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no pós-Guerra Fria
Revisiting the "War on Terror": terrorism and US foreign policy in the post-Cold War
RESUMO
ABSTRACT
The purpose of this paper is to discuss the new contours in the international system as the
US superpower role in the post-Cold War. Focusing on the advent of the "war on terror"
and its implications for the emerging world order in the twenty-first century. As well as
shed light on the US role in contemporary international political economy, as an
instrument of foreign policy.
INTRODUÇÃO
O governo George W. Bush buscou construir uma ampla coalizão de países contra
o terror, buscando o apoio de seus aliados costumeiros, mas também de China e Rússia,
países com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU. Os EUA buscavam um
consenso na “comunidade internacional” no conflito contra terrorismo, o que levou a
uma política de corrupção, ameaças, chantagens, a fim de instalar suas bases militares,
utilização do espaço aéreo e acesso a informação confidencial dos países (Bianchi,
2003). No entanto, a única conexão da invasão ao Iraque com o terrorismo transnacional
1Mestrando em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Rio de Janeiro/RJ, Brasil. leandrocdconde@gmail.com
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foi que esta contribui para o exponencial crescimento do terrorismo. Desmistificando a
relação de Saddam com a rede terrorista Al Qaeda2, diz-nos Chomsky (2004, p. 25): “[...]
o suposto vínculo de Saddam Hussein e Osama Bin Laden, na verdade seu inimigo
figadal, baseava-se em provas sem credibilidade que já haviam sido descartadas por
observadores competentes”.
Citando Kenneth Waltz, Chomsky (2004) argumenta que o uso do poder militar
norte-americano para solapar um inimigo num país indefeso, claramente, produz o ódio
daqueles que sofrem com o ataque, assim como o desejo por vingança – que pode ser
compartilhado com outros – e a busca de algo, entre aqueles países ameaçados, que
impeça que o mesmo ocorra com eles. Assim, recorrer às armas de destruição em massa
é extremamente racional por parte dos países que se sintam acuados, a política externa
norte-americana que busca combater o terrorismo e a proliferação de Armas de
Destruição em Massa (ADM), acaba a estimular a proliferação dos mesmos. Os
estrategistas de Washington têm plena consciência dessa questão, mas a possibilidade
sempre presente de proliferação é usada pela política doméstica e pela política interna,
acionando o medo do terrorismo e a das ADM sempre que necessário a fim de garantir a
obediência dos aliados e dos mais fracos, e, por meio das invasões, demostrar a
capacidade sempre disponível de reação.
2 Al Qaeda, criada no Paquistão, durante muito tempo presente no Afeganistão, depois retornando ao
Paquistão, oriunda, principalmente, das brigadas internacionais na guerra afegã, seu significado no árabe
é “a base”, sua rede articula-se de forma dispersa e descentralizada, organizando células locais somente
para organizarem atentados, seus integrantes são todos homens e muçulmanos e sunitas, o número de
integrantes não é preciso, mas situa-se em números bem menores do que os milhares que a retórica dos
Estados Unidos apresenta, seus dados não são precisos (Mann, 2006).
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[...] os atentados contra as torres gêmeas de Nova York provocaram cerca de
3.000 mortos. Em quatro anos, a guerra do Iraque, desencadeada a pretexto
(inteiramente falacioso, voltamos a insistir) de punir os cúmplices dos
atentados, causou a morte de um número sensivelmente mais elevado de
iraquianos, estimado em 2007, entre 60.000 (pelo Irak Body Count) e 600.000
(pela revista de medicina, The Lancet), ou seja, entre 20 e 200 iraquianos por
cada norte- americano morto. (Todorov, 2010, p. 131).
O “novo” inimigo
Uma ameaça, portanto, que pode ser nuclear, mas também pode ser cibernética,
biológica, química e pode estar no ar, na terra, na água, nos alimentos, enfim,
em centenas de veículos ou lugares diferentes. Neste sentido, nesta guerra
escolhida pelos Estados Unidos, tudo pode se transformar numa arma, em
particular as inovações tecnológicas dos próprios americanos. E tudo pode se
transformar num alvo, em particular as coisas mais prezadas e desprotegidas
dos norte-americanos. (Fiori, 2007, p. 104).
A opção pelos ataques preventivos tende a se estender também para as outras grandes
potências, o que cria um imenso barril de pólvora, pois não há consenso em torno do que
são os terroristas para cada país. Cada um deles define, dentro de sua estratégia de
defesa, quem poderiam ser considerado terrorista e passível de ataques preventivos.
Fiori (2007) considera a estratégia da luta contra o terrorismo internacional
insustentável no médio prazo, estando esta longe de produzir o tipo de equilíbrio
bipolar em longo prazo produzido durante a Guerra Fria. Para ele, as resistências contra
este tipo de estratégia devem surgir dentro do núcleo do capitalismo, ou seja, das
grandes potências.
O inimigo Islã
A guerra global entre o islã e o ocidente, camuflada sob o manto da guerra contra
o terrorismo, alimentou a ânsia de guerra dos dois lados, serviu de motivação para o
recrutamento de novos jihadistas de um lado e da invasão ao Iraque do outro lado. O
medo do islã não é novo ao ocidente, mas, especialmente, devido ao esforço do governo
George W. Bush, de engendrar a face do terror no islã, a situação toma níveis de
esquizofrenia, neste momento, diz-nos Todorov, “a teoria do choque das civilizações é
adotada por todos aqueles que têm interesse em traduzir a complexidade do mundo em
termos de confronto entre entidades simples e homogêneas [...] (2010, p. 109)”. A ênfase
nas origens religiosas ou culturais dos conflitos não está errada, contudo obscurece que
os objetivos perseguidos não são religiosos, “a motivação religiosa transforma a busca
do interesse em paixão (2010, p. 111)”.
Quando uma multidão, dominada pela raiva, exige a morte de uma professora
primária inglesa que teria ofendido o Profeta – esse caso ocorreu no Sudão, em
novembro de 2007 -, o verdadeiro objetivo consiste na defesa, não
propriamente do islã, mas da honra que, segundo esses manifestantes, tem sido
vilipendiada há muito tempo pelas potências ocidentais. (Todorov, 2010, p.
111).
A guerra contra o terrorismo travada pelos Estados Unidos cria uma nova
categoria jurídica, os “inimigos combatentes ilegais”, indivíduos que podem ser presos
sem a necessidade de respeito ao habeas corpus e sujeitos ao uso da tortura. Logo,
devido às características do novo tipo de guerra e do inimigo a ser enfrentado, ressalta
Todorov, produz-se uma situação na qual é “permitido” suspender as leis de período de
paz. Já que nos encontramos no meio de uma guerra, mesmo que não seja convencional
por não se tratar de uma guerra contra outro país, suspende-se também a aplicação da
“guerra justa” e das Convenções Internacionais. Ora, se esta é uma guerra sem fim, como
apresenta-nos Wood, esta situação já iniciada torna-se permanente, o respeito às leis
nacionais, sobretudo com a nova categoria “inimigos combatentes ilegais”, legitima a
tortura, segundo Todorov, esta situação era prevista na elaboração do Torture Memo.
Por mais que se tente mudar o conceito de tortura a fim de atender aos interesses
norte-americanos e de seus aliados - que se beneficiam dos frutos obtidos por tais
práticas desumanas -, não se pode mudar os atos que foram considerados como tortura
ao longo da história, e que estão presentes nas Convenções Internacionais, à força da
canetada, a partir de um documento legal, por mais bem escrito que ele esteja (Todorov,
2010). As mudanças na fronteira do que é considerado desumano em tempos de paz já
foi rompida com o empreendimento da guerra sem fim, durante a administração Bush,
que buscou tornar lícitas práticas que atentam contra a mínima dignidade humana.
Entretanto, mesmo que tais atos sejam praticados além das fronteiras territoriais norte-
americanas, ressalta Todorov, “[...] são efeito das decisões governamentais
estadunidenses (2010, p. 141)”.
Considerações Finais
O inimigo atual, que pode estar em qualquer lugar, desde a África Subsaariana
até no subúrbio de Nova York, é apresentado pela retórica dominante como uma besta-
fera que se espalha de forma voraz pelo mundo e que, caso os Estados Unidos furtem-se
de sua tarefa de proteger o mundo livre, colocará em risco os bens mais precisos aos
norte-americanos e seus aliados. É, em grande medida, através desta justificativa que
Washington defende seus métodos de tortura para extrair toda a informação necessária,
pois é feito em defesa do mundo livre, uma crença que extrapola a retórica, que se
encontra numa guerra contra o que há de mais cruel no mundo e, por isso, precisa lançar
mão das ações necessárias, mesmo que a tortura faça parte destas. Busca-se, também,
mostrar aos terroristas que o ocidente - imediatamente posicionando-os no que seria o
oriente -, está pronto para responder a qualquer ameaça e a altura desta, intimidá-los a
não se lançarem a novos atentados.
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Tais práticas explicam-se não pelos argumentos jurídicos invocados, nem pela
obrigação de defender os princípios da democracia e os avanços da civilização
ocidental, mas pelo medo que começou por subjugar os dirigentes do país e que
eles acabaram transmitindo aos cidadãos. A ameaça, real ou imaginária, de
perder a vida implica a conclusão: “Tudo é permitido”. (Todorov, 2010, p. 146).