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A história dos conceitos permite acompanhar o processo de esvaziamento de

sentido do topos da “história como mestra da vida”. A análise da utilização dos


termos utilizados em alemão para designar “História” demonstra bem isso.
Inicialmente, o idioma alemão utilizou um vocábulo estrangeiro, derivado do grego:
“Historie”. Tal palavra possui um sentido ligado ao relato, à narrativa daquilo que
aconteceu. Posteriormente, o termo mais utilizado passou a ser “Geschichte”, cujo
sentido remonta ao acontecimento em si (Geschehen), e não ao relato. Com o
tempo, ambos passaram a designar tanto o relato quanto o acontecimento, sendo
que prevaleceu a utilização do termo “Geschichte”.

Tal transição representa um esvaziamento do sentido do topos da História


como mestra da vida. A partir do momento em que passa a preponderar o aspecto
da História como acontecimento, e não como narrativa, se considera que ela, a
História, não é mais capaz de fornecer instruções, pois não se trata mais de uma
História constituída de um conjunto de relatos (Historie), mas sim de um conjunto de
acontecimentos (Geschichte). A História passa a ser considerada, a partir de então,
por si mesma: não se acredita mais que o estudo da História possa servir para
compreender a vida, mas apenas que possa ajudar a compreender a própria
História. É a partir de então que se fala de uma “História em si”; uma História que se
basta em si mesma e que não tem a obrigação de fornecer exemplos ou lições.

[Segue-se uma parte em que ele trata do aspecto coletivo singular da História
que eu, sinceramente, não entendi muito bem. É como se um conjunto de
acontecimentos passasse a designar um conceito, que passa então a servir pra
designar algum outro acontecimento que se encaixe naquele padrão (tem uma parte
em que ele fala que “das liberdades fez-se a Liberdade, das justiças fez-se a Justiça,
dos progressos o Progresso, das muitas revoluções ‘La Révolution’” – página 52,
segundo parágrafo. Nesse sentido, acho que dá pra afirmar que a História passou a
ser constituída não mais dos relatos, mas sim dos acontecimentos, ou seja: das
histórias fez-se a História. Daí, esse aspecto de “coletivo singular”)]

A Revolução Francesa contribui para o fortalecimento do conceito de História


como acontecimento, como Geschichte. A Revolução foi um acontecimento sem
precedentes na História; não havia nem mesmo um nome para designar aquela
série de acontecimentos (acabou sendo necessário pegar emprestado um termo da
astronomia, já que palavras como “rebelião”, “revolta”, “insurgência” não se
mostraram adequadas). Tal fato colocou em xeque a capacidade da História de
atuar como “mestra da vida”, como fornecedora de exemplos e lições, pois nada
semelhante havia acontecido antes que pudesse fornecer direcionamentos sobre
como agir naquela situação.
O período em questão, ou seja, o século XVIII, foi marcado pela separação
entre História e Natureza. Deste modo, se dá um distanciamento entre a História e a
cronologia natural; a primeira passa a reger a segunda, e não o contrário. Outro
modo de se estabelecer uma cronologia era através da sequência de governantes e
dinastias. A ruptura causada pela Revolução Francesa, no entanto, impossibilitou a
continuidade de uma contagem do tempo através dessa “sequência natural”, que se
mostrou, pelo contrário, artificial e arbitrária. A ideia de que a História não é capaz
de fornecer qualquer lição ou ensinamento sobre algo que esteja além dela própria
se difunde ainda mais. Sobressai, então, o aspecto arbitrário da História, em
substituição ao caráter de previsibilidade que anteriormente lhe era atribuído.

A noção do tempo e de sua passagem também sofreu mudanças


significativas durante o século XVIII e também contribuiu para a modificação do
conceito de História. Com o advento da Revolução Francesa e da Revolução
Industrial se deu uma “aceleração” do tempo; um tempo que anteriormente era mais
“lento” e cuja concepção trazia em si a certeza de um final do mundo próximo (o que
tornava o tempo algo previsível). Com a Revolução Francesa o tempo deixa de ser
previsível; com a Revolução Industrial, o tempo passa a ser mais rápido, mais
acelerado. Não é mais o tempo da experiência, mas sim o tempo da produção. Este
tempo moderno, acelerado, não tem o condão de ensinar nada, pois não há “tempo”
pra isso; não há mais tempo para a vivência de experiências, pois o tempo de
produção imprime um ritmo acelerado à vida.

A História deixa de significar um conjunto de exemplos trazidos do passado


para o presente com o objetivo de permitir que sejam tomadas decisões para o
futuro, simplesmente por que passado e futuro não coincidem jamais. Passa a ser
considerada como uma série de acontecimentos cujo estudo permite não que se
compreenda o passado ou que se preveja o futuro, mas sim que se compreenda o
presente: a História só pode levar à compreensão da situação atual na qual se
encontra determinado grupo, país, civilização ou a própria humanidade. A História
fornece, assim, instruções não sobre como agir, mas sobre como reagir.

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