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e sob ele os padres conciliares foram reconvocados em Trento com a bula Ad Ecclesiae

regimen de 29 de novembro de 1560. Em 18 de janeiro de 1562 os trabalhos tiveram


reinício.125
Tratou-se do terceiro e último período (1561-1563), durante o qual aconteceram
outras oito sessões – da 17ª à 25ª –, em que foram enviados como legados papais os
cardeais Ercole Gonzaga, Giacomo Puteo (o qual, porém a causa de uma enfermidade
não assumiu nunca o encargo) e, pouco mais tarde, Girolamo Seripando, Stanislao
Hosio, Ludovico Simonetta e enfim Marco Sittich von Hohenems. A reunião inaugural
de 18 de janeiro contou com a participação de 113 mitrados. Os trabalhos
transcorreram, com episódios alternados, até 3 de dezembro de 1563. Foram celebradas
nesta última fase nove sessões, que aprovaram decretos particularmente importantes,
como aqueles relativos ao Sacrifício da Missa, composto por 9 capítulos doutrinais e
vários cânones; depois, o decreto sobre a ordem sacra, ao lado de outros sobre o
matrimônio, culto dos santos, indulgências e purgatório. Na derradeira fase do Concílio
estiveram presentes 225 padres: 6 cardeais, 3 patriarcas, 193 arcebispos e bispos, 7
superiores gerais de ordens religiosas e 39 procuradores representantes de prelados
ausentes.126
Enfim, aos 4 de dezembro de 1563, passados 18 anos de sua abertura e após 25
sessões, se encerrou o Concílio, com a aprovação e assinatura de todos os decretos
precedentes. O Cardeal Morone, primeiro dos presidentes do Concílio de Trento,
pronunciou as palavras finais: “Depois de ter agradecido a Deus, ide em paz”.127 Papa
Paulo IV, no consistório de 26 de janeiro de 1564, com a bula Benedictus Deus,
publicada seis meses depois, confirmou todas as decisões tridentinas, sem exceções ou
mudanças, conferindo a elas vigor de lei. Em 13 de dezembro sucessivo ele redigiu a
Professio fidei tridentinae que compendiou as deliberações do Concílio.128

3.2 – A atuação da reforma tridentina

Fazendo um balanço, o Concílio de Trento tinha proposto de resolver três graves


problemas que então afetavam o Cristianismo ocidental:

125
LUDWIG HERTLING – ANGIOLINO BULLA, Storia della Chiesa, p. 350-353.
126
FRANCISCO MARTÍN HERNÁNDEZ, Historia de la Iglesia: Edad Moderna, vol. 2, Ediciones Palabra,
Madrid 1999, p.183.
127
FRANCISCO MARTÍN HERNÁNDEZ, Historia de la Iglesia: Edad Moderna, vol. 2, p. 183.
128
FRANCESCA BONICALZI, ET ALII, Storia d’Italia ed’Europa – il rinascimento e le riforme, vol.3,
Editoriale Jaca Book, Milano 1979, p. 384.

68
1. A questão da unidade, ou seja, a superação da ruptura entre católicos e protestantes.
Neste campo não se obteve nenhum resultado.
2. As questões de fé, isto é, as definições dos dogmas. Foi um sucesso. Trento produziu
uma verdadeira “síntese católica”, em particular sobre três temas fundamentais: o
pecado e a justificação; a Bíblia e a Tradição; e a doutrina sobre os sacramentos,
concebidos como sinais eficazes para comunicar a graça, operando ex opere operato
(por força do próprio sacramento, independentemente dos méritos do ministro ordenado
que os celebra). A Igreja ganhou assim uma identidade precisa, bem definida por São
Roberto Belarmino, cujo ângulo de visão era aquela da “estrutura societária”: “A Igreja
é a sociedade dos homens que professam a mesma fé cristã, tida junta pela comunhão
dos mesmos sacramentos, sob a condução dos legítimos pastores, em particular do
Romano Pontífice.129
Daqui nascia a preocupação de salvaguardar a autoridade com fasto mais a
preferência dada aos meios coercitivos da pastoral. Isto é, a Igreja foi concebida como
o Corpo místico de Cristo e junto organismo jurídico em que o elemento místico e
invisível se junta, se apoia e se exprime no elemento jurídico que tem a sua primeira
afirmação na hierarquia estabelecida por Cristo, que diferencia e subordina os leigos ao
episcopado, mesmo que todos estejam unidos pela comum dignidade do sacerdócio
fundado sobre o batismo. Trento soube também transmitir o seu conteúdo por meio de
uma linguagem de rara clareza, como se percebe nos cânones relativos à definição dos
sacramentos em geral, aprovada na 7ª sessão, em 3 de março de 1547:

Can. 1. Se alguém afirma que os sacramentos da nova lei não foram instituídos por Jesus
Cristo, nosso Senhor, que são mais ou menos que sete, ou seja, o batismo, a confirmação,
a eucaristia, a penitência, a extrema unção, a ordem e o matrimônio, ou também se algum
destes sete não é verdadeiramente e propriamente um sacramento: seja anátema. 130

3. A problemática da reforma moral e disciplinar da Igreja. A base sólida sobre a qual


esta se apoiou foi a clareza dos princípios citada em precedência. Vale dizer, para atuar
a reforma interna, os inovadores contavam com claros princípios doutrinais, graças à
reafirmação dos dogmas da doutrina católica e à confirmação da validade de todos os

129
RENATO MARANGONI, La Chiesa, mistero di comunione: il contributo di Paolo VI nell'elaborazione
dell'ecclesiologia di comunione, 1963-1978, Editrice Pontificia Università Gregoriana, Roma 2001, p.
279.
130
HEINRICH DENZINGER, Enchiridion Symbolorum, p. 671.

69
sete sacramentos. Além disso, foi também ratificado com firmeza o concurso meritório
das obras para a salvação humana e o valor da Tradição. Liturgicamente, o latim foi
confirmado como língua universal de todas as manifestações do culto católico, em lugar
das línguas vulgares. A cura animarum era o elemento unificador da aplicação dos
decretos de reforma do Concílio, sob a responsabilidade dos bispos, também eles
reformados. Foram protagonistas grandes figuras como Carlos Borromeo (1538-1584)
em Milão, Gabrielle Paleotti (1522-1597) em Bologna, Bartolomeu Fernandes dos
Mártires, OP (1514-1590) em Braga, Portugal; Francisco de Sales (1567-1622) em
Genebra-Anecy; Paolo Burali (1511-1578) em Piacenza; e Pedro Guerrero (1501 -
1576) em Granada. Paralelamente se afirmava sempre mais a força do papado na
atuação do Concílio, o qual seguia um modelo centralizado e uniforme.131
Se a base doutrinal e o governo eclesiástico eram precisos, não menos o eram
as medidas disciplinares para vivê-los. Com oportunas providências o Concílio
condenou a degeneração dos costumes (proibição do matrimônio dos eclesiásticos;
limitação dos benefícios; obrigação da visita pastoral pelos bispos e da residência para
os párocos, etc.) e se ocupou da formação cultural do clero (instituição de colégios
eclesiásticos e de seminários diocesanos) dando toda atenção à organização disciplinar
das casas formativas. No vértice da hierarquia e da reforma pós-tridentina se encontrará
o Papa, porque, como se viu, Trento tinha reforçado ao interno mesmo da Igreja o poder
efetivo do Pontífice Romano. O Papa é então considerado por todos os católicos o Chefe
da Igreja e, portanto, chefe da cristandade, o assegurador da unidade, o chefe dos bispos
e o juiz em última instância das causas maiores.
Entretanto, a aplicação dos decretos tridentinos encontrou algumas fortes
resistências. Para se tornarem operativos em cada um dos estados, estes necessitavam
do placet dos governos locais, o que geralmente era concedido só depois de tratativas.
O governo espanhol, por exemplo, aceitou os decretos, mas impôs a cláusula “salvos
os direitos reais”. Isso se tornaria posteriormente causa de uma série de conflitos de
competência de confins verdadeiramente instáveis e indefinidos, usados vez por vez de
acordo com as circunstâncias envolvendo as partes em causa.132 A França, da parte sua,
aceitou os decretos dogmáticos mas não aqueles de reforma (entenda-se, de disciplina).

131
MASSIMO MARCOCCHI ET ALII, Il Concilio di Trento: istanze di riforma e aspetti dottrinali, Vita e
Pensiero, Milano 1997, p.18.
132
MARCELLA CAMPANELLI, Centralismo romano e "policentrismo" periferico:chiesa e religiosità nella
diocesi di Sant'Alfonso Maria de Liguori: secoli XVI-XVIII, FrancoAngeli, Milano 2003 p. 45.

70
O motivo foi que as normas tridentinas estavam em desacordo com a inteira legislação
galicana segundo a qual nem o Rei nem os oficiais podiam ser excomungados pelo que
dizia respeito à execução do seu ofício. Nos territórios do Sacro Romano Império
Germânico, inclusive na parte católica, se ignorava os mencionados decretos e até
mesmo na península italiana as reservas foram grandes. Por isso, nos meses sucessivos
ao fechamento do Concílio, os principais chefes políticos dos estados italianos
independentes enviaram a Roma embaixadores a fim de verem reconhecidos seus
padroados sobre os benefícios eclesiásticos dos territórios que governavam. Para evitar
ulteriores conflitos, tal solicitação foi parcialmente acolhida pela República de Veneza
e pelos ducados de Savoia e Toscana.133

3.2.1 – A aplicação das normativas de Trento

O Concílio não considerou o papado como um corpo político, deixando assim


intacta a questão da dupla figura do Pontífice, como chefe espiritual da Igreja e como
soberano temporal. Por outro lado, a centralização do governo da Igreja foi um fato que
respondia a múltiplas exigências:
1. Exigências de caráter político: com o crepúsculo da República cristã se assistiu ao
fenômeno dos estados modernos, que tendiam a ingerir nas igrejas. A divisão tinha
ajudado a ampliar o ius patronatus. A ruptura com Henrique VIII da Inglaterra e
Gustavo Vasa da Suécia foi causada não por motivos teológicos, mas políticos.
2. Exigências de caráter eclesiástico: os cardeais tinham atingido um alto teor de vida e
se encontravam na condição de controlar a nomeação dos novos purpurados e de
condicionar os papas através das capitulações (acordo entre beligerantes na linguagem
jurídica internacional). Depois, tinham contribuído a formar um pensamento
canonístico segundo o qual eles seriam os herdeiros dos apóstolos (enquanto o Papa era
o herdeiro de Pedro) e, portanto, superiores aos bispos, e teriam parte na plenitudo
potestatis do Sumo Pontífice. Para evitar a fronda religiosa, a Igreja teve de escolher a
centralização. Com a criação das congregações romanas, os cardeais se tornaram mais
numerosos (de 24 em 1417 a 70 em 1586), porém enfraquecidos, uma vez que as
prerrogativas consistoriais passaram para as mencionadas congregações. Os purpurados

133
GIORGIO DELL'ORO, Il regio economato:il controllo statale sul clero nella Lombardia asburgica e nei
domini sabaudi, FrancoAngeli, Milano 2007, p.53.

71
se tornaram burocratas, melhor controlados e melhor utilizados. Entre os “dois
absolutismos” – Estado e Igreja – os bispos escolheram o Papa.
3. Exigências e caráter teológico: a eclesiologia tridentina concebeu a Igreja como uma
“sociedade perfeita” porque investida de uma autoridade em ordem à santificação. Ou
seja, é perfeita porque, para alcançar o objetivo para o qual foi fundada, que é o de
conduzir os homens à salvação eterna, possui em si mesma os meios para tanto: o
ensino, as leis, a graça, os sacramentos, etc. Por isso, a Igreja coloca em prática estes
meios com a devida autoridade, concebida por Deus mesmo por meio de Cristo, sob a
assistência do Espírito Santo. No início do século XIX, sempre mais frequentemente, a
interpretação do conceito de “sociedade perfeita” passará a dar grande peso à distinção
entre clero e povo. Daí, a hierarquia eclesiástica era qualificada como Ecclesia docens
(Igreja que ensina e guia) e o povo, a Ecclesia dicens (a parte que recebe e é guiada).134
Isso foi mantido até o Concílio Vaticano II, quando se introduziu um novo conceito, o
da Igreja “Povo de Deus” (Lumen Gentium, Cap. II). Como dirão alguns, foi a passagem
da Igreja “pirâmide” à Igreja “círculo”.135
Em todo caso, os papas do período pós-tridentino souberam realizar uma
prodigiosa obra de renovação. Um dos seus primeiros protagonistas foi o Papa Pio IV
(1499 – 1565). No século chamado de Giovanni Ângelo dos Médici, era tio de São
Carlos Borromeo, e foi eleito em 25 de dezembro de 1559. No seu pontificado
terminaram os trabalhos do Concílio e, pouco depois, no dia 2 de agosto de 1564, ele
formou uma comissão de 8 Cardeais (Morone, Borromeo…) encarregada de estudar o
problema da aprovação e da execução dos decretos conciliares.136
Era o início de um grande processo de mudanças que em seguida teria tido
vistosos efeitos. Um dos mais visíveis teve a ver com a arte. Os pintores foram
disciplinados e alguns deles – a exemplo de Paulo Veronese em 1573, assim como
certos poetas e dramaturgos – tiveram de se apresentar ante o tribunal da inquisição.
Ou melhor, se discutiu seriamente de instituir um Index das imagens proibidas. O senso
do pudor e as representações em harmonia com a reta doutrina eram escrupulosamente
analisados por críticos que avaliavam com rigor as pinturas, para acertar que não

134
HENRI BOURGEOIS, Los signos de la salvación, Secretariado Trinitario, Salamanca 1997, p. 364.
135
JOHN P. MCINTYRE, Gli esercizi di Ignazio di Loyola, Editoriale Jaca Book, Milano 1998, p. 74.
136
BRIGITTE BASDEVANT-GAUDEMET, Storia dell'Europa moderna: secoli XVI-XIX, Editoriale Jaca
Book, Milano 1993, p. 325.

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houvesse nada contra a doutrina católica. Por isso, seja as artes plásticas que a música,
neste período foram expurgadas de toda forma de lascívia.137

3.2.2 – Dois clérigos-símbolo da renovação: Pio V e Carlos Borromeo

Pio V (1504-1572) foi batizado como Michele Ghislieri, se tornando depois


frade dominicano. Eleito Papa em 7 de janeiro de 1566, aplicou com rigor as decisões
tridentinas, empenhando-se no restabelecimento da moral cristã e na prática da ascese
espiritual, além de combater com todos os meios a Reforma Protestante. Em 2 de agosto
de 1564 Pio V instituiu uma comissão cardinalícia para a interpretação autêntica dos
decretos do Concílio de Trento, e com a Bula In cœna Domini de 1568 reafirmou a
legitimidade da Igreja de Roma. Dado que, depois da eleição papal, tinha continuado a
usar o hábito branco dos dominicanos, esta cor será assumida por todos os pontífices
sucessivos.138
O pontificado do Papa Pio V foi inteiramente marcado pela vontade de reforma.
Por isso, contra os huguenotes, ele mandou as tropas pontifícias à França em ajuda
daquelas do rei Carlos IX, que tinham como comandante o irmão do soberano, o duque
de Anjou e o futuro Henrique III (1551-1589). Os huguenotes, chefiados pelo almirante
Gaspard de Coligny (1519-1572) foram derrotados em Montcontour (3 de outubro de
1569); mas, por outro lado, Pio V não concedeu à rainha Margot a dispensa para se
casar com Henrique de Navarra (o futuro Henrique IV) e não teve responsabilidade no
massacre da noite de São Bartolomeu (24 de agosto de 1572). Pior aconteceu na
Inglaterra: Elisabeth I (filha de Henrique VIII e Ana Bolena) sabia bem que sua
legitimidade sobre o trono inglês podia ser contestada pelos seus súditos porque ela
tinha abandonado o Catolicismo. Escolheu assim de estabelecer novos motivos
teológicos, o que bem cedo foi levado a termo, com maquiavelismo político, pelos 39
artigos de 1571. Daí, em 1578 Elisabeth se declarou “Gubernatrix” da Igreja da
Inglaterra (seu pai se proclamara “Chefe Supremo”). Com a bula Regnans in excelsis
(25-2-1570), Pio V excomungou a “pretensa rainha e usurpadora” e tolheu aos súditos
o dever de obediência sobretudo porque Elizabeth tinha aderido à heresia calvinista.

137
GUIDO ABBATTISTA, Storia moderna, Donzelli Editore, Roma 1998, p. 242.
138
PIETRO LIPPINI, La vita quotidiana di un convento medievale, Edizioni Studio Domenicano, Bologna
2003, p.150. MARIO ADINOLFI, Il conclave: storia, regole e protagonisti dell'elezione più misteriosa del
mondo, Halley Editrice, Macerata 2005, p. 19.

73
Foi a última vez que um Papa o fez. A Coroa inglesa reagiu promovendo uma intensa
repressão contra leigos e aristocratas católicos.139
Depois da queda de Chipre, o Pontífice organizou uma grande aliança anti-turca.
A Espanha financiou metade da frota, composta de 207 galeras, 84.420 homens e 1.850
canhões. Sob o comando de João d’Áustria (1547-1578) os cristãos derrotaram os
turcos, comandados por Ali Paxá em Lepanto no dia 7 de outubro de1571.
Paralelamente, Pio V impôs visitadores apostólicos no Estado da Igreja e, em relação à
nomeação dos bispos, instituiu uma comissão especial para o exame do candidato.
O prelado diocesano que melhor encarnou os ideais religiosos da época foi o
Cardeal-Arcebispo de Milão, São Carlos Borromeo, sobrinho do Papa Pio IV, titular
daquela jurisdição de 1565 até sua morte, em 1584. Milão tinha sido devolvida ao Sacro
Romano Império Germânico após a derrota do rei da França, e depois unida à coroa da
Espanha quando Carlos V dividiu seus domínios. O governo espanhol trouxe consigo
sérios problemas em campo religioso porque a corte de Madrid era regalista e Felipe II,
que governou até 1598, acreditava estar na posse dos Iura regalia (direitos reais) nas
questões eclesiásticas. Apesar disso, sob São Carlos, a Igreja milanesa soube preservar
sua autonomia e conheceu um extraordinário renascimento. Decidido e ascético, o
Arcebispo se distinguiu pelo seu zelo pastoral, tendo visitado todas as paróquias da
imensa arquidiocese a ele confiada, que agora eram mais de 700, em áreas postas sob a
soberania da Espanha, Suíça, Veneza e Gênova.140 Oportunamente subdividiu o
território arquidiocesano em 12 circunscrições, cada uma sob um comissário de sua
confiança, onde se dava particular atenção à cura d’almas. Também a atividade
legislativa que desenvolveu foi fenomenal, tendo celebrado 11 sínodos diocesanos e 6
sínodos provinciais. O Borromeo foi o primeiro bispo a aplicar o decreto do Concílio
de Trento concernente à fundação de seminários para a formação dos futuros
sacerdotes.141 A inauguração da primeira casa seminarística aconteceu em Milão no dia
10 de dezembro de 1564. Tal seminário funcionou inicialmente junto à igreja de São
Vito em Porta Ticinese; depois, em outubro de 1565, foi transferido para a sede dos

139
BRIGITTE BASDEVANT-GAUDEMET, Storia dell'Europa moderna: secoli XVI-XIX, p. 126.
140
PAMELA M. JONES, Federico Borromeo e l'Ambrosiana:arte e Riforma cattolica nel XVII secolo a
Milano, Vita e Pensiero, Milano 1997, p. 16.
141
SERVÍLIO CONTI, O santo do dia, Editora Vozes, Petrópolis 1986, p. 492.

74
Humilhados em Porta Oriental, onde permanece até os nossos dias. A formação e ensino
nesta fase inicial foram confiados aos jesuítas.142
Opositor ferrenho do protestantismo, São Carlos Borromeo afirmou: “As
pestíferas heresias como o óleo e a cizânia ocuparam o campo da religião cristã e
quase sufocaram o trigo. Não se adora mais a Deus, ou melhor, com mil opróbrios é
blasfemado todo dia: os Luteros, os Calvinos e mil outros horríveis monstros
semelhantes são os ídolos das míseras gentes”.143
Na Lombardia, o protestantismo foi reprimido pelo poder eclesiástico, que se
serviu também da inquisição; mas na Suíça, a situação foi diferente. As regiões de
Locarno, Valmaggia, Lugano e Mendrisio pertenciam à diocese de Como, com alguns
enclaves milaneses ambrosianos (os vales Leventina, Blevio e Riviera, além de
Brissago e a Capriasca), todas então politicamente dependentes dos 12 cantões
helvéticos, dos quais 7 católicos e 5 reformados. A presença dos protestantes a Locarno
criou atritos, mas, em 1530, eles foram derrotados e tiveram de se refugiar em Zurique.
Não era ainda a paz: em Bregaglia, na diocese de Coira, prevaleceram os protestantes,
enquanto que em Poschiavo, diocese de Como, triunfaram os católicos. É exatamente a
esta região de confins que o Arcebispo voltará suas atenções, ainda que a problemática
ficasse pendente também depois da sua morte. Enquanto vivia, São Carlos tomou
providências duradouras, como a organização da formação do clero suíço, em que se
distinguiu o Colégio Helvético instituído em Milão no ano de 1579, e a fundação de
vários educandários religiosos nos cantões católicos.144 O duque de Mãntua, Guglielmo
Gonzaga (1538-1587), tentou resistir, mas Pio V, informado que o inquisidor Camillo
Campeggio não conseguira extirpar a heresia por lá, nomeou Borromeo visitador. Este,
a partir de 1568, removeu os obstáculos do duque e agiu com rigor para extirpar o
protestantismo, processando todos os imputados.145
A formação dos leigos foi igualmente abordada com seriedade e a Confraria da
doutrina se encarregou do ensinamento do catecismo a milhares de meninos pobres.
Fundou-se também a ordem dos Oblatos de Santo Ambrósio, especialmente destinada

142
NICOLA RAPONI ET ALII, Stampa, libri e letture a milano nell'eta di Carlo Borromeo, Vita e Pensiero,
Milano 1992, p. 22.
143
GIOVANNI TESTORI ET ALII, San Carlo e il suo tempo: atti del convegno internazionale nel IV
centenario della morte (Milano, 21 - 26 maggio 1984), Ed. di Storia e Letteratura, Roma 1986, p. 6, 134,
137.
144
SANDRO BIANCONI, Lingue di frontiera: una storia linguistica della Svizzera italiana dal Medioevo al
2000, 3ª ed., Edizioni Casagrande, Bellinzona 2001, p. 74-76.
145
GIOVANNI TESTORI ET ALII, San Carlo e il suo tempo, p. 295.

75
a contribuir para a reforma em curso. Em suma, foram envolvidos nesse processo de
renovação todos os aspectos da Igreja milanesa.146
Não faltaram, porém, os opositores às mudanças em ato. Foi o caso do cabido
de Santa Maria alla Scala e da ordem dos Humilhados. Alguns membros destes últimos
tentariam até mesmo assassinar o Borromeo em 26 de outubro de 1569.147 O cabido,
por sua vez, rejeitou as medidas reformadoras propostas pelo Arcebispo, afirmando que
se encontrava sob a proteção do padroado régio espanhol, recebendo o apoio do
governador da Espanha, Gabriel de la Cueva y Girón (1515 – 1571), Duque de
Albuquerque. O Arcebispo não aceitou esta situação e decidiu fazer uma visita
reformadora em 31 de agosto de 1569. O fato provocou um grande tumulto terminando
com recíproca excomunhão. Pela dimensão do fato, este se tornou de competência do
rei Felipe II e do Papa Pio V. A questão ainda estava pendente quando outro conflito
veio à tona: o da ordem dos frades Humilhados de Milão. O motivo foi que o Papa havia
ordenado ao Borromeo de proceder a uma reforma profunda de tais religiosos, decisão
que o geral, Luigi Buscapè, acolheu, mas, não a maioria dos seus confrades. Eles
demonstraram de não estarem nada dispostos a mudar o estilo de vida ao qual estavam
habituados e quatro deles – frei Girolamo Legnano, prior de São Cristóvão de Vercelli;
frei Lorenzo Campana, prior de São Bartolomeu; frei Clemente Merisio, prior de
Caravaggio; e frei Girolamo Donato, dito “o Farina” – decidiram de assassinar o
prelado para se desembaraçarem dele. Tocou ao “Farina” o encargo de executar
materialmente o plano, disparando contra o Arcebispo um tiro de arcabuz na sua coluna
quando ele se encontrava ajoelhado a rezar na capela arquiepiscopal. O tiro, porém, só
o feriu ligeiramente e os implicados foram identificados e presos, terminando
enforcados em 2 de agosto de 1570, na praça pública de Santo Estevão. A inteira Ordem
à qual pertenciam foi suprimida. Entrementes, também o episódio do cabido foi
superado, porque Felipe II não deu seu apoio aos cônegos insurgidos. Depois de ter sido
informado sobre o atentado contra o Arcebispo, ele impôs ao Duque de Albuquerque
de apresentar-lhe formais desculpas.148

146
PAMELA M. JONES, Federico Borromeo e l'Ambrosiana:arte e Riforma cattolica nel XVII secolo a
ilano, p. 16.
147
DANILO ZARDIN, Riforma cattolica e resistenze nobiliari nella diocesi di Carlo Borromeo, Editoriale
Jaca Book, Milano 1984, p. 17.
148
MARÍA HELENA DA CRUZ COELHO ET ALII, Pueblos, naciones y estados en la historia, Universidad de
Salamanca, Salamanca 1994, p. 72.

76
Pio V nesse ínterim prosseguia na sua obra renovadora. Ele era também amigo
de Felipe II, mas além de outras dificuldades suscitadas pelo caso do Arcebispo de
Toledo, Bartolomé Carranza de Miranda O.P., que será analisado em seguida, teve de
enfrentar as pretensões do rei de governar, de fato, a Igreja espanhola. O Pontífice se
destacou igualmente por ter sido rígido adversário do nepotismo e por reduzir
drasticamente as despesas da Santa Sé. Outras medidas relevantes do seu pontificado
foram:
a) 1566: O Catecismo romano (Catechismus ex Decreto Concilii tridentini ad
parochos, Pii Quinti, Pont. Max. editus). A decisão de sistematizar a doutrina católica
num manual para os párocos foi tomada no decorrer da décima oitava sessão do
Concílio (26 de fevereiro de 1562) por sugestão do Cardeal São Carlos Borromeo. Papa
Pio IV confiou a composição do catecismo a quatro eminentes teólogos: o Arcebispo
Leonardo Marino di Lanciano, Muzio Calidi di Zara, o bispo de Módena Egídio
Foscarini e o dominicano português Francisco Fureiro; a supervisão do trabalho ficou
a cargo de três cardeais. Borromeo supervisionou a redação do texto original italiano,
que graças aos seus esforços chegou à conclusão em 1564, quando foi reexaminado
pelo Cardeal Guglielmo Sirleto e traduzido em latim por dois famosos humanistas:
Paulus Manutius e Julius Pogianus. A publicação aconteceu em latim e italiano em
1566, e o manual apresentava a seguinte estrutura: a) a fé (13 cap.), os sacramentos (8
cap.), os mandamentos (10 cap.) e a oração (17 cap.). Paralelamente houve outro
catecismo de grande sucesso: o de São Roberto Belarmino, intitulado Doutrina cristã
breve e Declaração mais copiosa da doutrina cristã, publicado em 1597/98. O
Catecismo Romano permaneceu intocado até 1905, quando foi substituído pelo
Catecismo Maior de Pio X, o qual, por sua vez, teve como sucessor o Catecismo da
Igreja Católica promulgado pelo Papa João Paulo II em 1992.149
b) 1568: O Breviarium Romanum para a recitação do Ofício Divino.
Etimologicamente o termo latino breviarium significa sumário, abreviação, por sua vez
derivado de brevis, que significa breve. O apelativo, porém, foi aplicado não a causa da
necessidade de tornar mais breves as celebrações, mas pela necessidade prática de
reduzir o número dos livros necessários para o uso coral nos mosteiros. Portanto, nele
foram fundidos o Coletário, o Lecionário e o Antifonário. Os padres conciliares

PATRIZIO ROTA SCALABRINI, “Non desiderare”, in: Communio, n.169, Editoriale Jaca Book, Milano
149

2000, p. 19.

77
começaram a ocupar-se deste argumento em 1563, depois que foram apresentados
diversos projetos por parte dos bispos alemães, franceses e espanhóis. Pio IV, o
Pontífice então reinante, preferiu as propostas destes últimos, no que se distinguiu a
figura do Cardeal Pedro Quiñonez. O Pontífice seguinte, Pio V, retomou os trabalhos,
mas não prosseguiu mais com as propostas de Quiñonez. O novo manual de oração
unificada para todo o clero apareceu em 1568, o qual foi acompanhado da Bula Quod
a Nobis de 9 de julho daquele ano, que impôs a todas as igrejas de rito latino a obrigação
de adotar o novo Breviário dentro de seis meses. Esta versão, com algumas
modificações realizadas pelo Papa Pio X, permaneceu em vigor até o Concílio Vaticano
II. Algumas características da edição de 1568: a) O Santoral suprimiu muitas festas
introduzidas na Idade Média; b) O Saltério conservou a antiga distribuição semanal dos
salmos; c) A Hora Prima do domingo foi abreviada; d) as leituras patrísticas e
hagiográficas foram notavelmente reduzidas; e) as orações foram inseridas nas horas
dos tempos penitenciais; f) As orações dominicais, que eram muito mais breves,
permaneceram reservadas somente para as matinas e para as completas, exceto as festas
duplas e as oitavas.150
c) 1570: O Missal Romano: antes do Concílio de Trento, havia várias versões latinas
do missal, ainda que a estrutura fosse a mesma. A confusão cresceu com a Reforma
protestante, que criou novas liturgias heterodoxas. Assim, para eliminar todo desvio e
simplificar a mensagem litúrgica, os padres conciliares encarregaram um grupo de
estudiosos de redigir um novo missal, pesquisando nos códices e livros mais antigos.
Na XXV sessão, com o trabalho concluído, se decidiu de submeter a obra ao Pontífice.
A reforma foi feita pela mesma comissão do Breviário, tomando como base o Missal
Romano de 1474. Não foi uma reforma muito radical. Papa Pio V aprovou a nova versão
em 14 de julho de 1570 com a Bula Quo primum tempore, publicada um ano depois.
Assim, todos os missais até então em uso nas igrejas locais, com raras exceções, a
exemplo do rito ambrosiano de Milão, foram substituídos. A última versão do Missal
Romanum foi publicada pelo Papa João XXIII em 1962, pouco antes da abertura do
Concílio Vaticano II. Uma mudança aconteceu pouco depois, já que a Constituição
Sacrossantum concilium decidiu que nas celebrações eucarísticas os fiéis tivessem uma
compreensão dos ritos e das orações, participando da ação sacra “conscientemente,

150
MAURO PATERNOSTER, Eran asiduos a la oracion, San Pablo, Santafé de Bogotá 1994, p. 116.

78
plenamente e ativamente” (SC 48).151 Com base nisso, entre o fim de 1963 e o início
de 1970 permaneceu ativo o Consilium ad exequendam costitutionem de Sacra liturgia
que confluirá na Congregação do Culto Divino. O secretário da comissão litúrgica foi
o lazarista Annibale Bugnini (1912-1982), que teve um papel fundamental na reforma
da missa. O novo rito aprovado superou, de fato, o precedente, e eliminou também
algumas partes da missa anterior. Foi além, portanto, das próprias prescrições da
Sacrossantum Concilium.152 Outro particular controvertido (ou “profético”,
dependendo do ponto de vista), foi o fato que, entre os observadores não católicos havia
seis pastores protestantes: os anglicanos Ronald Jasper (1917-1990) e Hamilton Massey
Shepherd (1913-1990); o metodista Raymond George (1912-1998), representante do
Conselho Mundial das Igrejas; os luteranos Friedrich Wilhelm Künneth e Eugene L.
Brandt; e enfim, Max Thurian (1921-1996), da comunidade calvinista de Taizé. Em
1967 veio à luz um formulário chamado “Missa normativa”, apresentado em seguida
no Sínodo dos Bispos para aprovação. As inovações eram tantas que a maioria dos
padres sinodais a rejeitou. O texto recebeu uma série de retoques, que não alteraram,
porém, sua substância, sendo aprovado pelo Pontífice. Nasceu assim o Novus Ordus
Missae,153 promulgado com a Constituição Apostólica Missale Romanum em 3 de abril
de 1969. Este entrou em vigor no dia 30 de novembro seguinte, primeiro domingo do
advento e, com as devidas adaptações, permanece em vigor até hoje. Autores como Inos
Biffi, o louvam, com argumentos conhecidos: “Graças à reforma do Vaticano II e ao
novo Missal, a Eucaristia retornou ao meio do povo de Deus. Ela não está mais separada
e reservada ao sacerdote. Este a preside, em nome de Cristo, voltado para os fiéis, os
quais celebram com ele”.154 Certo é que Paulo VI, em 24 de maio de 1976, afirmou
categórico que a adoção do novo Missal não estava de fato “deixada ao livre arbítrio
dos padres e fiéis”; repetindo em 11 de outubro do mesmo ano, que este se impunha a
“todos os católicos”. Sob o pontificado de João Paulo II, graças a um indulto concedido
em 3 de outubro de 1984 pela congregação para o culto divino e ao motu proprio
Ecclesia Dei afflicta de 2 de julho de 1988, sob certas condições, se permitiu a
celebração da Missa tradicional em algumas dioceses e paróquias.155 Entretanto, o uso

151
Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Edizioni Dehoniane, Bologna 1996, p. 830.
152
CRISTINA SICCARDI, Paolo VI: il papa della luce, Paoline, Torino 2008, p. 316-317.
153
JOSÉ-APELES SANTOLARIA, Papi... in libertà. Manie, stranezze & curiosità, Piemme, Casale
Monferrato 2004 p. 251.
154
INOS BIFFI, Eucaristia. La storia e il rito. Storia e catechesi in breve, Editoriale Jaca Book, Milano
1994, p. 109.
155
HUBERT JEDIN ET ALII, Storia della Chiesa, vol. X, p. 462.

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litúrgico da última versão latina de 1962 foi de novo autorizada pelo Papa Bento XVI
em 7 de julho de 2007, por meio do motu proprio Summorum Pontificum.156
d) 1571: A instituição da Congregação do Índice. Já em 1559 Papa Paulo IV tinha
criado o primeiro Index Expurgatorius oficial, que consistia numa relação de livros
expressamente proibidos pela Igreja Católica, conhecido também com o nome de Index
librorum prohibitorum ("Índice dos livros proibidos"). Papa Paulo IV foi além e, em 4
de abril de 1571, com a bula In apostolicae, instituiu a Congregação do Índice, a qual
permaneceu ativa até 1917, ano em que, sob Bento XV, ela ficou de novo sob o Santo
Ofício. Paulo VI, em 7 de dezembro de 1965, com a Carta Apostólica Integrae
servandae, esclarecida pela Congregação para a Doutrina da Fé em 14 de junho de
1966, aboliu definitivamente o Index. No momento de sua instituição, a Congregação
do Índice tinha a função de examinar os livros contrários à fé católica. Os arquivos da
Congregação da Inquisição e o Índice foram abertos aos estudiosos em janeiro de
1998.157

3.2.3 – O desenvolvimento sucessivo da reforma tridentina

O sucessor do Papa Pio V foi Gregório XIII (1502-1585), no século Hugo


Boncompagni. Candidato preferido da Espanha, foi eleito num brevíssimo conclave de
dois dias, em 1572. Ele quis assinalar a renovação católica à luz da cultura, e uma das
suas iniciativas neste campo foi aquela de confiar ao Cardeal Cesare Barônio (1538-
1607) o encargo de replicar as Centúrias de Magdeburgo. A obra mencionada tinha
sido composta por um grupo de estudiosos luteranos chefiados pelo radical luterano
Matias Flácio Ilírico (1520-1575). Publicada em 1559, se compunha de seis volumes,
sob o título oficial de Ecclesiastica Historia. Como, porém, os membros de tal grupo
eram denominados “os centuriatores” (dado que a obra era dividida em séculos ou
centúrias), provenientes da escola luterana de Magdeburgo, onde a maior parte dos
temas tinha sido escrita, esta ficou conhecida com o nome de Centúrias de
Magdeburgo. A obra tinha a clara intenção de demonstrar que era o luteranismo, e não
a Igreja Católica, que se encontrava em harmonia com a doutrina da Igreja antiga.158

156
PAOLO FARINELLA, Ritorno all'antica messa. Nuovi problemi e interrogativi, Il Segno Gabrielli
Editori, Sant Pietro in Cariano 2007, p. 35.
157
MASSIMO MARCOCCHI - FULVIO DE GIORGI, Il gran disegno di Rosmini: origine, fortuna e profezia
delle "Cinque piaghe della Santa Chiesa", Vita e Pensiero, Milano 1999, p. 148.
158
HUBERT JEDIN ET ALII, Storia della Chiesa, vol. I, p. 38.

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