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O romance do espaço público1

Adrián Gorelik
Via a interpretação de dois acontecimentos na cidade de Buenos Aires, discute a cate-
goria espaço público, apontando o papel do Estado e seus níveis de comprometimento
com a comunidade, em que ora prevalece sua ausência diante de prerrogativas essen-
ciais como a segurança, ora sua presença de caráter democrático na construção de um
“estado de bem-estar”. Esses exemplos ilustram as condições que essa categoria pode
inserir nos fenômenos culturais urbanos e na criação de identidades coletivas, presen-
tes na dialética do espaço público com a memória, a ação política, as estratégias mer-
cantis, a idealização do convívio entre os indivíduos e a cidade.
Espaço público; cultura e sociedade; políticas urbanas.

Para os urbanistas, o tardio redesco- sar que o apelo ao espaço público é decisi-
brimento das virtudes da cidade clássi- vo na mudança de representações da cida-
ca no momento de sua imposibilidade de, entre os anos 90 e hoje, quando a ima-
definitiva pode ter sido o ponto de não- gem da “cidade dos negócios” e os
retorno, o momento de sua descone- esplendorosos megaempreendimentos já
xão fatal, o motivo de desqualificação. não gozam de boa reputação. Assim como
Hoje, eles são especialistas em dores nos anos 90 Buenos Aires encontrou seu
fantasmagóricas: doutores que discutem “postal” em Puerto Madero, hoje, se tivés-
as complicações médicas de uma ex- semos que eleger um postal que encarnasse
tremidade amputada. os imaginários em voga, deveríamos esco-
Rem Koolhaas2 lher alguma imagem de Palermo Viejo, re-
presentado como o bairro tradicional recu-
I - Nos anos 80 do século 20, depois de perado para a intensidade dos usos contem-
muito tempo de ausência nos vocabulários porâneos, porém sem perder seu encanto
cultural, sociológico, político ou urbano, o bucólico, como distrito de festa e design, cujo
espaço público converteu-se em categoria extraordinário sucesso imobiliário e comer-
oniexplicativa e, sobretudo, operativa, e as- cial parece reconciliar a cidade – frente ao
sim continua até hoje. É notório, por exem- megaempreendimento de enclave típico dos
plo, que na Buenos Aires que atravessou a anos 90 – com o espaço público do bairro
crise em 2001 e 2002, e hoje parece assistir de classe média que aquelas políticas leva-
a um novo boom urbano, a categoria espa- ram ao perigo da extinção.
ço público continua funcionando como nos
anos 80 e 90, tanto para interpretar os fe- O sucesso dessa categoria nota-se no fato
nômenos da cultura urbana, do circuito tu- de, desde os anos 80 até hoje, ela continuar
Fotos de Tomas de
Isaías Garde
rístico-tanguero3 até as Gallere nights, como a ser a preferida não apenas no universo
Fonte: 5.1 Megapixeles Factor para fundamentar as ações do governo so- cultural e acadêmico, mas também junto aos
Serpiente fotos, http://
factorfotos.blogspot.com,
bre a cidade, como se vê nas mais recentes governos municipais e, o que é mais signifi-
Buenos Aires, Argentina transformações centrais. Poder-se-ia até pen- cativo, entre os grupos empresariais para

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pensar a transformação da cidade em senti- impossibilidade de o Estado regular e con-
do progressista.4 A hipótese que quero de- trolar os interesses privados, para proteger
fender aqui, por outro lado, é de que o es- uma maioria da sociedade que possui cada
paço público urbano se converteu em espa- vez menos recursos materiais e simbólicos
ço espectral, e a categoria espaço público para fazê-lo por si.
em fetiche que mascara essa situação. Cer-
tamente, trata-se de categoria muito especi- O ponto que quero desenvolver, porém,
al, uma dessas escassas “categorias-ponte”, corresponde ao que se passou desde então:
que colocam em um mesmo recipiente os familiares das vítimas montaram nesse
conceitual dimensões da sociedade, da polí- quarteirão uma espécie de santuário precá-
tica e da cidade, conectando esferas forte- rio e agressivo – com restos calcinados de
mente diferenciadas.5 O problema, porém, roupas, tênis, papéis –, oficializado como
é que, embora continuando a falar em espa- locus de identidade e centro de reunião para
ço público e organizar nossa agenda urbana o protesto, e como memorial da tragédia e
em torno desse tema, já não podemos ga- da luta. Sem dúvida, mais um exemplo desta
rantir que a conexão se produza. De que modalidade estendida a toda a sociedade de
tratamos, então, quando nos referimos a um presente em “estado de memória” –
espaço público? Vejamos duas cenas atuais como prova também a multiplicação de san-
de Buenos Aires nas quais o conflito das in- tuários nas favelas cariocas, para cada meni-
terpretações se faz evidente. no de rua que morre abatido pela polícia.
Com esse memorial específicamente, entre-
A primeira é do santuário da República de tanto, interrompeu-se de forma permanen-
Cromañón, na Rua Bartolomé Mitre, próxi- te uma rua inteira, algo nunca ocorrido até
mo da Plaza Once. Trata-se de um quartei- então nos locais de tragédias na vida de
rão em pleno distrito comercial e num dos Buenos Aires, com enorme impacto
nós mais densos de transferência de trans- emocional e político (como os campos de
porte, a qual permanece fechada ao trânsito concentração da ditadura ou o edifício da
desde 30 de dezembro de 2004, quando Associacíon Mutual Israelita Argentina, ex-
ocorreu a tragédia que converteu uma dis- plodido num atentado em julho de 1994),
coteca em tumba para 193 pessoas, a maio- de modo que a memória irrompe muito mais
ria adolescente, mas também alguns adul- literal no transcorrer urbano, em uma zona
tos, crianças e até bebês.6 A tragédia con- nevrálgica da cidade. Por que se perpetuou
verteu-se em divisor de águas na política de essa situação? O comando político do mu-
Buenos Aires, e todo o ocorrido resumiria nicípio buscou diluir sua responsabilidade
os modos de funcionamento das relações delegando sua autoridade e abandonando
entre Estado e sociedade. Digamos aqui, qualquer critério de racionalidade a partir do
simplemente, que se articulou fatalmente ponto de vista dos interesses do conjunto
uma série de fatores muito conhecidos em da sociedade. A ilegitimidade impede aos
Buenos Aires: a corrupção estatal e empre- políticos distinguir publicamente o que não
sarial, além da cultura da transgressão esten- é legítimo no protesto, e os familiares das
dida em toda a sociedade. De todo modo, vítimas se convertem no único ator com
acredito que com a palavra corrupção, de autoridade no conflito. A pesar de o gover-
tão habituados que estamos a utilizá-la, ter- no da cidade ter erguido um monumento
mina-se dizendo muito pouco: haveria que no local – através de concurso –, com o que
falar, possivelmente, no desinteresse e na esperava satisfazer as reclamações dos fami-

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liares e reabrir o trânsito, a rua continua recer o tradicional uso popular da costa, ilus-
ocupada pelo santuário informal, que fun- trando o velho ideal do século 19 que con-
ciona não apenas como lugar de peregri- siderava o parque o espaço público
nação e memória, mas como evidência do democratizador por excelência, a “nova ca-
lugar que ocupam os afetados diretos tedral” da cidade moderna, em que a comu-
diante da ausência do Estado, como nidade se encontra e se reconhece, em que
materialização política desse vazio de repre- os indivíduos, iguais pelo efeito do sol e da
sentação, a cicatriz urbana da crise. natureza cultivada, convertem-se no público
crítico da modernidade. Não é secundário
A segunda cena é a o Parque Micaela no projeto a participação de um dos princi-
Bastidas, em Puerto Madero, um espaço re- pais criadores de toda a operação Puerto
cente na zona mais nova da cidade. Esse Madero, o qual, contra toda evidência, sem-
parque foi assinalado como verdadeiro acer- pre apoiou o caráter popular e progressista
to no desenho de parques e, muito mais do do empreendimento: talvez se deva enten-
que isso, como reapropriação pública da der esse parque como uma espécie de
zona modelo da cidade dos anos 90. Frente revanche do “planejamento estratégico” com
à cristalização do Puerto como enclave ex- relação às vozes agoureiras.7
clusivo de negócios e turismo de alto pa-
drão, o bairro mais moderno e caro de Os exemplos são um pouco infelizes. Pode-
Buenos Aires, o parque aparece como equi- ria escolher outras oposições, como a que
pamento sofisticado, mas voltado para favo- se produziria entre uma interrupção de ruas
por uma das tantas assembléias vicinais de
2002 – quando funcionaram como a
encarnação da nova política, e se organizou
todo um turismo político para relevar, in situ,
o último grito da temporada de rebelião con-
tra o “Império”– e o acordo da tradicional
Avenida Corrientes, cujas calçadas foram
ampliadas como parte de uma série de in-
tervenções recentes na área central, de acor-
do com um discurso oficial que apela, como
dissemos, para o enaltecimento do espaço
público. E também casos de qualquer outra
cidade, latino-americana ou não, como a Ci-
dade do México, mostrando uma rua do
centro histórico recém-“recuperada”, com
seus pavimentos reluzentes e suas fachadas
elegantes, e o quarteirão seguinte ainda
ocupado pelo tumulto da venda ambulante
(um bom teste para os imaginários urbanos
do México: diante dessas duas imagens, es-
colha qual sugere melhor a idéia de espaço
público). Minha intenção aqui, entretanto,
não é voltar a determinar uma tradicional e
maniqueísta oposição entre “a cidade das

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pessoas” e “a cidade da arquitetura”. De fato, A segunda cena, por outro lado, tem como
o Parque Bastidas tem uso popular, como referência o espaço público burguês, acos-
também a Avenida Corrientes. Além do mais, tumado a se fundamentar numa visão como
não tem sentido desprezar as qualidades a de Jürgen Habermas – embora se perceba
materiais dos espaços urbanos nem a be- que, para ele, adotaram-se muitas liberda-
leza da cidade, um bem público que, em des interpretativas. Já não se trata do espa-
todo caso, deve ser redistribuído como ço da ação, mas da representação e não só
representação da história comum e base porque seu protagonista, o público ilustra-
imprescindível de sentido para nossas do, representa público maior (de acordo
instituções republicanas. com a idéia de “Humanidade” que funda-
menta o moderno governo representativo),
O que essas oposições assinalam, na verda- mas porque o espaço público moderno,
de, é o conflito inerente na definição de es- nessa acepção, é um universo de condutas
paço público. Trata-se de algo óbvio e evi- representativas: exclusivamente pela repre-
dente, mas que não costuma ser tematizado. sentação se faz possível o contato com o
E segundo o parecer que engloba seu todo, outro na sociedade dos indivíduos que, atra-
o espaço público converte-se no contrário vés do mercado, rompem os laços da co-
do que deveria ser como categoria: no lugar munidade. Mercado e espaço público: para
de fazer presente o conflito, numa categoria essa acepção, as duas faces inevitáveis da
tranqüilizadora, num fetiche. moeda que resulta na cidade moderna.9
II - Partirei, então, do conflito implícito na As diferenças entre a primeira e a segunda
própria categoria, aquele que permite expli- acepção são notórias. Para a primeira, a con-
car cada uma dessas cenas tão diferentes duta representativa é conformista, porque
como espaço público. A primeira poderia evita a ação verdadeira pela qual os homens
ser explicada pela perspectiva de que o es- se apresentam como são, e daqui se des-
paço público é o da ação política: nesse caso, prende toda uma série de categorias muito
trata-se de um espaço público agonal, lugar ampliadas a partir do século 19 para criticar
do encontro com o outro para a constru- o espaço público burguês (justamente o que
ção da diferença. Poderia remeter-se a uma toma a segunda acepção): em primeiro lu-
visão como a de Hannah Arendt, inspirada gar, a noção de máscara, central na busca de
no ideal antigo do espaço público como o autenticidade da arte e da arquitetura mo-
universo da liberdade (a política) frente ao dernas (basta pensar na expressão cidade
universo doméstico da necessidade (a eco- Potemkin, cunhada por Adolf Loos para cri-
nomia). 8 Claro que as pobres vítimas do ticar a Viena de Ring).10 Rebelando-se con-
massacre da República de Cromañón muito tra o mercado (o filisteísmo do público),
se afastam da imagem dos cidadãos clássi- contra o individualismo e contra os enfei-
cos, em princípio porque é bastante difícil tes destinados a ocultar as misérias da
distinguir neles os momentos da liberda- modernidade, essa acepção se pronuncia
de e da necessidade; e o santuário impro- contra qualquer estabilização do espaço pú-
visado, irrupção da memória agravada no blico: o mesmo surgiria, por outro lado, de
continuum da cidade, tem um inconfundí- uma colisão fugaz e instável entre forma e
vel sabor latino-americano (ainda mais sig- política, de um agora radical, visando inter-
nificativo numa cidade tradicionalmente romper a temporalidade prosaica e mercantil
resistente a se imaginar inclusiva nesses do espaço público burguês. Não há dúvida
coloridos aspectos do continente). de que não só quando se produzem mani-

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festações políticas, mas também quando a ção burguesa e, sobretudo, no qual se reali-
arte moderna busca sua ligação com a “vida”, za a conversão de toda a vida urbana em
ocupando a rua, estamos na presença de um circulação, mostrando não a dialética implí-
espaço público em ebulição, que não se pro- cita entre o mercado e o espaço público,
põe articular o social, mas pôr em evidência mas o caráter exclusivo e irredutivelmente
as múltiplas fraturas entre a sociedade, o mercantil da metrópole moderna.
espaço e o tempo.
Não quis alimentar uma imagem simplifica-
A segunda acepção do espaço público, por dora das relações entre teorias do espaço
sua vez, nos obriga a alguns matizes e a dife- público (em termos sociológicos, históricos
renciações internas. A definição do espaço e políticos) e modelos urbanos de referên-
público burguês clássico sem dúvida remete cia: precisamente, como “categoria-ponte”,
a Habermas. É muito freqüente, entretanto, o espaço público não tem resolvido – não o
que ela seja tomada de modo frouxo para poderia ter – seu nó teórico fundamental, a
analisar a cidade do século 19 e até do 20, e relação que estabelece, implicitamente, en-
é ali que aparece o problema adicional ao tre forma urbana e política. Não acredito,
conflito de interpretações, a violação da teo- porém, distorcer muito essas teorias quan-
ria habermasiana. Já que Habermas teorizou do noto que certas imagens e modelos ur-
o momento de emergência dos espaços de banos operam nelas e a partir delas, produ-
publicidade da burguesia no século 18, e para zindo conseqüências nas diferentes concep-
ele sua potencialidade política já entra em ções do social e do político que se podem
decadência desde o século 19, com a pro- fazer notar nas práticas espaciais e nas políti-
gressiva identificação das esferas política e cas urbanas contemporâneas.
social a partir do crescimento do que logo
será chamado de Estado assistencial – o du- A esquematização das cidades e dos espa-
plo processo de socialização do Estado e a ços dessas três posições, além do mais, re-
estatalização do social, que produz, para essa presenta graficamente o caráter conflitivo das
conceitualizações mais habituais entre os
acepção, a extinção dessa brecha de auto-
especialistas urbanos que, quando se refe-
nomia da sociedade frente ao Estado que
rem ao espaço público, operam a partir de
precisa do espaço público para sua existên-
suas próprias tradições, incorporando des-
cia; brecha que já não se recuperará mais na percebidamente novos esquemas oscilantes
cidade da indústria, das massas e do consumo. entre uma visão comunitária, como aquela
Assim, já temos, na verdade, três posições clássica de Lewis Mumford, que buscava re-
cuperar um espaço “orgânico” inspirado na
com seus respectivos modelos urbanos: a
praça medieval – uma idéia de espaço públi-
primeira (arendtiana) cujo modelo urba-
co que o espaço público moderno destruiu,
no de espaço público é a ágora da pólis
e que remete a uma sociedade fechada, em
clássica; na segunda (a de Habermas) es- que domina a ação coletiva contra qualquer
tão os espaços do salão aristocrático ou o idéia de indivíduo e de racionalidade projetual
café ilustrado do século 18 (espaços em que –, e uma visão societal, como a que produz
nasce a crítica burguesa); e na terceira posi- o pós-modernismo em sua recuperação da
ção (a extensão indevida da hipótese cidade do século 19.11
habermasiana), o modelo urbano é o
boulevard do século 19, o espaço público Essas duas visões instaladas no imaginário
no qual a noção ilustrada de representação arquitetônico e urbano se dissimulam de
parece transformar-se em auto-representa- maneira complexa nas noções teóricas e têm

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conseqüências muito diretas nos modos do que um defeito do relato, deve-se obser-
como entendemos a cidade a partir da dé- var como um efeito de sorte percorrendo,
cada de 1980. A concepção comunitária foi nas últimas duas décadas, o espaço público
muito importante ao longo de todo o sécu- urbano: a superposição de postulados
lo 20, como se evidencia no fato de que não reificados fragmentariamente em bem-suce-
apenas respalda os modelos urbano- didas imagens urbanas, diante da carência de
arquitetônicos mais próximos ao organicismo qualquer debate rigoroso a respeito das
de cunho mumfordiano – e, mais geralmen- políticas que as geraram, das sociedades
te, ao urbanismo anglo-saxônico –, como a que as alimentaram e das teorias que as
neighborhood unit12 do parque suburbano, poderiam explicar. Naturalmente, só me-
mas também os modelos do modernismo
diante forte operação de redução pode
clássico, já que o verde no conjunto de mo-
uma teoria converter-se em imagens ur-
radias tinha como objetivo recuperar um
banas – o que não significa que elas não
nexo direto entre comunidade e natureza,
sejam completas em si ou se permitam ali-
destruído pelas máscaras do espaço público
mentar teorias também completas. Porém
burguês; entretanto, essa concepção explica
esse reducionismo não é produto exclu-
também uma posição existencialista como a
sivo dos limites intelectuais da arquitetu-
de Aldo Rossi,13 que na década de 1960 re-
ra e do urbanismo, como bem se vê em
cuperava a idéia de monumento como locus,
um dos livros mais célebres dos que
acontecimento trascendente e originário
relançaram a cidade nos anos 80: Todo lo
frente ao tempo mercantil do espaço públi-
sólido se desvanece en el aire, de Marshall
co – para notar a generalização posterior
Berman, 15 no qual o espaço público ilus-
dessa recuperação na chave comunitária,
procura recordar a inflação simbólica pro- trado se confunde com o boulevard
duzida em nossos imaginários urbanos des- haussmanniano que o eliminou (entre ou-
de os anos 80 no sentido dos lieux des tras coisas, porque ali a multidão elimina
memoires. 14 E assim como podemos ver a autonomia do indivíduo autocentrado,
operando essa concepção comunitária-mo- e se produz o tipo exato de relação cida-
dernista nas renovadoras propostas urbanas de/sociedade que rejeita tanto Habermas
dos anos 70 que postulavam a recuperação quanto Arendt); do mesmo modo, para de-
dos centros históricos de Urbino e Bolonha, fender a modernidade contra as leituras pós-
a segunda concepção, societal-pós-moder- modernas, exalta-se o imaginário da cidade
nista, vincula-se, obviamente, a todo o pro- do século 19 que estava propondo a urba-
cesso de recuperação cultural da cidade li- nística pós-moderna e a nostalgia açucarada
derado pelas intervenções urbanas de Berlim do conservacionismo pompier. Hoje é fácil
e Barcelona nos anos 80, relançando a im- advertir que, de acordo com o argumento
portância público-cidadã da rua tradicional e de Berman, o século 19 converteu o espaço
da vida urbana, ao mesmo tempo antimo- público em tautologia, no lugar do desfrute
dernista e pró-mercantil. do próprio espaço público, na paisagem de
Tenho consciência de que a sensação pro- si mesmo; é espaço que perdeu qualquer
duzida pela rápida enumeração feita até aqui resquício de debate racional – o que o con-
está mais próxima da vertigem caleidoscópica vertia em veículo e motor da auto-ilustra-
do que da clareza da explicação: trata-se de ção do público – em favor da mera flânerie:
mesclas fragmentárias de conceitos, aplica- essa combinação de multidão e mercadoria
ções parciais e mistificações; entretanto, mais que caracteriza o passeio urbano moderno.

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E em textos menos conhecidos, mas não não supõe negar as transformações das quais
menos significativos, nos quais todos esses busca dar conta o autor do artigo; o proble-
temas da moda se transformam em vulgata, ma é saber se incorporá-las à força ao mo-
a confusão e a mescla chegam a níveis de delo teórico-político-urbano do espaço pú-
absoluta improdutividade. Tomo um deles, blico ajuda a entendê-las. E, para coroar esse
muito recente, produzido no contexto aca- mal-entendido, o autor passa, quase sem
dêmico das universidades norte-americanas solução de continuidade, a denunciar a trans-
e utilizado como introdução para um livro formação dos espaços públicos em “não-lu-
oficial sobre as propostas para o espaço gares”, usando outra categoria de muito êxi-
público do governo da cidade de Buenos to, que rapidamente passou do jargão aca-
Aires, porque demonstra, ao mesmo tem- dêmico para o da imprensa, desconhecen-
po, o modo banal em que veio funcionando do o fato de que a noção de “lugar” utilizada
a categoria de espaço público como ponte por Marc Augé é antropológica, enqüanto a
possível entre a reflexão crítica e as políticas de espaço público é política.17 Ou seja, ambas
públicas. Já no começo, na mesma frase ini- as categorias servem para pensar questões
cial em que respalda sua noção de espaço completamente diferentes nas relações ci-
público na teoria de Habermas (transmitida dade/sociedade. Forçadas a estar lado a lado,
com “piscadas de olhos” entre especialistas), caberia a princípio considerar que a própria
o autor sustenta que a mais drástica das trans- emergência do espaço público moderno (ao
formações urbanas atuais é “a modificação menos na definição habermasiana, a qual,
substancial do espaço social devida à apro- como vimos, o autor alude) supôs o cance-
priação do espaço público por mãos priva- lamento histórico da idéia de lugar, já que o
das”,16 o que respalda a contundência crítica espaço público necessita para seu desenvol-
de seu título: “El asalto al espacio público”. vimento da existência de uma sociedade de
Habermas, entretanto, não afirma que só indivíduos sem vínculos, rompidos com a rela-
existe espaço público quando pertencente ção identitária entre o lugar e a comunidade.
à sociedade civil, ou seja, a mãos privadas,
para defendê-las, justamente, do assalto do III - De todo modo, não é propósito deste
Estado? Assinalar essa contradição teórica trabalho “elucidar” a partir da teoria a con-

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fusão reinante em nossas noções sobrepos- publicava-se Vida e muerte de las grandes
tas de espaço público, mas apenas tentar ciudades, de Jane Jacobs,19 livro que encarnou
entender como funcionaram as diversas re- a proposta de recuperação da vida buliçosa
presentações de espaço público, como ope- da rua de bairro frente a negação da urba-
ram na cidade que se transforma diante nos- nística modernista; e se recordamos que o
sos olhos. O particular da conjectura dos arco condutor da obra de Kevin Lench20 à
anos 80, em que a categoria surge e se afir- de Aldo Rossi – ou seja, da morfologia e da
ma, é que nela pareceu coincidir uma idéia semiologia urbanas para a arquitetura da ci-
de cidade, arquitetura, política, sociedade e dade – descreveu-se completamente entre
cultura urbana que surgia dessa articulação. finais dos anos 50 e a primeira metade dos
Cada uma dessas perspectivas iluminava a 60, podemos advertir que a crise do mo-
noção de espaço público e por ela se deixa- dernismo que se fez evidente em meio à
va iluminar, dando-lhe matizes diferenciais bem-sucedida modernização do pós-guer-
porém complementares, no típico movimen- ra, já havia produzido uma série de refle-
to centrífugo que se produz no momento xões que eclodiriam à margem do debate
de elevação de uma categoria, quando tudo dos especialistas, 20 anos depois.
parece provar sua capacidade teórica e instru-
mental. Esse foi o romance do espaço público. Explica-se, assim, a coexistência nos anos 80,
como agentes ativos na exaltação da cultura
A conjuntura foi apelativamente internacio- urbana, dos debates diferentes do espaço
nal (ao menos no Ocidente), embora, como público e do modernismo/pós-modernismo:
sempre sucede, em cada lugar se modula- fontes diversas, problemáticas diferentes,
ram diversas problemáticas e diversas inter- articuladas em uma série de tropos tanto de
pretações do espaço público. Poder-se-ia debilidade quanto de hospitalidade teórica:
dizer que foi o resultado de crise tripla: do como o êxito, por exemplo, da figura do
socialismo, do Estado assistencial e (comple- flâneur. E, por último, cabe não esquecer a
tamente contingente em relação às anterio- peculiar torsão instrumental realizada em
res) das ditaduras sul-americanas, que con- ambos os debates, já que as fontes neles
fluíram na disposição comum de discutir as privilegiadas esquivam-se de favorecer o
tendências totalitárias do Estado, colocando dominante enfoque entusiasta. Como já
em primeiro plano a “sociedade civil”. De mencionado, tanto Arendt quanto Habermas
modo que a categoria espaço público, re- são taxativos a respeito da irreversível “de-
cordada apenas pela tradição liberal anglo- cadência” do espaço público, por usar a fi-
saxônica e trabalhada por figuras como gura de outro autor do período, Richard
Arendt ou Habermas entre os anos 50 e 60, Senté,21 que tampouco é otimista – no que
a partir de preocupações filosóficas típicas pesa a seus reiterados, e sempre agudos, in-
desse período como a “multidão solitária” – tentos de pensamento operativo para o res-
para recordar a célebre fórmula de David gate de formas de espaço público na cidade
Riesman18 –, converteu-se na chave para contemporânea.22 E até Marshall Berman,
recente reconsideração da esquerda do pro-
por otimista que seja, encontra no século
blema democrático, fazendo empenho em seu
19 uma armadilha dialética de fatores de
chamado à reativação política da cidadania.
altíssima produtividade que o século 20 se
Na verdade, no debate urbano e teria esmerado em arruinar. Então, para to-
arquitetônico produziu-se defasagem tem- dos esses autores de referência nos anos 80,
poral similar: se pensamos que em 1961 o espaço público funciona, mais do que um

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modelo aplicável, como ferramenta de críti- – espaço público – sociedade civil – merca-
ca do presente à luz de momentos fatalmen- do: foi uma avaliação do liberalismo que in-
te perdidos – uma espécie de figura “utópi- seriu a reflexão sobre o autoritarismo na
ca”, como em um dos possíveis sentidos com Argentina no curso de um vasto movimen-
que Baczko23 interpretou o livro de Moro. to político-intelectual mundial que buscava
encarregar-se da crise do socialismo. Natu-
Analogamente, também a celebração da ci- ralmente, todo esse processo de descobri-
dade produzida pelo debate modernismo/ mento do espaço público não pode despren-
pós-modernismo encontrou apoio em po- der-se da experiência de ocupação do es-
sições como as de Georg Simmel ou Walter paço público urbano no final da ditadura e
Benjamin, desentendendo-se do humor trá- começo da democracia, em combinação –
gico no qual interpretaram a metrópole mais arendtiana do que habermasiana – de
como chave da modernidade capitalista (uma artes (teatro na rua, recitais massivos, arte
idéia de modernidade na qual se deve ler, urbana) e política (os protestos dos organis-
como assinalou Jedlovske,24 a consciência mos de direitos humanos, de modo muito
pessoal desses autores sobre a crise da cul- especial), em que a celebração urbana de-
tura ocidental). mocrática parecia contestar, nos aconteci-
mentos, a obsessão da ditadura pela limpe-
IV - No caso de Buenos Aires, as primeiras
za e a ordem na cidade.
reflexões sobre o espaço público se realiza-
ram no final da ditadura, no correr dos anos Esse caminho de valorização do espaço pú-
80. As interpretações de Habermas susten- blico, como categoria política e como pro-
taram assim uma visão das relações entre tagonista da transição democrática, teve,
Estado e autoritarismo, produzindo uma porém, como correlato a recuperação de
nova imaginação histórica de forte impacto um espaço urbano como protagonista: o
nos modos de pensar a cidade. Houve bairro popular. Essa foi nossa particular mo-
redescobrimento quase tocquevilliano do dulação do romance do espaço público que
associacionismo bairrista dos anos 20 e 30 se entoava em todas as partes. A modula-
(quando floresceram em Buenos Aires as so- ção foi muito idiossincrática de Buenos Aires
ciedades de fomento, as bibliotecas popula- – nessa cidade, o bairro popular também o
res e toda uma cultura popular bairrista, for- é. Porém convém recordar, simplesmente
mando as bases para a extensão da peculiar para notar como esses temas vão tomando
classe média portenha), identificando nessas corpo em diferentes locais de forma
instituições “ninhos da democracia”: espaços deslocada – ou seja, determinando proble-
públicos de resistência e transmissão de uma mas aparentemente similares, embora a par-
“democracia à espreita” em tempos de auto- tir de situações completamente diferentes –,
ritarismo.25 A reflexão sobre o autoritarismo que, ao mesmo tempo, o bairro assumia-se
produzia reivindicação otimista dos proces- como protagonista decisivo no processo de
so próprios da sociedade frente ao Estado e renovação de Berlim Ocidental, emblema de
revalorização – completamente recente na um novo “urbanismo do pequeno” na déca-
cultura progressista argentina – da classe
da de 1980. E que, em meados dessa déca-
média como sociedade civil por excelência.
da, o efeito do terremoto no México tam-
A aceitação política do horizonte da demo- bém se traduziu em uma nova onda de rei-
cracia liberal implicava, como conseqüência vindicação da participação popular nos bair-
lógica, a adoção da corrente teórica estado ros, que apareceram como espaço liberado

TEMÁTICAS • ADRIÁN GORELIK 197


de solidariedade e autogoverno, sendo tam- domínios fechados, a qual, sem embargo,
bém início de novo ciclo de reflexão sobre parece contestar, erguendo exemplo de
a cidade com eixo no espaço público. alta qualidade urbana, ofertas culturais e
comerciais que repõem as características
Em Buenos Aires, aquela leitura dos bairros da cidade histórica, com sua rica mescla
preparou o terreno para uma ativa política de trabalho e ócio.
municipal tendente à consolidação de redes
de participação: uma vontade descen- Talvez o melhor modo de entender essas
tralizadora, participativa e antiburocrática (em mudanças seja focar a própria categoria
cujo curso se formaram os conselhos vicinais, gentrificação, que recém-utilizei para nomeá-
os centros culturais dos bairros, e uma infini- los – no modo mecânico em que nos acos-
dade de microiniciativas) que ficou inscrita no tumamos a usá-la. Jamais havia ocorrido
imaginário progressista da cidade, conectando- gentrificação em Buenos Aires porque a ci-
se tanto com o consenso quanto à necessi- dade havia acompanhado historicamente
dade de divisão da cidade em comunas na com suas próprias transformações a grande
Convenção Constituinte de Buenos Aires mobilidade da sociedade; não existiu nunca
em 1996, como com a formação espontâ- o típico dilema dos centros históricos, lati-
nea de assembléias, que se desenvolveu no-americanos ou europeus, essa oscilação
durante a crise do final de 2001 e em 2002. entre deterioração, por falta de intervenção
Conecta-se também, entretanto, com o em defensa do patrimônio, ou gentrificação,
redescobrimento da identidade bairrista na pelos processos econômicos que essa inter-
chave cultural e imobiliária: do novo circuito venção desata quando se produz. Justamen-
tanguero até o boom imobiliário e co- te, a qualidade de espaço público de Buenos
mercial de Palermo Viejo (hoje subdividido Aires esteve apoiada na extensão aos bairros
pelas empresas imobiliárias em “Palermo de notável homogeneidade social, cultural e
Soho” e “Palermo Hollywood”), é possivel- urbana, que mobilizou toda a urbe contra a
mente a primeira experiência de gentrificação criação de zonas exclusivas. Hoje, por outro
em Buenos Aires. lado, a cidade funciona em contínua desa-
gregação de exclusividades. E, nessa lógi-
V - E talvez esse seja o melhor exemplo das ca, um bairro “tradicional” como Palermo
mudanças ocorridas entre as esperanças ur- Viejo, recuperado como centro por ex-
banas da década de 1980, as realidades da celência do design e da gastronomia, tam-
modernização conservadora da década de bém cumpre um papel.
1990, e a Buenos Aires de nossos dias; me-
lhor e mais expresivo do que os exemplos A imagem de Palermo que se constitui como
mais conhecidos de Puerto Madero, os malls emblema alternativo às luzes estridentes dos
ou os bairros privados. Porque se em megaempreendimentos de incorporação, é
Palermo Viejo se quis ver uma transforma- a do bairro tradicional da densa trama co-
ção “endógena”, produto de “sadias” dinâ- munitária e do espaço urbano amável.
micas locais frente ao urbanismo invasivo da Palermo Viejo vinha-se preparando para isso,
globalização, típico dos empreendimentos de se poderia dizer, desde os anos 80. Seu
incorporação dos anos 90, na verdade deve patrimônio de velhos casarões espaçosos
entender-se que essa fatia de “cidade tradi- em tranqüilas ruas arborizadas e seu es-
cional” também é funcional para a transfor- casso valor relativo de mercado para lá des-
mação mais ampla, a da fragmentação urba- locaram o interesse inicial de profissionais
na, dos megaempreendimentos e dos con- médios, em altíssima proporção arquitetos,

198
pelo tradicional bairro de San Telmo (extre- De toda forma, a noção de gentrificação não
mamente protegido por restrições legais). E parece de fácil aplicação nesse caso, uma vez
em Palermo se encontraram com o plus da que, apesar do explosivo sucesso comercial
idéia de “bairro”, como meio ambiente ur- associado ao design e à cultura juvenil, não é
bano ideal que sintonizava com aquele fácil reconhecer uma mudança no conteúdo
redescobrimento das leituras históricas e po- social do bairro. Em todo caso, se algo pare-
líticas da cidade e da cidadania. De modo cido com a gentrificação ali ocorreu, foi nos
que um novo tipo de programa arquitetônico anos 80, quando começaram a chegar os
(a restauração historicista da moradia indivi- primeiros arquitetos para comprar casas e
dual frente à paixão modernizadora pela mo- restaurá-las; mas, tampouco chegaram a pro-
radia coletiva das décadas anteriores), co- duzir grandes alterações no meio social. Na
meçava a se articular com um tipo de ope- verdade, é difícil encontrar ainda hoje pro-
ração urbana (o “urbanismo do pequeno”, cessos de gentrificação estritos em Buenos
frente às fáusticas operações da planificação Aires: não existiu nos casos de transforma-
tradicional) e com o tipo de relação cidade/ ção radical, como Puerto Madero, porque à
sociedade civil que propiciava a categoria “es- diferença do ocorrido no Porto de Londres,
paço público”, fechando o círculo. Palermo não havia aqui população para desalojar – e
foi vanguarda nessa idéia de espaço público essa ausência de conflito potencial foi um
bairrista e também seu exemplo mais bem dos principais acertos da escolha de Puerto
sucedido, a ponto de, incluído na atual frivo- como foco de transformação “estratégica”
lidade generalizada do “boom de Buenos da cidade; experimentou-se e fracassou no
Aires”, preservar-se em algumas respostas Abasto; e agora se está experimentando em
originais e eficazes à miséria urbana, como alguns pontos seletos de Barracas com a aju-
as que vem realizando desde 2001 a Socie- da das exposições de desenho da Casa
dade de Fomento de Palermo Viejo com a FOA.26 O modo da transformação urbana e
cooperativa de catadores de papel El Ceibo, social em Buenos Aires continua, no entan-
cujo plano piloto de reciclagem foi tomado to, presidida em grande medida pelo
pelo governo da cidade como modelo para paradigma da renovação, mais do que da
um recente plano de coleta de resíduos. revalorização patrimonial. A grande mudan-

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ça atual, quanto a essa modalidade principal, das nas transformações de Berlim e Barce-
é que, se a cidade sempre acompanhou com lona (modelos emblemáticos da concepção
transformações gerais a estendida mobilida- societal-pós-modernista que mencionáva-
de da sociedade, hoje essas transforma- mos); especialmente Barcelona, já que, com
ções assumem a forma da incorporação os responsáveis por sua gestão, se iniciou na
interiorizada no que os fragmentos sobrevi- democracia forte relação de intercâmbio
ventes daquela mobilidade se autocontêm técnico e ideológico. Na verdade, desde
e buscam recortar sua diferença. então, se produz ao longo da década de 1990
um verdadeiro modelo “de exportação”, de
É certo que o fenômeno de Palermo Viejo forte impacto em toda a América Latina:
também poderia ser pensado como a esco- assim funciona o “planejamento estratégico”.
lha consciente de um setor da classe média Trata-se de modelo urbano que propõe as-
que nestes últimos anos opta por formas de sumir os limites da gestão pública e aceitar a
desfrute da cidade frente às opções mais dimensão mercantil do território metropoli-
generalizadas nos anos 90 de condo- tano, incorporando francamente os capitais
mínios fechados, do consumo protegido do privados à reforma urbana, concebida de
shopping, com suas promessas de seguran- modo fragmentário, como peças urbano-
ça e isolamento, e assim está funcionando arquitetônicas que enfatizam a capacidade
nas representações atuais de Buenos Aires. da forma arquitetônica tanto no plano das
Mais além dessa valoração, entretanto, necessidades identitárias da cidadania como
Palermo Viejo está demostrando duas coi- no valor de commodities dos edifícios e lo-
sas. A primeira se percebe ao percorrer so- cais urbanos. Tudo isso temperado por um
zinho o bairro, entrando e saindo de um novo rol da arquitetura “de marca” como
boliche com design, uma livraria ou um res- dinamizadora das mudanças urbanas, cujo
taurante fashion dos que se amontoam qua- exemplo paradigmático nos anos 90 foi o
dra a quadra: não pode haver espaço públi- Museo Guggenheim de Bilbao. (Decerto, há
co em um setor urbano produzido como que estudar as relações existentes entre essa
cena de Townscape, de Gordon Cullen, tão recuperação de uma urbanística do século
bonita quanto artificial. A segunda tem a ver 19 e a reaparição de uma figura típica da
com comprovação mais geral sobre o funcio- modernização urbana de finais do século 19
namento desse bairro em meio a uma me- e começo do 20: o especialista internacio-
trópole fraturada: o que se percebe é o fra- nal, contratado pelos governos municipais
casso do discurso típico dos anos 80 sobre latino-americanos para desenvolver seus pla-
a reativação do espaço público mediante nos urbanos com as idéias que se demostra-
planejamento da “cidade por partes”, que foi ram bem-sucedidas em sua cidade de origen.)
a modulação urbanística daquele otimismo
social e político sobre o espaço público e Não me deterei aqui na descrição do pro-
seu lugar de encarnação, o bairro popular. cesso que se desenvolveu nos anos 90 e que
muitas vezes se identifica com a simplificadora
Como se sabe, a idéia da “cidade por par- noção de globalização – creio que se deve-
tes” rejeita o dominio da planificação, quan- ria pensar que as dinâmicas econômicas e
titativa e metodológica, para recuperar a territoriais que haviam acelerado os proces-
pequena escala de intervenção qualitativa e sos de fragmentação social e espacial em
revalorizar a trama urbana tradicional. Eram Buenos Aires se comprendem melhor à luz
idéias que propunham recuperar as qualida- de lógicas locais. Simplesmente, convém re-
des clássicas da cidade do século 19, inspira- cordar que, no processo de abertura eco-

200
nômica e desmantelamento do Estado, os brepor à exausta estrutura urbana de Buenos
fragmentos urbano-arquitetônicos que se Aires um sistema completamente novo, de
pensavam como dinamizadores da cultura incorporações e vias expressas, que aceita-
urbana e da dinâmica social, motores do es- va como irremediáveis as diferenças urba-
paço público e originários de um modelo nas e sociais decorrentes da decadência do
flexível de cidade, mais vinculados com as modelo tradicional – e, portanto, as
demandas e iniciativas da sociedade civil do potencializava. Essa vontade desacelerou-se
que com a vontade fáustica do Estado, com a crise, mas a atual decolagem imobiliá-
demostraram não funcionar de acordo com ria – um dos setores mais dinâmicos da eco-
seus modelos originários, mas como incor- nomia do boom – concentrando-se nova-
porações recortadas contra um fundo de mente no tipo de empreendimentos de in-
decadência, espelhos dos processos de con- corporação característico daqueles anos:
centração que resultavam completamente bairros privados, torres-country e até os
funcionais como recurso para a entrada no megaempreendimentos que haviam perma-
mercado daqueles setores da cidade e do necido em suspenso (como Retiro ou as
território que supunham vantagens diferen- ampliações de Puerto Madero), mostrando
ciais para o desenvolvimento de grandes que a crise atuou como cristalização das fra-
negócios privados. Ou seja, a ideologia da turas sociais e urbanas sobre as quais pros-
“cidade por partes” mostrou-se funcional perou aquele modelo de cidade, sem ne-
para o resultado da “cidade arquipélago”, e nhuma medida pública à altura do desafio
os discursos do planejamento estratégico tentando reorientar essa dinâmica.
foram as justificativas progressistas para um
neoliberalismo selvagem. VI - É evidente, então, que desde os anos 80
até hoje, coisas completamente diferentes
Se pensamos na situação atual de Buenos foram mencionadas por meio da categoria
Aires vamos ver que, apesar da mudança de espaço público; que falava em espaço públi-
discursos em seguida da crise do paradigma co quem desejava devolver à sociedade es-
neoliberal, os processos da cidade haviam feras de atividade que estiveram durante
retomado caminho igual, diante da ausência décadas dirigidas pelo Estado – e assim se
de um projeto político-urbano alternativo: a justificou, nos anos 90, todo o processo de
política urbana neoliberal dos anos 90 já não privatização dos serviços públicos – e tam-
é contínua explicitamente, mas tem sido bém quem buscava preservar os espaços
substituída por um modelo diverso de cida- comuns dirigidos pelo Estado de sua con-
de. A lucidez do neoliberalismo em diagnos- versão em negócio privado. Continua ten-
ticar a crise da cidade expansiva e em pro- do sentido, então, chamar de “espaço públi-
por um modelo de substituição (o da “cida- co” qualquer uma dessas opções, lutando
de dos negócios”) não foi contrastada com pela definição “legítima”?
diagnóstico igualmente lúcido, mas ideologi-
camente diferente, sobre a cidade que aque- O pensamento urbano mais avançado faz
las políticas deixaram. Assim, sob as auto- tempo começou a questionar a própria no-
representações mitologizantes do boom pós- ção de cidade que aludia à categoria de es-
crise de Buenos Aires (soma de turismo e paço público. Como assinalou Corboz ao
clímax cultural e imobiliário), já é claro que a cunhar a noção de “hipercidade”, as partes
melhoria econômica reativou a lógica da ci- “tradicionais” da cidade, aquelas que normal-
dade dos 90, que havia sido atenuada pela mente continuamos associando à idéia de
crise.27 A vontade típica dos anos 90 foi so- cidade, ocupam na própria Europa, onde essa

TEMÁTICAS • ADRIÁN GORELIK 201


idéia nasceu, apenas um, dois ou três qualquer categorização específica, no lugar
porcento da superfície total do que agora é idealizado em que depositamos todas as vir-
uma metrópole continental, estendida por tudes da cidade para não ter que afrontar o
todo o território.28 Trata-se de descobrimen- difícil compromisso de colocá-las em prática
to similar ao que levou Koolhaas a escrever na realidade de nossas cidades.31 Significati-
a frase que abre este texto. Porém Koolhaas vamente, quando Ulrich Beck se refere a esse
vai adiante; reflete sobre o impacto dessas tipo de categorias que continuam presentes
transformações nos próprios instrumentos nos discursos sobre o social ainda que no-
de projeção do espaço urbano: se “o con- meando fenômenos já irreconhecíveis
ceito de cidade se distorce e se dilata além nelas, usa a expressão “categorias zumbis”.32
de qualquer precedente, cada insistência em Assim parece ser hoje o espaço público em
sua condição primordial – em termos de relação aos próprios processos de transfor-
imagens, normas e fabricação – inevitavel- mação atual da cidade: não se trata de
mente conduz, via a nostalgia, à irrele- cenografías, mas de espectros.
vância”.29 Com agudeza de diagnóstico críti-
co que foi muito eficaz como veículo de um Em si mesmos, como assinala David
cinismo de mercado em sua própria produ- Harvey,33 os “lugares nodais de qualidade”
ção arquitetônica, Koolhaas não está repe- são funcionais aos requerimentos de
tindo a típica acusação de “cenográficas” que competitividade dos territórios globalizados.
se esgrime contra as propostas de transfor- Como se poderia observar no caso de
mação arquitetônica do espaço urbano; está Palermo Viejo, esses espaços de recreação
assinalando que as “virtudes da cidade clás- da vida urbana clássica são o plus necessário
sica”, em particular o espaço público, redes- que a cidade deve oferecer para seu funcio-
cobertas depois de sua extinção, estão fun- namento mais eficaz nas novas condições.
cionando como fetiche para os arquitetos e Os fragmentos do arquipélago que funcio-
para a sociedade. nam como “espaço público”, longe de servir
como antídoto que pode inocular a poção
A voz de alarme de Koolhaas, no início dos revivificadora ao resto do sistema para
anos 90, assinalou o momento em que os uma progressiva remodificação geral (a
arquitetos mais ousados abandonaram a idéia idéia economicista do “derrame” com que
de espaço público – desde então em mãos funcionou a ideologia do planejamento es-
de funcionários públicos, empresários e ana- tratégico), parecem ser algo assim como
listas culturais – e adotaram, a partir dali, o o valor diferencial que as cidades colo-
discurso do caos para entender a cidade. Se cam no mercado territorial para atrair os
poderia dizer que então se desvaneceu na capitais que garantem sua contínua trans-
alta cultura arquitetônica a figura do formação em hipercidade.
flâneur para dar lugar a mais recente rei-
vindicação do passeante errático que cum- E sob a influência do planejamento estraté-
pre a deriva situacionista.30 gico, o espaço público tem funcionado du-
Precisemos, então, essa idéia do espaço pú- plamente como fetiche, porque o caráter
blico como fetiche: se recordamos a famosa articulador dessa “categoria-ponte” permitiu
definição da alienação religiosa de Feuerbach confiar que, com ela se alcançaria uma co-
na qual se inspirou Marx para sua figura do nexão implícita – natural – entre os especia-
“fetiche da mercadoria”, poderíamos dizer listas urbanos, os agentes econômicos e os
que o espaço público se converteu, além de políticos, quando, na verdade, se funciona-

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ram articuladamente, não foi para favorecer a cidade funcionar como mercado haverá
o espaço público. Como escreveu Otília espaço público. E assim se chegou, na déca-
Arantes, uma das primeiras e mais agudas da de 1990, a sustentar com o discurso do
críticas do planejamento estratégico, a frag- espaço público um tipo de cidade que tem
mentação urbana recente, contou com o muito pouco a ver com os valores que, em-
auxílio de um “harmoniosa dupla estratégi- bora de sua maneira utópica, a categoria es-
ca”, os urbanistas – em geral, de procedên- paço público busca sustentar.
cia progressista – e os empresários que en-
contraram nas cidades um novo campo de Como se vê, usos diversos para uma cate-
acumulação: os primeiros se dedicaram, apa- goria que só muito superficialmente permi-
rentemente por modismo, a projetar “em te as articulações de “categoria-ponte”. Se
termos gerenciais provocativamente explí- podemos falar em “espaço público” para
citos”; os últimos não fazem mais do que referir tanto a rua interditada em memória
celebrar os valores culturais da cidade, da tragédia de Cromañón como o parque
“enaltecendo o ‘pulsar de cada rua, praça ou Micaela Bastidas em Puerto Madero, talvez
fragmento urbano’”, pelo que terminam se deva pensar que, mais do que continuar a
todos falando “o mesmo jargão de au- insistir em espaço público, apelando para sua
tenticidade urbana que se poderia denomi- capacidade de composição de esferas dife-
nar culturalismo de mercado”.34 rentes, hoje convenha voltar a decompor
as partes individuais que entram em jogo,
Finalmente, se poderia dizer que as políticas para ver se podemos compreender o que
urbanas utilizaram a categoria espaço públi- se passou enquanto falávamos sobre o
co em duplo sentido: por uma parte, em espaço público, com a cidade, por uma
sentido muito tradicional e operativo, como parte, e a política, a sociedade e o Estado,
o espaço aberto da cidade (as ruas e as pra- pelas outras.
ças), sem mais conteúdo teórico do que o
suposto de que é no espaço aberto que a Adrián Gorelik é arquiteto e doutor em história, profes-
sor titular na Universidad Nacional de Quilmes, coorde-
sociedade se reúne e reconhece; por outra nador do Programa de Historia de las ideas, los
parte, agregando automaticamente nesse intelectuales y la cultura da Faculdade de Filosofia e Le-
espaço aberto todas as qualidades sociais e tras da Universidade de Buenos Aires. Divide com Jorge
políticas que as teorias do espaço público F. Liernur a autoria de La sombra de la vanguardia.
Hannes Meyer en México, 1938-1947, Buenos Aires:
colocam em circulação. Nesse sentido, por Proyecto Editorial, 1993; é autor de La grilla y el parque.
obra e graça do “romance do espaço públi- Espacio público y cultura urbana en Buenos Aires, 1887-
co”, desenhar uma pracinha já não era dese- 1936, Buenos Aires: Editorial de la Universidad Nacio-
nal de Quilmes, 1998; e Das vanguardas à Brasília. Cul-
nhar uma pracinha, mas estar construin-
tura urbana e arquitetura na America Latina, Belo Hori-
do os pilares da sociabilidade democráti- zonte: Editora UFMG, 2003.
ca. Assim se justificaram como progressistas
idéias urbanísticas que simplemente retoma-
Tradução: Rodrigo Krul
ram com bastante pobreza de meios os mo-
delos urbanos do século 19, retomando tam- Revisão técnica: Xênia Roque
bém o princípio do funcionamento de mer- Notas
cado da cidade, como se a constatação teó-
rica de que para existir espaço público tem 1 Este trabalho foi desenvolvido para o Laboratorio de cul-
tura urbana: Los conflictos culturales en el futuro de las
que haver mercado, garantisse a ciudades, organizado pelo Grupo de Estudios de Cultu-
constatação prática inversa, de que onde ra Urbana, Universidad Autónoma Metropolitana, Mé-

TEMÁTICAS • ADRIÁN GORELIK 203


xico, 11 a 13 de maio de 2005; uma versão dele foi te da organização do show – a segurança incluída. Fo-
publicada em seguida na revista Block n. 7, Buenos Aires: ram levadas adiante distintas instâncias judiciais pe-
Ceac-UTDT, 2005: 8-15; a que aqui se publica foi las quais alguns acusados foram considerados cul-
corrigida e ampliada em março de 2008. pados, e outros liberados; todavia falta realizar o
julgamento oral contra o administrador da discote-
2 Koolhaas, Rem. What ever happened to Urbanism? [1994].
ca, Omar Chabán, desde os anos 80, uma figura
In Rem Koolhaas e Bruce Mau, S, M, L, XL. Rótterdam:
emblemática do espetáculo underground e do rock.
010 Publishers, 1995: 963.
Além disso, eis que a justiça proclamou inocente o
3 Expressão mantida no original, relativa ao tango, dança chefe do governo da cidade, Aníbal Ibarra, e a Câmara
típica de Buenos Aires. (N.T.) dos Deputados, correspondendo ao eco das denúnci-
4 Para citar apenas dois exemplos: em 2003 o governo da as dos familiares, desde o começo o anunciaram como
cidade de Buenos Aires publicou um livro com textos principal responsável pela corrupção no sistema de
analíticos e projetos urbanos intitulado Las dimensiones inspeções municipais, realizou um julgamento político
del espaço público, e no momento em que eu escrevia que o destituiu em março de 2006.
a primeira versão deste artigo, em maio de 2005, reali- 7 O parque foi desenhado por Alfredo Garay, Nestor
zava-se em Bogotá o Foro Internacional de Espaço Pú- Magariños, Irene Joselevich, Graciela Novoa, Mar-
blico y Ciudad, organizado pela Prefeitura e pela Câma- celo Vila e Adrián Sebastián. Garay foi um dos au-
ra de Comércio de Bogotá. tores intelectuais de toda a operação de
5 Introduzi a idéia de “categoria-ponte” a propósito da figura refuncionalização do Puerto, como secretário de Plane-
rossiana de “cidade análoga”, em Gorelik, Adrián jamento da Prefeitura de Buenos Aires.
Correspondencias. La ciudad análoga como puente en- 8 Arendt, Hannah [Nova York, 1958]. La condiçión humana.
tre ciudad y cultura. Block n. 3, Buenos Aires: UTDT, Barcelona: Paidós, 1993: 366.
1998: 88-97.
9 Habermas, Jürgen [Darmstadt, 1962]. Historia e crítica de
6 Na noite de 30 de dezembro de 2004 apresentava-se na la opinión pública. La transformación estructural de la
discoteca República de Cromañon o grupo Callejeros, vida pública. Barcelona: Gustavo Gili, 1981: 351.
um dos representantes eminentes do fenômeno do “rock
10 Loos, Adolf [Viena, 1898]. La cidade potemkinizada.
de bairro”, formado por grupos de jovens dos bairros
In Escritos I. 1897/1909. Madri: El Croquis Editorial,
suburbanos de Buenos Aires de classe média e média-
1993: 114-117.
baixa que incorporaram como elementos da cultura do
rock comportamentos característicos das torcidas de 11 A noção organicista de Lewis Mumford aparece em suas
futebol. O Callejeros, em particular, incentivava seus se- duas obras maiores sobre a cidade, La cultura de las
guidores a jogar archotes nos shows, forma de ciudades (The Culture of Cities. Nova York: Harcourt,
demostração proibida nos estádios, mas cuja realização Brace and Compane, 1938: 586.) y La ciudad en la historia
faz parte da cultura da “tolerância” das torcidas. Se nos ([Nova York, 1961] La cidade en la historia. Sus orígenes,
estádios abertos isso já é perigoso, mais ainda na disco- transformaciones e perspectivas. Buenos Aires: Edições
teca, lugar fechado que, como se descobriu depois, não Infinito, 2 vols, 1966: 891). A visão societal aparece em
cumpria nenhuma regulamentação antiincêndio: todo o obra-chave da década de 1980, Espaço urbano (Krier,
teto rebaixado estava coberto por telas altamente infla- Rob. Urban Space. Londres: Academe Editions, 1979,
máveis e, ademais, as portas de emergência estavam 174p., com prefácio de Colin Rowe).
trancadas para impedir a entrada de jovens sem ingres-
so. Quando alguns seguidores do grupo atiraram os pri- 12 Unidade vicinal. (N.T.).
meiros archotes, o teto entrou em combustão produ- 13 Rossi, Aldo [Pádua: 1966]. La arquitectura de la ciudad.
a
zindo não exatamente um incêndio – já que não chega- Barcelona: Gustavo Gili, 5 edição ampliada, 1981: 311.
ram a se formar chamas –, mas intensa fumaceira que
14 Espaços de memórias. (N.T.)
provocou a morte por asfixia de quem não conseguiu
escapar. Como complemento, os seguidores do “rock 15 Berman, Marshall [Nova York, 1982]. Todo lo sólido se
de bairro” assistem aos shows de seus grupos com toda desvanece en el aire. La experiencia damodernidade.
a família, incluindo crianças pequenas, que estavam nos Madri: Siglo XXI, 1988: 385.
banheiros, os quais funcionavam como creche improvi- 16 Remedi, Gustavo. La ciudad latinoamericana S.A. (o el
sada e acabaram sendo uma armadilha mortal. Natural- asalto al espaço público). In Las dimensões del espaço
mente, quando se começou a investigar o sinistro, des- público. Buenos Aires: Subsecretaría de Planeamiento
cobriu-se que todas as falhas anti-regulamentares do local del Governo da Ciudad de Buenos Aires, 2003: 15.
eram toleradas por um sistema de corrupção municipal
generalizado, de modo que os processados pela justiça 17 Augé, Marc [Paris, 1992]. Los “no lugares. Espaços del
foram os proprietários do local, os funcionários munici- anonimato. Uma antropología dasobremodernidade. Bar-
pais e os membros do Callejeros, responsáveis por par- celona: Editorial Gedisa, 1993: 125.

204
18 Riesman, David, com Nathan Glazer e Reuel Dennee 30 Analisei essa pasagem em Gorelik, Adrián. Políticas de la
[Nova York, 1950]. La muchedumbre solitaria. Buenos representación urbana: el momento situacionista. Punto
Aires: Paidós, 1964: 298. de Vista n. 86, Buenos Aires, dezembro de 2006: 23-30.
19 Jacobs, Jane [Nova York, 1961]. Vida e muerte de las 31 Refiro-me à célebre discussão de Feuerbach com Hegel
grandes ciudades. Madri: Península, 1967: 468. sobre religião, desenvolvida em La esencia del cristia-
nismo, de 1841, que Marx retoma e reformula em Ma-
20 Lench, Kevin [Cambridge, 1960]. La imagem da ciudad.
nuscritos económicos y filosóficos, de 1844. Tem-se
Buenos Aires: Edições Infinito, 1974: 228.
análise muito boa dos diversos usos da noção de alie-
21 Sennet, Richard [Nova York, 1977]. El declive del hombre nação nesses textos em Giddens, Anthony. Capitalism
público. Barcelona: Península, 1978: 433. and Modern Social Theory. Cambridge: Cambridge
22 Ver, por exemplo, Sennet, Richard. The Comscience of University Press, 1971: 382.
the Eye. The Design and Social Life of Cities. Nova York: 32 Beck, Ulrich e Willms, J. Conversations with Ulrich Beck.
Alfred Knopf, 1990: 270. Cambridge: Polite, 2004: 232.
23 Baczko, Bronislaw [Paris, 1984]. Los imaginários sociales. 33 Harvey, David. El arte de la renta: la globalización e la
Memórias e esperanzas colectivas. Buenos Aires: Nueva mercantilización de la cultura. In Harvey, David e Smith,
Visión, 1988: 270. Neil. Capital financiero, propiedad inmobiliaria y cultura.
24 Jedlowski, Paolo. Introduzione. In Georg Simmel. La Barcelona: Museu d’Art Comtemporani de Barcelona/
metropoli e la vita dello spirito. Roma: Armando Universitat Autónoma de Barcelona, 2005: 29-57.
Editore, 1995: 7-32. 34 Arantes, Otilia. Uma estratégia fatal. A cultura nas novas
25 Os termos aspeados foram utilizados em trabalho pio- gestões urbanas. In Arantes, Vainer e Maricato. A cidade
neiro do grupo de historiadores do Pehesa, em especial do pensamento único. Desmanchando consensos.
Leandro Gutiérrez, Luis Alberto Romero, Hilda Sabato Petrópolis: Editora Vozes, 2000: 67.
e Juan Carlos Korol (Ver Pehesa. ¿Dónde anida la de-
mocracia?, Punto de Vista n.15, Buenos Aires, agosto de
1982: 6-10). Leandro Gutiérrez y Luis Alberto Romero
continuaram com os estudos das sociedades vicinais e o
espaço público de bairro em uma série de trabalhos
posteriormente reunida em Gutiérrez, Leandro e
Romero, Luis Alberto. Sectores populares. Cultura e
política. Buenos Aires en la entreguerra. Buenos Aires:
Sudamericana, 1995: 212.
26 Com o propósito de angariar fundos para a Fundação
Oftalmológica Argentina Jorge Malbran – FOA, a Casa
FOA surgiu em 1985, contribuindo para a recuperação
de monumentos históricos de Buenos Aires, como Casa
de la Moneda (1995), Hotel de Inmigrantes (2000),
Monasterio de Santa Catalina (2001), Casa del Patio de
la Reconquista (2003), e a conservação de imóveis de-
clarados Áreas de Proteção Histórica pela Comissão
Nacional de Museus, Monumentos e Lugares Históri-
cos: Hotel Avenida de Mayo (1991), Puerto Madero
Dock 5 (1993), Palacio Alcorta (1994), Tattersal de
Palermo (1998), Apostadero Naval (2000), Terrazas de
Buenos Aires (2002), Tribuna II Palermo (2004), Palacio
Lezama, ex-fábrica de Biscoitos Canale (2006). In:
www.casafoa.com. Acesso em 28 jul. 2008. (N.T.)
27 Gorelik, Adrián. Modelo para armar. Buenos Aires, de la
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de 2006: 33-39.
28 Corboz, André. L’ipercittà [1994]. In Ordine Sparso. Saggi
sull’arte, il metodo, la città e il territorio. Milão: Franco
Angeli, 1998: 234-238.
29 Koolhaas, op. cit.: 963.

TEMÁTICAS • ADRIÁN GORELIK 205

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