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ÉRICO OYAMA
21/08/2020 15:45
Atualizado em 25/08/2020 às 00:23 SÃO PAULO
Até julho, foram transacionados 204 mil débitos, de 55 mil contribuintes, no valor total de R$ 18,8 bilhões, segundo a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Crédito: Pixabay
JOTA DISCUTE
JOTA DISCUTE
Este texto integra a cobertura de novos temas do JOTA. Apoiadores participam da escolha dos
temas, mas não interferem na produção editorial. Conheça o projeto!
Até outubro do ano passado, quando foi editada a Medida Provisória do Contribuinte
Legal, a única forma de o contribuinte conseguir descontos em multas e juros de
tributos federais era em programas especiais de parcelamento, conhecidos como
Re s. Quanto ao parcelamento, há um modelo ordinário de pagamento em até 60
vezes, mas sem desconto algum por parte da Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional.
“A Lei 13.988 trouxe uma vantagem para o contribuinte negociar suas dívidas direto
com o ente público, mas os prazos que são concedidos são pequenos. Então
di cilmente você vai ter um empresário fazendo isso, ele vai aguardar um novo
Re s”, diz Luis Alexandre Oliveira Castelo, sócio do Lopes & Castelo Advogados.
Também há queixas quanto aos descontos propostos. “Na minha visão, como os
descontos da transação não são atraentes, é provável que nós tenhamos novos
projetos de lei de Re s, justamente para criar benefícios maiores para que mais
gente venham a aderir ao programa para o governo arrecadar mais dinheiro”, avalia
Leonardo Andrade, sócio da área tributária do escritório Andrade Maia Advogados.
Andrade também crítica o fato de a lei não tratar de precatórios: “Outra crítica que
faço é que a lei não permite que o contribuinte devedor utilize seu precatório como
uma moeda de troca na transação com o governo”.
Por outro lado, há um consenso quanto à importância da nova lei para estabelecer
um diálogo maior entre contribuintes e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
“Em 20 anos de carreira, posso contar nos dedos das mãos as vezes que consegui
conversar com um procurador. Não conseguíamos achar um canal de comunicação
com a Procuradoria”, lembra Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins
Advogados.
Uma das principais novidades trazidas pela lei da transação scal é que há uma
distinção dos contribuintes na hora de negociar o pagamento. A dívida a ser
negociada é dividida em quatro categorias: A, B, C e D. “Só posso dar desconto para
o crédito irrecuperável. A regra geral, é que a recuperabilidade é medida a partir da
capacidade de pagamento do devedor”, explica João Grognet. “A capacidade de
pagamento é estimada a partir de uma equação matemática em cima dos signos
presuntivos de atividade econômica, nanceiros e patrimoniais”.
Dívidas de até R$ 15 milhões só podem ser parceladas por adesão. Nesse caso, o
contribuinte precisa aceitar todas as condições impostas no edital que propõe o
parcelamento. Os editais publicados até o momento podem ser vistos aqui. Se o
valor da dívida for maior do que R$ 15 milhões, é possível realizar a transação
individual, com negociação direta com a PGFN. Para saber a situação da dívida de
cada contribuinte, é preciso acessar o site da Receita Federal, mais especi camente
o Centro de Atendimento ao Contribuinte, o e-CAC.
Há uma ressalva que gera críticas: o fato de o contribuinte que optar pela transação
por adesão ter que abrir mão do litígio administrativo ou judicial relacionado ao
tributo negociado. “A Lei di culta a possibilidade de manutenção de medida judicial
para a discussão de questão processual nos casos em que a tese de mérito seja
objeto de proposta de transação, diz Edson Vismona, do ETCO.
Até julho, foram transacionados 204 mil débitos, de 55 mil contribuintes, no valor
total de R$ 18,8 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Diante desse histórico, grande parte daqueles que possuem dívidas tributárias com
a União preferem esperar um novo programa de parcelamento e, por isso, a procura
pela transação scal tem sido baixa. “Dos meus clientes, poucos aderiram porque
estão na expectativa de obter descontos maiores com um novo programa de
parcelamento”, diz Leonardo Andrade, sócio da área tributária do escritório Andrade
Maia. “Muitos clientes nos procuraram para fazer uma simulação, mas ninguém
efetivou”, conta Luis Alexandre Oliveira Castelo, sócio do Lopes & Castelo
Advogados.
“Não vejo no curto prazo, depois dessa lei de transação, nenhuma possibilidade de
Re s. Não há clima político para um novo Re s”, avalia Mauro Silva, presidente da
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Una sco).
Em maio, o deputado federal Ricardo Guidi (PSD-SC) apresentou o Projeto de Lei
2735/2020, que propõe um novo programa de parcelamento em decorrência do
estado de calamidade pública motivado pela pandemia.
A proposta prevê descontos de até 90% das multas de mora e de ofício, dos juros de
mora e do encargo legal, mas não há perspectiva quanto ao avanço do texto no
Congresso.
Além disso, a lei resolve uma parte das dívidas tributárias das empresas,
especi camente aquelas com a PGFN. Por enquanto, negociações das dívidas com
a Receita carecem de regulamentação.
Transação no contencioso
Outra novidade da Lei 13.988/2019 está no artigo 16, que diz que o Ministério da
Economia poderá propor aos sujeitos passivos transação de litígios aduaneiros ou
tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica.
“O que estamos antevendo é que se o contribuinte tem uma ação tramitando e vai
ser julgada pelo STF em recurso de repercussão geral, por que ele vai abrir mão
daquilo? Vai ser uma decisão de teoria dos jogos e caso a caso”, diz Maurício Maioli,
do Feijó Lopes Advogados. Gianetti faz uma ressalva: “O problema é saber o tempo
do processo e se vai ganhar. Um critério objetivo que temos é a jurisprudência.
Demora muito tempo e é muito temeroso dizer que a tese é vencedora”.
“A expressão ‘de natureza penal’ acarreta dúvidas quanto aos limites da vedação
imposta pelo dispositivo”, diz Vismona. “Seria conveniente esclarecer que apenas as
multas impostas no âmbito de processo penal, conforme a Lei nº 8.137, não
poderão ser objeto de transação, inexistindo restrição com relação às multas
quali cadas, impostas por autoridades tributárias”.
O tributarista Leonardo Andrade também é crítico a este ponto da lei. “Esse tipo de
medida ignora a prática de que tem muitos planejamentos tributários que tiveram a
aplicação indevida da multa. Na prática, as multas foram aplicadas para qualquer
caso”, argumenta. “Tenho vários clientes que tiveram aplicação de multa quali cada
em casos que não havia crime e eles não vão ter benefício nenhum porque se
entendeu na lei que não pode haver desconto para multas quali cadas”, diz. “A
transação teve um escopo muito mais reduzido do que deveria”.
ÉRICO OYAMA – Repórter em São Paulo. Cobre política, economia e Judiciário, com foco em temas
ligados à liberdade de expressão. Também escreve mensalmente no Às Claras, editoria que aborda
relações governamentais e institucionais (RIG). Antes, foi editor da rádio BandNews FM e repórter da
revista Veja. E-mail: erico.oyama@jota.info