas: respostas ao lado (p.e.,
“de que cor é o sol? … verde” > percebe-se que compreende a
pergunta, mas responde ao lado), alteração da consciência com
desorientação, sintomas de personalidade histriónica, história recente
de traumatismo craniano, tifo ou fator indutor de stress, pseudo-
alucinações (auditiva e visual), amnésia para o período durante o qual
os sintomas acima descritos ocorrem.
 Catatímica: amnésia seletiva de acordo com carga afetiva atual.
o Ocorre no contexto de perturbações depressivas, ansiosas ou em
perturbações de personalidade histriónicas.

Alterações qualitativas

 Paramnésias: existe uma distorção (ou falsificação) das memórias e não a perda das mesmas.
 Ocorrem em perturbações nas fases de evocação e de reconhecimento.
 Alterações da evocação:
 Falsificação retrospetiva: existe uma distorção não intencional das memórias de acordo
com o estado afetivo (depressão ou mania) ou de funcionamento (personalidade)
atuais.
 Alguns autores incluem nesta secção a pseudologia fantástica, termo que
corresponde à descrição de acontecimentos significativos ou traumáticos do

5
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

passado de uma forma falsamente grandiosa, que ocorre, frequentemente, em


fases de crises pessoal, em personalidades histriónicas e antissociais, sem
patologia orgânica cerebral, geralmente mesclados com a realidade.
o O doente fala com fluência e com intensidade sobre estes factos e,
aparentemente, acredita no que diz.
 Associado a este conceito está a síndrome de Munchausen (fazendo parte da
confabulação) e o termo mitomania, a produção imaginária de acontecimentos
fictícios com crença na sua realidade.
 Delírio retrospetivo (falsificação retrospetiva delirante ou ideia delirante
retrospetiva): o doente data o delírio como anterior à doença atual (back-date), por
exemplo acredita ter poderes especiais e diz que estas capacidades se iniciaram quando
ele era criança, quando na realidade a doença se iniciou na idade adulta.
 É descrito na esquizofrenia.
 Recordações delirantes ou memórias delirantes: forma de delírio primário (dividem-se
em duas apresentações: perceção delirante e ocorrência delirante)
 Confabulações: descrição detalhada e falsa de um acontecimento que alegadamente
ocorreu no passado.
 Ocorre em consciência clara, muitas vezes para preencher lacunas mnésicas;
caracteristicamente são sugestionáveis, plásticas e podem ser modificadas
adaptando-se às circunstâncias. Apesar de algumas asserções serem
contraditórias, o doente não procede, habitualmente, a qualquer tentativa para
as corrigir.
 Podem assumir dois padrões:
o Embaraçado: o mais comum; em que o doente tenta preencher
lacunas mnésicas ao aperceber-se de um défice (pode responder com
memórias deslocadas no tempo).
o Fantástico: em que as lacunas são preenchidas com detalhe que
excedem o défice mnésico, com descrição de
acontecimentos/aventuras fantásticas que nunca sucederam.
 As confabulações ocorrem frequentemente na síndrome de Korsakoff,
caracterizada por um défice grave de memória de retenção acompanhada de
confabulações e, possivelmente, desorientação temporo-espacial, secundária
ao défice de timina (vitamina B1), no alcoolismo crónico ou situações de
malnutrição.
 Síndrome de memórias falsas: quando, durante uma psicoterapia, devido a sugestão, o
paciente tem memórias (falsas) de abuso sexual ou maus-tratos que ocorreram há
décadas.
 Criptomnésia: é um falseamento da memória, em que factos contidos na lembrança
aparecem como novos ao doente, que os vive como uma descoberta (p.e., contar uma
história como nova, quando a mesma foi relatada por outro, entre as mesmas pessoas
minutos atrás) .
 Alterações do reconhecimento
 Poderemos distinguir as de origem essencialmente orgânica (as diferentes formas de
agnosias) e as alterações associadas a perturbações mentais sem base orgânica,
dividindo estas últimas em:
 Não delirantes
o Déjà-vu e jamais-vu: reconhecimento de que já se teve determinada
experiência, por exemplo, ter estado num determinado lugar; ou o

6
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

oposto, sentir que se está a experimentar uma determinada situação


pela primeira vez, tendo-a já vivido no passado.
 É um fenómeno normal e comum em situações de fadiga,
embora possa ocorrer em casos de epilepsia temporal,
doença cerebrovascular ou psicoses tóxicas.
 Delirantes
o Identificação errónea positiva (falso reconhecimento positivo): os
desconhecidos são identificados como pessoas próximas ou
conhecidas pelo doente.
 Pode tomar a forma de delírio de Fregoli – em que os
desconhecidos são reconhecidos como pessoas conhecidas
que estão disfarçadas (o médico, o psicólogo é uma pessoa da
sua família ou velho conhecido que está disfarçado).
 Ocorre na esquizofrenia, embora também seja relatado na
perturbação de personalidade histriónica.
 Na síndrome de Fregoli inversa há uma crença
delirante de que houve uma mudança radical na sua
aparência física (sem alteração do seu self
psicológico).
o Identificação errónea negativa (falso reconhecimento negativo): as
pessoas conhecidas não são reconhecidas.
 Pode tomar a forma de síndrome de Capgras ou ilusão de
sósias, em que doente pensa que os seus conhecidos foram
substituídos por sósias (são quase idênticos, mas no fundo
são impostores, falsários quase perfeitos).
 Ocorre também na esquizofrenia ou em perturbações de
personalidade histriónicas.
 Na síndrome de Capgras inversa o doente acredita
que houve uma transformação radical em si mesmo,
e que ele próprio é um impostor que passou a
habitar o seu próprio corpo.
o Síndrome de intermetamorfose: o doente acredita que alguém se
transformou noutra pessoa adquirindo as suas características físicas e
psíquicas.
 P.e., uma pessoa estranha (perseguidor) adquiriu as
características físicas e psicológicas de um seu familiar. De
acordo com alguns autores, esta síndrome não corresponde a
uma perturbação do reconhecimento.

PERCEÇÃO

 A perceção é um processo que envolve três fases:


 Existência de um evento sensorial (p.e., um objeto, uma música ou um aroma);
 Perceção sensorial, em que os órgãos sensoriais captam o evento (p.e., ao ver um objeto, ao
ouvir uma música ou ao cheirar um aroma); esta fase depende do bom funcionamento dos
órgãos sensoriais;
 Perceção com significado em que à perceção sensorial é atribuído um significado (p.e., quando
se tem a noção que se está a ouvir uma música ou a ver determinado objeto).

7
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 As perturbações da perceção dividem-se em dois grupos: distorções sensoriais (existe um objeto real cuja
perceção é distorcida) e falsas perceções (em que existe uma perceção “de novo” que pode ser ou não
uma resposta a um estímulo externo).

Distorções Sensoriais

 Alteração da intensidade (quantitativas)


 Hiperestesia: a intensidade da perceção está aumentada. A hiperestesia auditiva pode ocorrer
em situações como a enxaqueca ou a depressão em que, embora não haja uma real melhoria da
acuidade auditiva, há uma redução do limitar a partir do qual o som passa a ser incomodativo.
 A hiperestesia visual pode ocorrer na intoxicação por determinadas drogas ou na mania.
 Hipostesia: a intensidade da perceção está reduzida, pode ocorrer no delirium em que existe um
aumento do limiar para todas as sensações, mas também nos depressivos.
 Alteração da qualidade
 Alterações da cor: geralmente são distorções visuais secundárias ao consumo de substâncias
tóxicas, em que todo o campo visual fica mais intenso e com cores alteradas, podendo ocorrer
xantopsia (amarelo), cloropsia (verde) e eritropsia (vermelho);
 Alterações da dimensão ou dismegalopsia: ocorrem sobretudo em doentes com patologia
orgânica (p.e., em lesões temporais e parietais, na epilepsia ou, raramente, na esquizofrenia).
 Pode haver um aumento (macropsia ou megalopsia) ou redução (micropsia) dos objetos
do campo visual.
 Dismegalopsia é um sinónimo de alterações de forma (um objeto é maior de um lado e
menor do outro lado) simultânea com a macropsia e micropsia.
 Alterações da forma ou dismorfopsia: com perceção deformada da forma, p.e., de partes do
corpo.
 Pode ocorrer na esquizofrenia.
 Distorção da imagem corporal: em que há uma perceção do corpo como estando
exageradamente gordo ou hiperbolizando pequenos defeitos físicos.
Pode surgir na anorexia nervosa ou na perturbação dismórfica corporal.
 Separação da perceção: quando várias sensações normalmente associadas entram em conflito
(p.e., ver e ouvir televisão) parecendo separadas, é observável na esquizofrenia ou em situações
de delirium.

Falsas Perceções

 Existem três tipos de falsas perceções ou erros sensoriais (ilusões, alucinações e pseudo-alucinações)

 Ilusões
 Ocorrem quando estímulo vindos a partir de um objeto percebido se combinam com uma
imagem mental, produzindo uma falsa perceção deformada e adulterada de um objeto real
presente. A perceção de uma ilusão depende do cenário em que a ilusão ocorre, da escassa
acuidade percetiva e de emoções intensas, podendo ocorrer em indivíduos com ou sem
patologia psiquiátrica.
 Existem alguns tipos de ilusões que merecem ser mencionados:
 Pareidolia: refere-se à criação de formas imaginárias a partir de perceções resultantes
de objetos de forma mal definida (p.e., ver rostos nas nuvens);
 Resultam, sobretudo, da capacidade imaginativa e, ao contrário das restantes
ilusões, não são extintas pelo aumento da atenção.

8
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Imagem eidética: fenómenos sensoriais que surgem quando imagens de objetos são
sobrepostas num fundo escuro e depois removidas e os indivíduos continuam a ver
estas imagens com todo o pormenor;
 Ilusão de preenchimento: quando se completa um padrão familiar, mas não terminado
(p.e., estar a ler um texto em que falta uma letra ou uma palavra e nem sequer se
repara que algo falta, pois mentalmente completamos a frase ou a palavra);
 Este tipo de fenómeno ocorre quando se está mais desatento.
 Ilusão de afeto: em que uma perceção pode ser alterada de acordo com o estado de
humor (p.e., um doente maníaco poderá ler um anúncio de emprego “precisa-se de
pessoa inteligente” em vez de “precisa-se de pessoa de pessoa fluente em…”).
 As ilusões, quando sempre visuais, ocorrem em estados de fadiga grave ou inatenção e em casos
de privação sensorial, de abaixamento do nível de consciência, em que os estímulos são
percebidos de forma deformada, e em alguns estados de expectativa afetiva.
 Alucinações
 Alucinações são falsas perceções que não se desenvolvem a partir da transformação de
perceções reais (como as ilusões) e que ocorrem simultaneamente com as perceções reais. Mas,
ao contrário das pseudo-alucinações, as alucinações apresentam objetividade, corporalidade e
são localizadas no espaço exterior.
 As alucinações ocorrem em quadros psicóticos funcionais (esquizofrenia, mania
psicótica, depressão psicótica), mas também em situações orgânicas ou em casos
deprivação sensorial. Estas geralmente subdividem-se de acordo com o tipo sensorial e
a sua complexidade.
 Alucinações auditivas
 Tipo elementar ou acusmas: estampidos, arrulhos, gritos, murmúrios;
 Parcialmente organizadas: música;
 Completamente organizadas ou auditivo-verbais: vozes, palavras;
 As alucinações auditivo-verbais (acústico-verbais) podem ser caracterizadas de
acordo com a sua qualidade (claras ou vagas), conteúdo (imperativas – dar
ordens; interpelativas – comentários sobre atos), impacto (agressivas,
amigáveis, etc.), dirigidas diretamente ao doente ou não (vozes que se dirigem
ao doente diretamente na segunda pessoa (tu) ou um conjunto de vozes que
falam entre si, comentando indiretamente o comportamento do doente da
terceira pessoa (ele).
o Quando as vozes que falam entre ti se contradizem denominam-se
alucinações antagonistas. Estas alucinações, sob forma de vozes que
comentam o comportamento doente e a ele se dirigem na terceira
pessoa, são muito características da esquizofrenia.
o As alucinações acústico-verbais, sob a forma de vozes, podem ocorrer
também em perturbações do humor (depressão, ou mania psicóticas)
no alcoolismo crónico, nas perturbações dissociativas e em
personalidades borderline, esquizoide, esquizotípica ou histriónica.
 Alucinações visuais
 Tipo elementar: fosfenos ou fotopsias (clarões, chamas ou sombras);
 Parcialmente organizadas: padrões, figuras geométricas;
 Completamente organizadas: pessoas, objetos, animais, cenas.
 As alucinações visuais são mais típicas dos estados orgânicos do que das
psicoses funcionais (não orgânicas). Podem incluir a visão de cenas
cinematográficas complexas (alucinações cénicas) semelhantes ao
desenvolvimento de um sonho com dramática participação do doente (visões

9
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

de fogo, cenas de crucificação, grandes multidões) como na epilepsia do lobo


temporal e nas parafrenias fantásticas. Ocorrem também alucinações
liliputianas (cenas com personagens minúsculas) ou gulliverianas (gigantes), ou
ainda representações de animais (zoopsias) repugnantes (p.e., no delirium
tremens), ou perigosos, monstruosos e fantásticos.
o Estas alucinações podem surgir, sobretudo, em síndromes orgânicas
(traumatismos cranianos, delirium, demências), mas também em
intoxicações por alucinogénios e, mais raramente, na esquizofrenia.
 Alucinações táteis ou da sensibilidade superficial
 Podem corresponder à sensação de toques, em que os doentes sentem que tocam em
objetos que não existem (ativas) ou que são tocados por alguém, pessoa ou objeto
(passivas). Este tipo de alucinações também pode tomar a forma de sensações de calor,
frio, choques elétricos, sopros, picadas ou de insetos rastejando na pele ou logo abaixo
dela (formicação). Quando este tipo de alucinação surge no contexto de intoxicação
com cocaína (frequentemente) toma o nome de cocaine bug.
 Incluem-se aqui alucinações sexuais (toques sexuais, reações forçadas,
violação) que ocorrem na esquizofrenia, nas síndromes psico-orgânicas e nas
demências.
 Alucinações cenestésicas ou da sensibilidade profunda
 Correspondem à sensibilidade profunda, enquadrando-se aqui todas as sensações
corporais além das táteis (p.e., dor profunda, sensações musculares ou articulares).
Neste tipo de alucinações podem ser incluídas as alucinações viscerais (p.e., achar que
os órgãos se estão a deslocar pelo corpo, ou ter animais que se movem no interior do
corpo. Pode haver a sensação do corpo estar infestado de animais/parasitas
(parasitoses alucinatórias), associando-se nestas circunstâncias, as experiências
alucinatórias ao delírio zoomórfico ou zoopático.
 Alucinações olfativas
 O doente queixa-se de cheiro a gás ou a borracha queimada ou que ele próprio emite
mau cheiro.
 Podem ocorrer na epilepsia (ataques uncinados temporais), ou outros quadros
orgânicos, sendo menos frequentes na esquizofrenia e raramente em quadros
depressivos melancólicos.
 Alucinações gustativas
 Raras e excecionalmente isoladas, em que o doente poderá sentir gostos estranhos na
comida (com a respetiva interpretação delirante de assumir tratar-se de comida
envenenada, recusando-se a comer – sitiofobia).
 Podem ocorrer na esquizofrenia, embora também em quadros orgânicos.
 Há que diferenciar dos delírios secundários, em que o doente esquizofrénico se
sente fisicamente alterado, o que o leva a pensar que foi envenenamento.
 Alucinações motoras ou cinestésias
 Sensação de execução de movimentos ativos ou submeter-se a passivos, de se mover
lenta ou rapidamente, parcial ou totalmente.
 Está provavelmente envolvido o sistema vestibular (responsável pela
manutenção do equilíbrio), pelo que também se podem denominar de
alucinações vestibulares:
o Tipo elementar: movimentos indeterminados;
o Complexas: com sensação de voar, sentir o corpo a afundar-se, um
braço a elevar-se, levitar, andar, etc.

10
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia


Existem alguns tipos especiais de alucinações que, pela semiologia particular, merecem
destaque:
 Hipnagógicas (ocorrem ao adormecer) e hipnopômpicas (ocorrem ao acordar):
habitualmente auditivas, são consideradas um fenómeno normal, embora ocorram com
maior frequência na narcolepsia ou em situações de abuso de tóxicos;
 Alucinações funcionais: em que é necessária a presença de um estímulo que
desencadeia a alucinação, no mesmo campo sensorial (p.e., ouvir vozes quando os
pássaros cantam ou quando se ouve uma pancada na parede, e cessam quando se deixa
de ouvir esses sons);
 Alucinações reflexas: um estímulo num campo sensorial produz alucinações noutro
campo sensorial (p.e., um doente sente cefaleia enquanto outro ressonam ou provoca-
se uma alucinação visual estimulando o tímpano com um diapasão) percebendo-se
ambas separadamente desaparecendo a segunda quando cessa a desencadeante.
 Difere da sinestesia quando a perceção de determinada sensação se associa
com uma imagem pertencente a um órgão sensorial distinto, confundindo-se a
qualidade de ambas como na “audição colorida” - visão de cores ao ouvir uma
sinfonia. Há uma perceção fundida à anterior enquanto na alucinação reflexa é
simultânea.
 Alucinações múltiplas, sincrónicas ou combinadas: ocorrem alucinações de várias
modalidades sensoriais (p.e., vê uma pessoa, que fala com o doente e toca no seu
corpo):
 Alucinações extracâmpicas: quando os objetos alucinados estão fora do campo
percetivo (doente vê pessoas atrás de si, ou no Brasil quando o doente está em Lisboa);
 Autoscopia ou imagem em espelho: doente vê-se a si próprio e reconhece-se (união de
alucinação cenestésica e visual).
 Poderá acontecer em situações normais (p.e., perante exaustão emocional),
embora possa ocorrer em quadros orgânicos, na epilepsia e também na
esquizofrenia. Na autoscopia negativa, o doente não se vê ao espelho.
 Alucinose: corresponde à presença de alucinações sem alterações de consciência, sem
ideias delirantes predominantes, geralmente com insight (crítica).
 Além de situações associadas ao consumi de álcool, podem ocorrer também
em lesões do tronco cerebral, crise pós-descarga da epilepsia temporal,
intoxicação por alucinogénios, anticolinérgicos e ayahuasca, e raramente em
psicoses funcionais (não orgânicas).
 Pseudoalucinações
 Significa falsa alucinação, sendo um fenómeno que poderia ser, à primeira vista, confundido com
uma verdadeira alucinação.
 Nas pseudoalucinações existe uma falta de consciência sensorial (falta-lhes objetividade
e corporalidade – no caso de visuais, clareza da imagem, vividez das cores, delimitação
da sua forma – e são sentidas como vindas do interior ou do espaço subjetivo) e/ou o
caráter irreal é rapidamente reconhecido (com insight).
 Outras características típicas das pseudoalucinações correspondem ao facto de elas
geralmente não persistirem muito no tempo e de poderem ser modificadas pela
vontade (iniciadas ou finalizadas)

Consciência da realidade
Fenómeno Consistência sensorial Outras características
(insight)

11
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

Com objetividade e Persistem no tempo


Alucinação Ausente corporalidade Não alteradas pela
Espaço exterior vontade

Sem objetividade e
Não persistem no tempo
Pseudoalucinação Presente ou ausente corporalidade
Alteradas pela vontade
Espaço interior/subjetivo

 Podem aparecer nos estádios inicias das psicoses e depois transformarem-se em alucinações
verdadeiras ou aparecerem ambas simultaneamente. Porém, também podem ocorrer sem
doença psiquiátrica (p.e., no luto – chamadas alucinações do luto – que, na maioria das vezes,
são pseudoalucinações e não verdadeiras alucinações), nos episódios depressivos (muitas vezes
não apresentam características de verdadeiras alucinações) e em personalidades histriónicas
(nestes casos são típicas imagens assustadoras, impressionantes, sugestionáveis e compatíveis
com as suas fantasias e com o contexto sociocultural dos doentes).

DISCURSO E LINGUAGEM

 As alterações do discurso e linguagem podem ser divididas em orgânicas (mais relacionadas com
perturbações orgânicas) e funcionais (relacionadas com alterações psiquiátricas).

Alterações orgânicas

 Disartria: dificuldade em articular as palavras, normalmente resultante de paresia, paralisia ou ataxia dos
músculos que intervêm nesta articulação. A fala é pastosa, aparentemente embriagada.
 Pode acompanhar os casos de efeitos extrapiramidais secundários à toma de antipsicóticos.
 Dislexia: distúrbio específico da linguagem caracterizado pela dificuldade em descodificar (compreender)
palavras.
 Afasia: perturbação da linguagem caracterizada pela perda parcial ou total da faculdade de exprimir os
pensamentos por palavras e de compreender as palavras.
 Sensorial ou de compreensão: centraliza-se na dificuldade na compreensão das palavras. Há
perturbação da palavra espontânea, da leitura e da escrita.
 O exemplo clássico é a afasia de Wernicke, em que o doente, apesar de conseguir falar,
comunica numa linguagem destituída de sentido lógico e pronuncia as palavras de
maneira defeituosa ou emite uma série de palavras sem ordem gramatical, o que torna
a sua linguagem inteiramente incompreensível.
 Motora ou de expressão: o doente compreende o que ouve, mas há impossibilidade de
pronunciar as palavras. A leitura e a escrita estão conservadas.
 O exemplo clássico é a afasia de Broca, em que o doente não fala ou diz muito pouco,
empregando um pequeno número de palavras cujo encadeamento em frases está
reduzido ao mínimo. Frequentemente está associada disartria.
 Parafasia: refere-se à utilização de palavras, erradas ou distorcidas (p.e., cameila = cadeira, ou ibro =
livro).
 Ocorrendo por vezes nas afasias motoras e no início das síndromes demenciais.

Alterações funcionais

 Perturbação da articulação
 Gaguez: repetição de sílabas, hesitações, bloqueios intermitentes, aspirações com fase
clónica/tónica.
 Pode ocorrer em estados ansiosos, especialmente em crianças.

12
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Perturbação da atividade verbal


 Hipoatividade
 Linguagem quantitativamente diminuída: o doente restringe a sua fala ao mínimo
necessário, com respostas monossilábicas ou muito sucintas, sem frases ou comentários
adicionais;
 Mutismo: ausência de resposta verbal, perda completa do discurso apesar de
consciência mentida.
 É típico da depressão grave ou da esquizofrenia catatónica.
 Também pode ocorrer na presença de estupor com ausência das funções
relacionais (mutismo associado a acinesia).
 Pode ser seletivo ou eletivo (só para certas pessoas).
 Esta recusa em falar, apesar da integridade dos centros de linguagem e do
aparelho fonatório, pode aparecer em doentes com ideias delirantes, não as
querendo revelar com medo do sentido que as palavras podem ter, no estupor
catatónico, melancólico e histérico, nos estados confusionais e dissociativos,
após choques emocionais, em crianças autistas e no mutismo por medo,
desprezo, necessidade de valorização ou teimosia.
 Mutacismo: mutismo deliberado na mania, na simulação ou no doente delirante.
 Hiperatividade
 Prolixidade: o doente fala muito, discorrendo longamente sobre todos os tópicos,
porém ainda dentro dos limites de uma conversação normal;
 Logorreia ou verborreia: falar excessivo com loquacidade compulsiva, com pressão de
discurso, frequente na excitação maníaca, na agitação catatónica e no delírio agudo.
 Alteração do débito ou do ritmo
 Fluxo lentificado ou bradifemia: fala muito vagarosamente; são notadas longas pausas entre as
palavras e/ou latência para iniciar uma resposta.
 Típica da depressão, mas também em estados demenciais, esquizofrenia crónica com
sintomas negativos;
 Fluxo acelerado ou taquifemia: o doente fala, continuamente, e com velocidade aumentada. O
examinador, geralmente, encontra dificuldade ou não consegue interromper o discurso do
doente.
 Ocorre, por exemplo, em estados de mania, ansiedade ou na esquizofrenia.
 Aprosodia: discurso sem entoação afetiva.
 Pode ocorrer na depressão ou na esquizofrenia.
 Alterações iterativas
 Logoclonia: reiteração verbal da última sílaba que o próprio pronunciou, que ocorre sempre nas
mesmas condições (direito, eito, eito, eito, eito…)
 Frequente em quadros demenciais
 Ecolalia: repetição irrelevante, exata, imediata e automática de sons, palavras ou frases ditas
pelo interlocutor; às vezes com a mesma entoação e inflexão de voz.
 Pode ocorrer em patologias psico-orgânicas, na esquizofrenia ou na debilidade mental.
 A palilalia corresponde à repetição de uma frase com velocidade aumentada;
 Psitacismo: repetição de palavras e frases ouvidas sem que o doente compreenda o seu
significado;
 Estereotipias verbais: repetição das mesmas palavras e partes de frases invariavelmente fora de
propósito, isoladas ou integradas no discurso;
 Verbigeração: repetição anárquica de palavras ou frases que tendem a invadir todo o discurso
composto de estereotipias verbais sem sentido comunicativo, com repetição incessante das
mesmas durante períodos muito longos.

13
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Ocorre em quadros orgânicos, demenciais e também na esquizofrenia.


 Alterações semânticas e sintáticas
 Neologismos: novas palavras construídas pelo doente.
 Típico da esquizofrenia.
 Paralogismos: atribuição de um novo significado a uma palavra existente.
 Típico da esquizofrenia.
 Discurso desorganizado: ocorre quando está presente um pensamento com alterações formais
importantes (estão alterados a organização e o processo associativo do pensamento, sobretudo
no que se refere à componente abstrata e de conceptualização).
 Ocorre na esquizofrenia (quando é grave e se transforma numa “salada de palavras”,
toma o nome de esquizofasia) e em quadros cerebrais orgânicos;
 Discurso pobre: diminuição dos recursos linguísticos como na esquizofrenia crónica;
 Pedolalia: discurso infantilizado
 Ocorre tipicamente nas demências e esquizofrenias.
 Coprolalia: utilização involuntária, repetitiva e desnecessária de palavras vulgares, obscenas em
certas psicoses e na síndrome de Gilles de la Tourette, associado a tiques.
 Mussitação: produção repetitiva de uma voz muito baixa, murmurada num tom monocórdico,
sem significado comunicativo, como se falasse “para si”, movendo descontinuadamente os
lábios, emitindo fonemas e palavras muito repetitivas (esquizofrenia catatónica).
 Glossolalia: estilização, rebuscamento, maneirismos no discurso numa tentativa de adotar um
funcionamento rígido e estereotipado, perdendo a adequação e a flexibilidade do
comportamento verbal em relação ao seu contexto sociocultural, acabando por gerar uma
linguagem idiossincrática “privada” (criptolalia)
 Ocorre nos estados de êxtase religioso e na esquizofrenia.
 Alterações sintáticas
 Agramatismo: empobrecimento e contração sintática (sem artigos, conjugação, preposição…),
redundando num estilo telegráfico ou frases incompletas suprimindo alguns daqueles elementos;
 Paragramatismo: perturbação da ordenação verbal em que a sintaxe fica destruída até uma
incompreensível mistura de palavras e sílabas desprovidas de sentido. As palavras conversam o
seu senso comum, mas não juntas segundo as regras da gramática “tenho dores, católicas,
insinuantes,...”.
 Vão desde a condensação de frases ao desmantelamento da frase chegando à
incoerência total.
 Típico de doentes esquizofrénicos com alterações formais do pensamento.
 Outros
 Respostas ao lado ou pararespostas (Vorbeireden): resposta totalmente inadequada à pergunta
embora se infira, pelas respostas subsequentes, que o doente compreendeu a primeira pergunta,
mas responde algo de tópico associado “ao lado”.
 P.e., pergunta-se “de que cor é a neve?” e obtém-se a resposta “verde”.
 Pode ocorrer na esquizofrenia ou, classicamente, na síndrome de Ganser, mas também
na pseudodemência.
 Tangencialidade: responde às perguntas de forma oblíqua não sabendo discernir o essencial do
supérfluo. As respostas tangenciais do que foi perguntado nunca chegam à parte central, ao
objetivo formal, sem concluírem, por isso, algo de substancial pela incapacidade de fazer
associações dirigidas a um fim. O objetivo do discurso não chega a ser atingido ou não é
claramente definido e o doente afasta-se do tema que está a ser discutido, introduzindo
pensamentos aparentemente não relacionados, dificultando uma conclusão (pode ocorrer junto
com as pararespostas)

14
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

PENSAMENTO

 As alterações do pensamento dividem-se em quatro grandes grupos. Alterações do curso, da forma, da


posse e do conteúdo.

Alterações do curso do pensamento

 Alterações do ritmo do pensamento


 Taquipsiquismo ou pensamento acelerado: aumento da velocidade do fluxo do pensamento,
refletindo-se no discurso por aumento do débito verbal.
 Pode associar-se ou não com a fuga de ideias.
 Classicamente ocorre em estados de hipomania, mania, intoxicação alcoólica inicial e
nas psicoses tóxicas (anfetaminas e cocaína);
 Fuga de ideias ou pensamento ideofugitivo: em que uma ideia segue imediatamente a outra e o
pensamento muda constantemente de objetivo, em função das associações, e perde a sua
finalidade (não há um regresso ao pensamento principal).
 Ocorre sempre na presença de pensamento acelerado.
 As associações da cadeira do pensamento são determinadas por associações casuais
sonoras, verbais (p.e., assonâncias, aliterações, etc.) ou pela presença de estímulos
exteriores contingentes, entre outras.
 P.e., “Sr. Doutor, tenho amor pelas árvores e a cor… dos meus olhos… (toca o
telefone) … deve ser para mim da presidência da república… pública sou uma
figura.”
 Ocorre tipicamente na mania.
 O pensamento digressivo corresponde a um grau ligeiro de fuga de ideias.
 Pensamento circunstanciado: pensamento prolixo que se perde em entediantes detalhes
desnecessários, mostrando uma incapacidade para distinguir o essencial do acessório. Porém, o
pensamento não perde a sua finalidade (há um regresso ao pensamento principal).
 Ocorre tipicamente em perturbações de personalidade.
 Bradipsiquismo ou pensamento lentificado: o pensamento progride lentamente, com
diminuição do poder de associação de ideias e dificuldade de passar de um tema para o outro;
observa-se o aumento da latência das respostas, lentidão de discurso e capacidade de decisão
reduzida.
 Típico de estados depressivos, início de processos confusionais, na doença de Parkinson
e noutros quadros psico-orgânicos.
 Pensamento inibido: há inibição do raciocínio (“custa pensar”) e o doente sente resistências ao
fluxo do pensamento que é lento, hesitante e irregular. Esta inibição é vivida subjetivamente
(experienciada) como dificuldade em pensar e tomar decisões, perda da clareza de pensamento.
 Ocorre na depressão, esquizofrenia catatónica inibida, quadros demenciais e na fadiga.
 Enquanto o pensamento lentificado é um fenómeno observado (objetivo) o
pensamento inibido é experienciado pelo doente (subjetivo).
 Perturbações da continuidade do pensamento
 Bloqueio do pensamento: descontinuidade da progressão do pensamento com suspensão
brusca e aparentemente imotivada do pensamento (observada e/ou experienciada), manifestada
por uma interrupção súbita da fala, no meio de uma frase em plena clareza de consciência.
 Quando o doente consegue retomar o discurso, fá-lo com outro assunto, sem conexão
com a ideação anterior, com sentimento de embaraço ou como experiência aterradora
devido ao vazio completo no curso do pensamento.
 Típico da esquizofrenia ou quadros ansiosos (pseudobloqueio).

15
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Perseveração ideativa ou perseveração do conteúdo: em que uma ideia persiste além do ponto
em que é relevante. O doente não pode abandonar uma ideia para passar para outra, sentindo-
se incapaz de se adaptar a questões sucessivas, repete voluntariamente a mesma resposta a uma
velocidade de questões, mostrando uma incapacidade de se adaptar a uma mudança de tópico
(perseveração temática).
 Ocorre na depressão, esquizofrenia crónica e síndromes psico-orgânicas.
 Perseveração verbal: falta de fluidez das ideias que se manifesta pela repetição involuntária de
palavras ou frases, que o doente executa quando tenta falar ou inicial o discurso repetindo,
geralmente, a palavra ou frase terminal do seu discurso anterior ou da pergunta do interlocutor,
que já não tem sentido no contexto atual da entrevista, mas que tivera anteriormente.
 Esta situação difere da ecolalia e da estereotipia verbal.
 Pode ocorrer nas síndromes psico-orgânicas.

Alterações da forma do pensamento

 Nas alterações da forma do pensamento estão alterados a organização e o processo associativo do


pensamento, sobretudo no que se refere à sua componente abstrata e de conceptualização.
Manifestam-se através da comunicação e da produção do discurso, podendo a linguagem apresentar
alterações apenas semânticas ou também sintáticas.
 Foi uma categoria psicopatológica introduzida como quase específica da esquizofrenia, mas estas
alterações são comuns também nas perturbações cerebrais orgânicas (como, p.e., em estados
confusionais)). Podem também aparecer noutras perturbações psiquiátricas como na depressão
e na mania.
 Pensamento concreto, atitude concreta ou défice de abstração: incapacidade de o indivíduo
fazer a distinção entre o simbólico e o concreto, ausência de conceitos abstratos.
 O doente não lida com as suas vivências de forma conceptual, não perceciona os objetos
como pertencendo a uma classe ou categoria, mas valoriza as suas qualidades
acidentais. O doente é influenciado predominantemente pelos estímulos externos e é
incapaz de abstração, faltando aspetos do desenvolvimento do pensamento como a
ironia, o subentendido e o duplo sentido.
 Pode ser avaliada através da observação de algumas manifestações
espontâneas, durante a entrevista (p.e., diante da pergunta “como vai” o
doente responde “vou de autocarro”) ou através da solicitação para que o
doente interpreta provérbios habituais para a sua cultura (p.e., explique “quem
tem telhados de vidro não deve atirar pedras ao vizinho”, o doente pode
explicar apenas que “as pedras partem vidro”).
 Ocorre na deficiência mental, demências e esquizofrenia grave.
 Assíndese ou pensamento assindético: falta de ligações adequadas entre dois pensamentos
sucessivos (p.e., “estou em casa e o agente é secreto”), em que se utilizam clusters de
pensamentos mais ou menos associados, em vez de sequência de pensamentos bem ligados;
 Sobreinclusão ou hiperinclusividade: o doente não mantém os limites dos conceitos (incluindo
atributos de outros conceitos), não se restringe ao problema que lhe é colocado, sai fora dos
seus limites incluindo no processo de pensamento aspetos exteriores ao problema (p.e., o
doente pode confundir sala com a cadeira da sala);
 Metonímia: expressões pouco concisas, em que um termo ou frase é usado em vez de outro
mais exato (p.e., “vou comer um prato”) como um idioma privado pessoal;
 Interpenetração de temas: ideias relacionadas com vários temas reais ou imaginários estão
completamente misturadas.

16
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Fragmentação do pensamento: pensamento reduzido a uma mistura de ideias ou partes isoladas


e não associadas.
 Descarrilamento: o pensamento flui para um pensamento subsidiário sem relação com o
primeiro (p.e., “vou apanhar o autocarro, vou a casa dos meus pais, o presidente da república
controla-me as ideias, as câmaras estão na minha sala”).
 Fusão: existe a justaposição e entrelaçamento de conteúdos heterogéneos e incompreensíveis.
Ou seja, várias ideias, a, b, c, são interligadas (p.e., “eu sei que os marcianos me andam a
perseguir desde aquele dia a praia. A forma do meu quarto mudou desde que eu tenho estes
poderes sobrenaturais e a minha mãe sabe disso. Assim os marcianos vão voltar para me
apanhar e aquela praia continua azul, mas os poderes que eu tenho a minha mãe nunca os
negou”).
 Suspensão ou omissão: súbita interrupção de uma cadeia de pensamentos e da intenção contida
num determinado pensamento ou parte dele (p.e., “vou apanhar o autocarro para… hoje almocei
peixe e estava bom”).
 Pensamento desagregado: miscelânea de fragmentos de pensamentos heterogéneos; existe
perda das associações e o pensamento não faz sentido.
 Este ocorre quando existe um grau de descarrilamento e fusão elevado.
 O pensamento desagregado pode ocorrer com ou sem manutenção da estrutura
sintática.

Alterações da posse do pensamento

 Ideias obsessivas
 Ideias persistentes que ocorrem contra a vontade do doente (que se sente como intrusivas,
parasitas e inaceitáveis, resistindo contra elas – egodistónicas) e que se associam a uma elevada
carga ansiogénica.
 Geralmente a temáticas destas ideias é repugnante para o doente (p.e., um doente que
seja muito religioso poderá ter pensamentos blasfémicos, alguém sensível às questões
morais, pensamentos relacionados com a tortura de outros, alguém sensível às
questões da sexualidade, pensamentos relacionados com esta área, etc.).
 Existe também manutenção da autocrítica relativamente ao carácter patológico deste
problema (manutenção do insight).
 Embora se fale geralmente de ideias obsessivas, as obsessões podem também tomar a forma de
imagens (que podem ser confundidas com pseudoalucinações, por exemplo, um doente refere
que vê imagens dele a abusar de uma criança, ou a esfaquear alguém) ou impulsos (de tocar,
cometer atos sociais reprováveis, etc.), medos (de contaminação, por exemplo, os medos
obsessivos são também denominados fobias obsessivas), dúvidas, etc.

 Quanto aos temas obsessivos, destacam-se: as ideias relacionadas com contaminação,


preocupação com possíveis doenças, as dúvidas (existenciais, filosóficas, entre outras),
necessidade de simetria, ideias com teor agressivo, sexual ou religioso, etc.
 As obsessões levam muitas vezes a compulsões – atos menores (verificação – p.e.,
verificar várias vezes a fechadura ou se as janelas estão fechadas; limpeza – p.e., lavar
persistentemente as mãos) ou mentais (recitar orações, provocar pensamentos ou
imagens neutralizantes), que são irresistíveis e reduzem a ansiedade provocada pelas
obsessões.
 As obsessões são típicas de perturbações ansiosas (sobretudo da perturbação
compulsiva), mas também podem estar presentes em perturbações depressivas, na
esquizofrenia e em estados orgânicos.

17
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 As ideias obsessivas diferem das ideias sobrevalorizadas ou prevalentes não delirantes, por
estas serem aceites pelo indivíduo que não resiste contra elas (egosintonia), e o seu caracter
patológico (sobrevalorização da importância ou significado) não ser geralmente reconhecido pelo
sujeito (insight).
 Diferem das ideias delirantes não só pela egodistonia e pela ausência de insight (nas
ideias delirantes) mas também pelas outras características que definem o delírio
(nomeadamente irredutibilidade e convicção plena).

Características Ideias obsessivas Ideias sobrevalorizadas Ideias delirantes


Egosintonia Ausente Presente Presente
Insight Presente Geralmente ausente Ausente
Irredutibilidade e
Ausente Ausente Presente
convicção plena

 Alienação do pensamento
 O doente pensa que os seus pensamentos são controlados por uma entidade extrínseca ou que
outros participam no seu pensamento.
 Ocorre tipicamente na esquizofrenia e é de três tipos:
 Influenciamento ou imposição do pensamento: convicção de que as suas
ideias ou representações são influenciadas ou impostas pelo exterior; o doente
sente que os seus pensamentos são induzidos por entidades extrínsecas (p.e.,
através de radares, laser, etc.);
 Roubo ou interceção de pensamento: o doente tem a convicção de que as
ideias desaparecem porque se apoderaram dos seus pensamentos, lhos
roubaram através de procedimentos distintos e com intenções variadas;
 Difusão de pensamento: o doente sente que o seu pensamento não lhe
pertence, que outros participam no pensamento (pensamento compartilhado)
ou que leem os seus pensamentos (leitura de pensamento), que os seus
pensamentos são conhecidos dos outros (divulgação ou difusão do
pensamento) ou que há repetição imediata (eco do pensamento).

Alterações do conteúdo

 As alterações do conteúdo do pensamento podem ser agrupadas em dois grandes grupos, de acordo com
a sua intensidade ou gravidade: ideias sobrevalorizadas e delírios.
 Ideias sobrevalorizadas ou prevalentes
 Ideias erróneas por superestimação afetiva. O conteúdo do pensamento centraliza-se
em torno de uma ideia particular, que assume uma tonalidade afetiva acentuada; é
irracional e aceite pelo indivíduo que não resiste contra ela (egosintonia), porém,
sustentada com menos intensidade que uma ideia delirante (irredutibilidade e
convicção plena ausentes ou pouco presentes).
 É compreensível no contexto da personalidade e/ou histórica do doente.
 Causa perturbação do funcionamento da pessoa ou sofrimento (p.e., ideias de
ciúme no ciúme mórbido, ideias de ter uma parte do corpo disforme na
dismorfofobia, achar que está doente na hipocondria ou achar-se com excesso
de peso na anorexia nervosa).
 Delírio (ideia delirante)
 Uma crença falsa, inabalável, provinda de processos mórbidos e que contrasta com o
contexto cultural e social do doente.

18
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Segundo Jaspers (1913) trata-se um falso juízo que comunga das seguintes
características: irredutibilidade (perante argumentação lógica ou opinião
coletiva, não é passível de ser influenciada externamente), convicção plena
(certeza subjetiva absoluta, evidência a priori, independe da experiência) e
conteúdo impossível.
 O delírio pode ser subdividido em delírio primário ou delírio secundário.
 Delírio primário
o Ideias ou vivências que não estão associadas a outros processos
psicológicos e não derivam deles (aparecem sem causa aparente a
partir de vivências delirantes primárias). Tem um carácter de
evidência, em que surge, como algo inteiramente novo, um novo
significado, súbito e revelador, associado a perceções ou
acontecimentos psicológicos num determinado instante da vida do
sujeito, e representa uma quebra radical na sua biografia e uma
transformação qualitativa de toda a existência.
 Associa-se à esquizofrenia aguda (sobretudo nas fases
iniciais) ao contrário do delírio secundário associado a outro
fenómeno psicológico (p.e., perturbação de humor).
o As vivências delirantes primárias podem ser classificadas em:
 Humor delirante: o doente tem um pressentimento (estado
afetivo difuso) de que algo está a acontecer à sua volta, que o
inquieta e que tem um carácter ameaçador, estranho e
misterioso, mas o doente não sabe exatamente o que é. Ao
pressentir uma mudança incompreensível no que o rodeia
pode ocorrer perplexidade, despersonalização ou
desrealização, com uma estranheza radical que pode ir até à
sensação de fim do mundo.
 Pode cessar sem qualquer desenvolvimento
delirante, mas a maior parte das vezes ele sobrevém.
 Perceção delirante: atribuição de um novo significado
anormal, geralmente autorreferenciado, a uma objeto
normalmente percebido (estrutura com dupla vertente:
perceção final ligada, por um lado à perceção verdadeira do
objeto real, e por outro, sem motivação compreensível, a um
novo significado).
 P.e., m doente esquizofrénico diz que descobriu que
era perseguido pelo máfia porque reparou que tinha
uma nódoa na camisa.
 Não se trata de uma perturbação do percebido mas
do seu significado (pelo que se considera uma
perturbação do pensamento) que é vivenciada como
uma revelação, uma descoberta abrupta
 Ocorrência ou intuição delirante: o delírio surge
completamento formado na mente do doente, como uma
ideia ou uma certeza súbita, um significado anormal, sem
suporte percetivo e a partir de uma revelação quase “pura”,
fenomenologicamente indistinguível de uma ideia normal.
 P.e., o mesmo doente após perceber que o avião é
dos serviços secretos desenvolve uma ideia delirante

19
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

súbita em que acha estar a ser perseguido pelo


governo.
 Recordação delirante: existem dois tipos de recordação
delirante.
 Recordação delirante do tipo perceção delirante
o P.e., o doente afirma ser de ascendência
real porque em criança se lembra que as
colheres com que comia tinham uma coroa
desenhada (facto que tudo leva a crer que
seja verdadeiro.)
o Aqui a perceção final está ligada, por um
lado, à perceção do objeto real e, por outro,
a um novo significado.
 Recordação delirante do tipo ocorrência delirante
o P.e., o doente afirma ser de ascendência
real porque o rei saudou-o de forma
especial quando era criança. Aqui o delírio
está contido na memória, não presente a
estrutura de dupla vertente.
 Delírio secundário
o Pode ser compreendido em termos de história psiquiátrica e pessoa.
São derivados ou vinculados a outros processos psicológicos (p.e.,
esquizofrenia crónica, mania ou depressão).
o Temática do delírio
 Delírio persecutório ou paranoide: é a forma mais comum,
com ideias delirantes de prejuízo e vivência de que existe
uma agressividade contra o doente. Ele sente-se ameaçado,
atacado, incomodado, prejudicado, perseguido ou vítima de
uma conspiração, envenenamento ou tentativa de morte
(p.e., “os meus pais quiseram matar-me ontem”).
 Frequente na esquizofrenia ou na perturbação
delirante.
 Autorrelacionação, autorreferência delirante ou delírio
sensitivo de relação: refere a si mesmo as suas experiências
delirantes, convencido que os acontecimentos fortuitos lhe
dizem respeito.
 P.e., ao passar diante de um grupo de pessoas que
conversam, diz-se algo de constantes referências
depreciativas. Falam dele, riam dele, dizem que é
desonesto ou homossexual.
 Muitas vezes existe uma personalidade prévia com
traços sensitivos. Frequente na esquizofrenia.
 Delírio de grandeza: o conteúdo envolve sentimento físico e
mental de poder, conhecimento ou importância exagerados,
em contraste com a realidade. Convicção de possuir algum
grau de parentesco ou ligação com personalidades
importantes (delírio de filiação), de possuir algum grande
talento (inteligência, cultura, beleza), poder ou destino

20
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

especial, algum dom magistral ou ser possuidor de grande


fortuna.
 Característico da esquizofrenia ou da mania
delirante onde pode assumir a forma de delírio
megalómano.
 Delírio místico ou religioso: relacionado com ideias religiosas
ou espirituais, mas fora do que é culturalmente aceite, às
vezes suportado por vozes ou visões alucinatórias.
 Pode tornar-se messiânico quando está convicto de
ter um papel de salvador/redentor.
 Pode ocorrer na esquizofrenia ou na mania (quando
o delírio místico está associado a uma valorização
pessoal extrema – “sou o messias, o salvador do
mundo”.
 Diferencia-se de ideias religiosas fanáticas em que o
estilo de vida, os comportamentos e as relações
sociais se conjugam com a fé religiosa, sendo neste
caso mais bem classificadas sob a roam de ideias
sobrevalorizadas.
 Delírio somático ou hipocondríaco: o conteúdo envolve uma
mudança ou perturbação no funcionamento corporal crê
inabalavelmente que tem uma doença incurável. O doente
queixa-se de preocupações e sintomas somáticos sem
nenhuma causa orgânica.
 Presente na esquizofrenia e em depressões graves.
 Delírio de infestação: preocupação com micróbios, piolhos
ou vermes que invadiram o corpo.
 Pode associar-se a alucinações da sensibilidade
superficial (formicação, p.e.,) ou profunda.
 Ocorre na esquizofrenia, na depressão grave, no
delirium tremens e na intoxicação por cocaína e
alucinogénios.
 Delírio niilista: delírio da negação, nega a existência do
corpo, da sua mente e do mundo à sua volta, que está
destruído e estão todos mortos.
 Pode estar presente, por exemplo na depressão
grave psicótica.
 Muitas vezes o delírio de negação da pessoa no seu
todo é conhecido por delírio de Cotard, embora as
ideias delirantes de não existência da pessoa no seu
todo ou de partes dela sejam apenas um dos
constituintes da síndrome de Cotard original.
 Delírio de negação dos órgãos: considera que o corpo está
destruído, as veias estão secas, não tem órgãos.
 Frequente nas depressões graves psicóticas.
 Muitas vezes conhecido por delírio do Cotard,
embora as ideias delirantes de não existência da

21
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

pessoa no seu todo ou de partes dela sejam apenas


um dos constituintes da síndrome de Cotard original.
 Delírio de culpa, de autoacusação ou de autodesvalorização:
o doente acredita ter cometido uma falta ou pecado
imperdoável, ser uma pessoa indigna, pecaminosa, suja,
irresponsável, que deve ser punida pelos seus pecados.
 Característica de depressão psicótica e de
esquizofrenia;
 Delírio de ruína: acredita que está arruinado, condenado à
miséria, sem capacidades para sobreviver, bem como a sua
família, com a certeza de que irão passar fome, apesar da
documentação e a realidade evidenciar o contrário.
 Característico da depressão psicótica;
 Delírios passionais
 Delírio de ciúme ou de infidelidade: convicção de
ser traído pelo parceiro.
o Pode ocorrer em todas as psicoses, mas
mais caracteristicamente no alcoolismo
crónico;
 Erotomania: convicção que certa pessoa,
geralmente com destaque social (artista, médico,
professor) está apaixonado/a por ela/a e de que irá
abandonar tudo para que se possa casar ele/a;
 Identificação delirante: existem quatro tipos descritos
 Síndrome de Capgras ou delírio de sósias: o doente
acredita que alguém próximo dele (p.e., familiar) foi
substituído por um duplo, que os seus conhecidos
foram substituídos por sósias (são quase idênticos,
mas no fundo são impostores, falsários quase
perfeitos);
 Síndrome de Fregoli: nesta situação existe um falso
reconhecimento delirante dos outros, o doente acha
que pessoas desconhecidas são suas conhecidas,
mas que estão disfarçadas (o médico, o psicólogo é
uma pessoa da sua família ou velho conhecido que
está disfarçado);
 Síndrome das intermetamorfose: o doente acredita
que alguém se transformou noutra pessoa
adquirindo as suas características físicas e psíquicas.
o P.e., acredita que uma pessoa estranha
(perseguidor) adquiriu as características
físicas e psicológicas de um seu familiar;
 Síndrome dos duplos subjetivos: o doente acredita
que outra pessoa se transformou fisicamente nele
próprio.
 Relativamente ao grau de organização ou estrutura, os delírios podem ser:
 Sistematizados: quando existe um delírio principal e todo o restante sistema
delirante é ordenado e coerentemente construídos à volta desse erro. Por

22
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

manter uma lógica interna podem adquirir uma maior credibilidade. Estes
doentes muitas vezes como que constroem um argumento, podendo os delírios
ser sistematizados em setor ou em rede.
o O aspeto fundamental é a presença de uma única ideia delirante fixa,
elaborada, que pode assumir vários contornos: delírio de reivindicação
ou querelante, delírios passionais (erotomania, ciúme), delírio
imaginativo (característicos da parafrenia tardia, privilegiando temas
de grandeza) e delírios interpretativos monotemáticos (típico da
perturbação delirante crónica). Nos delírios sistematizados, os doentes
não se prestam a impedir o desenvolvimento ou criticar o delírio, mas
a buscar mais elementos para o justificar e sistematizar.
o Este tipo de delírios é frequente em estádios avançados da
esquizofrenia ou na perturbação delirante;
 Não sistematizados: quando envolvem ideias delirantes dispersas
referenciadas a vários temas. Os doentes são mais desorganizados e pouco
convincentes, não formam uma argumento e não tentam explicar as suas ideias
(as coisas são “porque sim”, “eu sei”, “todo o mundo sabe”).
o Típico da esquizofrenia desorganizada;
 Simples (monotemáticos): em torno de um só conteúdo;
 Complexos (pluritemáticos): englobando vários temas ao mesmo tempo, com
múltiplos focos;
 Compartilhados ou loucura a dois (folie à deux): em que o convivente,
habitualmente com personalidade sugestionável, dependente ou frágil
socioculturalmente ou com limitação física ou psicossocial, passa a delirar
(sobre o mesmo tema do doente).
o Podem ocorrer delírios grupais.
 Relativamente ao envolvimento afetivo que o doente estabelece com o delírio, designa-
se dinamismo do delírio (quanto maior o dinamismo, maior o compromisso afetivo).
 Um delírio diz-se encapsulado quando este se refere a um assunto ou crença particular,
mas que não se estende para os outros campos da vida e funcionamento do indivíduo.
 Ideias de suicídio
 Podem ir desde os pensamentos de morte até à intenção suicida estruturada (com ou sem
planificação suicida).

VIVÊNCIA DO EU

 As vivências do Eu podem, classicamente, ser divididas em:

Alterações do consciência da existência e atividade do Eu

 A consciência da existência e atividade do Eu corresponde à consciência íntima de que todas as atividades


psíquicas que ocorrem é o “próprio Eu que as realiza e precisa”. Pode estar alterada:
 Despersonalização: sentimento de estranheza e infamiliariedade em relação a si próprio, de um
sentimento de não realidade “eu não sou eu”, “sou apenas uma máquina, um autómato”, “sinto-
me como um nada, um morto”. Estranha-se a si mesmo e vive essa transformação marcante
como um sentimento de angústia, de profunda perplexidade e com sensação de que vai
enlouquecer ou perder o controlo.
 Ocorre em curso de intensa ansiedade e pânico, psicoses tóxicas por alucinações,
esquizofrenia (no humor delirante) e formas graves de depressão.
 Perda da ressonância emocional: ocorre a perda da ressonância emocional habitual.

23
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Pode ocorrer, por exemplo, na depressão.

Alterações da consciência da unidade do Eu

 A consciência da unidade do Eu corresponde à sensação de que em qualquer momento determinado “sei


que sou UMA pessoa”. Pode estar alterada:
 Autoscopia: o doente vê-se a si próprio e reconhece-se;
 Duplicação ou doppelganger: o doente sente-se dentro de si e fora ao mesmo tempo.
 Pode ocorrer na esquizofrenia;
 Múltipla personalidade: em que existe a observação de mais do que uma personalidade no
mesmo indivíduo, típico da perturbação de personalidade dissociativa.

Alterações da consciência da identidade e continuidade do Eu

 A consciência da identidade e continuidade do Eu corresponde à sensação de ser “a MESMA pessoa todo


o tempo”. Pode estar alterada:
 Alteração completa da identidade: o doente sente que é alguém completamente diferente, que
já não é a mesma pessoa.
 Ocorre exclusivamente em perturbações psicóticas (como na esquizofrenia ou na
mania).
 Sensação de perda e continuidade: transformação do Eu após certo ponto.
 É comum acontecer em experiências de quase morte.

Alterações da consciência dos limites do Eu

 A consciência dos limites do Eu corresponde à sensação de que posso “distinguir o que sou Eu do mundo
externo e de tudo o que não é o meu self.”. Pode estar alterada:
 Alienação do pensamento
 Alienação da atividade motora e/ou dos sentimentos (experiências de passividade):
sentimentos ou atividades corporais (p.e., as ações são controladas por outros).
 Pode ocorrer na esquizofrenia.
 Apropriação: quando vivencia como seus os acontecimentos que atingem objetos externo (p.e.,
ao presenciar a agressão de outra pessoa, afirma que foi ele).
 Pode ocorrer na esquizofrenia.
 Transitivismo: o doente projeta para o exterior o que se passa nele (atribui os seus
comportamentos a objetos e pessoas circundantes, p.e., grita e diz que alguém á sua volta está a
gritar).
 Pode ocorrer na esquizofrenia.
 Estados extáticos: sentir-se em “união com o universo”.
 Poderá ocorrer em indivíduos normais em experiências espirituais intensas (êxtase
religioso, estados de transe, possessão, meditação profunda) ou sob o efeito de tóxicos
alucinogénios, mas também na esquizofrenia.
 De notar que outro termo por vezes incluído nas alterações da vivência do Eu é a desrealização.

HUMOR, EMOÇÃO E AFETOS

Conceitos Importantes

 Emoção: resposta a curto prazo, desencadeada por uma perceção (interna ou externa) e que evoca
mudanças fisiológicas.
 Pode dividir-se em três componentes: componente afetiva propriamente dita (corresponde à
vivência de sentimentos em sentido estrito), componente somática e componente cognitiva;

24
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Afeto: padrão de comportamentos observáveis que resultam da expressão de emoções. Consiste na


resposta emocional do paciente em determinado momento, segundo se pode inferir pela sua expressão
global.
 Sentimentos: constituem a experiência subjetiva da emoção, apresentam uma maior duração e
estabilidade e não apresentam correlação somática.
 Humor: estado afetivo basal do sujeito, sendo o sinónimo de estado de ânimo. Corresponde a uma
disposição emocional a longo termo, prevalecente, que dá tonalidade à forma subjetiva de perceção do
mundo. A aparição de um estado de ânimo pode ser espontânea ou ser precedida por estímulos
concretos, internos ou externos;
 Temperamento: traços característicos estáveis de natureza emocional de um indivíduo, a qualidade e
labilidade preponderantes no seu humor, a prontidão e intensidade das suas reações emocionais. Trata-se
de uma predisposição com possível base genética.
 Poderá falar-se de cinco tipos:
 Temperamento hipertímico: pessoa tendencialmente otimista, com alto nível de
energia;
 Temperamento distímico: pessoa tendencialmente pessimista, com baixo nível de
energia;
 Temperamento ciclotímico: pessoa com tendência a variações bruscas do estado de
ânimo;
 Temperamento irritável: pessoa predominantemente impaciente, com baixo nível de
tolerância;
 Temperamento ansioso: pessoa tendencialmente preocupada, com maior sensibilidade
ao ambiente externo.

Alterações quantitativas do humor

 Eutímico é o estado “normal”, sem predomínio de nenhum tipo particular e emoção.


 Alterações hipertímicas
 Dentro da normalidade
 Alegria: sentimento positivo de bem-estar;
 Patológicas
 Euforia: aqui está presente uma alegria patológica desproporcionada à circunstância e
que se traduz por um estado de completa satisfação e felicidade.
 Ocorre principalmente na mania/hipomania.
 Expansão: corresponde a um estado de marcada boa disposição associada a dificuldade
de controlo das próprias emoções, o que leva a uma elevada desinibição.
 Ocorre principalmente na mania/hipomania.
 Exaltação: não está apenas presente euforia mas também aumento da convicção do
próprio valor e das aspirações (o que pode originar, nos casos mais graves, ideias
delirantes megalómanas/de grandiosidade). Associada geralmente a grande agitação
psicomotora.
 Ocorre principalmente na mania.
 Êxtase: trata-se de um estado de alegria intensa, experiência de beatitude 1, com
sensação de dissolução do Eu e tendência a compartilhar estados afetivos interiores.
 Poderá ocorrer na mania, mas também é possível acontecer nos êxtases
místicos, no transe histérico, na epilepsia (estados crepusculares) e na
esquizofrenia.

1
Beatitude: felicidade completa; grande bem-estar.

25
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

Todos estes estados elevador de humor podem acompanhar-se de: a) alterações da motricidade
(nos casos menos graves estão alterados os movimentos expressivos – vivacidade da mímica
facial, aumento da gesticulação –, nos mais graves está presente a agitação psicomotora
generalizada; b) alterações do pensamento – nos casos menos graves está alterado o curso do
mesmo com aceleração do pensamento e fuga de ideias -, nos mais graves pode haver alterações
do conteúdo do pensamento com ideias delirantes, geralmente de grandiosidade.
 Alterações hipotímicas
 Dentro da normalidade
 Tristeza normal: adequada às circunstâncias que a provocam, em termos de intensidade
e duração;
 Patológicas
 Humor depressivo: é o sintoma de base das perturbações depressivas, embora não seja
sinónimo da mesma, uma vez que, nos quadros depressivos, além do humor depressivo
estão normalmente presentes outros sintomas como a anedonia, alterações da energia
vital (alterações da líbido, do sono, redução da energia vital), da atividade motora
(hipocinesia), entre outros.
 No humor depressivo, predomina a tristeza patológica sem desencadeante ou,
perante um estímulo apresentado, com uma intensidade e duração
desproporcionadas.
 Estão aqui presentes a tríade cognitiva (visão negativa de si mesmo,
visão negativa das suas intenções com o meio ambiente e visão
negativa do futuro) e vários pensamentos automáticos característicos
(como a interferência arbitrária, a abstração seletiva, a
hipergeneralização, entre outros).
 O humor depressivo pode associar-se a sintomas somáticos marcados, falando-
se aqui de tristeza vitalizada.
 Um doente deprimido pode referir, p.e., “esta tristeza vem de dentro
do meu corpo… sinto uma dor no peito que me impede de respirar,
uma pressão que me exprime a cabeça e não me deixa pensar”
 O termo melancolia é utlizado para descrever situações com tristeza profunda,
extrema lentidão dos processos psíquicos, anedonia, perda da ressonância
emocional, sintomas vegetativos (insónia, anorexia, variações de humor
diurnas – humor geralmente agrava de manhã) e inibição psicomotora grave
que pode chegar ao estupor melancólico.
 Nestas circunstâncias podem estar presentes ideias delirantes ou
sobrevalorizadas de ruína, hipocondríacas ou de culpa.
 O humor depressivo pode, em casos graves, associar-se à presença de ideação
suicida e de sintomas psicóticos.

Alterações qualitativas do humor

 Estamos de humor que não correspondem uma elevação ou a uma depressão do humor, mas podem
traduzi uma patologia mista do humor.
 Humor disfórico: é um sintoma de difícil definição acompanhado de uma tonalidade afetiva mal-
humorada, predominando uma sensação de mal-estar.
 Estão presentes ansiedade, irritação e agressividade.
 Humor irritável: difícil de distinguir do anterior.
 Predomina uma hiperreatividade desagradável, hostilidade e eventualmente
agressividade a estímulos externos (cônjuge, TV, casa, trabalho).

26
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Facilmente perturbado e reativo.


 Ambos estes tipos de estados de ânimo podem ocorrer em quadros orgânicos depressivos e
ansiosos, na perturbação bipolar (sendo muito típico dos episódios mistos, mas também
ocorrendo na mania) ou na esquizofrenia.
 Importante considerar que, dentro dos episódios de humor, é frequente a coexistência dos vários tipos de
humor descritos. Isto é, não é raro num episódio de mania a presença simultânea de euforia e
irritabilidade.

Alterações da expressão afetiva e emocional

 Anedonia: incapacidade para experimentar prazer, sintoma comum na depressão major.


 O doente refere não ter prazer em atividades que habitualmente lhe proporcionavam este
sentimento.
 P.e., pode dizer que ler um livro ou ver um programa não lhe dá o prazer que sentia
habitualmente.
 Anestesia afetiva: definida como a ausência de sentimentos, incapacidade de sentir prazer, mas também
de sentir outros afetos.
 O doente queixa-se de “não ser capaz de sentir”.
 Ocorre na depressão e em estados de choque emocional, prisioneiros de guerra,
deportados, etc.
 Dissociação afetiva: há uma falha na manifestação de emoções em situações que era esperável que isso
ocorresse.
 Pode surgir em situações que motivem o aparecimento de ansiedade extrema (p.e., situações de
guerra, alegando-se que poderá aqui funcionar como um mecanismo de defesa) ou acompanhar
sintomas de conversão que ocorrem, sobretudo, em pacientes com personalidades histriónicas
(tomando aqui a designação de belle indifférence).
 Embotamento afetivo: redução da expressão emocional (geralmente existe uma incapacidade para se
estar consciente das emoções).
 Ocorre na esquizofrenia.
 Labilidade afetiva: mudanças rápidas e imotivadas no estado emocional geralmente independentes dos
estímulos externos.
 Pode ocorrer na perturbação bipolar e nas síndromes psico-orgânicas.
 Ambivalência afetiva: sentimentos positivos e negativos direcionados para um mesmo objeto.
 Presente frequentemente nos doentes esquizofrénicos, mas também em perturbações de
personalidade estado-limite.
 P.e., “eu adoro o meu pai; é a coisa melhor do mundo para mim, mas às vezes apetece-
me matá-lo, odeio-o de tal forma…”.
 Incontinência afetiva: falta de controlo na expressão dos afetos, estados afetivos que surgem
rapidamente e atingem uma intensidade excessiva que não pode ser dominada.
 Pode surgir na mania, nas síndromes psico-orgânicas e nas demências, etc.
 Rigidez afetiva: perda da capacidade de modulação dos afetos.
 Presente nalguns tipos de personalidade (p.e., obsessiva)
 Apatia: sinónimo de embotamento, abulia, etc.
 Perda de interesse.
 Indiferença ou frieza afetiva: perda de reatividade/ressonância emocional com fisionomia e aspetos
exteriores inexpressivos.
 Enquanto na rigidez estão presentes respostas emocionais, mas ausente a capacidade de as
modular, aqui elas estão ausentes.
 Pode ocorrer nalguns tipos de personalidade, na esquizofrenia, nas síndromes psico-
orgânicas, em traumas cranianos ou em demências.

27
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Paratimia, incongruência ou inadequação afetiva: as emoções não correspondem ao contexto das


vivências.
 O doente poderá, por exemplo, rir-se e mostrar-se alegre ao falar da morte de um familiar.
 Pode ocorrer na esquizofrenia e nas síndromes psico-orgânicas.
 Perplexidade: estado de desnorteamento, sentimento relacionado com o questionar de si próprio, da sua
situação, do seu futuro e do que o rodeia.
 Muito característico do humor delirante, mas também nas síndromes psico-orgânicas, na
ansiedade, na depressão, ou produzida por grandes dificuldades situacionais.
 Neotimia: experiência afetiva inteiramente nova.
 Pode ser vivenciada em estados de êxtase, nos estados crepusculares, mas é mais típica da
psicose aguda (tomando aqui o nome de esquizoforia, em que a experiência afetiva tem uma
tonalidade estranha, bizarra, ameaçadora, vivenciada por doentes em estado psicótico no
período que antecede o surgimento da revelação delirante.
 Alexitimia: construto multidimensional, integrado pelos seguintes fatores: 1) dificuldades em identificar e
descrever sentimentos subjetivos; 2) dificuldades em fazer distinção entre emoções e sensações físicas; 3)
escassez de sonho e incapacidade de simbolizar ou fazer relação entre afeto e fantasia; e 4) um estilo de
raciocínio concreto e objetivo, voltado para a realidade externa.
 Este sintoma pode estar presente nalguns tipos de personalidade, tendo o seu conceito sido
desenvolvido no contexto da medicina psicossomática e da psiquiatria de ligação.
 Puerilidade: alteração do humor com aspetos infantis. Ri e chora por motivos banais.
 Ocorre na esquizofrenia desorganizada/hebefrénica, no défice intelectual, e em personalidades
histriónicas.
 Moria: forma de alegria muito pueril, ingénua, insípida, sem conteúdo afetivo.
 É observada na deficiência mental, na demência, em lesões dos lobos frontais e na paralisia geral.
 Desmoralização: consciência de se ser incapaz de lidar com um problema ou de se ficar aquém das suas
expectativas/ou dos outros.
 Muito próximo do termo “desesperança”.

Ansiedade

 Os termos ansiedade e angústia são usados quase indistintamente. No entanto, enquanto a primeira está
mais relacionada com um componente psíquico, a segunda associa-se mais a um componente somático.
 A ansiedade pode ser considerada como estado ou como traço.
 A ansiedade-estado corresponde ao aparecimento de sintomas num momento concreto
e bem definido.
 A ansiedade-traço refere-se à tendência que os indivíduos têm em relacionar-se com o
seu meio ambiente com uma excessiva carga de ansiedade.
 É importante distinguir entre dois tipos de ansiedade:
 Ansiedade neurótica: o paciente apresenta sintomas de ansiedade perante uma
sensação de perigo inconsciente, que não se neutraliza mediante os recursos
adaptativos do doente.
 Ansiedade psicótica: medo da perda da própria identidade, muito característica do
humor delirante.
 Alguns fenómenos psicopatológicos associados à ansiedade
 Fobias
 São um tipo particular de medo, caracterizado por:
 Ser desproporcionado à situação que o cria;
 Ser inexplicável e irracional;
 Se encontrar fora do controlo voluntário;

28
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Conduzir à evitação da situação temida. A exposição à situação temida pode


provocar uma crise de ansiedade intensa, tomando por vezes a forma de uma
crise de pânico.
 Pode ser de vários tipos:
 Fobia a estímulos externos
o Fobia a animais
o Agorafobia: medo de estar em lugares abertos, e de situações
geralmente associadas a estes lugares como de multidões, de uma
eventual dificuldade em poder escapar com rapidez para um lugar
seguro, ou em que a ajuda seja difícil de obter, caso algo se sucedesse.
o Fobia social: medo persistente por uma ou mais situações publicas,
em que o indivíduo se vê exposto a pessoas que não lhe são familiares
ou que o podem sujeitar a uma avaliação
o Fobias específicas
 Fobia a estímulos internos
o Nosofobias (medo das doenças).
o Fobias obsessivas: medo sem razão que domina o pensamento do
doente, p.e., o medo de contaminação.
 Diferem das fobias verdadeiras:
 Nas fobias obsessivas o medo relaciona-se mais com
situações potenciais e imaginárias;
 Nas fobias obsessivas, surgem rituais que muitas
vezes não se relacionam diretamente com o temor
em si;
 O doente fóbico verdadeiro é mais ansioso e
acessível, o obsessivo mais complicado e sistemático
nas suas defesas;
 As fobias obsessivas são mais resistentes ao
tratamento;
 Nas fobias verdadeiras, as condutas de evitação são
eficazes, enquanto nas fobias obsessivas estas
apenas aliviam transitoriamente a ansiedade;
 As fobias verdadeiras costumam ser
monossintomáticas e circunscritas, enquanto as
fobias obsessivas tendem a expandir-se e a invadir a
personalidade do doente até afetar o seu bem-estar
psicossocial;
 Os medos fóbicos verdadeiros são medos concretos
que muitas vezes se desenvolvem a partir de estados
de ansiedade críticos associados a um estímulo
primário no passado (aprendizagem), enquanto nas
fobias obsessivas correspondem a temores com
grande conteúdo mágico, sendo pouco associados a
estímulos primários.
 Crises de pânico
 São episódios súbitos, atingindo o seu pico rapidamente (em regra em 10 minutos ou
menos), caracterizados pela presença de sintomas de ansiedade somáticos ou
fisiológicos importantes (palpitações, dispneia, tonturas, suores, parestesias, cefaleias,

29
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

etc.) associados a sintomas de ansiedade psíquica ou cognitiva (medo da morte, medo


de perder o controlo, medo de enlouquecer).

VONTADE E IMPULSIVIDADE E COMPORTAMENTOS AGRESSIVOS

 Existem três conceitos básicos nesta secção:


 Energia vital: força, em grande parte independente da vontade, que comanda a velocidade,
intensidade e duração das iniciativas psíquicas de um indivíduo;
 Motivação: humor ou afeto, experienciado com mais ou menos consciência, governado por
necessidades e que leva à ação para as satisfazer;
 Vontade: intenção ou ação dirigida a um objeto baseado na cognição de uma motivação.
 Ao exame psicopatológico poderão observar-se as seguintes perturbações da vontade e impulsividade:

Alterações quantitativas da vontade

 Hiperbulia ou aumento da energia volitiva: manifesta-se no comportamento individual através da


persistência e eficácia das ações, rendimentos e propósitos, muitas vezes designada “força de vontade”.
 Está anormalmente aumentada em fases de mania aguda ou hipomania;
 Hipobulia ou diminuição da energia volitiva: opõe-se à anterior correspondendo a uma
redução/debilidade da vontade.
 Comum em episódios depressivos;
 Abulia: perda de vontade. Pode existir o desejo de fazer algo, mas não existe energia ou iniciativa para o
fazer (abulia de execução).
 É comum observar-se na esquizofrenia.
 Diferenciar de ataraxia, estado de indiferença volitiva e afetiva, desejada e buscada ativamente
pelo indivíduo para atingir estados de impertubalidade em místicos e ascetas, através da procura
voluntária de atos de liberação por meio de um estado de desprendimento.

Alteração qualitativas da vontade

 Indecisão ou ambivalência volitiva: ao se impor à consciência dois impulsos volitivos opostos sem que o
doente decida da sua escolha;
 Sugestionabilidade: supressão mais ou menos completa da liberdade volitiva.
 Ocorre na hipnose, na autossugestão, em personalidades imaturas ou ingénuas, no estupor
catatónico e na folie à deux
 Obediência automática: o doente executa imediata e mecanicamente como um autómato os atos ou
ordens;
 Ataxia volitiva: dissociação entre sentimento, pensamento e vontade, em que o doente acaba por
executar um ato diferente do que queria.

Atos impulsivos

 Ações realizadas prontamente, sem deliberação ou reflexão; as consequências dos atos não são
consideradas pelo próprio.
 Exemplos de impulsos patológicos:
 Impulsos agressivo-destrutivos: parte da definição psicológica de perturbação explosiva
intermitente. Existe a incapacidade em resistir a impulsos agressivos, acarretando sérios
atos violentos ou destruição de propriedade. Amplamente desproporcional a qualquer
fator desencadeante.
 Frangofilia: impulso patológico de destruir os objetos que circundam o indivíduo.

30
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Ocorre na esquizofrenia, na mania, em intoxicações, na deficiência mental ou


em personalidades borderline, antissocial e histriónica.
 Automutilação: escoriações na pele e mucosas, autoinfligidas.
 Pode ocorrer em personalidades borderline, na deficiência mental, em psicoses
tóxicas com alucinogénios ou na esquizofrenia.
 Piromania: impulso para atear incêndios;
 Tricotilomania: impulso de arrancar cabelos;
 Dromomania ou poriomania: impulso em que o indivíduo deixa a sua rotina habitual e
viaja longas distâncias assumindo diferentes identidades e ocupações. Anda a vaguear e
desaparece de casa, “some do mapa” (às vezes por imaginar que está a ser perseguido).
 Ocorre na esquizofrenia, em psicoses orgânicas e na deficiência mental;
 Dipsomania: impulso periódico ligado à ingestão de grande quantidade de bebidas
alcoólicas. Bebe continuamente até ficar inconsciente.
 Cleptomania ou roubo patológico: impulso de roubar objetos alheios precedido de
intensa ansiedade e apreensão que apenas se alivia quando se realiza o roubo.
 Jogo patológico: inclinação irresistível ao jogo, recorrente e persistente apesar dos
prejuízos financeiros e sociais percebidos pelo doente.
 Compulsão pela internet e videojogos;
 Compras compulsivas: impulso ligado a compras excessivas e irrefletidas, sem observar
a utilidade e sem ter necessidade ou capacidade de as realizar. Referência a sentimento
de alívio depois das compras seguido de sentimento de arrependimento e culpa.
 Comportamento sexual compulsivo: impulso ligado a comportamentos sexuais
irresistíveis e habitualmente ligados a situações de risco.

Comportamentos auto e heteroagressivos

 Autoagressividade
 A autoagressividade pode manifestar-se através de comportamentos do espetro suicidário, tais
como o comportamento autolesivo e suicídio consumado.
 Comportamento autolesivo: comportamento com resultado não-fatal, em que o
indivíduo deliberadamente iniciou o comportamento com intenção de causar lesões ao
próprio (p.e., cortar-se, saltar de um local relativamente elevado), ingeriu fármacos em
doses superiores às posologias terapêuticas reconhecidas; ingeriu uma droga ilícita ou
substância psicoativa com propósito declaradamente autoagressivo; ou ingeriu uma
substância ou objeto não-ingerível (p.e., lixivia, detergente, lâminas ou pregos).
 O comportamento autolesivo pode dividir-se em:
o Comportamento autolesivo com intenção suicida: quando é possível
afirmar com elevado grau de certeza que não existe intencionalidade
suicida;
o Comportamento autolesivo sem outra especificação: quando não é
possível perceber se existe ou não intencionalidade suicida;
o Tentativa de suicídio: ato levado a cabo por um indivíduo, visando a
sua morte, em que é possível perceber que é realizado com
intencionalidade suicida, mas que, por razões diversas, geralmente
alheias ao indivíduo, resulta frustrado.
 Suicídio consumado: morte provocada por um ato levado a cabo pelo indivíduo com
intenção de pôr termo à vida.
 Os comportamentos autolesivo, especialmente quando sem intencionalidade suicida e
recorrentes, são muito frequentes durante a adolescência, assim como na perturbação de

31
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

personalidade estado limite em adultos (muitas vezes numa tentativa de aliviar uma dor intensa
associada a emoções negativas), no atraso mental e, mais raramente na esquizofrenia.
 As formas mais graves de comportamentos autolesivo, nomeadamente a automutilação
(em que o doente efetivamente corta uma parte de um membro ou outra parte do
corpo), ocorrem mais frequentemente em doenças do espetro psicótico ou no atraso
mental.
 As tentativas de suicídio ocorrem com maior frequência nas perturbações afetivas,
como a depressão major unipolar ou na doença bipolar, mas também na esquizofrenia.
 Podem também incluir-se nesta secção as ideias de suicídio, embora estas pertençam às
alterações de pensamento.
 Podem ir desde pensamentos de morte até à intenção suicida estruturada.
 Heteroagressividade
 A heteroagressividade pode ocorrer quando os atos agressivos são orientados para os outros e
não para o próprio (como na autoagressividade). Geralmente associa-se à agitação psicomotora
e ocorre mais frequentemente nos episódios maníacos com humor disfórico ou irritável.
 Na presença de sintomatologia psicótica, como na esquizofrenia ou na perturbação
delirante, pode haver heteroagressividade associada a questões relacionadas com os
temas das ideias delirantes.
 Compulsões
 São descritas junto das obsessões uma vez que surgem geralmente associadas a elas. No
entanto, podem ser incluídas nesta secção, devido à sua proximidade com atos impulsivos.
 Compulsões são atos que o indivíduo se sente compelido a realizar. Ao contrário do que
ocorre nos atos impulsivos, a execução não se dá de imediato, e sim somente após
alguma deliberação consciente, havendo com frequência luta ou resistência contra a sua
execução.
 São típicas da perturbação obsessiva-compulsiva e têm a função de reduzir a
ansiedade associada às obsessões (que ocorre apenas temporariamente).

MOTRICIDADE

 As classificações das alterações da motricidade são agrupadas em quatro grupos: alterações dos
movimentos espontâneos (a sua observação não depende da intervenção do entrevistador), movimentos
anormais induzidos (a sua observação depende da intervenção do entrevistador), alterações da postura e
efeitos extrapiramidais secundários à medicação psiquiátrica.

Alterações dos movimentos espontâneos

 Alterações quantitativas
 Hiperatividade
 Aumento dos movimentos expressivos: os movimentos expressivos são movimentos
espontâneos automáticos, não controlados pela vontade diretamente, e que envolve
ma face, os braços, mãos e tronco superior.
 São observados ao longo da entrevista com o doente através da sua forma de
se expressar e apresentar. Este tipo de movimentos varia de acordo com as
emoções estando a expressão emocional também dependente de fatores
socioculturais.
 Estes podem estar aumentados na ansiedade ou em algumas personalidades
com uma hiperexpressividade, nomeadamente na personalidade histriónica.
 Aumento dos movimento direcionados: os movimentos direcionados são movimentos
voluntários realizados deliberadamente pelos indivíduos.

32
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 O seu aumento pode manifestar-se através de:


o Inquietude motora: o doente movimenta-se mais do que o necessário.
Pode ocorrer em casos de hipomania e de ansiedade, p.e..
o Agitação psicomotora: aceleração e excitação inespecífica de toda a
atividade motora associada a taquipsiquismo. Estado de inquietação
com aumento dos movimentos (hipercinesia), com experiência de
sensação de tensão interna e muitas vezes associado a hostilidade e
heteroagressividade. Pode chegar a furor com manifestações muito
exageradas do movimento, gritos e vociferações. Em casos graves de
agitação psicomotora pode haver a destruição voluntária de objetos,
sendo frequente denominar estas situações de crises clásticas.
 Está associada a quadros maníacos e mistos, a episódios
agudos de esquizofrenia (nomeadamente da forma
catatónica agitada), a quadros psico-orgânicos agudos
(intoxicações por substâncias tóxicas, síndromes de
abstinência, traumatismos cranianos, encefalopatias
metabólicas), a depressões agitadas (mais frequente no
idoso), a casos graves de ansiedade, em personalidades
histriónicas ou borderline, a quadros de demência e
deficiência mental.
 Hipoatividade
 Redução dos movimentos expressivos: na depressão, dos doentes podem apresentar
uma mímica facial pobre e, por vezes, apresentam sinais como o sinal de Veraguth
(prega que se esboça sobre as pálpebras superiores, de cima para trás), sinal de ómega
(prega semelhante ao simbolo ómega na testa acima do sulco nasociliar por excessiva
ação do músculo corrugador).
 Além disso, na depressão grave pode haver uma inibição psicomotora
generalizada em que todos os movimentos corporais, incluindo os gestos, estão
diminuídos ou ausentes.
 Na esquizofrenia catatónica a expressão facial é rígida e os movimentos do
corpo escassos. Os olhos aparentam estar animados e vivos, de modo que o
doente parece estar a olhar para o mundo através de um máscara;
 Redução dos movimentos direcionados
 Lentificação ou ralentamento psicomotor: lentidão de toda a atividade motora
associada a Bradipsiquismo, com diminuição dos movimentos que se tornam
mais pobres, mais lentos, mais pesados (hipocinesia).
o Podem surgir na depressão, por exemplo, sendo, numa fase inicial,
experienciada subjetivamente como um sentimento de que todas as
ações se tornaram muito mais difíceis de iniciar e levar a cabo. Em
graus mais graves, os movimentos tornam-se lentos e arrastados.
 Inibição psicomotora: estado de acentuada e profunda lentificação
psicomotora ou ausência de respostas motoras adequadas sem que haja
paralisias ou défice psicomotor.
o Pode surgir na depressão, p.e.
 Bloqueio ou obstrução: à semelhança do bloqueio do pensamento, surge mais
frequentemente na esquizofrenia e corresponde ao impedimento irregular da
atividade motora.

33
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

o O doente pode ser incapaz de iniciar uma ação em determinado


momento, mas um pouco mais tarde conseguir realizá-lo sem
qualquer dificuldade.
 Enquanto a inibição psicomotora pode comparar-se ao
abrandamento uniforme de um veículo produzido por uma
travagem constante, a obstrução é comparável ao efeito de
colocar uma vara entre os raios de uma roda em movimento.
 Estupor: estado de suspensão de todas as atividades motoras (mímica, gestos,
linguagem) como se estivessem congeladas.
o O doente está imóvel e não responde a solicitações exteriores, com os
olhos fixos no espaço, sem que o rosto reflita qualquer emoção, e
apresenta mutismo, na vigência de um nível de consciência
aparentemente preservado e capacidade sensório-motora para reagir
ao ambiente. Pode assumir, quanto ao estado do tónus muscular, uma
forma hipertónica com rigidez (mais frequente) e uma forma
hipotónica e flácida (geralmente associada a síndromes psico-
orgânicas).
 Pode ser observado em:
 Estupor melancólico (que ocorre na depressão
grave);
 Estupor histérico (ocorre em personalidades
histriónicas);
 Estupor catatónico (ocorre nas esquizofrenias
catatónicas).
 Alterações qualitativas
 Paracinesias
 Maneirismos: movimentos direcionados (com finalidade) e voluntários, ou expressões
verbais (adaptativas), invulgarmente repetitivos ou modificados de forma a se tornarem
afetado ou extravagantes.
 Podem também fazer parte das alterações da postura quando existe a
manutenção de uma modificação invulgar de uma postura adaptativa.
o P.e., movimentos pouco usuais de apertar a mão, ou ao escrever, levar
repetidamente a mão ao cabelo, ou o uso pouco habitual de palavras
ou expressões.
 Podem ser encontrados em indivíduos sem patologia psiquiátrica ou doentes
psiquiátricos (esquizofrenia, perturbações de personalidade, etc.) ou alterações
neurológicas.
o Alguns autores alemães usaram o termo bizarrias como sinónimo de
maneirismos. Outros, definem bizarrias como posturas ou
movimentos distorcidos e grotescos sem finalidade aparente
(conceito mais próximo de estereotipias).
 Estereotipias: movimentos não direcionados (sem finalidade) ou expressões verbais não
adaptativas.
 Estes podem ser simples (estalar os dedos, balancear o corpo) ou complexos,
carecendo sempre de finalidade, embora possam ser reminiscências de alguma
ação com finalidade aparente.
o Podem estar presentes em alterações neurológicas e na esquizofrenia
(sobretudo catatónica).

34
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Por vezes, é difícil de distinguir entre estereotipias e tiques.


o A principal diferença reside no facto que as primeiras possuem um
carácter mais intencional embora sem nenhuma finalidade expressa,
enquanto os outros são totalmente involuntários.
 A diferenciação estereotipias vs. maneirismos reside no facto de os
maneirismos reside no facto de os maneirismos serem considerados
direcionados (com finalidade), embora invulgarmente repetitivos ou
modificados para formas pouco usuais, e as estereotipias serem desprovidas de
qualquer finalidade.
 Outros
 Tiques: contrações musculares involuntárias de pequenos grupos de músculos; e são
habitualmente reminiscências de movimentos expressivos ou reflexos defensivos.
 OS tiques podem ter ou não um base orgânica (pré-encefalite, Síndrome de
Tourette).
 Tremor de repouso: pode ocorrer nas mãos, cabeça e parte superior do tronco quando
o doente está em repouso.
 Tende a surgir em indivíduos ansiosos podendo haver uma predisposição inata
e um agravamento com a idade. Também pode ocorrer em situações orgânicas
como a doença de Parkinson, sendo nestas situações frequentemente agravado
pelo estado emocional.
 Coreia: movimentos irregulares espasmódicos abruptos que se assemelham a
fragmentos de movimentos expressivos ou reativos (p.e., coreia de Huntington),
também conhecidos pela designação “balismo”.
 Atetose: movimentos espontâneos lentos.
 Quer a coreia quer a atetose podem surgir em alterações neurológicas ou na
esquizofrenia (sobretudo catatónica).
 Mioclonias: contrações musculares breves (“sacudidelas”).
 Ocorrem em doenças orgânicas (epilepsia mioclónica), nas perturbações do
sono ou como efeito secundário de antidepressivos.

Alterações dos movimentos induzidos

 Obediência automática: o doente cumpre qualquer instrução sem olhar às consequências;


 Ecopraxia: o doente imita ações que simplesmente observa (p.e., bater palmas ou estalar dedos);
 Ecolalia: o doente repete em forma de eco uma parte ou a totalidade do que lhe foi dito;
 Perseveração: repetição sem sentido de uma ação direcionada que já cumpriu o seu objetivo.
 P.e., quando se pede ao doente para colocar a língua de fora, ele obedece e pede-se de novo
para pôr a língua para dentro, e obedece, mas depois continua a pô-la para dentro e para fora
repetidamente.
 A perseveração pode ser induzida, mas também pode ser espontânea.
 Cooperação ou mitmachen: o corpo do doente pode posicionar-se em qualquer posição sem resistência,
embora lhe tenha sido pedido para resistir a qualquer movimentação.
 Mitgehen corresponde a uma forma extrema de cooperação, porque o doente move o seu corpo
na direção da mais pequena pressão exercida pelo examinador;
 Oposição ou genhalten: o doente opõe-se a qualquer movimento passivo com o mesmo grau de força
que estiver a ser aplicado pelo entrevistador (aparentemente sem motivo).
 O negativismo pode ser considerado como uma acentuação da oposição, embora seja utilizado
com frequência para descrever a hostilidade, a recusa com motivação e ausência de cooperação

35
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

(o que não é correto, pois o negativismo consiste na resistência, aparentemente sem motivo,
podendo associar-se ou não a uma atitude defensiva);
 Ambitendência: o doente inicia o movimento voluntário com um objetivo, mas este é interrompido.
Poderá ser considerada a expressão física do bloqueio do pensamento.
 P.e., um doente que inicia o ato de dar um aperto de mão, mas depois recua (e pode repetir este
movimento várias vezes, até finalmente dar ou não o aperto de mão).
 Alguns autores chamam-na “ambivalência da vontade”

Alterações da Postura

 Postura maneirista: pouco natural, afetada.


 Postura estereotipada: posturas anormais que são mantidas rigidamente;
 Perseveração da postura ou catalepsia: ocorre com acentuado exagero do tónus postural e corresponde
À manutenção de uma determinada postura imposta ou voluntária, mantendo o doente na mesma
posição durante um longo período de tempo, frequentemente associada a conservação de atitudes.
 Na flexibilidade cérea, observa-se uma ligeira resistência que o doente oferece à mobilização dos
membros, é semelhante a cera mole (pode coexistir com cooperação e catalepsia).
 Não confundir com cataplexia que se refere à perda abrupta de tónus muscular, com
queda brusca (ocorre na narcolepsia)

Efeitos extrapiramidais secundários ao uso de psicofármacos

 Nesta secção é importante referir efeitos extrapiramidais associados a psicofármacos (sobretudo


antipsicóticos) e que devem ser descritos nesta fase do exame psicopatológico.
 Pseudoparkinsonismo: rigidez muscular, tremor e acinesia;
 Acatisia: agitação psicomotora, sensação subjetiva de inquietude (o doente sente “incapacidade
de estar quieto”);
 Distonia aguda: espasmos musculares intermitentes ou sustidos, levando a posturas ou
movimentos anormais;
 Discinesia tardia: movimentos sem propósito, repetitivos dos músculos faciais, boca e língua,
associados a movimentos coreo-atetóticos dos membros.
 Ao contrário dos anteriores, que podem dar-se pouco tempo após a administração de
antipsicóticos, a discinesia tardia geralmente associa-se ao seu uso crónico.

VIDA INSTINTIVA

Alterações do sono

 Muitas vezes são secundárias à doença psiquiátrica, embora possam ocorrer de forma primária (com
menos frequência)
 Dissónias
 São alterações da quantidade, qualidade ou horário de sono
 Insónia: sendo importante descrever se existe dificuldade em adormecer
(insónia inicial), despertar a meio da noite com dificuldade em retomar o sono
(insónia intermédia) ou despertar ainda de madrugada não conseguindo
retomar o sono (insónia terminal).
o A insónia inicial tem sido claramente relacionada com estados de
ansiedade, enquanto a insónia terminal com episódios depressivos.
 Hipersónia: o doente dorme mais horas do que o habitual e poderá inclusive
manter-se com sono durante o dia.

36
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Narcolepsia: episódios breves de súbita perda do tónus muscular, na maioria


das vezes relacionados com emoção intensa.
o Geralmente há intrusão de elementos do sono profundo na transição
do sono para vigília (p.e., alucinações hipnopômpicas e hipnagógicas).
 Redução da necessidade de dormir: diferente da incapacidade de dormir
(insónia), aqui devido à presença de uma excessiva energia vital, os pacientes
deixam de ter necessidade de dormir.
o Ocorre nos episódios maníacos, na perturbação bipolar.
 Parassónias
 São eventos comportamentais ou fisiológicos anormais ocorrendo em associação com o
sono, (com fases específicas do sono ou na transição sono-vigília).
 Pesadelos: sonhos com uma carga afetiva negativa.
o Ocorrem geralmente durante o sono REM.
o Podem ser frequentes em situações psiquiátricas (como na depressão)
e podem melhorar (com medicamentos que reduzam o sono REM) ou
agravar com certas medicações.
 Terrores noturnos: episódios recorrentes de despertares abruptos, geralmente
ocorrendo durante o sono NREM.
o Os episódios acompanham-se de sinais de ativação autonómica e
intenso medo.
o Frequente nas crianças.
 Sonambulismo: episódicos de levantar da cama durante o sono e de
deambulação que afeta geralmente o sono NREM.
o Ocorre sobretudo durante a infância e está associado a história
familiar desta perturbação.
 Bruxismo: “ranger dos dentes” que ocorre durante a noite, associando-se
muitas vezes a estados de ansiedade.
o Pode ter consequências como dores nos maxilares ou problemas
dentários.

Alterações do comportamento alimentar

 Podem ocorrer de forma primária nas doenças do comportamento alimentar (anorexia nervosa ou
bulimia nervosa) ou de forma secundária a doenças psiquiátricas orgânicas.
 Anorexia: diminuição do apetite.
 Pode ocorrer em doença psiquiátrica, como na depressão, ou em doenças orgânicas.
 Erroneamente, este termo é utilizado para descrever o receio mórbido de engordar
presente na anorexia nervosa, como consequente recusa alimentar. O próprio nome da
perturbação induz este erro. No entanto, anorexia significa estritamente falta de
apetite.
 Receio mórbido de engordar: corresponde ao medo de engordar que está presente, por
exemplo, na anorexia nervosa.
 Não existe propriamente falta de apetite, sendo os alimentos evitados como
consequência deste medo.
 Hiperfagia: aumento da ingestão alimentar geralmente associado a aumento do apetite.
 Pode ocorrer nas fases maníacas da doença bipolar.
 Ingestão alimentar compulsiva: ingestão excessiva e realizada num curto período de tempo de
determinado tipo de alimento.

37
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Pode associar-se a comportamentos compensatórios (como indução do vómito, toma


de laxantes ou exercício em excesso), tratando-se neste cas de bulimia.
 Pica: ingestão de substâncias não nutritivas e impróprias para a alimentação (como terra -
geofagia - ou fezes – coprofagia).
 Pode ocorrer na esquizofrenia, nas demências, ou debilidade mental.
 Potomania: ingestão exagerada de líquidos.
 Pode ocorrer na anorexia, p.e., para induzir saciedade.
 Pode também ocorrer na esquizofrenia crónica, como parte de um comportamento
desorganizado ou como consequência de ideação delirante.
 Recusa alimentar: recusa voluntária e intencional em alimentar-se total ou parcialmente.
 Pode ocorrer na anorexia nervosa (em que o receio mórbido de engordar induz a recusa
de ingestão de alimentos), esquizofrenia (p.e., devido a ideias delirantes de
envenenamento), fobias (medo de engordar, receando consequências nefastas),
depressão com ideação suicida (morrer de fome)…

Alterações do comportamento sexual

 Podem ocorrer de forma primárias nas perturbações da sexualidade ou de forma secundária a doenças
psiquiátricas ou orgânicas, ou secundárias à toma de medicação (nomeadamente psicofármacos).
 Aumento da líbido ou hiperssexualidade;
 Diminuição da líbido ou hipossexualidade.

INSIGHT (ou consciência para a doença)

 A consciência para a doença tem três componentes fundamentais:


 Conhecimento da doença: saber o que é, como se designa ou como se origina;
 Compreensão dos efeitos da doença: nas suas capacidades e perspetivas futuras;
 Atitude perante a doença: como reage à mesma depois de a conhecer e compreender, vista, por
exemplo, na forma como cumpre a terapêutica ou o seguimento.
 Habitualmente refere-se com insight ausente, parcial ou presente.

38
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

ENTREVISTA E HISTÓRICA CLÍNICA

 Existem vários tipos de entrevista clínica, sendo que o modelo médico é o mais antigo e o mais utilizado
em psiquiatria.
 É um modelo que visa uma busca sistemática de sinais e sintomas que configurem um quadro
clínico suscetível de ser diagnosticado. A aproximação diagnóstica tem como principal objetivo
orientar uma intervenção terapêutica biológica ou não.
 Além disso, este modelo procura fatores etiológicos que possam estar na génese dos sintomas.
 A consideração de diferentes visões complementares permite encontrar diversas
perspetivas e aumenta a probabilidade de se chegar a fatores etiológicos que podem
contribuir para o estabelecimento de uma intervenção terapêutica posterior.

ENTREVISTA CLÍNICA

Espaço, posicionamento, duração

 Espaço: deve ocorrer num local em que o doente se sinta cómodo e com privacidade.
 Deve ser dotado de uma certa neutralidade em termos decorativos, luz adequada e silencioso.
 Não é aconselhado que ocorra em sítios não profissionais.
 Devem evitar-se interrupções.
 Posicionamento: é recomendado que o doente e o médico não se sentem em posição frontal (pode ser
considerada antagonista ou intrusiva), mas que as cadeiras façam um ângulo de 90º.
 Duração: a entrevista deve ser limitada (não superior a 50 minutos)
 Para gerir o tempo, é aconselhável ter um relógio discretamente visível para o médico.
 Se a entrevista for demasiado curta corre-se o risco de o doente não ter ainda ultrapassado a
ansiedade do impacto inicial, ficando por abordar temas fundamentais para a compreensão da
história do doente.
 Por outro lado, se a entrevista for demasiado longa, pode ser despoletada no doente
uma excessiva carga emocional o que pode dificultar o retorno do doente ao psiquiatra.

Recurso a auxiliares para facilitar a entrevista

 Pode recorrer-se a:
 Listas orientadoras da história clínica;
 Formulários de história clínica de heteropreenchimento;
 Formulários de autopreenchimento;
 Estes instrumentos podem facilitar e orientar a construção de uma história clínica.
 No entanto, existem desvantagens:
 Sobressimplificação e restrição dos dados apreendidos e o prejuízo da relação
médico-doente.
 O instrumento de avaliação tem em conta apenas o que o doente quer referir e
apenas ode ser usado em doentes capazes de o preencherem.

Conteúdo manifesto vs. latente

 A qualquer conteúdo verbal manifesto2 corresponde um determinado conteúdo latente3.


 A entrevista clínica objetiva chegar o mais próximo possível dos conteúdos latentes. Para isso, é
necessário estar-se atento aos diferentes níveis de comunicação: verbal, não-verbal e empático.

2
Conteúdo manifesto: o que é efetivamente dito pelo doente;
3
Conteúdo latente: significado subentendido;

39
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

Relação médico-doente

 É importante estabelecer uma relação empática com o doente.


 O clínico deve privilegiar uma atitude de escuta, procurando reduzir as intervenções, sobretudo
excluindo as de aconselhamento e ético-normativas, que poderão ter uma ação tranquilizadora
imediata, mas superficial; sendo dotado de uma postura de “compreensão”, estando consciente
que cada atitude do sujeito desencadeia uma contra-atitude nele.
 Além da empatia, é importante estabelecer uma aceitação incondicional positiva – em que tudo o que a
pessoa exprime é tido como digno de respeito e de aceitação – e de uma atitude congruente/genuína –
em que o clínico deve, na relação com o cliente, ser autêntico, sem máscara ou fachada, apresentando
abertamente os sentimentos e atitudes que nele surgem no momento.
 Por outro lado, é natural que o clínico se reveja em algumas questões trazidas pelo doente.
 Este acontecimento está relacionado com um conceito da psicanálise –
contratransferência.
 Um fenómeno que envolve o desenvolvimento de sensações, sentimentos e
perceções que brotam no terapeuta, relacionados com as suas próprias
vivências, emergentes do relacionamento terapêutico com o paciente como
respostas às manifestações do paciente.
 A contratransferência deve ser identificada e contida pelo clínico.
 É fundamental que sejam estabelecidos limites na relação médico-doente, mantendo-a num campo
estritamente profissional.
 Por outro lado, é fundamental que o doente se sinta seguro e confiante no clínico.
 A projeção de competência por parte do profissional pode ser veiculada de várias
formas: introdução (em que o clínico diz quem é, onde trabalha, etc.) e através da
competência que é transmitida ao longo da entrevista (pela oportunidade de
determinadas questões, pela clarificação de alguns aspetos, etc.).

Entrevista diretiva/semidiretiva

 É aconselhável que a entrevista seja de carácter semidiretivo.


 A consequência do controlo por parte do clínico é que se pode perder informação importante
por parte do doente.

Como abordar aspetos complexos

 Existem várias estratégias que permitem uma mais fácil abordagem de aspetos complexos:
 Normalização: introdução da ideia de que é “compreensível” que o doente se sinta ou se
comporte de determinada forma.
 P.e., “por vezes, quando as pessoas estão mais nervosas recorrem ao consumo de álcool
ou drogas para tentar encontrar alguma paz. É o seu caso?”
 Sintomas expectáveis: o clínico formula questões como se já assumisse que o doente tenha tido
determinados comportamentos.
 P.e., no caso de um doente deprimido em que é quase certa a presença de ideias de
suicídio, mas que tem vergonha em admiti-lo: “em que tipo de formas de fazer mal a si
próprio tem pensado?”
 Exagero/amplificação de sintomas: o exagero de sintomas muitas vezes é usado para clarificar a
gravidade dos sintomas nos casos em que os doentes minimizam a gravidade do seu problema,
para se enganarem a si próprios ou ao clínico.
 Esta técnica envolve a sugestão de uma frequência de um comportamento problemático
superior às expectativas, para que o doente fique com a ideia de que a frequência real
não é vista pelo clínico como grave.

40
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 P.e., “quantos copos de vodka toma por dia? 10? 20?”


 Utilização de linguagem familiar ao doente: adotar uma linguagem familiar ao grupo etário e
social aumenta a obtenção de respostas positivas.
 P.e., adotar termos como “fumar charros” e “cheirar coca”, quando adequados.

Aumentar a capacidade de recordação do doente

 Para ajudar os doentes a recordar determinadas situações importantes para a história clínica pode
recorrer-se a várias estratégias:
 Associar os episódios psiquiátricos a eventos importantes para a pessoa (aniversários, anos de
estudo, acidentes, doenças, nascimento de filhos, morte de familiares) ou mesmo gerais (morte
da princesa Diana, queda das torres gémeas);
 Fornecer exemplos para que o doente identifique ou não com o que lhe corresponde
 P.e., mostrar uma imagem de uma caixa de medicação
 Clarificar os conceitos: os doentes muitas vezes respondem de forma pouco rigorosa porque não
compreendem o que lhes é questionado.

Gerir silêncios

 O silêncio no início da entrevista costuma corresponder a uma expectativa que o doente tem que seja o
clínico a perguntar. Neste caso, pode ser explicado ao doente que há tempo para se falar de todos os seus
assuntos podendo ele escolher a ordem em que eles são abordados.
 Se o entrevistador não compreende a motivação do silêncio pode, após alguns minutos de
silêncio, perguntar ao doente em que é que ele pensa naquele momento.

Fases da entrevista

 Fase inicial – abertura (5-10 minutos)


 Introdução do clínico: o clínico diz o seu nome e cumprimenta o doente, perguntando-lhe o
nome pelo qual o doente prefere ser tratado.
 Explicitação dos objetivos da entrevista.
 Fase de aquecimento: é aconselhado a fazer uma primeira fase de discurso livre antes de fazer
perguntas específicas.
 No entanto, doentes mais desorganizados requerem uma entrevista mais estruturada
desde o início.
 Construção de uma aliança terapêutica e relação de confiança.
 Aspetos importantes a estar atento:
 O doente vem acompanhado ou sozinho?
 Pode informar-nos da dependência/independência do doente.
 É frequente que o doente se faça acompanhar por uma pessoa que possa, de
alguma forma, reduzir a ansiedade.
 Como é a sua aparência? Cuidada ou descuidada?
 Como nos cumprimenta?
 É decidido, tímido, arrogante?
 Que movimentos expressivos apresenta?
 Quem enviou o doente à consulta?
 Se vem por iniciativa própria subentende-se que esteja presente uma
egodistonia em relação ao problema que os traz à consulta. O que significa que
existe insight para a doença, o que tem implicações no prognóstico.
 Porém, se os doentes são conduzidos à consulta, contra a sua vontade, não têm
consciência da sua doença (exceto em alguns casos de crianças/adolescentes).

41
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Acompanhantes do doente: é comum deixar-se o doente decidir se quer entrar sozinho ou


acompanhado, pedindo-se aos familiares que abandonem o consultório no decorrer da
entrevista.
 Deve evitar-se falar com os acompanhantes/familiares sem a presença do doente
porque pode pôr em causa a relação de confiança.
 Novamente, é exceção os casos de negação da doença, em que é necessário a
cumplicidade dos familiares para obter informação importante para que a
terapêutica seja cumprida.
 Muitas vezes, os familiares relatam uma história mais objetiva, mas que pode
não corresponder ao sofrimento subjetivo do doente. Por outro lado, o
acompanhamento poderá ajudar a conter o seu sofrimento.
 Fase intermédia – corpo (30-40 minutos)
 A evolução da entrevista dependerá muito da personalidade do doente.
 O clínico deve conduzir a entrevista com poucas perguntas, favorecendo o discurso livre
e a ordem de ideias do doente.
 É fundamental que o doente nos fale sobre si próprio para que o possamos
conhecer e ajudar.
 Não é útil fazer interpretações sobre aquilo que o doente nos transmite. Deve esperar-se pelo
fim para que o clínico manifeste a sua visão do que se passa e sugerir um plano terapêutico.
 Técnicas que demonstram que o cliente está a ser compreendido:
 Validar as emoções do doente
 P.e., “compreendo que deve ser difícil estar a passar por esta fase”
 Reformular: repetir o essencial que a pessoa diz, usando as suas palavras-chave.
 Clarificação: tornar mais claro certos aspetos evocados durante a entrevista
 P.e., “você disse que estava dececionado. Como assim dececionado?”
 Após a fase inicial, o clínico deve explorar certas áreas:
 Motivo de internamento/consulta;
 História da doença atual;
 Antecedentes pessoais;
 História pessoal e social;
 Personalidade prévia;
 Antecedentes familiares;
 Exame psicopatológico;
 No entanto, deve ser privilegiada a ordem do doente, e só depois se estruture a
informação recolhida.
 Fase final – fecho (5-10 minutos)
 Nesta fase, podem esclarecer-se as últimas dúvidas para clarificar as questões diagnósticas.
 Pode perguntar-se ao doente se ele acha que falta abordar algum aspeto.
 Permite indicar o fim da entrevista de forma elegante e, ao mesmo tempo,
complementar a informação clínica.
 No entanto, existem doentes com os quais é necessário clarificar especificamente o fim.
 É também nesta fase que se deve discutir com o doente as impressões diagnósticas, opções
terapêuticas e esclarecer dúvidas que possam existir.
 Pode também ser fornecido material informativo/educativo.

HISTÓRIA CLÍNICA

 A metodologia que o modelo média usa para alcançar os objetivos diagnósticos passa pela elaboração de
uma história clínica.

42
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Esta história inclui duas partes: uma anamnese; e uma segunda parte na qual se incluem o
exame psicopatológico, o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento.
 Na anamnese incluem-se: identificação; motivo de consulta/internamento; história da
doença atual; antecedentes pessoais, psiquiátricos e médicos; história pessoal e social;
personalidade prévia e antecedentes familiares.
 Nesta elaboração, é aconselhado o uso das descrições do doente para que 1) se possa captar o
significado da sintomatologia para o doente, 2) minimizar as inferências do entrevistador
mantendo-se mais perto da realidade.
 Porém, não é claro se se devem usar as expressões do doente ou as designações
técnicas. Assim, sugere-se que, sempre que se utilizem designações técnicas, se tente
colocar antes ou depois expressões do doente correspondentes 4.

PRIMEIRA PARTE - ANAMNSESE

Identificação

 Nesta secção incluem-se:


 Dados identificativos do doente: nome, idade, naturalidade, domicílio, nível de escolaridade,
estado civil, profissão e situação laboral, se tem filhos, com quem vive, etc.
 Fonte da história: se foi o próprio, um informador (e referir a relação com doente: familiar,
vizinho, amigo, etc.)
 Não se devem misturar os dados obtidos por diferentes informadores, separando
nitidamente os vários relatos.
 P.e., “R.M., 45 anos, sexo feminino, natural de Lisboa, casada há 15 anos, três filhos,
residente em Lisboa, com o marido e os três filhos. História obtida com base no
depoimento da doente e do seu marido”

Motivo de internamento/consulta

 Descrição de forma simples e breve o motivo pelo qual o doente recorreu à consulta (ou ao
internamento).
 P.e., “cefaleias desde há um ano e meio sem base orgânica comprovada”

História da doença atual

 Descrição pormenorizada, e por ordem cronológica, da doença atual.


 Caracterização das vivências do doente/sintomas
 Caracterização do tipo de vivências/sintomas. O sintoma é uma interpretação da
vivência e pode apenas aqui ser referido para facilitar e sistematizar a descrição, mas
sempre associado às palavras do doente.
 Caracterização temporal das vivências/sintomas: início, duração, remissão, evolução
(crónica, episódica), exacerbações.
 P.e., “estes sintomas tiveram início há cerca de um ano, tendo-se exacerbado
ao longo dos primeiros dois meses e melhorado após o início do tratamento
farmacológico (em março de 2011), embora nunca tivesse havido remissão
total dos mesmos.
 Fatores precipitantes/de agravamento
 É essencial procurarem-se acontecimentos chave (p.e., morte de um familiar, rutura
amorosa), situações (p.e., conflitos laborais), fases do ano (p.e., estações do ano),
4
Quando se transcrevem as expressões do doente, coloca-se o termo sic à frente, p.e., “ “comecei a sentir-me muito triste”
[sic] “. O termo sic indica que estas foram transcritas integralmente com ou sem erros gramaticais ou semânticos.

43
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

possíveis candidatos para uma relação causal com o aparecimento/agravamento dos


sintomas.
 Porém, muitas vezes o que se encontra são fatores concomitantes, sendo difícil
estabelecer uma relação de causalidade linear.
o P.e., “o doente associa o início desta sintomatologia à morta do pai
em aneiro de 2010, tendo-se agravado após a perda do emprego em
março do mesmo ano”.
 Tratamento
 O tratamento é biológico, psicoterapêutico, há necessidade ou não de internamento –
se sim, duração e evolução do mesmo.
 Pode ser relevante colher o nome dos profissionais que trataram o doente,
bem como das instituições.
 O tipo de tratamento (nome dos medicamentos, ou linha psicoterapêutica)
bem como o período que o doente foi submetido às intervenções e o sucesso
das mesmas deve ser descrito.
 Também é importante ter uma ideia da adesão que o doente tem tido em
relação às intervenções terapêuticas.
 Impacto dos sintomas
 Tem de ser avaliado o impacto que os sintomas tiveram no estilo de vida do doente
(pessoal, social, profissional).
 P.e., “relativamente ao impacto que este quadro teve na vida do doente ele
referiu que: “desde que comecei com estas ideias e estas vozes deixei de
conseguir trabalhar, e os amigos que tinha perdi-os quase todos…””
 Funcionamento pré-mórbido e interepisódico
 É fundamental avaliar o estado pré-mórbido, especialmente nas perturbações que se
acompanham de deterioração ao longo do tempo.
 Caso os sintomas ocorram por episódios, é importante verificar o
funcionamento interepisódico.
o P.e., “relativamente ao seu funcionamento pré-mórbido o doente
referiu “antes de ter a minha primeira crise eu não tinha problema
nenhum, a escola corria bem, socialmente estava tudo bem…” em
relação ao funcionamento interepisódico “entre as crises também
costumo funcionar bem: volto à escola e consigo ter resultados!””
 Negação de outros sintomas
 Pode ser útil a negação de outros sintomas que poderiam estar presentes
 Esclarecimento de outras questões
 É importante estar atento a sintomas psiquiátricos ao longo da vida do doente que
podem não ter motivado recurso a tratamento, mas que mesmo assim são importantes
para a construção da história.
 Também pode ser útil questionar o doente acerca de qual o sintoma que o afetou mais.
 A sua resposta pode dar-nos uma ideia da conceptualização do problema por
parte do doente e um alvo preliminar do tratamento.
 De notar que, muitas vezes, a história da doença atual corresponde
literalmente à história de vida do doente. Se for o caso, não é incorreto
recolher uma história com um estilo narrativo de acordo com a informação do
doente.
 Aspetos especiais a explorar
 Ideação/tentativa de suicídio.

44
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 A psicopatologia relacionada com o suicídio pode manifestar-se através de


duas formas: pensamento (ideação suicida) e comportamento
(comportamento autolesivo e suicídio consumado).
o A ideação deve ser explorada de forma não só a caracterizar o quadro
clínico, mas também a avaliar a probabilidade de ela evoluir para uma
tentativa de suicídio.
o Relativamente aos comportamentos autolesivo, estes podem ser
avaliados em relação à sua gravidade e intencionalidade suicida.
 Enquanto nos comportamentos autolesivo com intenção
suicida a motivação predominante é o “querer morrer”,
naqueles sem intenção suicida é mais frequente o “querer
descansar”, “querer fazer ver que fui abandonado(a)”, “vais
arrepender-se”, em que a tentativa de manipulação do
ambiente é frequente.

Antecedentes pessoais

 Antecedentes psiquiátricos
 Devem registar-se antecedentes psiquiátricos presentes na história do doente, além daqueles
que foram registados na história da doença atual.
 Caracterização dos sintomas/vivências
 Fatores precipitantes/de agravamento
 Tratamento
 Impacto que os sintomas tiveram no estilo de vida do doente
 Funcionamento pré-mórbido, atual e interepisódico
 Antecedentes médicos
 Aqui são assinalados os problemas médicos relevantes e a medicação não psiquiátrica que está a
ser tomada
 Toma de medicação não psiquiátrica atual
 O questionamento acerca da toma de medicação não psiquiátrica pode
esclarecer-nos sobre várias situações:
o Presença de toma de medicação com efeito psiquiátrico, mas que o
doente não reconhecida como tal
o Presença de medicação não psiquiátrica que pode fazer surgir
sintomatologia psiquiátrica secundária (p.e., imunossupressores);
o Presença de medicação não psiquiátrica que pode interferir com a
toma de medicação psiquiátrica (p.e., anticoagulantes);
o Presença de doenças médicas ativas: aqui o doente pode referir-nos
que tem HTA5, diabetes, etc.
 Cujo conhecimento é fundamental para o diagnóstico
diferencial e/ou para o estabelecimento de uma terapêutica
farmacológica adequada sem interferir com as doenças
médicas;
o Presença de alergia, ou efeitos secundários reativos a alguma
medicação
o História de cirurgias/problemas médicos importantes no passado.

História pessoal e social

5
HTA: hipertensão arterial

45
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 São incluídos os aspetos relacionados com a biografia do doente, tanto os aspetos relacionados com a
biografia do doente, tanto os aspetos patológicos como os normais.
 Sublinha-se a importância subjetiva dos acontecimentos.
 Primeira infância/idade pré-escolar
 Gravidez e parto: desejada/não desejada; referência a perturbações do curso; alterações da
saúde da mãe; ingestão de fármacos na gravidez
 Alimentação: natural/artificial, o modo como era aceite ou não;
 Desenvolvimento psicomotor: atrasos no andar, na fala controlo dos esfíncteres anal e uretral;
 Psicopatologia infantil: enurese, terrores noturnos, hiperatividade, alterações do
comportamento, entre outros.
 Vida familiar precoce: relação com os pais, irmãos e outras pessoas importantes nesta fase.
 Segunda infância/idade escolar
 Vida escolar: idade de início, rendimento escolar, gosto por estudar, relação com os agentes de
ensino e com os colegas;
 Primeiras amizades;
 Eventuais contactos sexuais;
 Puberdade e adolescência
 Vida escolar;
 Evolução na sexualidade: menarca, masturbação, primeiras relações íntimas e sexuais,
orientação sexual;
 Amizades;
 Consumo de substâncias.
 Maturidade/idade adulta
 Vida profissional: primeiro emprego, adaptação profissional;
 Vida relacional/matrimonial: relações afetivo-sexuais estáveis/instáveis; casamento.
 Filhos: desejados? Atitudes educativas perante eles;
 Vida militar (se aplicável);
 Atividades sociais/recreacionais e religião.
 Consumo de substâncias
 O consumo de substâncias ilícitas e álcool deve ser aferido com mais ou com
menos rigor.
 A investigação deve basear-se nos seguintes pressupostos:
o Quando foi o primeiro e o último consumos (idade/data);
o Quantidade média/máxima dos consumos (drogas ilícitas – número de
consumos; álcool – gramas/unidades/dia)
o Presença de tolerância ou sintomas de abstinência.
 Consumos de álcool caracterização/quantificação
 O consumo de álcool pode ser ferido através da quantificação deste consumo
e/ou através de escalas que avaliam a presença de consumo nocivo de álcool
(como o questionário CAGE – um instrumento importante no screening dos
problemas relacionados com o consumo de álcool).

Avaliação da personalidade

 Pretende-se aceder à personalidade atual ou prévia, no caso da doença atual ter implicado uma
deterioração na mesma, através de uma avaliação transversal.
 É importante chegar a um retrato da pessoa prévio à doença do que a uma classificação
necessariamente redutora. No enanto, pode ser organizador aceder aos traços de personalidade
predominantes e avaliar se estes constituem uma perturbação de personalidade.

46
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Esta classificação é feita de acordo com os sistemas de classificação existentes.


 Para aceder aos traços/perturbações de personalidade:
 História pessoal
o Ao longo da história de vida do doente, deve ter-se em atenção:
 Relações interpessoais
 Como se relaciona com os familiares? Demasiado
dependente ou muito desligado?
 Que tipo de relações de amizade tem construído?
São sobretudo relações superficiais ou intimas?
 No trabalho como se relaciona com os seus pares e
as chefias? Tem tendência para ser líder ou
seguidor? Dá-se bem com todos ou é costume ter
conflitos?
 Envolve-se em atividades coletivas? Prefere
atividades/desportos solitários?
 Atividades e interesses
 Como costuma ocupar os tempos livres? Desporto,
filmes, literatura, voluntariado, etc.?
 Pertence a alguma organização social?
 Tem alguma religião?
 Valores defendidos
 Quais as suas crenças em relação aos direitos e
necessidades do outro (mais próximo e mais
distantes)?
 Qual é a atitude perante a diferença (racial,
religiosa, sexual)?
 Percurso que levou ao desenvolvimento das perturbações psiquiátricas
o Muitas vezes os sintomas psiquiátricos major, surgem de conflitos
interiores que podem ter origem em traços de personalidade
disfuncionais.
 Personalidade narcísica: tendência para se isolarem, uma vez
que dificilmente alguém preenche os seus requisitos.
 Pode levar a perturbação depressiva.
 Personalidade evitante: evita amizades por recear a rejeição,
acabando também por se isolar, com tendência a deprimir-se.
 Personalidade dependente: crenças disfuncionais em relação
à dependência e à necessidade exagerada do outro que o
podem levar facilmente a deprimir-se;
 Personalidade estado limite: sentimentos crónicos de vazio
interior e de idealização/desidealização do outro, podem
levar à depressão, às tentativas de suicídio, e outros
problemas.
 Questões específicas para o despiste dos principais tipos de perturbações de
personalidade
o Cluster A (estranhos)
 Personalidade paranoide
 É frequente pensar que os outros não são de
confiança?

47
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Os outros costumam estar contra si?


 Personalidade esquizoide
 É uma pessoa que prefere estar sozinha, sem se
envolver em grandes atividades coletivas?
 Personalidade esquizotípica
 É costume ter ideias ou crenças que os outros
consideram estranhas, bizarras?
 É costume vestir-se de forma que os outros
consideram estranha?
 Acredita frequentemente em situações que
acontecem por magia?
o Cluster B (dramáticos)
 Personalidade estado limite
 As pessoas desiludem-no/a frequentemente?
 É costume sentir uma sensação de vazio interior?
 Considera-se uma pessoa impulsiva?
 Costuma ter relações duradoiras e estáveis ou, pelo
contrário, fugazes e instáveis?
 Quando algo correr mal na sua vida (como perder
um emprego, ser rejeitado por alguém) é costume
fazer mal a si próprio, tal como cortar-se ou tomar
comprimidos em exagero?
 Personalidade antissocial
 Alguma vez teve problemas legais ou com a polícia?
 Costuma sentir-se mal quando magoa os outros?
 Personalidade histriónica
 Gosta de ser o centro das atenções?
 Os outros costumam dizer que é exagerado na forma
como expressa as suas emoções?
 Personalidade narcísica
 É uma pessoa muito ambiciosa?
 Sente-se uma pessoa especial?
 Se os outros não o/a apreciam sente-se muito triste?
 É difícil que os outros atinjam as suas expectativas?
 Teve dificuldade em compreender o ponto de vista
dos outros (quando este é diferente do seu)?
o Cluster C (ansiosos)
 Personalidade evitante
 Geralmente evita aproximar-se das pessoas?
 Prefere ficar sozinho porque teme ser rejeitado/a?
 Personalidade dependente
 Tem tendência para se apoiar num outro mais forte
para atingir os seus objetivos e se manter seguro/a?
 As decisões mais importantes da sua vida foram
tomadas independentemente ou sustentadas nos
que estão ao seu lado (pais, companheiro/a)?
 Personalidade obsessiva-compulsiva
 Considera-se uma pessoa muito perfecionista?

48
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Dedica-se tanto ao trabalho que lhe resta pouco


tempo para outras atividades?
 Faz-lhe muita confusão ver algo
desordenado/desarrumado e rapidamente tenta
organizar as coisas?
 Comportamentos/atitudes durante a entrevista
o Ao longo da entrevista, o paciente pode revelar dados importantes
para a caracterização da sua personalidade, p.e., na forma como se
apresentam ou relacionam com o clínico.

Cluster A (estranhos)
Muito reservados e desconfiados. Respondem às
Personalidade paranoide
questões com relutância e suspeição.
Distantes, fechados no seu mundo e desinteressados
Personalidade esquizoide
da relação.
Estranhos vários aspetos: forma de vestir, de se
Personalidade esquizotípica maquilhar, de se comportar (podem ter maneirismos
ou estereotipias).
Cluster B (dramáticos)
Idealiza e desidealiza o clínico ao longo da entrevista.
Personalidade estado limite
Tenta manipular o clínico.
Arrogantes, desempenhando sempre o papel de
Personalidade antissocial vítima em situações de que é culpado. Tenta
manipular o clínico.
Sedutores de várias formas: de se apresentar, de se
Personalidade histriónica expressar e de se ligar o clínico ao longo da entrevista.
Forma de falar impressionista e pouco clara.
Arrogantes, críticos em relação às credenciais dos
Personalidade narcísica clínicos. Difícil de se afastarem dos seus pontos de
vista.
Cluster C (ansiosos)
Tímidos e renitentes em autorrevelar-se. À medida
Personalidade evitante que a ligação se estabelece com o clínico torna-se
mais fácil obter informações.
Tentam fazer tudo para ganhar o apreço do clínico.
Personalidade dependente Difícil de prescindirem da relação terapêutica após el
se ter estabelecido.
Apresentam-se impecavelmente arranjados.
Personalidade obsessiva-compulsiva Pensamento circunstanciado focando-se em todos os
pormenores.

Antecedentes familiares

49
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Genograma: é uma forma de organizarmos a informação relativa aos antecedentes familiares e de nos
ajudar a compreender a história de vida do doente.

Resumo da Anamnese

- Nome, idade, naturalidade, domicílio, estado civil, profissão


Identificação
- Fonte da história (próprio ou informador – relação com o doente)

Motivo de - Descrição simples e breve do motivo pelo qual o doente recorreu à consulta
internamento/consulta (ou ao internamento)

- Caracterização das vivências do doente/sintomas (tipo de vivência/sintomas e


sua caracterização temporal: início, duração, remissão, evolução (crónica,
episódica) e exacerbações)
- Fatores precipitantes/de agravamento
- Tratamento (biológico, psicoterapêutico, necessidade ou não de internamento-
História da doença atual
duração e evolução do mesmo)
- Impacto que os sintomas tiveram no estilo de vida do docente (pessoal, social,
profissional)
- Funcionamento pré-mórbido e atual, funcionamento interepisódico
- Negação de outras sintomas

- Psiquiátricos: ver história da doença atual


- Médicos:
- toma de medicação não psiquiátrica atual
Antecedentes pessoais
- presença de doenças médicas ativas
- presença de alergia, ou efeitos secundários reativos a alguma medicação
- história de cirurgias/problemas médicos importantes no passado?

- Primeira infância: gravidez e parto; alimentação; desenvolvimento psicomotor;


vida familiar precoce
- Segunda infância: vida escolar; primeiras amizades; eventuais contactos
sexuais;
História pessoal e social
- Puberdade e adolescência: vida escolar; evolução na sexualidade; amizades;
consumo de substâncias
- Maturidade: vida profissional; vida relacional/matrimonial; filhos; vida militar;
atividades sociais/recreacionais e religião; consumo de substâncias

- As relações sociais
Personalidade atual/prévia - Atividades, interesses e valores
- Relações estabelecida com o médico

- Pais, irmãos, outros parentes importantes: idade, se falecidos (quando e causa


de morte), presença de perturbação psiquiátrica ou médica
- Ambiente familiar e a sua influência (maneira de ser dos familiares próximos e
Antecedentes familiares
relação com estes na infância)
- Status atual da sua relação com familiares
- Pode recorrer-se à construção de genogramas

SEGUNDA PARTE

50
Licenciatura em Psicologia | 3º ano | 1º Semestre
Introdução a Psicopatologia

 Nesta fase têm lugar a elaboração do Exame psicopatológico, a avaliação da necessidade de recorrer a
exames complementares de diagnóstico, e por fim a proposta de diagnóstico, prognóstico e sugestão
terapêutica.

Exame psicopatológico

 Devem descrever-se apenas as alterações psicopatológicas registadas no momento da observação. As


alterações psicopatológicas anteriores são relatadas na história da doença atual.
 Ver Manifestações dos Estados Psicopatológicos
 Os exames complementares de diagnóstico podem ser úteis em alguns casos (sobretudo para questões
relacionadas com o diagnóstico diferencial)
 Testes imagiológicos (TAC, eletroencefalograma)
 Análises laboratoriais
 Testes psicológicos fundamentais

Diagnóstico

 O diagnóstico far-se-á com base com toda a histórica clínica.


 Pode ser sindromático ou nosológico.
 Geralmente, escolhe-se primeiro uma síndrome geral onde se insere o caso clínico em
questão.
 Identificar síndromes que se organizam em torno de sintomas nucleares deve,
assim, ser o primeiro passo no sentido de ordenar a observação
psicopatológica.
 De seguida, o diagnóstico nosológico pode ser feito de acordo com os sistemas
classificativos existentes (CID e DSM).
 É importante chamar a atenção para o diagnóstico diferencial, não só com as várias perturbações
psiquiátricas, mas também com perturbações médicas.

Prognóstico

 O prognóstico é também importante ser explorado, de acordo com a perturbação psiquiátrica em


questão. Para isso, investigam-se na literatura o valor prognóstico dos dados obtidos na história
psiquiátrica.

Tratamento

 Após todo o trabalho exploratório e investigacional, é possível estabelecer uma proposta terapêutica
psicofarmacológica e psicoterapêutica.
 Esta última deverá ser explicada ao doente, de acordo com o seu grau de diferenciação, sendo
esclarecidas as suas questões, e a opção terapêutica final estabelecida com a sua colaboração.

51

Você também pode gostar