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A SOCIEDADE DE CONSUMO E AS CONSEQUÊNCIAS INTERPESSOAIS

Álvaro Botelho

De acordo com Bauman (2008, p. 20), a sociedade contemporânea poderia ser entendida a partir de
um movimento muito particular que envolve tanto o que fazemos e pensamos de nós quanto o que, a partir
disso, fazemos e pensamos dos outros. Nas palavras do sociólogo polonês em nossa sociedade:

[…]ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria […] a subjetividade do
sujeito, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir concentra-
se em um esforço sem fim para ela própria se tornar e permanecer uma mercadoria vendável.

Esse movimento possui consequências muito sérias e que se expandem por todas as esferas da vida.
A busca pelo estar sempre a frente oferece o conforto da vanguarda, mas também a certeza da insegurança de
que “seja lá o que você ganhe atendendo com prontidão o apelo, não vai durar para sempre” (BAUMAN,
2008, p. 109). Em suma, a sociedade de consumidores oferece uma nova lógica que nos acompanha em tudo,
“Ela ergue o valor da novidade acima do valor da permanência” e neste sentido “envolve velocidade, excesso
e desperdício” (BAUMAN, 2008, p. 111).
A sociedade de consumo implica em uma promoção de valores que impactam nossa identidade
pessoal, social e a maneira como construímos nossos laços sociais, não nos relacionamos como
anteriormente e isto está diretamente ligado a centralidade que o consumo tomou em nossas vidas e a
maneira como ele formata a maneira como percebemos a existência. Há consequências interpessoais
inerentes ao enaltecimento do valor da novidade em detrimento ao valor da permanência. Podemos,
inclusive, dizer que esses danos constituem a reificação total e abrangente da vida humana, mas o que isso
significa?
A reificação, grosso modo, é o processo de redução do ser humano aos valores meramente materiais,
em outras palavras, é a transformação dos seres humanos em coisas. Ao nos reificarmos, buscamos sempre
nos apresentarmos como uma novidade, algo vendável e atraente, capaz de chamar atenção dos outros, nos
tornando mercadorias. Mas, isso ocorre somente e por meio de um movimento totalizante, isto é, um
movimento que permite a forma mercadoria penetrar e transformar todas as dimensões da vida social. As
relações sociais, dessa maneira, se tornam um grande mercado e os produtos que lá são vendidos nada são
além de nós mesmos ou aquilo que desejamos que as pessoas achem que somos.
Cria-se um modelo pelo qual os cidadãos, agora entendidos como primariamente consumidores,
passam a encarar todas as suas atividades através de uma lógica mercadológica, por meio da mensagem
tentadora do consumo, que é necessariamente desigual e violenta, pois “o número de pessoas capaz de ouvir
é maior do que o daquelas que podem reagir da maneira pretendida pela mensagem sedutora”(BAUMAN,
2008, p. 165). Essa mensagem de consumo define os símbolos de sucesso e as condições de estilo de vida e
os objetos a serem consumidos para o alcance da felicidade, hierarquizando as pessoas de formas diversas,
porém, apresentando essa hierarquização sempre através do discurso do êxito e do sucesso individual.
Neste processo, a performance do eu e a sua construção como avatar admirável tornam-se
imperativos a serem cumpridos constantemente em menor tempo e da melhor maneira possível,
independentemente do custo que isso possa gerar para nós mesmos e para os outros. Em nossa apresentação
como mercadorias, esquecemos que as relações humanas demandam uma afetuosidade que o ato de consumir
e descartar um produto desconhece e antagoniza. Nós esquecemos que não é possível mensurar a experiência
da existência a partir das lógicas que o capitalismo atribui como aquelas que regem a “arte da felicidade”. A
afetuosidade não é passível de ser encerrado em na racionalidade capitalista de meios e fins, pois demanda
entrega e sacrifício.
Porém, o consumismo condiciona a postura para com o outro, radicaliza as relações sociais
transformando-as em relações entre um sujeito e um objeto. Os afetos, sejam eles eróticos ou fraternais, são
vistos como mercadorias a serem customizadas e consumidas na satisfação de um desejo que, como todo
desejo de fim mercadológico, é fugaz e fluído. Essa condição de olhos que só enxergam mercadorias
imprimem nas relações sociais sólidas elementos responsáveis pela sua insustentabilidade. A lógica do
consumo não admite relações sociais duradouras, pois elas demandam uma postura que transcende a
instrumentalização do outro, necessitando de um olhar humanizador que vai além da subjetividade e do
corpo enquanto mecadoria.
A sociedade de consumidores é a sociedade dos seres humanos tornados objetos. Como
consequência, a impaciência com os conflitos da convivência torna-se uma regra, bem como a predisposição
para ruptura da comunicação e a fuga como saída para os problemas um caminho popular. A materialização,
ou melhor, a reificação dos afetos, maximiza a busca pelo prazer e negligencia a promoção da
compassividade. Na busca de sermos cada vez mais autênticos, nos tornamos cada vez menos humanos.
Como se percebe, em tempos de liquidez, a sociedade orientada ao consumismo ensina que a busca por
prazeres individuais articulada pelas mercadorias oferecidas é o único substituto aceitável para a edificante
solidariedade e o ardente calor humano de cuidar e ser cuidado.

REFERÊNCIA
BAUMAN, Zigmunt. Vidas para o Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008

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