ASPECTOS ÉTICOS DO USO DE FETOS NO ESTUDO DE ANATOMIA
Autores: Túlio Amaral Cunha, 5 período, Universidade Federal de
Alagoas – UFAL, Email: tulioamaral_1001@hotmail.com / Lucas Amaral Cunha, Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Email: luucasamaralc@gmail.com / Ítalo Dantas Rodrigues, Centro Universitário Tiradentes-UNIT, Email: italo.idr@gmail.com
O estudo de cadáveres humanos para o entendimento da anatomia
sempre suscitou muitas discussões no campo da ética. Sabe-se que desde os primórdios da humanidade a busca pelo conhecimento anatômico começou, não só por curiosidade ou pelo desejo curativo, mas para que a morte fosse superada. No Egito antigo já tínhamos a existência das múmias e, antes disso, processos parecidos já eram realizados por povos antigos da América do Sul, os quais necessitaram de grande conhecimento anatômico para que fossem realizados. Passaram-se os séculos e a necessidade do conhecimento da anatomia humana não diminuiu, sendo este por vezes limitado devido ao tratamento sagrado concedido ao cadáver, que não deveria ser violado em nenhuma circunstância. Esse pensamento teve início a partir de 150 A.C. e foi muito defendido por algumas correntes de pensadores. Atualmente, esse tema ainda gera muitos debates no campo da bioética, pois envolve fatores culturais, religiosos, morais e intrínsecos a cada ser humano. Gabrielle Falloppio, anatomista e cirurgião italiano que viveu no período situado no século XIV, foi responsável por inúmeras descobertas anatômicas, dentre elas as tubas uterinas, anteriormente chamadas de trompas de falloppio. Foi ainda um grande analisador do aparelho reprodutor feminino e do feto. Esse estudo do feto em questão é um ponto chave e um dos mais sensíveis quando falamos de pesquisa e estudo da anatomia. Segundo França, no Brasil o feto está protegido e amparado na legislação que visa proteger a vida humana, mesmo ainda não tenha saído de seu período intrauterino, pois existe um valor intrínseco nela, que é o seu potencial à vida. A notável evolução humana, baseada e intimamente ligada ao surgimento de novas tecnologias e aos avanços proporcionados pela ciência, trouxe à tona a possibilidade de se estudar com maior especificidade e com uma alta riqueza de detalhes os mais diversos aspectos da vida humana. Nesse processo, o uso de fetos no desenvolvimento de novas pesquisas e no aprofundamento do conhecimento anatômico ganhou um valor complexo. O inevitável pensamento de que aquilo que é palpável tende a ser mais concreto esbarra em dois princípios éticos fundamentais: o princípio de autonomia e o princípio de dignidade humana. No âmbito da saúde, o conceito de autonomia se relaciona com o poder de tomada de decisões individuais, juntamente com o balanceamento entre os prós e contras das decisões a serem tomadas. Não somente, é enxergar o índividuo como um ser abrangente, com direito a opiniões e escolhas sobre si mesmo e sobre o seu envolvimento com o meio. Portanto, a autonomia garante o direito ao pensamento sobre aspectos individuais, e sua redução ou ausência compromete a capacidade de se de deliberar ou agir com base em seus desejos e planos. (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Segundo Engelhardt, autor de “Fundamentos da Bioética”, os fetos não desfrutam da condição de pessoas, já que são “produtos biológicos das pessoas”. Logo, a condição moral dos fetos se correlaciona com seu incompleto poder autonômico e, por esse motivo, é fundamental obter o consentimento daqueles que os produziram, ou de seus representantes, antes de utilizá-los para realizar qualquer tipo de pesquisa ou experimento. Assim, por não serem pessoas no sentido estrito, deve-se aceitar que os pesquisadores realizem experimentações fetais, desde que haja produção de conhecimento e bem-estar para a sociedade. Por outro lado, Élio Sgreccia, autor de seu “Manual de Bioética”, considera que o uso de fetos abortados espontâneamente para fins de pesquisa e estudo deve ser realizado com extrema cautela, sempre com obrigatoriedade de confirmação da morte e consentimento por parte dos pais, e conclui que “os cadáveres dos embriões ou fetos humanos, voluntariamente abortados ou não, devem ser respeitados como os restos dos demais seres humanos.” É importante relatar que essa preocupação à proteção com o feto que ocorre no Brasil não se repete em inúmeros países. Exemplo disso é visto em Londres, cidade na qual já existiram denúncias à clínicas de aborto que levavam fetos para pesquisas particulares para serem vendidos e provavelmente analisar sua evolução fora do útero. Constata-se ainda que essas práticas em países subdesenvolvidos, em que há uma legislação falha e descriminalização do aborto, são ainda mais assustadoras, sendo o comércio de fetos ainda vivos algo comum em pesquisas clandestinas. A fim de evitar a ocorrência de ações como as anteriormente citadas, Franca ressalta a importância da criação de um Estatuto Jurídico do Embrião e do Feto. No Brasil as orientações éticas com pesquisas envolvendo fetos segue a resolução C.N.S 196/96-capítulo III, a qual relata:
Todo procedimento de qualquer natureza envolvendo o ser humano,
cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado como pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes da presente Resolução. O Código de Ética Médica, vigente no capítulo XII sobre Pesquisa Médica, estabelece ser vedado ao médico: art. 123 - realizar pesquisa em ser humano, sem que este tenha dado consentimento por escrito após devidamente esclarecido, sobre a natureza e consequências da pesquisa. Parágrafo único - caso o paciente não tenha condições de dar seu livre consentimento, a pesquisa somente poderá ser realizada, em seu próprio benefício, após expressa autorização de seu representante legal.
Observa-se que a questão da proteção ao feto vivo é algo subjetivo na
legislação brasileira, a qual tende à proteção da vida ou de seu potencial à tal. A resolução CNS N.º 196/96 diz que pesquisas com natimortos deveriam ser estabelecidas através de elaboração de regulações especificas, porém, as mesmas não foram elaboradas. Segundo o departamento de morfologia de algumas instituições de ensino como o da Universidade Federal da Paraíba, a doação de fetos e natimortos se seguem através de duas situações: No primeiro caso, o feto tem que ter idade gestacional menor que 20 semanas ou peso menor que 500g, o qual se caracteriza um abortamento e não há necessidade de emissão de uma declaração de óbito. Nesse caso o serviço que prestou assistência pode destinar o resultado do abortamento para fins de estudos acadêmicos. No segundo caso, com gestação igual ou superior a 20 semanas ou peso corporal acima de 500g, é necessária emissão de declaração de óbito e a família é responsável pela destinação fetal, podendo fazer doação para fins de pesquisa. Para que isso ocorra, a família deve assinar o Termo de Intenção de Doação de Corpo de Natimorto pela Família para Fins de Estudo e Pesquisa, para que o processo se complete. Tal termo é de fundamental importância, porque nele será documentado todos os dados do natimorto e dos familiares, e deixará explicito que foi realizada uma doação espontânea, através do expresso nos seguintes parágrafos e com a assinatura do familiar responsável:
Autorizo a doação do corpo para fins de estudo e pesquisa, ao
Departamento de Morfologia, do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus I, conforme previsto no Art. 12 do Código Civil, pela Lei nº 10.406/2002: (“Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau”). Declaro que a doação do corpo é por tempo indeterminado e que, findo o estudo, a UFPB poderá providenciar a destinação final do corpo ou partes do corpo, conforme minha vontade expressa neste documento. Declaro, ainda, que: ( ) concordo ( ) não concordo, com a exposição do corpo, ou parte dele, em Museu de Anatomia com finalidade acadêmica em projetos de ensino, pesquisa ou extensão, respeitando-se todas as considerações éticas previstas na Resolução nº 466/2012 e o Art. 212 do Código Penal Brasileiro.
Referências:
LUNA, Naara. Fetos anencefálicos e embriões para pesquisa: sujeitos
QUEIROZ, C. D. A. F. O USO DE CADÁVERES HUMANOS COMO
INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO A PARTIR DE UMA VISÃO BIOÉTICA. Dissertação de mestrado: Universidade Católica de Goiás, Goiânia – Goiás, dez. /2005.
FRANÇA, G. V. D. Direito Médico. 12. ed. Rio de Janeiro: forense, 2014.
Cap. 12.
BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Princípios de ética
biomédica. Edições Loyola, 2002. ENGELHARDT JR, H. Tristam. Fundamentos da bioética. Edições Loyola, 1998.