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Clair Patterson e o chumbo tetraetila

Article · January 2015

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Robson Fernandes De Farias


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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História da Química 01 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015 | p. 91-94

Clair Patterson
e o Chumbo Tetraetila
Clair Patterson and Tetraethyl Lead
Robson Fernandes de Farias e Deyse de Souza Dantas

Este ano completam-se vinte anos da morte de Clair Patterson, o homem que
“derrotou” o chumbo tetraetila.
Quando Clair Cameron Patterson (1922-1995) recebeu a tarefa de determinar,
em cristais de zircônia, qual o teor de chumbo, essa pareceu uma tarefa fácil, de
rotina. As amostras de zircônia remontavam à formação da Terra e, sabendo-se qual
o teor de chumbo contido nelas, bem como o teor de urânio, e tendo-se em vista
que o tempo de decaimento do urânio (formando o chumbo) era conhecido, seria
possível, assim, determinar qual a idade da Terra (calculada, em 1953, pelo próprio
Clair, como algo em torno de 4,6 bilhões de anos).

α α

238 234 234 234 230


U Th Pa U Th

226 222 218 214 214


Ra Rn Po Pb Bi
α α α
α α
214 210 210 210 206
Po Pb Bi Po Pb
Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila

1  Decaimento do Urânio 238 ao Chumbo 206,


com a liberação de oito partículas α
Tendo-se destacado no ramo da Geoquímica, muitos acreditam que Clair era
geólogo de formação, mas ele era químico: bacharel em Química pelo Grinnell
College de Iowa (1943), e PhD em Química pela Universidade de Chicago (1951).
Contudo, durante anos, Clair teve uma dificuldade experimental a atormentá-
-lo: suas medidas eram, inexplicavelmente, inconsistentes, não reprodutíveis. Os
teores de chumbo variavam a cada medida experimental.
Demorou anos para que Claire percebesse que o problema era o teor de chumbo
contido no meio ambiente (no ar, nesse caso). Ele só conseguiu medidas que per-
mitiriam obter a desejada idade da Terra, ao efetuar suas medidas numa sala ultra-
limpa (a primeira do mundo, no gênero).
Conforme Clair inferiu, e posteriormente provou com robustos e inquestioná-
veis dados experimentais, o chumbo contido no ar vinha do chumbo tetraetila, um
composto organometálico adicionado à gasolina, como antidetonante.

Clair Patterson num laboratório do Caltech (c. 1952)

As medidas de Clair envolveriam amostras de ar e amostras de água do oce-


ano, bem como amostras de gelo dos polos, retiradas a diferentes profundidades.
Os resultados (sobretudo os das amostras da água do mar e do gelo dos polos)
deixavam claro que a concentração corrente de chumbo no ar, embora tida como
“normal”, visto ser relativamente constante, estava longe de ser algo normal do
ponto de vista das concentrações naturais. Por exemplo, a concentração de chumbo
nas camadas mais rasas dos oceanos ou nos níveis mais superficiais das camadas de
gelo, era tremendamente mais elevada que nas camadas mais profundas, deixando
claro que o aumento da concentração de chumbo era um advento recente na história
da humanidade.

92 Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015


Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila

A metodologia desenvolvida por Patterson, de estudar camadas de gelo em


busca da composição de atmosferas passadas, tornar-se-ia comum em estudos cli-
matológicos.
Por suas descobertas, Clair recebeu, num primeiro momento, uma tentativa
velada de suborno por parte da indústria petrolífera, a qual se dispôs a financiar
(sem limites) suas pesquisas, desde que elas focassem outro metal que não o
chumbo (ironicamente, suas expedições para coletas de amostras de água do mar
foram financiadas pela indústria do petróleo) e, num segundo momento, foi vítima
de tentativa de descrédito na comunidade científica, além de ter havido pressões
para que fosse demitido.
Contudo, Clair iniciaria o que classificaria como uma verdadeira cruzada con-
tra o uso do chumbo tetraetila, tendo-se em vista os já sabidos efeitos altamente
tóxicos do chumbo sobre o organismo humano. Nas fábricas onde era produzido,
foram frequentes os casos de trabalhadores que enlouqueciam, tinham alucinações
e jogavam-se dos prédios. De tão tóxico, o chumbo tetraetila, para fins de trans-
porte e estocagem, era tratado com o status de arma química.
De maneira emblemática, a indústria do petróleo iniciaria, então, uma campa-
nha em duas frentes: publicitária e científica, a fim de desacreditar as conclusões
dos estudos de Clair.
Contudo, os resultados experimentais de Patterson, acuradamente obtidos, dei-
xavam evidente que os níveis de chumbo na atmosfera haviam aumentado assusta-
doramente a partir de 1923, quando o chumbo tetraetila, foi colocado no mercado.1
A correlação era, assim, clara e inevitável.

Fórmula estrutural do chumbo tetraetila

Após a entrada em vigor do Clean Air Act, de 1970 (para o qual os trabalhos de
Patterson muito contribuíram), o nível de chumbo no sangue dos americanos caiu
em cerca de 80%.

1. O produto era fabricado e comercializado pela Ethyl Gasoline Corporation, formada pela General
Motors, pela Du Pont e pela Standard Oil de New Jersey.

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Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila

Imagem da parte frontal de uma lata de gasolina com chumbo tetraetila

Robert Kehoe (1893-1992), toxicologista e especialista em saúde ocupacional seria


o cientista eleito, pela indústria petrolífera, para afirmar que o chumbo não causava
danos à saúde e travaria, com Clair, um “duelo” científico que duraria muitos anos.
Embora trabalhasse para a indústria do petróleo, como membro da comunidade cientí-
fica, Kehoe era um oponente de peso, visto que podia também apresentar contra-argu-
mentos, em termos científicos, criando mesmo um novo paradigma (Nriagu, 1988).
Pesquisador profícuo, Patterson continuaria suas pesquisa até seu falecimento, em
1995, tendo publicado diversos artigos dedicados à poluição causada pelo chumbo
em diversos ecossistemas mundo afora. Um de seus últimos artigos publicados tra-
tava da poluição por chumbo causada por civilizações antigas (Hong et al., 1994).
Pesquisador no prestigiado Instituto de Tecnologia da Califórnia (California
Institute of Technology, Caltech) por quarenta anos, Clair Patterson morreria,
segundo consta, de um ataque de asma.
Sempre muito combatido pela comunidade científica, Patterson esteve sem-
pre além do seu tempo e, talvez por isso mesmo, vivenciou uma atmosfera de
isolamento e frieza por parte da comunidade que constituía a torre de marfim da
Ciência, como ele afirmava. Sua campanha contra o chumbo tetraetila (o que equi-
vale a dizer, contra a indústria americana do petróleo) contrariou os desejos de pes-
soas influentes e fez que mesmo entidades científicas o ignorassem na concessão
de financiamentos ou de títulos e premiações.
Em razão de sua tenaz campanha contra o uso do chumbo tetraetila, mais que
um pesquisador, Patterson foi um herói, no sentido mais puro e romântico da pala-
vra. Sua personalidade serviria de inspiração para a composição do personagem
Sam Beech, no romance The Dean’s December, de Saul Bellow.

2  Referências
HONG, S. et al. Greenland ice evidence of hemispheric lead pollution two millennia ago by
greek and roman civilizations. Science, v. 265, p. 1841-1843, 1994.
NRIAGU, J. O. Clair Patterson and Robert Kehoe’s paradigm of “show me the data” on
environmental lead poisoning. Environ Res, v. 78, p. 71-78, 1998.

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