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INSTITUTO TEOLÓGICO SÃO PAULO – ITESP

INSTITUTO SÃO PAULO DE ESTUDOS SUPERIORES – ISPES

Aluno: Welton Ramos Sabino Turma: 2º ano

Disciplina: Literatura sapiencial

Professor: Shigeyuke Nakanose Data: 18/11/2019

RESENHA E COMENTÁRIO SOBRE O ARTIGO “DEBAIXO DA MACIEIRA


TE DESNUDEI: UMA LEITURA DE CÂNTICOS 8,5-7” DE ENILDA DE PAULA
PEDRO E SHIGEYUKE NAKANOSE.

Numa introdução a partir de uma situação concreta, o artigo visa abordar a


concepção de Deus, androcêntrico e patriarcal, que oprimiu tantas mulheres no
decurso da história de Israel, em contraposição ao grito das mulheres, representado
em Ct 8,5-7. Antes, porém, demonstra como o Cântico dos Cânticos está
estruturado: 1,2-4 (Introdução); 1,5-2,7 (Primeiro poema); 2,8-3,5 (Segundo poema);
3,6-5,1 (Terceiro poema); 5,2-6,3 (Quarto poema); 6,4-8,4 (Quinto poema); 8,5-14
(Epílogo). Cada poema, como o epílogo, tem suas divisões internas, sendo Ct 8,5-7
o primeiro, dos quatro cânticos de amor do epílogo. Embora de difícil precisão
quanto aos redatores do livro, por seu vocabulário e estilo do livro, é possível que se
localize na época persa, como também na helenística. O mais provável é que seja
do período entre 450-400 a.C.

Em seguida se faz um apanhado geral da situação do período persa, bem


como a situação do povo e, sobretudo das mulheres, submetidas ao sistema da
teocracia, sob a lei do puro/impuro, do Deus poderoso e castigador, excluídas das
atividades religiosas e políticas da época, onde se configurou uma sociedade
patriarcal forte. O texto de Ct contrapõe de maneira ousada ao pensamento do
período e por isso se configura como um grito das mulheres.

Analisando mais a fundo a perícope em questão, se aborda alguns elementos


que caracterizam a situação da libertação da mulher frente a realidade. Em Ct 8,5 se
faz referência ao sheol, o mundo inferior, onde se trata a luta dos deuses. Aparece
as deusas cananeias Anatú, Attartu e Ishtar, sobressaindo dentre elas Attartu, que
aparece muitas vezes no Antigo Testamento. É deusa do amor e da fecundidade. A
amada que sobe do deserto tem as características das deusas Anatú e Attartu, no
que se refere ao amor e à sexualidade. O termo dod, que indica uma relação
próxima e amorosa, aparece 37 vezes em Ct e uma vez apenas em todo o resto do
Antigo Testamento, em Is 5,1 para falar da vinha do amado. Na segunda metade do
versículo 5 a amada diz que desnuda a seu amado. O verbo ‘ûr pode ser traduzido
por despertar provocar, incitar, desnudar. Esse gesto se dá debaixo de uma árvore,
lugar de culto à deusa Asherá (Dt 16,21), deusa da fertilidade. Esta deusa foi muito
importante no processo histórico do povo de Israel, representada por árvores, donde
se pode deduzir também a macieira. Há um significado especial, onde debaixo da
macieira a mãe fez amor e concebeu. O texto não fez menção ao pai, senão
somente à mãe, descontruindo o caráter patriarcal e androcêntrico dominante.

Na segunda parte da perícope, aparece a questão do selo, que remete ao


sentido de aliança, de um compromisso para toda a vida. Esse selo foi pedido para
ser colocado no coração que nas línguas semitas, tem muitas conotações. A
questão do amor, mais forte do que a morte é algo definitivo e irreversível. Amor e
morte aqui são similares. Ambos envolvem a totalidade da vida da pessoa. A morte
a extingue, o amor a recria. Outra característica do amor é que se trata de uma
paixão cruel como o xeol, no sentido de uma qualidade ou possessão de um objeto.
No contexto de Ct, porém, não se trata de um amor que envolve uma paixão no
sentido destrutivo ou negativo, senão que se trata de algo sublime, capaz de
transcender o humano. A questão da chama divina remete ao amor como algo
sagrado, pois participa do poder criador divino. O amor tem uma força divina, capaz
de vencer até um dilúvio. A crítica ao sistema que compra o amor se evidencia no
último trecho. O texto de Ct 8,5-7 pode ser entendido como o ponto alto do processo
de relacionamento entre a mulher e o homem em Ct, resgatando a dimensão do
sagrado nesta relação, sendo a mulher quem toma a iniciativa desta relação.

No livro de Cântico dos Cânticos, o corpo oprimido e reprimido canta a beleza


e o prazer da relação natural com outro corpo fora e mais além da prisão do templo
e da Lei. É, portanto, uma ruptura radical com o sistema e a concepção vigente de
relacionamentos, onde além de não haver espaço para o amor sagrado dentro do
relacionamento, a mulher ficava submetida às concepções da época.

Continua a ser um desafio, em nosso contexto atual, levar a cabo esta


concepção de amor, uma vez que se tem muito presente ainda, na cabeça de
maioria dos homens, um sistema patriarcal bem definido e estabelecido. Embora
tenhamos empreendido alguns avanços na sociedade, com relação ao papel da
mulher na sociedade, ela fica ainda refém, em seu relacionamento, a se submeter a
uma situação de violência e exploração.

Isso faz crescer também o efeito contrário, numa tentativa de resposta contra
o patriarcalismo: em muitos casos de relacionamentos, os papéis se inverteram,
onde a esposa manda e explora o marido, tornando-se aquela que manda na casa.
Diante disso, é comum ouvir dizer que alguns homens estão em crise, pois não
sabem mais qual o seu papel dentro de uma relação. Isto não justifica, todavia, a
concepção andrógena exploradora. Outra situação como reação a isto é o fato de
muitas mulheres não querer saberem de relacionamentos com homens, ficando por
vezes solteira, ou se dedicando no relacionamento com outra mulher, numa
radicalização do problema. Algumas – já ouvi muito isto – chegam a afirmar que não
precisa dos homens para sobreviver. Esse o lado oposto e mais radical da questão.

No entanto, resgatar o amor expresso em Ct nos relacionamentos entre


esposo e esposa, namorada e namorado, é também aumentar a qualidade da vida
de uma população, que passa a perceber que o amor verdadeiro, intenso, é
possível, longe de qualquer ilusão. É comum ouvirmos e atendermos muitos
problemas conjugais por questões às vezes muito simples. E aí está uma das muitas
oportunidades de recuperar o sentido pleno do amor entre esposa e esposo, que é
coisa sagrada.

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