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UMA ANÁLISE DAS CONSEQUÊNCIAS DA UHE CANDONGA PARA A

COMUNIDADE RURAL DE SÃO SEBASTIÃO DO SOBERBO

AN ANALYSIS OF THE CONSEQUENCES OF UHE CANDONGA FOR


RURAL COMMUNITY OF SÃO SEBASTIÃO DO SOBERBO

Bruno Costa da Fonseca


Rua Aimorés, centro, 425
bruno_fonsecacosta@hotmail.com
Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.

Marcelo Leles Romarco de Oliveira


Rua xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
mlromarco@yahoo.com.br
Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.

Dayane Rouse Neves Sousa


Rua xxxxxxxxxxxxxxxxxx
sousadayane@ymail.com
Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG.
UMA ANÁLISE DAS CONSEQUÊNCIAS DA UHE CANDONGA PARA A
COMUNIDADE RURAL DE SÃO SEBASTIÃO DO SOBERBO

AN ANALYSIS OF THE CONSEQUENCES OF UHE CANDONGA FOR


RURAL COMMUNITY OF SÃO SEBASTIÃO DO SOBERBO

1. RESUMO

Este trabalho tem por intento analisar as consequências e impactos da instalação


de projetos de infraestrutura junto a comunidades rurais ribeirinhas atingidas por
empreendimentos hidrelétricos. Para isso, foi realizado um estudo da comunidade de
São Sebastião do Soberbo, distrito de Santa Cruz do Escalvado - MG, deslocada
compulsoriamente pela construção da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves. Utilizou-se
como procedimentos metodológicos pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e a
pesquisa-ação, possibilitado através da participação junto ao Projeto de Assessoria às
Comunidades Atingidas por Barragens (PACAB) no papel de intervenção participativa
junto a comunidade. Assim, objetivou analisar os possíveis impactos sobre a
comunidade atingida. Percebemos então, como resultados gerais, uma enorme
contradição nos efeitos do desenvolvimento para dois atores distintos - a comunidade
atingida e o Consórcio Candonga - demonstrando assim, um complexo jogo de poderes
assimétricos, envolvendo tantos outros grupos sociais em um embate que já perdura por
mais de 10 anos.

Palavras-chaves: Barragens, Comunidade rural, São Sebastião do Soberbo.

2. ABSTRACT

This work has the purpose to analyze the effects that the current model of
development can have on rural communities affected by river hydroelectric plants,
demonstrating that progress can reach some groups positively and others negatively so
expressly. To this end, we conducted a community of São Sebastião do Soberbo, Santa
Cruz district of Escalvado - MG, forcibly displaced by the construction of Hydroelectric
Risoleta Neves. We use as instruments literature, documentary research and action
research, made possible by our performance in the Projeto de Assessoria às
Comunidades Atingidas por Barragens (PACAB) in the role of participatory
intervention with the community. Thus, we aimed to analyze the benefits that the
construction of a hydroelectric power plant can bring as well as the possible negative
impacts on the community affected, inferring, concomitantly, a critique of the
development model proposed by Brazil, as well as the performance of an enterprise
private. We realized then, as overall results, a huge contradiction in the effects of
development for two different actors - the community affected and the Consórcio
Candonga - thus demonstrating a complex power game asymmetric, involving many
other social groups in a struggle that has lasted for more than 10.

Keywords: Development. Rural community. São Sebastião do Soberbo.

3. INTRODUÇÃO

Muitas são as teorias sobre desenvolvimento e tantas outras, as controvérsias.


Mas parece-nos que na maior parte dos casos o desenvolvimento de "alguns" tem
ocasionado danos incalculáveis a "outros". Se pegarmos o contexto histórico dos países
colonizados e dos países colonizadores, dos grupos de senhores feudais e dos escravos,
da classe burguesa e da classe operária, todas, a priori, refletem esse contexto de
evolução de um grupo ante a involução de outro. É diante deste paradigma que este
trabalho vem colaborar com mais um caso de contradições no que se refere ao
desenvolvimento.

Diante deste contexto, elencamos a importância de estudar os efeitos negativos


que o chamado macrodesenvolvimento vem incidindo sobre as comunidades rurais no
Brasil, desde impactos sociais, ambientais, culturais, econômicos e até mesmo o
extermínio de grupos inteiros no campo. Assim, diversos são os custos do
desenvolvimento para os povos rurais, contudo, trazemos neste paper o caso das
comunidades deslocadas compulsoriamente pela construção das Usinas Hidrelétricas de
Energia (UHEs), o que tem ocasionado um cenário de disputas e tensões.

No Brasil, a construção das UHEs e das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs)


já deslocou compulsoriamente mais de 200 mil famílias ribeirinhas que dependiam
quase que exclusivamente do rio para sua sobrevivência, resultando em uma área de
aproximadamente 34.000 km2 de terras inundadas para a formação dos reservatórios
(BERMANN, 2007). Estes deslocamentos têm causado uma ruptura das comunidades
rurais com seus antigos modos de sobrevivência e, desta forma, comprometido a
reprodução social dessas famílias no "novo lugar", já que, via de regra, dependiam da
ligação que tinham com a terra e com o rio de outrora.

Destarte, esse artigo tem por objetivo, através do trabalho de campo de Iniciação
Científica1 e das participações no Projeto de Assessoria às Comunidades Atingidas por
Barragens (PACAB2), mostrar a relação que existe entre o macrodesenvolvimento
proposto pelo Estado e o retrocesso3 causado em comunidades rurais ribeirinhas,
quando deslocadas compulsoriamente em prol de um projeto desenvolvimentista maior.
Deste modo, far-se-á uma relação entre as visões de desenvolvimento para os atores
sociais envolvidos, especificamente no estudo de caso da comunidade de São Sebastião
do Soberbo - MG, atingida pela Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como
UHE Candonga.

4. ALGO SOBRE O CASO CANDONGA

O caso que foi conhecido internacionalmente como "caso Candonga", sendo


referência no que tange à Violação de Direitos Humanos em construção de barragens e
às pendências vividas pela comunidade, outrora conhecida como São Sebastião do
Soberbo, realocada há mais de dez anos.

1
Projeto intitulado "Mapeando os Conflitos Socioambientais na Bacia do Rio Doce", executado entre
agosto de 2011 a julho de 2012, vinculado ao Departamento de Economia Rural/UFV - MG e apoiado
pelo Pibic/CNPQ.
2
O Projeto de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens na Zona da Mata Mineira (Pacab)
consiste em um projeto de extensão registrado na Universidade Federal de Viçosa (UFV) desde 1996,
contudo, no início, era conhecido como Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens
(NACAB), pois foi fundada como uma ONG, vindo a ser chamado posteriormente de Pacab quando este
se tornou um projeto de extensão da UFV (CARDOSO e JUCKSCH, 2008).
3
Estamos considerando o "retrocesso" neste trabalho como um termo oposto ao desenvolvimento, de
significação contrária, pois a comunidade estudada estaria sofrendo uma involução em seus modos de
sobrevivência após sua realocação para o meio urbano, indo de embate ao termo de desenvolvimento
proposto nestes projetos.
A comunidade de São Sebastião do Soberbo era um típico povoado ribeirinho
composto por famílias de baixa renda e escolaridade, cuja dinâmica econômica era
essencialmente rural, pautada na agricultura familiar, na pesca ao longo do rio e no
garimpo. Em época de seca, a maioria das famílias explorava o ouro por meio da
faiscação4 e em tempos de chuvas trabalhavam como meeiras ou exploravam sua
própria terra. A Figura 1 mostra a praça de São Sebastião do Soberbo antes do
deslocamento, uma foto típica de uma comunidade rural com diversos laços de
vizinhança e amizades.

Figura 1- Antiga praça de São Sebastião do Soberbo

Fonte: Trabalho de campo, 2012. (Foto gentilmente cedida por um morador)

No entanto, com o enchimento do reservatório, a maior parte dos atingidos


foram deslocados para o reassentamento involuntário de Nova Soberbo, deixando de
lado processos de identificação individual e coletiva dos sujeitos com o meio rural para
viverem em um formato urbano, desestruturando todo um modo de reprodução social
vivida pela comunidade anteriormente (PENIDO, 2008; PINTO e PEREIRA, 2005).

4
Pequena extração feita pelo trabalho do próprio garimpeiro.
Quanto à UHE Risoleta Neves, que está entre as maiores hidrelétricas do Brasil,
ela faz parte dos empreendimentos financiados pela Novelis e Companhia Vale do Rio
Doce como parte do contexto de privatização vivido pelo Brasil em meados dos anos
90. Situada na bacia do Rio Doce, esta UHE tem 2,74 km² de área de reservatório, de
100 a 200 MW de potência instalada, ativa desde 2004, tem prazo de concessão de 35
anos (PENIDO; PEREIRA e LAGES, 2011; OBSERVATÓRIO SOCIO-AMBIENTAL
DE BARAGENS, 2012).

Após a construção da hidrelétrica, as famílias foram deslocadas para o


reassentamento de Nova Soberbo situado na antiga fazenda Gambá, distrito de Santa
Cruz do Escalvado. As casas foram construídas em alvenaria com diferentes cores
segundo uma tipologia predefinida e com um quintal que, para muitas famílias, é
improdutivo. Além das casas, o reassentamento tem campo de futebol, quadra de vôlei e
de peteca, área para jogos de mesa, igrejas, centros comunitários, praça e escolas. Em
suma, o reassentamento de Nova Soberbo, em sua organização espacial - casas, área
comercial e de lazer, entre outras – apresenta uma paisagem diferente daquela vivida
pelos antigos moradores, trazendo-lhes, em maior parte, desconforto (BORTONE,
2008). A Figura 2 mostra a nova praça em formato urbano com seu centro comercial,
contrastando com uma típica praça rural.
Figura 2 - Praça de Nova Soberbo

Fonte: Trabalho de campo (2012).

Estes contrastes entre o urbano e o rural têm sido comuns na realidade vivida
pelos moradores em Nova Soberbo, por exemplo, na Figura 3, percebemos que a
lenha, antes tirada da beira do rio em abundância, hoje é conseguida em raras
exceções na beira do asfalto, indo de embate aos costumes de antes.
Figura 3 - Ex-agricultora pegando lenha em perímetro urbano

Fonte: Trabalho de campo (2012).

5. Uma pitada de desenvolvimento

Se pensarmos no sentido restrito e literal da palavra desenvolvimento, vamos


perceber que, em suma, na maioria dos dicionários esta palavra significa crescimento ou
progresso de algo, remetendo-nos a uma coisa boa e desejada. Portanto, corroboramos
que por este âmbito de análise o conceito é verdadeiro. Porém, é preciso um olhar mais
crítico sobre o sentido que o desenvolvimento vem ganhando ao longo da construção da
humanidade.

Durante anos, o desenvolvimento foi concebido a partir da perspectiva de


crescimento econômico, entretanto percebeu-se que este tipo de visão estava
acarretando sérios problemas sociais e ambientais ao mundo. O desenvolvimento
econômico, refletido através da insana busca pela industrialização, levou diversos países
a concentrar seus esforços no aumento do Produto Interno Bruto (PIB), preocupando-se
pouco com a qualidade de vida da população, afirma Oliveira (2002). Além disso, o
crescimento econômico era visto como o meio e o fim do desenvolvimento, deixando
graves danos para a humanidade.
Nessa perspectiva, fez-se um antagonismo entre o meio ambiente e o
desenvolvimento, sobretudo, nas décadas de 70 e 80 do século passado, colocando em
dúvida o modelo de desenvolvimento utilizado por praticamente todos os países, cujos
projetos desenvolvimentistas se refletiam em desastrosas consequências sociais e
ambientais para o mundo (ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010). No Brasil, não foi
diferente, pois assim como em outros países menos industrializados, as decisões de
localização dos grandes projetos de infraestrutura requeridos pelos processos de
desenvolvimento econômico têm priorizado áreas ocupadas por grupos de baixa renda,
comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais,
agricultores familiares, dentre outros que compartilham os espaços de uso comum e do
uso dos recursos naturais, reafirmando a hipótese de que estes projetos têm deixado
grandes impactos socioambientais e pouco desenvolvimento para as comunidades
atingidas.

Segundo Acselrad (2010, p.7), "[...] os danos ambientais do desenvolvimento


são distribuídos desigualmente, atingindo mais que proporcionalmente as populações
mais destituídas, de menor renda, populações tradicionais e grupos étnicos". No mesmo
sentido, para Scherer-Warren e Reis (2008), a aceleração de processos
desenvolvimentistas, sobretudo na segunda metade do século XX, foi caracterizada pela
instalação de grandes projetos de infraestrutura, principalmente as barragens voltadas à
produção de energia elétrica, que têm sido causadoras de grandes impactos
socioambientais no campo.

Para Rothman (2008), no caso de Minas Gerais, os processos de


desenvolvimento propostos pelo Estado, representados pela implantação de
hidrelétricas, têm ameaçado principalmente pequenos agricultores ribeirinhos,
resultando nos processos chamados de "reassentamentos involuntários", provocando
simultaneamente um retrocesso nos modos de emancipação destes grupos sociais.

Em epítome, percebemos que o desenvolvimento de "uns" tem sido


extremamente danoso a "outros", contrariando a perspectiva de desenvolvimento
acordada na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento - Eco 92 - que teve como resultados uma nova proposta de um
modelo de desenvolvimento embasado no tripé economia-ecologia-equidade social
(ZHOURI e LASCHEFSKI, 2010). Além disso, as desigualdades sociais provocadas
pelos processos de desenvolvimento são mais evidentes quando percebemos que existe
uma forte assimetria de poderes entre os grupos sociais envolvidos, sobretudo, quando
se refere à utilização dos recursos naturais no meio rural.

Para Vargas (2007), os recursos na maior parte das vezes são comuns em
espaços sociais onde são estabelecidas relações complexas e desiguais entre distintos
atores sociais, tais como empresários rurais, pequenos agricultores, minorias étnicas,
agências do governo, entre outros. Portanto, aqueles atores com maior acesso ao poder
são os que detêm o controle sobre o acesso e o uso dos recursos naturais.

6. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho é parte dos resultados alcançados na pesquisa "Mapeando os


Conflitos Socioambientais na Bacia do Rio Doce" e da participação dos autores no
PACAB. Assim, os resultados aqui apresentados são parte inerente de um uma pesquisa
maior, no entanto, utilizamos de um recorte que nos possibilitasse fazer uma referência
à temática proposta neste trabalho.

Deste modo, entendemos que a proposta deste trabalho se configura em uma


Pesquisa Descritiva de acordo com os objetivos. De acordo com Gil (2002, p. 42), uma
pesquisa descritiva visa "[...], como objetivo primordial, à descrição das características
de determinada população ou fenômeno ou, então, ao estabelecimento de relações entre
variáveis". Ainda para o mesmo autor, "Algumas pesquisas descritivas vão além da
simples identificação da existência de relações entre variáveis, pretendem determinar a
natureza dessa relação" (p.42).

A priori, elencamos a pesquisa bibliográfica que pode ser concebida como o


processo de buscar elementos importantes – conceitos, dados secundários, outras
experiências - em materiais já publicados como livros, artigos de periódicos, teses de
mestrado e doutorado, materiais disponibilizados na internet, entre outros (GIL, 2002).

Fizemos também uma pesquisa documental, bastante similar à pesquisa


bibliográfica, cujo elemento diferenciador está na origem das fontes. A pesquisa
bibliográfica nos direciona para as diferentes contribuições de autores sobre um mesmo
tema, configurando-se assim em uma fonte secundária. Por outro lado, a pesquisa
documental recorre a materiais que ainda não receberam nenhum tipo de tratamento
analítico, ou seja, recorre às fontes primárias (SÁ-SILVA; ALMEIDA e GUINDANI,
2009).

Por conseguinte, como principal instrumento de coleta de dados primários,


realizamos a chamada Pesquisa-ação, que pode ser definida como um processo em que
os pesquisadores se inserem na comunidade, exercendo o papel de fazer parte e
cientificar um processo de mudança vivido pelos sujeitos do grupo. Para Franco (2005,
p. 486), a metodologia de Pesquisa-ação se pauta no "[...] mergulho na práxis do grupo
social em estudo, do qual se extraem as perspectivas latentes, o oculto, o não familiar,
que sustentam as práticas, sendo as mudanças negociadas e geridas no coletivo". Assim,
destacamos que a utilização dessa metodologia foi possível pelo trabalho de assessoria
prestado junto ao PACAB, que possibilitou realizarmos diversas incursões na
comunidade estudada.

Por fim, a análise dos dados se deu de forma a confrontar os impactos


socioambientais que a construção da UHE Risoleta Neves causou na comunidade de
São Sebastião de Soberbo, frente ao desenvolvimento que esta hidrelétrica traria para a
comunidade, tanto em nível de Estado quanto em nível local.

7. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Partimos do pressuposto de que uma análise dos efeitos benéficos ou nocivos do


desenvolvimento e a quem eles se direcionam pode ser, a princípio, orientada pelo
ponto de vista dos atores sociais envolvidos. Não obstante, quando adentramos um
estudo de caso como o do reassentamento involuntário de Nova Soberbo, devemos
perceber que existem contextos econômicos, políticos, ambientais e sociais muito mais
complexos do que apenas os dizeres dos atores.

A priori, para o sujeito que está de fora e não tem nenhuma relação com a
comunidade impactada, os efeitos benéficos do desenvolvimento são evidentes, afinal,
na sociedade em que vivemos hoje, quem não precisa de energia elétrica para
sobreviver?
Portanto, podemos chegar à conclusão de que o setor elétrico é tido como o
segmento de infraestrutura essencial para o desenvolvimento econômico do país, fato
comprovado pelos grandes investimentos feitos pelo Estado nos últimos anos. No caso
do estado de Minas Gerais, é possível citar os dados do Programa de Geração
Hidrelétrico do Estado de Minas Gerais (PGHMG) 2007-2027, no qual estão previsto a
construção de 45 UHEs e 335 PCHs para o estado de Minas Gerais, totalizando um
incremento de 7,7 mil MW, que corresponderiam a cerca 45 % em relação à potência já
instalada (FONSECA, OLIVEIRA e SOUSA, 2011).

Outrossim, segundo o Consórcio Candonga, a construção da UHE Risoleta


Neves trouxe o desenvolvimento social para a comunidade atingida, pois, "Somado às
medidas compensatórias e mitigadoras, nossa empresa atua para levar mais educação,
infraestrutura e qualidade de vida à população" (UHE RISOLETA NEVES, 2010).
Ressaltamos que este é um ponto de vista, sobretudo, do empreendedor e em raras
circunstâncias de alguns atingidos. Apesar dos conflitos e tensões instaurados, abrir mão
do uso do rio e da terra culmina em um processo de desenvolvimento que atingirá todo
o país com efeitos benéficos locais para a comunidade local deslocada, como novas
casas de boa qualidade, asfalto, centro de lazer e outros.

No entanto, alguns elementos devem ser colocados em questão. Primeiro, a


proporção da energia elétrica produzida por UHEs como a Risoleta Neves vai em sua
maioria para a produção de eletroutensílios, ou seja, apenas 46 % em média é utilizado
no abastecimento de energia do estado, no caso desse empreendimento.
Concomitantemente, devemos levar em consideração que o Consórcio Candonga é
composto pela Vale (50%) e Novelis do Brasil (50%) empresas de capital estrangeiro
em sua maior parte (UHE RISOLETA NEVES, 2010).

O segundo ponto diz respeito ao olhar das comunidades atingidas e à verdadeira


realidade pela qual elas estão passando. Assim sendo, no início deste ano (2012), o
assessor jurídico da comunidade de Nova Soberbo solicitou uma intervenção do Pacab
com o intuito de que grupo desse suporte técnico, pois, segundo ele, a comunidade
estava prestes a invadir a barragem devido ao tanto de problemas enfrentados por ela.
Desde então, fizemos diversas incursões à comunidade e, em uma delas, através de uma
metodologia participativa - Diagnóstico Rural Participativo5, especificamente,
"Realidade Desejo" - pudemos constatar diversos problemas apontados pela
comunidade (Figuras 4 e 5).

Figura 4 - Aplicação da metodologia participativa "Realidade Desejo"

Fonte: Trabalho de campo (2012).

5
Segundo Verdejo (2006, p. 12), a DRP “[...] é um conjunto de técnicas e ferramentas que permitem que
as comunidades façam seu próprio diagnóstico e a partir daí comecem a autogerenciar seu planejamento
e desenvolvimento”.
Figura 5 - Aplicação da metodologia participativa "Realidade Desejo"

Fonte: Trabalho de campo (2012).

Posteriormente, em algumas manifestações da comunidade, Figuras 6 e 7,


organizadas pelo Movimento dos Atingido por Barragens (MAB), também puderam ser
constatadas algumas reivindicações de pendências deixadas pelo consórcio, tendo em
vista que, para alguns críticos da academia, existem uma manobra da população e uma
supervalorização de problemas por parte dos movimentos sociais, já que estes
movimentos, via de regra, são contra o modelo de desenvolvimento proposto pelo
Estado. Contudo, foi averiguado no trabalho que a população teve a iniciativa de
procurar o MAB, pedindo ajuda, sem contar que esta população já tinha um certo nível
de organização.
Figura 6 - Assembleia popular realizada na Praça de Nova Soberbo como parte do
processo de pressão sobre o Consórcio Candonga em maio de 2012

Fonte: Acervo do PACAB, 2012.

Figura 7 - Acampamento feito pelo MAB como forma de protesto e reivindicação

Fonte: www.mabnacional.org.br, 2012.

Analisando pela ótica da comunidade atingida, podemos inferir que o


desenvolvimento pode custar caro para essas comunidades envolvidas, pois representa
uma aguçada piora nos seus padrões de vida, com impactos intangíveis que não podem
ser recompensados pelos valores das indenizações, pelas casas melhores que outrora,
pelo asfalto, enfim, por todas as medidas mitigadoras do deslocamento compulsório.
Abrir mão do rio e da terra trouxe problemas como ter que deixar de plantar e garimpar,
que, para muitas famílias, era o único meio de sobrevivência. Além disso, a luz se
tornou muito cara, a água é de péssima qualidade e houve rompimento de diversas
práticas sociais de antes, entre outros prejuízos constatados.

Além disso, é importante analisar o papel do Estado neste contexto. Em suas


diversas instâncias, tanto locais, regionais, estaduais quanto federais, o Estado se
comporta de forma diferente perante o caso. Por exemplo, as instituições ambientais
representantes do estado de Minas Gerais têm legitimado as ações do empreendedor,
quando permitem o funcionamento da usina mesmo com diversas pendências
constatadas na comunidade, deste modo conferindo poder de ação ao empreendedor.
Por outro lado, o poder municipal, no mandato atual6, tem se posicionado ao lado da
comunidade, dando-lhe apoio em suas reivindicações. Além do mais, a atuação do
Estado pode mudar ao longo da história, estando em certa época ao lado da comunidade
e em outra época ao lado do empreendedor. Mas no fim, de forma geral, o poder
municipal deveria ter como principal propósito mediar os conflitos que se estabelecem
nesse processo de desenvolvimento.

Deste modo, a cota de poder que cada ator social envolvido diretamente nos
processos de desenvolvimento pode acarretar mais benefícios a "uns" e menos a
"outros", assim como prejuízos. Ao mesmo tempo em que a comunidade pode se
beneficiar do desenvolvimento, ela pode ser prejudicada por ele. Além do mais, um
desenvolvimento macro pode trazer um retrocesso no desenvolvimento para as
comunidades rurais locais, caso em estudo, já que a comunidade, que antes sobrevivia
da agricultura familiar e das atividades do rio, hoje passa por dificuldades no meio
urbano (reassentamento involuntário) provocadas, mormente, por ter uma cota de poder
inferior, pois não teve possibilidade de escolher ficar em seu local de origem. Portanto,
de qualquer forma, independentemente dos tipos de percepções aqui apresentadas, fica
claro que a comunidade de Nova Soberbo é alvo de um pressuposto desenvolvimento

6
Segundo vários relatos de moradores, na época da construção da barragem, o prefeito abriu as portas
para que o empreendimento fizesse o que quisesse, contudo, o prefeito atual tem aceitação de quase 100%
da comunidade.
estabelecido por um sistema - articulação entre o Estado e empreendimentos privados -
aquém de seus limites territoriais, econômicos e políticos.

8. CONCLUSÕES

O mundo no qual vivemos hoje é fruto de um desenvolvimento, caso contrário,


nem as linhas que permeiam este texto seria possível concretizar. Percebemos neste
trabalho que o problema não está em buscar o progresso, mas talvez de como isso tenha
sido feito. Os custos de um desenvolvimento quando recaem sobre pequenos grupos
sociais é sinal de que talvez possa estar havendo uma evolução desigual.

Outro ponto que percebemos ter sido essencial e que talvez possa explicar essa
dicotomia entre o desenvolvimento de "uns" e o retrocesso de "outros" é o fator
econômico. Segundo especialistas, a energia gerada através das usinas hidrelétricas é
limpa e barata, mas existem também outros tipos de energias limpas como a solar, a
eólica, biogás, entre outras, que são menos impactantes. Entretanto, o que tem pesado,
entre outros fatores, é o econômico. Primeiro, pelos investimentos caros em pesquisa e
execução dessas formas alternativas de geração de energia, segundo, pelo lucro que as
empresas privadas têm conseguido pela produção deste tipo de energia.

Por fim, destacamos que o estudo do "caso Candonga" contribui para explicar
um modelo maior no que tange às vantagens e desvantagens do desenvolvimento,
culminando em uma assimetria de poderes e de pontos de vistas distintos. Entendemos
que a questão maior é quando não existem espaços para discussão destes problemas e
tudo é feito sob a ótica de beneficiar uma parte sem levar em conta os danos às outras
partes.

9. REFERÊNCIAS

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proferida na Abertura do IX Encontro Temático da 4'. Câmara de Coordenação e
Revisão do Ministério Público Federal, Brasília. 2010.
BERMANN, Célio. Impasses e controvérsias da hidreletricidade. Estudos avançados,
São Paulo, v.21, n.59, 2007.

BORTONE, Fabiane Aparecida Silva. Da antiga à Nova Soberbo: Contradições da


modernidade no processo de deslocamento/reassentamento das famílias atingidas
pela UHE Candonga. 2008. 135 p. Dissertação (Mestrado em Economia Doméstica) -
Universidade Federal de Viçosa - UFV, Viçosa, 2008.

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