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TRANSAÇÃO FISCAL

Lei de transação scal aproxima contribuintes e PGFN,


mas ainda tem baixa adesão
Há queixas quanto ao baixo número de parcelas permitidas e quanto ao teto de desconto. Empresários
apostam em novo Re s

ÉRICO OYAMA

21/08/2020 15:45
Atualizado em 25/08/2020 às 00:23 SÃO PAULO

Até julho, foram transacionados 204 mil débitos, de 55 mil contribuintes, no valor total de R$ 18,8 bilhões, segundo a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Crédito: Pixabay

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Até outubro do ano passado, quando foi editada a Medida Provisória do Contribuinte
Legal, a única forma de o contribuinte conseguir descontos em multas e juros de
tributos federais era em programas especiais de parcelamento, conhecidos como
Re s. Quanto ao parcelamento, há um modelo ordinário de pagamento em até 60
vezes, mas sem desconto algum por parte da Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional.

A MP 899/2019 foi aprovada pelo Congresso no m de março e em abril foi


convertida na Lei 13.988, conhecida como lei da transação scal. Ela estabelece
parâmetros permanentes para que os contribuintes possam obter descontos e
parcelamentos para pagar tributos que entraram na categoria de Dívida Ativa da
União. O estoque atual da Dívida Ativa da União e do FGTS é de R$ 2,4 trilhões, de
acordo com o levantamento mais recente da Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN). O valor está dentro das expectativas, de acordo com própria
PGFN.
Os descontos são de até 50% do valor total, desde que não altere o montante
principal, ou seja, o tributo em si. Já o prazo de quitação é de até 84 meses. Há
regras diferentes para sociedades cooperativas e Santas Casas de Misericórdia:
com redução de até 70% do valor total e prazo de até 145 meses. Há a possibilidade
de desconto total de multas, juros e encargos legais, desde que a soma não atinja os
limites estabelecidos, de 50% e 70%, em relação ao montante.

“A Lei 13.988 trouxe uma vantagem para o contribuinte negociar suas dívidas direto
com o ente público, mas os prazos que são concedidos são pequenos. Então
di cilmente você vai ter um empresário fazendo isso, ele vai aguardar um novo
Re s”, diz Luis Alexandre Oliveira Castelo, sócio do Lopes & Castelo Advogados.

Também há queixas quanto aos descontos propostos. “Na minha visão, como os
descontos da transação não são atraentes, é provável que nós tenhamos novos
projetos de lei de Re s, justamente para criar benefícios maiores para que mais
gente venham a aderir ao programa para o governo arrecadar mais dinheiro”, avalia
Leonardo Andrade, sócio da área tributária do escritório Andrade Maia Advogados.
Andrade também crítica o fato de a lei não tratar de precatórios: “Outra crítica que
faço é que a lei não permite que o contribuinte devedor utilize seu precatório como
uma moeda de troca na transação com o governo”.

Por outro lado, há um consenso quanto à importância da nova lei para estabelecer
um diálogo maior entre contribuintes e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
“Em 20 anos de carreira, posso contar nos dedos das mãos as vezes que consegui
conversar com um procurador. Não conseguíamos achar um canal de comunicação
com a Procuradoria”, lembra Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins
Advogados.

“A Procuradoria, há mais de uma década, se predispôs a evitar litígios


desnecessários que custam dinheiro. E tem se dedicado a essas ferramentas que
colocam Fisco e contribuinte lado a lado em uma mesa redonda, sem arestas”, diz
João Grognet, coordenador-geral de Estratégia de Recuperação de Créditos da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. “Não quero que que a imagem que
estamos em uma mesa onde a discussão tenha um balanço sem compasso”.

Uma das principais novidades trazidas pela lei da transação scal é que há uma
distinção dos contribuintes na hora de negociar o pagamento. A dívida a ser
negociada é dividida em quatro categorias: A, B, C e D. “Só posso dar desconto para
o crédito irrecuperável. A regra geral, é que a recuperabilidade é medida a partir da
capacidade de pagamento do devedor”, explica João Grognet. “A capacidade de
pagamento é estimada a partir de uma equação matemática em cima dos signos
presuntivos de atividade econômica, nanceiros e patrimoniais”.

Essas regras quanto ao cálculo da capacidade de pagamento estão presentes nos


artigos 19 e 20 da portaria 9917/2020 da PGFN. O artigo 19 diz: “a situação
econômica dos devedores inscritos em dívida ativa da União será mensurada a
partir da veri cação das informações cadastrais, patrimoniais ou econômico- scais
prestadas pelo devedor ou por terceiros à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
ou aos demais órgãos da Administração Pública”.

Para Edson Vismona, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética


Concorrencial (ETCO), é preciso uma alta transparência na de nição dessa
classi cação. “Uma sugestão que poderá conferir maior segurança jurídica é a
criação de um canal para que se possa reportar possíveis equívocos no
enquadramento”, diz.

Dívidas de até R$ 15 milhões só podem ser parceladas por adesão. Nesse caso, o
contribuinte precisa aceitar todas as condições impostas no edital que propõe o
parcelamento. Os editais publicados até o momento podem ser vistos aqui. Se o
valor da dívida for maior do que R$ 15 milhões, é possível realizar a transação
individual, com negociação direta com a PGFN. Para saber a situação da dívida de
cada contribuinte, é preciso acessar o site da Receita Federal, mais especi camente
o Centro de Atendimento ao Contribuinte, o e-CAC.

“O limite que estabeleceram, de R$ 15 milhões, é bastante alto para que os


contribuintes possam fazer os pedidos de recuperação individual, que são mais
interessantes, com as bases de pagamento e descontos sendo negociadas de
forma mais personalizada”, avalia Fernanda Lains, sócia do Bueno e Castro. “Quando
a gente fala em R$ 15 milhões é um valor baixo para contribuintes do Sul, Sudeste,
que têm uma maior geração de receita. Quando vamos para as regiões Norte e
Nordeste, ca difícil de alcançar esse limite”.

Há uma ressalva que gera críticas: o fato de o contribuinte que optar pela transação
por adesão ter que abrir mão do litígio administrativo ou judicial relacionado ao
tributo negociado. “A Lei di culta a possibilidade de manutenção de medida judicial
para a discussão de questão processual nos casos em que a tese de mérito seja
objeto de proposta de transação, diz Edson Vismona, do ETCO.

Uma vez que a transação individual é estabelecida, a negociação é feita entre o


contribuinte e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. “Uma transação individual
exige inúmeras reuniões e discussões em torno do texto de um termo de transação.
Pode envolver inspeção local no estabelecimento do devedor. Não é uma coisa para
se acontecer no atacado, é no varejo”, explica João Grognet, da PGFN. “Os
procuradores estão abertos, querendo resolver. Anos atrás eu não via essa
disponibilidade na Fazenda”, ressalta Maurício Maioli, sócio head na área tributária
do Feijó Lopes Advogados.

Até julho, foram transacionados 204 mil débitos, de 55 mil contribuintes, no valor
total de R$ 18,8 bilhões, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Em junho, o Ministério da Economia e a PGFN publicaram a Portaria 14.402, que


estabelece condições para transação excepcional por causa dos efeitos econômicos
causados pelo coronavírus. O período de adesão termina no dia 29 de dezembro e a
transação pode ser feita no portal Regularize.

Baixa adesão com contribuintes esperando novo Re s


O primeiro programa de parcelamentos especiais foi criado no ano 2000, com a
instituição do Programa de Recuperação Fiscal (Re s). Desde então, foram
concebidos cerca de 30 programas de parcelamentos especiais, de acordo com
levantamento da Receita Federal. Houve casos em que os contribuintes tinham
acesso a uma redução de até 100% de juros e multas.

Diante desse histórico, grande parte daqueles que possuem dívidas tributárias com
a União preferem esperar um novo programa de parcelamento e, por isso, a procura
pela transação scal tem sido baixa. “Dos meus clientes, poucos aderiram porque
estão na expectativa de obter descontos maiores com um novo programa de
parcelamento”, diz Leonardo Andrade, sócio da área tributária do escritório Andrade
Maia. “Muitos clientes nos procuraram para fazer uma simulação, mas ninguém
efetivou”, conta Luis Alexandre Oliveira Castelo, sócio do Lopes & Castelo
Advogados.

“Não vejo no curto prazo, depois dessa lei de transação, nenhuma possibilidade de
Re s. Não há clima político para um novo Re s”, avalia Mauro Silva, presidente da
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Una sco).
Em maio, o deputado federal Ricardo Guidi (PSD-SC) apresentou o Projeto de Lei
2735/2020, que propõe um novo programa de parcelamento em decorrência do
estado de calamidade pública motivado pela pandemia.

A proposta prevê descontos de até 90% das multas de mora e de ofício, dos juros de
mora e do encargo legal, mas não há perspectiva quanto ao avanço do texto no
Congresso.

Também há quem considere os prazos permitidos pela lei da transação muito


curtos. “Na lei de transação, o máximo de prazo que a Fazenda pode conceder é de
84 meses, e se for empresa do Simples até 100 meses. Os Re s antigos tinham
prazos de 15 e até 20 anos”, destaca Maurício Maioli, do Feijó Lopes Advogados.

Além disso, a lei resolve uma parte das dívidas tributárias das empresas,
especi camente aquelas com a PGFN. Por enquanto, negociações das dívidas com
a Receita carecem de regulamentação.

“Se eu sou um empresário, co pensando ‘tenho débito na Procuradoria, na Receita


Federal e de ICMS’. Essa lei me concede o parcelamento do federal na parte da
Procuradoria da Fazenda, eu ainda vou car inadimplente tanto para os débitos que
tenho na Receita Federal, como para os débitos que tenho com o estado”, relata
Castelo, do Lopes & Castelo. “Que benefício o empresário teria? Nenhum. Porque o
que é preciso para operar no mercado é a certidão de regularidade scal, a CND, e
com essa transação não é possível obtê-la. Não há um atrativo que estimule a
adesão à transação tributária hoje”.
Por outro lado, há advogados que entendem que a lei vai exigir uma mudança de
pensamento dos contribuintes. “A lei tem que evoluir junto com os bons
contribuintes, que vão amadurecer com essas novas regras do jogo que a União
está trazendo para a negociação”, avalia Tatiana Chiaradia, sócia do Candido Martins
Advogados. “Vai ter que haver uma mudança de cultura, principalmente pelos
contribuintes que são mal pagadores”, a rma Fernanda Lains, sócia do Bueno e
Castro.

“As pessoas estavam muito acostumadas com aquele velho modelo do Re s. E a


transação não é isso, envolve um outro tipo de diálogo com a Procuradoria. Junto
com o contribuinte vai ser pensado quase que um plano de recuperação judicial,
mas pensando os créditos tributários”, diz. “É um diálogo em novas bases, é uma
nova cultura”.

Transação no contencioso
Outra novidade da Lei 13.988/2019 está no artigo 16, que diz que o Ministério da
Economia poderá propor aos sujeitos passivos transação de litígios aduaneiros ou
tributários decorrentes de relevante e disseminada controvérsia jurídica.

“Estamos esperando a regulamentação da transação que envolve o contencioso de


controvérsias. Essa vai ser a grande novidade. Aqui vai envolver as empresas que
estão discutindo teses”, explica Leonardo Varella Gianetti, advogado do Rolim, Viotti
e Leite Campos.

As regras para desconto e negociação serão as mesmas, com limites de descontos


e classi cação de cada dívida. Nesse caso, a PGFN vai classi car como créditos
irrecuperáveis ou de difícil recuperação aqueles nos quais há chances maiores de o
contribuinte ter a tese aceita pelos julgadores.

“O que estamos antevendo é que se o contribuinte tem uma ação tramitando e vai
ser julgada pelo STF em recurso de repercussão geral, por que ele vai abrir mão
daquilo? Vai ser uma decisão de teoria dos jogos e caso a caso”, diz Maurício Maioli,
do Feijó Lopes Advogados. Gianetti faz uma ressalva: “O problema é saber o tempo
do processo e se vai ganhar. Um critério objetivo que temos é a jurisprudência.
Demora muito tempo e é muito temeroso dizer que a tese é vencedora”.

Multas penais de fora


A lei de transação scal não permite descontos sobre multas de natureza penal. O
presidente executivo do ETCO, Edson Vismona, entende que a lei deveria ter deixado
de forma mais clara o que seriam “multas de natureza penal”.

“A expressão ‘de natureza penal’ acarreta dúvidas quanto aos limites da vedação
imposta pelo dispositivo”, diz Vismona. “Seria conveniente esclarecer que apenas as
multas impostas no âmbito de processo penal, conforme a Lei nº 8.137, não
poderão ser objeto de transação, inexistindo restrição com relação às multas
quali cadas, impostas por autoridades tributárias”.

O tributarista Leonardo Andrade também é crítico a este ponto da lei. “Esse tipo de
medida ignora a prática de que tem muitos planejamentos tributários que tiveram a
aplicação indevida da multa. Na prática, as multas foram aplicadas para qualquer
caso”, argumenta. “Tenho vários clientes que tiveram aplicação de multa quali cada
em casos que não havia crime e eles não vão ter benefício nenhum porque se
entendeu na lei que não pode haver desconto para multas quali cadas”, diz. “A
transação teve um escopo muito mais reduzido do que deveria”.

ÉRICO OYAMA – Repórter em São Paulo. Cobre política, economia e Judiciário, com foco em temas
ligados à liberdade de expressão. Também escreve mensalmente no Às Claras, editoria que aborda
relações governamentais e institucionais (RIG). Antes, foi editor da rádio BandNews FM e repórter da
revista Veja. E-mail: erico.oyama@jota.info

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