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pdf 1 26/05/2014 15:20:58

Este Caderno quer ser um subsídio para a construção de práticas educativas que
tomem a educação em e para os direitos humanos como uma tarefa em construção,
como um compromisso com a formação de agentes individuais e sociais
protagonistas da luta pelos direitos humanos. Não quer ser um modelo. Quer tão
somente motivar educadores e educadoras a construir dinâmicas pró-ativas de
aprendizagem. Por isso, todas as sugestões que são nele apresentadas somente podem
ser tomadas como referência. A sensibilidade e a reflexão do/a cada educador/a e de
cada participante das oficinas é que fará a construção efetiva da aprendizagem.

Direitos Humanos - Sugestões Pedagógicas


A Comissão de Direitos Humanos
de Passo Fundo (CDHPF) é uma
organização da sociedade civil que
Direitos Humanos
atua desde 1984, há 30 anos, na
promoção dos direitos humanos,
em Passo Fundo e região. É filiada
ao Movimento Nacional de Direitos
Sugestões Pedagógicas
Humanos (MNDH). Reúne pessoas 2ª edição
dispostas a promoverem a
universalidade, a interdependência e a Revista e ampliada
indivisibilidade dos direitos humanos,
lutando pela promoção e a proteção
dos direitos humanos e a reparação de
suas violações. Atua orientada pelos
princípios da educação popular e
acredita na afirmação de sujeitos de
direitos humanos, para o que se Este Caderno apresenta sugestões
articula e apoia todas as vítimas de pedagógicas para a promoção da
violações e suas organizações para que educação em direitos humanos. É
através delas avance a realização dos composto de duas partes: a primeira
direitos humanos. A educação popular com sete oficinas sobre aspectos dos
em direitos humanos é um caminho direitos humanos; a segunda com
profícuo para fazer avançar as lutas textos que auxiliam e servem de
populares para que os direitos suporte para o desenvolvimento das
humanos se tornem efetividade na oficinas ou mesmo podem se
vida cotidiana de cada uma e de constituir em referências para a
todas as pessoas. compreensão das questões das quais se
ocupam. Esta é a edição revista e
Contato: <www.cdhpf.org.br> ampliada da edição original, de 2008, e
<cdhpf@cdhpf.org.br> da edição eletrônica, de 2010.
Direitos Humanos
Sugestões Pedagógicas
2ª Edição
Revista e ampliada

Comissão de Direitos Humanos


de Passo Fundo
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil

Michel Temer
Vice-presidente da República Federativa do Brasil

Maria do Rosário Nunes


Ministra de Estado Chefe da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República

Produção
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)

Este Caderno foi produzido no âmbito do projeto Educação Popular em Direitos Humanos
(Convênio nº 757656/2011SDH/PR), apoiado pela Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República. Coordenação Geral do Projeto: Tatiana Lenskij

Pesquisa e Texto
Paulo César Carbonari

Editoração
Edição: IFIBE
Projeto gráfico e Normatização: Diego Ecker
Diagramação: Wanduir R. Sausen
IMPRESSO NO BRASIL

Apoio
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE)

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Pedidos para:
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)
Rua Senador Pinheiro, 350
99070-220 – Passo Fundo – RS
E-mail: cdhpf@cdhpf.org.br – Fone: (54) 3313 2305

Secretaria de Direitos Humanos - Presidência da República


Setor Comercial Sul B - Quadra 9 - Lote C
Edifício Parque Cidade Corporate - Torre A - 10º andar
70308-220 - Brasília - DF
C264d
Carbonari, Paulo César.
Direitos Humanos: sugestões pedagógicas / Paulo César Carbonari.
2ª ed. rev.e ampl. – Brasília-DF: Editora IFIBE, 2014.
104 p.

ISBN 978-85-8259-017-1

1. Direitos Humanos 2. Educação 3.Oficinas Pedagógicas

CDU: 342.7+ 37.06

Catalogação na Fonte: bibliotecária Clarice Fonseca da Silva CRB10-2141

© 2014 Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República


É permitida a reprodução parcial ou total desta obra desde que citada a fonte
e que não seja para venda ou qualquer fim comercial.
Sumário

Apresentação............................................................................................................................................... 5

Oficinas Pedagógicas
Oficina 1: Direitos humanos | Situação.......................................................................................... 9
Oficina 2: Direitos humanos | Construção histórica............................................................. 13
Oficina 3: Direitos humanos | Concepção.................................................................................... 17
Oficina 4: Direitos humanos | Justificativa.................................................................................. 21
Oficina 5: Direitos humanos | Finalidade..................................................................................... 25
Oficina 6: Direitos humanos | Sujeito de direitos.................................................................... 29
Oficina 7: Direitos humanos | Responsabilidades................................................................... 33

Subsídios

Direitos Humanos 100% já!.................................................................................................................. 39


Direitos humanos no Brasil: contexto plural e complexo........................................... 40
Construção da política de direitos humanos: a partir do PNDH-3............................... 45
A agenda popular de luta por direitos humanos: necessária e difícil......................... 49
Querer direitos: dever de lutar por direitos................................................................................ 52
Direito de exigir direitos......................................................................................................................... 55
Contar com e ter certeza de................................................................................................................ 56
Por uma cultura de direitos humanos............................................................................................ 58
Direitos humanos: diagnóstico de concepções....................................................................... 60
Direitos humanos: concepções clássicas..................................................................................... 61
Direitos humanos: proposta de concepção............................................................................... 64
Características dos direitos humanos............................................................................................ 67
Algumas dimensões dos direitos humanos............................................................................... 69
Traços da trajetória dos direitos humanos no Brasil............................................................. 71
Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.............................................................. 76
Aspectos filosóficos da Declaração Universal.......................................................................... 77
Sujeito de direitos na Constituição Federal................................................................................ 81
Direitos humanos na Conferência de Viena, 1993................................................................. 82
Responsabilidades em direitos humanos.................................................................................... 83
Sujeito de direitos humanos................................................................................................................ 85
Educação e sujeito de direitos............................................................................................................ 89
Educação em direitos humanos e movimentos sociais populares.............................. 91
O risco da verdade..................................................................................................................................... 95
Ditadura nunca mais: por quê?.......................................................................................................... 97

Leituras sugeridas..................................................................................................................................... 100


Apresentação
A educação em direitos humanos pode ser feita em todo tipo de espaço pe-
dagógico: grupos populares, organizações, movimentos sociais, escolas, igrejas,
instituições de educação superior. Sempre que pessoas e grupos se propuserem a
aprender uns com os outros a serem sujeitos de direitos, aí há espaço para a edu-
cação em direitos humanos.
Aprender não é somente acumular conteúdos, mesmo que seja fundamental
conhecer e compreender criticamente diversos conteúdos. Aprender também é
sustentar posturas, subsidiar o desenvolvimento de atitudes. Enfim, é construir su-
jeitos pluridimensionais agentes da história.
O exemplo da educação popular é um bom subsídio para orientar a construção
de práticas pedagógicas capazes de mobilizar aprendizagens significativas que,
acima de tudo, podem se traduzir em engajamento efetivo de cada pessoa na luta
pela realização de todos os direitos humanos de todas as pessoas.
A educação em direitos humanos está desafiada a promover a diversidade, a
denunciar todas as formas de violação, a viabilizar a solidariedade com (e entre) os
mais fracos e as vítimas, a ajudar na organização e na luta por justiça, a contribuir
para realizar a paz e a boa convivência, enfim, a abrir espaço e tempo oportunos
para que cada pessoa seja, com as outras, mais feliz.
Este Caderno quer ser um subsídio para a realização de práticas educativas que
tomem a educação em direitos humanos como uma tarefa em construção, como
um compromisso com a formação de agentes individuais e sociais protagonistas
da luta pelos direitos humanos. Não quer ser um modelo. Quer tão somente mo-
tivar educadores e educadoras a construir dinâmicas pró-ativas de aprendizagem.
Por isso, as sugestões que são nele apresentadas somente podem ser tomadas
como referência. A sensibilidade e a reflexão de cada educador/a e de cada parti-
cipante das atividades propostas é que fará a construção efetiva da aprendizagem.
Apresentamos propostas de oficinas, cada uma sobre um aspecto chave para a
compreensão dos direitos humanos. Elas podem ser desenvolvidas totalmente, ou
em parte, conforme o caso exigir.

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A primeira abre à necessidade de leitura da situação concreta para ver nela vio-
lações e promoção dos direitos humanos. A segunda pretende ajudar a reconstruir
de forma crítica a história dos direitos humanos. A terceira pretende subsidiar a
reflexão sobre a concepção de direitos humanos. A quarta procura ajudar a cons-
truir argumentos para justificar a existência de direitos humanos. A quinta trata
de oferecer subsídios sobre a finalidade dos direitos humanos. A sexta abre um
debate sobre a diversidade dos sujeitos de direitos. A sétima apresenta as respon-
sabilidades em direitos humanos.
As oficinas são construídas em seis momentos. O primeiro momento, a “moti-
vação”, visa a abrir os trabalhos, a apresentar os objetivos e a dinâmica da oficina.
O segundo momento, “sensibilização”, pretende, através da realização de uma di-
nâmica adequada ao tema, engajar os/as participantes na realização do conjunto
da oficina. O terceiro momento, “pergunta orientadora”, pretende fazer a sensibi-
lização para introduzir o processo de reflexão crítica sobre o assunto da oficina. O
quarto momento, “caminhos e possibilidades”, quer o aprofundamento da temá-
tica da oficina apresentando alternativas de compreensão da proposta. O quin-
to momento, “posicionamento”, pretende ajudar na construção de uma síntese
pessoal e coletiva sobre a temática desenvolvida. Finalmente, o sexto momento,
“compromisso”, além de fazer o encerramento, pretende gerar bases de respon-
sabilidade prática dos/as participantes a partir do que foi realizado na oficina. O
percurso sugerido pretende pôr em ação várias dimensões da vivência dos/as par-
ticipantes, articulando vários aspectos no processo de aprendizagem.
O Caderno também apresenta textos breves que são sugeridos como subsídio
para que o/a educador/a se prepare e construa sua própria compreensão para
ajudar os/as participantes a fazer a reflexão sobre a temática das oficinas. Podem
também servir para a leitura preparatória dos/as participantes. Além disso, ao final
são indicados endereços eletrônicos nos quais se poderá encontrar mais subsídios
para o desenvolvimento das atividades formativas.
Esperamos que este material provoque a criatividade dos/as agentes sociais
para que desenvolvam diversas dinâmicas e processos educativos em direitos hu-
manos. A finalidade do que aqui vai apresentado será atingida se se traduzir em
práticas pedagógicas e políticas novas e inovadoras.
Saudamos a todas as pessoas que, por sua trajetória e pelas relações que cons-
truímos, nos ajudaram a chegar a ele. Desejamos a todos/as que nele se inspi-
rarem que não se esqueçam de que, acima de tudo, está o compromisso com a
construção de sujeitos de direitos humanos. Esta é a finalidade maior do trabalho
pedagógico proposto.
Agradecemos a todos/as que colaboraram diretamente na elaboração deste
material e aqueles/as que animaram sua publicação original, em 2008, sua edição
digital, em 2010, e agora, sua segunda com revisão e ampliação. Um agradecimen-
to especial à Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF), ao Movi-
mento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e ao Instituto Superior de Filosofia
Berthier (IFIBE) que têm nos ajudado a compreender que a educação em direitos
humanos é uma mediação apropriada para o desenvolvimento de uma nova cul-
tura de direitos.

Boas oficinas. Boa luta!

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OFICINAS PEDAGÓGICAS
OFICINA 1

Direitos humanos | Situação

Motivação
O/a educador/a recebe o grupo e faz uma dinâmica de apresentação dos/as par-
ticipantes e de integração do grupo e apresenta o conteúdo, os objetivos e a di-
nâmica da oficina. Informa que a oficina trata da situação dos direitos humanos.
Explica que a dinâmica prevê momentos de trabalho pessoal e em grupo, vai pro-
piciar o aprofundamento da temática, subsidiar o posicionamento e gerar compro-
misso prático.
Os objetivos propostos para a oficina são:
• Sensibilizar para situações concretas como questões de direitos humanos;
• Relacionar acontecimentos do cotidiano com os direitos humanos;
• Identificar sujeitos violados e situações como violações de direitos humanos;
• Identificar sujeitos promotores e situações de promoção dos direitos humanos;
• Motivar ao compromisso concreto com a garantia dos direitos humanos.

Sensibilização
Este momento tem por finalidade motivar os/as participantes a entrar na temá-
tica da oficina. O/a educador/a apresenta a dinâmica, que consiste na construção
de um mapeamento de situações concretas e cotidianas nas quais se podem iden-
tificar violações ou a promoção dos direitos humanos.
A primeira parte consiste selecionar em jornal/revista da semana da realiza-
ção da oficina [ou de período próximo] uma reportagem que mostre situação de
violação dos direitos humanos e outra que mostre ação de promoção dos direitos
humanos. Esta primeira tarefa deve ser feita individualmente.
Em seguida os/as participantes são organizados em grupos com três ou quatro
componentes. No grupo, cada participante apresenta a reportagem que selecio-
nou como representativa de violações dos direitos humanos com base na qual o

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grupo deverá escolher uma das reportagens apresentadas. Em seguida, repete-se
a rodada para a escolha da reportagem que melhor representa a promoção dos
direitos humanos. Feita a escolha, o grupo deve fazer um debate com base na
reportagem escolhida como representativa da violação orientado pelas seguintes
questões: a) que direito está sendo violado; b) qual ou quais o/s sujeito/s? c) por
que está havendo violação?. Em seguida, com base na reportagem representativa
da promoção, responder: a) que direito está sendo promovido?; b) quem está fa-
zendo a promoção: c) de que modo está sendo feita a promoção?. O acumulado
no grupo deve ser anotado em cartolina, sendo uma cartolina para o que trata da
violação e outra para o que trata da promoção, contendo a reportagem seleciona-
da e as respectivas questões respondidas.
O conjunto dos participantes são postos em um grande círculo e as cartolinas
de cada grupo são dispostas no chão, no centro da sala, primeiro todas as que tra-
tam das violações. Os/as participantes fazem a leitura e o/a educador/a abre para
breves comentários complementares. Em seguida retiram-se estas cartolinas, que
são substituídas pelas que tratam da promoção, e repete-se o mesmo exercício.
Lembrar que o momento não é de debate e aprofundamento.

Pergunta Orientadora
Este momento tem por finalidade sistematizar o eixo orientador da reflexão a
ser feita na oficina. O/a educador toma em conta o que os/as participantes apre-
sentaram, faz questionamentos. Importante que sejam feitos de forma pausada e
direta. Sugere-se que anote a pergunta chave numa tarjeta de papel e ponha em
local para que possa ser vista por todos/as.
Sugere-se que a pergunta orientadora principal seja:

O que é violação e o que é promoção dos direitos humanos?

É sobre essa questão que será feito o aprofundamento nos momentos seguintes.
Os materiais são retirados do centro da sala e os/as participantes convidados/
as a ocuparem seus lugares. Fica em local de destaque somente a pergunta moti-
vadora.

Caminhos e Possibilidades
O momento tem por objetivo fazer o aprofundamento da questão apresenta-
da no momento anterior. Para tal, o/a educador/a retoma a pergunta e constrói
uma reflexão apontando alternativas de compreensão e abrindo indicativamente
possibilidades críticas. Sugere-se que este momento seja feito através de uma ex-
posição dialogada.
Importante notar que a questão exige uma análise crítica da situação dos direitos
humanos, considerando aspectos conjunturais e estruturais, da realidade próxima e

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cotidiana e também do contexto mais amplo da vida dos/a participantes. A distinção
entre violação e promoção não pode ser dicotomizada, mas deve ser problemati-
zada pelo/a educador/a, a fim de que os/as participantes percebam as realidades,
os sujeitos e as implicações postas ante os direitos humanos. Note-se que fica su-
bentendida uma compreensão dos direitos humanos tanto nas análises dos gru-
pos quando do/a educador/a que talvez em algum momento possa vir a ser exigida
como aprofundamento ou então ser motivadora de reflexão em oficina posterior.
Para a construção da reflexão o/a educador/a pode tomar como subsídio os
textos que estão na segunda parte deste Caderno e/ou outros que considerar ade-
quados. Importante que todos os pontos apresentados sejam feitos de forma clara
e consistente. O momento de posicionamento é o seguinte.

Posicionamento
Este momento tem por finalidade produzir uma síntese pessoal (e se possível
do grupo). Pretende-se que, com base nos diversos caminhos e possibilidades de
compreensão apresentados no momento anterior, cada participante (e se possível
o grupo) construa seu próprio posicionamento. Para tal, o/a educador/a coordena
o processo que terá os seguintes passos: a) iniciar pedindo que cada um/a pense
por alguns minutos e depois anote em uma tarjeta de papel uma resposta pessoal
para a pergunta orientadora; b) o/a educador/a posiciona a tarjeta na qual está a
pergunta e, abaixo dela cada educando/a fixa sua resposta; c) o/a educador/a pede
que todos/as, em silêncio, leiam o conjunto das respostas. Caso haja maturidade
no grupo para a construção de um posicionamento comum, a dinâmica segue; do
contrário, pode-se passar para o momento seguinte.
Em caso de seguimento: a) o/a educador/a pede que cada um anote possíveis
convergências e divergências entre as posições apresentadas; b) cada educando/a
retira a tarjeta com a resposta que havia construído no momento anterior; c) for-
ma grupos com três participantes e pede que juntos construam uma única respos-
ta para a pergunta orientadora; d) forma um novo grupo que será composto por
um participante de cada um dos grupos da primeira fase deste momento (serão
formados somente três grupos) e pede que cada pessoa apresente aos demais o
que havia acumulado no grupo anterior; e) feitos os esclarecimentos, o grupo é
chamado a construir uma única resposta à pergunta orientadora (para isso pode-
-se partir daquela que melhor representa a posição do grupo ou então formular
uma nova) – esta resposta é anotada numa tarjeta; f) o/a educador reposiciona a
tarjeta com a pergunta orientadora e então cada um dos três grupos apresenta a
tarjeta com a resposta que foi construída, que é afixada abaixo da tarjeta na qual
está a pergunta orientadora.
Caso queira, o/a educador/a pode fazer comentários a fim de mostrar as con-
vergências e divergências que eventualmente aparecerem, sem, contudo, preten-
der impor sua posição. Cabe-lhe, caso seja necessário, retomando o conjunto do
processo realizado, fazer problematizações novas como sugestão de continuidade
de reflexão em outros momentos.

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Compromisso e Encerramento
Este é o momento final da oficina e visa ao encerramento da atividade com a
construção de um compromisso prático dos/as participantes com a continuidade
da reflexão e com o desenvolvimento de atitudes concretas. Para tal, o/a educa-
dor/a pede que os/as participantes formem uma roda no centro da sala.
Em seguida, pede que cada participante reflita sobre a seguinte questão: o que
a oficina que realizamos motiva a fazer em minha vida e o que me motiva a fazer
junto com os/as outros/as? Pede que cada participante resuma sua resposta em
algumas palavras. Em seguida, os/as participantes são convidados a se dar as mãos
e a dizer as palavras que cada um/a escolheu.
O/a educador/a conclui realçando que as palavras ditas são expressão do com-
promisso pessoal. Agradece a todos/as pela presença e convida para a participa-
ção na próxima oficina (caso houver).

OBS: Solicita-se que o/a educador/a fique atento para a necessidade de providenciar o
material necessário, conforme a indicação ao longo de cada momento da oficina.
OFICINA 2

Direitos humanos | Construção histórica

Motivação
O/a educador/a recebe o grupo e faz uma dinâmica de apresentação dos/as
participantes e de integração do grupo e apresenta o conteúdo, os objetivos e a
dinâmica da oficina. Informa que a oficina trata da construção histórica dos direi-
tos humanos. Explica que a dinâmica prevê momentos de trabalho pessoal e em
grupo, vai propiciar o aprofundamento da temática, subsidiar o posicionamento e
gerar compromisso prático.
Os objetivos propostos para a oficina são:
• Sensibilizar para a compreensão de que os direitos humanos são construção
histórica;
• Perceber as bases históricas nas quais se sustentam os direitos humanos;
• Identificar os sujeitos e as várias lutas que afirmaram e afirmam os direitos
humanos;
• Compreender as diversas dimensões dos direitos humanos;
• Motivar ao compromisso concreto com a realização dos direitos humanos.

Sensibilização
Este momento tem por finalidade motivar os/as participantes a entrar na temá-
tica da oficina. O/a educador/a apresenta a dinâmica, que consiste na construção
de uma “colcha de retalhos” com a história de vida e dos direitos. Informar que a
dinâmica terá duas partes: a primeira individual e a segunda em grupos.
A primeira parte consiste em pedir a cada participante que faça uma revisão
de memória pessoal e lembre fatos, sentimentos, momentos, situações, vivências,
sonhos, enfim, o que considera representativo de sua vivência no que diz respei-
to aos direitos humanos (tanto aspectos de promoção, quanto de violação). O/a

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educador/a distribui o material de suporte [pedaço de papel - observar que tenha
cores e tamanhos distintos, guache, pincel atômico, linha, agulha e tesoura - pode
ser substituído por papel e cola ou fita crepe] e pede que cada participante ex-
presse o que lembrou através de desenhos, palavras fortes ou recortes de fotos ou
desenhos. Cada participante pode fazer quantos quadros entender necessários.
Quando os/as participantes tiverem concluído a tarefa, o/a educador/a pede que
os/as participantes formem um círculo no centro da sala e que cada um apresente
o que produziu. Cada participante vai afixando seu “retalho” ao do colega, com au-
xílio do/a educador/a, formando uma “colcha” que vai sendo organizada no chão,
no centro da sala.
A segunda parte consiste em construir a história coletiva. Para tal, o/a educa-
dor/a formará grupos com até quatro participantes. Pede que conversem e lem-
brem fatos, momentos, situações, vivências, sonhos, enfim, o que consideram
representativos da história coletiva (da comunidade, da cidade, do país, da huma-
nidade) no que diz respeito aos direitos humanos (tanto aspectos de promoção,
quanto de violação). Distribui material de suporte e pede que cada grupo expresse
o que lembrou através de desenhos, palavras fortes ou recortes de fotos. Cada
grupo pode fazer quantos quadros entender necessários. Quando os grupos tive-
rem concluído a tarefa, o/a educador pede que seja novamente formado um círcu-
lo no centro da sala, ao redor da “colcha” já construída na parte anterior. Pede que
cada grupo afixe seu “retalho” à “colcha” já formada, completando-a.
O/a educador/a pede que cada participante percorra, em silêncio, toda a “col-
cha” e observe o que a compõe. Observa, para finalizar, que, assim como a história
pessoal, a história comum vai sendo feita com a participação direta de cada pes-
soa. Ademais, que o conjunto é fruto da maneira como cada um/a e cada grupo
contribui para o que é comum – o que é comum vai dando um sentido novo ao
que é a história pessoal e de cada grupo específico. Se entender conveniente, o/a
educador/a pode franquear a palavra para que os/as participantes façam comen-
tários. Lembrar que o momento não é de debate e aprofundamento.

Pergunta Orientadora
Este momento tem por finalidade sistematizar o eixo orientador da reflexão a
ser feita na oficina. O/a educador toma em conta o que os/as participantes apre-
sentaram, faz questionamentos. Importante que sejam feitos de forma pausada e
direta. Sugere-se que anote a pergunta chave numa tarjeta de papel e a afixe para
que possa ser vista por todos/as.
Sugere-se que a pergunta orientadora principal seja:

Como, quando, onde e quem vai construindo os direitos humanos?

É sobre essa questão que será feito o aprofundamento nos momentos seguintes.
Os materiais são retirados do centro da sala e os/as participantes convidados/
as a ocuparem seus lugares. Fica em local de destaque somente a pergunta moti-
vadora e a “colcha”.

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Caminhos e Possibilidades
O momento tem por objetivo fazer o aprofundamento da questão apresenta-
da no momento anterior. Para tal, o/a educador/a retoma a pergunta e constrói
uma reflexão apontando alternativas de compreensão e abrindo indicativamente
possibilidades críticas. Sugere-se que este momento seja feito através de uma ex-
posição dialogada.
A questão exigirá a reconstrução crítica da história dos direitos humanos to-
mando em conta a história pessoal dos/as participantes e também a história das
ações comunitárias ou da organização da qual faz parte o/a participante. O fun-
damental é que seja feita a integração entre as histórias pessoais e o processo
histórico mais amplo a fim de que cada um/a se sinta parte do todo e o todo seja
compreendido como parte da vida de cada um/a. Ressaltar o processo histórico
de afirmação dos direitos humanos contemplando as lutas dos sujeitos e também
o processo formal (normativo de proclamação dos direitos). Situar o global, mas
também o continental e nacional. Utilizar imagens de acontecimentos históricos
referenciais como subsídios para colaborar na reflexão.
Para a construção da reflexão o/a educador/a pode tomar como subsídio os
textos que estão na segunda parte deste Caderno e/ou outros que considerar ade-
quados. Importante que todos os pontos apresentados sejam feitos de forma clara
e consistente. Para que isso aconteça é essencial que o/a educador/a motive os/
as participantes a perguntar, sendo que sua postura principal neste momento é a
apresentação de subsídios para a compreensão da história dos direitos humanos.
O momento de posicionamento é o seguinte.

Posicionamento
Este momento tem por finalidade produzir uma síntese pessoal (e se possível
do grupo). Pretende-se que, com base nos diversos caminhos e possibilidades de
compreensão apresentados no momento anterior, cada participante (e se possível
o grupo) construa seu próprio posicionamento. Para tal, o/a educador/a coordena
o processo que terá os seguintes passos: a) iniciar pedindo que cada um/a pense
por alguns minutos e depois anote em uma tarjeta de papel uma resposta pessoal
para a pergunta orientadora; b) o/a educador/a posiciona a tarjeta na qual está a
pergunta e, abaixo dela cada educando/a fixa sua resposta; c) o/a educador/a pede
que todos/as, em silêncio, leiam o conjunto das respostas. Caso haja maturidade
no grupo para a construção de um posicionamento comum, a dinâmica segue; do
contrário, pode-se passar para o momento seguinte.
Em caso de seguimento: a) o/a educador/a pede que cada um anote possíveis
convergências e divergências entre as posições apresentadas; b) cada educando/a
retira a tarjeta com a resposta que havia construído no momento anterior; c) for-
ma grupos com três participantes e pede que juntos construam uma única respos-
ta para a pergunta orientadora; d) forma um novo grupo que será composto por
um participante de cada um dos grupos da primeira fase deste momento (serão
formados somente três grupos) e pede que cada pessoa apresente aos demais o

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que havia acumulado no grupo anterior; e) feitos os esclarecimentos, o grupo é
chamado a construir uma única resposta à pergunta orientadora (para isso pode-
-se partir daquela que melhor representa a posição do grupo ou então formular
uma nova) – esta resposta é anotada numa tarjeta; f) o/a educador reposiciona a
tarjeta com a pergunta orientadora e então cada um dos três grupos apresenta a
tarjeta com a resposta que foi construída, que é afixada abaixo da tarjeta na qual
está a pergunta orientadora.
Caso queira, o/a educador/a pode fazer comentários a fim de mostrar as con-
vergências e divergências que eventualmente aparecerem, sem, contudo, preten-
der impor sua posição. Cabe-lhe, caso seja necessário, retomando o conjunto do
processo realizado, fazer problematizações novas como sugestão de continuidade
de reflexão em outros momentos.

Compromisso e Encerramento
Este é o momento final da oficina e visa ao encerramento da atividade com a
construção de um compromisso prático dos/as participantes com a continuidade
da reflexão e com o desenvolvimento de atitudes concretas. Para tal, o/a educa-
dor/a pede que os/as participantes formem uma roda no centro da sala.
Em seguida, pede que cada participante reflita sobre a seguinte questão: o que
a oficina que realizamos motiva a fazer em minha vida e o que me motiva a fazer
junto com os/as outros/as? Pede que cada participante resuma sua resposta em
algumas palavras. Em seguida, os/as participantes são convidados a se dar as mãos
e a dizer as palavras que cada um/a escolheu.
O/a educador/a conclui realçando que as palavras ditas são expressão do com-
promisso pessoal. Agradece a todos/as pela presença e convida para a participa-
ção na próxima oficina (caso houver).

OBS: Solicita-se que o/a educador/a fique atento para a necessidade de providenciar o
material necessário, conforme a indicação ao longo de cada momento da oficina.

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OFICINA 3

Direitos humanos | Concepção

Motivação
O/a educador/a recebe o grupo e faz uma dinâmica de apresentação dos/as
participantes e de integração do grupo. Apresenta o conteúdo, os objetivos e a
dinâmica da oficina. Informa que a oficina trata das concepções de direitos hu-
manos. Explica que a dinâmica prevê momentos de trabalho pessoal e em grupo,
vai propiciar o aprofundamento da temática, subsidiar o posicionamento e gerar
compromisso prático.
Os objetivos propostos para a oficina são:
• Sensibilizar para a compreensão do significado dos direitos humanos;
• Perceber a diversidade de compreensões dos direitos humanos e suas impli-
cações;
• Conhecer várias concepções de direitos humanos;
• Construir uma concepção própria de direitos humanos;
• Motivar ao compromisso concreto com a promoção dos direitos humanos.

Sensibilização
Este momento tem por finalidade motivar os/as participantes a entrar na te-
mática da oficina. O/a educador/a organiza os/as participantes em seis grupos e
entrega uma tarjeta na qual está uma frase comum que traduz a ideia de direitos
humanos para cada um dos grupos. Sugere-se que as frases para as tarjetas sejam
as seguintes: 1) “Direitos Humanos são só para os ‘humanos direitos’, por isso não
incluem certos tipos de pessoas (bandidos e marginais, por exemplo)”; 2) “Direi-
tos Humanos nascem com cada pessoa e não podem ser mudados, só devem ser
respeitados”; 3) “Direitos Humanos são direitos de todas as pessoas e incluem to-
das e cada pessoa, independente do que têm, da cor da pele, do sexo, da idade”;
4) “Direitos Humanos são as conquistas pata todos/as, mas resultantes das lutas

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feitas pelas vítimas de violações que querem viver com dignidade”; 5) “Direitos
Humanos são a afirmação dos sujeitos de direitos como seres de dignidade como
valor próprio”; 6) “Direitos Humanos são só os valores e preceitos definidos nos
códigos legislativos com força vinculativa (“letra da lei”)”.
O grupo é chamado a se pronunciar dizendo se a frase proposta: a) “tem tudo
a ver”; b) “tem nada a ver”; c) “tem em parte a ver” com o que pensa serem os di-
reitos humanos. Pede também que o grupo justifique a alternativa que escolheu.
Em seguida, os/as participantes são chamados a formar um círculo e o/a edu-
cador/a pede que cada grupo ponha a tarjeta com a alternativa escolhida no chão,
no centro da roda. Os/as participantes são convidados a lerem todas as tarjetas,
em silêncio.
Em seguida, o/a educador/a motiva para que os grupos falem sobre o que con-
versaram (sugere-se este momento seja breve). O/a educador/a anota as ideias
principais que são apresentadas para servirem de subsídio nos momentos poste-
riores da oficina.

Pergunta Orientadora
Este momento tem por finalidade sistematizar o eixo orientador da reflexão
a ser feita na oficina. O/a educador/a, toma em conta o que os/as participantes
apresentaram, faz alguns questionamentos. Importante que sejam feitos de forma
pausada e direta. Sugere-se que a pergunta chave seja anotada numa tarjeta de
papel em cor diferente das tarjetas do primeiro momento, de tal forma que possa
ser vista por todos/as, sendo que, ao finalizar a apresentação, põe a tarjeta com a
questão principal sobre as tarjetas da primeira tarefa.
Sugere-se que a pergunta orientadora principal seja:

O que são direitos humanos?

É sobre essa questão que será feito o aprofundamento nos passos seguintes.
Os materiais são retirados do centro da sala e os/as participantes convidados/as a
ocuparem seus lugares. Fica em local de destaque somente a pergunta motivadora.

Caminhos e Possibilidades
O momento tem por objetivo fazer o aprofundamento da questão apresenta-
da no momento anterior. Para tal, o/a educador/a retoma a pergunta e constrói
uma reflexão apontando alternativas de compreensão e abrindo indicativamente
possibilidades críticas. Sugere-se que este momento seja feito através de uma ex-
posição dialogada.
A questão exigirá a construção de uma noção, uma concepção, de direitos hu-
manos [e, pelo reverso, uma noção do que não são os direitos humanos]. Sugere-
-se, para isso que sejam retomadas e afastadas aquelas formas de compreensão

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dos direitos humanos que são negadoras dos direitos e, em seguida, sejam tra-
zidas outras compreensões afirmativas de direitos humanos, sempre problema-
tizando umas e outras. A reconstrução de posições acadêmicas defendidas por
pensadores/as referenciais de direitos humanos é possível dentro dos limites de
uma exposição deste tipo, porém sempre de forma comparativa pois não se trata
de apresentar uma única compreensão dos direitos humanos. A exposição deve
mostrar que há várias compreensões de direitos humanos e que o fato de serem
várias deveria levar a que cada participante aprofunde as alternativas e, com base
nisso, construa uma concepção própria de direitos humanos.
Para a construção da reflexão o/a educador/a pode tomar como subsídio os
textos que estão na segunda parte deste Caderno e/ou outros que considerar ade-
quados. Importante que todos os pontos apresentados sejam feitos de forma clara
e consistente. Para que isso aconteça é essencial que o/a educador/a motive os/
as participantes a perguntar, sendo que sua postura principal neste momento é a
apresentação de várias alternativas de concepção dos direitos humanos. O mo-
mento de posicionamento é o seguinte.

Posicionamento
Este momento tem por finalidade produzir uma síntese pessoal (e se possível
do grupo). Pretende-se que, com base nos diversos caminhos e possibilidades de
compreensão apresentados no momento anterior, cada participante (e se possível
o grupo) construa seu próprio posicionamento. Para tal, o/a educador/a coordena
o processo que terá os seguintes passos: a) iniciar pedindo que cada um/a pense
por alguns minutos e depois anote em uma tarjeta de papel uma resposta pessoal
para a pergunta orientadora; b) o/a educador/a posiciona a tarjeta na qual está a
pergunta e, abaixo dela cada educando/a fixa sua resposta; c) o/a educador/a pede
que todos/as, em silêncio, leiam o conjunto das respostas. Caso haja maturidade
no grupo para a construção de um posicionamento comum, a dinâmica segue; do
contrário, pode-se passar para o momento seguinte.
Em caso de seguimento: a) o/a educador/a pede que cada um anote possíveis
convergências e divergências entre as posições apresentadas; b) cada educando/a
retira a tarjeta com a resposta que havia construído no momento anterior; c) for-
ma grupos com três participantes e pede que juntos construam uma única respos-
ta para a pergunta orientadora; d) forma um novo grupo que será composto por
um participante de cada um dos grupos da primeira fase deste momento (serão
formados somente três grupos) e pede que cada pessoa apresente aos demais o
que havia acumulado no grupo anterior; e) feitos os esclarecimentos, o grupo é
chamado a construir uma única resposta à pergunta orientadora (para isso pode-
-se partir daquela que melhor representa a posição do grupo ou então formular
uma nova) – esta resposta é anotada numa tarjeta; f) o/a educador reposiciona a
tarjeta com a pergunta orientadora e então cada um dos três grupos apresenta a
tarjeta com a resposta que foi construída, que é afixada abaixo da tarjeta na qual
está a pergunta orientadora.

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Caso queira, o/a educador/a pode fazer comentários a fim de mostrar as con-
vergências e divergências que eventualmente aparecerem, sem, contudo, preten-
der impor sua posição. Cabe-lhe, caso seja necessário, retomando o conjunto do
processo realizado, fazer problematizações novas como sugestão de continuidade
de reflexão em outros momentos.

Compromisso e Encerramento
Este é o momento final da oficina e visa ao encerramento da atividade com a
construção de um compromisso prático dos/as participantes com a continuidade
da reflexão e com o desenvolvimento de atitudes concretas. Para tal, o/a educa-
dor/a pede que os/as participantes formem uma roda no centro da sala.
Em seguida, pede que cada participante reflita sobre a seguinte questão: o que
a oficina que realizamos motiva a fazer em minha vida e o que me motiva a fazer
junto com os/as outros/as? Pede que cada participante resuma sua resposta em
algumas palavras. Em seguida, os/as participantes são convidados a se dar as mãos
e a dizer as palavras que cada um/a escolheu.
O/a educador/a conclui realçando que as palavras ditas são expressão do com-
promisso pessoal. Agradece a todos/as pela presença e convida para a participa-
ção na próxima oficina (caso houver).

OBS: Solicita-se que o/a educador/a fique atento para a necessidade de providenciar o
material necessário, conforme a indicação ao longo de cada momento da oficina.
OFICINA 4

Direitos humanos | Justificativa

Motivação
O/a educador/a recebe o grupo e faz uma dinâmica de apresentação dos/as
participantes e de integração do grupo e apresenta o conteúdo, os objetivos e
a dinâmica da oficina. Informa que a oficina trata de aprofundar o “porquê” dos
direitos humanos. Explica que a dinâmica prevê momentos de trabalho pessoal e
em grupo, vai propiciar o aprofundamento da temática, subsidiar o posicionamen-
to e gerar compromisso prático.
Os objetivos propostos para a oficina são:
• Sensibilizar para a compreensão dos motivos que justificam os direitos hu-
manos;
• Identificar os princípios que sustentam os direitos humanos;
• Motivar ao compromisso concreto com a defesa dos direitos humanos.

Sensibilização
Este momento tem por finalidade motivar os/as participantes a entrar na te-
mática da oficina. O/a educador/a forma grupos para cada uma das frases abaixo.
Em cada frase, orientará para que se forme um subgrupo para ser a favor e o outro
para ser contra a frase que entrega ao grupo. Sugere-se que as frases para as tarje-
tas sejam as seguintes: 1) “Há Direitos Humanos porque estão previstos na Cons-
tituição Federal e na Legislação, o que faz as pessoas serem cidadãs, já que são
parte de uma comunidade política”; 2) ”É da natureza própria do ser humano ter
Direitos Humanos, todos/as nascem com direitos”; 3) “Direitos Humanos existem
porque são construídos ao longo da história com base nas lutas dos pobres e opri-
midos que se organizam lutam para enfrentar a opressão, a exploração e todas as
formas de violação, exigindo direitos para todos/as”; 4) “Direitos Humanos existem
porque as pessoas querem ser respeitadas e reconhecidas como seres humanos
pelo fato de serem pessoas, independentemente de sua etnia, de seu sexo, de sua
idade, de sua condição social”.

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Cada grupo constrói argumentos sobre a frase conforme orientado. Uma pes-
soa do subgrupo anota todos os argumentos apresentados. Em seguida, os dois
subgrupos de cada frase são juntados e cada um apresenta os argumentos que
acumulou. Depois de ouvir e compreender os argumentos uns/umas dos/as ou-
tros/as, os/as participantes são chamados a se manifestar se concordam ou discor-
dam dos argumentos apresentados pelo subgrupo do qual não participaram, sem-
pre justificando o porquê. Ao final deste exercício, sugere-se que o grupo escolha
até dois argumentos a favor e dois contra que são os que melhor representam a
posição de todos/as. Os argumentos escolhidos são anotados em tarjeta. Impor-
tante notar que este momento exige que uns/umas se ponham no lugar dos/as
outros/as, o que requer abertura crítica.
O/a educador/a afixa a tarjeta com a frase que orientou o trabalho em cada
grupo e pede que os/as participantes formem um círculo único e que apresentem
as tarjetas com os argumentos a favor e contra que foram escolhidos e as afixe
sob a frase respectiva. Os/as participantes, em silêncio, lêem todas as tarjetas. Em
seguida, o/a educador/a abre um espaço para esclarecimentos para que todos/as
compreendam bem o que está anotado nas tarjetas. Observar que não se trata de
posicionamento ou de debate sobre o que foi apresentado pelos grupos.

Pergunta Orientadora
Este momento tem por finalidade sistematizar o eixo orientador da reflexão
a ser feita na oficina. O/a educador, tomando em conta o que os/as participantes
apresentaram, faz alguns questionamentos. Importante que sejam feitos de forma
pausada e direta. Sugere-se que anote a pergunta chave numa tarjeta de papel em
cor diferente das tarjetas do primeiro momento, de tal forma que possa ser vista
por todos/as, sendo que, ao finalizar a apresentação, põe a tarjeta com a questão
principal sobre as tarjetas da primeira tarefa.
Sugere-se que a pergunta orientadora principal seja:

Por que direitos humanos?

É sobre essa questão que será feito o aprofundamento nos passos seguintes.
Os materiais são retirados do centro da sala e os/as participantes convidados/as a
ocuparem seus lugares. Fica em local de destaque somente a pergunta motivadora.

Caminhos e Possibilidades
O momento tem por objetivo fazer o aprofundamento da questão apresenta-
da no momento anterior. Para tal, o/a educador/a retoma a pergunta e constrói
uma reflexão apontando alternativas de compreensão e abrindo indicativamente
possibilidades críticas. Sugere-se que este momento seja feito através de uma ex-
posição dialogada.

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A questão exigirá a construção de argumentos que justifiquem de forma con-
sistente os direitos humanos de forma que estes argumentos base da defesa dos
direitos humanos. Necessário mostrar a importância de distinguir o que são bons
motivos ou bons argumentos para sustentar os direitos humanos, daqueles que
são superficiais ou que apresentam alternativas inadequadas. Ressaltar a impor-
tância da abertura crítica para a compreensão dos argumentos dos outros a fim de
que se estabeleça debate crítico. Também ressaltar que quanto mais consistentes
e críticos forem os argumentos, mais chance de aprofundar e aperfeiçoar a adesão
aos direitos humanos.
Para a construção da reflexão o/a educador/a pode tomar como subsídio os
textos que estão na segunda parte deste Caderno e/ou outros que considerar ade-
quados. Importante que todos os pontos apresentados sejam feitos de forma clara
e consistente. Para que isso aconteça é essencial que o/a educador/a motive os/
as participantes a perguntar, sendo que sua postura principal neste momento é a
apresentação de várias alternativas de justificação dos direitos humanos. O mo-
mento de posicionamento é o seguinte.

Posicionamento
Este momento tem por finalidade produzir uma síntese pessoal (e se possível
do grupo). Pretende-se que, com base nos diversos caminhos e possibilidades de
compreensão apresentados no momento anterior, cada participante (e se possível
o grupo) construa seu próprio posicionamento. Para tal, o/a educador/a coordena
o processo que terá os seguintes passos: a) iniciar pedindo que cada um/a pense
por alguns minutos e depois anote em uma tarjeta de papel uma resposta pessoal
para a pergunta orientadora; b) o/a educador/a posiciona a tarjeta na qual está a
pergunta e, abaixo dela cada educando/a fixa sua resposta; c) o/a educador/a pede
que todos/as, em silêncio, leiam o conjunto das respostas. Caso haja maturidade
no grupo para a construção de um posicionamento comum, a dinâmica segue; do
contrário, pode-se passar para o momento seguinte.
Em caso de seguimento: a) o/a educador/a pede que cada um anote possíveis
convergências e divergências entre as posições apresentadas; b) cada educando/a
retira a tarjeta com a resposta que havia construído no momento anterior; c) for-
ma grupos com três participantes e pede que juntos construam uma única respos-
ta para a pergunta orientadora; d) forma um novo grupo que será composto por
um participante de cada um dos grupos da primeira fase deste momento (serão
formados somente três grupos) e pede que cada pessoa apresente aos demais o
que havia acumulado no grupo anterior; e) feitos os esclarecimentos, o grupo é
chamado a construir uma única resposta à pergunta orientadora (para isso pode-
-se partir daquela que melhor representa a posição do grupo ou então formular
uma nova) – esta resposta é anotada numa tarjeta; f) o/a educador reposiciona a
tarjeta com a pergunta orientadora e então cada um dos três grupos apresenta a
tarjeta com a resposta que foi construída, que é afixada abaixo da tarjeta na qual
está a pergunta orientadora.

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Caso queira, o/a educador/a pode fazer comentários a fim de mostrar as con-
vergências e divergências que eventualmente aparecerem, sem, contudo, preten-
der impor sua posição. Cabe-lhe, caso seja necessário, retomando o conjunto do
processo realizado, fazer problematizações novas como sugestão de continuidade
de reflexão em outros momentos.

Compromisso e Encerramento
Este é o momento final da oficina e visa ao encerramento da atividade com a
construção de um compromisso prático dos/as participantes com a continuidade
da reflexão e com o desenvolvimento de atitudes concretas na defesa dos direitos
humanos. Para tal, o/a educador/a pede que os/as participantes formem uma roda
no centro da sala.
Em seguida, pede que cada participante reflita sobre a seguinte questão: o que
a oficina que realizamos motiva a fazer em minha vida e o que me motiva a fazer
junto com os/as outros/as? Pede que cada participante resuma sua resposta em
algumas palavras. Em seguida, os/as participantes são convidados a se dar as mãos
e a dizer as palavras que cada um/a escolheu.
O/a educador/a conclui realçando que as palavras ditas são expressão do com-
promisso pessoal. Agradece a todos/as pela presença e convida para a participa-
ção na próxima oficina (caso houver).

OBS: Solicita-se que o/a educador/a fique atento para a necessidade de providenciar o
material necessário, conforme a indicação ao longo de cada momento da oficina.
OFICINA 5

Direitos humanos | Finalidade

Motivação
O/a educador/a recebe o grupo e faz uma dinâmica de apresentação dos/as
participantes e de integração do grupo e apresenta o conteúdo, os objetivos e a
dinâmica da oficina. Informa que a oficina trata do “para quê” os direitos huma-
nos. Explica que a dinâmica prevê momentos de trabalho pessoal e em grupo,
vai propiciar o aprofundamento da temática, subsidiar o posicionamento e gerar
compromisso prático.
Os objetivos propostos para a oficina são:
• Sensibilizar para a compreensão da finalidade dos direitos humanos;
• Subsidiar para a compreensão da dimensão utópica dos direitos humanos;
• Motivar para o compromisso com a construção concreta dos direitos humanos.

Sensibilização
Este momento tem por finalidade motivar os/as participantes a entrar na temá-
tica da oficina. Para tal sugere-se a seguinte dinâmica. O/a educador/a sugere aos/
às participantes que reflitam sobre como gostariam que fosse o mundo, como gos-
tariam que fossem os seres humanos, como gostariam que fosse sua própria vida.
Em seguida, pede que sejam formados grupos com três ou quatro componentes e
que cada participante troque com os demais os elementos sobre os quais refletiu.
O grupo, com base nas contribuições de cada componente, é chamado a dese-
nhar o sonho coletivo. O grupo deve traduzir este sonho num desenho que deve
ser construído por todos/as os/as participantes e representado graficamente numa
cartolina.
Os/as participantes depositam as cartolinas com seus desenhos no centro da
sala e se posicionam num grande círculo ao redor de todos os desenhos. Em silêncio,

25 |
todos fazem a visita e observam todos os desenhos. Depois disso, o/a educador
convida os/as participantes a expressarem com palavras (uma só palavra, se possí-
vel) o seu sonho. Depois de expressar esta palavra, cada participante a escreve com
pincel atômico em uma folha de ofício que é depositada ao redor dos desenhos.

Pergunta Orientadora
Este momento tem por finalidade sistematizar o eixo orientador da reflexão
a ser feita na oficina. O/a educador motiva a relação entre o sonho e os direitos
humanos e a construção coletiva do sonho, relembrando o poema “Sonho que se
sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realida-
de” e apresenta a pergunta orientadora da oficina.
Sugere-se que a pergunta orientadora principal seja:

Para que direitos humanos?

É sobre essa questão que será feito o aprofundamento nos passos seguintes.
Os materiais são retirados do centro da sala e os/as participantes convidados/
as a ocuparem seus lugares. Fica em local de destaque somente a pergunta moti-
vadora.

Caminhos e Possibilidades
O momento tem por objetivo fazer o aprofundamento da questão apresenta-
da no momento anterior. Para tal, o/a educador/a retoma a pergunta e constrói
uma reflexão apontando alternativas de compreensão e abrindo indicativamente
possibilidades críticas. Sugere-se que este momento seja feito através de uma ex-
posição dialogada.
O aprofundamento deverá fazer uma reflexão sobre a finalidade, o para quê
dos direitos humanos. Para isso, segure-se relacionar os direitos humanos à utopia
e à importância da utopia no processo de construção de lutas por transformação da
realidade histórica. Relacionar direitos humanos às lutas de resistência e aos proces-
sos de construção de alternativas, procurando ressaltar a dimensão emancipatória
dos direitos humanos. Realçar a importância dos direitos humanos como luta para
que a dignidade humana seja respeitada e para que todas e cada uma das pessoas
tenha acesso e usufruto dos bens para o bem viver e promover o reconhecimento
de cada pessoa como quer ser e não como as outras gostariam que ela fosse
Para a construção da reflexão o/a educador/a pode tomar como subsídio os
textos que estão na segunda parte deste Caderno e/ou outros que considerar ade-
quados. Importante que todos os pontos apresentados sejam feitos de forma clara
e consistente. Para que isso aconteça é essencial que o/a educador/a motive os/
as participantes a perguntar, sendo que sua postura principal neste momento é a
apresentação de várias alternativas de justificação dos direitos humanos. O mo-
mento de posicionamento é o seguinte.

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Posicionamento
Este momento tem por finalidade produzir uma síntese pessoal (e se possível
do grupo). Pretende-se que, com base nos diversos caminhos e possibilidades de
compreensão apresentados no momento anterior, cada participante (e se possível
o grupo) construa seu próprio posicionamento. Para tal, o/a educador/a coordena
o processo que terá os seguintes passos: a) iniciar pedindo que cada um/a pense
por alguns minutos e depois anote em uma tarjeta de papel uma resposta pessoal
para a pergunta orientadora; b) o/a educador/a posiciona a tarjeta na qual está a
pergunta e, abaixo dela cada educando/a fixa sua resposta; c) o/a educador/a pede
que todos/as, em silêncio, leiam o conjunto das respostas. Caso haja maturidade
no grupo para a construção de um posicionamento comum, a dinâmica segue; do
contrário, pode-se passar para o momento seguinte.
Em caso de seguimento: a) o/a educador/a pede que cada um anote possíveis
convergências e divergências entre as posições apresentadas; b) cada educando/a
retira a tarjeta com a resposta que havia construído no momento anterior; c) for-
ma grupos com três participantes e pede que juntos construam uma única respos-
ta para a pergunta orientadora; d) forma um novo grupo que será composto por
um participante de cada um dos grupos da primeira fase deste momento (serão
formados somente três grupos) e pede que cada pessoa apresente aos demais o
que havia acumulado no grupo anterior; e) feitos os esclarecimentos, o grupo é
chamado a construir uma única resposta à pergunta orientadora (para isso pode-
-se partir daquela que melhor representa a posição do grupo ou então formular
uma nova) – esta resposta é anotada numa tarjeta; f) o/a educador reposiciona a
tarjeta com a pergunta orientadora e então cada um dos três grupos apresenta a
tarjeta com a resposta que foi construída, que é afixada abaixo da tarjeta na qual
está a pergunta orientadora.
Caso queira, o/a educador/a pode fazer comentários a fim de mostrar as con-
vergências e divergências que eventualmente aparecerem, sem, contudo, preten-
der impor sua posição. Cabe-lhe, caso seja necessário, retomando o conjunto do
processo realizado, fazer problematizações novas como sugestão de continuidade
de reflexão em outros momentos.

Compromisso e Encerramento
Este é o momento final da oficina e visa ao encerramento da atividade com a
construção de um compromisso prático dos/as participantes com a continuidade
da reflexão e com o desenvolvimento de atitudes concretas na defesa dos direitos
humanos. Para tal, o/a educador/a pede que os/as participantes formem uma roda
no centro da sala.
Em seguida, pede que cada participante reflita sobre a seguinte questão: o que
a oficina que realizamos motiva a fazer em minha vida e o que me motiva a fazer
junto com os/as outros/as? Pede que cada participante resuma sua resposta em
algumas palavras. Em seguida, os/as participantes são convidados a se dar as mãos
e a dizer as palavras que cada um/a escolheu.

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O/a educador/a conclui realçando que as palavras ditas são expressão do com-
promisso pessoal. Agradece a todos/as pela presença e convida para a participa-
ção na próxima oficina (caso houver).

OBS: Solicita-se que o/a educador/a fique atento para a necessidade de providenciar o
material necessário, conforme a indicação ao longo de cada momento da oficina.
OFICINA 6

Direitos humanos | Sujeito de direitos

Motivação
O/a educador/a recebe o grupo e faz uma dinâmica de apresentação dos/as
participantes e de integração do grupo e apresenta o conteúdo, os objetivos e a
dinâmica da oficina. Informa que a oficina trata do sujeito de direitos humanos.
Explica que a dinâmica prevê momentos de trabalho pessoal e em grupo, vai pro-
piciar o aprofundamento da temática, subsidiar o posicionamento e gerar compro-
misso prático.
Os objetivos propostos para a oficina são:
• Sensibilizar sobre a transubjetividade dos direitos humanos;
• Identificar a diversidade de sujeitos de direitos humanos;
• Motivar para a ação de promoção do reconhecimento dos diversos sujeitos
de direitos humanos.

Sensibilização
Este momento tem por finalidade motivar os/as participantes a entrar na temá-
tica da oficina. O/a educador/a pede que cada participante liste as várias diversi-
dades que marcam a vida humana de forma a desenhar a “ecologia” humana; por
outro lado, pede que cada participante pense como seria o mundo se tudo fosse
mesmice, fosse “monocultura”. Em seguida forma grupos com composição par,
pede que cada grupo se subdivida em dois subgrupos com igual número de com-
ponentes. Um dos subgrupos se encarrega de representar a diversidade humana
usando para isso cores, palavras, fotos e outros recursos gráficos; o outro se en-
carrega de representar a uniformidade, a mesmice, também com palavras, fotos e
recursos gráficos. A representação de cada subgrupo deverá ser feita em cartolina
de cor branca. No final do trabalho, cada grupo junta as duas cartolinas de forma
a ficar explícito o contraste.

29 |
As cartolinas de cada grupo são postas no chão, no centro da sala e todos/as
os/as participantes formam um grande círculo ao redor das cartolinas e, em silên-
cio, observam o que cada grupo produziu.
O/a educador pede que os/as participantes manifestem com palavras o que
perceberam a partir dos cartazes produzidos. Observar que não se trata de posi-
cionamento ou de debate sobre o que foi apresentado pelos grupos.

Pergunta Orientadora
Este momento tem por finalidade sistematizar o eixo orientador da reflexão
a ser feita na oficina. O/a educador, tomando em conta o que os/as participantes
apresentaram, faz alguns questionamentos. Importante que sejam feitos de forma
pausada e direta, de forma a convergir para a pergunta orientadora.
Sugere-se que a pergunta orientadora principal seja:

Quem são os sujeitos dos direitos humanos?

É sobre essa questão que será feito o aprofundamento nos passos seguintes.
Os materiais são retirados do centro da sala e os/as participantes convidados/as a
ocuparem seus lugares. Fica em local de destaque somente a pergunta motivadora.

Caminhos e Possibilidades
O momento tem por objetivo fazer o aprofundamento da questão apresenta-
da no momento anterior. Para tal, o/a educador/a retoma a pergunta e constrói
uma reflexão apontando alternativas de compreensão e abrindo indicativamente
possibilidades críticas. Sugere-se que este momento seja feito através de uma ex-
posição dialogada.
A questão exigirá a construção de uma crítica a formas monoculturais de ex-
pressão da subjetividade e à promoção de alternativas que afirmem a diversidade
das subjetividades. Sugere-se que também seja refletido sobre a pluridimensio-
nalidade do sujeito de direitos humanos (singularidade, particularidade e univer-
salidade), a relação entre a subjetividade e a institucionalidade. Pede-se que se-
jam tratadas as especificidades dos diversos sujeitos e as exigências de proteção
necessárias à especificidade de cada sujeito. Também é fundamental trabalhar a
relação entre diversidade e universalidade. Importância de afirmar a perspectiva
da transubjetividade, que apresenta exigências para além da intersubjetividade.
Para a construção da reflexão o/a educador/a pode tomar como subsídio os
textos que estão na segunda parte deste Caderno e/ou outros que considerar ade-
quados. Importante que todos os pontos apresentados sejam feitos de forma clara
e consistente. Para que isso aconteça é essencial que o/a educador/a motive os/
as participantes a perguntar, sendo que sua postura principal neste momento é a
apresentação de várias alternativas de justificação dos direitos humanos. O mo-
mento de posicionamento é o seguinte.

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Posicionamento
Este momento tem por finalidade produzir uma síntese pessoal (e se possível
do grupo). Pretende-se que, com base nos diversos caminhos e possibilidades de
compreensão apresentados no momento anterior, cada participante (e se possível
o grupo) construa seu próprio posicionamento. Para tal, o/a educador/a coordena
o processo que terá os seguintes passos: a) iniciar pedindo que cada um/a pense
por alguns minutos e depois anote em uma tarjeta de papel uma resposta pessoal
para a pergunta orientadora; b) o/a educador/a posiciona a tarjeta na qual está a
pergunta e, abaixo dela cada educando/a fixa sua resposta; c) o/a educador/a pede
que todos/as, em silêncio, leiam o conjunto das respostas. Caso haja maturidade
no grupo para a construção de um posicionamento comum, a dinâmica segue; do
contrário, pode-se passar para o momento seguinte.
Em caso de seguimento: a) o/a educador/a pede que cada um anote possíveis
convergências e divergências entre as posições apresentadas; b) cada educando/a
retira a tarjeta com a resposta que havia construído no momento anterior; c) for-
ma grupos com três participantes e pede que juntos construam uma única respos-
ta para a pergunta orientadora; d) forma um novo grupo que será composto por
um participante de cada um dos grupos da primeira fase deste momento (serão
formados somente três grupos) e pede que cada pessoa apresente aos demais o
que havia acumulado no grupo anterior; e) feitos os esclarecimentos, o grupo é
chamado a construir uma única resposta à pergunta orientadora (para isso pode-
-se partir daquela que melhor representa a posição do grupo ou então formular
uma nova) – esta resposta é anotada numa tarjeta; f) o/a educador reposiciona a
tarjeta com a pergunta orientadora e então cada um dos três grupos apresenta a
tarjeta com a resposta que foi construída, que é afixada abaixo da tarjeta na qual
está a pergunta orientadora.
Caso queira, o/a educador/a pode fazer comentários a fim de mostrar as con-
vergências e divergências que eventualmente aparecerem, sem, contudo, preten-
der impor sua posição. Cabe-lhe, caso seja necessário, retomando o conjunto do
processo realizado, fazer problematizações novas como sugestão de continuidade
de reflexão em outros momentos.

Compromisso e Encerramento
Este é o momento final da oficina e visa ao encerramento da atividade com a
construção de um compromisso prático dos/as participantes com a continuidade
da reflexão e com o desenvolvimento de atitudes concretas na defesa dos direitos
humanos. Para tal, o/a educador/a pede que os/as participantes formem uma roda
no centro da sala.
Em seguida, pede que cada participante reflita sobre a seguinte questão: o que
a oficina que realizamos motiva a fazer em minha vida e o que me motiva a fazer
junto com os/as outros/as? Pede que cada participante resuma sua resposta em
algumas palavras. Em seguida, os/as participantes são convidados a se dar as mãos
e a dizer as palavras que cada um/a escolheu.

31 |
O/a educador/a conclui realçando que as palavras ditas são expressão do com-
promisso pessoal. Agradece a todos/as pela presença e convida para a participa-
ção na próxima oficina (caso houver).

OBS: Solicita-se que o/a educador/a fique atento para a necessidade de providenciar o
material necessário, conforme a indicação ao longo de cada momento da oficina.
OFICINA 7

Direitos humanos | Responsabilidades

Motivação
O/a educador/a recebe o grupo e faz uma dinâmica de apresentação dos/as par-
ticipantes e de integração do grupo e apresenta o conteúdo, os objetivos e a dinâ-
mica da oficina. Informa que a oficina trata das responsabilidades com os direitos
humanos. Explica que a dinâmica prevê momentos de trabalho pessoal e em
grupo, vai propiciar o aprofundamento da temática, subsidiar o posicionamento e
gerar compromisso prático.
Os objetivos propostos para a oficina são:
• Sensibilizar para a responsabilidade prática com os direitos humanos;
• Identificar os diversos agentes e suas responsabilidades em direitos humanos;
• Fortalecer o papel da organização popular e da luta por direitos humanos;
• Sugerir formas de cobrar a responsabilidade dos agentes públicos com direitos
humanos;
• Motivar para a ação responsável em direitos humanos.

Sensibilização
Este momento tem por finalidade motivar os/as participantes a entrar na temá-
tica da oficina. Os/as participantes serão convidados a formar grupos de três ou
quatro pessoas para, com base em materiais, bandeiras, reportagens e outros sub-
sídios, identificar o papel dos movimentos sociais populares na luta por direitos
humanos. A síntese dos debates no grupo é anotada em cartolina. E os materiais
são apresentados ao lado, como forma de ilustrar.
Em seguida as cartolinas e os materiais são depositadas no centro da sala, no
chão, os participantes, fazem um círculo e fazem a leitura em silêncio. Em seguida

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o/a educador/a pede que os/as participantes que tiverem comentários ou comple-
mentações as façam. Observar que não se trata de posicionamento ou de debate
sobre o que foi apresentado pelos grupos.

Pergunta Orientadora
Este momento tem por finalidade sistematizar o eixo orientador da reflexão
a ser feita na oficina. O/a educador, tomando em conta o que os/as participantes
apresentaram, faz alguns questionamentos. Importante que sejam feitos de forma
pausada e direta.
Sugere-se que a pergunta orientadora principal seja:

Quais são e de quem são as responsabilidades com a efetivação


dos direitos humanos?

É sobre essa questão que será feito o aprofundamento nos passos seguintes.
Os materiais são retirados do centro da sala e os/as participantes convidados/
as a ocuparem seus lugares. Fica em local de destaque somente a pergunta moti-
vadora.

Caminhos e Possibilidades
O momento tem por objetivo fazer o aprofundamento da questão apresenta-
da no momento anterior. Para tal, o/a educador/a retoma a pergunta e constrói
uma reflexão apontando alternativas de compreensão e abrindo indicativamente
possibilidades críticas. Sugere-se que este momento seja feito através de uma ex-
posição dialogada.
O/a educador enfatiza as responsabilidades do Estado e dos agentes privados,
além das responsabilidades individuais e, sobretudo, das organizações populares
com os direitos humanos. Realça a importância da organização e da luta como
caminhos para a garantia dos direitos humanos e para que novos direitos sejam
exigidos e criados. Afirma a responsabilidade individual com o respeito aos direi-
tos humanos no sentido de que os direitos de uns/umas e de outros/as se fazem
juntos, em relação [invalidando a ideia de que meu direito vai até onde começa o
direito do outro]. Afirma a responsabilidade do Estado em respeitar [são direitos
dos seres humanos], garantir [reconhecer e agir para que sejam efetivos], promo-
ver [amplamente para todos/as], proteger [evitar risco de violações] e, sobretudo,
realizar todos os direitos de todas as pessoas, além de reparar as vítimas cujos
direitos foram violados. E a responsabilidade das organizações populares da socie-
dade civil para monitorar os compromissos com direitos (do Estado e do merca-
do), cobrar/exigir a realização de todos os direitos e organizar as demandas sociais
por direitos.

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Para a construção da reflexão o/a educador/a pode tomar como subsídio os
textos que estão na segunda parte deste Caderno e/ou outros que considerar ade-
quados. Importante que todos os pontos apresentados sejam feitos de forma clara
e consistente. Para que isso aconteça é essencial que o/a educador/a motive os/
as participantes a perguntar, sendo que sua postura principal neste momento é a
apresentação de várias alternativas de justificação dos direitos humanos. O mo-
mento de posicionamento é o seguinte.

Posicionamento
Este momento tem por finalidade produzir uma síntese pessoal (e se possível
do grupo). Pretende-se que, com base nos diversos caminhos e possibilidades de
compreensão apresentados no momento anterior, cada participante (e se possível
o grupo) construa seu próprio posicionamento. Para tal, o/a educador/a coordena
o processo que terá os seguintes passos: a) iniciar pedindo que cada um/a pense
por alguns minutos e depois anote em uma tarjeta de papel uma resposta pessoal
para a pergunta orientadora; b) o/a educador/a posiciona a tarjeta na qual está a
pergunta e, abaixo dela cada educando/a fixa sua resposta; c) o/a educador/a pede
que todos/as, em silêncio, leiam o conjunto das respostas. Caso haja maturidade
no grupo para a construção de um posicionamento comum, a dinâmica segue; do
contrário, pode-se passar para o momento seguinte.
Em caso de seguimento: a) o/a educador/a pede que cada um anote possíveis
convergências e divergências entre as posições apresentadas; b) cada educando/a
retira a tarjeta com a resposta que havia construído no momento anterior; c) for-
ma grupos com três participantes e pede que juntos construam uma única respos-
ta para a pergunta orientadora; d) forma um novo grupo que será composto por
um participante de cada um dos grupos da primeira fase deste momento (serão
formados somente três grupos) e pede que cada pessoa apresente aos demais o
que havia acumulado no grupo anterior; e) feitos os esclarecimentos, o grupo é
chamado a construir uma única resposta à pergunta orientadora (para isso pode-
-se partir daquela que melhor representa a posição do grupo ou então formular
uma nova) – esta resposta é anotada numa tarjeta; f) o/a educador reposiciona a
tarjeta com a pergunta orientadora e então cada um dos três grupos apresenta a
tarjeta com a resposta que foi construída, que é afixada abaixo da tarjeta na qual
está a pergunta orientadora.
Caso queira, o/a educador/a pode fazer comentários a fim de mostrar as con-
vergências e divergências que eventualmente aparecerem, sem, contudo, preten-
der impor sua posição. Cabe-lhe, caso seja necessário, retomando o conjunto do
processo realizado, fazer problematizações novas como sugestão de continuidade
de reflexão em outros momentos.

Compromisso e Encerramento
Este é o momento final da oficina e visa ao encerramento da atividade com a
construção de um compromisso prático dos/as participantes com a continuidade

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da reflexão e com o desenvolvimento de atitudes concretas na defesa dos direitos
humanos. Para tal, o/a educador/a pede que os/as participantes formem uma roda
no centro da sala.
Em seguida, pede que cada participante reflita sobre a seguinte questão: o que
a oficina que realizamos motiva a fazer em minha vida e o que me motiva a fazer
junto com os/as outros/as? Pede que cada participante resuma sua resposta em
algumas palavras. Em seguida, os/as participantes são convidados a se dar as mãos
e a dizer as palavras que cada um/a escolheu.
O/a educador/a conclui realçando que as palavras ditas são expressão do com-
promisso pessoal. Agradece a todos/as pela presença e convida para a participa-
ção na próxima oficina (caso houver).

OBS: Solicita-se que o/a educador/a fique atento para a necessidade de providenciar o
material necessário, conforme a indicação ao longo de cada momento da oficina.
SUBSÍDIOS
DIREITOS HUMANOS 100% JÁ!

Direitos Humanos é uma daquelas questões que não se coaduna com meias
verdades, com posicionamento neutro e, muito menos, com realização parcial.
Por isso, direitos humanos 100% já, como quer a campanha coordenada pelo Ins-
tituto de Acesso à Justiça (IAJ). Por quê?
Porque não dá para defender direitos humanos somente dos humanos direitos.
Ora, direitos humanos são direitos de todas as pessoas ou não são direitos huma-
nos. Afinal, direitos humanos são universais. São direitos de toda gente, de todo
tipo de gente, de gente sem tipo, simplesmente gente.
Mas, reconhecer a diversidade e a pluralidade é o desafio. Ora, é possível res-
peitar a todos/as e a cada um/a em sua singularidade, sua particularidade e sua
universalidade. Afinal, cada ser humano é um sujeito de direitos que se faz sujeito
na interação concreta com os outros humanos.
Porque não dá para sustentar que há direitos líquidos e certos e direitos que
dependem da vontade dos governos ou das sobras do superávit primário. Ora, to-
dos os direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais
e...) são direitos humanos, indivisíveis e interdependentes. Afinal, direitos huma-
nos são de cada pessoa, intransferíveis e indisponíveis.
Mas, é possível compreender que a realização dos direitos humanos ocorre no
contexto histórico, suscetível aos conflitos e às contradições nele existentes. Ora,
direitos humanos são, a um só tempo, patrimônio normativo, parâmetro político e
exigência histórica a orientar os arranjos sociais e políticos. Afinal, identificar con-
flitos, ponderar demandas e pactuar prioridades são necessidades permanentes,
nunca para protelar ou para ignorar.
Porque não dá para aceitar que os direitos humanos sejam lembrados somen-
te quando há vítimas de sua violação. Ora, os direitos humanos exigem vigência
permanente na vida de cada uma e de todas as pessoas, ou não estarão sendo res-
peitados. Afinal, direitos humanos exigem realização integral, com promoção de
todos os direitos, proteção dos direitos dos vulneráveis e reparação/restauração às
vítimas das violações.
Mas, é também necessário aprender da própria prática. Ora, monitorar e ava-
liar compromissos em direitos humanos é papel chave da sociedade civil; é dever
exigir do Estado que respeite e realize os direitos humanos. Afinal, é assim que se
poderá avançar na construção de condições mais propícias para efetivar todos os
direitos humanos.
Defender direitos humanos 100% já é manter mobilizada a indignação e a so-
lidariedade, bases de uma cultura de direitos humanos capaz de gerar novas sub-
jetividades e novas institucionalidades, a fim de afirmar e confirmar sujeitos de
direitos. Este é o desafio maior para todos/as quantos/as não abrem mão de dizer,
cada vez com mais força: Direitos Humanos 100% já!

Publicado no Jornal ZERO HORA, Porto Alegre, RS, 02/12/2005. p. 23.

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DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: CONTEXTO PLURAL E
COMPLEXO

O contexto geral que marca a luta pelos direitos humanos é plural e comple-
xo. Nele novos sujeitos de direitos comparecem ao espaço público e configuram
compreensões e agendas, além de novas lutas que, de alguma forma, se somam
àquelas permanentes. Isso porque, em direitos humanos, a diversidade dos su-
jeitos em luta, seja por reconhecimento, seja por bens, é marca estruturante e se
traduz em agendas que radicam na exigência de condições e oportunidades para
que a dignidade humana seja efetivada no cotidiano da vida de cada uma e de
todas as pessoas.
Em termos gerais, salvos os grandes esforços sociais e das políticas governa-
mentais no sentido de enfrentar a pobreza e a miséria nos últimos anos, o cotidia-
no da maioria do povo brasileiro é – e tem sido historicamente – marcado por um
contexto que inviabiliza a produção e a reprodução da vida, interdita a manifesta-
ção e a expressão necessárias à participação, desmoraliza e criminaliza lideranças
e movimentos sociais e ignora sujeitos.
A inviabilização da produção e da reprodução da vida se manifesta nos al-
tíssimos graus de desigualdade e na pobreza insidiosa que atinge a milhões de
pessoas, afetando de forma mais dura a negros, mulheres e jovens, entre outros
grupos. A situação vem melhorando – dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada mostram que nos últimos cinco anos houve redução tanto da pobreza
extrema quanto da pobreza absoluta –, o que é motivo de alento, mas não de sa-
tisfação, pois a desigualdade persiste.1 A pobreza, como já declarou a Organização
das Nações Unidas (ONU), é violação sistemática de vários dos direitos humanos e
é fruto de um modelo de desenvolvimento altamente concentrador e excludente.
A interdição da manifestação e da expressão se revela na persistência da vio-
lência, assim como na alta concentração dos meios de informação e de opinião.
A violência esgarça o tecido social e reproduz o medo, mantendo comunidades
inteiras afastadas da convivência em sociedade – condição básica para que pos-
sam se organizar e propor livremente seus anseios e reivindicações. Associa-se a
isso a alta concentração dos meios de comunicação, que reagem negativamente
a todo tipo de medida de socialização ou de controle sob a alegação de que se
trata de medidas de censura.2 Mas, instalam uma censura privada, pautada por in-
1 O Censo 2010 do IBGE mostra que os 10% mais ricos têm renda média mensal 39 vezes
maior que a dos 10% mais pobres. Os 10% mais pobres ficam com apenas 1,1% do total de
rendimento e os 10% mais ricos com 44,5% do total. O rendimento médio do 1% mais rico
era de R$ 16.560,92; a renda média mensal, considerando todos os rendimentos e todos os
brasileiros, era de R$ 668; e metade da população tinha renda mensal de até R$ 375,00, valor
inferior ao salário mínimo oficial em 2010 (que era R$ 510,00).
2 Passo importantíssimo foi dado no sentido de dotar o país com uma legislação adequada de
acesso à informação pública, o que inclui abertura de arquivos sobre violações de direitos
humanos. Trata-se da Lei nº 12.527, de 18/11/2011.

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teresses nem sempre públicos. Assim, juntos, violência e concentração dos meios
de comunicação geram a interdição de milhões de pessoas, que são impedidas de
participar da vida pública com sua opinião livre.
A desmoralização e criminalização de lideranças e movimentos sociais vêm
sendo usada como estratégia para conter a organização popular e, com isso, os
avanços por ela propostos. A desmoralização é uma forma de transformar lutas
e pessoas em defensores do anacronismo. A criminalização é uma maneira dura
de instituições que foram criadas para proteger a sociedade e seus direitos se tor-
narem agentes que propõe a “extinção” de organizações populares – como fez,
por exemplo, o Ministério Público gaúcho em relação ao Movimento dos Traba-
lhadores Rurais Sem Terra. Organizações e lideranças populares são essenciais à
democracia por serem a manifestação da rebeldia, necessária aos avanços da luta
por direitos. Particulares e o Estado agem fora do direito, não em nome da justiça
e sim em nome de interesses e privilégios, contra os/as que se erguem em luta por
justiça, quando promovem a desmoralização e a criminalização.
Por fim, o “ignorar sujeitos” se manifesta no conservadorismo persistente, que
até aceita a diversidade social, contanto que não onere privilégios e, em alguns
casos, inverte posições, colocando a promoção de determinados grupos histo-
ricamente excluídos como se fosse um privilégio. Os exemplos mais cristalinos
deste tipo de postura vêm se revelando: 1) no cerceamento do acesso a territórios
por indígenas e quilombolas; 2) na proposição da inconstitucionalidade das políticas
de quotas para a população negra; 3) na rejeição aos avanços propostos pelo movi-
mento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros); entre
outros. O discurso da igualdade – neste caso, contraditoriamente à desigualdade
real e à diversidade efetiva – é invocado como recurso de invisibilização, quando
não de inviabilização, desses sujeitos sociais. Por outro lado, o sentido do reconhe-
cimento dos sujeitos está na pauta central da luta por direitos, mesmo que isso não
signifique colocá-lo em contradição com a luta por bens (materiais e simbólicos),
significa conjugá-las. A presença da diversidade exige muito mais que a visibilidade,
ou mesmo a simples afirmação da identidade, dos diversos agentes e grupos sociais.
Persiste, de modo geral, uma baixa percepção dos direitos humanos como con-
teúdo capaz de traduzir uma agenda social que afirme a cidadania e, ao mesmo
tempo, expresse sinteticamente os anseios dos setores populares organizados e
críticos. Revela-se uma posição paradoxal sobre o significado dos direitos huma-
nos e, em consequência, de sua força para orientar a prática social e política.
O debate sobre o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)3
revelou uma contradição importante: de um lado, os que aceitam direitos huma-
nos, quando os aceitam, apenas para si próprios ou para proteger seus interesses; de
outro, os que compreendem direitos humanos como conteúdo substantivo da luta
cotidiana para que cada pessoa possa ser o que deseja ser e não como uns ou outros
gostariam que fosse. As elites insistem numa visão limitada dos direitos humanos.
Pode-se dizer que ficam entre uma posição completamente negativa e outra relativa.

3 Decreto nº 7.037, de 21/12/2009. Ocupou as manchetes das diversas mídias do final de dezem-
bro/2009 a praticamente maio/2010. Um estudo mais acurado sobre o que significou este
debate público ainda precisa ser feito.

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A negativa identifica direitos humanos com a proteção do que chama de “ban-
didos e marginais”, aquilo que de “pior” a sociedade produz. A segunda, usando
um aparente trocadilho, o “humanos direitos”, retoma as velhas fórmulas já expe-
rimentadas do reconhecimento restrito e que resultaram na eliminação física dos
indesejáveis – o holocausto é o mais conhecido exemplo, mas a ele somam-se
o extermínio dos indígenas e a escravidão dos africanos. Essas posições querem
fazer coincidir direitos com privilégios. Ou seja, pretendem que direitos humanos
sirvam de conteúdo legitimador da desigualdade e de sua permanência. Expres-
sam-se, por exemplo, na defesa da pena de morte, no já citado posicionamento
contrário às quotas para negros, entre tantos outros temas, todos marcadamente
discriminatórios, segregacionistas e discricionários.
Alguns grupos ainda persistem em posições pautadas pelo universalismo abs-
trato na compreensão dos direitos humanos. São orientados por noções metafí-
sicas que, mesmo reconhecendo a universalidade dos direitos humanos, vincu-
lam-na à noção de natureza humana. Esta última, por seu generalismo, ignora a
diversidade e resulta por tomar exemplaridades como referência do que significa
dignidade. Insistem em dizer que os direitos humanos são “naturais” e “inerentes”.
Essas posturas, em geral, são refratárias a mudanças significativas no campo moral
e jurídico e se manifestam contrárias, por exemplo, à descriminalização do aborto
e à instituição da união civil de pessoas do mesmo sexo.
Outros se agarram às normas e reduzem direitos humanos àqueles que configu-
ram como “fundamentais”, na tentativa de circunscrevê-los na positividade estrita
da lei. Trata-se de uma nova versão do velho positivismo jurídico na qual a norma,
para que possa ter vigência, tem que ser precisa e objetiva. É claro que direitos hu-
manos requerem proteção normativa e que as normas devem ser objetivas. Isso,
no entanto, não significa restringi-los à “letra fria”. Esse tipo de visão aparece, por
exemplo, quando magistrados são acusados de defenderem posições ideológicas
que alargam o conteúdo da compreensão dos direitos e, especialmente, quando o
fazem para proteger os setores sociais excluídos.
Ainda há os que insistem em “direitos” e direitos uns mais e outros menos im-
portantes, uns mais e outros menos urgentes. Ou seja, uns argumentam que os
direitos civis e políticos são primeiros e mais importantes que os direitos sociais,
econômicos e culturais, por exemplo. Numa sociedade marcada por carências, fa-
cilmente a cidadania se vê forçada a fazer escolhas, a definir prioridades. Mas,
prioridades não significam necessariamente optar entre o disponível e o indispo-
nível. Posições desse tipo abrem mão dos avanços – e das dificuldades – implica-
dos numa perspectiva interdependente e indivisível dos direitos humanos. Elas se
refletem nas opiniões de que o PNDH-3 trata de muitos temas, indo além do que
seria a tarefa dos direitos humanos, por exemplo.
Vem crescendo uma compreensão histórico-crítica dos direitos humanos. Esta
posição os entende como processo conflituoso apto a estabelecer condições ao
reconhecimento dos sujeitos de direitos. Defendem que a dignidade humana não
é uma característica dispensável. Isso não significa dizer que todos nascem e que
ela permanece imutável ao longo da vida, mas que vai ganhando conteúdos e

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conformações novas como obra dos próprios seres humanos. Nesse sentido, os
direitos humanos expressam o que as pessoas precisam para viver e não estão
disponíveis nem aos indivíduos, nem à sociedade e nem ao Estado.
Essa compreensão subsidia a formação de agendas consistentes e que expres-
sam os anseios das organizações populares. Partem da posição de que os direitos
humanos se afirmam historicamente como luta por direitos, tendo nos sujeitos
populares seus principais protagonistas. No debate sobre o PNDH-3 pode-se ver
esse entendimento expresso largamente nos posicionamentos de organizações
sociais, de intelectuais e personalidades comprometidas com o fortalecimento da
perspectiva de que os direitos humanos ganham efetividade no cotidiano da vida
das pessoas, como substantividade e não como mais uma adjetivação.
Em termos institucionais, crescem as iniciativas para que os direitos humanos
ganhem força programática, se transformem em agenda de atuação da sociedade
e também do Estado. Para isso, o PNDH-3 pode ter sentido como um poderoso
instrumento, especialmente por articular diversos temas e perspectivas e por ter
sido publicado com amplo apoio dos diversos setores do governo – são 31 os Mi-
nistérios que o assinam junto com o Presidente da República – além de se preten-
der uma política de Estado.
Mas, o movimento de institucionalização dos direitos humanos é relativamen-
te recente no Brasil e pode-se dizer que foi inaugurado pela Constituição de 1988.
Nesta esteira, a comitiva do Estado e da sociedade civil que participou da Con-
ferência de Viena, em 1993, ao retornar, construiu o que ficou conhecido como
Agenda Brasileira de Direitos Humanos. Isto ensejou a implementação de várias
iniciativas, entre as quais os PNDHs – o primeiro é de 1996 e o segundo de 2002,
sendo o terceiro de 2009. A prática de políticas como forma de assumir a comple-
xa responsabilidade do Estado em matéria de direitos humanos exige desenvolver
ações de forma sistemática e articulada que visem reconhecer, respeitar, garantir,
promover e proteger os direitos, além de reparar violações. Ademais, determina
que, considerando a natureza federativa do país, haja compromisso também dos
Estados e dos Municípios.
As políticas governamentais, de modo geral, ainda estão longe de se consti-
tuírem em políticas de Estado e de terem capacidade de resposta sistemática. O
que se vê muito é a ação “socorrista”, aquela que é reativa às circunstâncias, so-
bretudo em se tratando de situações de violações. Soma-se a isso que a maioria
das políticas sequer se entende como de direitos humanos, não sendo formuladas
nesta perspectiva. Nesse campo, a formulação das políticas ainda tem um longo
caminho a percorrer para que seja orientada pelos direitos humanos. Alguns casos
já avançam nesta direção, como a política de atenção à criança e ao adolescente,
ao idoso e às pessoas com deficiência. Todavia, se considerarmos as pautas temá-
ticas, como saúde, educação, moradia, alimentação, assistência, previdência, tra-
balho, cultura, ciência e tecnologia e tantas outras, pode-se notar que, em grande
medida, elas sequer incorporaram a gramática dos direitos humanos, havendo,
em alguns casos, até resistência.
No campo da execução é fundamental que se considere a centralidade do or-
çamento público. Mesmo que venha crescendo a presença de programas e ações

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de direitos humanos, os ajustes fiscais são privilegiados, não existindo a perspec-
tiva de direcionar prioritariamente os recursos públicos para a realização de di-
reitos. Um dos principais instrumentos do ciclo orçamentário, o Plano Plurianual,
por exemplo, ainda tem uma compreensão restrita dos direitos humanos, já que
vislumbra apenas as ações feitas junto a grupos e segmentos sociais excluídos,
atendo-se praticamente a programas e ações das Secretarias Especiais. Essa cons-
tatação mostra que ainda há muito a ser feito, considerando inclusive os compro-
missos assumidos com a publicação do PNDH-3, para que o orçamento público
traduza as intenções com a realização de políticas de direitos humanos de forma
ampla e sistêmica.
A Constituição Federal introduziu importantes instrumentos para promover a
participação direta da sociedade civil organizada em espaços públicos – Conferên-
cias, Conselhos e outros – a fim de que seja efetivado o controle social das políti-
cas. Todavia, quando se trata de observar a centralidade do papel dos Conselhos,
mesmo que existam em várias áreas e sobre os mais diversos temas, esses ainda
são poucos e frágeis no campo específico dos direitos humanos. Prova concreta
disso é que o Projeto de Lei que institui o novo Conselho Nacional de Direitos Hu-
manos tramita no legislativo desde 1994 e que mais de 20 Estados têm Conselhos
de Direitos Humanos constituídos, mesmo que não estejam satisfatoriamente em
funcionamento.
A garantia da participação da sociedade no controle social de políticas reque-
reria também acesso público amplo às informações, permitindo o diagnóstico de
situações e mesmo condições de avaliação das ações realizadas. No que tange
aos direitos humanos, ainda engatinha a formulação de indicadores consistentes
e capazes de subsidiar a elaboração de diagnósticos da situação e de orientar de
forma sistemática a elaboração das políticas. O acesso a informações sobre exe-
cução das políticas, inclusive do orçamento, ainda é restrito e direcionado, o que
efetivamente impede o empoderamento dos sujeitos sociais que participam das
instâncias, comprometendo a efetividade desses espaços.
O desafio sugerido pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)4 e
aprovado pela IX Conferência Nacional de Direitos Humanos, em 2004, ainda per-
siste: sem que se avance na implantação de um Sistema Nacional de Direitos Hu-
manos capaz de articular e orientar sistematicamente os instrumentos, os órgãos
e as ações de direitos humanos estar-se-á longe da desejada ação programática em
direitos humanos. O PNDH-3 é um avanço fundamental, necessário, mas insuficien-
te para que as políticas públicas sejam pautadas pelos direitos humanos e que os
direitos humanos se convertam em conteúdo programático das políticas, ou seja,
para que se possa dizer que o Brasil tem uma política nacional de direitos humanos.

Extrato do artigo publicado em Direitos Humanos no Brasil 3: diagnóstico e perspectivas, organizado por
MNDH, PAD, Misereor e Plataforma, Passo Fundo: IFIBE, 2012. p. 22-27.

4 Ver MNDH. Sistema Nacional de Direitos Humanos. Brasília: MNDH, 2004 [Caderno de Estu-
dos]. Comentamos a proposta em CARBONARI, Paulo César. Realização dos direitos humanos:
coletânea de referências. Passo Fundo: IFIBE, 2006.

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CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS:
A PARTIR DO PNDH-3

A construção do terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3)


resultou de amplo processo do qual participaram diversos agentes e lideranças de
todo o País. A dinâmica da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, reali-
zada em dezembro de 2008, as consultas feitas ao longo da elaboração, em 2009,
e a convergência das mais de 50 conferências nacionais que nos anos anteriores
traçaram diretrizes políticas para vários temas, fazem do texto publicado em 21
de dezembro de 2009 um marco democrático no caminho da efetivação de uma
política nacional de direitos humanos.
O sentido fundamental de um PNDH-3 é que, com ele, aprofunda-se o compro-
misso do Estado com a responsabilidade na realização dos direitos humanos. O
mais central ainda é que o PNDH-3 será ainda mais significativo se conseguir que
os direitos humanos ganhem efetividade no cotidiano da vida das pessoas, sem
com isso pretender substituir as lutas populares.
A luta pela realização dos direitos humanos, mesmo relativamente recen-
te, tem uma trajetória histórica marcada pelo protagonismo das organizações e
movimentos populares. As organizações de direitos humanos de todo o Brasil vêm
pautando das mais diversas formas a necessidade de uma política nacional de di-
reitos humanos, enquanto também permanecem na construção da agenda popu-
lar de luta por direitos humanos. A história recente do Brasil mostra que os direitos
humanos foram antes uma aspiração e uma luta dos setores populares e, muito
depois, uma agenda incorporada pelo Estado.
A resistência à ditadura militar, o florescimento de diversas organizações popu-
lares, a Constituição de 1988, a adesão aos sistemas protetivos internacionais e os
vários processos para efetivar políticas de direitos humanos têm as organizações
populares como agentes centrais. Elas é que serviram de fermento e de fomento
para que os avanços democráticos em matéria de direitos humanos convergissem
para uma maior responsabilização do Estado. A Agenda Brasileira de Direitos Hu-
manos (1994), pactuada pelos agentes do Estado e da sociedade civil que estive-
ram na Conferência de Viena (em 1993), resultou em várias iniciativas de políticas,
entre as quais os Programas Nacionais.5 Mas isso não necessariamente significou
maior compromisso do Estado e do conjunto da sociedade com os direitos huma-
nos, visto que ainda há grande resistência tanto de setores do Estado e de gover-
nos quanto de setores conservadores da sociedade.
Neste sentido, pode-se dizer que o advento do PNDH-3, considerando sua
abrangência, complexidade e a abordagem transversal dos direitos em relação ao

5 Detalhamos com mais precisão esta reconstrução em CARBONARI. Paulo César. Direitos Hu-
manos no Brasil: uma leitura da situação em perspectiva. In: MNDH/DhESC Brasil/PAD/Mi-
sereor/CERIS. Direitos Humanos no Brasil 2: diagnóstico e perspectivas. Rio de Janeiro: Ceris/
Mauad, 2007, p.19-66, atualizado para a publicação em ROQUE, Átila e COSTA, Luciana (Org.).
Pensando uma agenda para o Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: INESC, 2007. p. 86-103.

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conjunto das políticas, constitui-se na síntese de um processo histórico que pode
ensejar um novo alento à luta por direitos humanos no Brasil.
Na aspiração dos setores populares que ajudaram a formatá-lo está a expecta-
tiva de que possa se converter em balizador de uma nova agenda pública para o
País. Em grande medida, esta aspiração coincide com a expectativa da sociedade
– mesmo que não àquela dos setores conservadores, que rapidamente percebe-
ram esta possibilidade e reagiram de forma contundente exatamente aos pontos
que indicam avanços estruturantes. Considerando que é um Decreto do poder
executivo, também coincide com a vontade do governo, o que não significa que
coincida com o que será a atuação do Estado (o conjunto dos poderes e das esfe-
ras administrativas).
Um exemplo desta distância é o Plano Nacional de Educação (PNE). O Projeto
de Lei nº 8.035, encaminhado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional em
dezembro de 2010, estabelece o Plano Nacional e Educação para os próximos dez
anos (2011-2020). É um documento enxuto e objetivo se comparado ao primeiro
PNE (Lei n° 10.172/2001). Porém, a proposta, estranhamente, sequer faz referên-
cia – nem usa o termo – aos direitos humanos em geral e à educação em direitos
humanos, em particular. Isto caracteriza uma situação de ausência dos direitos
humanos. Mais do que isso, uma clara ausência de coordenação entre as políticas,
até porque o PNDH-3 prevê uma série de ações neste campo e, considerando que
o PNE é uma forma de aplicação no campo específico da educação, se teria que
esperar ao menos alguma relação de referência entre eles. No PNDH-3 está pre-
visto um eixo inteiro dedicado à Educação em Direitos Humanos (Eixo Orientador
V), com cinco diretrizes (nº 18, 19, 20, 21 e 22), objetivos estratégicos e mais de
50 ações programáticas, das quais pelo menos a metade está diretamente volta-
da para a educação escolar (básica e superior), além de previsões relacionadas à
educação nos vários outros eixos do Programa. Deste também o Ministério da
Educação é um dos signatários. Assim fica difícil entender que o mesmo governo
lance dois documentos referenciais de políticas, no prazo de um ano, sendo que o
posterior tenha qualquer relação expressa com o anterior. No mínimo o PNE teria
que fazer referência aos compromissos assumidos no PNDH-3 no que diz respeito
à educação, dando-lhe consequência.
O que se vislumbrou no seguimento do PNDH-3 foi a constituição de um pro-
cesso parcial de monitoramento no qual a participação da sociedade civil foi tida
por secundária e suplementar.
O Decreto nº 7.037, de 21/12/2009, que aprovou o Programa Nacional de Di-
reitos Humanos (PNDH-3) estabelece, em seu artigo 3º que; “As metas, prazos e
recursos necessários para a implementação do PNDH-3 serão definidos e aprova-
dos em Planos de Ação de Direitos Humanos bianuais”. No artigo 4º, que institui
o Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3 formado exclusi-
vamente por órgãos do Poder Executivo, que pode “convidar representantes dos
demais Poderes, da sociedade civil e dos entes federados para participarem de
suas reuniões e atividades” (parágrafo 4º do mesmo artigo). Entre as finalidades
deste Comitê está, no inciso II, “elaborar os Planos de Ação dos Direitos Humanos”

| 46
e, no inciso III, “estabelecer indicadores para o acompanhamento, monitoramento
e avaliação dos Planos de Ação dos Direitos Humanos”.
A leitura sistemática desta previsão indica que a principal tarefa do Comitê é
a elaboração dos Planos de Ação e o que deles é decorrente [articulação, inciso I;
indicadores, inciso III; acompanhamento, inciso IV; e regimento interno, inciso V],
entre as quais o sistema de seu acompanhamento, monitoramento e avaliação.
Assim, a agenda deste Comitê, instalado em meados de 2010, deveria estar exa-
tamente centrada nesta tarefa: a de elaboração dos Planos de Ação. Os Planos de
Ação de Direitos Humanos têm uma natureza bem específica e determinada: esta-
belecer as metas, prazos e recursos necessários para implementação do PNDH-3.
O fato é que estes Planos deverão tomar o que está estabelecido no conjunto
do PNDH-3, como expectativa programática e de longo prazo [dez anos] e traduzir
em efetivação para um período histórico determinado, no caso, dois anos, de tal
forma a incidir concretamente na orientação das políticas a serem implementadas.
O Decreto fala em Planos, não esclarecendo se o plural se refere ao fato de serem
vários no período de vigência do PNDH-3 [o que equivaleria a cinco, considerando
serem bienais e que a vigência do PNDH-3 é de 10 anos] ou se abre a possibilidade
de haver vários Planos dentro de um mesmo biênio [por exemplo, um plano para
cada um dos Eixos Orientadores]. Por isso, definir uma posição político-metodoló-
gica a este respeito seria essencial como “preliminar” para orientar as elaborações
a serem empreendidas.
O essencial a ser esperado dos Planos é que estabeleçam metas, prazos e recur-
sos necessários para a implementação do PNDH-3 dentro de um biênio. A questão
que se coloca é: sim, seria o caso de implementar todo o previsto no PNDH-3 em
um biênio ou de “escolher” o que está previsto para 10 anos indicando o que será
feito em dois anos? O texto do Decreto não deixa dúvidas sobre isso: trata-se de
implementar o conjunto do PNDH-3. Ou seja, a questão é identificar uma dinâmica
histórica e cumulativa para realizar o previsto no PNDH-3. Assim não fosse, o pró-
prio PNDH-3 teria estabelecido o prazo para cada uma de suas ações. Para isso, será
necessário tomar o conjunto do PNDH-3 e completar a sua formulação no sentido
de estabelecer uma estratégia de conjunto traduzida em períodos históricos mais
curtos, identificando o que será feito em cada uma das ações programáticas nele
previstas em cada um dos Planos de Ação. Assim, é necessária uma análise minu-
ciosa de cada ação programática contida no PNDH-3, para identificar metas perió-
dicas, bienais, deveria ser este o exercício político-metodológico a ser construído.
A definição construída deveria ensejar a formatação da previsão dos recursos
para sua correta e suficiente implementação, dialogando com o Ciclo Orçamentá-
rio, sob pena de ficar completamente prejudicada a terceira tarefa de implementa-
ção que é a de viabilização dos recursos necessários, podendo vir a comprometer
os Planos de Ação.
Qualquer outra posição político-metodológica resultaria em “fatiamento” do
PNDH-3 e, em consequência, na produção de sérios danos à sua correta efetiva-
ção. Está longe de qualquer compreensão do previsto no Decreto imaginar que
a elaboração dos Planos de Ação confronte o previsto no PNDH-3 com as dispo-

47 |
nibilidades políticas e orçamentárias para um determinado período, no sentido
de “ver o que se pode fazer” dentro das previsões. A lógica do Decreto indica o
inverso: é o PNDH-3 que deve ditar o que deve ser feito no período, informando e
conformando, a construção das políticas públicas e sua consequente previsão de
recursos [orçamentários].
No que diz respeito à participação da sociedade civil na elaboração dos Planos
de Ação, uma interpretação estreita e literal do Decreto poderia levar à compreen-
são de que é tarefa do Comitê restringindo a participação à “vontade” deste, já que
a ele cabe a prerrogativa de “convidar”, não havendo qualquer previsão normativa
de que este processo “deva” contar com a participação direta e efetiva das organi-
zações da sociedade civil [de outros poderes e de outros entes federados]. Toda-
via, em termos sistemáticos, considerando o processo de elaboração do conjunto
do PNDH-3, é de se esperar uma interpretação menos estreita e que se traduza na
previsão de participação sistemática e consistente da sociedade civil na elabora-
ção dos Planos de Ação.
Para isso, é necessário elaborar e implementar uma estratégia político-meto-
dológica. Ou seja, é tarefa do Comitê instituído pelo Decreto formular e imple-
mentar uma política de participação da sociedade civil no processo de acompa-
nhamento, de monitoramento e de avaliação da implementação do PNDH-3. Isto
implica em prever espaços, momentos, dinâmicas, canais e interlocutores de tal
forma transparentes que todas as organizações interessadas, em qualquer mo-
mento do processo, possam vir a fazê-lo, sem precisar aguardar qualquer tipo de
“beneplácito”. Ela não pode ficar restrita ao “convite informal” para a participação
nas reuniões do Comitê. Esta iniciativa seria necessária, mas longe de ser suficiente
para que a participação consagrada no processo de elaboração do PNDH-3 possa
também se traduzir na dinâmica de sua implementação. Também não há notícia
de que tenha havido processo sistemático e participativo na elaboração do Plano
Plurianual 2012-2015, ficando em aberto a possibilidade de articulação entre a po-
lítica de direitos humanos e o principal instrumento de planejamento estratégico
do conjunto da ação do governo.
O MNDH, em sua Carta Aberta publicada em abril de 2010, pedia ao governo
a “abertura imediata de processo público e participativo para a elaboração do pri-
meiro Plano Bienal previsto no artigo 3º do Decreto que instituiu o PNDH-3”, entre
ouros aspectos. Mas isso não se efetivou. O fato é que as expectativas, até onde
se tem notícia pública, não foram satisfeitas, ficando o processo comprometido no
sentido da participação significativa e sistemática. No término do primeiro biênio
de implementação do PNDH-3, em dezembro de 2011, sequer foi publicado um
Plano e, ao que parece, menos ainda se avançou nos processos consistentes e pú-
blicos de sua implementação, monitoramento e avaliação.
Este processo fica ainda mais comprometido visto que não houve movimen-
tos significativos na votação do Projeto de Lei que cria o novo Conselho Nacional
de Direitos Humanos e tramita no Congresso desde 1994. O fato de não ter sido
constituído este importante fórum de participação e controle social da política de
direitos humanos deixa o processo de efetivação da política nacional de direitos

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humanos a meio caminho, dado não contar com um espaço legítimo de participa-
ção e controle social o que, aliás, é previsão constitucional e já prática em outras
áreas de políticas.
A pergunta que fica é: afinal, o que está sendo feito do PNDH-3? Mais do que
especificamente dele, o que está sendo feito da política de direitos humanos como
política de Estado, para além de muitas e significativas iniciativas pontuais e te-
máticas, sempre altamente relevantes, mas ainda pouco articuladas no sentido de
uma intervenção efetivamente sistemática e programática?

Extrato do artigo publicado em Direitos Humanos no Brasil 3: diagnóstico e perspectivas, organizado por
MNDH, PAD, Misereor e Plataforma, Passo Fundo: IFIBE, 2012. p. 27-31.

A AGENDA POPULAR DE LUTA POR DIREITOS HUMANOS:


NECESSÁRIA E DIFÍCIL

Nenhuma política, por mais consistente e ampla que seja, esgota a agenda po-
pular de luta por direitos humanos. Claro que pode haver políticas com maior ou
menor sintonia em relação a esta agenda e que a política pode assumir o papel de
facilitadora, reguladora, mas a questão que está posta é a da capacidade da socie-
dade organizada manter-se presente com uma agenda consistente de luta, mesmo
quando aparentemente suas bandeiras foram incorporadas em programas públi-
cos, até porque, a política governamental tem limites no sentido de expressar to-
das as bandeiras e lutas populares. Em outras palavras, trata-se de refletir sobre
possíveis pontes para superar o gap que identificamos inicialmente.
É da forma de agir e de se fazer dos movimentos populares que atuem como
agentes de crise e de desestabilização social: ao demandar reconhecimento e
bens, participação e controle social que, por isso, exercitam o desejo (utopia) de
novas formas de organização social que contrastam com a institucionalidade (do
Estado e do Mercado) que, em geral, prima pela manutenção da ordem e da es-
tabilidade social. Temem, por isso, que direitos humanos se reduzam a conteúdo
funcional ao poder ou recurso de retórica.6 Pautam-se pela compreensão de que
direitos humanos são mais aspirações dos sujeitos históricos que cobram Justiça
(não só procedimental) e, por isso, querem que os direitos humanos sejam com-
promisso com a promoção e proteção dos direitos, a reparação das violações e a
memória das vítimas, no sentido de que as dinâmicas não sejam reprodutoras de
novas vítimas e de novas/velhas violações de direitos humanos.

6 Desenvolvemos melhor esta noção CARBONARI, Paulo César. Direitos Humanos: sugestões
pedagógicas. Passo Fundo: IFIBE, 2008. p. 65-68 e em CARBONARI, Paulo César. Democracia
e direitos humanos: reflexões para uma agenda substantiva e abusada. In: BITTAR, Eduardo C.
B.; TOSI, Giuseppe. Democracia e Educação em Direitos Humanos numa Época de Insegurança.
Brasília: SEDH; UNESCO; ANDHEP; UFPB, 2008. p. 13-34.

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Por isso, se, por um lado, os movimentos populares participaram ativamente
do processo de construção de políticas e confiam nelas como instrumento para
inaugurar uma nova agenda no Brasil, como é o caso do PNDH-3, por outro, per-
manecem comprometidos com sua raiz que é a de fomentar lutas capazes de, ao
mesmo tempo, tornar efetivos os compromissos do Estado com a realização dos
direitos humanos e gestar novas demandas e direitos, alimentando a afirmação de
sujeitos históricos, os sujeitos de direitos humanos.
Permanece na agenda popular a luta contra a inviabilização da produção e da
reprodução da vida. Querer um Brasil que respeite e promova os direitos huma-
nos requer uma agenda central com a realização de ações que modifiquem este
quadro de forma sustentável e definitiva. Isso significa reorientar o modelo de
desenvolvimento, para além da ampliação da capacidade de consumo das classes
populares. A questão do modelo de desenvolvimento exige muito mais do que
isso e põe na pauta dos debates o sentido de projeto de nação que o Brasil vem
construindo nos últimos anos e, acima de tudo, qual o lugar nele ocupado pelos
setores populares.
A incidência e o controle público sobre o mercado e suas posturas privatistas e
de privilégio exige que as organizações de direitos humanos também incorporem
em sua agenda a luta pelo desenvolvimento com direitos humanos. Os direitos
humanos precisam se constituir em parâmetro efetivo de avaliação dos projetos
de desenvolvimento e de atuação do mercado sob pena de virem a ser por ele as-
sumidos como simples direitos dos proprietários, gerando a exclusão dos direitos
humanos como dos sujeitos de direitos.
Permanece na agenda popular também a luta contra a interdição da manifes-
tação e da expressão que está na persistência da violência e na alta concentração
dos meios de informação e de opinião. Assim, permanece a reivindicação de am-
pliação da participação traduzida em medidas sustentáveis para que as condições
fundamentais da democracia cheguem a cada pessoa a fim de que, desde suas
próprias condições, exerça sua presença no mundo, o que também inclui a busca
de caminhos adequados para que a lei de acesso à informação pública, recente-
mente sancionada, ganhe efetividade.
A luta contra a desmoralização e a criminalização de lideranças e movimentos
sociais é outro aspecto que, mesmo presente no PNDH-3, o extrapola, havendo
necessidade de processos a serem implementados de forma autônoma e inde-
pendente pelas próprias organizações populares buscando seu fortalecimento, ao
tempo em que também resistem a eles e cobram proteção do Estado. Assim, na
agenda popular de direitos humanos permanece a necessidade de fortalecer as
organizações populares para que suas agendas ganhem força e possam ser pauta-
das na sociedade. Permanece também a necessidade de revisar a institucionalida-
de que, a serviço do poder, usa da violência como forma de conter a Justiça.
A luta e a ação a fim de gerar presença e voz aos vários sujeitos de direitos
também permanece como parte da agenda popular. Ela é tarefa fundamental das
organizações populares. Neste mesmo diapasão, está aqui inserida a luta pelo di-
reito à memória e à verdade das lutas de resistência e de organização dos setores

| 50
populares. Assim que, permanece na agenda popular o querer um Brasil justo e
igualitário que seja capaz de tomar a diversidade como conteúdo dos direitos hu-
manos, o que passa pela efetivação de ações aptas a fortalecer a organização dos
diversos sujeitos de direitos humanos.
A agenda de luta pelo direito à memória, à verdade e à justiça também está
posta. Nela, o fundamental é manter aberto o processo de reflexão e de luta ca-
pazes de gerar um significado profundo, consistente e favorável da Comissão Na-
cional da Verdade7 para a luta por direitos humanos.8 Seu sentido maior está, por
um lado, em ser um espaço capaz de construir uma verdade sobre o período da
ditadura civil-militar brasileira e, por outro, em desconstruir algumas das verdades
repetidas – nem tão verdadeiras assim – pelos que têm pavor de verdades que não
sejam as deles próprios. Mesmo que não venha a ter o alcance para fechar o tripé,
pois dela não se poderá esperar justiça, se ela for capaz de produzir verdades com
base na memória das vítimas, certamente abrirá caminho para que venha também
a justiça. Todos os que lutam por direitos humanos sabem desde há muito que
uma coisa é a luta por direitos e outra é o que de direitos o statu quo reconhece.
Mesmo que nada mais possa ser feito do ponto de vista institucional, ainda há
muito a fazer no sentido de incidir nos trabalhos da Comissão a fim pressioná-la
para que acumule subsídios e a justiça possa ser feita para além dela.
O embate com os conservadorismos e os particularismos interesseiros e inte-
ressados no que diz respeito à compreensão dos direitos humanos também per-
manece na agenda popular. Enfrentar os conservadorismos e particularismos no
processo de compreensão e de ação em direitos humanos requer afastar aqueles
que fazem coincidir direitos com privilégios, ou seja, que pretendem limitar os di-
reitos humanos à legitimação da desigualdade e da sua permanência. Lutar pelo
universalismo de chegada9 e que toma a diversidade como conteúdo permanente
e consistente deste processo é tarefa permanente e que tem nos setores populares
agentes protagonistas fundamentais.
O desafio fundamental está em fortalecer a organização e a luta dos diversos
sujeitos de direitos, tanto com suas agendas específicas, quanto no sentido de con-
solidar uma agenda popular de articulação das diversas lutas na qual os diversos
possam se expressar de forma consistente e significativa. Manter viva e criativa
a luta por direitos humanos é o caminho forte no sentido de, por um lado, fazer
frente às violações de direitos e a produção de vítimas, que persiste, exigindo a
justiça ética às vítimas; e, por outro, para criativamente construir novos direitos e
novos conteúdos para os direitos já conquistados. A história dos direitos humanos

7 Projeto de Lei votado na Câmara Federal em 21/09/2011 e no Senado Federal em 25/10/2011,


em ambos os casos por acordo, e sancionado como Lei nº 12.528, pela presidenta Dilma
Rousseff, no dia 18/11/2011. A Comissão foi instalada no dia 16 de maio de 2012.
8 Desenvolvemos uma reflexão sobre o significado da Comissão em “A verdade: por uma Co-
missão verdadeira” e em “O risco da verdade”, artigos publicados por Carta Maior <www.
cartamaior.com.br>, respectivamente em 17/10/2011 e 12/11/2011.
9 Ao modo defendido por Joaquín Herrera Flores no artigo “Direitos humanos, interculturali-
dade e racionalidade de resistência” [In: Revista Sequência, Florianópolis, UFSC, v. 23, n. 44, p.
9-30, 2002].

51 |
é a história da luta dos sujeitos de direitos humanos pelo reconhecimento e pela
garantia de bens (materiais, simbólicos e espirituais). Por isso, sem que se fortaleça
esta luta dificilmente se verá consistência nos múltiplos processos de realização
dos direitos humanos.
A perspectiva popular de compreensão dos direitos humanos confia que a for-
ça transformadora que está neles, não seja suplantada pelo poder, por privilégios
ou por interesses privados. No momento em que se dá um passo importante para
que direitos humanos avancem no caminho de se constituir em política de Estado é
fundamental dizer que a atuação e a luta por direitos humanos não se esgota nisso.
Antes, pode ter nele um instrumento poderoso que, a depender da qualidade do
processo de implementação, pode abrir novos tempos para a luta popular ou ser
mais um passo para funcionalizá-los ao poder. É fundamental manter abertos os “in-
tervalos críticos” para que direitos humanos continuem sendo construção de sujei-
tos que os querem como insumo da rebeldia criativa, construtiva e transformadora.
Enfim, conscientes de que está em jogo manter viva e forte a luta popular por
direitos humanos e que a luta que se faz desde as organizações e os sujeitos po-
pulares não pode nunca ser substituída por qualquer ação, por melhor que seja,
do Estado ou do governo – e que, aliás, um Estado democrático é aquele que abre
espaço para a luta popular, ciente de que, sem ela, perderão sentido seus funda-
mentos e os princípios que o justificam –, a tarefa abusada de organizar a luta é o
desafio fundamental.

Extrato do artigo publicado em Direitos Humanos no Brasil 3: diagnóstico e perspectivas, organizado por
MNDH, PAD, Misereor e Plataforma, Passo Fundo: IFIBE, 2012. p. 31-35.

QUERER DIREITOS: DEVER DE LUTAR POR DIREITOS

O querer está tão banalizado. É facilmente confundido com o egoísmo da dita-


dura do individualismo, forte característica das subjetividades atuais. Assim amal-
gamado, de pronto entra em contradição com direitos, em geral entendidos como
transversais aos indivíduos, mesmo que invocáveis por eles. Afinal, o que pretende
o enunciado do título? Parece remeter a um desejo, ainda estranho para boa parte
das pessoas. Mais do que isso, insta a compreender um (quase-)dever; em outras
palavras, a um querer direitos como dever. Em que sentido?
A cultura autoritária e conservadora que marca as relações sociais e institucio-
nais insiste em educar a cidadania para que não seja cidadã. Renova o discurso
do soberano auto instituído (ou posto como representante de alguma divindade)
como detentor exclusivo dos direitos a quem a cidadania (ou a não-cidadania)
deve obrigações. Daí a palavra fácil, em oposição aos direitos, de que somente há
direitos em consequência de deveres, sendo os deveres identificados a sujeição,

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tributo, submissão; e os direitos a concessões, benesses, dádivas. Definitivamente,
não é possível querer direitos assim! Querer direitos desta forma é, rigorosamente,
não querê-los. É deste tipo de consciência que nascem expressões como: direitos
humanos sim, mas somente para os humanos direitos. Em outras palavras, direitos
humanos somente para os que cumprem bem seus deveres e se adéquam a or-
dem estabelecida.
O advento dos direitos humanos abriu uma nova perspectiva para a com-
preensão de tudo isso. Eles nasceram da rebeldia, da insurreição, da luta contra
a ordem que não abria espaço para o cidadão. Sem muito esforço de memória,
basta lembrar que foi num contexto deste tipo que foram proclamados em uma
de suas primeiras versões, pela Assembleia Nacional francesa pós- revolucionária.
Mais recentemente, foi contra o arbítrio da ordem autoritária que gerou a segun-
da guerra mundial, que foram invocados e reconhecidos na Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948). No Brasil, foi contra a ditadura (eufemisticamente
autoproclamada de revolução) que foram invocados e semearam germens de li-
berdade e de igualdade. Hoje, é contra os arbítrios, as exclusões, as opressões e os
apequenamentos de todo tipo que são exigidos. Em termos históricos, observa-se
que desejar direitos é, acima de tudo, não querer deveres, ou melhor, aceitar de-
veres como contraprestação de direitos. Isto talvez explique porque direitos hu-
manos são tão incômodos aos que supostamente se entendem humanos direitos,
portadores quase exclusivos da humanidade que distribuem a quem concordar
com eles. É como se indicassem uma “reserva” privada e privativa.
Ante o que dissemos: o que significa dizer que querer direitos é um dever? Cer-
tamente a afirmação não está orientada pela noção conservadora de dever. Qual
é então o sentido?
Primeiro, o advento dos direitos humanos correlaciona direitos e deveres de
uma nova maneira, dando ao dever um sentido que se sustenta como contrapar-
tida dos direitos: é porque há direitos, pessoas, sujeitos, cidadãos com direitos que
têm sentido deveres (de quem tem a responsabilidade para garantir e realizar os
direitos e de todos os que têm direitos como devidos aos demais outros). Isto sig-
nifica que, no plano institucional, para garantir direitos exige-se que o agente pú-
blico por excelência, o Estado, cumpra deveres – é o soberano que está submetido
ao dever, não a cidadania; no plano interpessoal, os direitos de uns têm sentido
como direitos dos outros, como direitos de todos – daí nasce o núcleo chave da
ideia de que querer direitos é um dever.
Segundo, querer direitos como um dever traduz o móbile básico da ação prática
(ética e política). Ou seja, querer direitos não é uma escolha que se faz pautan-
do-se pela circunstância. Somente um querer que pauta seu agir pela dignidade
humana sempre como fim é um querer direitos como um dever. Em outras pa-
lavras, se na base do agir está a preservação e a promoção da dignidade, resulta
necessário (um dever) que todo o agir esteja orientado pelo dever de preservar e
promover a dignidade humana em todas as circunstâncias. Querer direitos como
um dever limita, portanto, a liberdade como querer qualquer coisa e a qualquer
custo. A rigor, é a raiz da liberdade, porque a faz emergir da relação com o outro,

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que também é ser de dignidade e direitos. A liberdade deixa de ser exercida como
faculdade do indivíduo isolado e passa a ser exercida como construção em relação
com o outro – supera-se a ideia de que minha liberdade vai até onde começa a do
outro, ambas, se começam, é no mesmo lugar.
Terceiro, significa pautar a atuação mais como instituinte do que como instituí-
do. Em outras palavras, querer direitos é mais do que pretender que normas ou
padrões sejam efetivados – por mais que isso seja necessário – e mantidos (o ins-
tituído); é agir para que todo o processo seja permanentemente instituinte. Querer
direitos é, neste sentido, estabelecer relações práticas (institucionais e interpes-
soais) que mobilizem permanentemente todos os quereres e todos os sujeitos dos
quereres para manter aberto e em construção o processo de alargamento do sen-
tido de ter direitos e o sentido dos direitos. Na dimensão institucional significa pôr
a lei e a ordem a serviço da justiça e da paz; na interpessoal significa agir sempre
pautado pelo reconhecimento, cooperação e solidariedade.
Por isso também se justifica o direito a ter direitos, um dos principais ganhos
da democracia (e também a principal perda decorrente de regimes autoritários).
O direito a ter direitos tem por referência que cada pessoa está situada no mundo,
que é um lugar político: cada pessoa faz parte de uma comunidade política na qual
é reconhecida e pode reconhecer os demais, todos, indistintamente, como sujeitos
políticos, como cidadãos, como sujeitos de direitos.
Em contraste, a negação da participação numa comunidade política implica na
negação da humanidade fundamental que está em cada pessoa. As experiências
históricas de “estados de exceção” – às vezes autoritários; outras mantidos em su-
postas democracias –, são formas de negar a participação a indivíduos ou grupos
sociais na cidadania. Quando se instala a “exceção”, deixa-se de reconhecer o di-
reito a ter direitos e também o direito de exigir direitos. Produz-se estranhamento,
formal e material, não reconhecimento.
Por já não participarem da comunidade da cidadania, desalojados que foram do
direito a ter direitos, aos “sem-direitos” não lhes resta também o direito de exigir
direitos. Resta-lhes calar e submeter-se à ordem dos que têm direitos, sem poder
reclamar ou mesmo declarar como injusta a ordem que os encerrou na categoria
dos desordeiros. Seu grito ecoa como bagunça, incômodo. Para evitar qualquer
audiência aos que, ordeiramente, seguem seus afazeres públicos e privados resta
afastá-los da vista. Nunca faltam motivos, às vezes aparentemente altos e signifi-
cativos, para impedi-los de aparecer e de dizer. Estranhamente, a ordem pública,
constituída exatamente na base da participação – na possibilidade do aparecer e
do dizer –, é invocada como impedimento para que esses “uns” que, por motivo
justo se rebelam contra ela, dela tomem parte, aparecendo e dizendo.
Este tipo de posição é comum em discursos repisados contra as manifestações
de sem terra, de mulheres, de negros, de pessoas com deficiência, de indígenas,
de pobres, de todo “esse tipo de gente”. Quando resolve aparecer para cobrar a
justiça e a igualdade, propaladas pela ordem, “esses tipos” já não podem ser reco-
nhecidos como “humanos direitos” e, além de criminalizar sua atuação, é preciso
desmoralizar sua causa, dizem os arautos da ordem.

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Enfim, se os rápidos traços da complexidade da reflexão que abrimos têm al-
gum sentido, então fica compreensível porque é tão difícil aos humanos direitos
compreender que direitos humanos não são um privilégio, uma concessão. Por
outro lado, torna-se também muito difícil aos que se entendem “tortos” aceitar
que direitos humanos são privilégios, concessão. Mesmo assim, sociedades de-
mocráticas ao menos garantem a uns e a outros que, sem querer direitos como
dever, seria impossível sequer divergir. Isto remete para o querer direitos como
base, até para quem defende que isto é um privilégio. Em suma, parece não ser
possível um querer que não seja um querer direitos para todos, indistintamente.

Publicado <www.ifibe.edu.br> em 20/06/2007. Versão revisada em 2012.

DIREITO DE EXIGIR DIREITOS

O direito a ter direitos está na base da cidadania moderna. É um dos principais


ganhos da democracia (e também a principal perda decorrente de regimes autori-
tários). O direito de exigir direitos é complemento do direito a ter direitos. Pensar
sobre estes temas é o desafio a que nos propomos num tempo em que é cada vez
mais difícil concretizar direitos.
O direito a ter direitos tem por referência que cada pessoa está situada no mun-
do, que é um lugar político: cada pessoa faz parte de uma comunidade política na
qual é reconhecida e pode reconhecer os demais, todos, indistintamente, como
sujeitos políticos, como cidadãos, como sujeitos de direitos.
Em contraste, a negação da participação numa comunidade política implica na
negação da humanidade fundamental que está em cada pessoa. As experiências
históricas de “estados de exceção” – às vezes autoritários; outras mantidas em su-
postas democracias –, são formas de negar a participação a indivíduos ou grupos
sociais na cidadania. Quando se instala a “exceção”, deixa-se de reconhecer o di-
reito a ter direitos e também o direito de exigir direitos. Produz-se estranhamento,
formal e material, não-reconhecimento.
É comum ouvirmos que até se aceita direitos humanos, mas somente para “hu-
manos direitos”. Ora, posições deste tipo têm na base exatamente a ideia de que
nem todos os “humanos” são “humanos”: há humanos que não estão incluídos na
comunidade política constitutiva dos direitos e, por isso, passíveis de tratamento
ao largo dos direitos comuns aos demais. A justificativa, sempre produzida por
quem está incluído na ordem dos direitos, contra os que exclui dela, é que estes,
por terem quebrado a ordem que os reconheceria como sujeitos de direitos, me-
recem tratamento à margem do direito. O mais surpreendente é que este tipo de
discurso legitima a barbárie como ação civilizatória.
Por já não participarem da comunidade da cidadania, desalojados que foram
do direito a ter direitos, não lhes resta também o direito de exigir direitos. Resta-lhes

55 |
calar e submeter-se à ordem dos que têm direitos, sem poder reclamar ou mes-
mo declarar como injusta a ordem que os encerrou na categoria dos desordei-
ros. Seu grito ecoa como bagunça, incômodo. Para evitar qualquer audiência aos
que, ordeiramente, seguem seus afazeres públicos e privados resta afastá-los da
vista. Nunca faltam motivos, às vezes aparentemente altos e significativos, para
impedi-los de aparecer e de dizer. Estranhamente, a ordem pública, constituída
exatamente na base da participação – na possibilidade do aparecer e do dizer –, é
invocada como impedimento para que esses “uns” que, por motivo justo se rebe-
lam contra ela, dela tomem parte, aparecendo e dizendo.
Este tipo de posição é comum em discursos repisados contra as manifestações
de sem terra, de mulheres, de negros, de pessoas com deficiência, de indígenas,
de pobres, de todo “esse tipo de gente”. Quando resolvem aparecer para cobrar a
justiça e a igualdade, propaladas pela ordem, “esses tipos” já não podem ser reco-
nhecidos como “humanos direitos” e, além de criminalizar sua atuação, é preciso
desmoralizar sua causa, dizem os arautos da ordem.
Sentados em confortáveis poltronas cidadãs nem precisam tapar os ouvidos
ou sujar as consciências – e muito menos as mãos: os encarregados de manter a
ordem, de fazer cumprir a lei, que cuidem disso. Até quando continuaremos nos
reconhecendo cidadãos deixando de reconhecer a cidadania dos outros?

Publicado no Jornal Diário da Manhã, Passo Fundo, RS, 17/10/2007. p. 2.

CONTAR COM E TER CERTEZA DE...

A luta histórica pela afirmação dos direitos humanos é o motor para que as
pessoas tenham conquistas efetivas. Mas, esta luta encontra entre nós uma fenda
[que em alguns casos chega a ser um abismo] entre “contar com” os direitos huma-
nos e “ter certeza de” que os direitos humanos serão efetivos no cotidiano.
“Contar com” direitos humanos é uma condição fundamental que traduz no
conteúdo da dignidade humana. Os humanos constroem mediações que expres-
sam o conteúdo a dignidade e chamam a isso de direitos humanos. Este conteúdo
é histórico, visto que resulta da compreensão e das práticas que são reconhecidas
como aquelas que afirmam o sujeito de direitos com ser em dignidade e direitos
humanos. As lutas daqueles sujeitos sujeitados pelas desigualdades, pela explora-
ção, pela violência e pela injustiça é que vai fazendo o conjunto da humanidade
tomar consciência e reconhecer novos direitos e também novos conteúdos para
velhos direitos. Isto porque a dignidade não é um dado natural aos humanos; é
sim uma construção conflituosa que vai sendo afirmada ao longo das lutas e das
conquistas históricas. Assim, “contar com” direitos humanos é poder dizer e fazer
que a dignidade humana é entendida como um conjunto de garantias que se ex-

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pressam em direitos humanos. Uma das expressões mais fortes é a jurídico-polí-
tica. Isto significa que “contar com” é ter os direitos inscritos nas cartas jurídicas
fundamentais, de modo particular a Constituição. No Brasil, por exemplo, todos/as
contamos com o direito humano à saúde, como direito universal; ele é reconheci-
do como componente substantivo da dignidade humana e, em razão disso, é parte
do ordenamento jurídico-político de sorte que a Carta Constitucional o inscreve
como direito de todos/as e dever do Estado.
“Ter certeza de” completa o “contar com” pois é sinônimo de poder materiali-
zar a expectativa. Ou seja, aqueles direitos com os quais as pessoas contam, além
de estarem no plano do enunciado e do proclamado, também são efetivos, con-
cretos, realizados, no cotidiano. O “ter certeza de” é que faz a dignidade humana
não ser um conteúdo abstrato e estranho. Ele completa o “contar com” fazendo
com que a dignidade seja vivida, por todos e todas. Assim, continuando com o
exemplo anterior, no mesmo Brasil no qual todos/as contamos com o direito hu-
mano à saúde, também vivemos, especialmente os mais pobres, com a incerteza
de que o sistema de saúde disponibilizará os recursos para que o direito possa
ser efetivo. Facilmente não há medicamentos, consultas, cirurgias, tratamentos,
enfim, os recursos concretos para que aquele/a que “conta com” o direito humano
à saúde possa ter a certeza permanente de que encontrará no posto de saúde, no
hospital, no ambulatório, no pronto-socorro, as portas abertas e os recursos sufi-
cientes para atender à sua demanda.
Algumas posições mais conformadas costumam aceitar que “contar com” já
é um grande ganho e que o “ter certeza de” seria uma construção condicionada
às prioridades nem sempre disponíveis, dada a natureza de carência estrutural
nas condições atender às demandas por direitos. Cinicamente, com isso, justificam
que o “contar com” inclusive anima os sujeitos de direitos, sobretudo os mais po-
bres, a continuar a lutar a fim de que “tenham certeza de”. Chegam a dizer que se
tudo funcionasse não haveria mais motivo para que a cidadania se mantivesse em
movimento. Os mais refratários chegam até a admitir retrocessos na efetivação
de direitos se as condições exigirem prioridades diferentes como, por exemplo,
atender a ajustes macroeconômicos. Contra estas posições levantam-se as vozes
que reconhecem que a efetivação dos direitos humanos é progressiva, ou seja, que
não se dá de uma vez e nem para sempre, até porque, assim como o conteúdo da
dignidade é construção histórica, sua efetivação também o é. Em qualquer hipóte-
se, os direitos não estão disponíveis para serem negligenciados e, em consequên-
cia, redundar em vitimização daqueles sujeitos que estão em posição mais fraca
e mais vulnerável, colaborando para aumentar outra fenda, aquela que separa os
que têm dos que não têm, os que são dos que não são, o que é sinônimo de desi-
gualdade e de injustiça.
Não há motivo para justificativas que venham para aumentar a fenda. Ela pre-
cisa, sim, é ser diminuída gradativamente, de forma a fazer com que o “contar
com” se traduza cada vez mais em “ter certeza de”. Assim, para quem acredita
que direitos humanos são basilares para a constituição de sujeitos históricos e que
deveres são deles decorrentes, entre os quais está o primeiro e mais importante

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de todos os deveres. que é respeitar os direitos de todos/as os/as outros/as, o
principal desafio é fazer com que seja superada esta fenda, preferencialmente por
seu preenchimento e, senão, com ele, ao menos com a produção de pontes que
sejam capazes de permitir trânsito entre estas margens que, a rigor, nem margens
deveriam ser.

Artigo de 08/04/2011.

POR UMA CULTURA DE DIREITOS HUMANOS

Os sujeitos de direitos são os autores de sua própria realização como cidadãos.


Cabe-lhe, por sua própria condição de sujeitos de direitos, atuarem no sentido de
promover ações que alterem situações de exclusão. Dito de outra forma, são os
próprios excluídos os agendes de superação da exclusão deles próprios e de todas
as exclusões, em todos os sentidos. Esta é a noção básica para poder propor uma
cultura de direitos.
A noção de cultura de direitos exige estabelecer alguns marcos fundamentais
no tocante à própria noção de direitos e outros no tocante aos mecanismos con-
cretos para sua efetivação. Vamos a eles.
A compreensão mercantilista de direitos humanos, vigente como hegemônica,
rompe o lugar da subjetividade centrado na pessoa e o joga para o espaço das
corporações e das relações econômicas. Em decorrência, rompe-se com a ideia
de cidadania como elemento constitutivo dos direitos humanos e convertem-se
cidadãos em clientes.
Ora, cidadania, historicamente, implica reconhecimento de sujeitos de direitos
demandantes e institucionalidades públicas responsáveis por sua satisfação, notada-
mente circunscritas e dependentes de tradições culturais e de arranjos políticos cen-
trados nos estados nacionais e em organismos internacionais por estes patrocinados.
Clientes, no entanto, não implicam em sujeitos, implicam em consumidores
que buscam bens para a satisfação de necessidades – de regra, criadas pelos pró-
prios agentes econômicos como sobreposição ilusória às necessidades humanas
básicas – atendidas por agentes privados em relações de troca mediadas pelo valor
monetário. Cidadania implica universalidade, consumo implica poder de compra.
A lógica do mercado rompe com o princípio fundante da cidadania e os direi-
tos humanos deixam de ser direitos de cidadania. Chega-se a confundi-los com o
direito à livre iniciativa dos agentes econômicos.
A leitura geracional e fragmentária dos direitos humanos, vigente e orientadora
da maioria de nossas compreensões de direitos humanos, é fruto de uma visão
de direitos humanos construída ao longo da guerra fria. Segundo ela, os direitos

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civis e políticos são de prestação negativa do Estado e de realização imediata,
contrastando com a ideia de que os direitos econômicos, sociais e culturais são de
prestação positiva do Estado e de realização progressiva.
Além disso, outra noção entende que direitos humanos não guardam relação
com desenvolvimento e democracia.
Estas visões contrastam com a leitura contemporânea (pós Viena, 1993) que
afirma direitos humanos como sendo universais, indivisíveis e interdependentes;
que exigem uma ação e um compromisso positivo do Estado para sua realização e
uma complementar atuação da sociedade civil; e que os compreende, junto com
a democracia e o desenvolvimento, profundamente integrados. Daí que, a partici-
pação da cidadania é componente de efetivação de direitos e o desenvolvimento
somente tem sentido como efetivação das garantias fundamentais elencadas pe-
los direitos humanos.
O desafio está em compreender os direitos humanos como sendo, além de
um conteúdo normativo (ético e jurídico), um conteúdo político, o que requer sua
presença central nas políticas públicas. Ou seja, uma visão ativa de direitos hu-
manos. A noção de que direitos humanos não passam de um horizonte ético a
ser alcançado pela humanidade como busca inatingível efetivamente e que há
um distanciamento tão grande entre o enunciado de seu conteúdo normativo e
as condições históricas que dificilmente alguma realidade presente será capaz de
realizá-los e a visão mais popularmente negativa de que direitos humanos são vin-
culados à proteção de bandidos e marginais, o que leva à ideia de que são tão feios
que não podem ser tocados, colocam os direitos humanos num patamar estático.
Os direitos humanos guardam um potencial emancipatório fruto das lutas popu-
lares contra o poder opressor das hegemonias políticas e do capital. Isto os faz ter
um componente utópico fundamental. No entanto, a compreensão de que esta
utopia é realizável historicamente e de que a tarefa central da ação é exatamente
criar condições históricas para que sejam efetivadas permitem manter o conteúdo
normativo dos direitos humanos articulado à sua realização através de políticas
concretas. Neste sentido, eles tornam-se parâmetro de avaliação e também ponto
de partida para orientar a implementação de ações.
Partindo destes aspectos, afirmamos que o reconhecimento do tema direitos
humanos no contexto das lutas globais por alternativas indica um amadurecimen-
to da compreensão do sentido e do potencial libertário e emancipatório dos di-
reitos humanos, resgatando, de certa forma, sua força política e de mobilização
social. Neste sentido, afirmamos que os direitos humanos, além de se constituírem
em horizonte ético reconhecido por diferentes culturas, constituem-se também
em recursos políticos capazes de potencializar ações e congregar esforços no sen-
tido de que a sua promoção e proteção exigem trabalhar em vista de traduzir para
o cotidiano da humanidade, em sua pluralidade e diversidade históricas, as con-
dições para fazer com que a dignidade humana seja ponto de partida inarrável e
princípio orientador das ações.

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DIREITOS HUMANOS: DIAGNÓSTICO DE CONCEPÇÕES

Direitos Humanos é um conceito polissêmico, controverso e estruturante. É po-


lissêmico, pois, por mais que tenha gerado acordos e consensos (como na Confe-
rência de Viena), isto não lhe dá um sentido único. É controverso, pois abre espa-
ços à discussão e ao debate, em geral, polêmicos. É estruturante, pois diz respeito
às questões de fundo que tocam a vida de todos/as e de cada um/a.
Noções fragmentárias, estagnadoras e elitistas de direitos humanos são comuns.
Elas distanciam a vigência cotidiana dos direitos humanos da vida de todas e de
cada pessoa.
As posições fragmentárias entendem que existem direitos de maior importân-
cia e direitos de menor importância; direitos de primeira categoria e direitos de se-
gunda categoria; direitos líquidos e certos e direitos incertos ou quase impossíveis
de serem realizados. Estas posições confundem a integralidade e a interdepen-
dência dos direitos com a necessidade de estratégias diferenciadas de realização,
com a necessidade de estabelecer prioridades na ação.
As posições estagnadoras de direitos humanos trabalham com a ideia de que
direitos humanos – e também quem atua com eles – se confundem com a defesa
de “bandidos e marginais”, num extremo; e, noutro, que direitos humanos confor-
mam uma ideia tão positiva e tão fantástica que é síntese do que de mais belo a
humanidade produziu. Pelas duas pontas, imobiliza: seja porque tocar no assunto
compromete negativamente; seja porque tocar na ideia a “estraga”.
As visões elitistas entendem direitos humanos como assunto para gente muito
bem iniciada, para técnicos, para especialistas. É óbvio que direitos humanos é as-
sunto para especialistas. Mas, reduzi-los a isso é problemático, já que os distância
do cidadão mais comum, que também é sujeito de direitos humanos exatamente
na situação e na condição em que se encontra.
Estas posições, em geral, levam a uma atuação pontual, residual, socorrista e
burocrática em direitos humanos. Distanciam a possibilidade de atuação integral
(que implica promoção, proteção e reparação) e também afastam o comprometi-
mento do Estado (através de políticas públicas pautadas pelos direitos humanos),
da sociedade civil (organizada e participante de forma autônoma e independente),
da comunidade internacional (no sentido amplo) e de cada pessoa (em sentido
específico). Em suma, estas posições descomprometem.
As práticas socorristas e pontuais se lembram de direitos humanos quando al-
guma tragédia assolou alguém ou um grupo social. É claro que direitos humanos
precisam estar presentes nestas situações, mas não só. Esta postura prática esque-
ce-se de que direitos humanos dizem respeito ao conjunto das condições de vida,
inclusive e especialmente, à criação de condições para que sejam evitadas as vio-
lações e a vida das pessoas seja promovida ao máximo, sem admitir retrocessos.
As posturas práticas que tratam direitos humanos de forma residual ou buro-
crática dão mais ênfase à correção do procedimento do que ao mérito do assunto,

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de regra como forma de protelá-lo ou de fazê-lo sem que esteja no núcleo central
da decisão e da ação. Este tipo de posicionamento esquiva-se de afirmar a impor-
tância fundamental de fortalecer a organização independente da sociedade civil
e, ao mesmo tempo, também de avançar no comprometimento do Estado como
agente de direitos humanos. É fato que o Estado é visto como um grande violador,
mas isso não o escusa de ser um agente realizador dos direitos humanos. Este tipo
de postura abre mão da necessidade de estabelecer interação entre a sociedade
civil e o poder público, na perspectiva de espaços de participação direta e real-
mente pública, o que somente é possível com o fortalecimento da autonomia da
sociedade civil e um grau alto de organização cidadã.

Extrato de texto do Relatório Final da IX Conferência Nacional de Direitos Humanos. Brasília: SEDH/PR, 2004.

DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÕES CLÁSSICAS

Apresentamos a seguir alguns traços gerais das concepções clássicas de direi-


tos humanos. Trata-se de uma introdução ampla que não visa, de forma alguma,
esgotar o assunto.
Uma concepção naturalista dos direitos humanos os entende como direitos na-
turais, inerentes à natureza humana. Por consequência, não passíveis de qualquer
consensualização e, portanto, exigindo, pura e simplesmente, seu reconhecimento
e proteção. Ora, se são direitos que se inscrevem na natureza humana, não garan-
ti-los significaria opor-se à própria natureza do homem.
Este tipo de concepção está presente no Direito e na Filosofia modernos, por
mais que muitas de suas raízes possam ser localizadas já na época clássica grega,
romana e medieval.
O conceito clássico de natureza humana entende o ser humano essencialmen-
te como ser social (zôon politikón). O reconhecimento de seus direitos ocorre so-
mente na sociedade, na polis. Fora da polis não há cidadania em sentido estrito. É
ela que garante ao ser humano a realização em plenitude. Têm direitos, portanto,
somente aqueles que estão nela, já que sua natureza é essencialmente social – es-
cravos e mulheres não são, por isso, sujeitos de direitos.
A filosofia cristã medieval parte da compreensão de que o ser humano é cria-
tura divina. É Deus que, por sua graça, concede ao ser humano as regras de sua
vida. O direito divino está acima de todo o direito que possa vir a ser construído
pelos seres humanos. É Deus que imprime na natureza, no direito natural, certas
regras que não podem ser modificadas pelos seres humanos. A medida para saber
se um determinado direito socialmente estabelecido é legítimo é o direito natural
que, de alguma forma, coincide com o direito divino. Como se pode perceber, a
liberdade do ser humano para criar suas próprias regras tem um limite, o direito
natural, impresso por Deus na criação.

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Os modernos têm outra noção de natureza humana. Para estes, o ser humano,
antes de ser social, é um indivíduo. As garantias fundamentais se inscrevem no
indivíduo, que se associa não por compulsão natural, mas por necessidade. Daí
que, todo direito estabelecido socialmente tem como limite o direito individual,
também chamado de direito civil. Antes de ser político (que implica ser social), o
ser humano é indivíduo e, sem a garantia da individualidade, não há política.
Em suma, e apesar das grandes diferenças entre estas três posturas que rapi-
damente apresentamos aqui, as concepções de direitos humanos deste tipo estri-
bam-se, antes de tudo, numa certa ideia de natureza humana, anterior e medida
de todo o direito que possa ser estabelecido.
Uma concepção liberal de direitos humanos entende os direitos humanos
como garantia das liberdades fundamentais. A medida do direito já não é a na-
tureza, mas a liberdade. Se, de um lado, a natureza determina a liberdade, a liber-
dade, por outro, e aqui está o centro da força, determina a natureza, promovendo,
inclusive sua modificação.
A concepção liberal também tem uma noção forte de indivíduo, não mais
como entidade anterior e determinante do social (construído compulsoriamen-
te), mas como agente da liberdade. É em nome da liberdade que os indivíduos se
associam, criam e se submetem a determinadas regras de convivência. São caros
aos liberais três princípios fundamentais: o da igualdade formal de todos ante a
lei, a regra de representação social pela vontade da maioria e a distinção profunda
entre o público e o privado. Estas noções levam a uma postura formalista da liber-
dade como sendo condição de realização, independente de como se dá de fato,
em geral em situações de profunda desigualdade.
Os liberais, portanto, reconhecem a primazia dos direitos civis, mas também
lhes acrescentam os direitos políticos como sendo fundamentais. É preciso não
esquecer que as primeiras formulações dos direitos humanos nasceram bastante
carregadas desta concepção.
A concepção positivista de direitos humanos advoga a ideia de que direitos hu-
manos são aqueles inscritos em códigos e legislações e que têm força vinculativa
enquanto estiverem ao máximo expressos na “letra da lei”. A margem de interpre-
tação é exígua e somente podem ser invocados se o objeto, quem pode demandá-
-los e quem pode ser demandado por ele estiverem definidos. Faltando qualquer
um destes componentes fica inviabilizada sua efetivação, por mais importante que
seja o conteúdo em questão.
Em termos jurídicos, esta discussão aparece num debate muito comum que
põe em comparação os direitos humanos e os direitos fundamentais. Em resumo,
a ideia defendida pelos adeptos da teoria dos direitos fundamentais é que somen-
te são direitos humanos exigíveis aqueles que forem incorporados na legislação
como direitos fundamentais, fora desta possibilidade os direitos humanos não têm
força mais do que como orientação doutrinária e moral.
A concepção histórico-crítica dos direitos humanos os entende como constru-
ção histórica marcada pelas contradições e condições da realidade social. Reco-

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nhece as liberdades fundamentais, mas entende que sua garantia exige estrutura
e condições sociais, econômicas e culturais que possam torná-las efetivas para
todos. A igualdade é complemento da liberdade, como condição fundamental da
garantia dos direitos. Igualdade deixa de ser princípio formal para se transformar
em condição histórica de garantias estruturais.
Nesta concepção, perde-se a vinculação dos direitos humanos a uma natureza
humana, já que ela própria é entendida como construção histórica. A humanidade
não é, portanto, uma entidade ou um produto. Direitos humanos são construção
histórica, assim como é histórica a construção da dignidade humana. Entende que o
núcleo conceitual dos direitos humanos radica na busca de realização de condições
para que a dignidade humana seja efetiva na vida de cada pessoa, ao tempo em que
é reconhecida como valor universal. A dignidade não é um dado natural ou um bem
(pessoal ou social). A dignidade é a construção de reconhecimento e, portanto, luta
permanente contra a exploração, o domínio, a vitimização, a exclusão. É luta perma-
nente pela emancipação, profundamente ligada a todas as lutas libertárias construí-
das ao longo dos séculos pelos oprimidos para abrir caminhos e construir pontes de
maior humanidade. Carrega a marca da contradição e da busca de sínteses históricas
que possam vir realizá-la como efetividade na vida de todos e todas.
Em consequência, o estabelecimento dos direitos humanos em instrumentos
normativos (legais e jurídicos) é sempre precário, pois, mesmo que possa significar
avanço importante na geração de condições para sua efetivação, também pode
significar seu estreitamento, já que se dá nos marcos da institucionalidade dispo-
nível que, de regra, não está construída na lógica dos direitos humanos. Contradi-
toriamente, toda luta pela institucionalização dos direitos gera condições, instru-
mentos e mecanismos para que possam ser exigidos publicamente, mas também
tende a enfraquecer a força constitutiva da dignidade humana como processo per-
manente de geração de novos conteúdos e de alargamento permanente do seu
sentido. Ademais, a positivação dos direitos não significa, por si só, garantia de sua
efetivação, mesmo que sua não-positivação os deixe ainda em maior dificuldade,
já que não dotaria a sociedade de condições públicas de ação.
A noção de direitos humanos tem uma unidade normativa interna que se fun-
da na dignidade igual/diversa de cada ser humano como sujeito moral, jurídico,
político e social. Esta unidade normativa abre-se tanto à orientação da construção
dos arranjos históricos para sua efetivação e à crítica daqueles arranjos que não
caminham concretamente na perspectiva de sua efetivação quanto à reconstru-
ção permanente da própria noção de dignidade como conteúdo construído na
dinâmica de sua efetivação.
Por isso, direitos humanos são construção histórica e estão sendo gestados
permanentemente pelos diversos sujeitos sociais em sua diversidade. Aquilo que
resta reconhecido nos textos legislativos, nas convenções, nos pactos, nos trata-
dos, é a síntese possível, circunstanciada ao momento histórico, mas que se cons-
titui em parâmetro, em referência, fundamental, mesmo não sendo o fim último
da luta em direitos humanos. A construção dos direitos humanos se faz todo dia,
se faz nas lutas concretas, se faz nos processos históricos que afirmam e inovam di-

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reitos a todo o tempo. A concepção histórica de direitos humanos reconhece que
a raiz de todas as lutas e de uma concepção contemporânea de direitos humanos
não está no arcabouço jurídico, não está no statu quo que os reconhece por algum
motivo ou porque não tinha como não reconhecê-los. A raiz dos direitos humanos
está nas lutas emancipatórias e libertárias do povo, dos homens e mulheres que as
fizeram e continuam fazendo ao longo dos séculos. Ali está a fonte principal para
dizer o sentido dos direitos humanos.

Extrato Apostila Curso de Especialização em Direitos Humanos. Passo Fundo: IFIBE, 2006.

DIREITOS HUMANOS: PROPOSTA DE CONCEPÇÃO

Os direitos humanos radicam-se na construção de reconhecimento. Dizer isso


significa posicionar os direitos humanos como relação – antes de faculdade ou
titularidade dos indivíduos. Mais do que prerrogativa disponível, direitos humanos
constituem-se em construção que se traduz em processo de criação de condições
de interação multidimensional. A interação, esquematicamente, dá-se em planos
ou dimensões diversas e múltiplas: interpessoal (singular), grupal-comunitária
(particular), genérico-planetária (universal), conjugando cotidiano e utopia, cultura
e natureza, ação e reflexão, entre outras. Em outras palavras, os direitos humanos
nascem da alteridade, nunca da mesmice ou da mesmidade.
Em termos históricos, os direitos humanos afirmam-se através da luta perma-
nente contra a exploração, o domínio, a vitimização, a exclusão e todas as formas
de apequenamento do humano. Constituem a base das lutas pela emancipação e
pela construção de relações solidárias e justas. Por isso, o processo de afirmação
dos direitos humanos sempre esteve, e continua, profundamente imbricado às lu-
tas libertárias construídas ao longo dos séculos pelos/as oprimidos/as e vitimados/
as para abrir caminhos e construir pontes de maior humanidade. Isto porque, a
realização dos direitos humanos é um processo histórico, assim como é histórico
seu conteúdo.
O conteúdo dos direitos humanos pode ser entendido em diferentes campos,
sempre como racionalidade prática (isto não significa que não estejam implicados
aspectos de natureza teórica): um normativo (ético e jurídico), outro político.
O conteúdo normativo contribui para determinar o agir. Quando se diz que
o normativo se desdobra em ético e jurídico, com isso pretende-se localizar os
direitos humanos num intervalo – como reserva – crítico entre a Ética e o Direito –
mesmo que muitas posições insistam em tê-los ou como éticos ou como políticos;
localizá-los em um ou outro destes extremos significa reduzir seu conteúdo. Co-
mumente se encontra posições que insistem em advogar a centralidade do aspec-
to jurídico. Todavia, todo o processo de positivação de direitos é também de seu

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estreitamento. Contraditoriamente, toda institucionalização dos direitos gera con-
dições, instrumentos e mecanismos para que possam ser exigidos publicamente,
mas também tende a enfraquecer a força constitutiva e instituinte, como processo
permanente de geração de novos conteúdos, de novos direitos, e de alargamento
permanente do seu sentido. Ademais, a positivação dos direitos não significa, por
si só, garantia de sua efetivação; por outro lado, se não fossem positivados haveria
ainda maior dificuldade, já que a sociedade não disporia de condições públicas de
ação. No sentido ético, direitos humanos constituem-se em exigências basilares
referenciadas na dignidade humana dos sujeitos de direitos. Isto significa dizer que
não são transacionáveis em qualquer das circunstâncias e, ao mesmo tempo, são
condições postas a toda efetivação histórica. Por isso, direitos humanos, sob o
ponto de vista normativo, estão num intervalo crítico entre Ética e Direito.
O aspecto político dos direitos humanos remete para dois desdobramentos: o
primeiro que contempla os aspectos implicados em sua realização; o segundo que
denota uma carga de escolhas necessárias.
No primeiro sentido, os direitos humanos são entendidos como parâmetro dos
arranjos sociais e políticos, visto que sua realização (ou não) é indicativa da quali-
dade política e social da vida de um povo. Ou seja, a realização dos direitos huma-
nos, como responsabilidade fundamental do Estado, que deve garantir, respeitar,
promover e proteger todos os direitos, alem de reparar as violações, põe-se como
tarefa política (e neste sentido concreta, cotidiana e, ao mesmo tempo, utópica).
O Estado, assim, passa a se constituir no espaço público por excelência, a quem
cabe desenvolver ações (políticas públicas, com o perdão da redundância, já que
seria impossível qualquer política que não fosse pública) pautadas pelos direitos
humanos: os direitos humanos, por um lado, ao limitarem o poder do Estado, exi-
gem que supere a posição de soberano plenipotenciário que dirige a cidadania (ou
a não-cidadania) e seja entendido como dirigido pela cidadania e para a cidadania;
por outro, exigem do Estado que seja agente realizador (nunca violador, como é
comum em nossas plagas) dos direitos – é seu dever fundamental realizar direitos.
Em matéria de direitos humanos, a ação política estaria centrada na presença
de todos os agentes, tanto na deliberação como na implementação, como sujei-
tos (autores, portanto, nunca somente atores). Isto significa que a cidadania em
geral, e especialmente a cidadania ativa e organizada, ganha centralidade funda-
mental no processo político. É ela instituinte de forma permanente. Note-se que é
da constituição fundamental da cidadania ser plural, ou seja, há uma diversidade
constitutiva da cidadania que não a deixa ser enquadrada em modelos simplifica-
dores e negadores; antes, exige a visibilidade e a presença dos diversos no espaço
comum. Neste sentido, os direitos e a participação da cidadania no processo políti-
co, antes de ser uma concessão, são direitos – para lembrar a já clássica expressão
de Hannah Arendt da cidadania como direito a ter direitos. A dimensão política
dos direitos humanos convoca todos os agentes à ação.
No segundo sentido, a realização dos direitos humanos exige escolhas polí-
ticas. O primeiro aspecto da escolha remete para a dimensão da garantia e da
promoção dos direitos humanos. A base da escolha remete para a decisão que

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dá primazia às pessoas, em detrimento das coisas, dos bens, do patrimônio. Isto
significa, em termos concretos, vocacionar o processo de desenvolvimento da so-
ciedade centrando-o na pessoa, o que torna as relações privadas, de mercado, de
propriedade e de patrimônio secundárias, a serviço das pessoas – os modelos ca-
pitalistas de desenvolvimento em geral modelam as vontades para que entendam
a escolha pelas coisas como uma escolha pelos direitos humanos.
O segundo aspecto da escolha remete para a dimensão da proteção dos direi-
tos humanos e da reparação das violações. A base da escolha remete para o reco-
nhecimento da existência de seres humanos em situação de maior vulnerabilidade
(o que já é, de alguma forma, indicação de desigualdade), além do reconhecimen-
to de que existem violações dos direitos e que estas violações geram vítimas – se-
jam as vítimas sistêmicas da histórica exploração e expropriação, sejam as vítimas,
hoje banalizadas, da violência.
Vítimas existem em consequência da negação de direitos, de sua não realiza-
ção. Isto porque, vítimas são todos os seres humanos que estão numa situação na
qual é inviabilizada a possibilidade de produção e reprodução de sua vida mate-
rial, de sua corporeidade, de sua identidade cultural e social, de sua participação
política e de sua expressão como pessoa, enfim, de seu ser sujeito de direitos.
O contexto é chave para compreender porque existem vítimas. Nele podem ser
identificados fatores que concorrem para tal como: a reprodução da vida (humana
e em geral) está interditada pela postura predatória, patrimonialista, privatista e
individualista; vale mais o “poder de compra” – capacidade de consumo – do que
a pessoa (às vezes tão ou mais descartável que as coisas); a racionalidade hege-
mônica é cínica e ignora as vítimas e as alteridades, é a racionalidade calculista e
instrumental, essencialmente concorrencial – o outro é “inimigo”; o crescimento
das “burocracias privadas e privatistas” constrange os Estados (e a cidadania) e
inviabiliza a atenção aos direitos, pondo-os a serviço da segurança da reprodu-
ção do próprio capital e da manutenção dos interesses privados – sobretudo das
transnacionais – em detrimento das demandas públicas e universais por direitos,
que passam a ser entendidas puramente como serviços; e finalmente, as posições
contestatórias ou mesmo os problemas graves e comuns a todos (como o ambien-
tal, por exemplo) são entendidos como desajustes sistêmicos a serem absorvidos
(como controle de risco) ou simplesmente eliminados, combatidos (vide a crimi-
nalização da luta social, por exemplo). Reconhecer a existência de vítimas e de
grupos vulneráveis exige posicionar a ação no sentido de protegê-los e repará-los.
Todavia, isto, de longe, pode ser pautado por posturas que se traduzem em clien-
telismos e paternalismos de todo o tipo.
Enfim, direitos humanos é, acima de tudo, compromisso com a realização efe-
tiva da dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas. Enquanto uma só pessoa
tiver um de seus direitos violados ou ainda não realizado estar-se-á longe de ser
uma sociedade justa e de paz.

Extrato do texto publicado no livro Pensando uma agenda para o Brasil. Brasília: INESC, 2007. p. 86-103.

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CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

Uma concepção ampla e aberta entende que os direitos humanos têm as se-
guintes características centrais.
A universalidade dos direitos humanos radica na dignidade humana construída
por processos históricos. Os seres humanos não nascem livres e iguais em digni-
dade e direitos, como diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Os
seres humanos se tornam livres e iguais em dignidade e direitos porque estabele-
cem processos e dinâmicas que valorizam a liberdade, a igualdade e a dignidade.
Por isso, é na vivência concreta que se pode (ou não) reconhecer em cada uma e
em todas as pessoas, na diferença e na diversidade que lhe são constitutivas, um
sujeito de direitos. A universalidade dos direitos humanos exige sempre reconhe-
cimento da diversidade e da pluralidade, que são intrínsecas à dignidade humana.
Dessa forma, a universalidade dos direitos humanos é uma construção que par-
te do reconhecimento da dignidade de cada pessoa, de sua singularidade, que é
única, do reconhecimento de que as pessoas se fazem de diferentes formas e têm
aspirações comuns e também diferentes. Dizer que direitos humanos são univer-
sais é querer que cada pessoa possa viver em condições concretas nas quais seja
reconhecida como pessoa, simplesmente como pessoa.
A indivisibilidade dos direitos aponta para a necessidade de superação das lei-
turas geracionais dos direitos humanos no sentido de que há direitos que vieram
primeiro e por isso são mais importantes. Todos os direitos humanos: os civis e po-
líticos; os econômicos, sociais e culturais e; os de solidariedade, entre outros, cons-
tituem, juntos, um todo indivisível, o conjunto dos direitos humanos. A necessida-
de do compromisso e de responsabilidade pela garantia efetiva vale para todos os
direitos, igualmente. Dessa forma, o conjunto dos direitos humanos constitui um
todo que exige a construção de dinâmicas e processos concretos e adequados à
efetivação de cada direito como direito humano e de todos os direitos humanos
como realização da dignidade da pessoa humana.
A interdependência dos direitos complementa as duas noções anteriores para
dizer que a realização de um direito exige na realização dos demais. Por exemplo,
não há como realizar direitos civis e políticos sem que os direitos econômicos, so-
ciais e culturais também sejam realizados. É claro que há procedimentos e instru-
mentos distintos para efetivar diferentes direitos. No entanto, é central que todos
sejam realizados, mesmo que nem sempre de uma única vez, mas ao menos de tal
forma a não admitir retrocessos. Neste sentido, os direitos humanos se constituem
em base que não pode ser ultrapassada nas relações interpessoais, na efetivação
de políticas públicas, nas decisões judiciais, nas práticas culturais e educativas, en-
fim, os direitos humanos orientam tipo de desenvolvimento e de democracia que
se efetiva numa determinada sociedade, da mesma forma que o tipo de desenvol-
vimento e de democracia que se vive numa sociedade podem ser mais ou menos
favoráveis aos direitos humanos.

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As características dos direitos humanos esboçadas trabalham com a noção de
ser humano como construção histórica e procuram superar a ideia de ser humano
genérico e abstrato e abrem-se para compreendê-lo na sua concretude.
O desdobramento imediato é a necessidade de construção de dinâmicas e pro-
cessos que tornem os direitos humanos realidade concreta. Por isso, acrescenta-
mos as características que seguem: a irrenunciabilidade, a imprescritibilidade, a
exigibilidade e a justiciabilidade.
A irrenunciabilidade dos direitos humanos baseia-se na compreensão de que
os direitos humanos não são concedidos à pessoa humana por um terceiro (o Es-
tado, por exemplo) e também não são eleitos ou escolhidos por ela. A construção
histórica de seu reconhecimento faz com que não seja possível dela abrir mão e
nem dela possam ser retirados os direitos de forma unilateral. Ou seja, uma pes-
soa não pode renunciar a seus direitos; se pudesse fazer isso é como se estivesse
abrindo mão de parte ou de toda a sua humanidade singular. Por outro lado, se
a pessoa não pode renunciar a direitos humanos, também nenhum outro agente,
de modo particular o Estado, tem qualquer justificativa legítima para subtraí-los.
Isto faz com que os direitos humanos não estejam disponíveis ao Estado para que
possa escolher realizá-los ou não. Considere-se, no entanto, que a existência jurí-
dica dos direitos humanos implica sua presença no ordenamento jurídico de cada
País, em sua Constituição, e na ratificação dos tratados internacionais. Isto faz com
que muitos Estados não atuem no sentido da proteção da pessoa e por isso não
incorporem juridicamente os direitos humanos. Este fato somente demonstra que
o Estado que age desta forma é omisso. O problema que se instala numa situação
dessas trata da possibilidade de a pessoa invocar o direito internacional dos direi-
tos humanos para sua proteção. Para alguns, se os direitos não estiverem reconhe-
cidos na legislação do País, qualquer medida internacional seria uma intervenção
externa, ferindo a soberania. Para outros, a soberania tem limites exatamente no
que diz respeito aos direitos humanos. O risco, porém é que há a possibilidade de
uso dos direitos humanos como argumento geopolítico para intervenções ilegais
e até guerras (há muitos exemplos disso na história recente), o que obviamente
não é legitimado pelos direitos humanos. Em suma, mesmo considerando estes
problemas, entender os direitos humanos como irrenunciáveis dá força e poder à
pessoa e exige pôr as instituições a seu serviço.
A imprescritibilidade dos direitos humanos baseia-se na compreensão de que
os direitos não cessam no tempo. Ou seja, os direitos humanos são valores ao
mesmo tempo construídos historicamente e que transcendem às circunstâncias
epocais e podem ser exigidos a qualquer tempo. Isto vale também para situações
de violação: a vítima pode exigir reparação e justiciabilidade a qualquer momen-
to. É por este motivo que os “crimes contra a humanidade” podem ser julgados
a qualquer tempo. Esta característica dos direitos humanos ajuda a proteger as
pessoas contra o arbítrio dos violadores, visto que, cessadas as circunstâncias de
maior cerceamento dos direitos, as pessoas, sobretudo as vítimas, que estavam
impedidas de promover ações para proteger seus direitos, podem exigir repara-
ção. É também fundamental compreender que a imprescritibilidade compromete

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o Estado com a promoção e a proteção dos direitos humanos independente do
governo. Ou seja, um governo que sucede a outro não pode alegar impossibilida-
de de responder às garantias dos direitos em caso de governos anteriores não te-
rem agido dessa forma. A responsabilidade pela garantia dos direitos é do Estado
e, portanto, todo governo está submetido a agir pela sua garantia. Assim que, por
exemplo, se uma pessoa foi torturada durante o regime militar e o Estado for con-
denado a indenizá-la em período democrático, terá que pagar a indenização, não
podendo alegar que o fato teria acontecido em outro período, em outro governo,
não teria responsabilidade com isso.
A exigibilidade reconhece que cada cidadão tem a possibilidade de demandar
a realização dos direitos, cabendo ao Estado, sobretudo, e à sociedade civil, em
complemento, a busca de condições para sua efetivação. Um dos instrumentos
mais significativos que permitem a realização de condições para a exigibilidade
dos direitos humanos é a efetivação de políticas públicas de direitos humanos e
o posicionamento dos direitos humanos como parâmetro de todas as políticas
públicas. A exigibilidade é uma das características mais significativas da historici-
dade dos direitos humanos, visto que dá à cidadania condições para se organizar,
inclusive de forma coletiva, para realizar mobilizações e pressões sobre governos
e agentes públicos do Estado a fim de cobrar a proteção e a promoção dos direitos
humanos e a reparação das violações.
A justiciabilidade dos direitos humanos exige reconhecer que os direitos huma-
nos podem ser demandados ao Poder Judiciário, sempre que não forem realiza-
dos. Há muitos passos ainda a serem dados, especialmente no sentido de dotar
a sociedade de conhecimento e de instrumentos concretos para demandar dos
Tribunais o justo remédio para as violações dos direitos humanos. Há todo um
trabalho a ser feito neste campo, de tal forma que o poder do Estado em matéria
de direitos humanos possa ser também exercido pelo Judiciário, que, infelizmente
e em grande medida, ainda desconhece a possibilidade de tratar de direitos desta
ordem. Exigir justiça em geral e em sentido de justiciabilidade é uma das principais
lutas pelos direitos humanos.

Extrato de Direitos Humanos: tudo a ver com a nossa vida, organizada pela Comissão de Direitos Humanos
de Passo Fundo (CDHPF) com apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Passo Fundo, 2012. p. 19-25.

ALGUMAS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos são todos iguais? Por que, então se fala em várias listas
de direitos? Afinal, se são universais, indivisíveis e interdependentes, porque dizer
que há diversos direitos? Identificar várias dimensões dos direitos humanos pode
gerar classificação dos direitos. Isto, no entanto, em hipótese alguma, pode significar

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determinar maior ou menor importância a uns ou a outros. Também não pode
significar endossar uma leitura geracional evolucionista pela qual uns direitos, por
terem sido reconhecidos antes do que os outros, já teriam sido superados pelos
que vieram depois ou então têm mais importância. Em linhas gerais costuma-se
reconhecer as seguintes dimensões ou agrupamentos dos direitos humanos:
Direitos Civis e Políticos. Presentes na Declaração Universal dos Direitos Huma-
nos (1948) e proclamados pela ONU através do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos (PDCP) (1966), ratificado pelo Brasil em 1992, e também, entre ou-
tras, através da Declaração sobre a Proteção contra Tortura e outros Tratamentos
ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1975). Em termos gerais, podería-
mos dizer que são aqueles direitos relativos às garantias e liberdades fundamen-
tais. Apesar da dificuldade de consenso sobre sua classificação poderíamos dizer
que os direitos civis são, entre outros: o direito ao reconhecimento e igualdade
diante da lei; a um julgamento justo; de ir e vir; e à liberdade de opinião, pensa-
mento e religião. Os direitos políticos, entre outros, são: o direito à liberdade de
reunião; liberdade de associação; à participação na vida política. Muitos conside-
ram que estes são os direitos individuais por excelência e que constituem garantias
absolutas contra o Estado – direitos de prestação negativa. O conceito atual de di-
reitos humanos indica que não é suficiente esta concepção, já que os direitos civis
e políticos implicam também responsabilidades do Estado na sua garantia, sem
que isso diminua ou interdite a responsabilidades de cada pessoa.
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Presentes na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) e proclamados pela ONU através do Pacto Internacio-
nal dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (1966), ratificado pelo
Brasil em 1992. Em termos gerais, poderíamos dizer que são aqueles direitos que
os indivíduos demandam ao coletivo, por isso, implicam na garantia de condi-
ções coletivas e mais estruturais de desenvolvimento, implicando não somente
os indivíduos, mas toda a coletividade. Apesar da dificuldade de consenso na sua
classificação, poderíamos dizer que os direitos econômicos são: os direitos a um
desenvolvimento autônomo, a um meio ambiente sadio, a alimentar-se, ao traba-
lho e os direitos do trabalhador; os direitos sociais são relativos à segurança social;
à família, à maternidade e à infância, a moradia e a cidade e o direito à saúde; e
os direitos culturais são relativos à educação, à participação da vida cultural e do
progresso científico. Também incluem os direitos à não-discriminação e os direitos
das mulheres e de outros grupos sociais vitimizados. Muitos consideram estes di-
reitos como sendo aqueles cuja ação do Estado deveria ser determinante para sua
garantia – direitos de prestação positiva. O conceito atual, novamente, assim como
no caso dos direitos civis e políticos, exige compromissos tanto do Estado quanto
da cidadania. Estes direitos são de realização progressiva, o que não significa, em
hipótese alguma, admitir retrocessos.
Direitos Coletivos. Também são conhecidos como direitos meta-individuais, di-
fusos ou de solidariedade. Caracterizam-se por ser direitos que não têm titulari-
dade individual e também não regulam a relação dos indivíduos com o Estado.
São direitos públicos no sentido profundo do termo. Em geral, formam aquele
conjunto de direitos que dizem respeito à garantia de um meio ambiente social

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e natural na perspectiva da proteção e preservação e da recuperação das con-
dições naturais pelo uso sustentável dos recursos naturais, ao desenvolvimento,
à paz, à autodeterminação dos povos. Também incluem os direitos à proteção
de grupos e segmentos e os direitos relacionados ao consumo. Os instrumentos
internacionais que contém estes direitos são: Declaração sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (1992), Declaração sobre Direito ao Desenvolvimento (1986),
Declaração sobre Direitos dos Povos à Paz (1984), a Convenção sobre os Direitos
da Criança (1990), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discri-
minação contra as Mulheres (1983), a Convenção sobre Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial (1967), a Convenção sobre Direitos das Pessoas
com Deficiência (2006), a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (2007) e
várias outras. Há ainda um conjunto de outros direitos que estão em disputa a
fim de que sejam reconhecidos e que poderiam ser chamados de “novíssimos”
direitos. Trata-se dos direitos que protegem a vida humana e poderiam ser cha-
mados de bioéticos, dos direitos advindos da realidade virtual e das tecnologias de
informação (internet, por exemplo), além do debate sobre os direitos dos animais.
Este conjunto de direitos vem sendo discutido e já há instrumentos internacionais,
porém ainda sem abrangência ampla como no caso dos demais.

Extrato de Direitos Humanos: tudo a ver com a nossa vida, organizada pela Comissão de Direitos Humanos
de Passo Fundo (CDHPF) com apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Passo Fundo, 2012. p. 26-28.

TRAÇOS DA TRAJETÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO


BRASIL10

Enquanto as Nações Unidas (ONU) construíam as bases de sua Carta na qual os


direitos humanos figuram como conteúdo central (década de 1960), o Brasil vivia
a ditadura militar e, quase coincidentemente, o seu maior endurecimento. A rea-
lidade brasileira do período mundial de afirmação dos direitos humanos foi mar-
cada pela sua inviabilização como conteúdo e como experiência política e social,
dado o processo de cerceamento da participação social e a prisão, exílio e morte
de centenas de ativistas que se opunham à ditadura militar (que, de maneira miti-
gada, preferiu chamar a si mesma de revolução, contraditoriamente). O processo
de abertura, controlado e dirigido pela elite militar (e civil), gerou esquecimento,
marca da cultura política e social até hoje. Sem ter feito a abertura por completo
(os arquivos ainda continuam inacessíveis), o processo persiste com um passivo
que se expressa no ainda não acesso à memória da ditadura, de suas vítimas e de
seus algozes.

10 Em razão da natureza deste material, optamos por suprimir as notas de rodapé com infor-
mações complementares ao texto. Recomenda-se acessar o texto original para conferir as
complementações.

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É em nome dos direitos humanos e dos ideais de justiça e igualdade que a so-
ciedade brasileira começa a se levantar contra o arbítrio da ditadura. Nas nascen-
tes entidades de direitos humanos, na década de 1970, começam a se manifestar
vozes de resistência e de condenação do regime militar. Veja-se que o conteúdo
dos direitos humanos, ausente da vida concreta das pessoas e ausente da práti-
ca dos governos, estava presente nas lutas de resistência. É ali que vicejou, junto
com movimentos e organizações populares e sindicais, forjando uma consciência
crescente que desabrochará mais tarde, com vigor, no movimento pela Anistia e
pelas Diretas. Contraditoriamente, a Anistia ampla, geral e irrestrita abdicou de
produzir a verdade sobre a ditadura e as eleições indiretas frustraram a expectativa
dos milhões que foram às ruas exigindo mais do que eleições. O processo, apesar
dos reveses, cresceu e se consolidou em movimentos e organizações sociais que
se instituíram na década de 1980 e que participaram ativamente da vida social e
política do país. Entre estas organizações está o Movimento Nacional de Direitos
Humanos, fundado em 1982.
O processo constituinte (1987 e 1988) significou certa convergência de setores
sociais diversos, inclusive de boa parte dos setores populares, na crença de que
seria possível refundar o país dotando-o de novas bases democráticas e justas. As
emendas populares, apresentadas com milhares de assinaturas e sobre os mais
diversos temas, são mostras de que, no fundo, acreditava-se que seria possível
transformar direitos em obrigações. O processo Constituinte e a Constituição Fe-
deral de 1988 significaram, contraditoriamente, um marco de convergência da re-
sistência política e um ponto de referência para a afirmação dos direitos humanos.
O final da década de 1980 foi marcado por um conturbado momento histórico:
o fim das alternativas reais à sociedade de mercado, de um lado; e a consciência
crescente de que, no subterrâneo da retórica dos direitos, vicejava sorrateiramente
o neoliberalismo, por outro. Foi um tempo de proclamação do fim das utopias.
Contraditoriamente, a sociedade brasileira, vivia os tempos de institucionalização
de parte de seus ideais, com a nova Constituição. Com eles, a inauguração da cons-
trução de bases para a realização dos direitos humanos. Foi um tempo também de
eleição de uma aventura política que resultou inviabilizada através do movimento
do impeachment. A mesma força que levou a Constituição a ser pautada pelos di-
reitos humanos, consideradas as circunstâncias, viu-se assolada por um governo
que depunha contra ela. As forças populares resistiram, no mesmo espírito, mes-
mo sem conseguir com isso instaurar a abertura de novo ciclo político e, sobretu-
do, a implementação de transformações econômicas e sociais estruturantes.
O movimento de constitucionalização dos direitos viu-se, imediatamente em
seguida, chamado à sua complementação através da construção de legislações
complementares. Nesta esteira é que nasceram leis orgânicas como a da Saúde e
o Estatuto da Criança e do Adolescente, para exemplificar, além de inúmeras ou-
tras propostas que não se tornaram legislação ainda, como o fim da justiça militar,
e outras que somente se tornaram legislação mais tarde, como a lei que tipifica
o crime de tortura, entre outras. A década de 1990 iniciou-se, portanto, com um
forte movimento social que, nas ruas, exigia direitos, ao mesmo tempo em que

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investiu na necessária consolidação de legislações capazes de abrir espaços no Es-
tado a fim de garantir a participação cidadã e o controle social como mecanismos
para fazer avançar a efetivação dos direitos constitucionais.
A era FHC (1995 a 2002) foi marcada por um processo no qual a social-demo-
cracia cedeu às oligarquias tradicionais e ao poder econômico globalizado: domar
a inflação custou o adiamento da realização efetiva dos direitos humanos, da su-
peração das desigualdades gritantes e do fortalecimento da democracia, e gerou
a ampliação da privatização do Estado, a abertura ao capital estrangeiro, novos
grandes projetos baseado apenas no poder do mercado. Ainda assim, sob a óti-
ca dos setores populares, a perspectiva da democratização mais ampla possível
esteve na agenda, em geral associada à construção dos direitos. Diríamos que se
vivia um misto de crença no Estado de Direito e de descrença na capacidade de o
Estado realizar os direitos, ambas associadas à crença na força da sociedade orga-
nizada como lugar de produção de alternativas e de construção de capacidade de
controle da ação governamental.
O processo de organização social viu-se complexificado com o surgimento de
diversas formas organizativas (movimentos populares, ONGs, fóruns, redes, arti-
culações e outros). Ao mesmo tempo em que se ampliou a incidência no controle
social de políticas, também se manteve um forte processo de luta popular (mar-
chas, caminhadas, ocupações de terra, entre outros). Um elemento novo deste
período é o crescimento da articulação regional e global (em termos de direitos
humanos começou a ocorrer uma incidência junto aos sistemas internacionais de
proteção). Todo este processo, associado a vários movimentos, confluiu para o
Fórum Social Mundial (iniciado em 2001 e, a partir daí, realizado anualmente),
expressão mundial da busca de alternativas cuja gênese é resultado da ação de
organizações sociais brasileiras.
Ao mesmo tempo em que ocorreu este processo no universo das organizações
populares, também foram sendo experimentadas administrações públicas cujos
mandatários eram oriundos do campo popular, as administrações populares di-
rigidas por partidos do tradicional campo de esquerda. Estas novas experiências
possibilitaram a vivência do exercício do poder dentro do aparelho do Estado e a
construção de boas inovações em termos de gestão de políticas públicas, além da
abertura de espaços de participação popular – talvez o modelo mais marcante dis-
so seja o Orçamento Participativo. Por outro lado, também ajudou na identificação
das contradições e dos limites da institucionalidade disponível. De experiências
locais chegou-se às estaduais e à federal. A eleição de Lula, sob este aspecto, pode
ser identificada como o ápice, em termos de ocupação dos espaços hierárquicos
de exercício do poder do Estado. Mesmo que o governo Lula ainda esteja em cur-
so já se pode dizer, com certa tranquilidade, que a sensação que as organizações
populares vêm alimentando é que, salvos os avanços em vários setores, estrutu-
ralmente ainda não conseguiu ampliar os espaços de participação direta e, muito
menos, as condições concretas para a realização dos direitos humanos. A retórica
da participação popular, do controle social, dos direitos, da transformação, pare-
ce adiada, talvez sacrificada, pelas diversas estratégias de “governabilidade” e de
“crescimento” econômico.

73 |
Em termos específicos de ação em direitos humanos, a presença consistente e
estruturante na Constituição Federal deu alento a um processo de incorporação
jurídica e política crescente, mesmo que ainda insuficiente. Neste sentido, a déca-
da de 1990 é pródiga, se contrastada ao conjunto da história do país.
Neste período, em nível mundial vivia-se o chamado Ciclo Social no qual foram
realizadas Conferências Mundiais sobre os mais diversos temas, sempre com aber-
tura para participação das organizações não governamentais, tanto em espaços
formais quanto em espaços paralelos de formulação e de pressão dos governos.
O Brasil viveu de perto uma delas, a ECO-1992, a Conferência Mundial para Meio
Ambiente, realizada no Rio de Janeiro. Teve participação expressiva em várias de-
las, especialmente na II Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada em
Viena, em 1993. O Brasil se fez representar com uma significativa delegação go-
vernamental e de representantes da sociedade civil (entre os quais do MNDH). O
corpo diplomático brasileiro teve atuação destacada nos debates e na sistemati-
zação da Declaração e Programa de Ação, aprovado por consenso por mais de
160 países presentes. A Conferência de Viena significou um marco na afirmação
histórica dos direitos humanos, pois declarou que são universais, indivisíveis, in-
terdependentes e inter-relacionados (Programa de Ação, art. 5º), estreitamente
vinculados à democracia e ao desenvolvimento (art. 8º) e exigem atenção priori-
tária aos grupos sociais vulneráveis (arts. 14 a 23 e 25).
Na esteira do processo preparatório à Viena, o Brasil ratificou vários instrumen-
tos internacionais de direitos humanos em 1992: o Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais (PIDESC), a Convenção Americana de Direitos Humanos da OEA, entre
outros – praticamente a maior parte das Convenções, Tratados e Pactos estão rati-
ficados, dotando a sociedade brasileira de importantes instrumentos de proteção
dos direitos humanos.
Na volta de Viena, governo e sociedade civil construíram uma Agenda Brasilei-
ra de Direitos Humanos a fim de dar seguimento às resoluções da Conferência. A
Agenda resultou em várias iniciativas: em 1993, a criação da procuradoria Federal
dos Direitos do Cidadão (PFDC), pelo Ministério Público Federal; o Poder Exe-
cutivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei que cria o novo Conselho
Nacional de Direitos Humanos (1994) e também criou a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos (1996), ligada ao Ministério da Justiça (hoje Secretaria Especial
dos Direitos Humanos, com status de Ministério); em 1995, a Câmara dos Deputa-
dos criou a Comissão de Direitos Humanos (CDH/CD) – o Senado Federal só criou
em 2003; a partir de 1996, a CDH/CD em conjunto com organizações da sociedade
civil e outras instituições públicas passou a organizar anualmente as Conferências
Nacionais de Direitos Humanos; também em maio de 1996, o Poder Executivo de-
cretou o Programa Nacional de Direitos Humanos. Este conjunto de medidas na-
cionais ensejou a tomada de várias iniciativas estaduais. Entre elas estão: a criação
de Comissões de Direitos Humanos nas Assembleias Legislativas, a formulação
de Planos Estaduais de Direitos Humanos, a criação de Conselhos Estaduais de
Direitos Humanos e a realização de Conferências Estaduais de Direitos Humanos.

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A Emenda Constitucional nº 45, sobre a Reforma do Poder Judiciário, proposta já
em 1992, entre outros pelo então deputado Helio Bicudo, introduziu importantes
mudanças. Entre as principais estão: a possibilidade de federalização dos crimes
contra os direitos humanos – por iniciativa do Procurador Geral da República e
mediante decisão do Superior Tribunal de Justiça – e a criação do Conselho Na-
cional de Justiça, além da previsão das Ouvidorias de Justiça. No que diz respeito
à natureza jurídica dos tratados de direitos humanos, a Emenda disciplinou o as-
sunto para o caso dos tratados a serem incorporados depois de sua promulgação;
porém, deixou em aberto a controvérsia sobre os que já foram ratificados – ob-
serve-se que a maioria deles já o foi e sem seguir o ritual determinado pela Emen-
da. Isto abre um debate sobre o que fazer com os instrumentos internacionais de
direitos humanos, caso se pretenda que tenham status constitucional. Este é um
debate jurídico que tem sérias consequências sobre a maneira como o Poder Judi-
ciário se propõe a incorporar os instrumentos internacionais de direitos humanos
nos julgamentos e, sobretudo, no nível de exigência de comprometimento dos
agentes executivos e legislativos, dado que, admitida uma hierarquia constitucio-
nal qualquer ação destes poderes teria que respeitá-los. Não sendo assim, ficam
liberados e poderiam formular legislações que, eventualmente, poderiam até se
contrapor a eles.
Na esteira de construção de caminhos novos para os direitos humanos, a so-
ciedade civil, através de diversas organizações, participou ativamente do processo
institucional e também desenvolveu iniciativas autônomas consideráveis. Entre as
principais destacamos: a introdução do debate sobre Direitos Humanos Econô-
micos, Sociais e Culturais, cujo marco é a publicação, pelo MNDH, CPT e FIAN, do
texto Direitos Econômicos, seu tempo chegou, em dezembro de 1997; o processo
de criação de bases, coordenado pelo MNDH, para a organização de um Capítu-
lo Brasileiro da Plataforma Interamericana de Direitos Humanos, Democracia e
Desenvolvimento (PIDHDD); a construção do Informe da Sociedade Civil sobre
cumprimento do PIDESC, sob a coordenação do MNDH, da CDH/CD e da PFDC,
visando forçar o governo brasileiro a apresentar o informe oficial, tendo resultado
da realização de 17 audiências estaduais que reuniram representantes de mais
de duas mil organizações populares, e apresentado ao Comitê DESC da ONU, em
maio de 2000, sendo que a apresentação oficial ocorreu em maio de 2003, re-
sultando nas primeiras Observações Conclusivas sobre o Brasil; a apresentação
de informe alternativo da sociedade civil e os debates sobre o cumprimento da
Convenção contra a Tortura (em 2000), o que acelerou a vinda do Relator Especial
da ONU sobre Tortura, Dr. Nigel Rodley, no mesmo ano e, a partir dela a acolhida
e acompanhamento da visita de vários Relatores Especiais da ONU; além da apre-
sentação de casos ao Sistema Interamericano (OEA). Nesta mesma esteira, várias
iniciativas de articulação foram sendo realizadas, tanto nacionais quanto interna-
cionais. Uma memória de todo este processo mereceria atenção mais destacada,
mas poderá ser feita em outro momento.
Um destaque especial para a IX Conferência Nacional de Direitos Humanos,
2004, que foi a primeira a ser precedida de conferências estaduais, todas convocadas

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oficialmente e dirigidas por um Grupo de Trabalho que reunia representantes do
poder público e da sociedade civil. O tema central foi a construção do Sistema
Nacional de Direitos Humanos (SNDH). A proposta foi formulada e apresentada
originalmente em 2001, pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos e, em
síntese, sugere mudanças estruturais na forma de desenvolver a atuação em di-
reitos humanos no país. Amplamente incorporada e aprovada pela IX Conferên-
cia, viu pouco ou quase nenhum empenho da parte do governo federal para sua
implementação. A importância do tema e a expectativa com sua incorporação na
agenda governamental haviam sido manifestas pelo MNDH em carta ao presiden-
te Lula, ainda quando não havia assumido o governo, em dezembro de 2002, e
reiterada nos anos seguintes.
Em breves linhas, traçamos aspectos da trajetória de construção de instru-
mentos e processos sociais pela realização dos direitos humanos. Procuramos
identificar temas e sujeitos coletivos que os lideraram. Com isso, não se pretende
desmerecer ou negligenciar a luta ampla e incansável de anônimos e públicos
que, ao longo destes anos, em seus locais de atuação e através dos mais diversos
processos, contribuíram para fazer avançar os pequenos passos dados no sentido
da implementação de condições mais apropriadas para a proteção dos direitos
humanos no Brasil. Eles indicam uma caminhada feita, mas, mais do que tudo, que
ainda há muito para caminhar.

Extrato do texto publicado no Livro Direitos Humanos no Brasil 2. Rio de Janeiro: Mauad/Ceris, 2007. p. 20-28.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi promulgada pelas


Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. O contexto e as motivações que
levaram ao seu surgimento podem ser resumidas da seguinte maneira. Vivia-se
o pós-Segunda Guerra. O mundo estava sendo reorganizado pelos vencedores, a
humanidade queria paz e havia um forte brado pelo nunca mais as atrocidades e
as barbáries do totalitarismo. Uma das respostas foi a criação da Organização das
Nações Unidas (ONU), em 1945, com o propósito de constituir as bases de uma
comunidade internacional.
Nasceu com o escopo de promover a paz, o desenvolvimento e os direitos
humanos. Esses três conceitos resumiam as aspirações comuns, mesmo que não
fossem consensuais (nunca foram e nem são até hoje, visto que os países hege-
mônicos sempre os utilizaram mais para promover seus interesses do que para a
realização de melhores condições de vida para o conjunto da humanidade).
Uma das primeiras medidas das Nações Unidas foi a elaboração da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, até porque na Carta da ONU (seu documento
fundacional) já estava enunciado, entre seus propósitos, “promover e estimular o

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respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos” (art. 1º,
3). Retomou vários processos e aspirações liberais e sociais construídas por lutas
históricas e as condensou num documento que pretendia resumir conceitualmen-
te um sentido novo no qual a dignidade humana deveria estar no centro da ação
individual e pública, tanto em cada país como nas relações internacionais.
A elaboração da Declaração foi longa e exigiu muitos debates, enfrentou mui-
tas controvérsias e resistências, chegou ao texto que conhecemos depois de mui-
tas votações. Resumidamente, o processo foi feito no âmbito da Comissão de Di-
reitos Humanos (CDH/ONU), atendendo ao mandato a ela conferido por resolução
do Conselho Econômico e Social de 16/02/1946.
A elaboração do documento iniciou-se na sessão plenária da CDH/ONU de ja-
neiro/fevereiro de 1947. Foi conduzida por um comitê de elaboração do qual parti-
ciparam representantes de oito países (Austrália, Chile, China, EUA, Franca, Líbano,
Reino Unido e União Soviética). A primeira minuta do texto foi anunciada na ses-
são de dezembro de 1947. Recebeu sugestões até a sessão da CDH/ONU realizada
em maio de 1948, que trabalhou até 16 de junho daquele ano para finalizar o texto
que apresentou ao Conselho Econômico e Social. Por sua vez, o Conselho o enca-
minhou para a Assembleia Geral em agosto.
O texto foi analisado na terceira Assembleia Geral, que funcionou em Paris de
setembro a dezembro de 1948. No âmbito da terceira comissão da Assembleia
houve 1400 votações para que o texto chegasse ao plenário. Na sessão de 10
de dezembro de 1948, o plenário promulgou o texto que conhecemos depois de
votação que registrou 48 votos a favor, nenhum contra, oito abstenções e duas
ausências. Assim que, através da Resolução 217-A (III) da Assembleia Geral saiu ao
público a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Austregésilo de Athayde, representante do Brasil, escolhido para ser o orador
responsável pela apresentação do texto ante a Assembleia, em 10 de dezembro,
declarou em seu discurso que o documento não resultara da imposição de “pon-
tos de vista particulares de um povo ou de um grupo de povos, nem doutrinas po-
líticas ou sistemas de filosofia” e continuou dizendo que “a sua forca vem precisa-
mente da diversidade de pensamento, de cultura e de concepção de vida de cada
representante. Unidos formamos a grande comunidade internacional do mundo e
é exatamente dessa união que decorre a nossa autoridade moral e política”.

Extrato de Texto usado para apresentação feita durante a IV Conferência Jaime Wright, promovida pela Fa-
culdade Dois de Julho e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), em Salvador, BA, em 23/10/2008.

ASPECTOS FILOSÓFICOS DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL

Há um conjunto de conceitos filosóficos explícitos no texto da Declaração. Não


teria como tratar de todos eles aqui. Atenho-me a alguns que considero referenciais.
A Declaração começa dizendo, no preâmbulo, que considera “que o reconhe-
cimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus

77 |
direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo”. O primeiro artigo diz que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em rela-
ção uns aos outros com espírito de fraternidade”. Neles, sem desprezo aos demais
aspectos do texto, estão resumidos vários conceitos.
O primeiro é dignidade humana. A dignidade humana e entendida como “ine-
rente” e “natural”. Isto significa que a dignidade não é uma concessão do poder ou
do Estado; é própria da pessoa. Se não é concessão, também não pode ser retira-
da, doada ou diminuída. No fundo está a ideia moderna de que os humanos são
fins em si mesmos, nunca podendo ser tomados como meio para qualquer outro
fim, por mais nobre que seja. Seu valor não é um atributo, e uma condição abso-
luta. Note-se que nesta concepção de dignidade permanece certa visão metafísica
naturalista. Contrasta com leituras histórico-críticas que compreendem a dignida-
de como construção, móbile de ação e de luta. Em outro aspecto, observe-se que
a dignidade é reconhecida como fundamento da liberdade, da justiça e da paz, três
conceitos também chave na Declaração.
Outra e a ideia de liberdade, que é reconhecida, junto com a igualdade, como
núcleo do sentido da dignidade e dos direitos como naturais, conforme explicitado
no artigo primeiro.
No segundo considerando do preâmbulo, depois de reconhecer que o despre-
zo e o desrespeito aos direitos humanos resultaram em atos bárbaros, a “mais alta
aspiração do homem comum” se traduz no “advento de um mundo em que todos
gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do te-
mor e da necessidade”. Isso traduz a ideia sempre repetida no texto da Declaração
e que fala de “direitos humanos e liberdades fundamentais”.
Trata-se das quatro liberdades fundamentais colhidas do discurso de Franklin
Delano Roosvelt, presidente dos EUA, ante o Congresso Americano em
06/01/1941. Na noção de “liberdades fundamentais” materializa-se um conceito
ao mesmo tempo caro e controverso da tradição filosófica e sempre reafirmado
pela modernidade. A compreensão explicita um sentido de liberdade como “im-
possibilidade de” situações que a atentem ou inviabilizem, o que, pelo reverso,
pode dizer a liberdade como “possibilidade de” ação positiva no sentido de rea-
lizá-la como dizer e acreditar, por um lado, e como conviver sem temor e sem
necessidade, por outro. Voltam os clássicos modernos: liberdade de expressão,
liberdade de crença, segurança e justiça.
Pode-se compreender esta ideia em várias perspectivas. A primeira é que a
igualdade consiste no reconhecimento da dignidade de cada pessoa, independen-
te de qualquer diferença que possa caracterizá-la. Isto vem expresso no segundo
artigo que diz: “1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as li-
berdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja
de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será
também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou inter-
nacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um

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território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer
outra limitação de soberania”. Ou seja, a diversidade da humanidade é tomada em
conta como situação, porém não pode ser tomada como base para a ação.
Assim que, o primeiro sentido de igualdade é sinônimo de não discriminação.
Por outro lado, quando diz “todo ser humano tem capacidade para gozar os direi-
tos e liberdades [...] sem distinção de qualquer espécie”, põe a igualdade no plano
das condições básicas, das capacidades, reconhecidas como iguais para todos/as.
Outro sentido de igualdade pode ser depreendido da quarta das liberdades
fundamentais e que consiste na ideia de que a humanidade haveria de estar “livre
da necessidade”, o que remete para a igualdade como acesso aos bens necessários
a uma vida boa, o que remete para a igualdade como justiça, no sentido social e
econômico, de modo particular. Este é certamente um dos conceitos mais con-
troversos, sobretudo porque parece guardar uma noção genérica de sujeito de
direitos. Depois dos movimentos de 1968 que, em suma, demandaram a diversifi-
cação dos sujeitos, o tema da diversidade e da igualdade emerge como questões
fortes, às vezes em contraste, outras como complemento da igualdade. Diria que, a
igualdade é confronto com a desigualdade e a diversidade exige tomar a igualdade
como construção e a desigualdade como o que haverá de ser enfrentado por di-
minuir as pessoas em razão da diversidade. Em outras palavras, falar de igualdade
é necessariamente falar de diversidade.
Também é importante fazer considerações sobre a ideia de que a Declaração se
diz “universal”, considerando que esta e uma questão amplamente controversa, dado
que reiteradas vezes é acusada de usar esta ideia como sinônimo de “ocidental”.
Sobre este aspecto entendo que é necessário recuperar subsídios históricos. A
Declaração tomou o nome de universal como alternativa a internacional. No pro-
cesso de elaboração este foi um dos debates. Havia os que defendiam a segunda
alternativa. Venceu a primeira em razão do entendimento de que o que se queria
com a Declaração eram mais do que o compromisso entre Estados e nações. Pre-
tendia-se que tivesse força cosmopolita, retomando a ideia kantiana de que a paz
universal dependeria da construção dessa forma de compreender a humanidade.
Neste sentido, universal tem uma forca importante e demarca uma aspiração forte.
É verdade que na ideia de universal pode estar embutido o sinônimo de “oci-
dental”. Não por acaso, os países que se abstiveram na votação final, o fizeram, en-
tre outros motivos, por considerá-la, mais do que ocidental, “americana”, “liberal”,
“capitalista” demais. Também é verdade que, por muito tempo, e até hoje, muitas
atrocidades e guerras são justificadas como formas de “levar” os direitos humanos
a países ou povos que a eles resistem – mais recentemente todos vimos os discur-
sos de Bush para legitimar a Guerra no Iraque.
Além do mais, pode-se dizer que a ideia original de uma Declaração universal
se viu logo subtraída, visto que os vários Pactos e Convenções de direitos humanos
que se seguiram a ela são “internacionais” – lembremos do Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, ambos de 1966. Em termos técnicos a diferença é que pactos

79 |
e convenções são vinculativos, em termos jurídicos, para os Estados, diferente das
Declarações.
O universal hoje, tempo em que as perspectivas multiculturais e interculturais
parecem se afirmar com força, exige novo sentido. Remonto ao consenso alcan-
çado pela Declaração e Programa de Ação da II Conferência Mundial de Direitos
Humanos, realizada em Viena, em 1993, aprovada por unanimidade por 171 paí-
ses, é um marco nesta direção. Reconhece um novo sentido para a universalidade
dos direitos humanos, exatamente tomando em conta o multiculturalismo e
a interculturalidade, consagrando também a ideia de que direitos humanos são
interdependentes e indivisíveis.
No artigo 5º do documento de Viena se lê: “Todos os direitos humanos são uni-
versais, indivisíveis e interdependentes e estão relacionados entre si. A comunida-
de internacional deve tratar os direitos humanos de maneira global e de maneira
justa e equitativa, em pé de igualdade e dando a todos o mesmo peso. Deve-se
ter em conta a importância das particularidades nacionais e regionais assim como
os diversos patrimônios históricos, culturais e religiosos, porém os Estados têm o
dever, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais, de pro-
mover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais”. É claro
que Viena não resolveu os conflitos, ao menos, no entanto, deu mostras de que
posições são sempre passíveis de serem novamente pactuadas e re-conceitualiza-
das, às vezes para melhor.
Ademais, entendo que direitos humanos é um conceito pluridimensional. Di-
reitos humanos é um conceito multidisciplinar, no sentido de que pode ser tratado
por vários campos do conhecimento; interdisciplinar, no sentido de que exige que
os vários campos do conhecimento compareçam para juntos partilhar saberes; e
transdisciplinar, no sentido de que não se restringem a campos ou disciplinas es-
pecíficas e convidam para posicionamentos mais abrangentes e contextualizados.
Particularmente gosto muito da ideia de intervalo aplicada aos direitos huma-
nos. É no sentido de que os direitos humanos estão no intervalo de vários campos
de saber e têm um conteúdo que desafia aos vários campos de saber e do agir.
Ademais, este intervalo é crítico porque põem em questão as várias possibilidades
específicas e muitas vezes petrificadas. Acima de tudo, os direitos humanos convo-
cam à reflexão teórica e prática porque guardam uma dimensão exigente de per-
manente justificação e fundamentação e também uma dimensão de realização, de
efetivação. Entendê-los apenas como conteúdo moral ou apenas como conteúdo
jurídico, ou ainda, apenas como conteúdo político, seria enfraquecer a carga crítica
que neles pode ser encontrada.
Em termos estritamente jurídicos, fundam o que se chama de Direito Interna-
cional dos Direitos Humanos, uma novidade em termos de direito internacional,
visto que reconhece as pessoas, não somente os Estados, como agentes de direi-
tos. Só isso já é um avanço imenso. Ademais, o fato de serem ratificados e inse-
ridos nas Constituições e nos ordenamentos jurídicos nacionais – como o foram
pela Constituição Federal de 1988 que recentemente completou 20 anos – dá à
cidadania, às pessoas que vivem em cada um desses países a possibilidade de de-

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mandá-los, de exigi-los, de cobrar sua efetivação como tarefa do Estado, do Poder
Executivo, do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, da União, dos Estados e dos
Municípios.

Extrato de Texto usado para apresentação feita durante a IV Conferência Jaime Wright, promovida
pela Faculdade Dois de Julho e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), em Salvador, BA, em
23/10/2008.

SUJEITO DE DIREITOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição Federal de 1988 nasceu da convergência histórica de expec-


tativas diversas no sentido de significar a síntese possível da orientação político-
-normativa capaz de gerar condições para novas institucionalidades e para novas
subjetividades.
Nela se explicita a expectativa com a abertura de espaços capazes de provocar
condições concretas para que o sujeito de direitos passasse a ser o núcleo. Basta
ler os fundamentos e os princípios da organização da vida republicana que vemos
inscrito este desejo-expectativa. Assim se pode dizer por que o texto começa com
a explicitação dos direitos para somente depois ocupar-se de apresentar o Estado
e as instituições, como a dizer que estas haveriam de estar a serviço daqueles.
No texto constitucional se pode ler a conjugação da visão moderna de subjetivi-
dade com as possibilidades e desafios contemporâneos como compromisso de fazer
valer os direitos fundamentais nela inscritos, mas também os direitos humanos, co-
lhidos dos processos históricos e das normativas internacionais. Nela estão o sujeito
genérico do “todos têm direitos”, mas também os sujeitos concretos e históricos.
O texto constitucional abre-se a compromissos programáticos concretos no
sentido de comprometer as próprias pessoas e também as instituições públicas
com a realização efetiva dos direitos humanos.
O “todos têm direitos” abre para a perspectiva da promoção dos direitos hu-
manos para todas as pessoas. Individualidades e grupos específicos (trabalhado-
res/as, mulheres, indígenas, crianças e adolescentes, idosos/as, presos/as, pessoas
com deficiência, quilombolas, afrodescendentes e vários outros/as), historicamen-
te violados ou em risco de violação por sua condição de vulnerabilidade, têm aten-
ção na perspectiva da proteção de direitos e também da reparação de violações.
As correlações históricas permitiram fazer nascer um texto constitucional que
têm no sujeito de direitos o agente de uma nova cultura de direitos humanos. To-
dos/as sabemos, todavia, que compromissos constitucionais só se tornam efetivi-
dade a depender dos agentes empreenderem lutas concretas para sua efetivação.
Por isso, organizações populares, que participaram ativamente da formulação do
texto constitucional, continuaram e continuam a promover, no cotidiano das lutas,

81 |
a emergência de novos sentidos e de novas exigências a fim de que, mais do que
letra, a nova subjetividade seja efetividade e vivência cotidiana.

Extrato do Caderno de Textos Constituição 20 anos: Estado, Democracia e Participação Popular. Brasília,
Câmara dos Deputados, Comissão de Legislação Participativa, nov. 2008. p. 109-110.

DIREITOS HUMANOS NA CONFERÊNCIA DE VIENA, 1993

A Segunda Conferência Mundial de Direitos Humanos foi realizada em Viena, Áus-


tria, de 14 a 25 de junho de 1993 [a Primeira Conferência foi realizada em 1968, em
Teerã]. Teve participação de delegações oficiais de 171 Estados; 2.000 ONGs no Fórum
Paralelo; 813 ONGs observadoras, mais de 10 mil pessoas presentes. A convocação foi
iniciada em 1989 e oficializada em 1990, pela Resolução 45/155 da AG/ONU.
O anteprojeto de Declaração elaborado em maio de 1993, numa versão, se-
gundo Lindgren Alves: “[...] tão cheia de colchetes e afirmações contraditórias que
se tornava ininteligível. [...] Chegou-se a crer que a Conferência não se realizaria,
ou, pior, a temer que, caso se realizasse, pudesse representar um retrocesso para
os direitos humanos”. A diplomacia brasileira presidiu o Comitê de Redação. A De-
claração Final e o Programa de Ação aprovados por unanimidade. É o documento
de direitos humanos com maior adesão da comunidade internacional (A DUDH,
de 1948, foi adotada por votação dos 56 Estados membro da ONU, sendo que teve
48 votos favoráveis e 8 abstenções).
O texto tem um Preâmbulo, com 17 parágrafos, uma parte conceitual, com 39
artigos, e o Programa de Ação, com 100 parágrafos de recomendações.
Afirmou a universalidade dos direitos humanos: “A natureza universal de tais
direitos não admite dúvidas” (§ 1º). Reconheceu a necessidade de tratar da especi-
ficidade das culturas (art. 5°) e declarou que as peculiaridades históricas, culturais
e religiosas devem ser levadas em consideração, mas os Estados têm o dever de
promover e proteger todos os direitos humanos, independentemente dos siste-
mas. Afirmou o direito à autodeterminação (art. 2º), mas também insistiu na legi-
timidade da preocupação internacional com a promoção e a proteção dos direitos
humanos (art. 4º) limitando o uso da soberania para encobrir violações de direitos
humanos. Afirmou que o desenvolvimento é um direito humano “universal, inalie-
nável, e parte integrante dos direitos humanos fundamentais” (art. 10).
Na parte programática, recomendou a implantação de medidas para a prote-
ção dos direitos humanos, especialmente: a) fortalecimento do Centro de Direi-
tos Humanos na ONU; b) criação do Alto Comissariado de Direitos Humanos; c)
fortalecimento do Sistema de Monitoramento (Comitês e Relatorias Especiais); d)
formulação e implementação de Programas Nacionais de Direitos Humanos pelos
Estados Nacionais. Faz várias sugestões sobre grupos específicos como crianças,
racismo, mulheres, migrantes, refugiados e outros.

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Universalidade, Indivisibilidade e Interdependência: “Todos os direitos hu-
manos são universais, indivisíveis e interdependentes e estão relacionados entre
si. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de maneira global
e de maneira justa e equitativa, em pé de igualdade e dando a todos o mesmo
peso. Deve-se ter em conta a importância das particularidades nacionais e regio-
nais assim como os diversos patrimônios históricos, culturais e religiosos, porém
os Estados têm o dever, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e
culturais, de promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fun-
damentais” (art. 5º).
Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento: “A democracia, o desen-
volvimento e o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais são
conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. A democracia baseia-
-se na vontade do povo, livremente expressa, para determinar seu regime político,
econômico, social e cultural e em sua plena participação em todos os aspectos da
vida. Neste contexto, a promoção e proteção dos direitos humanos e das liber-
dades fundamentais nos planos nacional e internacional devem ser universais e
levadas a cabo de modo incondicional. A comunidade internacional deve apoiar
o fortalecimento e a promoção da democracia, o desenvolvimento e o respeito
aos direitos humanos e às liberdades fundamentais no mundo inteiro” (art. 8°). “A
Conferência Mundial de Direitos Humanos reafirma o direito ao desenvolvimen-
to nos termos proclamados na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento,
como direito universal e inalienável e como parte integrante dos direitos huma-
nos fundamentais. Como diz tal Declaração, a pessoa humana é o sujeito central
do desenvolvimento. O desenvolvimento propicia o desfrute de todos os direitos
humanos, porém a falta do desenvolvimento não pode ser invocada como justi-
ficação para limitar direitos humanos internacionalmente reconhecidos” (art. 10).
“O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de maneira a satisfazer equita-
tivamente as necessidades em matéria de desenvolvimento e meio ambiente das
gerações atuais e futuras” (art. 11).
Proteção aos Grupos Sociais Vulneráveis [ou vítimas de violações]: “Deve ser
dada grande importância à promoção e proteção dos direitos humanos das pes-
soas pertencentes a grupos que passaram a ser vulneráveis [...]. Os Estados têm a
obrigação de adotar e manter medidas adequadas no plano nacional, em particu-
lar em matéria de educação, saúde e assistência social, para promover e proteger
os direitos dos setores vulneráveis da população e assegurar a participação das
pessoas pertencentes a estes setores na busca de uma solução para seus problemas”
(art. 24; art. 14 a 23 e 25).

RESPONSABILIDADES EM DIREITOS HUMANOS

A quem cabe respeitar e reconhecer os direitos humanos? Ora, a todas as pes-


soas cabe respeitar e reconhecer os direitos humanos. Não por razões egoístas, ou
seja, para que seus próprios direitos sejam respeitados e reconhecidos.

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Cabe a cada um/a o dever de respeitar e reconhecer os direitos dos outros
simplesmente porque os outros são seres humanos. Este compromisso não existe
somente em relação a certos tipos de seres humanos, os “de bem”, mas de todas
as pessoas. Essa ideia de querer separar as pessoas, distinguindo aquelas que são
boas das que não são é um discurso falso. Pior, a história mostra em que isso dá:
foi isso que justificou o totalitarismo do nazismo e do fascismo que matou milhões
de judeus, foi o que justificou a escravidão dos negros africanos na América e no
Brasil; é isso que continua justificando a discriminação dos negros, das mulheres,
dos homossexuais. Enfim, pensamentos que acham que há certos tipos de gente
mais gente do que outros é que levaram e continuam levando ao desrespeito às
pessoas, à falta de reconhecimento e de compromisso com os direitos humanos.
Não se pode invocar os direitos humanos de uns poucos, por melhores que
sejam, contra os direitos dos outros, sob qualquer argumento, sob pena de na ver-
dade transformar direitos em conteúdo que depõe contra os direitos humanos. Os
direitos humanos não são somente para os “humanos direitos”; os direitos huma-
nos são direitos de todos os seres humanos simplesmente porque são humanos.
Superar posturas discriminatórias é o primeiro passo para se comprometer com a
realização dos direitos humanos.
Mas todos têm as mesmas responsabilidades com os direitos humanos? Sim, a
responsabilidade é de todos, mas o tipo de responsabilidade é diferente.
A uma pessoa individualmente cabe reconhecer o outro ser humano como
sujeito de direitos, não agredindo e nem discriminando e, acima de tudo, respei-
tando-o em sua dignidade.
As organizações e movimentos sociais são agentes fundamentais no processo
de luta por direitos, seja para criar novos direitos, seja para fazer com que aqueles
que foram institucionalizados deixem de ser “letra morta” e se transformem em
ação, em políticas públicas. As organizações e movimentos sociais populares têm
a tarefa de mobilizar as pessoas e articular suas lutas para apresentar agendas no-
vas e renovadas de direitos; para prestar atenção, vigiar, controlar, monitorar para
que nem indivíduos, nem empresas e nem o poder público violem os direitos e,
mais do que isso, para propor alternativas para avançar na efetivação dos direitos.
O Estado, o poder público, também é agente de garantia, promoção, proteção
e realização dos direitos humanos de todas as pessoas e também de reparação das
violações. O poder público, o Estado, nas suas diversas esferas e poderes, tem a
responsabilidade de atender às demandas sociais, de regular as relações e de gerar
mediações de tal forma a garantir que os direitos sejam realizados e as violações
sejam evitadas e, quando ocorrerem, sejam reparadas. A institucionalidade justa é
aquela que tem nos direitos humanos não um recurso a mais, mas como conteúdo
e método central de ação. Os direitos humanos não são somente uma finalidade a
ser atingida com esforço, são exigências de constituição de mediações, portanto,
de relações efetivas que também sejam pautadas por eles.
As empresas e grupos privados não podem transformar sua vocação para o
lucro e a apropriação privada dos bens públicos em instrumentos de violação dos

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direitos. Cabe-lhes responsabilidades no sentido de cumprir a lei e respeitar os
direitos humanos como qualquer outro agente. Os agentes econômicos não estão
dispensados dos compromissos com os direitos humanos.
Assim, contando com o compromisso de diversos agentes, os direitos humanos
podem se tornar realidade. Até porque, nenhuma pessoa e nenhuma instituição,
organização ou agente econômico tem direito de violar os direitos humanos. Os
direitos humanos não estão disponíveis para serem violados. Pelo contrário, são
parte da ação comum, compromisso de todos e de cada um. É por isso que nenhu-
ma justificativa para a violação dos direitos humanos pode ser legítima, e muito
menos deveria ser legal.

Extrato de Direitos Humanos: tudo a ver com a nossa vida, organizada pela Comissão de Direitos Humanos
de Passo Fundo (CDHPF) com apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Passo Fundo, 2012. p. 30-32.

SUJEITO DE DIREITOS HUMANOS

O sujeito de direitos não é uma abstração formal. É uma construção relacional:


é intersubjetividade que se constrói na presença do outro e tendo a alteridade
como presença. A alteridade tem na diferença, na pluralidade, na participação, no
reconhecimento, seu conteúdo e sua forma. O compromisso com o mundo como
contexto de relações é, portanto, marca fundamental da subjetividade que se faz,
fazendo-se, com os outros, no mundo, com o mundo. Diferente das coisas, com
as quais se pode ser indiferente, a relação entre sujeitos têm a diferença como
marca constitutiva que se traduz em diversidade e pluralidade, elementos que não
adjetivam a relação, mas que se constituem em substantividade mobilizadora e
formatadora do ser sujeito, do ser sujeito de direitos.
Os direitos, assim como o sujeito de direitos, não nascem desde fora da rela-
ção: nascem do âmago do ser com os outros. Nascem do chão duro das intera-
ções conflituosas que marcam a convivência. Mais do que para regular, servem
para gerar possibilidades emancipatórias. Os standards e parâmetros consolidados
em normativas legais, sejam elas nacionais ou internacionais, neste sentido, não
esgotam o conteúdo e o processo de afirmação de direitos. São expressões das
sínteses históricas possíveis dentro das correlações dadas em contextos territo-
riais e temporais. Assim que, o sujeito de que estamos falando não é somente o
sujeito do Direito. Os sujeitos e os direitos são bem mais amplos do que o Direito.
Mais do que isso, exigem refazer criticamente o próprio Direito. Isso não significa
confundir os direitos e muito menos restringi-los ao âmbito da vida moral como
forma de escapar do estreito espaço normativo do Direito, levando-os para outro
espaço, ainda normativo, o moral. Trata-se de compreender que, acima das re-
gulações normativas de qualquer tipo estão as condições de qualquer regulação;

85 |
está a razão de haver regulação: os sujeitos livres e autônomos, base da noção de
emancipação.
A emancipação de que falamos é construída menos como obra de um sujeito
puro, que se entende maior, por sua própria, genuína, genial e exclusiva capacidade
de ser mais; por sua idiossincrasia e sobre-potência individual, como quiseram nos
fazer crer iluminismos de diversos matizes. Ser livre e autônomo é muito mais do
que respeitar a “cerca” da liberdade dos outros – no sentido de que “minha liber-
dade vai até onde inicia a do outro” –, reduzindo a liberdade a uma espécie de pro-
priedade privada e privatista. Trata-se de compreender a liberdade e a autonomia
como o processo de constituir-se com os outros, desde os outros, para si e para os
outros. A liberdade, dessa forma, é construção substantiva da subjetividade aberta
e relacional. Não se confunde, restritivamente, com a acumulação de coisas ou sua
fruição consumista. A liberdade e a autonomia se constituem na relação, na presen-
ça e na fruição gratuita do estar com, do encontro com, todos e para todos.
Sujeitos estão inseridos em processos diversos e complexos; estão inseridas
em uma cultura – no sentido geral de forma de vida – que pode ser facilitadora (ou
impedidora) da afirmação da subjetividade. Ou seja, sujeitos estão no tempo e no
território – e nas disputas (divergências e convergências) que fazem neles como
caminhos de afirmação de identidades e de reconhecimentos.
A compreensão indicada remete à percepção de que a construção dos sujeitos
dá-se na tensão entre liberdade e igualdade. A primeira afirma-se como possibili-
dade de não haver apenas uma única opção, quando são possíveis opções diferen-
tes e diferentes opções, o que demanda que as respostas sejam universais, mas
ajustadas às diferenças. A segunda afirma-se como possibilidade de não haver
desigualdade, limitando a possibilidade de opções e condicionando as opções à
possibilidade de garantir a todos e a cada um o que precisa para ser, o que de-
manda que as respostas sejam justas. As alternativas aparentemente excludentes,
se retro-alimentam quando clivadas pela diversidade e pela pluralidade – e pela
ausência de indiferença. Isto porque abrem à possibilidade de considerar como
legítimas apenas as diferentes opções e as opções diferentes quando justas, por
um lado; e de ter como legítimas aquelas condicionalidades que não suprimem as
diversidades, por outro. Ou seja, a tensão é aberta e não se resolve no cálculo das
necessidades e muito menos no cálculo dos interesses. Tanto necessidades quanto
interesses permanecem em tensão produtiva.
Avançando na reflexão, note-se que, em termos esquemáticos, a cultura se
configura em institucionalidades sócio-históricas (estruturas, processos e relações)
e também em singularidades subjetivas (agentes). Ou seja, traduz-se em processos
coletivos e exteriores instituídos e também em atitudes e posturas. Dessa forma,
resulta que a configuração do sujeito de direitos exige repensar as institucionali-
dades disponíveis e também ser uma crítica profunda aos subjetivismos individua-
listas e solipsistas. As primeiras, por serem, em geral, privatistas, burocratizadas e
voltadas para satisfazer interesses nem sempre universalizáveis; os segundos, por
reduzirem os sujeitos a indivíduos auto-suficientes (como se isto fosse sinônimo
de autonomia).

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Daí que, um novo sentido de sujeito de direitos humanos implica apontar para
a perspectiva de uma nova institucionalidade (pública) e de uma nova subjetivida-
de, conjugadas, abertas, dialógicas e participativas, com espaço para a diversidade
solidária. Advoga uma transformação profunda dos espaços (públicos e privati-
zados), de tal forma a ir muito além de uma compreensão de institucionalidade
configurada unicamente no Estado como público e abrindo-se para a hipótese de
uma esfera pública (que ultrapasse o estritamente estatal, mas que não dissolve o
estatal; o reconfigura). Advoga também transformações da subjetividade na pers-
pectiva da intersubjetividade solidária, de sujeitos que se afirmam na reciprocida-
de do reconhecimento de que o distinto está vocacionado ao encontro na justiça
e não ao afastamento, à indiferença, à destruição e à subordinação.
Com base nestas noções iniciais, passamos à explicitação de uma proposta de
nova subjetividade dos direitos humanos aberta à atuação integral e inserida na
complexidade da cultura dos direitos. Uma subjetividade capaz de atender às pro-
postas e às questões apontadas haverá de ser contrária a todas as formas de unidi-
mensionalização e de abrir portas para a construção de agentes pluridimensionais.
Neste sentido, entende-se que ao menos os seguintes aspectos são essenciais para
que a subjetividade seja aberta. Observe-se que a ordem de apresentação não
necessariamente significa ordem de importância, até porque, pode-se conjugar os
aspectos informados das mais diversas formas.
Singularidade do Sujeito: cada sujeito é singular em sua trajetória pessoal, em
sua posição e em sua corporeidade. A singularidade faz de cada pessoa um ser
único, cuja permanência histórica não pode ser interrompida pelos outros (sujei-
tos). É na singularidade do sujeito que são produzidas as vítimas (e também os de-
fensores de direitos), aqueles/as cujos direitos efetivamente deixaram de ser rea-
lizados ou cujas condições para sua realização foram inviabilizadas (e aquelas que
lutam, resistem, contra tudo isso). A luta permanente para que cesse o arbítrio do
mais forte e que os fracos possam herdar a terra – com a devida licença poética – é
a luta pelo direito à existência, pelo direito à integridade do corpo, à intimidade,
a expressar-se, a ser humano, pura e simplesmente. Existir como corpo íntegro,
como pessoa, concreta e inconfundível é a demanda básica que se traduz em cada
um e nunca pode ser reduzida ao grupo, ao segmento ou ao gênero humano.
Isso não significa advogar a idiossincrasia do indivíduo sobre os demais aspectos.
Trata-se de reconhecer que a individualidade (não o individualismo) é constitutiva
e completa os demais aspectos. Neste sentido, é na singularidade do sujeito de
direitos humanos que se radicam, por um lado, a exigência de não intervenção
(deixar ser) e, por outro, de intervenção (ajudar a ser, a voltar a ser) em vista da
reparação das violações como justicialidade, ou seja, como busca de restituição de
direitos violados ou de compensação pelos direitos irrealizados. As atitudes – que
são muito mais do que meros sentimentos morais – exigidas pela singularidade do
sujeito conjugam a indignação, a intransigência, a solidariedade e o amor.
Particularidade do Sujeito: cada sujeito está inserido numa situação concreta,
histórica, e carrega concepções e vivências que o caracterizam de forma particular.
O sujeito constrói e se constrói como identidade cultural, social, política, econô-

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mica. Para tal, toma em conta aspectos étnico-raciais, sexuais e de gênero, gera-
cionais, territoriais, religiosas, entre outros. A identidade se constrói e é construída
como caminho de afirmação em contextos múltiplos e multifacetados – mesmo
que em sociedades administradas facilmente estes contextos sejam tensionados
a se diluírem na massificação. Considerando a situação concreta em que cada
sujeito se encontra como particularidade, emerge a exigência da pluralidade em
diversas direções e sentidos. A particularidade aponta para necessidades distintas
e para mediações diversas de satisfação. Dessa forma, abre-se lugar para o direito
à identidade (e à diferença) e para o direito de subsistência. As demandas dos gru-
pos e segmentos sociais clivam a singularidade e também a universalidade com a
perspectiva da proteção (específica) e do enfrentamento das práticas de exclusão
que se traduzem em potenciais de violação dos direitos. Na particularidade do
sujeito se radica a exigência de proteção dos direitos humanos como exigibilida-
de dos direitos, considerando os arranjos e as correlações históricas disponíveis e
possíveis, visto que nelas emergem as lutas dos segmentos sociais específicos (mu-
lheres, GLBT, negros, indígenas, pessoas com deficiência, idosos, crianças e adoles-
centes, jovens, entre outros), em geral vulnerabilizados e vitimados socialmente. A
particularidade do sujeito apresenta como exigências de atitude (compreensão e
prática) a paciência, a tolerância, o respeito e o diálogo.
Universalidade do Sujeito: cada sujeito é expressão da dignidade humana
e síntese demandante dos direitos humanos com amplitude máxima, em pleni-
tude (mesmo considerando o elemento nuclear da carência como característica
estrutural do sujeito humano). O sujeito de direitos é universal na medida em que
se reconhece como e reconhece a humanidade que se constrói historicamente
alimentando-a e alimentando-se da utopia. Neste sentido, a garantia dos direitos
é processo de realização integral, plural e multidimensional; muito mais do que
mera satisfação das carências. As carências e necessidades básicas precisam ser
satisfeitas, mas também sempre em perspectiva universal e aberta, como desen-
volvimento de potencialidades. Na universalidade do sujeito se radica a exigência
de promoção dos direitos humanos como realização de todos os direitos de todos
os seres humanos inseridos no ambiente natural e cultural, traduzindo-se, em ter-
mos imediatos, no processo de efetivação do direito ao desenvolvimento huma-
no. A universalidade do sujeito de direitos humanos exige atitudes de co-respon-
sabilidade, compromisso, cooperação e cuidado.
A proposta de pluridimensionalidade do sujeito de direitos humanos preten-
de dar concretude à noção de subjetividade ao tempo em que indica os cami-
nhos de sua efetivação como exigência institucional. Não é supérfluo frisar que,
como já dissemos, mesmo que se possa fazer opções ou hierarquizar os aspectos
apontados, sobretudo, quando se tem em vista enfrentar as urgências históricas,
somente uma atuação integral e capaz de conjugá-las pode ser constitutiva de
caminhos sustentáveis para sua efetivação. A construção de uma nova cultura dos
direitos humanos exige, assim, ocupar-se da promoção e da proteção dos direitos
humanos e da reparação de todas as formas de violação. Isto significa trabalhar
em vista de realizar no cotidiano as condições para que a dignidade humana seja

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efetiva. Realizar progressivamente, sem admitir retrocessos e a partir desta base,
as conformações e os arranjos pessoais, sociais, políticos, culturais e institucionais
que oportunizem a realização dos direitos humanos é o desafio básico daqueles/
as que querem que haja espaço e tempo oportunos para a afirmação do humano
como sujeito de direitos.

Extrato do texto publicado no livro Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos.


João Pessoa: UFPB, 2007. p. 177-182.

EDUCAÇÃO E SUJEITO DE DIREITOS

Pretendemos traçar aspectos da compreensão da subjetividade na educação


em direitos humanos. Não é demais lembrar que a educação é, a um só tempo,
um direito humano e também uma mediação histórica, institucional e subjetiva,
para a efetivação do conjunto dos direitos humanos. Observada à luz dos direitos
humanos, a educação resulta complexa. Para dar conta desta complexidade se-
ria necessário apresentar as diversas posições e controvérsias do debate. Todavia,
não temos condições de fazer este exercício aqui, em razão do objeto da reflexão
no qual focamos nossa análise – que a lembrança sirva como “grilo crítico”.
A educação própria e apropriada à construção de sujeitos pluridimensionais
de direitos humanos tem como exigência básica a humanização do humano in-
serido no ambiente natural e cultural, traduzindo para o processo educativo os
conteúdos chaves da compreensão de subjetividade. Processos educativos desse
tipo compreendem que a inteligência, o conhecimento e o saber não são dádiva
ou acaso da sorte; e que além de competências, a educação há que promover a
construção de atitudes e posturas de vida – tem exigência ética. Neste sentido, os
processos educativos estão inseridos no amplo espectro da interação humana e se
desdobram em aprendizagens e vivências diversas. A educação em direitos huma-
nos que é construída na base de uma compreensão pluridimensional do sujeito de
direitos promove os espaços de aprendizagem como exercício de reflexão e ação
críticas. Ela exige acesso ao saber acumulado historicamente pela humanidade e
sua reconstrução a partir das vivências, gerando a possibilidade de configurar es-
colhas, a implementação de processos e o desenvolvimento de atitudes coerentes
e comprometidas. Assim que, a educação em direitos humanos põe a necessida-
de de uma nova pedagogia. Em linhas gerais, esta nova pedagogia constitui-se
como: a) construção da participação, visto que os processos educativos se dão na
presença da alteridade e remetem para a intervenção e a incidência relacionais
em graus diversos de complexidade (grupo, movimento, sociedade, Estado, co-
munidade internacional), o que exige a construção de posturas e posições plurais
capazes de escapar tanto da massificação quanto dos esquematismos privatistas e
individualistas; b) compreensão dos dissensos e dos conflitos, inerentes à convivência

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humana, e a construção de mediações adequadas à sua resolução mediante a
implementação de acordos, alianças e parcerias – não para suprimi-los ou esca-
moteá-los, mas para que não redundem em violência; c) abertura para o mundo
como compromisso concreto com os contextos nos quais se dão os processos
educativos, desenvolvendo a sensibilidade e a capacidade de leitura da realidade
e a consequente inserção responsável – os rumores do mundo não serão encara-
dos como ruídos estridentes que dão vazão à indiferença; antes, serão desafios a
novas práticas –, o que significa dizer que a educação em direitos humanos forma
sujeitos cooperativos com a efetivação de condições históricas para realizar am-
plamente todos os direitos humanos de todas as pessoas e resistentes (intransi-
gentes) a todas as formas e meios que insistem em inviabilizá-los e violá-los.
Educação em direitos humanos é essencialmente interação – sem com isso
querer identificar-lhe uma essência metafísica. É intervalo pleno (não vazio) entre
os sujeitos. Isto significa que os processos educativos se dão na relação, na pre-
sença, de alteridades distintas que não somente se encontram casualmente por
motivos protocolares, mas que se abrem (ou se fecham) para a construção pessoal
de uns e de outros dos implicados e envolvidos no processo. No intervalo pleno
do processo educativo comparecem sujeitos diversos: o/a educador/a, o/a edu-
cando/a, sujeitos imediatos da relação, e outros sujeitos – os humanos em geral,
as vítimas de violação, os promotores e defensores da promoção dos direitos –
presentes pela mediação do processo. Ou seja, a educação em direitos humanos
não é a construção de um discurso externo ou a apreensão de mais um conteúdo
estanque no repertório dos muitos que estão disponíveis ou são disponibilizados.
A educação em direitos humanos, ou toma os sujeitos implicados no processo
desde dentro e os põe dentro das dinâmicas que abre, ou resta inviabilizada por
não atingir sua finalidade básica, que é exatamente a de abrir-se para os sujeitos
pluridimensionais que estão em interação. Um exemplo talvez ajude a ilustrar: um
estudo sobre violência contra a mulher não é apenas a identificação de uma situa-
ção estatística ou cientificamente descrita e catalogada; faz da mulher concreta,
aquela que é vítima da violência, um sujeito presente no intervalo da relação edu-
cativa – não é apenas um sujeito abstrato ou objeto de estudo.
É certamente muito difícil para os ranços emburrecidos, para as práticas en-
rijecidas e para as compreensões carcomidas pelo preconceito e pela estreite-
za entender o que estamos falando. Da mesma forma, resulta quase impossível
tratar a educação em direitos humanos com a radicalidade que lhe é própria em
escolas burocratizadas, em sistemas educacionais mais preocupados com produ-
tos do que com processos, enfim, em instituições fechadas ao novo (mesmo que
facilmente abertas à inovação fácil dos experimentalismos pedagógicos). Daí que,
a educação em direitos humanos, considerando a compreensão de subjetividade
que desenhamos, remete, também ela, à necessidade de uma nova institucionali-
dade educacional e a uma nova subjetividade educativa.
Para o que estamos dizendo não bastam heróis, muito menos bons exemplos
– por mais que uns e outros ajudem ao menos a satisfazer a miopia dos que so-
mente acreditam vendo e dos que compreendem o sentido como resultado abso-

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luto e exclusivo da referência. São necessários processos complexos e abrangen-
tes. Daí que, propor-se a pensar e a fazer educação em direitos humanos é muito
mais do que dar vazão para uma coleção de boas intenções e a mobilização de
boas vontades – por mais que sejam necessárias. Exige encetar a novidade como
compromisso ético, social e político capaz de se traduzir em práticas alterativas e
transformadoras que se consolidem tanto em normas exteriores e institucionais,
quanto em convencimento e vivência. Isto não significa que a educação em direi-
tos humanos, por si, seja capaz de promover todas as necessárias transformações
na cultura; significa apenas que, sem que seja transformadora, perderá seu sentido
e pode perfeitamente ser dispensada.
O tempo no qual estamos vivendo certamente não é o das certezas; mas tam-
bém não é o da completa incerteza, que dá vazão ao cinismo do “não tem saída”
ou do “qualquer saída diferente da atual nunca será melhor do que ela”. O tempo
que vivemos é o tempo da construção de opções – para não sucumbir à ideia
de que há uma só opção, o que é sinônimo de sua inexistência. Ora, se já não há
certezas (absolutas), resta ao menos a certeza de que a incerteza é exatamente a
abertura para várias possibilidades. É, portanto, um tempo pródigo e adequado
para abrir caminhos.

Extrato do texto publicado no livro Educação em Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos.


João Pessoa: UFPB, 2007. p. 182-185.

EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E MOVIMENTOS


SOCIAIS POPULARES

1. Fala-se desde a experiência a partir da atuação do Movimento Nacional de


Direitos Humanos (MNDH), organização que há 25 anos atua na luta pela efeti-
vação dos direitos humanos no Brasil e que reúne mais de 400 organizações de
todos os cantos do País.
2. Fala-se desde o lugar dos movimentos sociais (sobretudo os populares) que
constituem um determinado campo político de lutas. Sociedade civil é conceito
genérico e abstrato que não se mostra adequado para discutir o tema, mesmo que
sirva para agrupar diferentes atores.
3. Ideias chave: luta por direitos humanos é luta por reconhecimento; movi-
mentos sociais são espaços de educação em direitos humanos; a educação popu-
lar é a pedagogia da educação em direitos humanos realizada pelos movimentos
sociais.
1. Luta por direitos humanos é luta por reconhecimento e distribuição
Parte-se do princípio de que direitos humanos não estão prontos, são fruto da
luta, se constroem e são construídos historicamente e se radicam nas lutas libertá-

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rias e emancipatórias dos pobres ao longo da história. A leitura da trajetória histó-
rica dos direitos mostra isso. Mas esta não é uma posição pacífica, visto que, ainda,
para muitos, direitos humanos é o que está nos documentos de direitos humanos
– documentos expressam o acordo possível dentro de um determinado contexto
histórico, nem sempre satisfazendo às demandas das lutas naquele momento his-
tórico. Ex: as conclusões de Viena, em 1993, seguramente não seriam as mesmas
depois de setembro de 2001. Vejamos alguns desdobramentos desta ideia:
a) Luta por direitos humanos conjuga temporalidade e territorialidade. Na luta
pelos direitos humanos estão em interação permanente o imediato e o persisten-
te – demandas urgentes e as situações estruturais – além do especifico e local, o
regional e o global, as várias dimensões da territorialidade.
b) Luta por direitos humanos é pretender ser reconhecido como gente. É, além de
pretender acesso e usufruto dos bens, ganhos sociais, necessários ao bem viver,
garantir um lugar na sociedade, como pessoa humana, reconhecida como tal (Ex:
luta por direito à moradia é mais do que por uma casa – é querer ser reconhecido
como cidadão – a casa não é o fim, ela traduz o anseio por inserção e participação
na sociedade).
c) Luta por direitos humanos é universalizar demandas. O processo de luta exige
permanente explicitação de posições e de interesses, em geral divergentes. Em
direitos humanos não há concepções e interesses necessariamente coincidentes.
Assim que, posicionar-se na ideia de que a luta por direitos humanos é luta por re-
conhecimento e distribuição, ou seja, é, para além do pragmatismo recomendado
pela sociedade contemporânea, pretender que as demandas específicas ou parti-
culares possam ser universalizadas em políticas públicas (redundância que serve
somente para reforçar que são universais).
d) Luta por direitos humanos é gerar presença. O processo põe no “jogo de lu-
zes” situações de vitimização e as vítimas historicamente inviabilizadas por uma
sociedade estruturalmente excludente. A compreensão de que a luta por direitos
humanos gera a presença das vítimas e das situações de vitimização remete para
a compreensão de que direitos humanos se fazem como presença – não o que a
sociedade atual faz ao gerar ausência de pessoas, situações e processos.
e) Luta por direitos humanos constrói sujeitos. Caminha no sentido de construir
sujeitos de direitos humanos como agentes multidimensionais. Trata-se de recom-
por a subjetividade, superando a unidimensionalidade gerada pelo homem eco-
nômico do processo capitalista e a visão individualista moderna de sujeito, no
caminho de entender o sujeito de direitos como único, singular, que se identifica
num grupo, particular, e também se compreende como humanidade, universal.
Enfim, luta por direitos humanos é construção de uma nova cultura, centrada
nos direitos humanos. Neste sentido, tem seu móbile na indignação e na solida-
riedade como conteúdos fortes de interação com os processos concretos. Ou seja,
não se contenta com as violações e as denúncias (indignação); propõe, a partir do
conteúdo construído pelas vítimas, propostas alternativas de justiça (solidarieda-
de). Uma nova cultura dos direitos é um novo modo de ser pessoal, grupal e social.

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2. Movimentos sociais populares são espaços de educação em direitos humanos
Muito facilmente a educação é compreendida apenas pelos processos formais
e formalizados, instituídos socialmente em escolas (dos mais diversos tipos). Toda-
via, os movimentos sociais não somente fazem ações educativas, são espaços de
educação. Vejamos por que:
a) Movimentos sociais populares são organizações de luta por direitos e por parti-
cipação. São, por essência, agentes de crise e de desestabilização social: ao deman-
dar direitos e identidades, participação e controle social, estão sempre exercitando
o desejo (utopia) de construção de novas formas de organização social, apontan-
do para a substantividade radical da sociedade. Contrastam sobremaneira com a
institucionalidade (do Estado e do Mercado) que, em geral, prima pela manuten-
ção da ordem e da estabilidade social.
b) Movimentos sociais populares são espaços de construção de identidades e sub-
jetividades. Os movimentos, como espaços coletivos, oportunizam que as subje-
tividades sejam expressas e construídas como múltiplas e multidimensionais (em
sentido pessoal, social, político, organizativo, entre outros). Abre, portanto, espaço
para a difícil tarefa de construir sujeitos reconhecidos como tal. (Ex: aquele que
participa da luta pela terra não o faz meramente por razões funcionais ou porque
quer “por uma cerca em algum lugar” – propriedade. Quer ser reconhecido e se
reconhece como sujeito sem terra e que quer terra).
c) Movimentos sociais populares universalizam demandas. As demandas particu-
lares – de um grupo, de uma comunidade, de um segmento, de uma especificidade
– são transformadas em lutas que são exigências para o conjunto da sociedade,
como universalização. Isto significa que exigir políticas (públicas) é ação central dos
movimentos como eixo de realização dos direitos humanos. (Ex: quando um movi-
mento social de um bairro urbano luta pelo calçamento/asfaltamento das ruas – o
imediato da demanda –, também luta pelo direito à cidade – muito mais amplo).
d) Movimentos trabalham o conflito e no conflito. O movimento social está no
fio de navalha da dinâmica social. Significa que lida no/com o conflito e, às vezes,
aguça conflitos como explicitação de contradições substantivas e estruturantes da
sociedade. Com isso exige, traduze e abre novos processos de compreensão da di-
nâmica social. É comum aprendermos que conflitos precisam ser evitados ou que
não devem ser explicitados – que contradições são insuperáveis. Teorias sociológi-
cas funcionalistas classificam, por isso, os movimentos sociais como desajustados
à ordem. Por isso é que boa parte da sociedade – e sobretudo os poderosos, as
elites – tem dificuldade ou não gosta dos movimentos sociais.
e) Movimentos sociais populares vivem tensão entre movimentação (para fora)
de organização e fortalecimento institucional (para dentro). Esta tensão – “momen-
to cigarra e formiga” – é fundamental na compreensão do processo dos movimen-
tos sociais e das dinâmicas educativas que empreendem. O fato de às vezes desa-
parecem da movimentação pode indicar que estão dando ênfase à organização e
vice-versa. Uma e outra são constitutivas do movimento social.
Enfim, movimentos sociais constroem e se constroem em processos de forma-
ção de campos políticos – o que significa dizer que não são todos a mesma coisa

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– que postula um projeto político transformador e de construção de novas rea-
lidades. Ademais, e em consequência, os processos políticos que implementam
– através de alianças e enfrentamentos – alimentam a utopia como construção
de alternativas possíveis e se constituem em agentes (sujeitos) que a alimentam
e dela se alimentam. Neste sentido, movimentos sociais, nas mais diversas estra-
tégias e formas de ação, constituem-se como espaços educativos que avivam a
utopia, chave de qualquer processo educativo.
3. Educação popular e direitos humanos
A educação popular é a pedagogia da educação em direitos humanos, sobretu-
do quando entendida como dinâmica e processo dos movimentos sociais. Por quê?
a) Educação popular é construção histórica dos movimentos sociais populares. A
educação popular nasceu de processos organizativos – do chão duro e do barro
– da organização popular de resistência no Brasil e na América Latina. Não é mais
uma teoria pedagógica – por mais que teorias pedagógicas sejam importantes. A
educação popular constitui-se numa pedagogia – uma nova teoria pedagógica – a
partir das lutas populares. É uma nova compreensão do significado de fazer edu-
cação que nasce e se alimenta dos processos educativos dos movimentos sociais
e que desafia outros espaços educativos.
b) Educação Popular leva a sério a diversidade. Neste sentido constrói-se em e
constrói dinâmicas que lidam substantivamente com diferentes saberes, diferen-
tes vivências e diferentes práticas. Diferença é entendida para além da distinção
formal – é abertura ao diálogo das diversidades.
c) Educação popular não aceita separar método e conteúdo. No caso da educa-
ção em direitos humanos isto emerge com força, visto que não se trata de cons-
truir um discurso de direitos humanos se este, no próprio ato de ser feito, já não for
ele mesmo respeito aos direitos humanos. Ou mais, se no espaço educativo não
forem efetivamente respeitados os direitos dos agentes nele implicados qualquer
discurso de direitos humanos perde sentido.
d) Educação popular articula elementos-chave do processo pedagógico. A edu-
cação popular leva em conta, no centro do processo educativo: o contexto (situa-
ção, memória); a compreensão (reflexão crítica, posição própria e criativa); e a
ação (vivência pessoal e social).
e) Educação popular é posicionada e comprometida social e politicamente. É pro-
cesso político que alimenta a interação. Uma educação em direitos humanos que
seja pautada pela educação popular exige falar em sentido concreto, comprome-
tido – impossível de ser pensada e feita como neutralidade ou em abstrato. O que
significa lidar com o conflito e a contradição como processos chave da educação.
Enfim, a educação popular é interação – intervalo pleno (não vazio) – entre os
sujeitos no processo educativo. Isto significa que a relação é de presença (além
do educador e do educando como sujeitos em relação, comparecem no processo
outros sujeitos que se tornam presentes) e de alteridade (não no sentido moderno
do eu que dá espaço, mas do outro que exige abertura).

Transcrição da Intervenção no Seminário Iberoamericano sobre Educação em Direitos Humanos, Brasília,


2006. Revisado e atualizado em 2012.
O RISCO DA VERDADE

Verdade é risco. Ela é imprevisível. Não há como saber onde está, mesmo que
possa ser incessantemente buscada. Verdade é menos um lugar e mais uma cons-
trução. Em sua construção entram em cena vários fatores e condições. Mas, se é
construção, também pode ser desconstrução, ou seja, a negação de verdades nem
sempre resulta em outras em seu lugar. Nisso consiste a força libertária e libertadora
da verdade: verdade e liberdade se aproximam. Um exemplo clássico disso é o de-
bate renascentista sobre o geocentrismo e sua alternativa, o heliocentrismo: o que
por séculos fora tido por verdade passou por uma gradativa desconstrução e pela
construção de nova verdade. Observe-se que tanto a construção quanto a descons-
trução da verdade podem ser impedidas, enviesadas ou obliteradas. Nisso consiste
não a desconstrução, mas a destruição da verdade. Enfim, a verdade não pode ser
dada definitivamente por certa e, sequer, por definitiva. É sempre processo, busca.
A memória é um dos componentes e dos condicionantes da verdade. Mas não o
único. O fato é que, sem memória, sequer seria possível construir – ou mesmo des-
construir – verdade. Em termos históricos e societais, a memória é constitutiva da
verdade, mais do que o contrário. Ou seja, é a memória da história pessoal e coletiva
que ajuda a indivíduos, a grupos sociais e à própria sociedade como todo a construir
verdades de suas próprias vivências. Neste sentido, somente as vivências significati-
vas passam a ser parte da memória e, daí, insumos para a verdade histórica.
Memória e verdade são constitutivas da justiça como realização de condições
para a efetivação da dignidade humana. A justiça exige o reconhecimento das in-
justiças e de suas vítimas, aqueles/as que sofreram a injustiça. Sem isso, a justiça é
vazia. Por isso, sem que as próprias vítimas possam dizer sua palavra, sua verdade,
recorrendo para isso à memória dos fatos que as levaram à situação de vitimiza-
ção, não há justiça. O querer justiça como memória e verdade das vítimas é um
direito das próprias vítimas, mas não só, ele também é de todos os seres humanos,
até porque esta é a forma efetiva de engajar a todos/as para que não sejam produ-
zidas novas vítimas. Por isso, o direito à memória, à verdade e à justiça se consti-
tui num dos direitos humanos mais basilares para a convivência em sociedade. O
nunca mais a todo e qualquer tipo de violação de direitos, a todo tipo situação que
produz vítimas, a todo tipo de inviabilização do humano, é a expressão positiva do
queremos um mundo justo e humanizado para todas as pessoas, indistintamente.
Trabalhar positivamente com esta concepção parece ser o receio dos que têm
se manifestado contra a Comissão Nacional da Verdade e, especialmente, daque-
les que por muito tempo foram contra e que recentemente têm se manifestado a
favor dela. Os setores conservadores representados no Congresso Nacional, histo-
ricamente contrários a qualquer verdade que não fosse aquela por eles próprios
produzida, sempre opositores a qualquer Comissão da Verdade, os mesmos, ou ao
menos vários deles, que no debate sobre o recém-lançado PNDH-3, nos primei-
ros meses de 2010, vociferavam contra ela, agora votaram a seu favor, na Câmara

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Federal, no último dia 21/09/2011, e no Senado Federal, no último dia 25/10/2011,
em ambos os casos por acordo. É a posição destes, não a dos que a defenderam
sempre e que agora criticam o texto aprovado com razões legítimas e consistentes,
que deve ser estranhada: o que os teria tornado tão confiantes numa Comissão que
até há pouco lhes soava ameaça? Afinal, o que mudou? Os conservadores já não o
são? Ou teriam os que se diziam neoconservadores se tornado mais conservadores,
gerando uma pactuação cômoda, aceitável até aos velhos conservadores?
Um pouco de memória pode ajudar. O editorial de um dos porta-vozes do con-
servadorismo, o jornal O Estado de São Paulo, de 02/10/2011, começava dizendo:
“A criação da Comissão Nacional da Verdade, proposta no 3º Programa Nacional
de Direitos Humanos (PNDH-3), assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
em dezembro de 2009, tem como objetivo precípuo investigar e divulgar a ‘ver-
dade histórica’ sobre a ditadura militar de 1964/1985 para ‘promover a reconcilia-
ção nacional’”. Mais à frente dizia: “O projeto de criação da Comissão da Verdade
acabou sendo escoimado de radicalismos unilaterais e se concentra agora na ideia
do estabelecimento de um grupo de sete pessoas nomeadas pela Presidência da
República que se dedicará, pelo prazo de dois anos, a levantar informações sobre a
chamada ‘guerra suja’, visando, principalmente, a apurar o paradeiro de brasileiros
desaparecidos ou as circunstâncias em que pessoas foram mortas naquele en-
trevero”. Concluía dizendo: “A maneira como a Comissão da Verdade está sendo
constituída parece indicar que o bom senso afinal prevalecerá, em benefício do
objetivo maior de reconciliação nacional e da construção de um futuro assentado
em bases de convivência democrática. A última tentativa de impor a essa questão,
em nome de uma visão estreita de direitos humanos, um tratamento sectário e
unilateral, foi derrotada essa semana na Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional da Câmara. Projeto de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que
previa a revisão da Lei da Anistia e a possibilidade de levar a julgamento agentes
do Estado responsáveis por mortes, torturas e desaparecimento de opositores do
regime militar, foi rejeitado por expressiva maioria. Por mais dolorosa que seja a
memória de episódios da ditadura, a Lei da Anistia colocou um ponto final nessa
questão. Resta apenas o trabalho de recompor historicamente esse período de
triste memória da vida nacional, até para evitar no futuro a repetição dos mes-
mos erros. É a missão que caberá à Comissão da Verdade”. Este mesmo jornal,
em Editorial de 10/01/2010, dizia que o PNDH-3, de onde teria sido dado o start
para a Comissão da Verdade, era um “roteiro para o autoritarismo”: “O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva assinou em dezembro um roteiro para a implantação de
um regime autoritário, com redução do papel do Congresso, desqualificação do
Poder Judiciário, anulação do direito de propriedade, controle governamental dos
meios de comunicação e sujeição da pesquisa científica e tecnológica a critérios e
limites ideológicos”, incluindo, mais adiante: “A apuração das violências cometidas
pelos agentes do regime militar e a revogação da Lei da Anistia são apenas uma
parte desse programa – a mais divulgada, até agora, por causa da reação dos co-
mandantes militares à redação inicial do decreto”, sendo que vai concluindo: “O
governo também deverá incentivar a produção de filmes, vídeos, áudios e simila-
res voltados para a educação sobre direitos humanos e para a reconstrução “da
história recente do autoritarismo no Brasil”. Será um autoritarismo cuidando da

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história de outro. As intenções políticas são claras, embora escritas numa lingua-
gem abstrusa”. Incrível que a mesma Comissão da Verdade, que antes compunha
parte do pacote que constituía o “roteiro para o autoritarismo”, agora se converta
em alguma coisa na qual “o bom senso afinal prevalecerá”. Segundo o editorialista,
a memória dolorosa dos episódios da ditadura não será tarefa da Comissão, dado
que dela foi dado ponto final pela Lei da Anistia, caber-lhe-ia “apenas o trabalho
de recompor historicamente esse período de triste memória da vida nacional”. O
que seria então papel da Comissão? O que significaria “apenas recompor” e não
fazer a “memória de episódios da ditadura”? Será que a Comissão da Verdade
recentemente aprovada foi de tal forma bem amarrada que teria conseguido até
“redimir” os PNDH-3? O que significaria ter sido derrotada “uma visão estreita de
direitos humanos, um tratamento sectário e unilateral”? A posição do Estadão não
é a única nesta linha, infelizmente.
O fundamental, todavia, reiteramos, é manter aberto o processo de reflexão
sobre o significado profundo da Comissão Nacional da Verdade. E seu sentido pro-
fundo está exatamente em ser um espaço capaz de construir uma verdade sobre
o período da ditadura civil-militar brasileira e, por outro, em desconstruir algumas
das verdades repetidas – nem tão verdadeiras assim – pelos que têm pavor de
verdades que não sejam as deles próprios. Ela não terá alcance para fechar o tripé,
pois dela não se poderá esperar justiça. Mas, se ela for capaz de produzir verdades
com base na memória das vítimas, certamente abrirá caminho para que venha
também a justiça. Até porque, todos quantos lutamos por direitos humanos sabe-
mos desde há muito que uma coisa é a luta por direitos e outra é o que de direitos
o statu quo reconhece. Lutar por direitos tem sido e continua sendo a tarefa precí-
pua, inclusive no caso da Comissão da Verdade.
Somente a luta dos diversos sujeitos de direitos é que fará possível tanto a ver-
dade, quanto a memória e, acima de tudo, a justiça. A verdade é risco, sim, porque
ela põe em movimento a liberdade. A liberdade em movimento destrói a repres-
são, mesmo que isso demore algum tempo. Correr o risco da verdade se justifica
quando se deseja que a justiça, a liberdade e a verdade caminhem juntas. Para isto
estivemos, estamos e continuaremos a postos! Este é o risco de quem se propõe
a fazer da luta por direitos humanos uma luta permanente. Para estes e estas, a
verdade não é um risco, ou é um risco que vale a pena correr!

Publicado em Carta Maior, em 10/11/2011. Disponível em: <www.cartamaior.com.br/templates/materia


Mostrar.cfm?materia_id=18924>.

DITADURA NUNCA MAIS: POR QUÊ?

A história brasileira é marcada por longos períodos de exceção vividos sob di-
taduras civis-militares e por breves períodos democráticos. O atual período demo-
crático é o mais duradouro e consistente. Ele sucede, não esqueçamos, a recente
ditadura civil-militar que emudeceu o Brasil por 20 anos, de 1964 a 1985.

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Mas, por que ditadura nunca mais? O que cabe a uma democracia que sucede
a uma ditadura? Estas não são perguntas. São questões. Por isso, queremos menos
responder a elas e mais ajudar a refletir sobre elas.
Ditaduras são formas de organização da vida política que impedem a liberda-
de, escondem a verdade e obscurecem a memória, comprometendo a justiça. Elas
nascem como forma de fazer com que os interesses de grupos se imponham à
vontade do conjunto da sociedade. Ditaduras só servem a quem é parte do poder
por elas constituído e a quem a ele se alia ou a ele se submete. Não servem ao
povo. A rápida descrição parece ser suficiente para ajudar a refletir e a tomar uma
posição definitiva: ditadura, nunca!
O povo brasileiro sabe o que significou a ditadura militar nas suas vidas. Famí-
lias que perderam seus filhos ainda esperam para enterrá-los. Pessoas que foram
torturadas ainda esperam para poder dizer quem foram seus algozes. Vozes ainda
têm dificuldade de dizer com força o que pensam por terem medo de serem repri-
midas. A tortura segue sendo prática sistemática em delegacias e presídios Esta é
a herança da ditadura. Vítimas que sofreram e ainda sofrem a injustiça, que ainda
esperam pela possibilidade de dizer sua palavra e ver a verdade proclamada. Víti-
mas que ainda esperam por justiça.
Aqui já começamos a enfrentar a segunda questão. Uma das tarefas da demo-
cracia é exatamente abrir os arquivos, sejam eles quais forem, estejam eles onde
estiverem, e permitir que cada um possa dizer a sua palavra. Abrir um debate pú-
blico sobre o sentido da história para construir a verdade histórica como expres-
são da memória coletiva e criar condições para que a justiça ética às vítimas seja
feita, não como vingança, mas como reparação, são desafios à democracia. Por
isso, só se consolida a democracia se forem criadas condições para que a verdade
seja obra da sociedade e que a justiça seja efetiva vida de cada uma e de todas
as pessoas. Sem isso, qualquer democracia será uma democracia pela metade. E
democracia pela metade não é democracia!
A democracia é preferível a qualquer ditadura não por outro motivo senão por-
que permite que memória e verdade sejam constitutivas da justiça como realiza-
ção de condições para a efetivação da dignidade humana. A justiça exige o reco-
nhecimento das injustiças e de suas vítimas, que sofreram a injustiça. Sem isso, a
justiça é vazia. Mas, sem que as próprias vítimas possam dizer sua palavra, sua ver-
dade, recorrendo à memória dos fatos que as levaram à situação de vitimização,
não há justiça. O querer justiça como memória e verdade das vítimas é um direito
das próprias vítimas, mas não só, ele também é de todos os seres humanos, até
porque esta é a forma efetiva de engajar a todos/as para que não sejam produzidas
novas vítimas. Por isso, o direito à memória, à verdade e à justiça se constitui num
dos direitos humanos mais basilares das sociedades democráticas. O nunca mais
a todo e qualquer tipo de violação de direitos, a todo tipo situação que produz
vítimas, a todo tipo de inviabilização do humano, é a expressão positiva do querer
um mundo justo e humanizado para todas e cada uma das pessoas.
Por isso faz sentido a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528,
de 18/11/2011. Ela poderá ser um espaço capaz para construir a verdadeira verda-

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de sobre o período da ditadura civil-militar brasileira e, por outro, para descons-
truir algumas das verdades repetidas – nem tão verdadeiras assim – pelos que
têm pavor de verdades que não sejam as deles próprios. Ela não terá alcance para
fechar o tripé, pois dela não se poderá esperar justiça. Mas, se ela for capaz de
produzir verdades com base na memória das vítimas, certamente abrirá caminho
para que venha também a justiça. Por isso, ela é um grande recurso para que a
democracia gere condições a fim de que, em uníssono, a sociedade brasileira diga:
ditadura, nunca mais! Democracia, sempre, e com direitos humanos!

Publicado no Jornal Mundo Jovem, Porto Alegre, PUCRS, março 2012.

99 |
LEITURAS SUGERIDAS

APEL, Karl-Otto. Estudos de Moral Moderna. Trad. Benno Dischinger. Petrópolis:


Vozes, 1994.
CARBONARI, Paulo César (Org.). Sentido Filosófico dos Direitos Humanos: leituras
do pensamento contemporâneo. Passo Fundo: IFIBE, 2006; 2009; 2013.
DUSSEL, Enrique D. Ética da Libertação na Idade da Globalização e da Exclusão.
Trad. Jaime A. Clasen et al. Petrópolis: Vozes. 2000.
DUSSEL, Enrique D. Hacia una Filosofía Política Crítica. Bilbao: Descleé de Brower,
2001.
DUSSEL, Enrique. Política de la liberación. Historia mundial y crítica. Madrid: Trotta,
2007. Tomo I.
DUSSEL, Enrique. Política de la liberación. Arquitectónica. Madrid: Trotta, 2009.
Tomo II.
FRASER, Nancy. A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e
participação. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 63, p. 7-20, Out. 2002.
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética? Lua Nova, CEDEC, São Paulo, n. 70, p.
101-138, 2007.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1977.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
GODOY SILVEIRA, Rosa M. et al. (Org.). Educação em Direitos Humanos: funda-
mentos teórico-metodológicos. João Pessoa: UFPB, 2007. Disponível em: <http://
www.memoriaenelmercosur.educ.ar/index509c.html?p=644&idioma=pt>.
HERRERA FLORES, Joaquin. A (re)invenção dos direitos humanos. Trad. C.R.D. Gar-
cia et al. Florianópolis: Fundação Boiteux; IDHID, 2009.
HERRERA FLORES, Joaquin. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade
de resistência. In: Revista Sequência, Florianópolis, UFSC, v. 23, n. 44, p. 9-30, 2002.
HINKELAMMERT, Franz. El sujeto y la ley: el retorno del sujeto reprimido. Heredia,
Costa Rica: EUNA, 2003.
KERSTING, Wolfgang. Universalismo e direitos humanos. Trad. Peter Neumann et
al. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.
MÜHL, Eldon Henrique et al. (Org.). Textos referenciais para a educação em direitos
humanos. Passo Fundo: IFIBE, 2013.
PANIKKAR, Raimon. Religión, filosofia y cultura. In: Revista de Ciencias de las Reli-
giones, n. 1, p. 125-148, 1996. Publicada em Polylog. Foro para filosofía intercultu-
ral, n. 1, 2000. Disponível em: <http://them.polylog.org/1/fpr-es.htm>.
PANIKKAR, Raimon. Seria a noção de direitos humanos um conceito universal? In:

| 100
BALDI, César Augusto (Org.). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004. p. 205-238.
RUBIO, David Sánchez. Filosofía, Derecho y Liberación en América Latina. Bilbao:
Desclée, 1999 (Col. Palimpsesto, 3).
RUIZ, Castor Bartolomé M. M. (Org.). Justiça e Memória. Para uma crítica ética da
violência. São Leopoldo: Unisinos, 2009.
RUIZ, Castor Bartolomé M.M. (Org.). Justiça e Memória. Direito à justiça, memória
e reparação. A condição humana nos estados de exceção. Passo Fundo: IFIBE; São
Leopoldo: Casa Leiria, 2012.
SACAVINO, Susana Beatriz. Democracia e Educação em Direitos Humanos na Amé-
rica Latina. Petrópolis: DP et alii e De Petrus; Rio de Janeiro: Novamérica, 2009.
SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Reconhecer para libertar. Os caminhos do
cosmopolitismo cultural. Porto: Afrontamento, 2004.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do tempo: para uma nova cultura po-
lítica. São Paulo: Cortez, 2006.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos hu-
manos. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 48, p. 11-32, 1997.
WOLKMER, Antônio Carlos. Direitos Humanos: novas dimensões e novas funda-
mentações. Revista Direito em Debate. Ijuí: Unijuí, nº 16 e 17, p. 9-32, jan/jun 2002.

Fontes na internet
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH): <www.mndh.org.br>.
DH NET: <www.dhnet.org.br>.
Secretaria de Direitos Humanos: <www.direitoshumanos.gov.br>.
Novamérica: <www.novamerica.org.br>.
Biblioteca Direitos Humanos da USP: <www.direiroshumanos.usp.br>.
Instituto Superior de Filosofia Berthier: <www.ifibe.edu.br>.
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo: <www.cdhpf.org.br>.

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Anotações
capacadernodh2[final].pdf 1 26/05/2014 15:20:58

Este Caderno quer ser um subsídio para a construção de práticas educativas que
tomem a educação em e para os direitos humanos como uma tarefa em construção,
como um compromisso com a formação de agentes individuais e sociais
protagonistas da luta pelos direitos humanos. Não quer ser um modelo. Quer tão
somente motivar educadores e educadoras a construir dinâmicas pró-ativas de
aprendizagem. Por isso, todas as sugestões que são nele apresentadas somente podem
ser tomadas como referência. A sensibilidade e a reflexão do/a cada educador/a e de
cada participante das oficinas é que fará a construção efetiva da aprendizagem.

Direitos Humanos - Sugestões Pedagógicas


A Comissão de Direitos Humanos
de Passo Fundo (CDHPF) é uma
organização da sociedade civil que
Direitos Humanos
atua desde 1984, há 30 anos, na
promoção dos direitos humanos,
em Passo Fundo e região. É filiada
ao Movimento Nacional de Direitos
Sugestões Pedagógicas
Humanos (MNDH). Reúne pessoas 2ª edição
dispostas a promoverem a
universalidade, a interdependência e a Revista e ampliada
indivisibilidade dos direitos humanos,
lutando pela promoção e a proteção
dos direitos humanos e a reparação de
suas violações. Atua orientada pelos
princípios da educação popular e
acredita na afirmação de sujeitos de
direitos humanos, para o que se Este Caderno apresenta sugestões
articula e apoia todas as vítimas de pedagógicas para a promoção da
violações e suas organizações para que educação em direitos humanos. É
através delas avance a realização dos composto de duas partes: a primeira
direitos humanos. A educação popular com sete oficinas sobre aspectos dos
em direitos humanos é um caminho direitos humanos; a segunda com
profícuo para fazer avançar as lutas textos que auxiliam e servem de
populares para que os direitos suporte para o desenvolvimento das
humanos se tornem efetividade na oficinas ou mesmo podem se
vida cotidiana de cada uma e de constituir em referências para a
todas as pessoas. compreensão das questões das quais se
ocupam. Esta é a edição revista e
Contato: <www.cdhpf.org.br> ampliada da edição original, de 2008, e
<cdhpf@cdhpf.org.br> da edição eletrônica, de 2010.

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