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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS
CURSO DE GEOLOGIA

CG0533-ESTRATIGRAFIA Professor: Wellington Ferreira da Silva Filho

MÓDULO Nº 01-INTRODUÇÃO

I-DEFINIÇÃO DE ESTRATIGRAFIA
A Estratigrafia é uma ciência geológica que trata dos estratos rochosos no tempo
e no espaço, estudando seus atributos físicos e ocupando-se com sua interpretação em
termos de gênese e disposição temporal.
Tal definição contempla todos os tipos de rochas, incluindo ígneas e
metamórficas, deformadas ou não.

II-ALGUNS TIPOS DE ESTRATIGRAFIA


Para entender da forma mais simples possível o que é estratigrafia e quais são as
técnicas e conceitos nela adotados, pode-se analisar um afloramento hipotético (Figura
1). Diferentes abordagens podem ser aplicadas a esse objeto de estudo, como a
caracterização puramente litológica, com a separação de arenitos e lamitos em formações
e membros, utilizando-se assim a Litoestratigrafia.

Figura 1. Afloramento hipotético e possíveis unidades estratigráficas. Notar que os limites entre diferentes
unidades, identificadas a partir de diferentes abordagens, não coincidem. Fonte: modificado de Holz (2012,
p. 3).

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Pode-se também abordar o afloramento com um critério totalmente diferente:
conteúdo fossilífero. Notando que um determinado conjunto de fósseis se estende apenas
até certo horizonte estratigráfico, a partir do qual outros fósseis aparecem, é possível a
determinação de duas unidades estratigráficas com base puramente paleontológica. Essa
abordagem é a Bioestratigrafia.
Outra possibilidade é a utilização de horizontes de paleossolos, níveis que indicam
condições estabilidade da interface sedimento-ar (não deposição, não erosão), com
desenvolvimento de vegetação em sua superfície e transformações químicas e físicas que
definem horizontes pedogenéticos. Desta forma, obtém-se unidades da Pedoestratigrafia.
Mais uma possibilidade é delimitar pacotes entre discordâncias e outras
superfícies erosivas. A ocorrência de erosão não localizada (em amplas superfícies) indica
mudanças no nível de base (ex. nível do mar, soerguimento tectônico) e, portanto,
reorganizações do relevo e ambinetes deposicionais. Essa unidades são estabelecidas
através da Aloestratigrafia.
Outros modos de organização mais especializadas são possíveis, como a datação
absoluta dos estratos, através da desintegração radioativa de um elemento pai (isótopo
radioativo de um elemento) em um elemento filho ou radiogênico (Tabela 1). Desta
forma, pratica-se a Cronoestratigrafia.

Tabela 1. Principais processos de desintegração utilizados


em radiocronologia classificados por periodocidade
decrescente. Período é o tempo ao cabo do qual a metade do
elemento pai é desintegrada). Fonte: modificado de Pomerol
et al. (2013, p. 907).

Processos de desintegração Período (em anos)


87
Rb →87Sr 5 ou 4,7 x 1010
232
Th → 208Pb 13,9 x 109
40
K → 40Ar 11,9 x 109
238
U → 206Pb 4,6 x 109
235
U → 207Th 7 x 108
234
U → 230Th 250.000
230
Th → 226Ra 75.200
14
C → 14N 5.568
3
H → 2H 12,26

A Magnetoestratigrafia é a divisão do registro geológico através de propriedades


paleomagnéticas das rochas, especialmente os registros de intervalos de polaridade
normal (magnetização virada para o polo norte) e inversa do campo magnético da Terra,
o chamado magnetismo remanescente em unidades de polaridade magnetoestratigráfica
(Figura 2).
A Cicloestratigrafia visa analisar ciclos ou padrões cílcicos sedimentares de
qualquer categoria para o empilhamento, interpretação e refinamento do arcabouço
estratigráfico. Esses ciclos de sedimentação são relacionados a ciclos astronomicamente
controlados, em especial a parâmetros orbitais da Terra (Figura 3).
Por fim, a Estratigrafia de Sequências aborda conjuntos de estratos relativamente
concordantes, delimitados na base e topo por discordâncias e gerados durante um ciclo
completo de variação relativa do nível do mar.

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Figura 2. Unidades de polaridade magnetoestratigráfica para os últimos 2,7 Ma (direita).
Subunidades e eventos (esquerda). Fonte: modificado de
http://www.stratigraphy.org/upload/QuaternaryChart1.JPG.

Figura 3. Esquema representativo dos três parâmetros orbitais responsáveis pelos Ciclos de
Milankovitch. Fonte: Hachiro (2001).

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III-CONCEITOS BÁSICOS
Os conceitos básicos da Estratigrafia, palavra derivada do latim stratum (camada)
e do grego graphein (descrição), foram inicialmente definidos a partir de estudos em
bacias sedimentares cujo preenchimento ocorreu sob condições relativamente calmas e
com sedimentação contínua. Desta maneira, os fatores primordiais para a determinação
das propriedades das sequências sedimentares, como natureza da área-fonte, morfologia
da bacia (relevo das vertentes e do fundo bacial) etc. variaram pouco no tempo geológico.
Entretanto, a tectônica é um fator dinâmico importantíssimo da formação e
evolução de bacias sedimentares, provocando movimentos verticais, horizontais e
oblíquos na crosta que afetam a deposição sedimentar através de modificações nos
ambientes deposicionais, variações de espessura e interrupção de camadas, mudanças de
áreas-fontes, deformações penecontemporâneas, basculamentos e deformações pós-
deposicionais, soerguimentos e erosão de camadas, subsidências e afogamento de
ambientes deposicionais.
Apesar da evolução da Estratigrafia, alguns conceitos básicos empíricos
remontam a quase 350 anos e ainda são válidos.

III.1-Leis de Steno (1669)


a) Superposição: Em qualquer sequência de rochas sedimentares (ou de rochas
extrusivas oriundas de derrames de lavas) que não tenha sofrido deformações pós-
deposicionais, a camada mais nova situa-se no topo e a mais antiga, na base.

b) Horizontalidade Original: Sedimentos depositados em ambientes subaquáticos


apresentam-se em camadas horizontais ou quase horizontais e paralelas ou quase
paralelas à superfície terrestre.

c) Continuidade Lateral: Na época da deposição, uma camada depositada em


ambiente subaquático deve se estender em todas as direções até adelgaçar-se e
desaparecer como resultado da não deposição ou por ter atingido a borda original
da bacia.

III.2- Fácies (1838)


Armanz Gressly foi o pioneiro na utilização do termo fácies (latim: aspecto ou
aparência de algo) sob conotação moderna, significando a totalidade dos aspectos
litológicos e paleontológicos de uma determinada unidade estratigráfica. Este conceito é
muito utilizado em Estratigrafia moderna e será aprofundado futuramente.

III.3- Lei de Walther (1893-94)


Este princípio, também denominado Lei de Correlação de Fácies, estabelece que
a sucessão vertical de fácies, tanto em sequências transgressivas (avanço da linha de costa
em direção ao continente) quanto regressivas (recuo da linha de costa em direção ao mar),
reflete essencialmente a ordem (ou sequência) da distribuição horizontal das mesmas
fácies, desde que não haja interrupções importantes na sedimentação, gerando
discordâncias (Figura 4).

IV-GEOMETRIAS DE CORPOS SEDIMENTARES


Também são cruciais as noções de geometria de corpos sedimentares (litossomas)
e tipos de contatos (limites entre corpos sedimentares), que dizem muito em termos de
processos, ambientes e continuidade ou não da sedimentação.

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Figura 4. Representação esquemática da lei de Walther. Numeração indica sucessão de camadas.
Fonte: modificado de Pomerol et al. (2013, p. 903).

A geometria de uma camada individual ou unidade de rocha (escala de


afloramento) pode ser descrita como tabular se for lateralmente extensiva, em forma de
cunha se for não persistente, mas com superfícies de contatos planos, e lenticular se uma
ou ambas as superfícies de contato forem encurvadas (Figura 5).
Para escalas mais amplas (bacia), o termo lençol (ou manto) é frequentemente
aplicado se a razão entre o comprimento e largura da unidade sedimentar for próxima a
1:1 e o corpo sedimentar cobrir de poucos a milhares de quilômetros quadrados. Corpos
sedimentares alongados, nos quais o comprimento de excede em muito a largura, podem
ser descritos como lineares (também “em fita” ou “cordão”) se não for ramificado,
dendroide se ramificado e cinturão se composto (Figura 5).
Muitos corpos de areia alongados são resultantes de do preenchimento de canais,
orientados a jusante da paleoencosta. Outros corpos sedimentares são formados paralelos
à linha de costa como em paias ou no desenvolvimento de ilhas barreiras.
As unidades sedimentares podem ser entidades discretas formando lentes e
manchas (Figura 2), sendo esse o único termo aplicável a certos calcários recifais.
Sedimentos clásticos grossos podem formar leques, cunhas e franjas quando
depositados em sopés de taludes (Figura 5). Exemplos incluem depósitos de leques
aluviais, leques deltaicos, sopés de encostas e leques submarinos.

V-CONTATOS SEDIMENTARES
Denominam-se contatos (ou limites) as superfícies que separam os corpos
sedimentares contíguos (ex. arenito e folhelho) ou as interfaces entre unidades
estratigráficas (ex. duas formações).
As classificações utilizam-se de vários critérios.
Quanto à posição espacial, os contatos podem ser verticais, horizontais e
inclinados (ou oblíquos). Os contatos verticais seguem aproximadamente a direção da
componente vertical dos campos gravitacional ou magnético em qualquer ponto da
superfície da Terra. Raramente são contatos de origem sedimentar e, em geral, denotam
natureza tectônica (falhas). Os contatos horizontais acompanham, aproximadamente, o
plano tangente à superfície equipotencial gravitacional em um ponto. Por exemplo,
depósitos lacustres indeformados apresentam, em geral, contatos horizontais. Os contatos

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inclinados correspondem a planos delimitantes inclinados entre duas litologias ou
unidades estratigráficas, podendo ou não apresentar implicações tectônicas.

Figura 5. Geometrias comuns de camadas e unidades de


rochas (escala de metros a dezenas de metros) e corpos
sedimentares (escala de quilômetros ou regional). Fonte:
Tucker (2014, p. 229).

Quanto ao grau de definição (ou nitidez), tem-se contatos gradacionais (gradativos


ou transicionais) e bruscos (ou abruptos).
Contatos gradacionais caracterizam situações em que a passagem de um litossoma
para outro se faz através de uma zona de gradação de espessura variável. Por exemplo, a
transição entre um arenito e um folhelho pode ser dar através do aumento progressivo no
teor de silte e argila e redução cada vez mais acentuada no teor de areia (gradação mista).
Outra possibilidade é a redução progressiva de diâmetro das partículas, de areia até argila
(gradação contínua). Porém, a mudança litológica mais comum é a brusca, com uma
superfície delimitante bem marcada.
Além disso, os contatos laterais podem exibir acunhamentos ou interdigitações
(Figura 6). Os acunhamentos correspondem a um fenômeno no qual uma determinada
camada (ou unidade litológica) diminui gradualmente de espessura até seu completo
desaparecimento e substituição por outras litologias. As interdigitações representam
vários acunhamentos que se interpenetram com as litologias lateralmente adjacentes. É
um fenômeno muito comum que, normalmente, é visualizado em escala de afloramento
como uma simples intercalação de camadas. Portanto, as zonas de contatos interdigitados
causarão repetição vertical de litossomas, originando o fenômeno de recorrência de fácies,

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sugestivo de oscilações nas condições paleoambientais, como acontece comumente nas
regiões litorâneas.
Finalmente, dependendo do grau de certeza nas observações dos contatos têm-se
contatos observados, inferidos, encobertos etc.
Sob o ponto de vista estratigráfico, os contatos podem representar uma
continuidade ou descontinuidade (quebra). Quando a interrupção da sedimentação ocorre
por curto intervalo de tempo, a camada prévia recém-depositada não é sensivelmente
perturbada pela erosão (subaquática ou subaérea) e, nesse caso, há uma coincidência entre
o contato e a estratificação. Caso contrário, ocorrerá uma discordância, tema da próxima
aula.

Figura 6. Modalidades de contatos comuns entre litossomas: (A)


acunhamentos; (B) interdigitações. Fonte: modificado de Suguio
(2003, p. 204).

Bibliografia
AAPG. North American Stratigraphic Code. 2005. Disponível em:
<http://ngmdb.usgs.gov/Info/NACSN/Code2/code2.html>. Acessado em: 9 mar. 2013.
HACHIRO, Jorge. Cicloestratigrafia. In: SEVERIANO RIBEIRO, Hélio J.P. (Org.).
Estratigrafia de Sequências. Fundamentos e aplicações. São Leopoldo: Editora
Unisinos. 2001, p. 27-42.
HOLZ, Michael. Estratigrafia de Sequências. Histórico, princícpios e aplicações. Rio
de Janeiro: Interciência. 2012. 272 p.
POMEROL, Charles et al. Princípios de Geologia. Técnicas, modelos e teorias. 14ª ed.
Porto Aleggre: Bookman. 2013. 1017 p.
SUGUIO, Kenitiro. Geologia Sedimentar. São Paulo: Edgard Blucher. 2003. 400 p.
TUCKER, Maurice E. Rochas Sedimentares. Porto Alegre: Bookman. 2014. 324 p.

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