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Introdução a Psicopatologia
CONSCIÊNCIA
A consciência é o estado em que o indivíduo está ciente em relação a si próprio e ao meio que o rodeia.
Depende do bom funcionamento das seguintes funções: atenção, memória, orientação, perceção e
pensamento.
Uma pessoa está inconsciente quando não existe uma experiência subjetiva de
consciência, o que acontece em casos de doença cerebral, ou durante o sono.
Porém, poderá também estar alterada em casos de patologia psiquiátrica ou orgânica.
As perturbações da consciência podem ser: alterações quantitativas e qualitativas.
Alterações Quantitativas
Diminuição
Obnubilação: ligeiro grau de sonolência, com ou sem agitação, dificuldades de concentração e
atenção;
Sonolência: a pessoa está acordada, mas se não existir estimulação externa adormece. Existe
lentificação psicomotora, diminuição dos reflexos e do tónus muscular;
Torpor (estupor): redução generalizada do nível de consciência. Desperta apenas com
estimulação forte;
Coma: o doente apresenta-se totalmente inconsciente.
Em fases iniciais pode ser acordado por estímulos intensos ou dolorosos.
Nas fases mais profundas não apresenta resposta a qualquer tipo de estimulação.
Os quadros de diminuição da consciência são, na sua grande maioria, causados por patologia orgânica,
sendo fundamental a sua avaliação do ponto de vista médico.
Alterações Qualitativas
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ATENÇÃO
A atenção refere-se à orientação da atividade psíquica sobre determinado estímulo, objeto ou evento.
A sua natureza pode ser considerada:
Ativa ou voluntária: em que existe o esforço consciente e intencional para dirigi-la para
determinado objeto;
Passiva ou espontânea: que é suscitada pelo interesse momentâneo que um objeto
desperta, não existindo aquele esforço consciente.
Hiperprosexia: estados de atenção aumentada com tendência incoercível a obstinar-se, a deter-
se indefinidamente sobre certos objetos.
Ocorre nas perturbações obsessivas e na esquizofrenia paranoide, mas também,
transitoriamente, com a utilização de estimulantes (e.g., anfetaminas)
Hipoprosexia (diminuição da atenção) e a distratibilidade (instabilidade e mobilidade acentuada
da atenção voluntária) são consideradas perturbações da atenção ativa.
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Pode ser um estado não patológico (e.g., como no sono, na fadiga, no tédio ou em
estados hipnóticos), por outro lado pode ter como etiologia estados orgânicos graves
(e.g., traumatismo craniano, intoxicação por álcool ou drogas, epilepsia, hipertensão
intracraniana, entre outros), estar associada a estados psicogénicos (e.g., episódios
dissociativos, ansiedade aguda, depressão, mania, hipomania ou psicose) ou fazer parte
do quadro de perturbação do défice de atenção.
Estreitamento da atenção: a atenção apenas se focaliza em determinado ponto do que é
consciencializado.
Ocorre nas psicoses (em que o doente está apenas atento às alucinações), em vivências
delirantes internas, em certas depressões (com hipertenacidade em temas depressivos)
ou em indivíduos sem patologia sujeitos a emoções extremas (medo, dor).
ORIENTAÇÃO
MEMÓRIA
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Alterações quantitativas
Hipermnésia
Caracterizada por uma capacidade mnésica muito superior ao normal com uma familiaridade
exagerada em recordar.
Pode ocorrer com a utilização de psicoestimulantes, nos estados febris, nas vivências
relativas a situações limite (com a ilusão de reviver num instante toda a vida), nas
perturbações obsessivas (interesse focalizado num tema), na personalidade histriónica
(sobretudo memória hiperestésica), na aura epilética (com saída automática de
recordações) e na perturbação de stress pós-traumático (memórias em flash de
emoções intensas, invulgarmente claras, detalhadas e prolongadas).
Ecmnésia: recapitulação e revivescência intensa, abreviada e panorâmica de factos do passado
que pareciam já esquecidos.
Descrita na intoxicação por drogas, nas personalidades histriónicas, em doentes sujeitos
a hipnose e em crises epiléticas temporais.
Alguns destes fenómenos atingem uma intensidade tal, próxima da alucinação,
designando-se então de eidolias.
Amnésia ou hipomnésias
Existe capacidade parcial ou total de ficar, manter e evocar conteúdos mnésicos.
A amnésia pode ser:
Anterógrada: o paciente esquece tudo o que ocorreu após um facto ou acidente
importante;
Retrógrada: existe incapacidade de evocar situações ocorridas antes de um certo ponto;
Lacunar: em que existe esquecimento de factos ocorridos entre duas datas;
Remota: são esquecidos factos ocorridos no passado.
As amnésias podem ainda ser divididas em dois subgrupos:
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Alterações qualitativas
Paramnésias: existe uma distorção (ou falsificação) das memórias e não a perda das mesmas.
Ocorrem em perturbações nas fases de evocação e de reconhecimento.
Alterações da evocação:
Falsificação retrospetiva: existe uma distorção não intencional das memórias de acordo
com o estado afetivo (depressão ou mania) ou de funcionamento (personalidade)
atuais.
Alguns autores incluem nesta secção a pseudologia fantástica, termo que
corresponde à descrição de acontecimentos significativos ou traumáticos do
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PERCEÇÃO
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As perturbações da perceção dividem-se em dois grupos: distorções sensoriais (existe um objeto real cuja
perceção é distorcida) e falsas perceções (em que existe uma perceção “de novo” que pode ser ou não
uma resposta a um estímulo externo).
Distorções Sensoriais
Falsas Perceções
Existem três tipos de falsas perceções ou erros sensoriais (ilusões, alucinações e pseudo-alucinações)
Ilusões
Ocorrem quando estímulo vindos a partir de um objeto percebido se combinam com uma
imagem mental, produzindo uma falsa perceção deformada e adulterada de um objeto real
presente. A perceção de uma ilusão depende do cenário em que a ilusão ocorre, da escassa
acuidade percetiva e de emoções intensas, podendo ocorrer em indivíduos com ou sem
patologia psiquiátrica.
Existem alguns tipos de ilusões que merecem ser mencionados:
Pareidolia: refere-se à criação de formas imaginárias a partir de perceções resultantes
de objetos de forma mal definida (p.e., ver rostos nas nuvens);
Resultam, sobretudo, da capacidade imaginativa e, ao contrário das restantes
ilusões, não são extintas pelo aumento da atenção.
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Imagem eidética: fenómenos sensoriais que surgem quando imagens de objetos são
sobrepostas num fundo escuro e depois removidas e os indivíduos continuam a ver
estas imagens com todo o pormenor;
Ilusão de preenchimento: quando se completa um padrão familiar, mas não terminado
(p.e., estar a ler um texto em que falta uma letra ou uma palavra e nem sequer se
repara que algo falta, pois mentalmente completamos a frase ou a palavra);
Este tipo de fenómeno ocorre quando se está mais desatento.
Ilusão de afeto: em que uma perceção pode ser alterada de acordo com o estado de
humor (p.e., um doente maníaco poderá ler um anúncio de emprego “precisa-se de
pessoa inteligente” em vez de “precisa-se de pessoa de pessoa fluente em…”).
As ilusões, quando sempre visuais, ocorrem em estados de fadiga grave ou inatenção e em casos
de privação sensorial, de abaixamento do nível de consciência, em que os estímulos são
percebidos de forma deformada, e em alguns estados de expectativa afetiva.
Alucinações
Alucinações são falsas perceções que não se desenvolvem a partir da transformação de
perceções reais (como as ilusões) e que ocorrem simultaneamente com as perceções reais. Mas,
ao contrário das pseudo-alucinações, as alucinações apresentam objetividade, corporalidade e
são localizadas no espaço exterior.
As alucinações ocorrem em quadros psicóticos funcionais (esquizofrenia, mania
psicótica, depressão psicótica), mas também em situações orgânicas ou em casos
deprivação sensorial. Estas geralmente subdividem-se de acordo com o tipo sensorial e
a sua complexidade.
Alucinações auditivas
Tipo elementar ou acusmas: estampidos, arrulhos, gritos, murmúrios;
Parcialmente organizadas: música;
Completamente organizadas ou auditivo-verbais: vozes, palavras;
As alucinações auditivo-verbais (acústico-verbais) podem ser caracterizadas de
acordo com a sua qualidade (claras ou vagas), conteúdo (imperativas – dar
ordens; interpelativas – comentários sobre atos), impacto (agressivas,
amigáveis, etc.), dirigidas diretamente ao doente ou não (vozes que se dirigem
ao doente diretamente na segunda pessoa (tu) ou um conjunto de vozes que
falam entre si, comentando indiretamente o comportamento do doente da
terceira pessoa (ele).
o Quando as vozes que falam entre ti se contradizem denominam-se
alucinações antagonistas. Estas alucinações, sob forma de vozes que
comentam o comportamento doente e a ele se dirigem na terceira
pessoa, são muito características da esquizofrenia.
o As alucinações acústico-verbais, sob a forma de vozes, podem ocorrer
também em perturbações do humor (depressão, ou mania psicóticas)
no alcoolismo crónico, nas perturbações dissociativas e em
personalidades borderline, esquizoide, esquizotípica ou histriónica.
Alucinações visuais
Tipo elementar: fosfenos ou fotopsias (clarões, chamas ou sombras);
Parcialmente organizadas: padrões, figuras geométricas;
Completamente organizadas: pessoas, objetos, animais, cenas.
As alucinações visuais são mais típicas dos estados orgânicos do que das
psicoses funcionais (não orgânicas). Podem incluir a visão de cenas
cinematográficas complexas (alucinações cénicas) semelhantes ao
desenvolvimento de um sonho com dramática participação do doente (visões
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Existem alguns tipos especiais de alucinações que, pela semiologia particular, merecem
destaque:
Hipnagógicas (ocorrem ao adormecer) e hipnopômpicas (ocorrem ao acordar):
habitualmente auditivas, são consideradas um fenómeno normal, embora ocorram com
maior frequência na narcolepsia ou em situações de abuso de tóxicos;
Alucinações funcionais: em que é necessária a presença de um estímulo que
desencadeia a alucinação, no mesmo campo sensorial (p.e., ouvir vozes quando os
pássaros cantam ou quando se ouve uma pancada na parede, e cessam quando se deixa
de ouvir esses sons);
Alucinações reflexas: um estímulo num campo sensorial produz alucinações noutro
campo sensorial (p.e., um doente sente cefaleia enquanto outro ressonam ou provoca-
se uma alucinação visual estimulando o tímpano com um diapasão) percebendo-se
ambas separadamente desaparecendo a segunda quando cessa a desencadeante.
Difere da sinestesia quando a perceção de determinada sensação se associa
com uma imagem pertencente a um órgão sensorial distinto, confundindo-se a
qualidade de ambas como na “audição colorida” - visão de cores ao ouvir uma
sinfonia. Há uma perceção fundida à anterior enquanto na alucinação reflexa é
simultânea.
Alucinações múltiplas, sincrónicas ou combinadas: ocorrem alucinações de várias
modalidades sensoriais (p.e., vê uma pessoa, que fala com o doente e toca no seu
corpo):
Alucinações extracâmpicas: quando os objetos alucinados estão fora do campo
percetivo (doente vê pessoas atrás de si, ou no Brasil quando o doente está em Lisboa);
Autoscopia ou imagem em espelho: doente vê-se a si próprio e reconhece-se (união de
alucinação cenestésica e visual).
Poderá acontecer em situações normais (p.e., perante exaustão emocional),
embora possa ocorrer em quadros orgânicos, na epilepsia e também na
esquizofrenia. Na autoscopia negativa, o doente não se vê ao espelho.
Alucinose: corresponde à presença de alucinações sem alterações de consciência, sem
ideias delirantes predominantes, geralmente com insight (crítica).
Além de situações associadas ao consumi de álcool, podem ocorrer também
em lesões do tronco cerebral, crise pós-descarga da epilepsia temporal,
intoxicação por alucinogénios, anticolinérgicos e ayahuasca, e raramente em
psicoses funcionais (não orgânicas).
Pseudoalucinações
Significa falsa alucinação, sendo um fenómeno que poderia ser, à primeira vista, confundido com
uma verdadeira alucinação.
Nas pseudoalucinações existe uma falta de consciência sensorial (falta-lhes objetividade
e corporalidade – no caso de visuais, clareza da imagem, vividez das cores, delimitação
da sua forma – e são sentidas como vindas do interior ou do espaço subjetivo) e/ou o
caráter irreal é rapidamente reconhecido (com insight).
Outras características típicas das pseudoalucinações correspondem ao facto de elas
geralmente não persistirem muito no tempo e de poderem ser modificadas pela
vontade (iniciadas ou finalizadas)
Consciência da realidade
Fenómeno Consistência sensorial Outras características
(insight)
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Sem objetividade e
Não persistem no tempo
Pseudoalucinação Presente ou ausente corporalidade
Alteradas pela vontade
Espaço interior/subjetivo
Podem aparecer nos estádios inicias das psicoses e depois transformarem-se em alucinações
verdadeiras ou aparecerem ambas simultaneamente. Porém, também podem ocorrer sem
doença psiquiátrica (p.e., no luto – chamadas alucinações do luto – que, na maioria das vezes,
são pseudoalucinações e não verdadeiras alucinações), nos episódios depressivos (muitas vezes
não apresentam características de verdadeiras alucinações) e em personalidades histriónicas
(nestes casos são típicas imagens assustadoras, impressionantes, sugestionáveis e compatíveis
com as suas fantasias e com o contexto sociocultural dos doentes).
DISCURSO E LINGUAGEM
As alterações do discurso e linguagem podem ser divididas em orgânicas (mais relacionadas com
perturbações orgânicas) e funcionais (relacionadas com alterações psiquiátricas).
Alterações orgânicas
Disartria: dificuldade em articular as palavras, normalmente resultante de paresia, paralisia ou ataxia dos
músculos que intervêm nesta articulação. A fala é pastosa, aparentemente embriagada.
Pode acompanhar os casos de efeitos extrapiramidais secundários à toma de antipsicóticos.
Dislexia: distúrbio específico da linguagem caracterizado pela dificuldade em descodificar (compreender)
palavras.
Afasia: perturbação da linguagem caracterizada pela perda parcial ou total da faculdade de exprimir os
pensamentos por palavras e de compreender as palavras.
Sensorial ou de compreensão: centraliza-se na dificuldade na compreensão das palavras. Há
perturbação da palavra espontânea, da leitura e da escrita.
O exemplo clássico é a afasia de Wernicke, em que o doente, apesar de conseguir falar,
comunica numa linguagem destituída de sentido lógico e pronuncia as palavras de
maneira defeituosa ou emite uma série de palavras sem ordem gramatical, o que torna
a sua linguagem inteiramente incompreensível.
Motora ou de expressão: o doente compreende o que ouve, mas há impossibilidade de
pronunciar as palavras. A leitura e a escrita estão conservadas.
O exemplo clássico é a afasia de Broca, em que o doente não fala ou diz muito pouco,
empregando um pequeno número de palavras cujo encadeamento em frases está
reduzido ao mínimo. Frequentemente está associada disartria.
Parafasia: refere-se à utilização de palavras, erradas ou distorcidas (p.e., cameila = cadeira, ou ibro =
livro).
Ocorrendo por vezes nas afasias motoras e no início das síndromes demenciais.
Alterações funcionais
Perturbação da articulação
Gaguez: repetição de sílabas, hesitações, bloqueios intermitentes, aspirações com fase
clónica/tónica.
Pode ocorrer em estados ansiosos, especialmente em crianças.
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PENSAMENTO
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Perseveração ideativa ou perseveração do conteúdo: em que uma ideia persiste além do ponto
em que é relevante. O doente não pode abandonar uma ideia para passar para outra, sentindo-
se incapaz de se adaptar a questões sucessivas, repete voluntariamente a mesma resposta a uma
velocidade de questões, mostrando uma incapacidade de se adaptar a uma mudança de tópico
(perseveração temática).
Ocorre na depressão, esquizofrenia crónica e síndromes psico-orgânicas.
Perseveração verbal: falta de fluidez das ideias que se manifesta pela repetição involuntária de
palavras ou frases, que o doente executa quando tenta falar ou inicial o discurso repetindo,
geralmente, a palavra ou frase terminal do seu discurso anterior ou da pergunta do interlocutor,
que já não tem sentido no contexto atual da entrevista, mas que tivera anteriormente.
Esta situação difere da ecolalia e da estereotipia verbal.
Pode ocorrer nas síndromes psico-orgânicas.
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Ideias obsessivas
Ideias persistentes que ocorrem contra a vontade do doente (que se sente como intrusivas,
parasitas e inaceitáveis, resistindo contra elas – egodistónicas) e que se associam a uma elevada
carga ansiogénica.
Geralmente a temáticas destas ideias é repugnante para o doente (p.e., um doente que
seja muito religioso poderá ter pensamentos blasfémicos, alguém sensível às questões
morais, pensamentos relacionados com a tortura de outros, alguém sensível às
questões da sexualidade, pensamentos relacionados com esta área, etc.).
Existe também manutenção da autocrítica relativamente ao carácter patológico deste
problema (manutenção do insight).
Embora se fale geralmente de ideias obsessivas, as obsessões podem também tomar a forma de
imagens (que podem ser confundidas com pseudoalucinações, por exemplo, um doente refere
que vê imagens dele a abusar de uma criança, ou a esfaquear alguém) ou impulsos (de tocar,
cometer atos sociais reprováveis, etc.), medos (de contaminação, por exemplo, os medos
obsessivos são também denominados fobias obsessivas), dúvidas, etc.
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As ideias obsessivas diferem das ideias sobrevalorizadas ou prevalentes não delirantes, por
estas serem aceites pelo indivíduo que não resiste contra elas (egosintonia), e o seu caracter
patológico (sobrevalorização da importância ou significado) não ser geralmente reconhecido pelo
sujeito (insight).
Diferem das ideias delirantes não só pela egodistonia e pela ausência de insight (nas
ideias delirantes) mas também pelas outras características que definem o delírio
(nomeadamente irredutibilidade e convicção plena).
Alienação do pensamento
O doente pensa que os seus pensamentos são controlados por uma entidade extrínseca ou que
outros participam no seu pensamento.
Ocorre tipicamente na esquizofrenia e é de três tipos:
Influenciamento ou imposição do pensamento: convicção de que as suas
ideias ou representações são influenciadas ou impostas pelo exterior; o doente
sente que os seus pensamentos são induzidos por entidades extrínsecas (p.e.,
através de radares, laser, etc.);
Roubo ou interceção de pensamento: o doente tem a convicção de que as
ideias desaparecem porque se apoderaram dos seus pensamentos, lhos
roubaram através de procedimentos distintos e com intenções variadas;
Difusão de pensamento: o doente sente que o seu pensamento não lhe
pertence, que outros participam no pensamento (pensamento compartilhado)
ou que leem os seus pensamentos (leitura de pensamento), que os seus
pensamentos são conhecidos dos outros (divulgação ou difusão do
pensamento) ou que há repetição imediata (eco do pensamento).
Alterações do conteúdo
As alterações do conteúdo do pensamento podem ser agrupadas em dois grandes grupos, de acordo com
a sua intensidade ou gravidade: ideias sobrevalorizadas e delírios.
Ideias sobrevalorizadas ou prevalentes
Ideias erróneas por superestimação afetiva. O conteúdo do pensamento centraliza-se
em torno de uma ideia particular, que assume uma tonalidade afetiva acentuada; é
irracional e aceite pelo indivíduo que não resiste contra ela (egosintonia), porém,
sustentada com menos intensidade que uma ideia delirante (irredutibilidade e
convicção plena ausentes ou pouco presentes).
É compreensível no contexto da personalidade e/ou histórica do doente.
Causa perturbação do funcionamento da pessoa ou sofrimento (p.e., ideias de
ciúme no ciúme mórbido, ideias de ter uma parte do corpo disforme na
dismorfofobia, achar que está doente na hipocondria ou achar-se com excesso
de peso na anorexia nervosa).
Delírio (ideia delirante)
Uma crença falsa, inabalável, provinda de processos mórbidos e que contrasta com o
contexto cultural e social do doente.
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Segundo Jaspers (1913) trata-se um falso juízo que comunga das seguintes
características: irredutibilidade (perante argumentação lógica ou opinião
coletiva, não é passível de ser influenciada externamente), convicção plena
(certeza subjetiva absoluta, evidência a priori, independe da experiência) e
conteúdo impossível.
O delírio pode ser subdividido em delírio primário ou delírio secundário.
Delírio primário
o Ideias ou vivências que não estão associadas a outros processos
psicológicos e não derivam deles (aparecem sem causa aparente a
partir de vivências delirantes primárias). Tem um carácter de
evidência, em que surge, como algo inteiramente novo, um novo
significado, súbito e revelador, associado a perceções ou
acontecimentos psicológicos num determinado instante da vida do
sujeito, e representa uma quebra radical na sua biografia e uma
transformação qualitativa de toda a existência.
Associa-se à esquizofrenia aguda (sobretudo nas fases
iniciais) ao contrário do delírio secundário associado a outro
fenómeno psicológico (p.e., perturbação de humor).
o As vivências delirantes primárias podem ser classificadas em:
Humor delirante: o doente tem um pressentimento (estado
afetivo difuso) de que algo está a acontecer à sua volta, que o
inquieta e que tem um carácter ameaçador, estranho e
misterioso, mas o doente não sabe exatamente o que é. Ao
pressentir uma mudança incompreensível no que o rodeia
pode ocorrer perplexidade, despersonalização ou
desrealização, com uma estranheza radical que pode ir até à
sensação de fim do mundo.
Pode cessar sem qualquer desenvolvimento
delirante, mas a maior parte das vezes ele sobrevém.
Perceção delirante: atribuição de um novo significado
anormal, geralmente autorreferenciado, a uma objeto
normalmente percebido (estrutura com dupla vertente:
perceção final ligada, por um lado à perceção verdadeira do
objeto real, e por outro, sem motivação compreensível, a um
novo significado).
P.e., m doente esquizofrénico diz que descobriu que
era perseguido pelo máfia porque reparou que tinha
uma nódoa na camisa.
Não se trata de uma perturbação do percebido mas
do seu significado (pelo que se considera uma
perturbação do pensamento) que é vivenciada como
uma revelação, uma descoberta abrupta
Ocorrência ou intuição delirante: o delírio surge
completamento formado na mente do doente, como uma
ideia ou uma certeza súbita, um significado anormal, sem
suporte percetivo e a partir de uma revelação quase “pura”,
fenomenologicamente indistinguível de uma ideia normal.
P.e., o mesmo doente após perceber que o avião é
dos serviços secretos desenvolve uma ideia delirante
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manter uma lógica interna podem adquirir uma maior credibilidade. Estes
doentes muitas vezes como que constroem um argumento, podendo os delírios
ser sistematizados em setor ou em rede.
o O aspeto fundamental é a presença de uma única ideia delirante fixa,
elaborada, que pode assumir vários contornos: delírio de reivindicação
ou querelante, delírios passionais (erotomania, ciúme), delírio
imaginativo (característicos da parafrenia tardia, privilegiando temas
de grandeza) e delírios interpretativos monotemáticos (típico da
perturbação delirante crónica). Nos delírios sistematizados, os doentes
não se prestam a impedir o desenvolvimento ou criticar o delírio, mas
a buscar mais elementos para o justificar e sistematizar.
o Este tipo de delírios é frequente em estádios avançados da
esquizofrenia ou na perturbação delirante;
Não sistematizados: quando envolvem ideias delirantes dispersas
referenciadas a vários temas. Os doentes são mais desorganizados e pouco
convincentes, não formam uma argumento e não tentam explicar as suas ideias
(as coisas são “porque sim”, “eu sei”, “todo o mundo sabe”).
o Típico da esquizofrenia desorganizada;
Simples (monotemáticos): em torno de um só conteúdo;
Complexos (pluritemáticos): englobando vários temas ao mesmo tempo, com
múltiplos focos;
Compartilhados ou loucura a dois (folie à deux): em que o convivente,
habitualmente com personalidade sugestionável, dependente ou frágil
socioculturalmente ou com limitação física ou psicossocial, passa a delirar
(sobre o mesmo tema do doente).
o Podem ocorrer delírios grupais.
Relativamente ao envolvimento afetivo que o doente estabelece com o delírio, designa-
se dinamismo do delírio (quanto maior o dinamismo, maior o compromisso afetivo).
Um delírio diz-se encapsulado quando este se refere a um assunto ou crença particular,
mas que não se estende para os outros campos da vida e funcionamento do indivíduo.
Ideias de suicídio
Podem ir desde os pensamentos de morte até à intenção suicida estruturada (com ou sem
planificação suicida).
VIVÊNCIA DO EU
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A consciência dos limites do Eu corresponde à sensação de que posso “distinguir o que sou Eu do mundo
externo e de tudo o que não é o meu self.”. Pode estar alterada:
Alienação do pensamento
Alienação da atividade motora e/ou dos sentimentos (experiências de passividade):
sentimentos ou atividades corporais (p.e., as ações são controladas por outros).
Pode ocorrer na esquizofrenia.
Apropriação: quando vivencia como seus os acontecimentos que atingem objetos externo (p.e.,
ao presenciar a agressão de outra pessoa, afirma que foi ele).
Pode ocorrer na esquizofrenia.
Transitivismo: o doente projeta para o exterior o que se passa nele (atribui os seus
comportamentos a objetos e pessoas circundantes, p.e., grita e diz que alguém á sua volta está a
gritar).
Pode ocorrer na esquizofrenia.
Estados extáticos: sentir-se em “união com o universo”.
Poderá ocorrer em indivíduos normais em experiências espirituais intensas (êxtase
religioso, estados de transe, possessão, meditação profunda) ou sob o efeito de tóxicos
alucinogénios, mas também na esquizofrenia.
De notar que outro termo por vezes incluído nas alterações da vivência do Eu é a desrealização.
Conceitos Importantes
Emoção: resposta a curto prazo, desencadeada por uma perceção (interna ou externa) e que evoca
mudanças fisiológicas.
Pode dividir-se em três componentes: componente afetiva propriamente dita (corresponde à
vivência de sentimentos em sentido estrito), componente somática e componente cognitiva;
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Beatitude: felicidade completa; grande bem-estar.
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Todos estes estados elevador de humor podem acompanhar-se de: a) alterações da motricidade
(nos casos menos graves estão alterados os movimentos expressivos – vivacidade da mímica
facial, aumento da gesticulação –, nos mais graves está presente a agitação psicomotora
generalizada; b) alterações do pensamento – nos casos menos graves está alterado o curso do
mesmo com aceleração do pensamento e fuga de ideias -, nos mais graves pode haver alterações
do conteúdo do pensamento com ideias delirantes, geralmente de grandiosidade.
Alterações hipotímicas
Dentro da normalidade
Tristeza normal: adequada às circunstâncias que a provocam, em termos de intensidade
e duração;
Patológicas
Humor depressivo: é o sintoma de base das perturbações depressivas, embora não seja
sinónimo da mesma, uma vez que, nos quadros depressivos, além do humor depressivo
estão normalmente presentes outros sintomas como a anedonia, alterações da energia
vital (alterações da líbido, do sono, redução da energia vital), da atividade motora
(hipocinesia), entre outros.
No humor depressivo, predomina a tristeza patológica sem desencadeante ou,
perante um estímulo apresentado, com uma intensidade e duração
desproporcionadas.
Estão aqui presentes a tríade cognitiva (visão negativa de si mesmo,
visão negativa das suas intenções com o meio ambiente e visão
negativa do futuro) e vários pensamentos automáticos característicos
(como a interferência arbitrária, a abstração seletiva, a
hipergeneralização, entre outros).
O humor depressivo pode associar-se a sintomas somáticos marcados, falando-
se aqui de tristeza vitalizada.
Um doente deprimido pode referir, p.e., “esta tristeza vem de dentro
do meu corpo… sinto uma dor no peito que me impede de respirar,
uma pressão que me exprime a cabeça e não me deixa pensar”
O termo melancolia é utlizado para descrever situações com tristeza profunda,
extrema lentidão dos processos psíquicos, anedonia, perda da ressonância
emocional, sintomas vegetativos (insónia, anorexia, variações de humor
diurnas – humor geralmente agrava de manhã) e inibição psicomotora grave
que pode chegar ao estupor melancólico.
Nestas circunstâncias podem estar presentes ideias delirantes ou
sobrevalorizadas de ruína, hipocondríacas ou de culpa.
O humor depressivo pode, em casos graves, associar-se à presença de ideação
suicida e de sintomas psicóticos.
Estamos de humor que não correspondem uma elevação ou a uma depressão do humor, mas podem
traduzi uma patologia mista do humor.
Humor disfórico: é um sintoma de difícil definição acompanhado de uma tonalidade afetiva mal-
humorada, predominando uma sensação de mal-estar.
Estão presentes ansiedade, irritação e agressividade.
Humor irritável: difícil de distinguir do anterior.
Predomina uma hiperreatividade desagradável, hostilidade e eventualmente
agressividade a estímulos externos (cônjuge, TV, casa, trabalho).
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Ansiedade
Os termos ansiedade e angústia são usados quase indistintamente. No entanto, enquanto a primeira está
mais relacionada com um componente psíquico, a segunda associa-se mais a um componente somático.
A ansiedade pode ser considerada como estado ou como traço.
A ansiedade-estado corresponde ao aparecimento de sintomas num momento concreto
e bem definido.
A ansiedade-traço refere-se à tendência que os indivíduos têm em relacionar-se com o
seu meio ambiente com uma excessiva carga de ansiedade.
É importante distinguir entre dois tipos de ansiedade:
Ansiedade neurótica: o paciente apresenta sintomas de ansiedade perante uma
sensação de perigo inconsciente, que não se neutraliza mediante os recursos
adaptativos do doente.
Ansiedade psicótica: medo da perda da própria identidade, muito característica do
humor delirante.
Alguns fenómenos psicopatológicos associados à ansiedade
Fobias
São um tipo particular de medo, caracterizado por:
Ser desproporcionado à situação que o cria;
Ser inexplicável e irracional;
Se encontrar fora do controlo voluntário;
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Indecisão ou ambivalência volitiva: ao se impor à consciência dois impulsos volitivos opostos sem que o
doente decida da sua escolha;
Sugestionabilidade: supressão mais ou menos completa da liberdade volitiva.
Ocorre na hipnose, na autossugestão, em personalidades imaturas ou ingénuas, no estupor
catatónico e na folie à deux
Obediência automática: o doente executa imediata e mecanicamente como um autómato os atos ou
ordens;
Ataxia volitiva: dissociação entre sentimento, pensamento e vontade, em que o doente acaba por
executar um ato diferente do que queria.
Atos impulsivos
Ações realizadas prontamente, sem deliberação ou reflexão; as consequências dos atos não são
consideradas pelo próprio.
Exemplos de impulsos patológicos:
Impulsos agressivo-destrutivos: parte da definição psicológica de perturbação explosiva
intermitente. Existe a incapacidade em resistir a impulsos agressivos, acarretando sérios
atos violentos ou destruição de propriedade. Amplamente desproporcional a qualquer
fator desencadeante.
Frangofilia: impulso patológico de destruir os objetos que circundam o indivíduo.
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Autoagressividade
A autoagressividade pode manifestar-se através de comportamentos do espetro suicidário, tais
como o comportamento autolesivo e suicídio consumado.
Comportamento autolesivo: comportamento com resultado não-fatal, em que o
indivíduo deliberadamente iniciou o comportamento com intenção de causar lesões ao
próprio (p.e., cortar-se, saltar de um local relativamente elevado), ingeriu fármacos em
doses superiores às posologias terapêuticas reconhecidas; ingeriu uma droga ilícita ou
substância psicoativa com propósito declaradamente autoagressivo; ou ingeriu uma
substância ou objeto não-ingerível (p.e., lixivia, detergente, lâminas ou pregos).
O comportamento autolesivo pode dividir-se em:
o Comportamento autolesivo com intenção suicida: quando é possível
afirmar com elevado grau de certeza que não existe intencionalidade
suicida;
o Comportamento autolesivo sem outra especificação: quando não é
possível perceber se existe ou não intencionalidade suicida;
o Tentativa de suicídio: ato levado a cabo por um indivíduo, visando a
sua morte, em que é possível perceber que é realizado com
intencionalidade suicida, mas que, por razões diversas, geralmente
alheias ao indivíduo, resulta frustrado.
Suicídio consumado: morte provocada por um ato levado a cabo pelo indivíduo com
intenção de pôr termo à vida.
Os comportamentos autolesivo, especialmente quando sem intencionalidade suicida e
recorrentes, são muito frequentes durante a adolescência, assim como na perturbação de
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Introdução a Psicopatologia
personalidade estado limite em adultos (muitas vezes numa tentativa de aliviar uma dor intensa
associada a emoções negativas), no atraso mental e, mais raramente na esquizofrenia.
As formas mais graves de comportamentos autolesivo, nomeadamente a automutilação
(em que o doente efetivamente corta uma parte de um membro ou outra parte do
corpo), ocorrem mais frequentemente em doenças do espetro psicótico ou no atraso
mental.
As tentativas de suicídio ocorrem com maior frequência nas perturbações afetivas,
como a depressão major unipolar ou na doença bipolar, mas também na esquizofrenia.
Podem também incluir-se nesta secção as ideias de suicídio, embora estas pertençam às
alterações de pensamento.
Podem ir desde pensamentos de morte até à intenção suicida estruturada.
Heteroagressividade
A heteroagressividade pode ocorrer quando os atos agressivos são orientados para os outros e
não para o próprio (como na autoagressividade). Geralmente associa-se à agitação psicomotora
e ocorre mais frequentemente nos episódios maníacos com humor disfórico ou irritável.
Na presença de sintomatologia psicótica, como na esquizofrenia ou na perturbação
delirante, pode haver heteroagressividade associada a questões relacionadas com os
temas das ideias delirantes.
Compulsões
São descritas junto das obsessões uma vez que surgem geralmente associadas a elas. No
entanto, podem ser incluídas nesta secção, devido à sua proximidade com atos impulsivos.
Compulsões são atos que o indivíduo se sente compelido a realizar. Ao contrário do que
ocorre nos atos impulsivos, a execução não se dá de imediato, e sim somente após
alguma deliberação consciente, havendo com frequência luta ou resistência contra a sua
execução.
São típicas da perturbação obsessiva-compulsiva e têm a função de reduzir a
ansiedade associada às obsessões (que ocorre apenas temporariamente).
MOTRICIDADE
As classificações das alterações da motricidade são agrupadas em quatro grupos: alterações dos
movimentos espontâneos (a sua observação não depende da intervenção do entrevistador), movimentos
anormais induzidos (a sua observação depende da intervenção do entrevistador), alterações da postura e
efeitos extrapiramidais secundários à medicação psiquiátrica.
Alterações quantitativas
Hiperatividade
Aumento dos movimentos expressivos: os movimentos expressivos são movimentos
espontâneos automáticos, não controlados pela vontade diretamente, e que envolve
ma face, os braços, mãos e tronco superior.
São observados ao longo da entrevista com o doente através da sua forma de
se expressar e apresentar. Este tipo de movimentos varia de acordo com as
emoções estando a expressão emocional também dependente de fatores
socioculturais.
Estes podem estar aumentados na ansiedade ou em algumas personalidades
com uma hiperexpressividade, nomeadamente na personalidade histriónica.
Aumento dos movimento direcionados: os movimentos direcionados são movimentos
voluntários realizados deliberadamente pelos indivíduos.
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(o que não é correto, pois o negativismo consiste na resistência, aparentemente sem motivo,
podendo associar-se ou não a uma atitude defensiva);
Ambitendência: o doente inicia o movimento voluntário com um objetivo, mas este é interrompido.
Poderá ser considerada a expressão física do bloqueio do pensamento.
P.e., um doente que inicia o ato de dar um aperto de mão, mas depois recua (e pode repetir este
movimento várias vezes, até finalmente dar ou não o aperto de mão).
Alguns autores chamam-na “ambivalência da vontade”
Alterações da Postura
VIDA INSTINTIVA
Alterações do sono
Muitas vezes são secundárias à doença psiquiátrica, embora possam ocorrer de forma primária (com
menos frequência)
Dissónias
São alterações da quantidade, qualidade ou horário de sono
Insónia: sendo importante descrever se existe dificuldade em adormecer
(insónia inicial), despertar a meio da noite com dificuldade em retomar o sono
(insónia intermédia) ou despertar ainda de madrugada não conseguindo
retomar o sono (insónia terminal).
o A insónia inicial tem sido claramente relacionada com estados de
ansiedade, enquanto a insónia terminal com episódios depressivos.
Hipersónia: o doente dorme mais horas do que o habitual e poderá inclusive
manter-se com sono durante o dia.
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Podem ocorrer de forma primária nas doenças do comportamento alimentar (anorexia nervosa ou
bulimia nervosa) ou de forma secundária a doenças psiquiátricas orgânicas.
Anorexia: diminuição do apetite.
Pode ocorrer em doença psiquiátrica, como na depressão, ou em doenças orgânicas.
Erroneamente, este termo é utilizado para descrever o receio mórbido de engordar
presente na anorexia nervosa, como consequente recusa alimentar. O próprio nome da
perturbação induz este erro. No entanto, anorexia significa estritamente falta de
apetite.
Receio mórbido de engordar: corresponde ao medo de engordar que está presente, por
exemplo, na anorexia nervosa.
Não existe propriamente falta de apetite, sendo os alimentos evitados como
consequência deste medo.
Hiperfagia: aumento da ingestão alimentar geralmente associado a aumento do apetite.
Pode ocorrer nas fases maníacas da doença bipolar.
Ingestão alimentar compulsiva: ingestão excessiva e realizada num curto período de tempo de
determinado tipo de alimento.
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Podem ocorrer de forma primárias nas perturbações da sexualidade ou de forma secundária a doenças
psiquiátricas ou orgânicas, ou secundárias à toma de medicação (nomeadamente psicofármacos).
Aumento da líbido ou hiperssexualidade;
Diminuição da líbido ou hipossexualidade.
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Existem vários tipos de entrevista clínica, sendo que o modelo médico é o mais antigo e o mais utilizado
em psiquiatria.
É um modelo que visa uma busca sistemática de sinais e sintomas que configurem um quadro
clínico suscetível de ser diagnosticado. A aproximação diagnóstica tem como principal objetivo
orientar uma intervenção terapêutica biológica ou não.
Além disso, este modelo procura fatores etiológicos que possam estar na génese dos sintomas.
A consideração de diferentes visões complementares permite encontrar diversas
perspetivas e aumenta a probabilidade de se chegar a fatores etiológicos que podem
contribuir para o estabelecimento de uma intervenção terapêutica posterior.
ENTREVISTA CLÍNICA
Espaço: deve ocorrer num local em que o doente se sinta cómodo e com privacidade.
Deve ser dotado de uma certa neutralidade em termos decorativos, luz adequada e silencioso.
Não é aconselhado que ocorra em sítios não profissionais.
Devem evitar-se interrupções.
Posicionamento: é recomendado que o doente e o médico não se sentem em posição frontal (pode ser
considerada antagonista ou intrusiva), mas que as cadeiras façam um ângulo de 90º.
Duração: a entrevista deve ser limitada (não superior a 50 minutos)
Para gerir o tempo, é aconselhável ter um relógio discretamente visível para o médico.
Se a entrevista for demasiado curta corre-se o risco de o doente não ter ainda ultrapassado a
ansiedade do impacto inicial, ficando por abordar temas fundamentais para a compreensão da
história do doente.
Por outro lado, se a entrevista for demasiado longa, pode ser despoletada no doente
uma excessiva carga emocional o que pode dificultar o retorno do doente ao psiquiatra.
Pode recorrer-se a:
Listas orientadoras da história clínica;
Formulários de história clínica de heteropreenchimento;
Formulários de autopreenchimento;
Estes instrumentos podem facilitar e orientar a construção de uma história clínica.
No entanto, existem desvantagens:
Sobressimplificação e restrição dos dados apreendidos e o prejuízo da relação
médico-doente.
O instrumento de avaliação tem em conta apenas o que o doente quer referir e
apenas ode ser usado em doentes capazes de o preencherem.
2
Conteúdo manifesto: o que é efetivamente dito pelo doente;
3
Conteúdo latente: significado subentendido;
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Relação médico-doente
Entrevista diretiva/semidiretiva
Existem várias estratégias que permitem uma mais fácil abordagem de aspetos complexos:
Normalização: introdução da ideia de que é “compreensível” que o doente se sinta ou se
comporte de determinada forma.
P.e., “por vezes, quando as pessoas estão mais nervosas recorrem ao consumo de álcool
ou drogas para tentar encontrar alguma paz. É o seu caso?”
Sintomas expectáveis: o clínico formula questões como se já assumisse que o doente tenha tido
determinados comportamentos.
P.e., no caso de um doente deprimido em que é quase certa a presença de ideias de
suicídio, mas que tem vergonha em admiti-lo: “em que tipo de formas de fazer mal a si
próprio tem pensado?”
Exagero/amplificação de sintomas: o exagero de sintomas muitas vezes é usado para clarificar a
gravidade dos sintomas nos casos em que os doentes minimizam a gravidade do seu problema,
para se enganarem a si próprios ou ao clínico.
Esta técnica envolve a sugestão de uma frequência de um comportamento problemático
superior às expectativas, para que o doente fique com a ideia de que a frequência real
não é vista pelo clínico como grave.
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Introdução a Psicopatologia
Para ajudar os doentes a recordar determinadas situações importantes para a história clínica pode
recorrer-se a várias estratégias:
Associar os episódios psiquiátricos a eventos importantes para a pessoa (aniversários, anos de
estudo, acidentes, doenças, nascimento de filhos, morte de familiares) ou mesmo gerais (morte
da princesa Diana, queda das torres gémeas);
Fornecer exemplos para que o doente identifique ou não com o que lhe corresponde
P.e., mostrar uma imagem de uma caixa de medicação
Clarificar os conceitos: os doentes muitas vezes respondem de forma pouco rigorosa porque não
compreendem o que lhes é questionado.
Gerir silêncios
O silêncio no início da entrevista costuma corresponder a uma expectativa que o doente tem que seja o
clínico a perguntar. Neste caso, pode ser explicado ao doente que há tempo para se falar de todos os seus
assuntos podendo ele escolher a ordem em que eles são abordados.
Se o entrevistador não compreende a motivação do silêncio pode, após alguns minutos de
silêncio, perguntar ao doente em que é que ele pensa naquele momento.
Fases da entrevista
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HISTÓRIA CLÍNICA
A metodologia que o modelo média usa para alcançar os objetivos diagnósticos passa pela elaboração de
uma história clínica.
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Introdução a Psicopatologia
Esta história inclui duas partes: uma anamnese; e uma segunda parte na qual se incluem o
exame psicopatológico, o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento.
Na anamnese incluem-se: identificação; motivo de consulta/internamento; história da
doença atual; antecedentes pessoais, psiquiátricos e médicos; história pessoal e social;
personalidade prévia e antecedentes familiares.
Nesta elaboração, é aconselhado o uso das descrições do doente para que 1) se possa captar o
significado da sintomatologia para o doente, 2) minimizar as inferências do entrevistador
mantendo-se mais perto da realidade.
Porém, não é claro se se devem usar as expressões do doente ou as designações
técnicas. Assim, sugere-se que, sempre que se utilizem designações técnicas, se tente
colocar antes ou depois expressões do doente correspondentes 4.
Identificação
Motivo de internamento/consulta
Descrição de forma simples e breve o motivo pelo qual o doente recorreu à consulta (ou ao
internamento).
P.e., “cefaleias desde há um ano e meio sem base orgânica comprovada”
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Antecedentes pessoais
Antecedentes psiquiátricos
Devem registar-se antecedentes psiquiátricos presentes na história do doente, além daqueles
que foram registados na história da doença atual.
Caracterização dos sintomas/vivências
Fatores precipitantes/de agravamento
Tratamento
Impacto que os sintomas tiveram no estilo de vida do doente
Funcionamento pré-mórbido, atual e interepisódico
Antecedentes médicos
Aqui são assinalados os problemas médicos relevantes e a medicação não psiquiátrica que está a
ser tomada
Toma de medicação não psiquiátrica atual
O questionamento acerca da toma de medicação não psiquiátrica pode
esclarecer-nos sobre várias situações:
o Presença de toma de medicação com efeito psiquiátrico, mas que o
doente não reconhecida como tal
o Presença de medicação não psiquiátrica que pode fazer surgir
sintomatologia psiquiátrica secundária (p.e., imunossupressores);
o Presença de medicação não psiquiátrica que pode interferir com a
toma de medicação psiquiátrica (p.e., anticoagulantes);
o Presença de doenças médicas ativas: aqui o doente pode referir-nos
que tem HTA5, diabetes, etc.
Cujo conhecimento é fundamental para o diagnóstico
diferencial e/ou para o estabelecimento de uma terapêutica
farmacológica adequada sem interferir com as doenças
médicas;
o Presença de alergia, ou efeitos secundários reativos a alguma
medicação
o História de cirurgias/problemas médicos importantes no passado.
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HTA: hipertensão arterial
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Introdução a Psicopatologia
São incluídos os aspetos relacionados com a biografia do doente, tanto os aspetos relacionados com a
biografia do doente, tanto os aspetos patológicos como os normais.
Sublinha-se a importância subjetiva dos acontecimentos.
Primeira infância/idade pré-escolar
Gravidez e parto: desejada/não desejada; referência a perturbações do curso; alterações da
saúde da mãe; ingestão de fármacos na gravidez
Alimentação: natural/artificial, o modo como era aceite ou não;
Desenvolvimento psicomotor: atrasos no andar, na fala controlo dos esfíncteres anal e uretral;
Psicopatologia infantil: enurese, terrores noturnos, hiperatividade, alterações do
comportamento, entre outros.
Vida familiar precoce: relação com os pais, irmãos e outras pessoas importantes nesta fase.
Segunda infância/idade escolar
Vida escolar: idade de início, rendimento escolar, gosto por estudar, relação com os agentes de
ensino e com os colegas;
Primeiras amizades;
Eventuais contactos sexuais;
Puberdade e adolescência
Vida escolar;
Evolução na sexualidade: menarca, masturbação, primeiras relações íntimas e sexuais,
orientação sexual;
Amizades;
Consumo de substâncias.
Maturidade/idade adulta
Vida profissional: primeiro emprego, adaptação profissional;
Vida relacional/matrimonial: relações afetivo-sexuais estáveis/instáveis; casamento.
Filhos: desejados? Atitudes educativas perante eles;
Vida militar (se aplicável);
Atividades sociais/recreacionais e religião.
Consumo de substâncias
O consumo de substâncias ilícitas e álcool deve ser aferido com mais ou com
menos rigor.
A investigação deve basear-se nos seguintes pressupostos:
o Quando foi o primeiro e o último consumos (idade/data);
o Quantidade média/máxima dos consumos (drogas ilícitas – número de
consumos; álcool – gramas/unidades/dia)
o Presença de tolerância ou sintomas de abstinência.
Consumos de álcool caracterização/quantificação
O consumo de álcool pode ser ferido através da quantificação deste consumo
e/ou através de escalas que avaliam a presença de consumo nocivo de álcool
(como o questionário CAGE – um instrumento importante no screening dos
problemas relacionados com o consumo de álcool).
Avaliação da personalidade
Pretende-se aceder à personalidade atual ou prévia, no caso da doença atual ter implicado uma
deterioração na mesma, através de uma avaliação transversal.
É importante chegar a um retrato da pessoa prévio à doença do que a uma classificação
necessariamente redutora. No enanto, pode ser organizador aceder aos traços de personalidade
predominantes e avaliar se estes constituem uma perturbação de personalidade.
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Cluster A (estranhos)
Muito reservados e desconfiados. Respondem às
Personalidade paranoide
questões com relutância e suspeição.
Distantes, fechados no seu mundo e desinteressados
Personalidade esquizoide
da relação.
Estranhos vários aspetos: forma de vestir, de se
Personalidade esquizotípica maquilhar, de se comportar (podem ter maneirismos
ou estereotipias).
Cluster B (dramáticos)
Idealiza e desidealiza o clínico ao longo da entrevista.
Personalidade estado limite
Tenta manipular o clínico.
Arrogantes, desempenhando sempre o papel de
Personalidade antissocial vítima em situações de que é culpado. Tenta
manipular o clínico.
Sedutores de várias formas: de se apresentar, de se
Personalidade histriónica expressar e de se ligar o clínico ao longo da entrevista.
Forma de falar impressionista e pouco clara.
Arrogantes, críticos em relação às credenciais dos
Personalidade narcísica clínicos. Difícil de se afastarem dos seus pontos de
vista.
Cluster C (ansiosos)
Tímidos e renitentes em autorrevelar-se. À medida
Personalidade evitante que a ligação se estabelece com o clínico torna-se
mais fácil obter informações.
Tentam fazer tudo para ganhar o apreço do clínico.
Personalidade dependente Difícil de prescindirem da relação terapêutica após el
se ter estabelecido.
Apresentam-se impecavelmente arranjados.
Personalidade obsessiva-compulsiva Pensamento circunstanciado focando-se em todos os
pormenores.
Antecedentes familiares
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Genograma: é uma forma de organizarmos a informação relativa aos antecedentes familiares e de nos
ajudar a compreender a história de vida do doente.
Resumo da Anamnese
Motivo de - Descrição simples e breve do motivo pelo qual o doente recorreu à consulta
internamento/consulta (ou ao internamento)
- As relações sociais
Personalidade atual/prévia - Atividades, interesses e valores
- Relações estabelecida com o médico
SEGUNDA PARTE
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Nesta fase têm lugar a elaboração do Exame psicopatológico, a avaliação da necessidade de recorrer a
exames complementares de diagnóstico, e por fim a proposta de diagnóstico, prognóstico e sugestão
terapêutica.
Exame psicopatológico
Diagnóstico
Prognóstico
Tratamento
Após todo o trabalho exploratório e investigacional, é possível estabelecer uma proposta terapêutica
psicofarmacológica e psicoterapêutica.
Esta última deverá ser explicada ao doente, de acordo com o seu grau de diferenciação, sendo
esclarecidas as suas questões, e a opção terapêutica final estabelecida com a sua colaboração.
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