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REVISTA CIENTÍFICA

ISSN Impresso: 1982-422X | ISSN Eletrônico: 2236-1774


Volume 16, Número 1, 2021
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tina a divulgar os conhecimentos técnicos, científicos e culturais produzidos nesta e
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tos de casos, resumos de teses e dissertações, notas técnicas e outros referentes às áreas
de Ciências Agrárias, Ciência e Tecnologia de Alimentos, Ciências Biológicas, Meio
Ambiente, Educação, Letras e Artes, Ciências Sociais e Ensino das Ciências e Matemá-
tica, contribuindo para a divulgação e promoção de debates sobre temas de interesse
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I59 ACTA Tecnológica / Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia


do Maranhão, v.16, n.1, jan-jun. 2021.
São Luís: IFMA - Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação.

Semestral

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DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1

1. Ciências Agrárias 2. Tecnologia de Alimentos 3. Educação 4. Meio Ambiente.


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DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.1041

EDITORIAL
Prezadxs leitorxs,

A revista Acta Tecnológica, traz nesta edição, um conjunto de artigos em diversas áreas
do conhecimento. Iniciando o volume 16, número 1, trazemos o artigo Os Transtornos
causados pelo aumento do lixo na cidade turística de Carolina - Maranhão, os autores
investigaram como se dá a relação dos moradores com a produção e o acúmulo de lixo.

Na mesma área, o artigo 2, Reator UASB: uma alternativa sustentável para o trata-
mento de esgoto no município de Codó - MA, os autores avaliaram as melhorias nas
condições de saneamento do município de Codó, Maranhão, através da construção do
protótipo de um reator UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) destinado à remoção de
matéria orgânica do esgoto doméstico que é lançado diretamente no Rio Itapecuru.

Com discussões sobre processos de mobilização e lutas sociais pela educação de jovens
e adultos, o artigo 3, As lutas sociais por políticas de educação no Brasil para EJA de
1990 a 2006: da formação da agenda política a formulação do PROEJA há a retomada
do debate acerca dos aspectos estruturais que envolveram mudanças políticas e sociais
nos anos de 1990, buscando entender os reflexos do ideário neoliberal na construção da
agenda reformista e das políticas de educação no Brasil.

O artigo 4, Saneamento inadequado em Carolina - MA: estudo de caso no bairro Bre-


jinho, mostra a precariedade do saneamento no bairro Brejinho, na cidade de Carolina,
Maranhão, e seu impacto na vida dos moradores.

Na área de alimentos, o artigo 5, Caracterização química e comparação entre hambúr-


guer artesanal e o industrializado tem uma proposta mais saudável de hambúrguer e
análise físico-química da composição do produto elaborado, comparado com o hambúr-
guer industrializado.

O artigo 6 A Inclusão da educação ambiental no processo de ensino e aprendizagem


na visão de professores e alunos de uma escola pública em Caxias - MA relata a impor-
tância da Educação Ambiental no processo de ensino e aprendizagem, segundo a visão de
professores e alunos.

O Artigo 7 Aprimorando o conceito de lentes e expandindo a criatividade no design


emergente através de técnicas do design especulativo, apresenta, através de uma dis-
cussão dialética, a visão de estudiosos da futurologia sobre como a experimentação cria-
tiva em narrativas pode ajudar no desenvolvimento de novas perspectivas para lidar com
problemas sistêmicos adaptativos.
O Artigo 8 Ensino de gramática: formas remissivas lexicais e formação de sentido traz
para a discussão a renitente postura de ensino de gramática presa a regras e a normas que
não contribuem para o crescimento linguístico do aluno.

Finalizando este número, o artigo 9, Produção de mudas de maracujazeiro sob lâminas


e frequência de aplicação de solução nutritiva, com um estudo incipiente sobre lâmi-
nas de irrigação e frequência de aplicação de solução nutritiva em mudas de maracujazei-
ro-amarelo cultivado em sistema hidropônico.

Boa leitura!
Sylvia Leticia Oliveira Silva
Editora da Revista Acta Tecnológica
SUMÁRIO

Os transtornos causados pelo aumento do lixo na cidade turística


de Carolina - Maranhão.................................................................................... 11
Leonardo Oliveira da Silva Coelho, Willams Rodrigues Jácome, Louize Nascimento,
Rogério Taygra Vasconcelos Fernandes e Jônnata Fernandes de Oliveira

Reator UASB: uma alternativa sustentável para o tratamento de esgoto no


município de Codó - MA................................................................................... 25
Sidne Rodrigues da Silva, Michele Sousa Travassos Torres e Nayra Salazar Rocha

As lutas sociais por políticas de educação no Brasil para EJA de 1990 a 2006:
da formação da agenda política a formulação do PROEJA............................. 37
Edvan Wilson Ferreira Pinto, Marco Antonio Nogueira Gomes e Isabel Marques de Brito

Saneamento inadequado em Carolina - MA: estudo de caso no bairro Brejinho.... 61


Leonardo Oliveira da Silva Coelho, Jaciara Santos da Conceição, Louize Nascimento,
Rogério Taygra Vasconcelos Fernandes e Jônnata Fernandes de Oliveira

Caracterização química e comparação entre hambúrguer artesanal


e o industrializado............................................................................................ 73
Auxiliadora Cristina Correa Barata Lopes, Ingrid Brandão Reinaldo, Nayara Pereira Lima,
Ana Maria Silva, Elisângela Gonçalves Firmino e Nívea Maria Vieira Melo

A inclusão da educação ambiental no processo de ensino e aprendizagem na


visão de professores e alunos de uma escola pública em Caxias - MA........... 87
Nezilina dos Santos Maia,Waldirene Pereira Araújo, Pedro Alberto Pavão Pessôa e Joaldo
da Silva Lopes

Aprimorando o conceito de lentes e expandindo a criatividade no design


emergente através de técnicas do design especulativo................................. 101
Sarah Caroline Mazeu Branco,Weynner Kenneth Bezerra Santos, Sadi da Silva Seabra
Filho, Matheus Henrique do Vale Alencar e Allan Rodrigo dos Santos Araújo

Ensino de gramática: formas remissivas lexicais e formação de sentido..... 121


Leila Silvana Pontes e Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho

Produção de mudas de maracujazeiro sob lâminas e frequência de aplicação


de solução nutritiva........................................................................................ 135
Pablianne Horrane dos Santos Barros, Tássyla Lohanne de Sousa Pereira, Rebecca
Karoline Assunção Lima, Sâmia dos Santos Matos, Carlos José Gonçalves de Souza Lima
e Gabriel Barbosa da Silva Júnior
DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.890
Recebido em 24/07/2020; Aceito em 04/04/2021; Publicado na web em 24/07/2021

Os transtornos causados pelo aumento


do lixo na cidade turística
de Carolina - Maranhão
Leonardo Oliveira da Silva Coelho1;
Willams Rodrigues Jácome2;
11
Louize Nascimento3;
Rogério Taygra Vasconcelos Fernandes4;
Jônnata Fernandes de Oliveira5

1 Mestre em Sociologia (UFMA); Professor do Instituto Federal do Maranhão - IFMA, Campus Avançado Carolina;
E-mail: leonardo.coelho@ifma.edu.br;

2 Técnico em Meio Ambiente pelo Instituto Federal do Maranhão - IFMA, Campus Avançado Carolina; E-mail: willamsrj123@gmail.com;

3 Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) na Universidade Federal do Ceará (UFC); E-mail: louizenscmt@gmail.com;

4 Doutor em Ciência Animal (UFERSA); Professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA, Campus Central;
E-mail: rogerio.taygra@ufersa.edu.br;

5 Doutor em Ciência Animal (UFERSA); Professor do Instituto Federal do Ceará - IFCE, Campus Jaguaribe; E-mail: jonnata.oliveira@ifce.edu.br;

RESUMO
Existe uma relação direta entre a densidade populacional e o lixo produzido, isto é, na
medida em que a população aumenta, a produção de lixo urbano também é elevada, o
que acarreta inúmeros problemas para a comunidade. Nesse contexto, considerando que
a cidade de Carolina, localizada no estado do Maranhão, é o principal polo do turísmo
do Parque Nacional da Chapada das Mesas, torna-se importante avaliar a problemática
do lixo neste município. A pesquisa de campo ocorreu por meio de um questionário com
perguntas fechadas para os moradores locais, que responderam sobre o descarte do lixo
que produzem. O objetivo foi verificar os impactos que o lixo causa na vida dos morado-
res da cidade de Carolina, Maranhão. Os resultados mostraram que a população, apesar
de reconhecer a importância deste problema, não tem conhecimento de como deve ser
feito o descarte adequado do lixo produzido. Os resultados deste estudo poderão servir
como base para conscientizar a população a respeito dos seus deveres e obrigações, com
relação à destinação do lixo produzido. É uma discussão muito importante para o meio
ambiente local, pois se trata de criar formas de estimular o turismo sem que este prejudi-
que os atrativos naturais, além de prevenir a população de doenças associadas a este tipo
de agressão ambiental.

Palavras-chave: Meio Ambiente; Poluição; Resíduos Sólidos.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


The disorders caused by increased trash
in the tourist city of Carolina - Maranhão
ABSTRACT
There is a direct relationship between population density and the waste produced, that is, as the
12 population increases, the production of urban waste is also high, which causes numerous problems
for the community. In this context, considering that the city of Carolina, which is located in the
state of Maranhão, is the main pole of tourism in the Chapada das Mesas National Park, it is
important to assess the problem of garbage in this municipality. The field research took place
through a questionnaire with closed-ended questions for local residents, who answered about the
disposal of the garbage they produce. Its objective was to verify the impacts garbage causes in the
lives of the residents of the city of Carolina in Maranhão. The results showed that the population
is not aware of how to properly dispose of the waste produced, despite recognizing the importance
of this problem. The results of this study may serve as a basis for making the population aware
of their duties and obligations in relation to the destination of the waste produced. It is a very
important discussion (with the population) about the local environment, as it is also about
creating ways to stimulate tourism without harming natural attractions, in addition to preventing
the population from diseases associated with this type of environmental aggression.

Keywords: Environment; Pollution; Solid waste.

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1 INTRODUÇÃO Essas indagações servem para percebermos,
do ponto de vista de uma ética ambiental
O constante crescimento dos centros urba-
(MENDES, 2018) e de forma generalizada,
nos tem contribuído com o aumento dos
como o problema do lixo é grave e necessita
impactos negativos ao meio ambiente, por ser sanado com urgência, devendo ser priori-
acumular resíduos sólidos e elevar o con- dade em qualquer município do Brasil, e não
sumo de alimentos industrializados (MU- mais um assunto de importância secundária.
CELIN; BELLINI, 2008). Tal prejuízo ao am- 13
Percebe-se, pela perspectiva de uma ética
biente é um reflexo direto da inadequada
ambiental, que o consumo dos indivíduos,
destinação dos produtos que consumimos
a compra de mercadorias, geralmente, é
e descartamos. O fato de a maioria das po-
maior do que a necessidade. Deste modo,
pulações habitarem grandes centros urba- muitos produtos são desperdiçados e lan-
nos implica em problemas relacionados à çados no ar, na água e no solo, alcançando
saúde, por não haver serviços adequados de um nível de poluição irreversível (SILVA;
gestão para o tratamento do lixo (ALMEI- PAULA, 2011). Os resíduos sólidos gera-
DA JR; AMARAL, 2006). O termo “lixo” é dos são preocupantes e o assunto é deba-
utilizado para se referir aos resíduos sólidos tido por ambientalistas de vários países do
continuadamente descartados pela popula- mundo (SALGADO; CANTARINO, 2006).
ção (VELLOSO et al., 1997). Por exemplo, em muitos municípios do
Brasil, o serviço de coleta do lixo não é sufi-
Problemas ambientais criados pelo homem
ciente e o destino dos resíduos gerados não
devido ao consumismo e à falta de trata-
é adequado (NARDIN et al., 2002).
mento adequado dos resíduos sólidos im-
põem algumas indagações: o que move o No seu artigo de revisão, Ferreira e Anjos
(2001) demonstram que os efeitos adversos
ser humano a comprar tantos produtos?
do lixo urbano na saúde da população e no
Por que se consome além do necessário? Por
meio ambiente já estão documentados em
que, na atual sociedade de mercado (SILVA;
vários artigos desde o século passado. Os
AGUILAR-FILHO, 2019), o uso consciente
autores apontam também as deficiências
dos recursos naturais (SOARES et al., 2017)
nos sistemas de coleta e disposição final
ainda está tão distante de ser uma realida-
do lixo urbano. O tratamento dos resíduos
de, apesar do lixo, comprovadamente, pre-
sólidos é visto como baixa prioridade pelo
judicar a saúde pública e o meio ambiente? poder público, o que geralmente é feito pe-
Se todos concordam que o descarte indevi- las autoridades responsáveis que se limitam
do do lixo prejudica a saúde humana e o à retirada do lixo de bairros mais privilegia-
meio ambiente, então: o que falta para os dos e depositados em locais mais distantes
cidadãos e para o poder público praticarem e escondidos da população de classe mais
aquilo que defendem discursivamente? abastada (SIQUEIRA; MORAES, 2009). Fi-

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cando, assim, os menos privilegiados com to de 31 de janeiro de 2006, os municípios
os prejuízos causados pelo acúmulo de lixo. de Carolina (latitude 07º19’58” e longitu-
de 47º28’10”), Riachão (latitude 07º21’43”
Este trabalho, portanto, reforça esse debate,
e longitude 46º37’02) e Estreito (latitude
tomando um município turístico, a cidade de
06º33’38” e longitude 47º27’04”) fazem par-
Carolina, estado do Maranhão, considerada a
te da do Parque Nacional da Chapada das
principal porta de entrada do turismo da Cha-
Mesas (BRASIL, 2020). Segundo a Lei Nacio-
14 pada das Mesas, como referência empírica.
nal 9.985/2000, que regulamenta o Siste-
Diante desta situação preocupante, comum ma Nacional de Unidades de Conservação
em vários municípios brasileiros, este estudo (SNUC), o parque se enquadra na categoria
buscou compreender como se dá a relação de proteção integral. No Art. 11° da referida
dos moradores com a produção e acúmulo Lei, encontramos o objetivo básico, que é a
de lixo na cidade de Carolina, Maranhão. preservação de ecossistemas naturais.
Levando em conta que a saúde humana, as
A população da cidade de Carolina, segun-
atividades econômicas e o meio ambiente
do o IBGE (2010), é estimada em cerca de
são afetados quando o lixo não é prioridade
24 mil habitantes. Para o estudo, foi utili-
para o poder público, indaga-se como este
zada a pesquisa descritiva, que teve como
tipo de problema pode ser caracterizado nes-
objetivo elucidar os principais aspectos
te município, famoso pelos seus atrativos tu-
da temática em questão, neste caso, o lixo
rísticos, altamente dependentes de um meio
produzido na cidade de Carolina. Durante
ambiente limpo e conservado.
a pesquisa de campo, para efetivação do
Este trabalho também tem como objetivo: procedimento de coleta dos dados, foram
avaliar as causas do alto crescimento do aplicados questionários, em novembro de
lixo urbano; identificar a relação da popu- 2018, com perguntas relacionadas à proble-
lação com o lixo produzido por elas; dis- mática do lixo urbano.
cutir como o lixo pode afetar a saúde hu-
Em cada residência, um único morador
mana; observar como o lixo pode impactar
foi entrevistado, a partir de questionários
o meio ambiente; debater sobre o possível
que tinham as seguintes perguntas: você
impacto do lixo para o turismo; apontar o
consegue fazer o processo seletivo do lixo
papel do poder público a respeito do pro-
que produz em casa? Conhece os “R’s” da
blema do lixo urbano.
Ecologia? O que é e qual a importância da
reciclagem? Quantas vezes o lixo é recolhi-
2 METODOLOGIA do durante a semana? Qual o destino do
A pesquisa realizada na cidade de Carolina, lixo coletado? Quem é o responsável pelo
Maranhão (Figura 1), envolveu os seguintes aumento do lixo urbano? Como diminuir
bairros: Brejinho, Alto da Colina, Nova Ca- o lixo produzido? É necessária a consien-
rolina e o Centro. De acordo com o Decre- tização da comunidade em geral? Quais os

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impactos ambientais do lixo produzido? Após aplicação dos questionários, os dados fo-
ram tabulados em planilha eletrônica. Em seguida, foram gerados gráficos por meio do
software Excel 2010.

Figura 1: Localização da cidade de Carolina, Maranhão.

15

Fonte: Louize Nascimento.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
No total, 22 moradores de diferentes bairros (Alto da Colina, Brejinho, Centro, Nova
Carolina) de Carolina, Maranhão, participaram da pesquisa (Tabela 1). A maioria foi com-
posta por pessoas do sexo feminino (59,09%), com faixa etária de 18 a 25 anos (45,45%)
e solteira (59,09%). Grande parte dos entrevistados possui o segundo grau completo (~
64%). A respeito da naturalidade destes interlocutores, a maioria (77,27%) é nativa da
cidade; há ainda aqueles residindo no município há mais de 10 anos (45,45%).

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Tabela 1: Frequência (n) e percentuais de respostas dos entrevistados.

REFERÊNCIA CATEGORIAS NÚMERO (N) PORCENTAGEM (%)


18 - 25 10 45,45%
Idade dos moradores 26 – 35 6 27,27%
36 – 45 6 24,27%
Homens 9 40,91%
Sexo
Mulheres 13 59,09%
16 Nativo 17 77,27%
Naturalidade
Outros locais 5 22,73%
Casado 4 13,64%
União estável 4 13,64%
Estado Civil
Solteiro 10 59,09%
Divorciado 4 13,64%
2°grau 14 63,64%
Escolaridade
3°grau 8 36,36%
<1 3 13,64%
1a3 4 18,18%
Tempo que mora na cidade 3a5 2 9,09%
5 a 10 3 13,64%
> 10 10 45,45%

Fonte: Autores, 2020.

Quando questionados sobre a definição de lixo, a maioria (81,82%) respondeu corretamen-


te e deram exemplos, entretanto, alguns entrevistados não souberam descrevê-la (18,18%).
Ressaltaram ainda a problemática do acúmulo de lixo na área urbana da cidade. Em campo,
pode-se perceber os problemas relativos ao acúmulo do lixo, lançado no meio ambiente,
espalhado em ruas, praças e outros locais públicos (Figura 2).

Figura 2: Acúmulo de lixo em área urbana na cidade de Carolina, Maranhão.

Fonte: Autores, 2018.

Ao serem indagados sobre quais impactos o acúmulo de lixo pode trazer para saúde e para
o meio ambiente (natural e urbano), grande parte dos moradores (95,45%) soube respon-
der e dar exemplos, reconhecendo ser este um problema de toda a população da cidade,
ao consumirem e descartarem lixo inadequadamente, e também demonstrando cons-

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ciência do papel do poder público diante dores sobre o quanto os impactos negativos
deste problema. A respeito deste contexto gerados pelo lixo podem prejudicar as ati-
local, compreende-se que a principal causa vidades econômicas da região, cujo turismo
da prática inadequada do descarte do lixo depende da natureza preservada para se de-
e, consequentemente, seu acúmulo pela ci- senvolver.
dade, tem a ver com a ausência de políticas Figura 3: Respostas sobre os impactos do
públicas direcionadas à gestão de resíduos lixo urbano para as atividades turísticas de 17
sólidos. Carolina, Maranhão.
A população ainda não consegue exercer
sua cidadania em relação ao uso e descarte
do lixo que produzem diariamente. Agem
de forma desordenada, pois não há um di-
recionamento do município a este respeito.
Não se vê campanhas educativas, não se
tem estrutura e equipamentos adequados
para tratar o lixo da cidade. Enfim, apesar
do reconhecimento de serem os principais Fonte: Autores, 2020.

agentes causadores do acúmulo de lixo, a Uma vez que o meio ambiente esteja sendo
maioria dos moradores ainda não demons- usado como depósito para o acúmulo de
tra esta consciência na prática, e não há in- lixo de várias origens, a cidade de Caroli-
centivo por parte do poder público para isto na compromete sua imagem pública como
ocorrer. É comum encontrar lixo acumula- atração turística tipicamente natural, rica
do nos chamados terrenos baldios (figura em biodiversidade, repleta de lugares admi-
2), o que revela a ausência do poder públi- rados: rios, lagos, nascentes e cachoeiras.
co, pois permite que este tipo de prática Uma variedade de locais que só têm valor
ainda aconteça, não oferecendo alternativa turístico porque o visitante acredita que, ao
para população. Há vários tipos de resíduos chegar à cidade, irá encontrar um ambiente
misturados e amontoados em diferentes lo- limpo e de uso sustentável. Imagens como
cais da cidade, isso demonstra uma falta de as aqui retratadas (figura 2) demonstram al-
seleção doméstica do lixo, revelando uma guns casos de agressão ao meio ambiente
relação ainda muito inadequada entre a po- por meio do descarte inadequado de lixo,
pulação e o lixo que geram. que também ocorre em ecossistemas aquá-

Os interlocutores (77,27%) também opina- ticos da cidade.

ram assertivamente sobre os impactos do Em Carolina existem nascentes que cor-


lixo urbano para as atividades turísticas de tam o município, por exemplo, a nascente
Carolina (Figura 3). Embora seja uma mi- “Lava Cara”. Ecossistemas como este sofrem
noria, é necessário conscientizar os mora- com o impacto antrópico, como é o caso

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também do rio Tocantins. De acordo com presença de lixo espalhado nos caminhos
Muniz (2018, p.93), com base em dados do de acesso a estes locais e nas margens do
Instituto Maranhense de Estudos Socioeco- rio (MUNIZ; CASTRO, 2019, p.97), situação
nômicos e Cartográficos (IMESC), em 2010, que além de poluir o meio ambiente, afeta
apenas 10% dos domicílios de Carolina pos- a atividade turística local.
suíam esgotamento sanitário. Sendo assim, Poluir o meio ambiente, portanto, além de
a maior parte lança os desejos in natura, sen- ser uma irresponsabilidade e falta de exercí-
18
do quantidades consideráveis depositadas cio de cidadania, que deveria estar compro-
no rio Tocantins, atingindo, sobretudo a metida com o bem-estar social da comu-
população ribeirinha e aqueles vivem na pe- nidade, é também uma atitude prejudicial
riferia. Consequentemente, a saúde humana ao crescimento econômico do município,
é prejudicada, colocada em risco, com essa como exemplo, as atividades turísticas e a
exposição das pessoas aos ambientes poluí- saúde ambiental.
dos, potencialmente causadores de doenças.
A reparação ecológica a respeito das cons-
De acordo com informações extraídas do tantes agressões ao meio ambiente não se
site da prefeitura municipal de Carolina, limita à população, inclui também o poder
em 2019 a Prefeitura desta cidade, o SAAE público que deve assumir seu papel de fis-
(Serviço Autônomo de Água e Esgoto) e o calização contra este tipo de infração. Não
CESTE (Consórcio Estreito Energia) cele- se pode perder de vista que respeitar, pro-
braram a assinatura do termo de acordo teger o meio ambiente é uma responsabi-
firmado judicialmente para recebimento lidade civil e penal tanto de pessoas físicas
de duas Estações de Tratamento de Esgoto quanto de pessoas jurídicas, quer dizer, há
de Carolina, com a recuperação do córrego mecanismos legais para a garantia de um
Lava Caras, cujo objetivo foi ampliar o nú- meio ambiente ecologicamente equilibra-
mero de domicílios atendidos pelo serviço do (MOURA; BERWIG, 2019).
de esgotamento sanitário. Espera-se, com
Todos os moradores entrevistados (100%)
isto, mitigar o escoamento de resíduos nos
souberam explicar os problemas causa-
ecossistemas aquáticos da cidade e, conse-
dos pelo lixo ao meio ambiente e quais
quentemente, promover a saúde pública da
pessoas são responsáveis pela poluição do
população mais socialmente vulnerável.
meio natural (R. = 100%) e urbano (R. =
Outra pesquisa realizada em Carolina, Ma- 95,45%). Responderam ainda que existe co-
ranhão, tratou, entre outras questões, da re- leta seletiva na cidade (86,36%) e quando
lação entre o turismo de natureza e o meio o caminhão coletor de lixo passa nas ruas
ambiente. Este trabalho demonstrou que (95,45%). Por fim, afirmaram saber como
em espaços como as Cachoeiras de São Ro- mitigar os impactos ao meio ambiente (R.
mão, Prata e Cachoeira do Dodô, atrativos = 95,45%). Entretanto, poucos conhecem a
turísticos do município, foi identificada a aplicação dos três R’s da Ecologia (18,18%),

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sendo que a maioria não soube explicar o do entre as diversas camadas sociais da so-
conceito e nem listar exemplos (81,82%). ciedade brasileira, sobretudo aquelas sem

Na verdade, percebe-se que, por um lado, acesso à educação formal.


os interlocutores afirmam que conhecem Reduzir, reutilizar e reciclar todos os resí-
como tratar adequadamente o lixo produ- duos produzidos pelo homem (ARAÚJO et
zido. Por outro lado, na prática, isto não al., 2018), eis o entendimento que se tem
ocorre na maioria dos casos. Infelizmente, sobre os Três R’s da Ecologia. Princípios 19
em Carolina não existe coleta seletiva de simples que orientam um novo tipo de
resíduos sólidos, apesar de terem afirmado consumo, o chamado consumo conscien-
que há. Isso mostra o desconhecimento da te, ainda pouco praticado. De acordo com
população em relação a estas nomenclatu- o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL,
ras e, mais importante, a pouca vivência 2020):
deste tipo de experiência na cidade. De
Reduzir significa consumir menos pro-
acordo com Muniz (2018, p.92), ao analisar
dutos e preferir aqueles que ofereçam
dados do Instituto Maranhense de Estudos menor potencial de geração de resíduos
Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC) e tenham maior durabilidade. Reutili-
para o município de Carolina, em 2010, zar é, por exemplo, usar novamente as
a coleta de resíduos domiciliares, conside- embalagens. Exemplo: os potes plás-

rando 6.289 domicílios, foi de 64,1%. O ticos de sorvetes servem para guardar
alimentos ou outros materiais. Reciclar
que significa dizer que mais de 30% das ha-
envolve a transformação dos materiais
bitações, desprovidas deste tipo de serviço,
para a produção de matéria-prima para
descartam o lixo produzido de forma ina-
outros produtos por meio de processos
dequada, lançando-os a céu aberto, sendo industriais ou artesanais. É fabricar um
ainda queimados ou enterrados. produto a partir de um material usado.
Podemos produzir papel reciclando
Pesquisas como esta, ao indagarem mora-
papéis usados. Papelão, latas, vidros e
dores de pequenas cidades a exemplo de
plásticos também podem ser reciclados.
Carolina, servem também como instru- Para facilitar o trabalho de encaminhar
mento didático e pedagógico para as pes- material pós-consumo para reciclagem,
soas desprovidas de determinados saberes e é importante fazer a separação no lugar
nomenclaturas relacionados à proteção do de origem - a casa, o escritório, a fábri-

meio ambiente. Ou seja, aprende-se tam- ca, o hospital, a escola etc. A separação
também é necessária para o descarte
bém no momento da aplicação da entre-
adequado de resíduos perigosos. O Ins-
vista. Esta prática da pesquisa aplicada, por
tituto Akatu sugere a inclusão de mais
exemplo, para o conhecimento do tema
um R, que deve ser praticado antes dos
“Três R’s da Ecologia”, é bastante acertada, 3Rs originais: Repensar. Repensar é re-
pois este assunto, apesar de não ser uma fletir sobre os seus atos de consumo e
novidade, ainda não está tão populariza- os impactos que eles provocam sobre

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


você mesmo, a economia, as relações coleta seletiva, separação e destinação do
sociais e a natureza. lixo sejam de fato políticas prioritárias.
Neste sentido, a coleta seletiva se torna im- O atual modelo da nossa sociedade de
prescindível, pois consiste em um “instru- mercado leva ao consumo exacerbado de
mento concreto de incentivo a redução, a produtos, o que gera o acúmulo de grande
reutilização e a separação do material para a quantidade de resíduos sólidos, originando
reciclagem, buscando uma mudança de com- sérios problemas ambientais e de saúde pú-
20
portamento, principalmente em relação aos blica (SANTOS, 2009). Os resíduos sólidos
desperdícios inerentes à sociedade de consu- (lixo) quando liberados indevidamente no
mo” (RIBEIRO; CARMO LIMA, 2000, p. 51). meio ambiente atingem a cadeia alimen-
Por outro lado, não tem sido simples fazer tar de muitos seres vivos, incluindo o ser
com que as pessoas incorporem estes prin- humano, que está no topo da cadeia, ações
cípios e um dos mais relevantes motivos é a que prejudicam a saúde da população (SIL-
ausência da educação ambiental. Ou seja, as VA; PAULA, 2011). Estes autores tratam
escolas e o poder público precisam assumir também de possíveis ações mitigadoras dos
estas preocupações com o tratamento do impactos negativos causados pelo homem
lixo como uma questão que envolva toda por meio do descarte incorreto do lixo ur-
a comunidade carolinense, pois proteger o bano. Referem-se à importância da reuti-
meio ambiente é um exercício de cidada- lização dos produtos, sendo a reciclagem
nia. Conforme se discutiu neste trabalho, uma ótima alternativa.
as consequências de um meio depredado, Em cidades menos populosas (< 50 mil
seja natural ou urbano, é a contaminação hab.), grande parte do lixo produzido apre-
e propagação de doenças, um problema de senta alto teor de matéria orgânica (50% a
saúde pública. 70%) e percentual importante de materiais
O biólogo Tedros Adhanom Ghebreyesus, que podem ser reaproveitados pela recicla-
Diretor Geral da Organização Mundial da gem (8% a 15%) (PEREIRA NETO, 1995).
Saúde, afirmou o seguinte: “nossa saúde Além disso, em cidades pequenas, a baixa
está diretamente relacionada à saúde do fiscalização sobre o destino do lixo traz
ambiente em que vivemos (OMS, 2018). grandes problemas à saúde da população.
Em conjunto, os riscos de ar, água e quími- São problemas sociais e outros relacionados

cos matam mais de 12,6 milhões de pessoas à poluição do ar, da água e da terra, tornan-

por ano. Isso não pode continuar”. Está cla- do-se mais presentes nas comunidades mais

ro que a comunidade e o poder público não carentes, o que gera uma situação de extre-

podem negligenciar a importância de pro- ma desigualdade e iniquidade ambiental e


em saúde (GOUVEIA, 1999).
teger o meio ambiente para garantir a saúde
dos moradores da cidade de Carolina. Falta, Entende-se o quanto é primordial a mu-
porém, empenho para que os serviços de dança de uma perspectiva utilitarista do

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


ambiente urbano para uma postura mais solidária e humanista, fomentando o processo
de construção de uma cidade mais sustentável e garantindo o uso dos recursos naturais
para as futuras gerações (SOARES et al., 2017). Assim, com a implementação de uma for-
ma de vida pautada no desenvolvimento sustentável, por meio do reconhecimento do
homem como sujeito pertencente ao meio, com base na ética ecológica profunda, ocorre-
rá a sustentabilidade do planeta para as presentes e futuras gerações (OTT, 2004).
21
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa demonstra algumas características da relação da população de Carolina,
Maranhão, com os seus resíduos sólidos produzidos diariamente. Reconhecem que o lixo
pode trazer problemas para saúde pública e para o meio ambiente natural e urbano, as-
sim como pode afetar as atividades turísticas da cidade. Todos concordam que o lixo traz
transtornos de todo tipo. Grande parte dos entrevistados, inclusive, incomoda-se com o
acúmulo de lixo em praças, ruas e outros espaços públicos.

Por outro lado, percebe-se que há uma ausência de conhecimento mais aprofundado so-
bre as principais medidas que devem ser adotadas para se conter o aumento de resíduos
sólidos e todos os seus malefícios. Os princípios dos 3 R’s, por exemplo, e sua relação com
a coleta seletiva, ainda são ideias pouco amadurecidas.

Neste aspecto, vê-se o quanto é fundamental que as escolas e o poder público local se
envolvam ainda mais com esta temática, dando-lhe prioridade. A educação ambiental
cumpre um papel muito relevante neste sentido. O conhecimento é o primeiro passo para
estimular a mudança que se deseja para o bem-estar da sociedade, que ocorre quando o
meio ambiente é resguardado.

Por meio do conhecimento, pode-se chegar às novas práticas. É preciso que as ideias se
transformem em práticas de consumo consciente, beneficiando os moradores do municí-
pio de Carolina, em termos econômicos, atraindo o turista que sai de uma grande cidade
para relaxar num lugar onde a natureza esteja preservada; zelando pela proteção do meio
ambiente, evitando descartar o lixo em qualquer lugar, preservando as nascentes; e, con-
sequentemente, fortalecendo a saúde pública, pela prevenção de doenças.

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24

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.919
Recebido em 30/07/2020; Aceito em 29/11/2020; Publicado na web em 24/07/2021

Reator UASB: uma alternativa


sustentável para o tratamento de
esgoto no município de Codó - MA
Sidne Rodrigues da Silva1;
Michele Sousa Travassos Torres2;
25
Nayra Salazar Rocha3;

1 Mestrando Em Química - UFGD Dourados - MS. Pesquisador no Laboratório de Catálise Orgânica e Biocatálise - FACET - UFGD.
Graduado em Licenciatura em Química - IFMA Campus Codó. E-mail: sidnerodrigues941@gmail.com;

2 Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano - Campus Petrolina. Doutoranda em Agroecologia
e Desenvolvimento Territorial - PPGADT - UNIVASF. E-mail: mstravassos@hotmail.com;

3 Graduanda em Química pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - Campus Codó.
E-mail: nayrarocha0012@gmail.com;

RESUMO
Diversos são os fatores que constituem risco à saúde pública no Brasil. Dentre eles, desta-
cam-se as condições precárias de saneamento básico. Este estudo teve como objetivo prin-
cipal avaliar melhorias nas condições de saneamento do município de Codó, Maranhão,
através da construção do protótipo de um reator UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket)
destinado à remoção de matéria orgânica do esgoto doméstico que é lançado diretamente
no Rio Itapecuru, o qual corta a cidade de Codó - MA. A pesquisa de campo foi realiza-
da através de questionários dirigidos a líderes comunitários (vinte sujeitos) e agentes de
saúde (trinta sujeitos) de cada bairro. O protótipo de reator UASB construído em cano
plástico PVC teve a avaliação da sua eficiência indicada a partir dos parâmetros: Deman-
da Química de Oxigênio (DQO) e Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) de amostras
do efluente doméstico bruto e filtrado. Os dados da pesquisa apontam a precariedade no
sistema de coleta de esgoto e, ainda, as doenças de veiculação hídrica como, diarreias e
verminoses. O reator UASB experimental apresentou resultados de remoção total de DQO
e de DBO de 61% e 67%, podendo ser, portanto, uma alternativa viável e eficiente para o
tratamento do esgoto.

Palavras-chave: Esgoto. Saneamento Básico. Protótipo de reator UASB.

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UASB reactor: a sustainable alternative
for sewage treatment in the city of
Codó - MA
ABSTRACT
26
There are several factors that constitute a risk to public health in Brazil. Among them, the
precarious conditions of basic sanitation stand out. This study had as main objective to evaluate
improvements in the sanitation conditions of the municipality of Codó, Maranhão through the
building of the prototype of a UASB reactor (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) destined to the
removal of organic matter from domestic sewage that is launched directly in the Itapecuru River,
that crosses the city of Codó - MA. The field research was carried out through questionnaires
addressed to community leaders (twenty subjects) and health agents (thirty subjects) from each
neighborhood. The prototype of the UASB reactor built in PVC plastic pipe had the evaluation of
its efficiency indicated from the parameters: Chemical Oxygen Demand (COD) and Biochemical
Oxygen Demand (BOD) of samples of the raw and filtered domestic effluent. The research data
points out the precariousness in the sewage collection system and, also, waterborne diseases such
as diarrhea and worms. The experimental UASB reactor showed results of total removal of COD
and BOD of 61% and 67% and it can, therefore, be a viable and efficient alternative for the
sewage treatment.

Keywords: Sewage. Basic Sanitation. UASB reactor prototype.

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1 INTRODUÇÃO 42,7% são tratados (SNIS, 2015a). Todavia, o
percentual de esgoto tratado nos estados da
O saneamento básico pode ser definido
região Nordeste do país é ainda menor, sen-
como o conjunto dos serviços de recolhi-
do que o estado do Maranhão aparece com
mento e destinação adequada do lixo; for-
apenas 12,1% do esgoto tratado e, entre as
necimento de água potável; tratamento e
cidades maranhenses com menores índices
disposição de águas residuais (ITB, 2012).
desse serviço, encontra-se Codó, cujo per-
O funcionamento adequado desse sistema 27
centual de domicílios com rede pública de
é essencial à saúde e qualidade de vida da
esgoto é de apenas 7,7% (SNIS, 2015a).
população (OLIVEIRA, 2014; ANDRADE et
al., 2014). Infelizmente, no Brasil, a corrup- A matéria orgânica destaca-se como poluen-
ção e o desvio de verbas destinadas à criação te principal dos esgotos domésticos, uma
e implementação de saneamento básico em vez que, está sempre presente em sua com-
várias cidades, dificultam a vida de milha- posição, sendo motivo de preocupação para
res de pessoas, somados a falhas no plane- as autoridades e órgãos competentes, pois
jamento de obras e infraestruturas, obras tais resíduos podem causar alterações eco-
inacabadas e completo desinteresse pelo ser lógicas irreversíveis ao meio ambiente (PE-
humano, fatores que são comuns em países REIRA, 2004). De forma sucinta, a matéria
subdesenvolvidos e atrasam o bem-estar so- orgânica serve de alimento para organismos
cial e o desenvolvimento territorial de uma decompositores que acabam consumindo
região. Segundo Paixão (2008), o sistema o Oxigênio Dissolvido (OD) presente nas
de saneamento básico é visto como um dos águas naturais, causando a mortandade de
maiores entraves enfrentados pelos gestores vários seres que ali estavam presentes, in-
públicos, devido aos efeitos causados pela clusive de peixes, além de tornar a água im-
falta de visibilidade das obras e a dificuldade própria para o consumo humano (CETESB,
de provimento dos serviços a serem ofereci- 2020). No entanto, danos ambientais po-
dos à população. No ano de 2015, apenas dem ser minimizados ou evitados quando
68% da população mundial tinha acesso ao o esgoto é submetido a um sistema de trata-
saneamento básico adequado, ou seja, 2,4 mento adequado (SOUSA et al., 2013).
bilhões de pessoas no mundo ainda esta- Considerando a precariedade dos sistemas
vam sem acesso a este serviço (WHO, 2015). de saneamento básico no Brasil, o reator
Os dados de saneamento no Brasil estão re- UASB representa uma alternativa susten-
lacionados com o abastecimento de água tável e eficaz no tratamento de efluentes
potável e coleta de esgoto dos municípios, tanto domésticos quanto industriais. Tais
os quais revelaram que mais de 90% da po- características são responsáveis pelo reco-
pulação é abastecida com água potável, po- nhecimento e utilização dessa tecnologia no
rém, apenas 50,3% dos esgotos produzidos mundo (CHERNICHARO, 2007). Além dis-
são coletados e, deste percentual, apenas so, os processos anaeróbicos desenvolvidos

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


no reator UASB são simples e de baixo custo, deral de Educação, Ciência e Tecnologia do
confiáveis e acessíveis, podendo ser projeta- Maranhão para a delimitação da área.
dos, instalados e operados com a utilização Durante a pesquisa de campo, foram realiza-
de materiais e mão de obra local (GUARIZ, das visitas às comunidades para aplicação de
2013; SANTOS, E.M.A. et al., 2016). questionários semiestruturados com o intuito
Atualmente, a ineficiência da Estação de de adquirir informações dos líderes comuni-
Tratamento do esgoto da cidade de Codó, tários (vinte sujeitos) e agentes de saúde (trin-
28
localizada no estado do Maranhão, tornou ta sujeitos) sobre as condições de saneamento
o Rio Itapecuru (corpo d’água que abastece básico local, funcionamento e trajetória da
a cidade) o principal receptor de efluentes rede de esgotamento sanitário, além de iden-
domésticos decorrentes dos despejos dire- tificar os problemas de saúde e impactos am-
tos de matéria orgânica e águas residuárias bientais de conhecimento dos entrevistados.
no leito do rio. Diante desse cenário, há O questionário supracitado foi estruturado
uma urgência no sentido de desenvolver com uma área de identificação dos entrevis-
ou adaptar tecnologias economicamente tados (nome, endereço, idade, sexo, cargo
viáveis para o tratamento de tais efluentes. ou função social e coordenadas geográficas
da residência) e quatro questões pertinen-
2 METODOLOGIA tes aos pontos discutidos nessa pesquisa, a
saber: 1) Como é feito o abastecimento de
A presente pesquisa é de caráter qualitativo
água no bairro onde você mora? 2) Existe
e quantitativo, seguindo três etapas sequen-
rede coletora de esgoto no seu bairro? 3)
cialmente: pesquisa documental e bibliográ-
Qual é o destino do esgoto produzido na
fica, pesquisa de campo para aplicação de
sua residência? 4) Indique quais as princi-
questionários semiestruturados e pesquisa
pais doenças de veiculação hídrica que aco-
aplicada mediante as análises químicas do
metem as pessoas que vivem no seu bairro:
efluente tratado através do protótipo do rea-
a) Diarreia; b) Verminose; c) Dengue; d) Có-
tor UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket).
lera; e) Hepatite A; f) Não sofrem com essas
O desenvolvimento da pesquisa em sua to-
doenças; g) Outras (especifique).
talidade foi direcionado à área de estudo
delimitada pela zona urbana do município 2.1 Construção do protótipo de Reator UASB
de Codó-MA. Para a pesquisa documental Posteriormente, construiu-se o protótipo
e de campo, buscou-se o apoio da prefei- de reator UASB, em cano PVC nas seguintes
tura de Codó quanto ao levantamento de dimensões: Altura útil 1,6 m; Diâmetro in-
informações pertinentes à área de estudo, terno 0,15 m; Área superficial 0,018 m²; Vo-
bem como os bairros que compõem a zona lume total 0,028 m³; Volume útil 0,028 m³
urbana da cidade. Para isso, utilizou-se um (considerado o volume de vazio do meio
aparelho GPS de navegação, marca Garmin, suporte); Vazão 0,15 m³/d; Tempo de de-
modelo RINO650, cedido pelo Instituto Fe- tenção hidráulica teórica 0,19 d; Carga hi-

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


dráulica 5,4 m³/m²d; Carga orgânica 2,802 no. Foram destinados três meses (de abril a
kgDQO/m d; Substrato (águas residuais do-
3
julho do ano de dois mil e dezessete) para
mésticas), conforme Figura 1- Protótipo de a observação do processo de saturação do
Reator UASB. reator no tratamento do esgoto bruto, sen-

Figura 1: Protótipo de Reator UASB. do necessária a parada do reator, descarre-


gamento, limpeza e nova partida.

O protótipo foi alimentado em seis ciclos 29


diários com uma vazão de saída corres-
pondente a 0,15 m³/d. Em seu interior, foi
instalado um distribuidor de efluente e um
separador trifásico, utilizando funil fabri-
cado com material plástico de garrafa pet.
Esse mecanismo permite a separação das
três fases (líquido, sólido e gás) e auxilia no
processo de decantação dos flocos de lodo
(CHERNICHARO, 2007).

2.3 Análises das Amostras


As amostras de esgoto bruto e pós-tratamen-
to do protótipo de reator UASB foram enca-
minhadas para o Departamento de Oceano-
grafia e Limnologia da Universidade Federal
do Maranhão (UFMA Campus - Bacanga)
Fonte: Autor (2017). São Luís - MA, para as análises de DQO (De-
Os cálculos realizados para encontrar os valo- manda Química de Oxigênio) e DBO (De-
res referentes às dimensões do protótipo para manda Bioquímica de Oxigênio), seguindo
essa pesquisa seguiram os critérios e condi- a metodologia proposta por American Public
ções estabelecidas por Chernicharo (2007). Health Association (APHA, 2005).

2.2 Funcionamento do Protótipo de


Reator UASB
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O tempo de partida de operação do Protó- A pesquisa documental registrou doze bair-
tipo de Reator UASB foi de duas semanas, o ros na zona urbana do município (São Se-
que corresponde ao tempo necessário para bastião, Santa Filomena, São Francisco,
estabelecer todo o processo de tratamento São Raimundo, São Pedro, Nova Jerusalém,
com geração de gás no sistema, sendo esse Codó Novo, Santo Antônio, São Benedito,
um indicativo dos processos de conversão São Vicente Palott, Centro e bairro São José)
de parte da matéria orgânica em gás meta- delimitando a área de estudo. Nesse senti-

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


do, a pesquisa documental aliada à pesquisa Os dados quantitativos que representam tal
de campo, desempenharam um papel cru- realidade foram obtidos através dos ques-
cial para o diagnóstico atual da situação dos tionários aplicados e organizados na Ta-
serviços de saneamento básico na cidade bela 1 - Condições de abastecimento, rede
de Codó. Com ambas as investigações, foi coletora de esgoto e seu destino na zona
possível verificar que as condições de sanea- urbana da cidade.
mento são precárias, principalmente no que Os dados da Tabela 1 mostram que 100%
30
se refere à coleta e tratamento de esgoto. dos entrevistados são beneficiados com
Dessa forma, praticamente todos os dejetos água da rede pública do município, reve-
(detergentes, restos de comida, lixo, óleos, lando que a cidade de Codó possui uma
gorduras, tintas e compostos químicos) pro- média de abastecimento de água maior que
venientes das atividades comerciais e residen- a média estadual. Conforme o relatório do
ciais, são lançados diretamente nos corpos SNIS (2017b), a média estadual se aproxima
d’água em sua forma bruta, como mostram dos 86%.
as ilustrações da Figura 2 - despejos de esgo- Quanto à rede de esgotamento domiciliar,
tos no riacho Água Fria, afluente do Rio Itape- apenas 8% dos entrevistados afirmaram que
curu. Essa realidade localiza-se visivelmente são assistidos por esse direito. Há uma dife-
no bairro São Sebastião, Avenida Maranhão, rença entre os dados da pesquisa e os dados
zona urbana do município de Codó. fornecidos pelo SAAE (2017), onde o mu-
Figura 2: Despejos de esgotos no riacho nicípio de Codó aparece com aproxima-
Água Fria, afluente do Rio Itapecuru – zona damente 13% do esgoto coletado. Tal di-
urbana de Codó/MA. vergência está diretamente relacionada à
cobertura da rede de esgoto nos bairros,
uma vez que, nem todos são contemplados
pela cobertura completa da rede de esgoto
(SAAE, 2017).

De fato, nos últimos anos, a preocupação


com investimentos na rede de esgoto da
cidade de Codó pelas autoridades compe-
tentes foi insuficiente. Geralmente, os go-
vernantes de países subdesenvolvidos não
investem nesse setor porque as obras não
têm grande visibilidade pública, já que fi-
cam soterradas. Sendo assim, tanto a obra
como o seu promotor serão rapidamente
Fonte: Autor (2020). “esquecidos” (MOTA, et al., 2014).

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Tabela 1: Condições de abastecimento, rede coletora de esgoto e seu destino na zona
urbana de Codó.

Abastecimento de água e esgotamento sanitário Porcentagem (%)


Abastecimento domiciliar Rede pública 100
Ausentes 92
Rede coletora de esgoto
SAAE* 8
Vala** 42
31
Rio*** 25
Destino do esgoto com
Mato** 17
relação aos bairros
SAAE* 8
Fossa séptica**** 8

*Serviço Autônomo de Água e Esgoto, **Esgoto a céu aberto, ***Rio Itapecuru ou seus afluentes, ****unidade
de tratamento primário de esgoto doméstico. Fonte: Autor, 2020.

Com relação ao destino do esgoto que é produzido nas residências, 25% são lançados
diretamente no Rio Itapecuru e em seus afluentes, enquanto 67% chegam ao mesmo
Rio de forma indireta por meio de esgotos a céu aberto e fossas sépticas. Nesse sentindo,
cabe ressaltar que apenas 8% dos esgotos produzidos são tratados pelo SAAE segundo as
informações dos questionários. Portanto, pode-se afirmar que através dos dados coleta-
dos, o Rio Itapecuru é o principal receptor dos efluentes residenciais. A Figura 3 mostra a
enorme porção de águas residuais que são despejadas diariamente no rio através do riacho
Água Fria, que corta município.

Figura 3: Ponto de encontro do Rio Itapecuru com o riacho Água Fria, zona Urbana de
Codó/MA.

Fonte: Autor (2020).

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Dessa forma, o rio sofre as consequências ambientais originadas do lançamento de ma-
téria orgânica diretamente em seu leito, pois a poluição causada pelo despejo de matéria
orgânica, além de provocar a depuração e eutrofização do corpo d´água, contamina o
mesmo com vírus patógenos, bactérias, entre outros (SILVA, D.D. et al., 2014).

O resultado dessa poluição é observado na qualidade de vida da população. A Tabela 2


revela os dados percentuais (obtidos por meio da análise das respostas dos questionários
32 aplicados aos agentes de saúde entrevistados) dos principais casos de doenças diagnosti-
cadas nos bairros da zona urbana da cidade de Codó.

Tabela 2: Dados percentuais dos principais casos de doenças diagnosticadas nos bairros
da zona urbana da cidade de Codó.

Principais doenças diagnosticadas Porcentagem (%)


Diarreias 42
Verminoses 42
Dengue 15
Não sofrem com estas doenças 1
Fonte: Autor, (2020).

Os dados apresentados na Tabela 2 estão claramente associados à precariedade do sanea-


mento básico, pois é possível estabelecer uma relação entre a contaminação da água pelos
esgotos domésticos com as doenças comumente diagnosticadas. uma vez que se apresen-
tam valores significativos para diarreias e verminoses, consideradas doenças causadas pela
contaminação das águas (WHO, 2015). Juntas, tais doenças correspondem a 84% dos casos.

3.1 Eficiências do Protótipo de Reator UASB


Os dados obtidos através das análises dos parâmetros DQO (Demanda Química de
Oxigênio) e DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) para as amostras de água do Rio
Itapecuru, bem como as obtidas com o tratamento feito pelo protótipo de reator UASB
estão apresentados conforme a Tabela 3.

Tabela 3: Dados das amostras- Rio Itapecuru - Protótipo de reator UASB.


Bruta (Rio Filtrada (Protótipo Eficiência Total do protótipo
Parâmetros
Itapecuru) de reator UASB) de reator UASB (%)
DQO (mgO2.L-1) 824 321 61
DBO (mgO2.L-1) 550 182 67
Fonte: Autor, (2017).

De acordo com a Tabela 3, o protótipo de reator UASB apresentou eficiência na remoção de


matéria orgânica de 61% para valores de DQO e 67% para valores de DBO respectivamen-
te. Esses dados corroboram com os valores encontrados na literatura. Diversos estudos em

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


regiões tropicais comprovam a eficiência do ve remoção de 63% e 64% de DBO e DQO.
reator UASB na remoção de matéria orgâni- Mesmo com uma vazão média diária maior
ca em uma faixa que corresponde a 60-80% e unidades de pós-tratamento, a autora re-
(BDOUR. et al. 2009; GUARIZ, 2014; SILVA, gistrou uma remoção de DBO inferior ao
2014; PRASAD et al. 2016). valor removido pelo protótipo construído
em Codó-MA, no entanto, a quantidade de
Sobre o estado da arte, de forma semelhan-
DQO removida foi superior. Vale ressaltar
te ao estudo realizado em Codó, Calijuri
33
que, apesar das diferenças, ambos os valo-
et al. (2009) monitoraram o desempenho
res podem ser considerados próximos.
de um reator UASB em Minas Gerais. Tal
reator foi operado pelo tempo de detenção Em Natal-RN, Assis (2017) realizou uma
hidráulica (TDH) de 7h e obteve remoção pesquisa com o objetivo de avaliar a
de 60% de DQO bruta tratando esgotos do- eficiência de uma estação compacta de tra-
miciliares. O valor encontrado pelos auto- tamento de efluentes domésticos, compos-
res foi próximo ao dessa pesquisa, havendo ta por reator (UASB) seguido de Biofiltro
apenas a diferença de um ponto percentual Aerado Submerso. Os resultados da pesqui-
entre os estudos. sa para a remoção de Demanda Bioquímica
de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de
Em condições climáticas similares a essa pes-
Oxigênio (DQO) no reator UASB, alcança-
quisa, Khan et al. (2015) operaram um reator
ram valores médios de remoção de 40,0%
UASB sob condições ambientais de 28-40°C,
e 45,2%, respectivamente. O sistema citado
no Oriente Médio, com TDH 8h, tratando es-
teve baixa eficiência quando comparado ao
goto doméstico. A média de remoção obtida
estudo realizado em Codó-MA. Segundo a
foi em torno de 65-85% para os parâmetros
autora, a baixa eficiência do sistema foi re-
DBO e DQO. O fato de esse reator ter maior
lacionada à baixa quantidade de lodo pre-
eficiência está relacionado à quantidade de
sente no reator UASB (ASSIS, 2017).
matéria orgânica presente no efluente e prin-
cipalmente às características físicas do lodo É observada uma proximidade entre as efi-
utilizado (KHAN et al. 2015) Mesmo assim, ciências registradas na literatura com as
os valores de eficiência entre os estudos não obtidas nesse estudo, o que comprova o
se encontram muito distantes. sucesso da construção e operação do pro-
tótipo avaliado no tratamento de efluentes
Em Campina Grande-PB, Melo (2013), tra-
domésticos do município de Codó-MA.
tou efluentes domésticos com a finalidade
de obter um efluente para reuso agrícola. O nível e a eficiência do tratamento do es-
Nesse sentido, operou-se um reator UASB goto dependem diretamente dos padrões de
seguido de unidades de pós-tratamento. O qualidade impostos para o efluente e para o
sistema experimental foi alimentado com corpo receptor, preconizados por legislação
vazão média diária de esgoto doméstico específica. No caso do Brasil, tais diretrizes
de 630 L/dia. Nesse estudo, o autor obte- são estabelecidos pela Resolução nº 430 do

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), que dispõe sobre as condições e pa-
drões de lançamentos de efluentes em corpos d’água. De acordo com a resolução do Con-
selho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA, 2011) o efluente do protótipo de reator
UASB desenvolvido nessa pesquisa encontra-se em condições adequadas para o lança-
mento direto em corpos hídricos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
34
No município de Codó, as condições de saneamento básico são precárias, destacando-se
a demanda insuficiente no atendimento da estação de tratamento de esgoto, onde prati-
camente todos os dejetos provenientes das residências e indústrias são lançados em sua
forma bruta no rio Itapecuru, causando danos ao meio ambiente e favorecendo a dissemi-
nação de doenças de veiculação hídrica, como diarreias e verminoses.

Vale ressaltar que, em 2018, a prefeitura de Codó lançou o Plano Municipal de saneamen-
to básico, o qual foi dividido em quatro eixos temáticos como: Drenagem e manejo de
águas pluviais; Coleta e tratamento de esgoto; Abastecimento de água potável e limpeza
urbana e Tratamento de resíduos sólidos. Tal plano encontra-se em execução no municí-
pio, porém, ainda não foi concluído.

Diante dessa realidade, o protótipo de reator UASB construído para essa pesquisa apresen-
tou grande eficiência na remoção de matéria orgânica, sendo assim, uma opção viável,
de baixo custo, confiável e acessível, podendo ser projetado, instalado e operado com a
utilização de materiais e mão de obra local para o tratamento do esgoto doméstico do
município de Codó-MA.

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ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.941
Recebido em 01/08/2020; Aceito em 21/02/2021; Publicado na web em 24/07/2021

As lutas sociais por políticas de


educação no Brasil para EJA de 1990 a
2006: da formação da agenda política a
formulação do PROEJA
Edvan Wilson Ferreira Pinto1; 37

Marco Antonio Nogueira Gomes2;


Isabel Marques de Brito3;

1 Professor Doutorando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); E-mail: edvanferreira@ifma.edu.br;

2 Professor Dr. em Informatica na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – E-mail: marco.gomes@ifma.edu.br;

3 Professora Doutoranda em Ciências da Informação pela Universidade Fernando Pessoa – Porto, Portugal; E-mail: isabelmarques@ifma.edu.br

RESUMO
O presente artigo traz em seu escopo discussões sobre processos de mobilização e lutas
sociais pela educação de jovens e adultos (EJA) além da presença do tema na agenda
governamental no cenário de reabertura política a partir dos anos de 1990 até o ano de
2006. Esse lapso temporal compreende um importante período de lutas, desafios, avan-
ços e retrocessos da EJA, perpassando pela descontinuidade da oferta da modalidade pelo
governo federal com o avanço das ideias do neoliberalismo e a proposta de reforma do
Estado até chegarmos à reinserção da modalidade na agenda política e a formulação do
PROEJA no governo Lula (2002-2006), como uma resposta ao grave problema da baixa
escolaridade e qualificação da população jovem e adulta. Assim, faremos a retomada do
debate acerca dos aspectos estruturais que envolveram mudanças políticas e sociais nos
anos de 1990, buscando entender os reflexos do ideário neoliberal na construção da agen-
da reformista e das políticas de educação no Brasil, com destaque para ausência inicial da
educação de jovens e adultos nos respectivos governos dos presidentes Fernando Collor
de Melo (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2001). Por fim, discutiremos
como no governo do presidente Lula (2002-2006) ocorreram os processos de luta pela re-
tomada da EJA na agenda política e a formulação do PROEJA, entendendo seus avanços e
limites no quadro conjuntural brasileiro complexo e de crise de reestruturação do capital.

Palavras-chave: Políticas Públicas, Movimentos sociais, Educação de jovens e adultos,


neoliberalismo.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Social struggles for education policies
in brazil for eja from 1990 to 2006: from
the formation of the political agenda to
the formulation of PROEJA
38
ABSTRACT
The present article intends to discuss some processes of mobilization and social struggles for the
education of Young People and Adults (EJA) and the presence of the theme in the governmental
agenda in the scenario of political reopening from the 1990s until 2006. This time gap comprises
an important period of struggles, challenges, advances and set-backs for EJA, including the
discontinuity of the modality offered by the federal government with the advancement of
neoliberalism ideas and the proposal for State reform until we reach the reinsertion of the modality
in the political agenda and the formulation of PROEJA in the Lula government (2002-2006), as
a response to the serious problem of low education and qualification of the young and adult
population. Thus, we will resume the debate on the structural aspects that involved political and
social changes in the 1990s, we will seek to understand the reflexes of the neoliberal ideology
in the construction of the reformist agenda and the education policies in Brazil, with emphasis
on the initial absence of education in Brazil. youth and adults in the respective governments of
presidents Fernando Collor de Melo (1990-1992) and Fernando Henrique Cardoso (1994-2001).
Finally, we will discuss how the processes of struggle for the resumption of EJA took place on the
political agenda and the formulation of PROEJA in President Lula’s government (2002-2006),
and we will seek to understand its advances and limits in the complex Brazilian context and the
crisis of capital restructuring

Keywords: Public Policies. Social Movements. Youth and Adult Education. Neoliberalism.

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1 INTRODUÇÃO não puderam prosseguir nos estudos. Po-
rém, estes brasileiros precisam ser atendi-
A necessidade de estudarmos os processos
dos pelo sistema de educação pública, pois
de mobilização e lutas sociais em torno da
existe uma necessidade de dar visibilidade
defesa da educação de jovens e adultos no
ao problema da educação entre jovens e
Brasil, assim como, os conflitos na constru-
adultos na agenda política nesse milênio,
ção das políticas e programas de educação
enquanto responsabilidade do poder públi-
relacionadas a modalidade, decorre da pre- 39
co, uma vez que milhares nessa faixa etária
cariedade na implementação das ações, no
estão fora das salas de aula e do mundo do
péssimo atendimento dessa faixa etária, dos
trabalho (POCHMANN, 2004).
poucos investimentos realizados e ainda de
números expressivos de sujeitos analfabe- Isso posto, ressaltamos à importância es-
tos, semianalfabetos, de não qualificados e tratégica das lutas sociais pela educação de
semiqualificados dentro deste imenso con- jovens e adultos que perpassou, podemos
tingente da população brasileira. Essa si- assim dizer, da Colônia até o período repu-
tuação persistente em nosso país resulta de blicano (HADDAD, 2009), como forma de
contradições, disputas políticas, econômi- garantir a visibilidade de uma modalidade
cas, culturais e sociais, as quais reforçaram tão desprestigiada. Visto que, somente po-
um dualismo profundo em nossa realidade, demos pensar a EJA como direito a partir
impossibilitando, em muitos casos, o reco- da proximidade dela com os movimentos
nhecimento de direitos constitucionais fun- sociais (PAIVA, HADDAD, SOARES, 2019).
damentais a todos os cidadãos, restringindo, Além disso, a pressão para a inclusão dessa
muitas vezes, o acesso da grande maioria aos modalidade na agenda governamental pas-
mínimos necessários à reprodução de sua sou por vários momentos distintos, entre
existência e de sua força de trabalho. avanços e retrocessos em nossa história re-
Desta forma, diante dos grandes desafios e cente, conforme o corte temporal da pes-
ameaças que se fazem presentes no campo quisa, compreendendo os anos de 1990 até
da educação de jovens e adultos (EJA), colo- 2006. Assim, destacaremos os processos de
ca-se a necessidade de lutas constantes, de disputas pela formação da agenda políti-
um forte engajamento, organização e mo- ca, a atuação de distintos sujeitos ligados a
bilização de setores da sociedade civil em defesa da educação pública, inclusive para
defesa dos objetivos próprios à modalidade jovens e adultos. Entretanto, em nossa in-
(FREIRE, 2011), principalmente de garantir vestigação não perdemos o contato com o
o direito à educação básica através de po- contexto reacionário das políticas neolibe-
líticas específicas, para aqueles que saíram rais em nosso país, com seus fluxos e reflu-
da escola ou foram dela retirados, em vir- xos e as reformas que promoveram retro-
tude dos diversos determinantes socioeco- cessos da EJA, abandonando a sua oferta ao
nômicos ou didático-pedagógicos, e assim, voluntariado. Por outro lado, analisaremos,

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


contraditoriamente, os possíveis avanços O trabalho foi estruturado da seguinte for-
legais por que passou a modalidade duran- ma: inicialmente será abordado um con-
te o governo Lula e a formulação da pro- texto que compreende as primeiras eleições
posta do PROEJA, como resultado de lutas diretas pós-regime militar, com a vitória do
de setores importantes em defesa da EJA. candidato Fernando Collor de Melo. Trata-

No campo das Ciências Sociais a presente remos de suas reformas iniciais e seus pla-

pesquisa se estabelece por meio da abor- nos econômicos que marcaram a adesão
40
dagem qualitativa, apresentando quanto a ao modelo neoliberal, o esvaziamento das
natureza uma pesquisa aplicada e quanto políticas sociais, e o acintoso descaso com
aos objetivos exploratória. Importante tam- a educação de jovens e adultos (EJA). De-
bém ressaltar, que quanto aos procedimen- pois, ainda terá o aprofundamento desse
tos, foi bibliográfica e documental, por ter cenário de descaso com a modalidade com
sido realizada em diversos tipos de fontes, Fernando Henrique Cardoso e das reformas
como sites, documentos, livros, revistas ele- realizadas e, por conseguinte a desvaloriza-
trônicas, artigos científicos dentre outros ção da EJA e sua retirada do FUNDEF (Lei
documentos de informação subsidiando a 9.424\96), e por fim aborda-se-á a rearticu-
teoria aqui apresentada. Quanto ao méto- lação das lutas sociais que permitiram no
do de abordagem utilizamos o materialismo governo Lula (2002-2006) a construção de
dialético, uma vez que entendemos que a uma agenda política que retomou o finan-
realidade enquanto movimento do objeto ciamento da EJA com a criação do FUN-
real precisa ser apreendido em meio às suas DEB, e a criação do PROEJA.
contradições e múltiplas determinações.
Desta forma, avançar na compreensão das 2 A CHEGADA DOS ANOS
ações no campo das políticas públicas de DE 1990: ASCENSÃO
educação para jovens e adultos, no final do NEOLIBERAL E AS
século XX, e início do século XXI, não pode REFORMAS INICIAIS DE
ignorar o movimento da história concreta, FERNANDO COLLOR
as condições histórico-sociais, a forma como
DE MELO E FERNANDO
os debates, as lutas e as pressões populares
HENRIQUE CARDOSO
contribuíram na formação de um contexto,
E O NÃO-LUGAR DA
ou melhor, de uma conjuntura recheada de
contradições, mas pautada por um deba-
EDUCAÇÃO DE JOVENS E
te de caráter econômico que capitaneou as
ADULTOS
atenções dos políticos, de parte da sociedade Compreender o contexto nacional caótico
e justificou uma ofensiva marcante contra que trouxe o candidato Fernando Collor de
os direitos brevemente adquiridos com a Melo ao poder, com um discurso de defesa
Constituição de 1988. dos “descamisados”, dos “pés-descalços”, e

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


qual agenda de fato encontrava-se no ceio pulares e de grupos distintos da sociedade
do debate público do governo no Brasil, co- civil estavam grandemente ameaçados, a
loca-se como elemento fundamental para partir da lógica da reforma gerencial, em
nossa análise acerca a atuação dos movi- nome de um discurso de uma denomina-
mentos sociais na defesa da modalidade, da modernidade administrativa voltada a
dada a invisibilidade e do não-lugar da edu- defesa do grande capital e de seu sociome-
cação de jovens e adultos, além de todo re- tabolismo (MÉSZÁROS, 2015). Com essas
41
trocesso sofrido ou avanços pouco significa- premissas estavam postas as condições à
tivos nos anos de 1990. Pois, as ações iniciais ofensiva contra as políticas e aos direitos
realizadas pelo governo de Collor de Melo sociais como alvos daquele governo, ne-
revelaram que não haveria enfrentamen- gando a grande parte da sociedade o aces-
to dos problemas estruturais do país. Mas, so aos direitos fundamentais, os quais são
uma reação contra a Constituição de 1998, necessários para corrigir as desigualdades
nas palavras de Francisco Oliveira (2016, sociais históricas. Na esteira desse processo
p.96): “Seus alvos principais foram todos os havia a necessidade de construção de um
direitos que a Constituição de 1988 formu- novo imaginário social meticulosamen-
lou [...]”. A iniciativa do governo foi de des- te pensado conforme Oliveira (2016), que
monte do que havia sido objeto de luta com possibilitasse a hegemonização das classes
o processo de redemocratização, alcançado dominantes, por meio de uma reforma que
na época com uma nova correlação de for- seria estritamente danosa a maioria despos-
ças sociais, segundo Haddad (2009, p.356): suída da sociedade.
“Definiu-se uma nova configuração da re-
Com isso, o governo de 1989, formulou um
lação entre a sociedade e o poder público”.
conjunto de reformas que em sua imedia-
Assim, a iniciativa de melhoria dos serviços
ticidade visava atender aos chamados “in-
públicos que mobilizou a sociedade civil, e
teresses gerais”. Mas, contraditoriamente
da educação como direito social, de respon-
o mesmo encontrava-se baseado no favo-
sabilidade do poder público, ponto que pau-
recimento da modernidade do capitalismo
tou o debate na Constituição de 1988, agora
(ANTUNES, 2005), voltado aos interesses
estava em intensa ameaça e “limitada pelas
do capital, e naquele momento colocou os
políticas de ajuste macroeconômico e rede-
compromissos da burguesia como prioritá-
finição do papel do Estado” (HADDAD; DI
rios em relação ao projeto societário mais
PIERRO, 2015, p.199).
inclusivo. Desta forma, a vitória do famoso
Sob a égide do discurso da falência do Es- “caçador de marajás”, transformou-se mui-
tado e da necessidade de reformas institu- to rapidamente, e em menos de um ano de
cionais profundas, muitos dos direitos da governo, vimos desvanecer o discurso, o
sociedade recém-adquiridos, com destaque que significou em outras palavras que, “[...]
para aqueles alcançados com as lutas po- as condições estruturais burguesas, passa-

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ram a política” (OLIVEIRA, 2016, p.98). não implicavam quase em nenhuma perda
Essa unificação das diferentes frações da para o grande capital, mas exigia dos me-
burguesia em torno de uma candidatura re- nos favorecidos ainda mais sacrifícios com
presentou a superação de diferenças histó- os impactos especialmente entre as faixas
ricas importantes entre os setores do capital salariais mais baixas, implicando essas me-
para alcançarem uma unidade, ainda que didas no aumento das desigualdades, e
temporária, mas capaz de congregar “as danos sérios no acesso aos direitos sociais
42
classes dominantes no plano da política” (POCHMANN, 2004).
(OLIVEIRA, 2016, p.98). E ao mesmo tem-
A postura do governo eleito foi no sentido
po com essa medida tentar neutralizar as
de incrementar o receituário do Fundo Mo-
ações populares que pudessem inviabilizar
netário Internacional, ainda que parecesse
a marcha do projeto conservador em curso.
em parte, afetar aos interesses imediatos
Essa articulação no plano político mate-
do capital, mas, nas palavras de Antunes
rializou-se em dois planos econômicos,
(2005, p.10): “[...] o horizonte aberto com o
que traziam como pontos centrais a ideia
Plano é francamente favorável”. Entretan-
de modernização do Estado por meio de
to, a situação colocada pelo governo, impli-
uma reforma institucional, o que na prá-
caria em perdas apenas para aqueles que já
tica representou a “integração com o ideá-
não possuíam muito o que perder. Assim, o
rio neoliberal” (ANTUNES, 2005, p.9). Tal
movimento de inclusão na agenda política
iniciativa desembocou em outra medida
das reformas econômicas prioritariamente
importante, que foi a privatização do Esta-
segundo o discurso oficial geraria a estabi-
do “[...] outro requisito imprescindível des-
lidade necessária para que o país pudesse
se ideário” (ANTUNES, 2005, p.9). Assim,
novamente crescer, dada a crise econômi-
compreendida a realização da aliança à
ca vigente desde os anos de 1980. Porém,
manutenção do status quo e por outro lado,
implicou na rejeição de um projeto pro- o interesse do governo na chamada estabi-

gressista à sociedade. Assim, ocorreram a lização econômica e nas reformas institu-

adoção de medidas amargas na economia, cionais fizeram com que a questão social
com o discurso de crise fiscal e aumento perdesse o devido espaço que havia alcan-
do déficit público, o governo buscava ob- çado na Constituição de 1988, resultado de
ter o consenso da sociedade, em torno das lutas de setores importantes da sociedade, e
medidas a serem implementadas. As ações assim, vimos temas como a educação de jo-
planejadas representavam ainda maior vens e adultos perder quase que totalmente
comprometimento da renda do trabalha- sua atenção, uma vez que a ideia agora con-
dor, já corroída pela ausência de correção sistia em focalizar os gastos e privilegiando
do salário mínimo, e pelo aumento expres- na educação apenas as séries iniciais para
sivo da carga tributária, ou seja, as medidas quem estava em idade-série regular.

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Assim, as políticas educacionais concebidas alfabetização de jovens e adultos numa de-
pela sociedade civil e movimentos sociais monstração da ausência de compromisso
em defesa da educação pública decorrentes do governo com um segmento que foi pro-
de informações elaboradas por pesquisado- fundamente alijado dos seus direitos à esco-
res e grupos específicos não foram sequer larização formal: “[...] os projetos que foram
recepcionadas, e as sugestões muito menos abandonados [...] pela extinção de Fundação
incluídas na formação da agenda política, Educar, constavam a atualização do material
43
ficando como saldo do período da Cons- didático impresso e dois programas de for-
tituição de 1988 e da LDB 9.394\96, a ga- mação de educadores por meios de ensino à
rantia formal do direito à educação pública distância” (DI PIERRO, 2000, p.86).
e gratuita a jovens e adultos, uma vez que,
A retirada de recursos da educação de jo-
o próprio presidente como primeiro ato do
vens e adultos, o não repasse de verbas fe-
seu governo em 15 de março de 1990, pro-
derais aos Estados, estava demonstrando a
mulgou a medida provisória 251, que dentre
sintonia do governo do presidente Collor
algumas providências, extinguiu a Funda-
de Mello com a nova conjuntura interna-
ção Educar (DI PIERRO, 2000). A outra me-
cional, como afirma Antunes (2005, p. 9):
dida ainda mais grave no ataque a educação
“Tudo em clara integração com o ideário
de jovens e adultos no pacote editado foi o
neoliberal”. O discurso inicial do presi-
corte dos recursos: “Nesse mesmo pacote de
dente de governar para os “descamisados”
medidas foi suprimido o mecanismo que
era contraditado pelas práticas assumidas,
facultava às pessoas jurídicas direcionar vo-
e principalmente na educação que sofreu
luntariamente 2% do valor do imposto de
cortes orçamentários. O governo afirma-
renda devido às atividades de alfabetização
va entusiasticamente metas ambiciosas de
de adultos” (DI PIERRO, 2000, p.84).
alfabetização, e por outro lado, realizava a
Com o discurso de contenção de gastos para assinatura de convênios escusos com insti-
reequilibrar as contas do governo e superar a tuições e organizações privadas. Por outro
crise do desenvolvimento econômico nacio- lado, as medidas de cortes de gastos utili-
nal, o presidente Fernando Collor de Mello zadas pelo governo impediram as ações
demonstrava que a educação, e no caso a efetivas na educação básica. Mas, o quadro
educação de jovens e adultos não estaria en- ficou mais crítico, quando o Ministério da
tre as suas prioridades. A medida altamente Educação em 1991, na pessoa do ministro
prejudicial significou na prática o fim dos in- colocou sua indisposição para investir nas
vestimentos, e uma situação insólita de alu- ações da educação de jovens e adultos, pois
nos e professores em salas de aula mantidas a prioridade seria a educação de crianças e
por convênios com a Fundação Educar em adolescentes entre 7 e 14 anos (DI PIERRO,
todo o país. O corte trouxe como consequên- 2000). Tal situação implicaria em redução
cia o abandono de projetos voltados para a de oportunidades educacionais, e desse

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modo a educação de jovens e adultos per- continuidade à implantação do projeto de
deria força na agenda política. inserção do Brasil nas novas relações inter-
nacionais do capital ou a nova ordem mun-
Portanto, ficou muito evidente que os mo-
dializada (ANTUNES, 2005). O receituário
vimentos sociais, as organizações da socie-
estava pronto para o processo de implanta-
dade civil4, por meio de importantes enti-
ção do projeto neoliberal gestado no gover-
dades, as quais lutaram anteriormente no
no anterior, o que implicou na tomada de
processo constituinte estavam agora diante
44
medidas prejudiciais à educação, principal-
de uma conjuntura estritamente complexa
mente com a retirada da educação de jovens
de relações políticas e econômicas. Estrita-
e adultos do conjunto de reformas.
mente marcadas pela reação das forças con-
servadoras que na rejeição da construção Inicialmente, o governo sinalizou a incom-
de um projeto societário marcado pela jus- patibilidade entre suas ações na educação
tiça social, reiterou os modelos de domina- deu sinais de que sua prioridade seria a edu-
ção sempre presentes na história do Brasil e cação para aqueles que estivessem dentro
através de um discurso de crise e reformas, da relação série-idade, ao contrário daque-
estabeleceu um imaginário que sedimen- les que estivessem fora desse padrão, pois
tou o caminho para a implementação de o governo não tinha como objetivo finan-
um projeto conservador marcado pela pre- ciar: “De fato, não é somente na LDB que
carização do acesso da classe trabalhadora a se reflete o desinteresse do atual Governo
educação pública de qualidade. Federal para com a educação de jovens e
Entretanto, as denúncias de corrupção no adultos, claramente manifestado, desde o
governo do presidente Collor de Mello em primeiro mandato do governo FHC” (RO-
agosto de 1991, e o processo de impeachment SAR; CABRAL, 2001, p.67). A falta de inte-
aprovado pelo Congresso resultou na cassa- resse do governo de FHC tornou-se ainda
ção do seu mandato em outubro de 1992, maior com a aprovação da Emenda 14/96
em seu lugar assumiu o Vice Itamar Franco, no Congresso que criou o Fundo de Ma-
finalizado esse governo, tivemos a realiza- nutenção e Desenvolvimento do Ensino
ção de novas eleições presidenciais em 1994,
Fundamental e Valorização do Magistério
e ocorreu a vitória do ex-Ministro da Fazen-
(FUNDEF). Com essa medida, baseada no
da do governo Itamar, o candidato Fernan-
receituário do Banco Mundial para os paí-
do Henrique Cardoso (FHC). Com o apoio
ses latino-americanos (DI PIERRO, 2000),
de diversos segmentos da sociedade, de se-
o governo brasileiro restringiu sua atuação
tores importantes do capital e dos meios de
na universalização do ensino, focalizando
comunicação de massa, o presidente deu
sua política na educação fundamental dei-
4 A luta em defesa da educação pública e gratuita foi marcada
por vários momentos, contudo durante o período constituinte
xando claro sua incompatibilidade com à
muitas entidades ativamente militaram como a ANFOPE, EJA. Contudo, isso não significou a aceita-
a ANPED e o Fórum da Educação que em 1990, passou a ser
chamado Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. ção tácita de tal medida, uma vez que as

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lutas continuaram, e foram fortalecidas em va a lógica reformista baseada no discurso
1997, com a realização da V CONFINTEA5 da eficiência dos gastos públicos com foco
na Alemanha, que no campo das lutas so- apenas naqueles que estivessem em idade
ciais favoreceu o surgimento dos Fóruns de regular atendidos pelo sistema de ensino
Educação de Jovens e Adultos. Porém, tem público. Tal fato reforçava o grande recuo
o fato do país ter sido bem representado no sofrido pelo movimento de defesa da EJA,
evento, por outro lado, não conseguiram através de seus Fóruns e outros setores liga-
45
“reposicionar a EJA na agenda nacional de dos a luta da EJA, evidenciando refluxo das
política educativa, o que não ocorreu” (HA- lutas frente a atual lógica do capital.
DDAD, 2015, p.204). Entretanto, os fóruns
Demonstrando muita indisposição para tra-
estaduais tiveram um importante papel na
tar do problema do financiamento da edu-
articulação e organização dos Encontros
cação de jovens e adultos, com a diminuição
Nacionais de Educação de Jovens e Adultos
dos investimentos nos setores sociais, o pre-
(ENEJAs), o que merece destaque nesse mo-
sidente FHC adotou a lógica das parcerias.
mento de recrudescimento da luta.
A oferta dos programas como: o PLANFOR,
Mesmo em meio aos movimentos de re- o PAS e o PRONERA; visava o atendimento
sistência e luta, o governo federal conti-
de jovens e adultos, como parte de uma es-
nuou com a política de focalizar os gastos
tratégia adotada para que o governo cum-
públicos com educação básica para crian-
prisse as metas que foram assumidas a partir
ças e adolescentes como consequência do
de acordos assinados com organismos inter-
programa neoliberal, e justamente fez a
nacionais para redução do analfabetismo.
apresentação da Emenda Constitucional
Foram as parcerias planejadas pelo governo
para a alteração da redação do Artigo 208,
federal uma forma pensada para resolver sua
relativo aos direitos educativos de jovens e
adultos. Seguindo a lógica das reformas na omissão. Portanto, compreender o sistema
educação, onde o governo também alterou de parcerias adotado implica desvendar-
as Disposições Transitórias da Constituição mos o significado que esse sistema assumiu
de 1988, que tratavam da erradicação do para o governo, pois como coloca Alvarenga
analfabetismo. E por fim, em seu pacote de (2010, p.175): “o PAS reverenciava as parce-
medidas o presidente FHC vetou a inclusão rias como a principal e inovadora estratégia
do projeto de Lei 2.380/96 que regulamen- para o combate do analfabetismo e o enfren-
taria no FUNDEF as matrículas de jovens e tamento da pobreza e da exclusão social”.
adultos para efeito do cálculo referente ao Desta maneira, o governo federal transferia
repasse de verbas para estados e municí- para setores da sociedade civil o atendimen-
pios (DI PIERRO, 2000). O veto expressa- to de milhares de brasileiros analfabetos, po-
5 Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos
rém de uma forma descompromissada com
promovida pela UNESCO. No Brasil ocorreu em 2009, em o direito à educação dos milhares de brasi-
Belém do Pará a VI Confintea com uma importante participação
dos movimentos sociais na organização do evento. leiros analfabetos.

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A síntese das políticas de educação para queria apenas evidenciar o problema da
jovens e adultos do governo de FHC tra- alfabetização. A política educacional ado-
duziu muito bem o período de ascensão tada pelo governo FHC, continuou prio-
do projeto neoliberal e o ataque acintoso ritariamente para o ensino fundamental.
aos programas sociais com o corte de gas- Assim, as políticas de educação para jovens
tos, a privatização e a redução do Estado. e adultos apresentadas trouxeram a marca
O governo federal convocava a sociedade de um governo que buscava transferir suas
46
civil a envolver-se com os problemas do responsabilidades (ALVARENGA, 2010), ou
país, como afirma Alvarenga (2010, p.178): nas palavras de Haddad (2009, p.357): “a
“Nesse contexto, fértil às políticas as neo- sociedade civil foi chamada para colaborar
liberais, foram evocados os conceitos de diretamente com a oferta dos serviços edu-
solidariedade e responsabilidade social, [...]”. cacionais, dentro da lógica de diminuição
Por meio dos conceitos apresentados, a so- das responsabilidades do Estado”.
ciedade deve assumir o compromisso com
Assim, a lógica então implementada pelo
aqueles que são excluídos, pois a cidadania
governo era da necessidade de reforma do
significa um processo, uma ação conjunta
Estado brasileiro, o qual assumiria outras
de incluídos e excluídos. O presidente FHC
atribuições ou funções, considerando pre-
na tentativa de desobrigar o Estado em as-
mência da estabilidade econômica, basea-
sumir suas funções sociais distributivas de
da principalmente na tese de ajuste fiscal
direitos com o atendimento destes excluí-
(DRAIBE, 2000). As correlações de forças
dos colocava através da ideologia da solida-
naquele momento dentro do jogo político,
riedade essa responsabilidade para aqueles
no cenário brasileiro, favoreciam peremp-
que tinham sido alcançados pela educa-
toriamente o capital, pois a agenda política
ção. A lógica proposta invertia-se, aqui, a
reformulada pleiteava o ajustamento eco-
sociedade civil não lutaria pela formação
nômico (DRAIBE, 2000). Com um discurso
da agenda e inclusão de temas, mas seriam
austero de controle econômico e um alinha-
responsabilizados e assumiriam em parte a
mento político de forças conservadoras a
resolução do problema.
agenda educacional no primeiro mandato
Nas palavras de Di Pierro (2000), a educação foi preterida em relação aos temas centrais
de jovens e adultos estava fora dos planos de reformas ditas mais imediatas. Isso cor-
do governo federal, e a forma de participa- responde nas palavras de Kingdon que na-
ção da sociedade também foi devidamente quele momento não havia “solo fértil” para
planejada, pois não tinha espaço na agen- a inclusão da educação de jovens e adultos
da governamental para uma outra forma de na agenda governamental. O que pode ser
debate, a proposta era seguir o receituário compreendido com o avanço por parte do
dos organismos de financiamento interna- governo de suas teses centrais, deixando de
cional (FMI, Banco Mundial), ou seja, ele lado, a prioridade que o tema exigia, uma

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vez que não havia por parte dos grupos de resistência e luta nesse período, ainda que
defesa a organicidade, a pressão necessária a conjuntura apresentada tenha sido de
para a defesa do que havia sido conquistado. tentativa de esvaziamento, manipulação e
controle. Ressaltamos a necessidade desses
Desta forma, houve um processo de recuo
movimentos através de sua participação
envolvendo o campo da educação de jo-
no debate público na educação, pois ainda
vens e adultos, pois o interesse do governo
que minorados em sua capacidade de ação,
era outro, conforme Draibe (2000, p.2): “Na 47
muitas vezes, não foram totalmente elimi-
política educacional, as importantes mu-
nados como no caso dos Fóruns de EJA que
danças restringiram-se ainda praticamente
permaneceram na militância denunciando
ao ensino fundamental”. Assim, na era FHC
a necessidade de melhoria dos processos
o alinhamento com os aspectos estruturais
educativos para jovens e adultos em todo
decorrentes do processo de globalização,
o território nacional. Logo, todos eles tive-
tornou a agenda política comprometida
ram um papel importante como veremos
com o capital externo. As medidas adota-
no contexto seguinte de maior interlocu-
das para a educação, e dentro desta para a
ção com um novo governo mais compro-
educação profissional, com destaque para
metido com os setores progressistas da edu-
EJA, visavam principalmente atender uma
cação de jovens e adultos.
nova concepção de trabalhador forjada nas
relações sociais de produção capitalista, o 2.1 um novo milênio: a ascensão do
que pode ser traduzido, por uma educação governo Lula e a construção de uma
nova agenda política na educação
para as classes trabalhadoras pautadas em:
de jovens e adultos.
“[...] formas aligeiradas de EP para atender
O contexto anterior nos apresentou um
as demandas do mercado” (OLIVEIRA; MA-
movimento de refluxo nas forças sociais, de
CHADO, 2012, p.127). Por fim, as relações
algumas derrotas no campo da política e da
e a organização das instituições e entidades
educação para os movimentos de luta pela
de defesa da EJA sofreram duros golpes, em
defesa dos direitos à educação no Brasil.
virtude de um cenário estritamente reacio-
Entretanto, com a vitória nas eleições presi-
nário e conservador em que o capital devi-
denciais de 2002, do candidato Luís Inácio
damente favorecido com as ações governa-
“Lula” da Silva, tivemos a chegada à frente
mentais, limitou em parte os processos de
do governo brasileiro uma aliança partidá-
lutas sociais, e pior “verificou-se crescente
ria trabalhista de centro esquerda (MOTA;
interesse de parte dos grupos empresariais e
AZEVEDO, 2012). Assim, em um cenário
do capital em geral nos rumos e no contro-
político marcado por grande adesão popu-
le das orientações e no atendimento educa-
lar (NOGUEIRA, 2003), vislumbravam-se
cional” (HADDAD, 2009, p.357).
algumas mudanças importantes no hori-
Contudo, não podemos deixar de reco- zonte da política educacional, e com refle-
nhecer a importância dos movimentos de xos na modalidade de educação de jovens

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e adultos. Cercado de grandes expectativas as palavras de Frigotto, Ciavatta e Ramos
por diversos grupos de defesa da educação, (2005, p.10): “[...] a revogação do Decreto
movimentos sociais e pela sociedade, prin- nº 2.208/ 97, restabelecendo-se a possibili-
cipalmente aqueles em maior vulnerabili- dade de integração curricular dos ensinos
dade, a chegada de um ex-sindicalista ao médio e técnico, de acordo com o que dis-
poder, em certa medida gerou nos grupos põe o artigo nº 36 da LDB”. Mas, isso era
progressistas grande esperança de tempos apenas o início das mudanças aguardadas
48
melhores na educação, pois nos últimos por setores ligados a defesa da educação pú-
governos as reformas promovidas atende- blica, pois buscavam o fortalecimento das
ram uma agenda comprometida com as de- forças progressistas na disputa por transfor-
mandas do capital, dada as forças políticas mações na educação brasileira (FRIGOTTO,
organizadas naquele momento. CIAVATTA, RAMOS, 2005).

Assim, realizar a ruptura com o modelo Foi a busca por uma transformação mais
anterior que desarticulou e limitou a ação estrutural que levou o governo eleito, jun-
dos movimentos de defesa da EJA era algo tamente com os setores mais progressistas
premente a ser realizado, uma vez que hou- ligados à defesa da educação, e organizados
ve uma ação acintosa aos direitos adquiri- politicamente naquele momento a busca-
dos de todos a educação pública. Portanto, rem uma nova agenda política baseada no
consenso que atendesse aos interesses tam-
no intuito de promover, alterações signi-
bém dos mais vulneráveis. Assim, a educa-
ficativas na agenda política, muita coisa
ção tornou-se um dos principais problemas
precisava ser realizada, porque as mudan-
na agenda do governo Lula, alcançando vi-
ças promovidas pelo governo FHC foram
sibilidade no programa governamental com
profundas e graves, como colocou Olivei-
a formulação de ações direcionadas para o
ra (2009, p.198): “Tendo sido herdeiro de
atendimento de milhares de jovens e adul-
uma reforma educacional de longo alcance
tos pouco escolarizados e sem qualificação
e complexidade, que durante os dois man-
para o trabalho. Contudo, isso resultava de
datos do governo que o precedeu – FHC –
lutas que vinham sendo desencadeadas a
mudou os rumos da educação brasileira do
décadas, nos fóruns estaduais que recuaram
nível básico ao superior, [...]”. Tínhamos na era FHC, mas negavam veementemente
um cenário com limites impostos ao novo a reforma feita, e não deixaram de buscar
governo com a reforma educacional ante- mudanças na legislação, como afirma Cia-
rior, que invisibilizou certas modalidades, vatta (2012, p.77): “De 1996 a 2003, houve
e fragmentou a política de educação com um movimento de luta por sua revogação,
a orientação de investimentos à educação apontando-se para a necessidade de novas
fundamental. Logo, o governo Lula precisa- regulamentações que fossem bem mais coe-
va revogar alguns marcos deixados na legis- rentes com a utopia de transformação da
lação educacional, com destaque conforme realidade dos trabalhadores brasileiros”.

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A problematização da reforma anterior por são social a visibilidade de temas à agenda
parte dos setores de defesa da educação pú- governamental merecedores da atenção do
blica tinha como epicentro o debate sobre poder público, como diz Silva (2013, p.23):
os fundamentos inseridos nos documentos “[...] por uma lista de problemas ou assun-
oficiais e legislação aprovada que destoa- tos que chamam a atenção da sociedade e
vam dos princípios defendidos por vários do governo, podendo, por força da pressão
educadores, entidades da sociedade civil, as social assumir visibilidade e transformar-se
49
quais faziam a defesa da emancipação do em questão social merecedora de atenção
trabalhador: “(re)construção de princípios e do poder público”. Entretanto, devemos
fundamentos da formação dos trabalhado- ressaltar que havia contradições nas esco-
res para uma concepção emancipatória des- lhas realizadas pelo governo Lula em seu
sa classe” (FRIGOTTO; CIAVATA; RAMOS, primeiro mandato, com a adoção de medi-
2005, p.1090). Desta forma, a luta que seria das no campo da educação, as quais apre-
travada pela reconstrução da agenda polí- sentaram problemas, como as campanhas
tica, a qual voltava-se para a construção de de alfabetização, que não alcançaram os
uma sociedade mais justa e igual, por uma efeitos desejados.
educação que atendesse aos interesses da
Porém, as expectativas eram grandes no
classe trabalhadora e de milhares de jovens
novo governo, e no campo da educação
sem qualificação, contudo sem perder de
não era diferente, com maior ênfase na
vista a articulação entre os eixos de ciên-
educação profissional, isso era decorrente
cia, do trabalho e da cultura (FRIGOTTO;
como afirmam Oliveira e Machado (2012,
CIAVATA; RAMOS, 2005). Assim, a ideia era
p.126): “No início do governo Lula, em
o fortalecimento de propostas oriundas de
2003 e 2004, essas lutas são impulsionadas
movimentos de defesa da educação popu-
pela mobilização de setores da educação
lar, combatendo o caráter dual e elitista da
profissional, sindicatos e pesquisadores do
educação brasileira uma marca historica-
campo trabalho e educação [...]”. Esse ce-
mente construída desde o período colonial.
nário de reorganização das forças progres-
Portanto, as expectativas dos sujeitos en- sistas através dos movimentos sociais, nos
volvidos nessa nova conjuntara levavam ajudam a pensar a percepção do problema
a acreditar na construção de “uma nova da educação de jovens e adultos, e como
realidade política no país, particularmente ocorreu sua inclusão na agenda política,
porque ampliaram a presença política po- visto que, como destaca Capella (2007),
tencial de amplos setores e classes sociais uma questão para tornar-se problema, cha-
até então relativamente marginalizados” mando atenção do poder público implica
(NOGUEIRA, 2003, p.1). O aspecto central, em um processo de percepção e interpre-
aqui, dizia respeito em trazer por meio des- tação. Assim, houve um processo de lutas
ses grupos organizados, e por força da pres- e disputas, que permitiram a passagem da

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questão para o problema da EJA no governo de do total da população juvenil estudava,
Lula, o que seria nas palavras de Cappela: sendo a maior parte fora da série escolar
As questões transformam-se em pro- correspondente à faixa etária”. Esse quadro
blemas ao chamar atenção dos parti- sério revelou a ausência de investimentos, e
cipantes de um processo decisório des- a negativa dos governos anteriores no aten-
pertando a necessidade de uma ação dimento desse segmento com políticas de
por meio de três mecanismos básicos: Estado capazes de enfrentar tais desafios.
50 indicadores; eventos, crises e símbolos
e feedback das ações governamentais Desta maneira, o quase abandono da mo-
(CAPPELA, 2007, p.90). dalidade de educação de jovens e adultos,
com a opção feita pelos governos anterio-
Assim, para compreendermos como o cam-
res, ou como colocam Di Pierro e Haddad
po da educação, e mais especificamente a
(2015, p.206): “a EJA fora postergada na
educação de jovens e adultos (EJA) voltou
agenda dos anos 1990 que priorizou a uni-
à agenda governamental exige entendermos
versalização do acesso ao ensino obrigató-
essas articulações entre as forças operando
rio na infância e adolescência r”; e a decisão
socialmente, aliadas a fatores de cunho ju-
de relegar a EJA à solidariedade, concorreu
rídico que ajudaram na visibilidade da EJA.
para o agravamento da situação.
Depois, precisamos reiterar o papel central
das lutas organizadas pelos movimentos so- Desta maneira, os números referentes a si-
ciais e do momento político com sua janela tuação de baixa escolaridade e desempre-
de oportunidade. Além disso, havia outros go foram apenas agravando no país, como
fatores importantes como os péssimos indi- podemos identificar nos indicadores apre-
cadores entre o segmento. Logo, fazendo-se sentados pelo governo no Documento Base
necessário destacar os números que chama- do PROEJA 2007, ao buscar estabelecer um
vam atenção dos setores sensíveis à EJA, e quadro acerca do cenário desse segmento:
dada a gravidade da situação dessa popu- Segundo dados da Pesquisa Nacional por
lação, em um quadro crítico de abandono, Amostra de Domicílios (PNAD / IBGE),

pois: “[...] a taxa de desemprego aberto dos em 2002, o Brasil possuía 23.098.462 de
jovens com idade entre 18 e 24 anos. A
jovens gira em torno dos 18%, a taxa média
situação de trabalho desses jovens no
nacional esteve em 9,4% do total da força de
mercado formal é preocupante. De acor-
trabalho, segundo o IBGE (PNAD) no ano de do com o Registro Anual de Informa-
2001” (POCHMANN, 2004, p.385). Confor- ções Sociais (RAIS/MTE, 2002), apenas
me os números, verificamos que a taxa de 5.388.869 — cerca de 23,3% dos jovens
desempregados entre os jovens era naquele dessa faixa etária — tinham emprego no

momento quase o dobro da média nacio- mercado de trabalho formal no mesmo


ano. (BRASIL, 2007, p.14).
nal, no que se referia a educação o quadro
também era preocupante, como afirma Po- Aqui é fundamental destacar que os indica-
chmann (2004, p.386): “Somente a meta- dores, os números ou taxas, per si, não cha-

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mam atenção para um problema, ou seja, ausência de qualificação da mão de obra
não foram os responsáveis únicos para que apenas reforçava um quadro de exclusão
o tema da EJA passasse a condição de pro- social que pode ser traduzido no conser-
blema, e desta forma chamasse a atenção vadorismo adotado ao longo do tempo no
do governo federal, pois estamos tratando Brasil, que negou educação às classes popu-
de questões que pertencem ao contexto so- lares. A situação evidenciou-se mais grave
cial. Isto é, são construções que dependem quando o Documento Base (2007, p.16),
51
da articulção de diferentes perspectivas, destacou o seguinte: “[...] um terço da po-
oportunidades, de estratégias políticas bem pulação brasileira que consegue ir à escola
organizadas, ou seja, do poder de mobiliza- não chega à metade do ensino fundamen-
ção dos grupos, e instituições de defesa dos tal de oito anos”. Portanto, todos aqueles
direitos dos mais vulneráveis. Pois, como ve- que não finalizam o Ensino Fundamental
rificamos os números apresentados pelo Do- formam em tese uma demanda para a EJA,
cumento Base (2007), ainda diziam respeito o que mostra a necessidade de investimen-
ao período do governo FHC, isso reitera que, tos, e de uma atenção maior para a moda-
apenas indicadores não são suficientes para lidade, exigindo a formulação de políticas
que medidas sejam tomadas na resolução públicas mais perenes, de uma agenda que
de um problema. Contudo, como já men- atenda as demandas dessa faixa da popula-
cionamos que os números elevados de baixa ção quase que esquecida, como coloca Di
escolaridade de grande parte da população Pierro (2000, p.118): “Os jovens e adultos
brasileira, exigiam a defesa da educação para analfabetos ou pouco escolarizados esca-
jovens e adultos, pois reiteravam um quadro pam, assim, às prioridades da política edu-
ainda persistente de falta de investimentos cacional”. Portanto, manter uma atuação
na educação, como reforça a PNAD 2003, permanente de defesa ao direito de todos à
como apresenta o Documento Base: educação, consiste numa luta fundamental
[...] dados de escolaridade da PNAD / para correção de graves injustiças sociais,
IBGE 2003, [...] pode-se observar que do reparo de dívidas históricas com aqueles
nesse ano cerca de 23 milhões de pes- que foram propositamente esquecidos, dei-
soas possuíam 11 anos de estudo, ou xados de lado.
seja, haviam concluído o ensino mé-
dio. Esse contingente representava ape- Desta forma, havia a necessidade de uma
nas 13% do total da população do país. nova governança na EJA, colocada através
Por conseguinte, pode-se inferir o bai- de um outra interlocução entre o governo
xo nível de escolaridade dos brasileiros federal e setores de defesa da educação pú-
que enfrentam o mundo do trabalho. blica, permitindo a construção de um espa-
(BRASIL, 2007, p.15).
ço importante de formulação de alternati-
Portanto, a manutenção do problema da vas para combater velhas e novas formas de
baixa escolaridade, do analfabetismo, da exclusão. A questão de inclusão de um tema

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


na agenda governamental ou formulação milhões de pessoas maiores de 14 anos e
de uma alternativa, não dizia respeito ape- integradas à atividade produtiva são anal-
nas alterar o governo, mas ao modo como fabetas ou subescolarizadas”.
as forças políticas estavam organizadas no Por um lado, se os indicadores ajudaram no
contexto social brasileiro naquele momen- debate dos grupos que defendem a EJA com
to, como diz Faria (2003, p.24): “[...] sendo o governo na formação da agenda, o outro
crucial a questão temporal, uma vez que a aspecto importante para o fortalecimento
52
adoção de uma dada alternativa de políti- da discussão diz respeito aos símbolos, isto
ca é vista como dependente da ocorrência é, a visão negativa do analfabetismo, o qual
simultânea de determinados eventos [...]”. a partir de um certo momento entrou em
Além disso, como afirma Nogueira (2003, algumas agendas políticas, visto que era
p.37): “[...] a ação política não se faz em tratado como responsável pelo atraso do
condições ótimas, escolhidas livremente, país, uma doença a ser erradicada, como
mas depende de circunstâncias históricas coloca Di Pierro (2000), “curar a enfermi-
bem determinadas, [...]”. Neste caso, os dade”, a ideia de que o analfabetismo se as-
avanços ou recuos na luta pela educação de semelhasse a uma doença que precisava ser
jovens e adultos reflete bem essa dinâmica tratada . Com isso, um governo eleito com
da conjugação de fatores que precisam ser uma grande base popular, necessitava dar
analisados para alcançarmos uma melhor uma resposta condizente com a gravidade
compreensão do movimento real do objeto do problema, e com tudo aquilo que sim-
como afirmou Marx (1996). bolicamente o analfabetismo representou
Neste caso, ressaltamos a necessidade de em nosso país.
pensarmos essa conjugação de fatores Como identificamos, os indicadores apre-
como fundamentais para que o tema da sentados por documentos oficiais e pesqui-
educação assumisse certa relevância no sadores, revelaram a gravidade do problema
governo Lula, muito distinta do que fez a e a urgência com que o mesmo precisava
reforma anterior focalizada no ensino fun- ser inserido na agenda política, tomando
damental (Di Pierro, 2000). Nesse novo também a própria simbologia que sem-
momento, ou nessa “janela de oportunida- pre tomou o analfabeto como um incapaz
de” (Faria, 2003) como alguns chamam, os (FREITAS; BICCAS, 2009). Isso tudo refor-
grupos de defesa da educação, movimentos çou a necessidade de atenção ao problema
sociais, educadores e instituições de ensino (CAPELLA, 2007); ou seja, a articulação des-
tiveram um papel importante na luta pelo ses elementos básicos, conjuntamente com
reconhecimento do problema, no diálogo a pressão das entidades de defesa da EJA
com o governo federal, uma vez que como permitiram a retomada na agenda política
destacava o Documento Base (2007, p.17): do combate ao analfabetismo e a valoriza-
“Da população economicamente ativa, 10 ção da modalidade da Educação de Jovens

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e Adultos, visto que como afirmam Olivei- jeto político histórico de inclusão social
ra e Machado (2012, p.127): “Pela primeira que viabilizasse maior capacidade de par-
vez na história da EJA há a possibilidade de ticipação dos sujeitos políticos autônomos
oferta nacional da modalidade no ensino responsáveis por seus percursos formativos.
médio de forma integrada a EP [...]”. Entre- Com uma conjuntura perpassada por con-
tanto, devemos lembrar que isso não ocorre tradições, ambiguidades, o governo federal
de forma linear, mas são diferentes fluxos iniciou as ações para conter as reformas an- 53
convergindo em “janelas de oportunida- teriores e levar o ente federal a assumir no-
des”, como chama atenção Farias (2003). vos compromissos, com destaque para edu-
Com isso, precisamos reconhecer a impor- cação popular. Desta maneira, ele alterou
tância da luta desses movimentos, ainda a legislação em pontos bem direcionados,
que recuados no governo anterior, tiveram a exemplo da Emenda nº 53 que alterou
novamente uma participação estratégica alguns artigos da Constituição (7º, 23, 30,
em todo esse cenário político que possibi- 206, 211 e 212), assim como, o art. 60 do
litou uma ação qualificada desses grupos, Ato das Disposições Constitucionais Tran-
uma vez que atentos às oportunidades con- sitórias. Estas alterações constitucionais
siderando as bases políticas estabelecidas eram importantes, visto que permitiram ao
com a conjuntura interna e externa permi- governo federal assumir certas responsabili-
tindo a inclusão do tema na agenda. dades para com a EJA que haviam sido mo-
Assim, o governo federal desta vez não só dificadas com a criação do FUNDEF, o qual
retomou a oferta orgânica da educação de deixou de financiá-la como mencionamos.
jovens e adultos, assumindo a responsabili- Assim com todo esse cenário de reformas
dade do financiamento, como trouxe uma na educação, o governo conseguiu aprovar
nova proposta baseada na luta de educa- diretrizes educacionais que trouxeram uma
dores. Estes vislumbravam uma educação outra dinâmica entre o papel do Estado e a
profissional integrada à educação básica, educação (BRASIL, 2007). Com as mudan-
e neste caso, estendida à EJA, o que repre- ças que também contemplaram a EJA, nas
sentaria nas palavras de Ciavatta (2012) a palavras de Dourado (2010) apresentaram
ampliação de espaços de formação para jo- um novo marco regulatório do direito so-
vens e adultos, com um grande diferencial cial à educação de jovens e adultos e possi-
que foi a inclusão da modalidade na Rede bilitariam a criação de programas para este
Federal de Educação Profissional e Tecnoló- segmento no combate à exclusão social.

gica (REPT). Tal iniciativa representou um Desta forma, o governo federal em um ce-
marco importante no avanço das políticas nário marcado por péssimos indicadores
para a EJA, pois romperia com a oferta das educacionais entre jovens e adultos, com
políticas de educação supletiva tão comum elevada taxa de desemprego dentro desse
na modalidade, objetivando um novo pro- segmento, somada à pressão dos grupos e

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setores ligados a defesa da EJA, tudo isso forma, elaborar alternativas que pudessem
compunha uma realidade que exigia uma articular as relações entre educação e traba-
solução distinta das que foram apresenta- lho, consistia em uma possível saída para
das pelo governo FHC, baseadas no encur- uma modalidade, na qual os sujeitos são
tamento da formação inicial, voltada para vistos de forma marginalizada. “são sujeitos
o mercado. A solução que será apresentada trabalhadores que estiveram afastados da
enquanto política pública materializada em escola e projetados no mundo do trabalho
54
um programa, como veremos, denominado como incapacitados e desprovidos de saber
Programa Nacional de Integração da Edu- profissional” (FERREIRA, 2012, p.115).
cação Profissional com a Educação Básica Com isso, o programa formulado pelo go-
na Modalidade Educação de Jovens e Adul- verno federal privilegiou em sua concepção
tos (PROEJA), promulgado pelo presidente o princípio da integração curricular como
Lula com o Decreto Nº 5.840 de 2006, trou- um dos aspectos centrais na tentativa de
xe entre seus pilares teóricos o desafio de combater os processos formativos aligeira-
educar jovens e adultos nos níveis funda- dos próprios das relações sociais de produ-
mental e médio na perspectiva da educação ção capitalista, como coloca Ferreira (2012,
profissional baseado na proposta de “currí- p.115): “[...] o Proeja insere-se na luta para
culo integrado” (PAIVA, 2012). que a formação humana não seja subordi-
Considerando, todo um conjunto de alter- nada às leis do mercado [...]”. Compreen-
nativas e soluções disponíveis para os pro- de-se dessa afirmação que as ideias, as quais
blemas já colocados, queremos relacionar permitiram a construção do programa con-
este segundo momento com a formulação templavam as percepções de educadores, e

do PROEJA. Desta forma, neste cenário, setores ligados à EJA, e sensíveis a condição

marcado por um grave problema da baixa humana, e não simplesmente ao mercado.

escolaridade do trabalhador e precária for- Desta forma, o PROEJA assimilou esse prin-
cípio no Documento Base:
mação profissional, a saída apresentada por
muitos educadores era justamente formu- A educação profissional e tecnológi-
ca comprometida com a formação de
lar alternativas que pudessem melhorar a
um sujeito com autonomia intelectual,
formação de milhares de brasileiros encon-
ética, política e humana exige assumir
trados no limiar do XXI, sem condições mí-
uma política de educação e qualifica-
nimas de sobrevivência diante de uma rea- ção profissional não para adaptar o tra-
lidade estritamente perversa marcada como balhador e prepará-lo de forma passiva
afirmam Frigotto e Ciavatta (2011, p.620): e subordinada ao processo de acumula-

“[...] desemprego, subemprego, terceiriza- ção da economia capitalista [...]. (BRA-


SIL, 2007, p.32)
ção, trabalho precário, desregulamentado,
fazem crescer a pobreza, senão a miséria, Assim, a superação das propostas de for-
nos países não desenvolvidos [...]”. Desta mação comprometidas com o mercado, em

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princípio, foi algo previsto na formulação seu percurso, como ressalta o Documento
do PROEJA, com base no consenso entre Base: “A formação assim pensada contri-
governo e os movimentos de defesa da EJA, bui para a integração social do educando, o
como destaca Ferreira (2012). Foi fruto da que compreende o mundo do trabalho sem
forma conciliatória com a qual o governo resumir-se a ele, assim como compreen-
Lula buscou tratar os problemas estruturais, de a continuidade de estudos” (BRASIL, N
como diz Ferreira (2012, p.1): “[...] articu- 2007, p.35). Somado a toda essa solução,
55
lar uma extensa agenda de debates com a o outro elemento inovador do programa
sociedade civil a respeito dos problemas estava com a promulgação do Decreto nº
sociais [...]”. Desta forma, o governo pode 5.840\2006 que reservou 10% das vagas
dialogar melhor com setores ligados à EJA, dos IFs para a EJA, o que significaria abrir
e formular as alternativas para o problema um espaço de excelência na educação pro-
da baixa escolaridade e a falta de qualifi- fissional para sujeitos que estavam impedi-
cação, assumindo uma nova concepção de dos de adentrar neste espaço.
programa para a modalidade: Desta forma, a inserção da educação de jo-
Por essa perspectiva, discutir uma polí- vens e adultos na agenda governamental,
tica de educação profissional integrada perpassou não apenas um processo linear,
ao ensino médio na modalidade EJA mas um complexo de conflitos para a per-
implica discutir também a concepção
cepção do problema. Também as mudan-
de educação continuada de cunho pro-
ças operadas dentro do governo, a exemplo
fissional, para além da educação básica,
da coordenação e formulação do programa
ou seja, especializações profissionais
pela professora Jaqueline Moll, educadora e
em programas de participação social,
cultural e política (BRASIL, 2007, p.34). especialista na área da educação de jovens e
adultos. Todas as interações entre estes dife-
A formulação do PROEJA compreendeu
rentes fatores e a confluência deles possibi-
em seu desenho, uma perspectiva profun-
litaram não somente o reconhecimento da
damente distinta de tudo o que historica- questão como problema, mas a formulação
mente foi oferecido à modalidade, pois a de um programa profundamente articula-
proposta como podemos perceber abriu es- do com os anseios de vários especialistas na
paço para inúmeras possibilidades de itine- área de educação. Citamos ainda os grupos
rários formativos, através do currículo inte- de defesa da EJA, os quais viram no progra-
grado, superando as formulações anteriores ma uma oportunidade de acolhimento e in-
que vislumbravam apenas a alfabetização. clusão de milhares de jovens e adultos sem
O programa trouxe de forma inovadora a acesso à educação de qualidade e ao mundo
condição de possibilitar ao trabalhador não do trabalho, e mais submetidos ao intenso
apenas a formação profissional, pensada processo de exploração e degradação social,
nos moldes anteriores, mas uma concep- fruto da negação histórica de seus direitos
ção em que o mesmo não seja limitado em principalmente ao direito à educação.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Portanto, o retorno da EJA à agenda polí- permitindo aos jovens e adultos atendidos
tica do governo federal, quanto a formula- por meio desses programas o resgate de so-
ção do Proeja resultou de um longo proces- nhos e projetos de vida que incluiam no-
so de lutas pelo direito de jovens e adultos vos itinerários formativos capazes, muitas
continuarem seu processo formativo. Pois, vezes, de romper com a opressão e exclusão
como vimos, as idas e vindas sofridas pela a que estão submetidos sistematicamente
modalidade revelaram todo o descaso por em nossa sociedade.
56
parte dos governos brasileiros anteriores,
uma vez que dois presidentes eleitos não 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
estavam interessados nessa modalidade,
Ressaltamos a importância do tema abor-
passando por um outro momento da nos-
dado, uma vez que envolveu o tratamento
sa história que permitiu a rearticulação dos
de um dos segmentos na educação mais in-
movimentos ligados à defesa da EJA. Assim,
visibilizados pelo Estado. Comprometendo
passou a alcançar condições políticas fun-
sistematicamente sua inclusão na agenda
damentais para pressionar o governo ga-
e a oferta de políticas públicas, pois como
rantindo maior visibilidade da modalidade.
tivemos a oportunidade de verificar, a edu-
Além disso, propôs a construção de uma
agenda que contemplasse a formulação de cação de jovens e adultos não esteve entre

um programa que visava atender os traba- os problemas devidamente reconhecidos

lhadores jovens e adultos; ou seja, atender na agenda política no final do século XX e


os principais afetados desse contexto de início do século XXI. Como reiteradamen-
reestruturação produtiva do capital, que te mencionamos no trabalho, destacamos
cada vez mais restringia as oportunidades os governos de Fernando Collor de Melo e
de inserção dos sujeitos no mercado de Fernando Henrique Cardoso, pois tanto em
trabalho, muitas vezes, submetidos à ex- um quanto no outro, vimos como ponto
ploração e mantidos em injustiças sociais central de convergência em suas reformas,
historicamente estabelecidas pelo processo programas e ações o descaso com a edu-
de formação do Brasil. Logo, as lutas reali- cação de jovens e adultos. Contribuindo
zadas por diversos movimentos sociais no com o aumento significativo no número
contexto socioeconômico e político bra- de pessoas analfabetas e sem qualificação
sileiro foram decisivas para as mudanças profissional no país. Assim, em que pese o
paradigmáticas no atendimento da moda- envolvimento da sociedade através de im-
lidade, abrindo espaço para um novo mo- portantes organizações de defesa da educa-
delo de políticas de educação para EJA, o ção pública e de qualidade, o que identifica-
que permitiu a diversificação da oferta de mos nos governos foram profundas lacunas
oportunidades de aprendizagem, uma vez no atendimento de milhares de brasileiros,
que essas ações foram inseridas nas políti- a negação do direito à educação, a amplia-
cas mais estruturantes da educação básica, ção crescente de trabalhadores precarizados

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e ausência de reconhecimento da formação de oferta da EJA. Como vimos, a percepção
de jovens e adultos como uma prioridade. de uma questão em um problema na agen-

Desta maneira, o cenário nacional apresen- da política perpassou um processo comple-

tado foi de profundo processo tentativa de xo de articulação de distintos fatores, como

isolamento da pressão sociedade civil, de a presença maior dos movimentos sociais

desqualificação, esvaziamento das forças so- de defesa da EJA na interlocução com o go-

ciais que lutavam por manter as conquistas verno, com a presença de importantes indi-
57
advindas com a Constituição de 1988, em cadores como o crescente aumento do nú-

um claro movimento de reação aos direitos mero de jovens e adultos sem trabalho, sem

conquistados, com vistas à manutenção de formação profissional e baixa escolaridade,

certos privilégios e apartações na sociedade. em um contexto do capital global, marcado

Além disso, vimos as manobras que tiraram o por um brutal processo de exclusão, explo-

financiamento da EJA, deixando a modalida- ração do trabalhador, baixos salários e de

de, as parcerias e o voluntariado numa atitu- grande precarização da vida.

de nítida de perda de centralidade na agenda Assim, a luta por ampliação das políticas de
reformista. As dificuldades como mencio- atendimento na EJA, a formulação de pro-
namos das entidades de luta pela defesa da gramas que respeitassem as especificidades
educação de jovens e adultos eram imensas, de aprendizagem dos educandos, a inclu-
graves, pois, elas experimentavam as contra- são da modalidade de educação de jovens e
dições frente a lógica da chamada economia adultos na agenda governamental, o retor-
global e sua ênfase na reestruturação do ca- no do financiamento da modalidade foram
pital, na desregulamentação do mercado de passos importantes nesse novo contexto de
trabalho, o que incrementou medidas de correlações de forças. Tudo isso, consistiu
maior concentração de riquezas, dificuldades apenas numa primeira vitória para a EJA
à universalização de políticas sociais de aten- no governo Lula. A rearticulação das forças
políticas e sociais progressistas em tono de
dimento aos mais vulneráveis.
um novo projeto societário era apontado
Mas, a vitória de um governo formado por como uma necessidade de valorização e
uma aliança de centro-esquerda, possibili- do reconhecimento dos direitos de todos
tou algumas mudanças importantes no que à educação. Além disso, fazia-se necessária
diz respeito ao trato do governo com os a formulação de um programa que de fato
movimentos sociais e na compreensão da pudesse romper com uma lógica de progra-
educação de jovens e adultos. Isso nos pos- mas apenas focado na alfabetização. A ideia
sibilitou entender algumas dinâmicas im- de vários educadores estava na proposta de
portantes para inclusão do tema na agenda integração da educação e trabalho através
governamental e a formulação do PROEJA, de um programa capaz de possibilitar um
enquanto uma demanda de setores que co- processo formativo do trabalhador permi-
locavam a necessidade de um novo modelo tindo a construção de seu itinerário.

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Desta forma, entendemos que a solução movimentos de defesa da modalidade, que
apresentada dentro do contexto brasileiro representaram uma grande conquista, uma
durante o governo Lula, representou um vez que o objetivo do governo era garantir
grande salto, uma vez que os princípios maior perenidade com a política relaciona-
que nortearam a formulação vinham sen- da à EJA. Desta forma, a oferta orgânica com
do defendidos por educadores e especia- todo o sistema de ensino do país represen-
listas que entendiam a necessidade de for- tou uma vitória, uma vez que a EJA havia
58 mação de um trabalhador, cujo processo ficado de fora das reformas anterioriores, e
formativo não atendesse de forma restrita nesse momento um avanço importante foi
o capital, mas olhasse para o trabalhador obtido com a mobilização das forças de de-
na perspectiva da autonomia e da formação fesa dessa modalidade.
continuada. Com isso, o governo não ape-
Portanto, o contexto que possibilitou a rein-
nas retomou o princípio do trabalho como
formativo, mas formulou um programa serção da EJA na agenda política, a formula-
que apontou para a superação da dicoto- ção do PROEJA representou um passo à fren-
mização da educação no Brasil, e também te no que tange ao atendimento de milhares
inseriu o programa na Rede Federal de Edu- de jovens e adultos marcados pela baixa es-
cação Tecnológica, o que representou um colaridade e sem qualificação profissional,
grande avanço, dada a impossibilidade de visto que o programa objetivou dentro de
inclusão desse segmento anteriormente na certos limites, e respeitando certos determi-
Rede Federal de Educação. nantes históricos reverter uma dívida social
histórica com os segmentos mais esquecidos
Assim, a formulação do programa con-
e marginalizados em nosso país. Desta for-
seguiu superar o modelo historicamente
ma, reconhecemos a importância dos mo-
dominante de oferta de programas, ações
vimentos sociais no processo de construção
para a educação de jovens e adultos, sim-
do programa, na concepção de uma educa-
bolizado prioritariamente pela luta contra
o analfabetismo, e no geral, com as cha- ção popular que respeite aqueles que serão
madas campanhas de alfabetização. O pro- atendidos e que de fato esteja comprome-
grama resgatou em sua formulação princí- tida com valores que possibilitem a supera-
pios necessários para a construção de uma ção de mazelas e injustiças sociais que estru-
educação emancipatória e radicalizou ao turalmente condicionam e condicionaram
articular os cursos de educação profissional o nosso país. São formas hierarquizadas e
com a educação média. Com a conjuntura opressoras de relações sociais que precisam
do governo Lula, em que pese as contradi- ser quebradas, mas exigem a participação
ções, e os limites, considerando o contexto de todos, com destaque para aqueles que
socioeconômico e político brasileiro de al- entendem o valor da construção coletiva, e
gumas permanências nas políticas macroe- ajudem na formulação de outras realidades
conômicas, mas no campo da EJA avanços possíveis capazes de realmente atender a to-
foram alcançados com a mobilização dos dos os brasileiros.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


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ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.947
Recebido em 31/07/2020; Aceito em 04/04/2021; Publicado na web em 24/07/2021

Saneamento inadequado em Carolina -


MA: estudo de caso no bairro Brejinho
Leonardo Oliveira da Silva Coelho1;
Jaciara Santos da Conceição2;
Louize Nascimento3;
Rogério Taygra Vasconcelos Fernandes4; 61
Jônnata Fernandes de Oliveira ; 5

1 Mestre em Sociologia (UFMA); Professor do Instituto Federal do Maranhão - IFMA, Campus Avançado Carolina;
E-mail: leonardo.coelho@ifma.edu.br;

2 Técnica em Meio Ambiente pelo Instituto Federal do Maranhão - IFMA, Campus Avançado Carolina; E-mail: jaciarajayme123@gmail.com;

3 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) na Universidade Federal do Ceará -
UFC, Campus do Pici; E-mail: louizenscmt@gmail.com;

4 Doutor em Ciência Animal (UFERSA); Professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA, Campus Central;
E-mail: rogerio.taygra@ufersa.edu.br;

5 Doutor em Ciência Animal (UFERSA); Professor do Instituto Federal do Ceará - IFCE, Campus Jaguaribe; E-mail: jonnata.oliveira@ifce.edu.br;

RESUMO
O esgoto é toda a água residual proveniente de vários usos, como banho, lavagem de lou-
ça, roupas, higienização bucal etc. No Brasil, a precarização das instalações de saneamento
básico é muito grave: quase metade da população vive em cidades sem redes de tratamen-
to de esgoto. O problema das instalações sanitárias no país causou muitas doenças e danos
à população e ao meio ambiente. Neste estudo, analisou-se a precariedade do saneamento
no bairro Brejinho, na cidade de Carolina, Maranhão, e seu impacto na vida dos mora-
dores. Para isso, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, que teve como intuito trazer um de-
bate sobre o tema em contexto mais amplo, relacionando-o com uma pesquisa realizada
com moradores deste bairro, mediante aplicação de questionário, em novembro de 2018.
A partir desses materiais obtidos, pôde-se fazer uma interpretação a respeito dos dados
coletados. Assim, concluiu-se que a coleta e a destinação correta do esgoto, além da sua
vital importância, trazem benefícios para a população envolvida, pois a precariedade de
saneamento gera muitos transtornos e pode trazer doenças. Ainda foi possível identificar
que a população do bairro Brejinho não aprova as condições de instalação da rede de es-
goto pelos impactos que geram. As instalações estão localizadas nas proximidades das re-
sidências e do rio Tocantins, onde fortes odores perturbam os moradores. Isto implica em:
potenciais riscos à saúde e descaso com a população, por isso, é considerada inadequada.

Palavras-chave: Água residual, Doenças, Esgoto, Meio ambiente.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Improper sanitation in Carolina - MA:
case study in Brejinho neighborhood
ABSTRACT
The sewage is all residual water, which proceeds from various uses, such as bathing, washing
62 dishes, washing clothes, brushing teeth. In Brazil, the problem of the lack of basic sanitation
facilities is very serious: almost half of the population lives in cities without sewerage treatment
systems. The lack of sanitary facilities in the country has caused many diseases and caused
damage to the population and the environment. In this study, we analyzed the problem of
sanitation in the Brejinho neighborhood, in the city of Carolina, in Maranhão, and its impact on
the lives of residents. For this purpose, we used the bibliographic research, which aimed to discuss
about the theme in several aspects, and we also correlated the discussion through a survey that
was also conducted with residents of this neighborhood in November 2018. From these materials
obtained, an interpretation could be made about collected data. Thus, it was concluded that the
collection and correct disposal of sewage, in addition to their vital importance, they bring benefits
to the population involved, as the lack of sanitation generates many disorders and it can bring
diseases. It was also possible to identify that the population of the Brejinho neighborhood does
not approve the conditions for installing the sewerage system due to the disorders it generates.
The installations are located close to the houses and the Tocantins River, in which strong odors
disturb residents. It implies potential health risks and neglect with the population. Therefore, it
is considered inappropriate.

Keywords: Residual water, Diseases, Sewer, Environment.

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1 INTRODUÇÃO estão sem tratamento das águas residuais,
o maior número da região. Entre 2016 e
As águas residuais, conhecidas popular-
2018, portanto, a situação do saneamento
mente como esgoto, correspondem a toda
básico foi ainda mais agravada.
a água escoada, proveniente de vários tipos
de usos, tais como: banho, lavagem de lou- A rede de esgoto no bairro Brejinho, Caro-
ças e roupas, escovação de dentes, descarga lina, Maranhão, está localizada na entrada
de dejetos etc. (BAZZARELLA, 2005). Após do bairro, dentro de um terreno próximo 63
sua utilização, essa água residual tem suas às residências, pessoas e alguns animais. O
características alteradas, podendo trazer da- empreendimento também está próximo ao
nos ao meio ambiente (ALVES, 2014). As- rio Tocantins, o que poderá trazer prejuízo
sim, é importante que as águas utilizadas à população, como doenças parasitárias e
nas residências sejam devidamente trata- infecciosas. Além disso, o esgoto vai acabar
das, para que esse líquido não seja poluen- poluindo o solo, afetando o bairro como um
te para os seres vivos, incluindo o homem todo. Situações como esta ocorrem em todo
(PIVELLI, 2013). país, onde “a precariedade nos sistemas de

O problema da falta de saneamento básico abastecimento de água, esgotamento sani-

é enorme no Brasil. Segundo dados do Por- tário [...], se constituem em ameaças à saú-

tal Saneamento Básico (2016), quase meta- de da população, sobretudo para as pessoas

de da população (~ 45%) vive em cidades mais pobres dos países em desenvolvimen-


sem rede de tratamento de esgoto. No Nor- to” (KRONEMBERGER et al., 2011). Tal pre-
deste, por exemplo, de toda a água prove- cariedade no contexto do bairro Bejinho
niente do esgoto, somente 28,8% é tratada, será descrita ao longo do texto.
ou seja, menos da metade de fato recebe o Diante deste entendimento, de que a preca-
devido tratamento (PORTAL SANEAMEN- riedade das redes de esgoto é um problema
TO BÁSICO, 2016). Essa falta de saneamen- generalizado, é fundamental não se perder
to no país gera muitos transtornos e danos de vista que a disposição adequada do es-
à população e ao meio ambiente. goto é essencial para saúde humana. Isso
Dados mais atualizados do Painel Sanea- nos leva a questionar quais os impactos
mento Brasil, cuja última informação se causados à população pela falta de sanea-
refere ao ano de 2018, mostram que estes mento básico. Sabe-se que o saneamento é
números subiram, ou seja, não houve me- importante para a saúde, tanto da popula-
lhoria suficiente nos serviços de saneamen- ção quanto do meio ambiente, assim, este
to básico, isto é: 46,9% da população bra- estudo trata de como a população é afetada
sileira não tem coleta de esgoto. Na região pela inadequação da rede de esgoto do bair-
nordeste, apenas 28% da população o tem. ro Brejinho e os possíveis danos causados
No estado do Maranhão, 86,2% das pessoas aos moradores locais.

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Os objetivos do trabalho foram: verificar o conhecimento de moradores sobre os impactos
negativos causados pela rede de esgoto no bairro Brejinho, localizado na cidade de Caro-
lina, Maranhão; descrever tais impactos causados pelo esgoto no bairro Brejinho; discutir
sobre a relação dos moradores com a ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) do bairro;
avaliar o conhecimento de moradores do bairro sobre as fontes de esgotos;

64
2 METODOLOGIA
A cidade de Carolina (Figura 1), onde este estudo foi realizado, está situada no Estado do
Maranhão. Um dos três municípios do Parque Nacional da Chapada das Mesas, muito
conhecida por seus atrativos e potencial turístico (CIDADE-BRASIL, 2018). O município
conta com 23.979 habitantes. Em relação ao saneamento básico, Carolina tem apenas
28,3% de esgotamento sanitário adequado, segundo IBGE (2017), caso que merece aten-
ção pelo seu baixo percentual de adequação sanitária.

Figura 1: Localização do município de Carolina, estado do Maranhão.

Fonte: Autores, 2020.

Diante disso, para identificação e análise dos impactos causados pela falta de saneamento no
bairro Brejinho, procedeu-se a um trabalho de pesquisa. Tal pesquisa teve abordagem quan-
titativa e caráter descritivo. O levantamento e a coleta de dados foram realizados por meio

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de questionário, com o intuito de responder precário, razões pelas quais os moradores
às principais questões apresentadas. Nesta as repudiam.
pesquisa, os dados foram coletados junto a
Figura 2: Respostas dos 30 entrevistados em
moradores do bairro Brejinho, Carolina, MA.
relação à aceitação da implantação da rede
Os participantes, total de 30 moradores, res-
de esgoto no Bairro Brejinho, Carolina-MA,
ponderam ao questionário de autopreenchi-
em condições consideradas inadequadas.
mento. Os dados foram tabulados e os gráfi-
65
cos gerados no software Excel 2010.

3 RESULTADOS E
DISCUSSÃO
A pesquisa foi respondida por 30 morado-
res do bairro Brejinho, Carolina, Maranhão.
Compõem os respondentes homens e mu- Fonte: Autores, 2020.
lheres. Através dos dados obtidos, tivemos
Em relação à rede coletora de esgoto (Figura
como informação: a maior parte dos mora-
3), a maioria dos entrevistados (81,6%) afir-
dores (76,6%) respondeu que não é a favor
mou que suas residências não estão ligadas
das atuais condições de implementação da
a rede coletora, o que revela que a maioria
rede de esgoto do bairro (Figura 2). Assim
dos moradores do bairro Brejinho não está
procederam, apesar de afirmarem que o
sendo beneficiada com a ETE ali instalada;
principal fator negativo é a falta de sanea-
e apenas 18,4% têm suas residências liga-
mento. Precisam de saneamento, mas não
das à rede de esgoto do bairro. A respeito
são favoráveis à forma determinada pelo
da destinação da rede de esgoto, ou seja,
poder público para instalação da rede de
para onde é levado, se é tratado ou lança-
esgoto no bairro. Uma possível explicação
do no rio, a maior parte dos entrevistados
para esse questionamento são as péssimas
(84,2%) respondeu que não tem conheci-
condições do saneamento em todo o Bra-
mento; e apenas 15,8% responderam que
sil, sem levar em consideração as particula-
sabem a destinação do esgoto (Figura 4).
ridades de cada local. Como afirmado por
O que mostra uma falta de informação e
Carlos (2016, p.01): “não há infraestrutura
de envolvimento dos moradores do bairro
mais atrasada no Brasil do que a falta de sa-
com o poder público, sobre a responsabili-
neamento básico, em especial a carência no
dade coletiva em relação à eliminação das
atendimento de água tratada, coleta e trata-
águas residuais no meio ambiente e as gra-
mento dos esgotos”. No caso de Brejinho,
ves consequências que isto traz.
as instalações estão próximas às áreas de
moradia da população e ao rio Tocantins, Ecossistemas aquáticos como a nascente
além do serviço prestado ser considerado Lava Cara e o rio Tocantins, em Carolina,

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sofrem impactos causados por ações hu- perceber que não há muita preocupação por
manas. Dados do Instituto Maranhense de parte dos moradores sobre o respectivo as-
Estudos Socioeconômicos e Cartográficos sunto, visto que quase 75% dos responden-
(IMESC) apontaram que, em 2010, apenas tes da pesquisa não têm informações sobre o
10% dos domicílios de Carolina possuíam lançamento de esgoto nas proximidades das
esgotamento sanitário. Quer dizer, a maior residências e do rio Tocantins.
parte lança os dejetos in natura, em quanti-
66 Figura 4: Respostas dos 30 entrevistados
dades consideráveis, depositadas no rio To-
sobre a ligação das residências na rede de
cantins, atingindo, sobretudo a população
esgoto no Bairro Brejinho, Carolina-MA.
ribeirinha e aqueles que vivem na periferia
(MUNIZ, 2018, p. 93). Desta forma, a saúde
humana é prejudicada, colocada em risco,
pois as pessoas estão expostas, em contato
com ambientes poluídos, potencialmente
causadores de doenças.

Figura 3: Estação de Tratamento de esgo-


to localizada no bairro Brejinho, Carolina,
Maranhão. Fonte: Autores, 2020.

O tema saneamento básico não se limita


a uma questão de meio ambiente e saúde.
Também tem a ver com o exercício de cida-
dania (SOUZA, 2016). Os moradores preci-
sam estar envolvidos com este problema de
forma mais ampla, para que possam se or-
ganizar coletivamente para reivindicarem
Fonte: Autores, 2020. seus direitos. Já houve pequenas manifesta-

Quando indagados sobre possíveis vazamen- ções da comunidade do Brejinho, mas não

tos advindos da rede de esgoto (Figura 5), foram suficientes para resolver essa ques-

73,7% dos moradores responderam que não tão. Os moradores precisam estar cada vez
têm conhecimento a respeito de vazamen- mais cientes dos riscos de um saneamento
tos próximos às suas residências, e 26,3% inadequado. Não se pode, porém, culpabi-
disseram ter algum tipo de vazamento pró- lizar a comunidade, pois o poder público
ximo às suas casas. Informação importante, precisa estar interessado em, juntamente
pois isto implica em risco para saúde destes com os moradores, criar mecanismos que
moradores afetados, como a proliferação de resguardem o meio ambiente e, consequen-
doenças parasitárias e infecciosas. É possível temente, a saúde das pessoas.

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Figura 5: Respostas dos 30 entrevistados coletivo que nenhum cidadão deveria sen-
sobre a existência de vazamentos na rede tir. Como se vê, não são poucas as razões
de esgoto no Bairro Brejinho, Carolina-MA. que justificam a insatisfação das pessoas
que vivem no Brejinho em relação às con-
dições de instalação da ETE no bairro.

Figura 7: Respostas dos 30 entrevistados


sobre o odor liberado pela Estação de Tra- 67
tamento de Esgoto no Bairro Brejinho, Ca-
rolina-MA.

Fonte: Autores, 2020.

Com relação à destinação inadequada do


esgoto, 44,7% dos moradores afirmaram
que o esgoto é lançado em local inadequa-
do, 55,3% responderam não ter conheci-
mento do local da destinação da rede de
esgoto (Figura 6). Fonte: Autores, 2020.

Figura 6: Respostas dos 30 entrevistados No ano de 2007, foi promulgada a Lei Na-
sobre o lançamento inadequado de esgoto cional de Saneamento Básico, Lei Federal
no Bairro Brejinho, Carolina-MA. nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (BRASIL,
2007), que estabelece que os serviços públi-
cos de saneamento básico devem ser pres-
tados com base em alguns princípios fun-
damentais, destacando-se a universalização
do acesso aos serviços. A lei 11.445 aborda
as especificidades de cada um dos serviços
de saneamento, sendo assim definidos:
Fonte: Autores, 2020. abastecimento de água; esgotamento sani-

Quanto ao incômodo com o odor vindo da tário; limpeza urbana e manejo de resíduos

estação de tratamento de esgoto (Figura 7), sólidos; drenagem e manejo das águas plu-

72% dos moradores disseram que se inco- viais urbanas (BRASIL, 2009). Então, o que

modam com o mau cheiro, enquanto 28% os moradores do Brejinho reivindicam é

afirmaram não se incomodar. Viver num apenas que seus direitos sejam respeitados

bairro onde o mau cheiro, oriundo da ETE, de acordo com suas necessidades.

incomode diariamente a maior parte dos Outro assunto preocupante, diretamente


moradores, certamente traz um transtorno relacionado à falta de saneamento básico,

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diz respeito às doenças ou problemas que Ao serem questionados sobre a retirada da
possam estar relacionados diretamente à estação de tratamento de esgoto do bair-
inadequação do tratamento do esgoto (Fi- ro (Figura 9), grande parte dos moradores
gura 8). Neste caso, os moradores (56%) (66%) demonstrou interesse, e apenas 34%
afirmaram que em suas famílias não sur- deles não se opuseram a respeito. Um dos
giu nenhuma doença decorrente do con- principais motivos apontado pelos mora-
tato com o esgoto; e 44% disseram ter em dores para não aceitação daquela estação
68
sua família alguma doença relacionada ao de tratamento do esgoto é que a mesma
problema do esgoto, percentual alto, aco- não fornece saneamento adequado, o que
metendo quase metade dos entrevistados. gera transtornos à população, tais como:
Número que serve para alertar o poder pú- poluição das vias e do solo, odor forte e po-

blico, que deve reconhecer a existência des- tenciais doenças. Quer dizer, a existência da

te problema para tratá-lo como uma ques- ETE no bairro, segundo os moradores, não
faz sentido, pois não está cumprindo seus
tão de saúde pública.
propósitos que justificariam sua presença.
Gonçalves (2015), em seu artigo de revisão,
Essas condições em que a estação de trata-
listou algumas das doenças mais comuns
mento de esgoto foi implantada no bairro
transmitidas através do esgoto: Febre Ti-
Brejinho, segundo os moradores, trouxeram
fóide; Febre Paratifóide; Shigeloses; Cólera;
muitos malefícios, visto que há inadequa-
Hepatite A; Amebíase; Giardíase; Leptos-
ções que geram transtornos para as famílias
pirose. Inúmeras outras doenças também
que vivem naquela localidade. Entre os prin-
são causadas pela falta de tratamento de
cipais fatores citados, destacam-se: a falta de
esgoto, como: poliomielite, diarréia por ví-
saneamento, odor forte nas proximidades
rus, ancilostomíase (amarelão), ascaridíase
de residências, inadequações na destinação
(lombriga), teníase, cisticercose, filariose
final dos resíduos, e o risco à saúde dos mo-
(elefantíase), esquistossomose etc.
radores, que se sentem ameaçados em rela-
Figura 8: Respostas dos 30 entrevistados ção às doenças que podem surgir em função
sobre doenças adquiridas a partir do esgoto do empreendimento no local.
no Bairro Brejinho, Carolina-MA. Na opinião dos moradores é inaceitável que
o esgoto fique tão próximo às residências e
também ao rio. Para eles é falta de respeito
com a população e com o meio ambiente,
pois além do risco de poluição do rio, existe
ainda a possibilidade de haver propagação
de doenças, devido à inadequação da esta-
ção de tratamento. Portanto, os moradores
Fonte: Autores, 2020. querem e precisam de uma ETE, mas lutam

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para que este serviço não seja implantado em função dos transtornos a eles causados.
de qualquer forma, sem levar em conside- Sendo assim, é visível que a falta de sanea-
ração as particularidades do local. Temem mento e adequação correta do esgoto se torna
pelo agravamento da situação no bairro, um problema tanto para a população afeta-
onde as pessoas já sofrem pelo precário da, quanto para o meio ambiente. Conforme
abastecimento de água e coleta de esgoto. citados pelos autores expostos neste estudo,
a precarização do sistema de saneamento no
Figura 9: Respostas dos 30 entrevistados 69
Brasil traz ameaça a todos os envolvidos.
sobre o interesse da retirada da Estação de
Tratamento de Esgoto no Bairro Brejinho, Esta precariedade está ainda mais eviden-
Carolina-MA. ciada com o advento da pandemia que se
alastrou pelo mundo neste ano de 2020.
Estudos estão detectando a presença do
SARS-CoV-2, o novo coronavírus, causador
da COVID-19, nos esgotos. Atingindo, so-
bretudo a população mais pobre, que vive
em localidades onde o saneamento bási-
co não funciona. De acordo com o Portal
Saneamento Básico, um estudo publicado
Fonte: Autores, 2020.
pelo Conjuscs (Observatório de Políticas
Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
da USCS – Universidade Municipal de São
Diante do exposto neste estudo, pode-se Caetano do Sul), alerta sobre a necessidade
afirmar que é de extrema importância a de se rastrear o novo coronarívus nos es-
questão do saneamento básico, pois a falta gotos, pois várias pesquisas efetivadas em
desse serviço traz diversos impactos à po- diferentes países, incluindo pesquisadores
pulação, prejudicando o meio ambiente, a brasileiros, conseguiram comprovar a pre-
saúde pública e o bem-estar social. Trata-se sença do novo SARS-CoV-2 em águas resi-
de um problema que se estende a todo o duais.
território brasileiro, sendo necessária cons-
Na cidade de Carolina, o bairro Brejinho
tante atenção e ação imediata para que as
é um dos bairros periféricos mais afetados
devidas providências sejam tomadas, a fim
pela falta de saneamento básico adequado.
de minimizar os impactos negativos causa-
A população já fez protestos, reivindicando
dos em função da carência do saneamento.
seus direitos de cidadãos, reportando-se ao
Através dos dados obtidos na pesquisa, foi poder público para a garantia de água e sa-
possível identificar que a população se sente neamento básico, que de fato respondam às
insatisfeita com a forma de implantação da suas necessidades. A estação de tratamento
estação de tratamento de esgoto no bairro, de água lá implantada é razão de várias crí-

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ticas, pois como vimos, a população denuncia estar sendo prejudicada e não beneficiada.
O que gera uma indagação: como uma ETE poderia afetar a comunidade, se sua grande
reivindicação é o tratamento de esgoto?

Por fim, é importante mencionar que, antes da implantação da rede de tratamento de


esgoto, a população se dirigia às margens do rio Tocantins, utilizava a chamada “beira
rio” para o lazer, mas em função da implantação da rede de esgoto no bairro e à falta de
70 saneamento adequado, não é possível que moradores realizem essas atividades, devido à
contaminação da água causada pela falta de saneamento. Uma enorme incongruência,
pois se espera que uma ETE solucione o problema da falta de saneamento. Se, hipoteti-
camente, a ETE funciona bem, por que a maior parte dos moradores, como apontou esta
pesquisa, deseja que ela seja retirada do local onde foi instalada?

Informações mais atuais, extraídas do site da prefeitura municipal de Carolina, indicam


que em 2019 a Prefeitura deste município, o SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) e
o CESTE (Consórcio Estreito Energia) celebraram a assinatura do termo de acordo firmado
judicialmente em relação a duas Estações de Tratamento de Esgoto de Carolina, com a re-
cuperação do córrego Lava Caras, cujo objetivo foi ampliar o número de domicílios aten-
didos pelo serviço de esgotamento sanitário. Espera-se, com isto, reduzir o escoamento de
resíduos nos ecossistemas aquáticos da cidade e, consequentemente, promover a saúde
pública da população socialmente vulnerável. Quanto mais pessoas receberem adequados
serviços de saneamento, portanto, em condições que atendam às suas necessidades con-
cretas, mais qualidade de vida será garantida.

Não há dúvida, é essencial que a rede de esgoto funcione adequadamente para saúde dos
moradores do local, atendendo de fato às necessidades de todos. Assim, essa pesquisa
realizada no bairro Brejinho, no município de Carolina, Maranhão, será importante para
alertar a população da cidade sobre os possíveis impactos do esgoto na saúde e bem-estar
dos moradores do bairro. No entanto, pesquisas de campo mais aprofundadas deverão
ser realizadas para que se possa compreender a controversa presença da ETE e seus efeitos
para a comunidade do bairro Brejinho.

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ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


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ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.952
Recebido em 31/07/2020; Aceito em 01/04/2021; Publicado na web em 24/07/2021

Caracterização química e comparação


entre hambúrguer artesanal e o
industrializado
Auxiliadora Cristina Correa Barata Lopes1;
Ingrid Brandão Reinaldo2;
73
Nayara Pereira Lima3;
Ana Maria Silva4;
Elisângela Gonçalves Firmino5;
Nívea Maria Vieira Melo5;

1 Professor orientador. Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal - Bionorte; E-mail: auxiliadorabarata@hotmail.com;

2 Estudante do Curso de Zootecnia Bacharelado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus São
Luís-Maracanã; E-mail: ingridbrandao1708@gmail.com;

3 Estudante do Mestrado em Ciência de Alimentos pela Universidade Estadual de Londrina; E-mail: nayaralima.ppgca@uel.br;

4 Estudante do Curso de Tecnologia em Alimentos pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus
São Luís-Maracanã. E-mail: anama21silva@gmail.com;

5 Técnica em Agroindústria pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA), Campus São Luís-Maracanã.
E-mail: elisangelag435@gmail.com; niveademaria@gmail.com;

RESUMO
Os produtos cárneos disponibilizados no mercado oferecem teores de gorduras e de sódio
elevados, podendo conferir problemas de saúde, como a obesidade, doenças cardiovas-
culares e outras. O objetivo deste trabalho foi elaborar de forma artesanal o hambúr-
guer, realizar a caracterização físico-química do hambúrguer elaborado, assim como de
hambúrguer industrializado, identificando o teor de gorduras, proteínas, sódio, umidade,
cinzas e acidez, de acordo com IAL (2008), verificar se os valores estão conforme a Legis-
lação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e comparar os valo-
res obtidos do hambúrguer artesanal e o industrializado. Os resultados obtidos mostram
que o hambúrguer artesanal apresentou: gordura de 6,9%, proteínas de 19,58%, umidade
72,8%, cinzas 2,6%, sódio 2,86% e acidez 0,63%. Já o hambúrguer industrial exibiu: gor-
dura de 13,7%, proteínas de 15,11%, umidade 67,9%, cinzas 2,5%, sódio 3,26% e acidez
0,69%. Em linhas gerais, a preparação artesanal do hambúrguer confere um alimento com
menor conteúdo de gordura, de sódio e de ácidos. Além de um maior teor de proteínas,
de cinzas e de umidade. Assim, os valores encontrados estão de acordo com a Legislação
e comprovou-se que a elaboração artesanal traz melhores resultados em relação à manu-
tenção da saúde do consumidor.

Palavras-chave: Hambúrguer. Aditivos cárneos. Industrialização. Artesanal.

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Chemical characterization and
comparison between the artisanal and
the industrialized hamburger
ABSTRACT
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The meat products available on the market offer high levels of fats and sodium, and can confer
health problems, such as obesity, cardiovascular diseases and others. The objective of this work
was to prepare the homemade hamburger, perform the physical-chemical characterization of the
hamburger, as well as the industrialized hamburger, and to identify the content of fats, proteins,
sodium, moisture, ashes and acidity, according to IAL (2008), it is to check if the values are
​​ in
accordance with the Legislation of the Ministry of Agriculture, Livestock and Supply (MAPA)
and to compare the values ​​obtained from artisanal and industrialized hamburgers. The results
obtained show that artisanal hamburger presented: fat of 6.9%, protein of 19.58%, moisture of
72.8%, ashes of 2.6%, sodium of 2.86% and acidity of 0.63%. On the other hand, the industrial
hamburger showed: fat of 13.7%, protein of 15.11%, moisture of 67.9%, ashes of 2.5%, sodium
of 3.26% and acidity of 0.69%. In general, the artisanal preparation of the hamburger gives
food with a lower content of fat, sodium and acids. In addition to a higher content of proteins,
ashes and moisture. Thus, the values found
​​ are in accordance with the Legislation and it has
been proved that the artisanal preparation brings better results in relation to the maintenance of
consumer health.

Keywords: Hamburger. Meat additives. Industrialization. Handmade.

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1 INTRODUÇÃO Tais componentes, como trazem riscos po-
tenciais, devem ter restrição na alimentação
O estilo de vida das pessoas atualmente
do consumidor. Dificilmente alcançaremos
propõe a seleção de alimentos mais práti-
esta meta se alimentos industrializados es-
cos, que ofereçam facilidade em seu prepa-
tiverem inseridos rotineiramente na dieta,
ro e consequentemente, no seu consumo.
pois os ingredientes citados são emprega-
Isso provoca o alto consumo de alimentos
dos pela indústria alimentícia, sendo im-
semi-prontos. 75
portantes para oferecer sensações sápidas e
Das opções ofertadas nas redes de fast food, demais características organolépticas dese-
ou nas gôndolas dos supermercados, tem- jadas para estes produtos ou para prolongar
-se em local de destaque o hambúrguer, um sua vida de prateleira.
produto atrativo para o público que procura
Com o intuito de propor alimentos mais
por alimentos prontos para o consumo ou
saudáveis, a elaboração própria, ou caseira,
que permite rapidez no seu processamento.
como costuma-se denominar, é uma alter-
O hambúrguer é definido na Legislação Bra- nativa interessante, pois possibilita regular
sileira como produto cárneo obtido da car- as quantidades de cada componente acres-
ne moída das diferentes espécies animais, centado. Tomando por base o alimento em
adicionado ou não de tecido adiposo e in- questão, o hambúrguer, este pode ser elabo-
gredientes, moldado e submetido a proces- rado reduzindo-se os teores ou até deixan-
so tecnológico adequado. Sendo que nesta do de acrescentar os ingredientes citados
composição pode-se adicionar condimen- (gordura e sódio), além disso, essa forma de
tos diversos, além de aditivos alimentares e elaboração ainda dispensa o uso de aditivos
coadjuvantes de tecnologia (BRASIL, 2017). alimentares, já que o foco é um alimento
Na formulação dos produtos industrializa- mais natural. Vale acrescentar que a elabo-
dos, assim como no hambúrguer, é comum ração caseira permite também selecionar
a inserção de altos teores de gordura e só- matérias-primas com valor nutricional de
dio, que estão relacionados à incidência qualidade, e no caso do hambúrguer, optar
de doenças crônicas, como: hipertensão, por carnes mais magras.

obesidade e problemas cardiovasculares A legislação prevê que os produtos cárneos


(OLIVEIRA; COELHO, 2013). Além disso, podem ser elaborados com carnes de diversas
também são inseridos os aditivos alimenta- espécies animais. No entanto, nota-se que,
res, e no caso de produtos cárneos curados, normalmente, a matéria-prima de produtos
acrescenta-se os conservadores nitratos e cárneos é de origem bovina ou de aves, mais
nitritos de sódio e potássio, que são adi- especificadamente, de frangos. Essas carnes
cionados intencionalmente aos alimentos são utilizadas na elaboração de produtos,
e conferem riscos à saúde do consumidor como hambúrgueres convencionais (bovino,
quando produzem substâncias canceríge- frango), e esses apresentam elevado nível de
nas, as nitrosaminas (DUTRA, 2009). gordura, que varia de 20 a 30%.

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Uma possibilidade de oferecer produtos (RIISPOA) conceitua as carnes como “as
com reduzido teor de gordura, seria utilizar massas musculares e os demais tecidos que
outros tipos de carnes, além das já utiliza- as acompanham, incluída ou não a base
das rotineiramente. Existem carnes, como óssea correspondente, procedentes das di-
por exemplo, a de caprinos, que é uma es- ferentes espécies animais, julgadas aptas
pécie de açougue, e que apresenta índices para o consumo pela inspeção veterinária
baixos de gordura, se comparada às carnes oficial” (BRASIL, 2017, p.15).
76 de suínos, bovinos e aves. Classificando-se
como uma carne mais magra (LISBOA; PE- A carne pode passar por determinados pro-
REIRA; CARVALHO, 2013). cedimentos, dando origem a seus deriva-
dos. Consta na literatura, que na definição
O consumo alimentar adequado, assim
de carnes são incluídos não apenas os pro-
como a redução do teor de sódio e de gor-
dutos in natura, mas também estes mesmos
dura, a restrição aos alimentos industria-
produtos processados, que são os chama-
lizados, dando prioridade aos naturais,
promove uma vida saudável e diminui a dos produtos cárneos.
incidência de doenças crônicas, que hoje Os Documentos Legais (BRASIL, 2017,
respondem a 72% das mortes no Brasil. p.16) definem produtos cárneos como:
Com base no que foi exposto, este estudo aqueles obtidos de carnes, de miúdos e
visou trabalhar com uma proposta mais de partes comestíveis das diferentes es-
saudável de hambúrguer, onde objetivou-se pécies animais, com as propriedades ori-
elaborar de forma caseira o produto cárneo ginais das matérias-primas modificadas

hambúrguer, realizar análises físico-química por meio de tratamento físico, químico

para determinar a composição do produto ou biológico, ou ainda pela combinação


destes métodos em processos que po-
elaborado, verificar se os valores encontra-
dem envolver a adição de ingredientes,
dos estão de acordo com o previsto na Legis-
aditivos ou coadjuvantes de tecnologia.
lação do Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento (MAPA) e comparar os va- Esses produtos podem ser de tipos diferen-
lores obtidos do hambúrguer artesanal e o tes, de natureza diversa e elaborados com
hambúrguer industrializado, a fim de com- carnes variadas dos animais previstos no
provar que a elaboração caseira pode trazer RIISPOA, tais como as espécies de açougue,
resultados mais interessantes em relação à que são “os bovídeos, equídeos, suídeos,
manutenção da saúde do consumidor. ovinos, caprinos, lagomorfos e aves domés-
ticas, bem como os animais silvestres cria-
2 FUNDAMENTAÇÃO dos em cativeiro, [...].” (BRASIL, 2017, p.3).
TEÓRICA
Dos diversos produtos cárneos previstos
2.1 Carne e produtos cárneos para elaboração pelo RIISPOA, pode-se ex-
o Regulamento da Inspeção Industrial e trair: almôndega, quibe, linguiça, morta-
Sanitária de Produtos de Origem Animal dela, salsicha, presunto, salame, pepperoni,

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bacon, patê, charque, hambúrguer, entre de coloração rósea desejável em produtos
outros (BRASIL, 2017, p.51) cárneos curados, além disso, contribuem

Os produtos cárneos apresentam um Regu- no desenvolver do aroma e sabor caracte-

lamento Técnico de Identidade e Qualidade rísticos de carne curada, esses aditivos tam-
(RTIQ), que são estabelecidos pelo MAPA, e bém têm ação antioxidante, pois retardam
tem o objetivo de fixar a identidade e as ca- a oxidação lipídica e assim, prolongam o
racterísticas mínimas de qualidade que de- tempo de conservação do produto, e ainda
77
verá obedecer ao produto cárneo. O RTIQ possuem efeito antimicrobiano, prevenin-
contempla além da definição do produto, do a germinação dos esporos de Clostridium
sua tecnologia de obtenção, os ingredientes botulinum e inibindo o crescimento de mi-
autorizados, e os parâmetros microbiológi- crorganismos causadores de toxinfecções,
cos, físico-químicos, sensoriais, requisitos como Salmonella e Staphylococcus (ORDÓ-
de rotulagem e outros (BRASIL, 2017, p.49). ÑEZ et al., 2005).

Para proporcionar características sensoriais De fato, estes aditivos proporcionam van-


atraentes ao consumidor, pode-se utilizar na tagens tecnológicas e consequentemente
elaboração dos produtos cárneos as inova- qualidade aos produtos, no entanto, traba-
ções tecnológicas, utilizando processos tec- lhos científicos têm evidenciado que a in-
nologicamente novos ou significativamente gestão de nitrito em quantidades elevadas é
aperfeiçoados, acrescentando aditivos ali- potencialmente perigosa à saúde humana,
mentares, visando proporcionar a melhoria pois os nitritos reagem com certas substân-
do processo ou da qualidade do produto de cias, as aminas, formando as nitrosaminas,
origem animal (SOUZA et al., 2019). que são substâncias potencialmente cance-

2.2 Aditivos cárneos rígenas (ADAMI et al., 2015).

Os aditivos intencionalmente adicionados As nitrosaminas são formadas a partir de


possuem funções importantes nos alimen- uma cadeia de reações, que se inicia quan-
tos, e nos hambúrgueres, podem ser do do o nitrato (NO3) transforma-se em nitri-
tipo: acidulante, antioxidante, aromatizan- to (NO2) por meio de uma reação natural
te, espessante, corante, estabilizador de cor, do organismo e dos alimentos. Em sequên-
realçador de sabor, conservador e outros cia, o nitrito se reduz à ácido nitroso. Este
(BRASIL, 2006). ácido pode reagir com aminas e amidas na-
Do grupo dos conservadores largamente turalmente presentes em produtos cárneos,
usados em produtos cárneos, podemos citar e assim, formar compostos nitrosos, como
os nitratos e nitritos de sódio ou de potás- as nitrosaminas e nitroamidas, com grande
sio, também conhecidos como sais de cura. potencial carcinogênico, podendo causar
Esses aditivos estão relacionados com a ob- também efeitos mutagênicos, neurotóxicos
tenção de cor, proporcionando a fixação e nefrotóxicos (ADAMI et al., 2015).

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Oliveira et al. (2017) destaca que os pri- alimentos industrializados, principalmente
meiros relatos de intoxicação com nitritos aqueles consumidos em larga escala, como
surgiram na Alemanha, na década de 1930, os semi-prontos, ou os que podem conferir
resultando no óbito de várias pessoas em algum risco à saúde do consumidor.
decorrência da ingestão de produtos cár-
2.3 Hambúrguer
neos que continham o aditivo.
Sabe-se que atualmente, o consumo de pro-
Dutra (2009) comenta que os altos índices dutos semi-prontos é crescente. O Brasil
78
de câncer, como o do estômago, têm sido está no grupo dos cinco países onde o seg-
frequentemente relacionados ao excessivo mento de fast food fatura mais. Em 2014, os
consumo de alimentos curados, com ni- hábitos de consumo nesse setor mostraram
trato e nitrito de sódio e potássio. Justifi- o gasto de 53,7 bilhões de reais em comi-
cando que o nitrito é absorvido pelo trato das prontas. As estimativas previam que
gastrointestinal.
em 2019, o consumo deveria crescer em
Existe Legislação específica que trata dos 30,88%, sendo uma das maiores expecta-
limites máximos permitidos para os aditi- tivas entre os países estudados, segundo o
vos em produtos cárneos, a Instrução Nor- estudo desenvolvido pela Strategic & Resear-
mativa nº 51, de 29 de dezembro de 2006 ch Center da EAE Business School (ROMERO,
do MAPA (BRASIL, 2006). Este documento 2016).
estabelece os aditivos permitidos para os
O hambúrguer se tornou um alimento po-
seguintes grupos de produtos de origem
pular devido à praticidade que representa,
animal: produtos cárneos industrializados
visto que possui nutrientes que além de nu-
frescos embutidos ou não embutidos, co-
trir, saciam a fome (ARISSETO, 2003). Em
zidos embutidos ou não embutidos, secos,
2009, o Fórum Americano de Estudos da
curados e/ou maturados ou não; produtos
Alimentação já previa que o hambúrguer
cárneos salgados crus, cozidos; além de,
seria uma das preparações mais difundi-
conservas cárneas, conservas mistas e semi-
das no mundo até 2020, superando a pizza
conservas cárneas. Em todos esses grupos
(CAYE et al., 2009).
pode-se utilizar dentro dos limites aceitos
os conservadores nitratos e nitritos de só- Segundo o RIISPOA (BRASIL, 2017, p.16),
dio ou de potássio (BRASIL, 2006). hambúrguer “é o produto cárneo obtido de
carne moída das diferentes espécies animais,
No entanto, mesmo existindo esses pa-
com adição ou não de ingredientes, moldado
râmetros para o uso de aditivos, estudos,
na forma de disco ou na forma oval e subme-
como o de Oliveira et al. (2017), mostram
tido a processo tecnológico específico”.
que estes alimentos apresentam um teor
de nitrito elevado e que os órgãos gover- O Regulamento Técnico de Identidade e
namentais do Brasil precisam fiscalizar Qualidade de hambúrguer (RTIQH) (BRA-
com mais rigor a adição dos aditivos em SIL 2000) classifica-o como um produto

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cru, semi-frito, cozido, frito, congelado ou industrializados. Este acordo impactou em
resfriado. O RTIQH prevê como ingrediente 30 categorias de produtos da indústria de
obrigatório da composição do hambúrguer: alimentos do Brasil. A ação foi segmentada
carne de diferentes espécies de animais de em etapas, e a 4° delas envolveu a redução
açougue. E para os ingredientes opcionais de sódio em alimentos de origem animal,
prevê: gordura animal; gordura vegetal; tais como: linguiças, mortadela, salsicha,
água; sal; proteínas de origem animal e/ou presunto e hambúrguer. Os valores encon-
79
vegetal; leite em pó; açúcares; maltodextri- trados para hambúrgueres industrializados
na; condimentos, aromas e especiarias; e em 2013 eram de 816,64 mg de sódio para
outros recheios, além de aditivos intencio- cada 100 g do produto. Para 2016, foi pre-
nais (BRASIL 2000). visto que esse valor decrescesse para 666,8
mg, o que se pode afirmar que ainda é um
O hambúrguer é um produto de preparo e
valor alto para este mineral (BRASIL, 2017).
consumo rápidos, e por estas razões se tor-
na atrativo ao consumidor. A problemática A Organização Mundial da Saúde (OMS)
de seu consumo existe quando se trata de recomenda um consumo máximo de 2000
um alimento industrializado, que pode ter mg (2 g) de sódio por pessoa ao dia, o que
em sua composição excesso de sódio e gor- equivale a 5g de sal (lembrando que 40%
dura (OLIVEIRA; COELHO, 2013), além de do sal é composto de sódio) (BRASIL, 2019).
aditivos como os expostos acima, nitratos e O Ministério da Saúde adverte que os bra-
nitritos de sódio e potássio. sileiros consomem em torno de 2,4 vezes
mais sódio que o recomendado pela OMS,
2.4 Sódio e gordura em produtos cárneos
sendo que as principais fontes do mineral
o sódio é o principal responsável pelas
provêm do sal adicionado na preparação e
doenças cardiovasculares e seu uso irrestri-
no consumo de alimentos, sódio presente
to em alimentos que vem da indústria vem
nos alimentos industrializados e sódio nos
sendo controlado pelo Ministério da Saúde,
alimentos consumidos e preparados fora
que realiza acordos com a Associação Brasi-
do domicílio (MILL et al., 2019).
leira das Indústrias da Alimentação (Abia)
para reduzir os níveis do mineral nos pro- Diante desse quadro, a Sociedade Brasileira de

dutos. O primeiro acordo entre o Ministé- Cardiologia alerta que os riscos do consumo

rio e Abia foi referente aos anos de 2008 à excessivo de sódio podem causar: hiperten-

2016, e como resultado os brasileiros dei- são, acidente vascular cerebral (AVC), infar-

xaram de consumir 17 mil toneladas de só- to, obesidade, osteoporose, problemas renais,

dio. Em decorrência desse efeito, o Ministé- entre outras enfermidades (BRASIL, 2017).

rio da Saúde assinou novo acordo por mais Então, é preciso reduzir drasticamente seu
cinco anos com a Associação, a meta, até consumo para diminuir as doenças e mor-
2022, é tirar da alimentação brasileira cerca tes na população e, mais que isso, melhorar
de 28,5 toneladas do mineral de alimentos a saúde dos brasileiros (ASBRAN, 2011).

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Além do sódio, a redução de gorduras nos estabelecer limite de 2% de gordura trans do
alimentos industrializados também é moti- teor de gordura total de todos os alimentos
vo de alerta e de discussão entre os órgãos, e melhorar as rotulagens incluindo regras
pois o excesso de peso na população cresceu para informar sobre os teores de gordura,
26,3%. Passando de 42,6% em 2006 para além de sódio e açúcar (CANCIAN, 2019).
53,8% em 2016 e a obesidade cresceu 60%.
Além de evitar o consumo frequente de ali-
Passando de 11,8% em 2006 para 18,9%
80 mentos com teores lipídicos e de sódio signi-
em 2016. Diante desse quadro, o Minis-
ficativos, a exemplo dos industrializados, e
tério da Saúde assumiu metas para frear a
reduzir o uso desses ingredientes no preparo
obesidade no país e deter este crescimento
de alimentos na própria residência, o consu-
na população adulta até 2019, por meio de
midor deve selecionar matérias-primas com
políticas intersetoriais de saúde e seguran-
valor nutricional de qualidade, como as car-
ça alimentar e nutricional (BRASIL, 2017).
nes mais magras (BRASIL, 2008). Segundo
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Lisboa, Pereira e Carvalho (2013), compara-
(ANVISA) chama atenção para as gorduras
ções entre as carnes caprina, ovina, suína,
trans e as gorduras saturadas. E pretende in-
bovina e de aves, mostram que a carne de
tensificar essa verificação nas redes de fast
caprinos é a que se apresenta mais magra,
food em restrição a gordura trans, pois esta
com os menores índices de gordura, estando
pode estar presente em alimentos in natu-
em torno de 1,8 a 4,0%. Apesar de apresen-
ra, como carnes e leites, mas também em
tar uma excelente composição química, esta
produtos industrializados, e o seu consumo
carne, no entanto, não é largamente utiliza-
excessivo pode causar o aumento do coles-
terol total e ainda do colesterol ruim (LDL), da para elaboração de derivados.

além de reduzir os níveis de colesterol bom Ter um consumo alimentar adequado, orien-
(HDL) e elevar o risco de doenças cardio- tado pelas medidas citadas acima, como con-
vasculares (CANCIAN, 2019). sumir carnes mais magras, além de reduzir
A OMS recomenda que o consumo diário o teor de sódio e de alimentos industrializa-
de gordura trans não ultrapasse 1% do valor dos, dando prioridade aos naturais, promove
energético total de uma dieta de 2.000 calo- uma vida saudável e diminui a incidência de
rias. Estudos mostram que o percentual de doenças crônicas, como: hipertensão, diabe-
consumo diário no Brasil fica em torno de tes, obesidade, problemas cardiovasculares e
1,4%, podendo chegar a 2,5%. A Abia infor- câncer, que respondem a 72% das mortes no
ma que a indústria alimentícia conseguiu re- Brasil (MALTA et al., 2019).
duzir em torno de 310 toneladas de gordura
trans de produtos (CANCIAN, 2019). 3 MATERIAIS E MÉTODOS
A ANVISA trabalha para diminuir ainda O presente trabalho foi executado no IFMA,
mais esses dados, e tem como alternativas: Campus São Luís-Maracanã, fazendo parte

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do Projeto de Extensão realizado no período cesso. Após, a matéria-prima e ingredientes
compreendido entre abril e outubro de 2019. foram misturados de 10 a 15 minutos, até

As atividades, que são descritas a seguir, en- obter massa homogênea, com liga adequa-
volveram alunas do Curso Superior de Tecno- da. Na sequência, a massa, com temperatu-
logia em Alimentos, Curso de Bacharelado em ra menor que 10ºC, foi enformada em mol-
Zootecnia e Curso Técnico de Agroindústria. de próprio para hambúrguer. A partir desta
etapa, o hambúrguer estava pronto para
3.1 Processamento de hambúrguer 81
ser embalado e armazenado ou consumido
artesanal
após o preparo adequado. O hambúrguer
A capacitação dos estudantes para a elabo-
foi acondicionado em saco plástico estéril
ração do hambúrguer foi conduzida no La-
e conservado refrigerado sob a temperatura
boratório de carnes e derivados do IFMA,
de 4ºC até o momento da análise. Ressalta-
Campus São Luís - Maracanã.
-se que o hambúrguer artesanal foi elabora-
A formulação do produto cárneo seguiu as re-
do com carne de bovino, e o hambúrguer
comendações de Boas Práticas de Fabricação
industrializado analisado é produto da mis-
(BPF) exigidas pela Legislação (BRASIL, 2017).
tura de carne bovina e de aves.
A matéria–prima do trabalho foi consti-
3.2 Caracterização físico-química
tuída por carne bovina, pimenta do reino
do hambúrguer artesanal e
e cominho, sal do Himalaia, cebola, alho, industrializado
cheiro verde, cebolinha, azeite, tomate, As análises físico-químicas do hambúrguer
alface, queijo, maionese, catchup, pão de artesanal e industrializado foram realiza-
hambúrguer, e manteiga.
das no Laboratório de Química do IFMA,
A carne utilizada foi adquirida em estabele- Campus São Luís-Maracanã e no Laborató-
cimento de acordo com as diretrizes da Ins- rio de Controle de Qualidade de Alimentos
peção Federal. Os condimentos utilizados e Água da Universidade Federal do Mara-
foram adquiridos em redes de supermerca- nhão (UFMA), campus São Luís-Bacanga.
dos locais.
Na caracterização do produto cárneo, as
A formulação dos hambúrgueres seguiu as análises tiveram como objetivo determinar
recomendações da metodologia proposta componentes do alimento, como: proteínas,
pelo Dossiê Técnico de Produção de Ham- gorduras, cinzas, umidade, acidez e sódio.
búrguer (SBRT, 2006). A elaboração seguiu
As análises seguiram as recomendações das
as etapas detalhadas a seguir: inicialmente,
metodologias amplamente testadas e refe-
foi realizada a seleção dos cortes anatômi-
rendadas propostas pelo Instituto Adolfo
cos da carne. Posteriormente, foi efetuada
Lutz (2008).
cuidadosamente a moagem dessas carnes.
Em seguida, foi realizada a pesagem dos A fração protéica foi obtida pela determina-
condimentos que foram utilizados no pro- ção da porcentagem de nitrogênio total da

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amostra segundo o método de Kjeldahl. A extração de gorduras foi realizada em aparelho
do tipo Soxhlet, seguida da remoção por evaporação do solvente empregado. Para obter
as cinzas, o produto foi incinerado em forno mufla a 550°C. A umidade foi determinada
pelo método gravimétrico com emprego de calor, em que se determinou a perda de peso
do material quando submetido ao aquecimento de 105°C até obtenção de peso constante.
A acidez foi realizada por titulação direta com solução de hidróxido de sódio 0,1M, com o
auxílio de solução de fenolftaleína como indicador. E o teor de sódio foi determinado por
82 fotometria de emissão de chama.

Os resultados encontrados nas análises físico-químicas do hambúrguer artesanal foram


confrontados com os valores estabelecidos pela Legislação (BRASIL 2000) voltada para
produtos de origem animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Os valores obtidos do hambúrguer caseiro foram comparados com os valores do hambúr-


guer industrializado.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após realizar as análises, verificou-se que os resultados encontrados estão de acordo com
o previsto na Legislação do MAPA (BRASIL 2000).

Os resultados obtidos nas análises físico-químicas do hambúrguer industrializado e do


hambúrguer artesanal estão apresentados na Tabela 1:

Tabela 1: Resultados das análises físico-químicas.

HAMBÚRGUER HAMBÚRGUER
PARÂMETRO LEGISLAÇÃO
INDUSTRIAL ARTESANAL
Gordura 13,7% 6,9% 23% (máximo)
Proteínas 15,11% 19,58% 15% (mínimo)
Umidade 67,9% 72,8% -
Cinzas 2,5% 2,6% -
Sódio 3,26% 2,86% -
Acidez 0,69% 0,63% -

Fonte: Autoria própria.

O teor de gordura do hambúrguer artesanal foi de 6,9%, já o hambúrguer industrial apre-


sentou 13,7%, isto é, quase o dobro de conteúdo lipídico. Os dois tipos de hambúrgue-
res estudados estão de acordo com o previsto na Legislação para este parâmetro, pois a
quantidade de gordura permitida é o máximo de 23%. Na literatura, tem-se os dados do
trabalho Borba et al. (2013), que determinaram um teor mais elevado de lipídeos para
hambúrguer bovino industrializado, totalizando 18,31%. O que mesmo sendo um teor
superior, ainda se encontra dentro do permitido pela Legislação.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


O hambúrguer industrial apresentou de menor, da grandeza de 60,29%, isso, na
15,11% de proteínas, enquanto o hambúr- forma crua. Quando submetido a processo
guer artesanal apresentou 19,58%. A legisla- de cocção, este valor decresceu mais ainda,
ção estabelece que o hambúrguer tenha no por conta da evaporação da água do produ-
mínimo 15% de proteína, ou seja, o ham- to, haja visto o tratamento térmico. Quan-
búrguer industrial está bem próximo ao li- do frito, Borba et al. (2013) encontraram
mite mínimo do permitido pela legislação. 49,96% de umidade.
83
Borba et al. (2013) verificaram 14,62% de
O teor de cinzas do hambúrguer industrial
teor proteico para o hambúrguer industrial,
foi de 2,5%, e o do artesanal foi de 2,6%. O
estando assim este produto, fora do padrão
hambúrguer artesanal apresentou um teor
exigido para este nutriente. Santos (2015)
semelhante ao de cinzas, pois ele foi elabo-
apresenta em seu trabalho com hambúr-
rado com carne de bovino, e o hambúrguer
guer de carne bovina adicionado de farelo
industrializado analisado é produto da mis-
de arroz desengordurado, valores de pro-
tura de carne bovina e de aves. A Legisla-
teínas para hambúrgueres comercializados
ção não define qual a quantidade ideal de
por marcas de grandes empresas que atuam
cinzas no hambúrguer. Borba et al. (2013)
no mundo todo, onde apresentaram valo-
identificou 3,16% de cinzas para o ham-
res proteicos da ordem de 13%, 16% e 12%,
búrguer industrializado de carne bovina e
respectivamente. Assim, percebe-se que
2,86% para o de frango.
muitos produtos elaborados na indústria
não respeitam o limite estabelecido pela le- O teor de sódio no hambúrguer industrial
gislação brasileira. foi mais elevado, sendo da ordem de 3,26%,

A umidade do hambúrguer industrial foi enquanto no hambúrguer artesanal foi ape-


inferior (67,9%) à umidade do hambúr- nas 2,86%. A Legislação também não de-
guer artesanal (72,8%), pois na indústria fine a quantidade de sódio que um ham-
pode-se adicionar alguns ingredientes para búrguer deve conter. Os produtos cárneos
formar a emulsão cárnea e conferir a tex- em geral apresentam percentuais elevados
tura desejada, como o amido e a proteína deste mineral, o que pode ocasionar doen-
texturizada de soja, e esses materiais alte- ças cardiovasculares, hipertensão e outras.
ram a proporção de umidade do alimento De acordo com a OMS, o consumo de sódio
(COSTA, 2004). Na preparação caseira esse por dia deve ser equivalente a no máximo 5
tipo de ingrediente não foi utilizado, pois g. Santos (2015) menciona valores de sódio
preferiu-se utilizar o mínimo de materiais para hambúrgueres bovinos industrializa-
possíveis, o que também explica o elevado dos entre 5,31% e 10,63%. Portanto, elabo-
teor proteico do hambúrguer artesanal. No rar hambúrguer de forma artesanal possibi-
hambúrguer pesquisado por Borba et al. lita que o consumidor reduza os teores de
(2013) foi descoberto um valor de umida- sódio e gordura desse alimento.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


A acidez do hambúrguer artesanal apresentou-se menor (0,63%), quando comparada ao
hambúrguer industrial (0,69%). O produto industrializado teve o valor de acidez superior,
pois nele são acrescentados alguns aditivos alimentares do tipo acidulantes, como ácido
acético, ácido lático e ácido cítrico, utilizados para acidificar o meio e conservar o alimen-
to por mais tempo, livre da proliferação de determinados microrganismos. Pode-se consi-
derar que que o produto desenvolvido no presente trabalho apesar de não conter nenhum

84
desses aditivos apresentou acidez semelhante ao industrializado.

Em linhas gerais, a preparação artesanal do hambúrguer confere um alimento com menor


conteúdo de gordura, de sódio e de ácidos. Além de um maior teor de proteínas, de cinzas
e de umidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados mostram que os componentes e propriedades físico-químicas verificadas
estavam conforme os valores permitidos pelo Regulamento Técnico de Identidade e Qua-
lidade do Hambúrguer, e pelas Normas Complementares estabelecidas pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Além disso, a comparação dos valores obtidos
do hambúrguer artesanal e o hambúrguer industrializado comprovou que a elaboração
caseira, com baixo teor de sódio e gordura traz resultados mais desejáveis para conferir
qualidade à saúde do consumidor.

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ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.987
Recebido em 01/08/2020; Aceito em 04/04/2021; Publicado na web em 24/07/2021

A inclusão da educação ambiental no


processo de ensino e aprendizagem na
visão de professores e alunos de uma
escola pública em Caxias - MA
Nezilina dos Santos Maia1; 87

Waldirene Pereira Araújo2;


Pedro Alberto Pavão Pessôa3;
Joaldo da Silva Lopes4;

1 Graduada em licenciatura em Química (IFMA); E-mail: nezilinamaia.1@gmail.com;

2 Doutora em Educação (UFPI); Professora do Instituto Federal do Maranhão – IFMA, Campus Caxias; E-mail: waldirene.araujo@ifma.edu.br;

3 Doutor em Engenharia e Ciência dos Alimentos (UNESP); Professor do Instituto Federal do Maranhão – IFMA, Campus Caxias; E-mail:
pedro.pessoa@ifma.edu.br;

4 Doutorando em Ciência e Engenharia dos materiais (UFPI); Professor do Instituto Federal do Maranhão – IFMA, Campus Caxias; E-mail:
joaldo.lopes@ifma.edu.br;

RESUMO
A sociedade, cotidianamente, depara-se com problemáticas ambientais causadas pela ação
do homem, tais como desmatamento, queimadas criminosas das florestas, poluição da
água com atividade de garimpo, descarte inadequado de lixo doméstico, industrial ou
hospitalar, despreocupação ou ausência de políticas públicas relacionadas à coleta seletiva
do lixo nos municípios, as quais interferem diretamente no clima, na paisagem das cida-
des e na saúde. Com o intuito de sensibilizar a sociedade, conteúdos relacionados ao meio
ambiente foram incluídos no currículo da Educação Básica, prática que ficou conhecida
como Educação Ambiental (EA). Sendo esta decisiva para consolidar o processo de ensino
e aprendizagem na formação de cidadãos preocupados com a preservação ambiental. A
partir dessa premissa, esta pesquisa teve como objetivo investigar a importância da Edu-
cação Ambiental no processo de ensino e aprendizagem, segundo a visão de professores
e alunos de uma escola pública no município de Caxias - MA. Utilizaram-se de métodos
quantitativos e qualitativos cujos instrumentos de coleta de dados foram observações e
questionários semiabertos aplicados aos alunos do 3° ano do Ensino Médio e a seus pro-
fessores de Química, Física e Biologia. Os alunos afirmaram que essa temática tem sido
discutida em sala de aula e ensinada pelos professores através de aulas expositivas, visitas
técnicas, execução de projetos como horta escolar, oficinas, estudo do meio ambiente
como ferramenta de ensino e a realização anual de um evento conhecido como “Ecobi-
ke”. Nesse estudo, constatou-se que a EA é relevante para a formação dos alunos, sendo

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


reconhecida por eles como um instrumento que irá lhes proporcionar uma nova perspec-
tiva de vida no âmbito global. Os professores relataram que enfrentam dificuldades na
consolidação da EA, dentre elas, a necessidade de formação continuada na perspectiva do
desenvolvimento profissional docente.

Palavras-chave: Meio ambiente. Educação Básica. Formação. Sensibilização Ambiental.

88

The inclusion of the environmental


education on the teaching and learning
process by the view of teachers and
students from a public school in Caxias-MA
ABSTRACT
Deforestation and criminal forest fires are some of the environmental problems caused by
human action, which interfere directly with climate, the landscape of cities and health. Contents
related to the environment were included in the Basic Education curriculum with the intention
of sensitizing the population, a practice that became known as Environmental Education (EE),
which is decisive to consolidate the process of teaching and learning on citizens concerned about
environmental preservation. From this premise, this research aimed to investigate the importance
of Environmental Education on the teaching and learning process according to the view of teachers
and students from a public school, in the city of Caxias-MA. Quantitative and qualitative methods
were used, whose data collection instruments were observation and semi-open questionnaires
applied to students from the 3rd year of high school and their Chemistry, Physics and Biology
teachers. Students affirmed that this theme has been discussed in the classroom and that it
has been taught by teachers through lectures, technical visits, projects execution, such as school
garden, workshops, study of the environment as a teaching tool and the annual carry out of an
event known as “Ecobike”. In this study, it was found that EE is relevant to the students training,
recognized by them as an instrument that will provide them a new perspective on life in the global
scope. Teachers face several difficulties in consolidating EE, among them, the need for continuing
education in the perspective of teacher professional development.

Keywords: Environment. Basic Education. Formation. Environmental Awareness.

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1 INTRODUÇÃO Essa lei reforça o artigo Constitucional 225,
que assegura o direito a um meio ambiente
A Educação Ambiental (EA) é um tema de
equilibrado e o dever de responsabilidade
grande relevância e que vem ganhando cada
quando uma atividade gerar dano a esse
vez mais espaço desde a promulgação da
meio, sendo ele um bem de uso comum e
Constituição Federativa do Brasil, em 1888,
essencial à qualidade de vida das presentes
a qual destaca o pensar e refletir criticamen-
e futuras gerações.
te sobre as problemáticas ambientais. A EA 89
não vem para solucionar todas essas proble- De acordo com Leite e Rodrigues (2013,
máticas, mas, é indispensável na busca de p.2), “a abordagem das questões ambien-
soluções, tendo em vista a sensibilização e tais no ensino formal encontra muitas di-
formação de cidadãos responsáveis com as ficuldades, principalmente, por seu caráter
questões relativas ao meio ambiente. interdisciplinar e complexo, e a existência
Como afirma o Inciso IV do Parágrafo 1 do de uma divisão de interesses e prioridades”.
Artigo 225 da Constituição Federal (BRA- A Educação Ambiental é um processo inte-
SIL, 1988), o Poder Público tem o dever de rativo, onde o aluno participa ativamente
promover a EA em todos os níveis de ensi- no diagnóstico de problemas ambientais e
no, primando pela qualidade de vida dos busca de soluções, desenvolvendo habilida-
cidadãos, pela conscientização e formação des e formando atitudes, por meio de uma
de sujeitos preocupados com as questões conduta ética condizente com o exercício
ambientais. A Educação Ambiental foi in- da cidadania (CARDOSO et al, 2014).
cluída na Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
A partir dessas discussões, as quais norteiam
cação Brasileira (LDB 9394/96), tornando o
a inclusão de temáticas ambientais no cur-
estudo do Meio Ambiente na Educação Bá-
rículo escolar como um tema transversal,
sica algo essencial, enquanto instrumento
torna-se importante verificar na escola quais
para o desenvolvimento crítico e social dos
são os métodos utilizados para a consolida-
sujeitos envolvidos nesse processo.
ção do processo de ensino e aprendizagem, a
Para reafirmar a necessidade de se promo- sensibilização e formação de cidadãos cons-
ver a EA, foi implementada a Política Na-
cientes quanto à necessidade de desenvolvi-
cional de Educação Ambiental - lei de n°
mento de práticas sustentáveis, bem como a
9795/1999, a qual afirma no art. 1° que:
formação inicial e continuada de professo-
Entendem-se por educação ambiental res para atuarem enquanto protagonistas na
os processos por meio dos quais o indi-
disseminação de informações da EA. Dessa
víduo e a coletividade constroem valo-
forma, esta pesquisa teve como objetivo in-
res sociais, conhecimentos, habilidades
vestigar a importância da EA no processo de
e atitudes voltadas para a conservação
do meio ambiente, bem de uso comum ensino e aprendizagem, segundo a visão de
do povo, essencial à sadia qualidade de professores e alunos de uma escola pública
vida e sua sustentabilidade. do município de Caxias - MA.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


2 METODOLOGIA 1. Como a Educação Ambiental é tra-
balhada pelo seu professor em sala
Nesse estudo, foram utilizados métodos de
de aula? (Questão objetiva, sendo
cunho qualitativo e quantitativo. A coleta
permitido que os alunos marcassem
de dados foi realizada no segundo semes-
até três alternativas)
tre do ano de 2017, através de observações
e aplicação de questionários semiabertos 2. Qual a importância da Educação
destinados a profissionais que atuam na Ambiental para a sua formação?
90
docência em Ciências Exatas e da Natureza (Questão discursiva)
(Biologia, Química e Física) e a alunos do 3. Como a Educação Ambiental auxi-
3° ano do Ensino Médio da escola pública lia na formação de cidadãos cons-
estadual Centro de Ensino Conêgo Aderson cientes quanto a preservação am-
Guimarães Júnior, situada à rua Aarão Reis, biental? (Questão discursiva)
1714, bairro Centro, Caxias - MA.
Aos professores foram distribuídos 10 ques-
No ano em que a pesquisa foi realizada, a tionários, sendo 6 distribuídos entre os pro-
escola contava com 754 alunos matricula- fessores da área supracitada do turno matu-
dos. Destes, cerca de 19% (143 alunos) cur- tino, denominados de “questionário M” e
savam o 3° ano, sendo estes distribuídos em 4 foram distribuídos entre os professores do
cinco turmas: três no turno matutino (A, turno vespertino, que receberam o nome de
B e C) e duas no turno vespertino (A e B). “questionário V”. Os professores tiveram de
Os questionários foram aplicados nas cinco 10 a 20 minutos para responder às questões.
turmas de 3° ano, totalizando 130 alunos e
O questionário continha as seguintes per-
em um grupo de 6 professores do turno ma-
guntas:
tutino e 4 professores do turno vespertino.
Dados de identificação:
Foram destinados 25 questionários para
o 3° ano A matutino, denominado como • Grau acadêmico;
“questionário A”; 24 para o 3° ano B matu- • Tempo de atuação como docente;
tino, que recebeu a denominação de “ques-
Sobre a disciplina que ministra (Questões
tionário B”; 24 para o 3° ano C matutino,
discursivas):
denominado de “questionário C”; 25 para
o 3° ano A vespertino, que recebeu o nome 1. Você acha que, na disciplina que
de “questionário D” e 25 para o 3° ano B ministra, é fácil abordar os assuntos
vespertino, denominado de “questionário relacionados às questões ambien-
E”. Os discentes tiveram de 10 a 15 minu- tais? Por quê?
tos para responder aos questionários. 2. Qual a importância da Educação Am-
O questionário continha as seguintes per- biental para a formação dos alunos
guntas que foram elaboradas a partir da com consciência coletiva ambiental e
problemática estudada: cidadãos ecologicamente responsáveis?

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


3. Como a Educação Ambiental contri- citadas anteriormente, como por exemplo,
bui no desenvolvimento socioeduca- o “Ecobike”, um passeio ciclístico realizado
tivo dos alunos no Ensino Médio? anualmente na escola, que tem por objeti-
vos: (i) incentivar os discentes a praticarem
4. São oferecidos cursos de aperfeiçoa-
atividade física e (ii) sensibilizar os alunos
mento para professores em Educa-
quanto a importância de práticas sustentá-
ção Ambiental? Quais?
veis, como o uso da bicicleta, que é um meio
91
sustentável de se locomover.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Diferentemente dos automóveis e motoci-
3.1 Perspectiva dos alunos do 3° ano
cletas, as bicicletas não emitem gases po-
do Ensino Médio sobre a temática
ambiental luentes na atmosfera e, segundo MARO-
Dos 130 alunos que responderam aos ques- NHAS (2018), as bicicletas, enquanto meio
tionários, 92% (119) afirmaram que já havia de transporte sustentável, apresentam di-
atentado para o termo Educação Ambiental versas vantagens, dentre elas. “o fato de
e 62% (80) do total de alunos destacaram ocupar menos espaço, não causando con-
que esta temática já é trabalhada em sala gestionamento nas ruas, facilitando assim,
de aula. Na Figura 1, estão explícitos os mé- o fluxo de pessoas dentro da cidade”.
todos utilizados pelos professores para tra- Cabe ainda ressaltar que 55% (71) dos alu-
balhar a Educação Ambiental na percepção nos entrevistados não responderam esta
dos alunos, em que 10% (13) dos alunos questão, percentual que evidencia prová-
afirmaram que isso se dá através de aulas vel inadequação da abordagem da temáti-
expositivas; 4% (5) citaram a realização de ca pelos professores. Evidencia ainda que a
visitas a estações de tratamento, zoológicos escola precisa ser uma instituição que tem
e outros; 14% (18) mencionaram a execução a função de ensinar, promover e propor-
de projetos; 1% (1) citou a horta escolar; 3% cionar discussão sobre temáticas variadas,
(5) destacaram a promoção de oficinas; 5% mas, sobretudo tem a importante tarefa de
(7) afirmaram que são realizadas estudo do promover o ensino da EA. Nesse contexto,
meio ambiente local (no entorno da escola); a escola é um lugar de estudo, porque é lu-
1% (1) declarou que os professores utilizam gar de formação humana (ARROYO; CARL-
como métodos de ensino aulas expositivas DART; MOLINA, 2008, p. 120). Portanto,
e projetos; 1% (1) destacou que as temáti- quando a escola propõe o desenvolvimento
cas ambientais são elencadas a partir de au- do currículo escolar com foco nas questões
las expositivas, projetos e horta escolar; 1% ambientais, deve-se promover também a
(1) afirmou que temas relacionados a EA são participação de todos no processo de cons-
desenvolvidos por visitas a estações de tra- trução e execução, tendo os alunos como
tamento e estudo do ambiente local e 5% os sujeitos deste processo. A Educação Am-
(7) falaram de outras formas que não foram biental necessita ser compreendida como

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


importante defensora do currículo escolar na busca de um conhecimento inteirado que ex-
ceda a fragmentação, tendo em vista o conhecimento para a emancipação (NARCIZO, 2009).

Figura 1: Respostas dos alunos referentes ao primeiro questionamento.

92

Fonte: Autores, 2017.

A questão 2, exposta no Quadro 1 é discursiva, onde os discentes discorreram sobre a im-


portância da EA para a sua formação.

Quadro 1: Posicionamento dos discentes sobre a importância da EA para a sua formação.

Discente Resposta
“Exatamente a valorização e o cuidado com o meio ambiente, além de
A7
proporcionar mais conhecimentos sobre o mesmo”.
“É um assunto cobrado em todo vestibular, onde seria importante ter um
A12
conhecimento já elaborado”.
“Para que eu tenha um pouco mais de conhecimento sobre o meio ambiente,
A18 também pode ajudar pra que tenha consciência sobre meus atos em relação ao
meio Ambiente”.
“A Educação Ambiental tem uma grande importância em nossas vidas, pois
A23
cuidar do meio ambiente é dever de todos, mas nem todos fazem sua parte”.
“É importante para que nossa mentalidade evolua sobre a preservação do meio
C1
ambiente e para que fiquemos cientes sobre o assunto em questão”.
“A Educação Ambiental é importante para minha formação profissional e
D25 social, pois permite que eu tenha uma compreensão sobre a importância do meio
ambiente e maneiras ecológicas de conservá-lo”.

Fonte: Autores, 2017.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


A partir das respostas elencadas acima, é Em relação à questão 3, dentre as declara-
possível destacar opiniões significativas re- ções registradas pelos alunos, destacam-se
lacionadas à importância da Educação Am- as do Quadro 2.
biental na formação dos discentes. Dentre
Quadro 2: Visão do educando referente à
elas, a resposta do discente A7 (Quadro 1)
questão “Como a EA auxilia na formação
deixa claro que a EA auxilia no ensino da
de cidadãos conscientes quanto a preserva-
temática transversal relacionada ao meio
ção ambiental?”. 93
ambiente, além de proporcionar a agrega-
ção constante de conhecimentos durante o Nome do
Resposta
discente
processo de ensino e aprendizagem.
“Auxilia ajudando pra que
A resposta atribuída pelo aluno A12 de-
no futuro nós possamos ser
monstra a importância da implementa- A18
cidadãos que conheçam seus
ção da EA no ensino, a qual não se limi- atos e que seja consciente”.
ta somente à aprendizagem de conteúdos
relacionados à temática ambiental, mas, “Consciência de que é nosso
em especial, promove a sensibilização dos A20 dever preservar o meio ambiente
para termos um mundo melhor”.
alunos quanto à preservação ambiental e
ainda pode propiciar que o aluno dê conti- “Fazendo com que as pessoas
pensem mais antes de fazer
nuidade a sua vida acadêmica por meio do
B13 queimadas ou qualquer
ingresso no Ensino Superior.
atividade que agrida o
O discente A18 destaca, como um dos objeti- ambiente”.
vos da EA, a conscientização dos alunos du- “Mostrando que se não
rante o processo de ensino e aprendizagem. C11 fizermos o correto seremos
A partir das afirmações do discente A23, a penalizados futuramente”.
preservação ambiental é dever de todos,
“A Educação Ambiental
sendo resultado do processo de conscien-
contribui de forma decisiva
tização, que é um dos objetivos da EA. Em
para que os cidadãos preservem
resumo, a maioria dos alunos (85%) respon- D25 o meio ambiente, pois permite
deu aos questionários dando ênfase à cons- que eles reconheçam a
cientização, no sentido de se desenvolverem importância, se mobilize e atue
enquanto cidadãos ecologicamente respon- como defensor”.
sáveis, assim como é afirmado por C1. Con-
Fonte: Autores, 2017.
forme o aluno D25, a EA não é importante
somente para a conscientização dos cida- Observando as respostas dos alunos, perce-
dãos quanto à necessidade de preservação be-se a importância de preservação ambien-
ambiental, mas também, para a formação tal em consonância com o que é recomen-
profissional e social desses cidadãos. dado nas Diretrizes Curriculares Nacionais

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


da Educação Ambiental na resolução de n° 2, de 15 de junho de 2012, (CONSELHO NA-
CIONAL DE EDUCAÇÃO, 2012), que afirma no art. 2°:
A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade intencional e prática social,
que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a na-
tureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a
finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental.

Essa lei conceitua Educação Ambiental e recomenda a utilização de temas ambientais vol-
94
tados para o cotidiano do aluno, ajudando-o a entender os impactos que as ações huma-
nas podem causar, tanto no aspecto químico como social, na vida das pessoas. Portanto,
fica evidente a importância da EA na formação de cidadãos conscientes e preocupados
com a preservação ambiental.

3.2 Perspectiva dos professores de Ciências Exatas e da Natureza


sobre a temática ambiental
No Quadro 3 estão expostos os dados de identificação dos professores que responderam
ao questionário.

Quadro 3: Dados de identificação dos professores de Ciências Exatas e da Natureza, do


Centro de Ensino Cônego Aderson, em 2017.

Tempo em que atua como Disciplina na qual é


Docente Grau acadêmico
docente docente
M1 Especialização Mais de 15 anos Física
M2 Especialização 6 a 10 anos Biologia
M3 Mestrado 11 a 15 anos Biologia
M4 Especialização Mais de 15 anos Biologia
M5 Graduação 6 a 10 anos Química
M6 Especialização Mais de 15 anos Física e Química
V1 Graduação Mais de 15 anos Química
V2 Especialização Mais de 15 anos Química
V3 Especialização 6 a 10 anos Biologia
V4 Graduação 11 a 15 anos Física

Fonte: Autores, 2017.

Dentre os 10 docentes que responderam aos questionários, 4 atuam como docentes em


Biologia, 3 em Química, 2 em Física e 1 em Física e Química. Quanto ao grau acadêmico,
a maioria dos docentes que responderam ao questionário, 60% (6), são especialistas, 30%
(3) são graduados e 10% (1) possuem mestrado. Em relação ao tempo de atuação profissio-
nal, 30% (3) já atuam como docentes no período de 6 a 10 anos, 20% (2) de 11 a 15 anos
e 50% (5) há mais de 15 anos.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Ao serem perguntados se é fácil abordar em sua disciplina os assuntos relacionados a ques-
tões ambientais, cerca de 90% (9) responderam que sim e somente 10% (1) responderam
que não, como mostra a Figura 2.

Figura 2: Posicionamento dos docentes quanto à dificuldade de abordar assuntos rela-


cionados a questões ambientais.

95

Fonte: Autores (2017).

Ao serem indagados sobre por que é fácil ou não abordar essas temáticas em sala de aula,
os professores afirmaram (Quadro 4):

Quadro 4: Justificativas dadas pelos educadores a respeito da dificuldade em abordar


temáticas ambientais.

Docente Resposta

M2 “Sim. É por conta do próprio conteúdo programático”.

“Não. Os conteúdos são específicos, abordando temas transversais, não tem a


M3
Educação Ambiental como disciplina”.

“Sim. Os fenômenos ambientais todos se relacionam com a matéria e suas


M6
transformações, logo fica fácil relacionar a questão ambiental com a Química”.

“Sim. As questões ambientais são tratadas como subtemas no conteúdo de


V1
Química, como efeito estufa, camada de ozônio e outros”.

“Sim. A questão ambiental não está alheia à nossa vida cotidiana, basta olhar
V4
ao nosso redor para vermos”.

Fonte: Autores, 2017.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Há vários meios pelos quais são disseminadas informações sobre EA para a sociedade, po-
rém, a mais influente é a escola. Segundo Bosa e Tesser (2014), a escola, apesar de se apresen-
tar em destaque quanto ao fornecimento de informações a respeito da EA, ainda apresenta
muitas fragilidades em relação ao ensino dessas temáticas, seja por conta do espaço físico ou
por conta da formação inicial de professores. Assim, como afirma a docente M3, os conteú-
dos a serem trabalhados de forma transversal têm suas especificidades. E, ao contrário das
afirmativas dos professores, Bosa e Tesser (2014) destacam a complexidade da EA no âmbito
96
escolar e o despreparo dos professores para implantá-la de forma satisfatória, pois, a EA é um
mecanismo transformador que requer métodos bem elaborados e bem executados.

O Quadro 5 mostra as respostas do segundo questionamento, que indaga sobre a impor-


tância da EA para a formação do aluno.

Quadro 5: Concepção dos docentes em relação à importância da EA para a formação


dos discentes.

Docente Resposta

M3 “Justamente torná-los mais conscientes para melhor uso deste meio”.

“É fundamental e indispensável frente aos desafios hoje vivenciados pela


população como os lixões, saneamento básico e poluição que interferem
M6
diretamente na saúde coletiva e individual do cidadão, é um caso de sobrevivência
e conforto para todos”.

“Importante para formar cidadãos mais conscientes e participativos em atividades


V1 que possam chamar atenção da comunidade e dos governos, como campanhas,
passeatas, denúncias”.

“Importante no conhecimento dos efeitos causados pelas atitudes devastadoras


V2 de agressão ao meio, constituindo assim, pessoas que possam contribuir na sua
conservação, ou seja, uma sociedade educada e consciente”.

“Extremamente importante na formação de cidadãos conscientes e preocupados


V3
com o meio ambiente”.

Fonte: Autores, 2017.

A partir das respostas, observa-se que os professores reconhecem a importância da EA na


formação socioambiental dos alunos, especialmente para torná-los mais conscientes da
preservação do meio ambiente e atuantes na comunidade em que vivem.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


O Quadro 6 demonstra as respostas ao terceiro questionamento.

Quadro 6: Concepção dos professores em relação à contribuição da EA no desenvolvi-


mento socioeducativo dos alunos no Ensino Médio.

Docente Resposta

“Esclarece melhor as leis ambientais, a importância de proteger a fauna e a flora


M4
para melhor qualidade de vida para todos”. 97

“Com a educação ambiental temos alunos mais conscientes de seu papel no meio
M5 ambiente e de como suas ações afetam o mesmo, assim com esse tipo de educação
tende a engrandecer o desenvolvimento socioeducativo dos alunos”.

“Os alunos quando desenvolvem uma consciência ambiental passam a


M6 desenvolver competências sociais, pois sua ação tem reflexo direto no coletivo e que
ele se torna protagonista consciente e crítico de sua ação e a dos outros”.

“Porque com a introdução do tema na escola, torna o aluno um cidadão conhecedor


V1 dos efeitos e consequências da degradação do meio ambiente, e da necessidade de
fazer alguma coisa para minimizar esses efeitos”.

“Na consciência e no desenvolvimento de atitudes conservacionais e protetoras de


V2
todas as espécies”.

Fonte: Autores, 2017.

Hoje, a Educação Ambiental é vista como uma “ferramenta indispensável no combate à


destruição do meio ambiente no qual todos os seres vivos estão inseridos (MEDEIROS et
al., 2011, p. 8). Porém, de acordo com Leite e Rodrigues (2013, p. 2), “a abordagem das
questões ambientais no ensino formal encontra muitas dificuldades, principalmente, por
seu caráter interdisciplinar e complexo, e a existência de uma divisão de interesses e prio-
ridades”.

Portanto, muitos professores sentem dificuldade em trabalhar os temas transversais nas


escolas por conta de salas lotadas, muitos conteúdos obrigatórios para serem lecionados
durante o período letivo, uma vez que há um currículo a ser seguido. Mas, há a necessida-
de de se ministrar aulas que preparem o indivíduo para a vida no meio social, aulas com
conteúdos concretos, enriquecendo, dessa forma, os conhecimentos dos alunos para que
eles saiam da escola capacitados “para conviver no caos ecológico que se enfrenta cotidia-
namente”. Nesse contexto, a Educação Ambiental entra como auxiliar no processo de for-
mação de cidadãos conscientes (MEDEIROS et al., 2011).

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Na pergunta 4, questionou-se aos professores sobre a oferta de cursos de aperfeiçoamento.
Segundo as declarações dadas por eles, não são oferecidas oportunidades de aperfeiçoa-
mento de professores para a Educação Ambiental. O docente V4 relata:
Apareceu há dois anos uma planilha com uma lista de cursos para que nós professores escolhêsse-
mos os cursos necessários para que o estado oferecesse, mas eles ainda não ofereceram (V4 – RES-
POSTA DO QUESTIONÁRIO – 2017).

98 Nessas circunstâncias, sem a formação continuada, a temática ambiental é tratada de


forma superficial e fragmentada, limitando-se a disciplinas consideradas afins. Com este
panorama, torna-se essencial o desenvolvimento da EA dentro das escolas como um tema
transversal e interdisciplinar.

A Resolução n. 2 de 1° de junho de 2015, publicada em 2 de junho de 2015 no Diário


Oficial da União, “determina as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNS) para a forma-
ção inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para
graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada”, norteando
assim, os cursos de formação de professores, seja para a formação inicial ou continuada
(BRASIL, 2015).

Art. 1°, parágrafo 2°:


§ 2º As instituições de ensino superior devem conceber a formação inicial e continuada dos pro-
fissionais do magistério da educação básica na perspectiva do atendimento às políticas públicas
de educação, às Diretrizes Curriculares Nacionais, ao padrão de qualidade e ao Sistema Nacional
de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), manifestando organicidade entre o seu Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI), seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e seu Projeto
Pedagógico de Curso (PPC) como expressão de uma política articulada à educação básica, suas
políticas e diretrizes (BRASIL, 2015, p.3).

As DCNS predizem a possibilidade de formação inicial oferecida pelos centros de forma-


ção estaduais e municipais, além da formação continuada, por instituições de educação
básica que desenvolvam essas atividades. Também prevê todas as determinações para a
formação inicial e continuada em todos os níveis de ensino e modalidades, sendo que, a
formação inicial deve se acontecer “preferencialmente, de forma presencial, com elevado
padrão acadêmico, científico e tecnológico e cultural” (BRASIL, 2015).

4 CONCLUSÕES
Nesse trabalho, constatou-se que a Educação Ambiental é reconhecida por alunos e profes-
sores do terceiro ano do ensino médio de uma escola do município de Caxias – MA como
elemento importante na formação de cidadãos conscientes e atuantes quanto às questões
ambientais. No estudo, foram verificadas as formas pelas quais os professores implementam

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


a EA em suas aulas, seja através de visitas a estações de tratamento, de aulas expositivas re-
lacionadas a temáticas ambientais, do desenvolvimento de projetos, dentre outros.

Adicionalmente, a temática ambiental pode ser trabalhada nas instituições de ensino de


forma mais diversificada, a exemplo do “Ecobike”, atividade realizada na escola em ques-
tão, a qual objetiva sensibilizar os discentes quanto à necessidade de adotar práticas mais
sustentáveis. Apesar de os docentes terem formas diversificadas de trabalharem a EA, ain-
da há dificuldades em inserir esta temática de forma transversal em suas aulas. Dentre os 99
obstáculos enfrentados pelos professores na consolidação da EA como tema transversal
no processo de ensino e aprendizagem, está a ausência de disciplina de EA específica e a
formação continuada dos professores.

Apesar de os docentes afirmarem não ter dificuldade em abordar a temática ambiental em


suas aulas, mais da metade dos alunos não responderam sobre como a EA é trabalhada em
sala de aula, dado que sugere que a abordagem do assunto é realizada de maneira superfi-
cial. Porém, devem-se levar em consideração as cargas horárias curtas das aulas e a grande
quantidade de conteúdos previstos para serem estudados.

Portanto, é importante que sejam oferecidos cursos de formação continuada para os professo-
res com o intuito de preparar os docentes de forma adequada para atuarem como educadores
socioambientais, promovendo assim, a ampliação da Educação Ambiental no âmbito escolar
em uma abordagem interdisciplinar e transversal que propicia uma formação cidadã.

REFERÊNCIAS
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3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

BOSA, C. R.; TESSER, H. C. B. Desafios da educação ambiental nas escolas municipais do mu-
nicípio de Caçador–SC. Revista Monografias Ambientais, v. 13, n. 2, p. 2996-3010, 2014.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução nº 2/2015. Define


as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licencia-
tura) e para a formação continuada. Brasília, DF: CNE, 2015.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível


em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

BRASIL, Resolução CONAMA N° 422, de 23 de março de 2010. Estabelece diretrizes para


as campanhas, ações e projetos de Educação Ambiental, conforme a Lei n° 9.795, de 27 de
abril de 1999, e dá outras providências. Publicado no DOU n° 56 de 24 de março de 2010.
Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=622.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


______. Ministério de Educação e Cultura. Resolução N. 02/2012. Estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. Brasília: MEC, 2012.

______. Ministério da Educação e do Desporto, Lei nº. 9.795 de 27 de abril de 1999.


Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental
e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, n. 79,
28 abr. 1999.

100 CARDOSO, T.; et al. Educação Ambiental no ensino de química na escola estadual
Brandão de Amorim-PIBID. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO QUÍMICA, 12,
2014, Fortaleza. Anais. Fortaleza, 2014. Disponível em: http://www.abq.org.br/simpe-
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LEITE, R. F.; RODRIGUES, M. A. Educação ambiental e Ensino de Química: o que di-


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ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.1038
Recebido em 11/04/2021; Aceito em 26/04/2021; Publicado na web em 24/07/2021

Aprimorando o conceito de lentes e


expandindo a criatividade no design
emergente através de técnicas do
design especulativo
Sarah Caroline Mazeu Branco1; 101

Weynner Kenneth Bezerra Santos2;


Sadi da Silva Seabra Filho3;
Matheus Henrique do Vale Alencar4;
Allan Rodrigo dos Santos Araújo5;

1 Doutoranda em Design – Dep. de Design – Centro de Artes e Comunicação - UFPE- E-mail: sarah.branco@ufpe.br;

2 Doutorando em Design – Dep. de Design – Centro de Artes e Comunicação - UFPE- E-mail: weynnerkennethdesigner@gmail.com;

3 Doutorando em Design – Dep. de Design – Centro de Artes e Comunicação - UFPE- E-mail: sadi.ufpe@gmail.com;

4 Doutorando em Design – Dep. de Design – Centro de Artes e Comunicação - UFPE- E-mail: math.vale@design.ufc.br;

5 Doutorando em Design – Dep. de Design – Centro de Artes e Comunicação - UFPE- E-mail: allanrsa@gmail.com;

RESUMO
Este é um ensaio sobre as possíveis ligações entre o Design Emergente e o Design Especula-
tivo. Apresenta-se, através de uma discussão dialética, a visão de estudiosos da futurologia
sobre como a experimentação criativa em narrativas pode ajudar no desenvolvimento de
novas perspectivas para lidar com problemas sistêmicos adaptativos. As técnicas de pre-
visão trabalham como um conjunto ferramental, complementando algumas percepções
acerca dos desafios de inovação 5G e lançando projeções de uma próxima geração criativa.

Palavras-chave: Design Emergente, Design Especulativo, Narrativa, Foresighting, Lentes.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Enhancing the concept of lenses and
expanding the creativity on emerging
design through speculative design
techniques
102
ABSTRACT
This is an essay about the possible links between Emerging Design and Speculative Design. It is
presented, through a dialectical discussion, the view of futurology scholars about how creative
experimentation in narratives can help in the development of new perspectives to deal with adaptive
systemic problems. Forecasting techniques work as a toolkit, complementing some perceptions
about 5G innovation challenges and launching projections of a next creative generation.

Keywords: Emerging Design, Speculative Design, Narrative, Foresighting, Lenses.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


1 INTRODUÇÃO relações que permitem ver o mundo mais
dinamicamente. E são essas ideias que nos
Um paradigma ou visão de mundo é uma
tornam mais preparados para a inovação
das formas de percebê-lo. As crenças, a com-
5G (NIJS, 2019). Através de uma aborda-
preensão e o repertório pessoal, em conjun-
gem dialética foram comparadas duas ver-
to, para melhor investigar esse mundo são
tentes mais atuais do Design: a do Design
o que definem esses paradigmas (KUHN,
Especulativo de Anthony Dunne e o Design
2007). É imprudente tratar os atuais proble- Emergente da nova geração de criativos.
103
mas sociais da mesma maneira mecanicista
Como ambos tratam de soluções resultantes
e newtoniana (NIJS, 2019), numa visão ba-
de um esforço social conjunto, menos preso
seada na linearidade. As ‘coisas’ estão cada
à materialidade e aos prazos e mais preocu-
vez mais complexas: simbólicas, multifun-
pado com a manutenção ou com a mudança
cionais, compartimentadas, intercambiá-
de códigos de conduta, buscou-se um lugar
veis, descartáveis e reusáveis. Sendo, dessa
comum para a complementação do paradig-
maneira, difícil determinar sua natureza ou
ma emergente no quesito da construção de
classificá-las estética e moralmente (MEIRA,
visões e quebra de estereótipos morais. Esse
2017) de maneira cartesiana. Além disso, o
novo Design não serve apenas para resol-
caráter dinâmico do mundo atual também
ver problemas pois, apesar de o termo ser
faz com que – dependendo do contexto – os
associado às atividades para resolução de
objetos possam ter significados e usos distin-
problemas, ele também consegue trabalhar
tos, o que aumenta a dificuldade de catego-
em ações desassociadas dos fins, apenas pela
rizá-los de maneira permanente e definitiva.
experimentação dos meios.
A cronologia dos elementos é secundária se Nesse caso, faz mais sentido para o Design
comparada a outras questões mais impor- atuar procurando entender como as coisas são
tantes, como: quais são os participantes e e como elas poderiam ser. Para o Design Es-
os entornos de um problema? Como ele mi- peculativo de Anthony Dunne e Fiona Raby,
gra criativamente para uma solução? Como existem outras formas de se resolver o que
problemas complexos precisam de soluções Rittel et al., (1973), definiu como problemas
equivalentes? E, finalmente, como mudar perversos: aqueles como a fome, a inacessibi-
as perspectivas sobre o mundo para conce- lidade à educação e a corrupção política. Ele
ber novas realidades, em um momento em acreditava que, no processo de resolução de
que a esperança do livramento de catástro- problemas, só existem duas fases: a de enten-
fes é maior que a capacidade de imaginar dimento do problema, isto é, a preconcepção
alternativas? (DUNNE, 2013). e a de resolução do problema, durante e após
Os Sistemas [vivos] complexos fazem com o desenvolvimento da solução.

que se tenha uma nova imagem dos pro- Kuhn (1970), define os paradigmas como rea-
cessos, das metáforas, das descrições e das lizações científicas universalmente reconhe-

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


cidas que, durante algum tempo, fornecem relacionam individualmente e entre si, e
problemas e soluções modelares para uma assim compõem um todo. Eles interagem
comunidade de praticantes de uma ciência. com o ambiente como indivíduos e como
Nesse sentido, Chalmers (1999) traduz pa- forças coletivas. Além disso, Cavaleri; Obloj
radigmas como suposições teóricas gerais de (1993, p. 13) explicam que diversos tipos
leis e técnicas para a sua aplicação adotadas de sistema podem ter diferentes conforma-
por uma comunidade científica específica. ções e objetivos a depender da área de co-
104
nhecimento em que eles estejam inseridos
Outrossim, as crenças, entendimento e re-
ou sendo observados.
pertório pessoal de mundo, em conjunto
com a crença sobre a melhor forma de in- Para Nijs (2019), um Sistema Complexo

vestigá-lo, são o que define esses paradig- em Evolução (SCE), é capaz de aprender e
se adaptar através da interação com o seu
mas (KUHN, 2007). Tais crenças e tal reper-
contexto. No que diz respeito aos Sistemas
tório variam em época, localidade, grupo
Complexos Adaptativos, os autores os defi-
social e cultural e nossa forma de perceber
nem como dinâmicos e auto-organizados,
o mundo está presa às formas humanas de
podendo ser sem liderança, direção ou ge-
conhecer e experimentar. Por isso, várias
renciamento consciente. Tais sistemas são
são as discussões comumente geradas sobre
capazes de aprender, mudar o comporta-
uma mesma realidade, onde cada ator en-
mento das partes, seus processos e ainda
volvido no processo o entende de maneira
existir dentro de outros sistemas. A Tabela 1
diferente e o julga sob sua lente.
foi elaborada para demonstrar as principais
Em síntese, um sistema é composto por características de gerenciamento dos dois
elementos ou grupo de elementos que se tipos de visão.

Tabela 1: Características dos tipos de gerenciamento.

Herói Anfitrião
Efetivação da mudança Geração (nova) de ordem
Busca e articulação de respostas para compreender
Responsabilidade da gerência
as situações nos processos dialógicos
Orientação por entidades e resultados Orientação por processos e dinâmicas relacionais
Projeção da direção futura de uma maneira
Previsão do futuro
inspiradora baseada na aspiração coletiva
Encontrar a melhor estrutura
Manter a estrutura fluida e adaptável
organizacional
Libera o potencial dinâmico e criativo do
Cego pelos limites da organização
sistema mais amplo

Fonte: Adaptado de Nijs (2019).

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Por fim, de acordo com Nijs (2019), a lente Foram adicionadas ainda, obras de pesqui-
alinhada à complexidade faz os líderes se sadores e autores importantes para o desen-
articularem para promover interações en- volvimento da Futurologia e do Design Fu-
tre os indivíduos, nutrindo novas ideias e turista, bem como de produções tangentes
capacitando o recurso humano. O gestor à Teoria dos Sistemas Complexos e à Ficção
deve gerar a condição para a emergência Científica. O ensaio trata de tópicos sobre a
de novas soluções através de dinâmicas que criatividade, a inovação e o gerenciamento
promovam a perturbação dos padrões, in- 105
de visões de mundo. Grande parte de seus
centivando a reflexão, a experimentação e resultados focam em dados qualitativos.
a ação coletiva. Estimulando, assim, a per- Como boa parte do conteúdo publicado
manência de um sistema dinâmico, criati- pelos teóricos do Design Emergente sobre
vo, fluído, interativo e adaptável. o conceito de lentes se mantém cientifica-
Como é quase impossível mudar os valores mente indefinido, esta pesquisa objetiva
criativos de uma geração ou corrigir a visão apontar direções para a relevância científica
permitida por uma lente, já que ela é aceita de algumas definições e questões da cons-
e funciona para o que é proposta, melhor é trução paradigmática desta nova geração.
divagar sobre um complemento para uma
Será utilizada, ainda, uma abordagem dialé-
nova e posterior visão, que não negue ne-
tica para a construção das propostas deste
nhuma das anteriores, ao passo que tenta
projeto, onde serão colocados lado a lado o
resolver algumas das lacunas metodológi-
Design Emergente e o Design Especulativo,
cas do paradigma emergente.
a fim de que o diálogo entre suas diferenças
e similaridades na construção paradigmática
2 METODOLOGIA e na apropriação de metáforas, princípios e
Esta é uma pesquisa exploratória (RODRI- componentes criativos, faça também emer-
GUES, 2007) no estado do conhecimento gir um conceito mais pragmático sobre o de-
de como o Design Especulativo pode se senvolvimento de lentes para novas visões
relacionar com o Design Emergente, espe- de mundo e para um sexto paradigma.
cificamente, na escolha das visões de um
problema e na construção das lentes dentro
3 O CAMINHO PARA O
dos desafios de inovação 5G. A presente re-
DESIGN EMERGENTE
visão de literatura foi performada em cima
de três bases de dados distintas: o periódico O pensamento resolutivo, isto é, a busca
Futures, da Elsevier (https://www.journals. por um “designer resolvedor” é uma carac-
elsevier.com/futures); o Portal de Periódi- terística da Era Moderna, na cristalização
cos CAPES/MEC (https://www.periodicos. do sujeito e na tradução de suas vontades
capes.gov.br/) e o sistema de arquivamen- em produtos e peças gráficas. Durante mui-
to sem fins lucrativos de periódicos JSTOR tos anos, isso compôs a realidade do design
(ITHAKA, 2019). pelo mundo. Harvey (2002) explica que

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


apenas com a chegada da Pós-modernidade foi que o Design subverteu esse conceito, tra-
zendo a fragmentação de um mundo que se tornou cada vez mais plural.

Os sujeitos não mais se encaixavam nos arquétipos pré-definidos que outrora serviram bem
aos designers como guias para seus projetos, e, passaram a ser elementos imersos na comple-
xidade das formas, das funções e do simbolismo das coisas. De acordo com Meira, 2017), no
início da chamada “Era de Coisas, houve uma mudança dos espaços ocupados pelo Design,
106 que deixou de se apresentar como exclusivo dos profissionais que o formavam.

Para Krippendorff (2000), a tecnologia evoluiu de forma que estamos constantemente


desenvolvendo um projeto. O ato de projetar se tornou um modo de vida, quando o devir
do Design permeou algumas fases até emergir na contemporaneidade, conforme detalha-
do nos tópicos a seguir e ilustrado na Figura 1:

Figura 1: Fases da evolução da tecnologia.

Fonte: Adaptado de Krippendorff (2000).

Dessa forma, temos:

• Produtos: projetos centrados no objeto, onde o designer desenvolve produtos que


serviriam aos interesses da indústria;

• Bens, informações e identidades: usuários não mais reagem apenas aos aspectos físicos
dos objetos e das interfaces com as quais interagem, objetos carregam significados;

• Interfaces: a Era Digital apresentou conceitos onde aqueles que interagem com um
produto deixam de ser passivos para prover informações de uso e modificar o pro-
duto de acordo com as suas necessidades, respeitando os limites da sua participação;

• Redes de Multiusuários: a expansão da complexidade se deu com o desenvolvi-


mento de projetos focados nas redes. Fez-se necessário a compreensão da relação
dos stakeholders envolvidos, ou seja, entender o ponto de vista de outrem, colocan-
do as comunidades à frente dos usuários;

• Planejamentos: o projeto é guiado por visões compartilhadas em busca de coisas


que envolvem muita complexidade em sua concepção e desenvolvimento. O de-
signer é facilitador nesses projetos.

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A ascensão do designer planejador vem Para Alão (2010), as propostas top-down ra-
como uma subversão do papel tradicional ramente surtem efeito quando o problema é
do designer, que outrora projetava para um muito complexo, pois esbarram na robustez
sistema de menor complexidade no qual o característica dos sistemas caóticos. Nesse
ato de projetar servia de lente para a visua- sentido, o Design Emergente surge quando
lização de resultados inicialmente pensados não se pode prever as mudanças nos proje-
apenas por quem encomendava a solução. tos ou ainda quando as abordagens envol-
107
O envolvimento de um número cada vez vidas são, também, complexas demais. De
maior de stakeholders, que esperam ser con- acordo com Thompson et al., (2005), apesar
templados nas soluções encontradas ao fi- de o planejamento ser necessário e essencial,
nal do processo de projeto, demanda lentes o Design Emergente pode manter a coerên-
cada vez mais diferentes e independentes cia dentro de um conjunto de princípios.
desse designer. Dessa forma, Christie et al., (2005), definem
“Design Emergente como uma abordagem
3.1 Assimilando o Paradigma Emergente
de avaliação que começa com uma estrutu-
De acordo com Kitamura (1995), a emergên-
ra participativa flexível, utilizada para defi-
cia é onde “a interação local do indivíduo
nir os papéis e as interações dos envolvidos,
(elemento), se comporta autonomamente
mas não para definir um processo de avalia-
de forma mútua e com o ambiente, gerando
ção como um todo”. Por outro lado, o fato
uma ordem em larga escala e trazendo con-
de haver a necessidade de envolver diversos
trole ao indivíduo em um processo bidire-
atores para elaborar soluções emergentes,
cional”, conforme ilustra a imagem a seguir:
pode exigir uma maior coordenação e inte-
Figura 2: Conceito de emergência. ração entre os envolvidos.

Cavallo (2000), afirma que a base para a


ação e o resultado no Design Emergente se
dá através da construção da compreensão
por parte dos participantes. A abordagem
do Design Emergente permite uma expe-
riência criativa mais livre de estereótipos,
adaptando-se às necessidades e interesses
que emergem do público-alvo. O projeto
desenvolvido através do Design Emergente
não é controlado.

Um aspecto importante desse processo é


a maneira cíclica pela qual o programa e a
avaliação se influenciam (CHRISTIE et al.,
Fonte: Adaptado de Kitamura (1995). 2005). No estudo realizado pela autora em

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questão, cada parte do processo afetou o desenvolvimento da outra de forma significativa.
Com cada etapa guiada pela teoria emergente, a equipe desenvolveu, modificou e trans-
formou o design do programa e da avaliação, conforme ilustra a imagem a seguir:

Tabela 2: Momentos críticos no programa e nos processos de avaliação.

Emergência do Programa Emergência da Avaliação

108
Ponto 1 Programa de Design Emergente  Design de Avaliação Emergente
Resultados da Avaliação Formativa de
Programa Futuro de
Ponto 2
Enfermeiras Criado  LTC: identificando a necessidade de
blocos de programas focados na carreira
Ponto 3 Programa. XL criado  O foco das Avaliações Muda para XL
Ponto 4 Co-op Grant Escrito  Resultados da Avaliação Formativa XL:
Examinando Professores e
Ponto 5 Retiro de Professores TCL  Administradores
Campus – Tema Amplo
Ponto 6
Desenvolvido  Dados do Retiro de Professores LTC

Fonte: Adaptado de Christie et al. (2005).

A Tabela 2 apresenta seis pontos críticos que sa das negociações que ocorrem entre seus
ocorreram durante quatro anos de avaliação. participantes. Assim, a hipótese do progra-
Esses pontos são divididos em duas categorias: ma influenciou o desenho da avaliação, ou
seja, os avaliadores escolheram uma abor-
1. Emergência do programa;
dagem de design emergente para responder
2. Emergência da avaliação. e ser consistente com sua teoria.
Neste estudo, Christie (2015) apresenta um Nijs (2019), explica que esse modelo acre-
estudo de caso iniciado no Pasadena City dita em “propósito” ao invés de “valor”, no
College com o objetivo de ilustrar a aplicabi- sentido de que se você maximizar o pro-
lidade e utilidade de uma avaliação de pro- pósito para os stakeholders, em algum mo-
jeto emergente, bem como ilustrar como o mento no futuro, aumentará o valor para
processo evoluiu. Neste caso, de acordo com os acionistas. Os processos emergentes, no
a Tabela 2, mostra como o Design Emer- entanto, não se restringem a fazer surgir
gente (Programa) pode ser continuamente sincronias entre vários agentes.
retroalimentado através do seu próprio pro-
De acordo com Alão (2010), padrões sur-
cesso de avaliação, indicando os caminhos
gem a partir da troca de informações en-
a seguir de maneira dinâmica e adaptativa.
tre inúmeras partes de um mesmo sistema.
Nesse tipo de abordagem, há uma noção de O ambiente ou contexto no qual estes pa-
que os programas devem evoluir por cau- drões surgem são chamados de sistemas

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complexos, os quais agregam inúmeros não como uma abordagem de design já es-
agentes que, de alguma forma, interagem tabelecida e incorporada pela cultura.
constantemente de modo que o estado do
3.2 Da emergência ao Metadesign
sistema em um dado momento é resultante
O Metadesign trabalha dentro do contex-
dessas interações.
to de metáforas, tabuleiro de metáforas e
Assim, Giaccardi et al., (2004), explicam princípios orientados à criatividade e à ino-
que o desafio do design não é uma ques- vação social. Neste caso, sendo um proces- 109
tão de se desvencilhar da emergência, mas so social, a construção da solução não se
de incluí-la e fazer dela uma oportunidade dá apenas pelos conceitos e ideias ao redor
para soluções mais criativas e adequadas. do problema estudado, mas através – e si-
multaneamente – através do esforço e inte-
Outrossim, Van Alstyne e Logan (2007) afir-
ração das partes interessadas (NJIS, 2019).
mam que o processo de design, por si só,
Da mesma forma, toda e qualquer metodo-
nem sempre está na vanguarda da inovação.
logia criativa se apropria de alegorias [ou
Em outras palavras, o design é uma condi-
potenciais simbólicos], formas de represen-
ção necessária, mas não suficiente, para o
tação do fluxo de dados e de ações dos par-
sucesso de novos produtos e serviços. O que
ticipantes até o resultado alcançado.
está faltando? Intuitivamente, uma conexão
entre design inovador e emergência. Dessa “A complexidade de nossa vida em so-
ciedade é crescente. Com o passar do
forma, os autores acreditam que, para que a
tempo, com a difusão de novas tecno-
inovação possa emergir com sucesso (‘ino-
logias — principalmente as de informa-
vação por design’), as atividades intencio- ção e comunicação —, com o aumento
nais por trás dela devem buscar incorporar da complexidade das trocas e das ne-
tanto o design quanto a emergência, cada cessidades geradas pela vida nos gran-
um com seu respectivo papel. des centros, com o adensamento destes
centros e com o consequente aumento
Nesse sentido, os autores explicam que não nas interações entre indivíduos, povos
existe um processo de design que incorpora e culturas, as necessidades do projeto
fenômenos emergentes, mas sim o próprio de design são atualmente mais comple-
processo emergente como equivalente do xas do que há, por exemplo, vinte anos

processo de design. Entendendo o papel atrás (ALMEIDA, p. 62, 2014)”.

do design e da emergência separadamente, Nesse sentido, surgem novos paradigmas


conseguimos fazer um diálogo entre eles, o de processo projetual que se dedicam a su-
qual pode ser definido em estratégia proje- perar esses problemas metodológicos, entre
tual para problemas de alta complexidade eles, as várias modalidades de cocriação,
na área de design através do uso do Me- como o Design Thinking e o Metadesign. O
tadesign, entendido por Giaccardi (2003) prefixo “meta” tem origem do grego, sen-
como uma cultura emergente de design e do definido como o campo mais amplo da

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aplicação de um conceito, indicando transformação, noção de mudança e movimento
(GIACCARDI, 2003, p. 70). Outrossim, o Metadesign relaciona-se com o processo proje-
tual, sendo uma resposta às mudanças e transformações que acontecem no mundo con-
temporâneo, já que promove um modo de design mais fluido.

Adicionalmente, Giaccardi, et al., (2004) estendem a noção tradicional de design de sis-


tema para além do desenvolvimento original a fim de incluir um processo co-adaptativo
110 entre usuários e o próprio sistema. Nele, os usuários se tornam co-desenvolvedores ou
co- designers. Vassão (2010), explica que o Metadesign era tratado inicialmente como
uma abordagem de projeto por Van Onck, (1963), tendo como intenção ampliar a cienti-
ficidade do desenho industrial.

Posteriormente, esse termo foi apropriado por filósofos, teóricos da arte e do design, biólo-
gos e urbanistas: Virilio (1993), considera o Metadesign como projeto do cotidiano, realiza-
do pela própria sociedade. Giaccardi (2003, 2005) por outro lado, considera o Metadesign
o projeto que as comunidades criativas fazem de seu próprio processo criativo. Maturana
(1998), o entende como o processo de autopoiese, isto é, a autocriação desempenhada
pelos seres vivos. George (1997), o traz como sinônimo de urbanismo, ou seja, a sociedade
urbana criando a si mesma. Dessa forma, visando oferecer uma perspectiva cronológica e
visual dos relatos associados ao Metadesign, foi elaborada a seguinte linha do tempo:

Figura 3: Linha do tempo do metadesign.

Fonte: Adaptado de Vassão (2010).

A inovação exige a “transformação” do complexo em “simples”, assim, podemos perceber


que de 1960 até os dias de hoje, pesquisadores de várias áreas trabalham em cima da ne-
cessidade de novas abordagens que ajudem a lidar com os problemas complexos e as cons-
tantes mudanças do mundo contemporâneo. Não se trata simplesmente de ter processos
complexos que acompanham a complexidade do problema: antes disso, é dar sentido ao
ruído, mas não estar apegado aos vícios e às crenças criativas (BERGEN et al., 2012).

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Dessa forma, é justamente a partir de 2010 novo mapa mental, seja ele algo radical para
que essa evolução da co criação ganha força uma tecnologia totalmente nova ou, basea-
para mudar de foco: A aproximação do De- do no uso de outros produtos. E é aí que está
sign Especulativo e do Design Emergente o problema: com o avanço da complexida-
se dá através da busca de resolver questões de, o estranhamento quanto às novas coisas
relevantes e complexas baseadas em mu- também aumenta, só que dessa vez, não são
danças comportamentais dos agentes en- apenas os produtos: as pessoas, os animais, as
111
volvidos no processo como forma de criar máquinas, os ambientes, tudo está mais difí-
contextos e significados. cil de compreender e de reconhecer.

Apesar de os métodos e ferramentas de Fo-


4 EXPANDINDO A resighting estarem preocupados em ma-
EMERGÊNCIA: DO pear os sinais, escavar os dados, articular as
METADESIGN À FICÇÃO pontes, experimentar cenários e preparar as
CIENTÍFICA empresas para a inovação (WEHRMEYER et
Quando o “Estranhamento Cognitivo” é al., 2002), eles ainda estão muito presos à
apresentado por Suvin, (1972), ele o coloca baixa concretude de suas soluções, mesmo
como a primeira sensação de um indivíduo que consigam impactar positivamente o
em choque diante de uma outra proposta de ecossistema da inovação. Adicionalmente,
realidade, de objeto ou de indivíduo. É uma quando comunicados na linguagem em-
emoção que varia facilmente entre os mais presarial, os métodos se mostram muito si-
diversos espectros emocionais, mas que, milares aos estudos de Marketing e lidam
quase sempre, oscila entre o desconfortável apenas com as métricas e as mudanças que
causado por algo muito diferente do hoje e elas representam no ecossistema do negó-
o assustador diante de uma coisa muito bi- cio ou nos produtos a serem desenvolvidos.
zarra. Nesse processo, as pessoas tendem a Além disso, há uma diferença entre predizer
criar uma série de barreiras comportamen- e prever: quando se prediz, as informações
tais, pois há uma dificuldade comum à mu- são brutas, não há representação para tor-
dança que as impede de assimilar facilmente ná-las mais palatáveis, os dados são o que
coisas que não sejam de seus interesses ou são e as deduções dele aferidas são lógicas
que alterem suas percepções de mundo. e seguras, mas funcionam apenas no nível
É bem similar à questão da acessibilidade de organização. É difícil inovar na estética
econômica em produtos: ora, se um produto de um produto, por exemplo, apenas com
é, em sua totalidade, evidente, seu uso se tor- os dados brutos, pois eles não conhecem a

na identificável sem necessidade de manuais fundo o ser vivente usuário.

ou de conhecimentos prévios (KANNEN- Em compensação, tomar decisões não con-


GIESSER & GERO, 2012). Se sua acessibili- dizentes com o que os dados nos contam
dade é baixa, é preciso a construção de um ou definir metas por mera intuição é arris-

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cado, pois não há muito o que sustente essas escolhas além do arcabouço profissional de
quem as toma. O ideal, então, é uma mescla de ambos, algo explicado no processo criado
e atualizado pela Houston Foresight (HINES, 2015) e demonstrado na Figura 4:

Figura 4: Gráfico de uma nova estrutura para as atividades de Foresighting.

112

Fonte: Adaptado de Hines et al. (2013).

Um estudo de futuro acaba em outro estudo de futuro, assim como o design também é,
por si só, um conjunto cíclico de redes que se intersectam (DUNNE, 2012; NIJS, 2019). As
narrativas aqui, são um elemento de destaque, pois funcionam metaforicamente como
conjuntos de figurinos [ou lentes] que seus participantes trocam à medida que se apro-
fundam no decorrer das fases.

Voltando à questão do Estranhamento, trabalhar o novo com qualquer usuário de um


produto ou serviço é muito difícil, pois enquanto o profissional criativo, por mais chocan-
te que seja alguma descoberta, foi [ou pelos menos, deveria ser] treinado à neutralidade
e às verdades extrínsecas às crenças, pessoas comuns sofrem ao lidar com coisas que não
estejam dentro de seu espectro de verdade (SUVIN, 1972; DUNNE, 2012).

Figura 5: Escopo-base de estudo de futuro segundo a Houston Foresight.

Fonte: Adaptado de Hines et al. ( 2013).

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Nesse caso, uma abordagem preditiva pode (caixas de areia). Assim, atuando a partir do
facilitar a compreensão desse novo – pois presente, os autores propõem dividir o fu-
ela intermedia alegoricamente o choque de turo em três grandes faixas, sendo o Futuro
realidade: uma affordance para com o mun- Preferível uma projeção direta das questões
do e não para com um objeto tridimensio- mais prováveis e plausíveis.
nalmente limitado. Essa forma básica de se
estudar os futuros é muito comum em di- 5 OS 4 PS DO DESIGN 113
versas metodologias e métodos de estudo, ESPECULATIVO
mas é interessante como a Houston Fore-
Quando se trata de estudar futuros, prin-
sight, (2015) resume bem o caminho natu-
cipalmente dentro das empresas de ciência
ral pelos quais os diversos cenários se dife-
e tecnologia, as quais ainda estão muito
renciam, conforme ilustrado na figura 5.
imersas nos dilemas da digitalidade e do
Apesar de simplificado, não esclarecer a di- produtivismo, é comum tentar traçar uma
retriz de cada um desses futuros pode ser meta para uma única realidade, aquela
problemático, pois essas alternativas não ideal. Similarmente, se o Design Emergente
são neutras, muito menos isoladas. Ade- não trata dos problemas a partir da nature-
mais, mesmo recorrendo à Futurologia, há za individual do fenômeno (NIJS, 2019a),
lacunas quanto à construção educacional e
ele precisa entender as versões e as partes
à assimilação criativa que nem mesmo os
que influenciam, direta e indiretamente,
métodos menos tradicionais conseguem
sua complexidade.
cobrir. É por isso que muitos acabam recor-
rendo à Ficção Científica como forma prin- Essa semelhança só ressalta a dificuldade

cipal ou derradeira nesta facilitação, já que que ambas as visões têm em se aplicarem
ela trata o futuro como uma história: não no desenvolvimento de artefatos, já que as
a ser contada, mas a ser descoberta (CSIC- corporações estão muito mais preocupadas
SERY-RONAY JR., 2011). com a rápida obtenção de lucro e com a
escalada de performance – fator este, per-
Esse princípio da descoberta está em todo
sistente desde a primeira geração de inova-
processo orientado à inovação, por mais
ção. No Design Especulativo, como o foco
simples ou incipiente que ele possa ser
passa a ser o meio, e não o produto, há um
para a equipe criativa. Como para inovar,
consenso em se buscar os possíveis futuros
apenas contar a história é insuficiente, foi
como crítica ao status quo, e posteriormen-
necessário à comunidade futurista se rein-
te, desenhar o que as pessoas querem e o
ventar. O Design Especulativo de Anthony
que elas não desejam (DUNNE, 2013).
Dunne e Fiona Raby (DUNNE, 2013) sur-
giu como uma alternativa à abordagem dos Para Lenskjold (2016), “eles olham além do
futurólogos que eram adeptos da criação design, e tocam em outras arenas culturais
de narrativas e experimentos controlados e artísticas, como cinema, belas artes, e lite-

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ratura de ficção científica, bem como uma pois há uma quebra no processo comum de
coleção eclética de trabalhos de design que design nos projetos (MARTIN & HANING-
reflete ou explora práticas de especulação”. TON, 2012). Em compensação, todo design
Nessa afirmação, assemelhamos o Design já é, de alguma forma, orientado ao futuro
Especulativo ao Design Emergente, pois (DUNNE, 2013). Mas como os futuros são
ambos costumam buscar tratamentos em plurais, é preciso quebrar o espectro de vi-
áreas tangentes à principal. são projetado sobre eles, buscando enten-
114
Suas práticas também são sociais, e tendem der as nuances entre os muitos níveis des-
à cocriação e à emergência de soluções. Na ses futuros, conforme ilustra a figura 6:
forma de cenários, o Design Especulativo Figura 6: Um espectro para muitos futuros.
traz provocações intencionalmente expe-
rimentais e fictícias (DUNNE, 2013, p. 3).
Já no Emergente, seus resultados são, por
vezes, um sistema de soluções com base na
mudança comportamental e em resultados
tão éticos que artefatos e serviços são mera
consequência de uma busca por um modus
vivendi. Suas soluções emergem da partici-
pação de diversos campos de atividade e da
preocupação com áreas tangentes ao pro-
blema principal (NJIS, 2019a).
Fonte: Adaptado de Dunne (2013).
Mas, seja em um ou em outro paradigma,
ambos dependem de uma suspensão de des- Designers normalmente operam no nível
crença e até mesmo de uma quebra dos es- do provável, isto é, baseando-se no que as
tereótipos morais, sem metas pré-definidas: informações dizem e sem fugir do contexto
não se trata de estipular aonde se quer che- mais material da realidade. Assim, exceto
gar, pois ainda não se sabe o destino. As duas quando há algum acontecimento catastró-
vertentes lidam com resultados que surgem, fico e inesperado, eles tendem a se ater aos
de maneira muito natural e contínua, a par- fatos mais evidentes, sendo que até suas
tir das partes envolvidas e das informações metodologias e suas técnicas são orientadas
com que se deparam. Só que o esforço para para essa faixa (DUNNE, 2013): o design
realizar uma prática emergente é muito alto, tem sido, por excelência, reativo. Já o fore-
envolvendo todos os stakeholders e sharehol- sighting está na faixa do plausível, onde as
ders, e ainda assim, precisa contar com pes- realidades alternativas são mapeadas. Elas
soas preparadas para aceitar o novo. estão ligadas às mudanças em larga escala,
O processo estabelecido por qualquer uma as quais podem trazer riscos severos ao pro-
delas pode soar muito estranho ao habitual, cesso decisório humano.

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Um terceiro cone é o dos futuros possíveis blemas passados, presentes e futuros, pela
para as ficções científicas. O Design Emergen- conciliação das partes em prol de soluções
te começa nessa faixa, quando nas fases de tão complexas quanto seus problemas,
abertura criativa, mas termina na primeira, como também, potenciais adaptativos, de
quando busca materializar soluções inova- caráter real e simbólico. Para isso, o modelo
doras; começa como um esforço de colabo- processual do desenvolvimento precisaria
ração imaterial e acaba como impacto social de uma atualização para algo que ilustra o
115
financeiramente viável (NJIS, 2019). Ele é fluxo de visão dos participantes, e da infor-
uma fuga do estereótipo mental que impreg- mação do início aos [possíveis] fins de uma
na grande parte do construto social humano, secção do projeto, conforme figura abaixo:
ainda mais daquele apropriado pelo design
Figura 7: Narrativa emergente.
(ROXBURGH & CARATTI, 2018).

Para além do espectro, estão a fantasia e os


construtos míticos, que são de pouco inte-
resse no design corporativo e social, exceto
em uma camada estética ou metafórica. Fi-
nalmente, um feixe projetado na intersec-
ção entre o provável e o plausível, isso é,
unindo design e foresighting, sem lançar
mão das técnicas de narrativas e engaja-
mento da ficção, representaria o Preferível,
num sentido quase utópico do desenvolvi-
mento (DUNNE, 2013).

Na especulação, também fica mais fácil


tratar o estranhamento dos cenários, pois
quase todos lidam com artefatos e serviços,
Fonte: Adaptado de Hines et al. (2013).
sem cair no limbo da criação puramente ar-
tística de mundos [comum às Belas Artes] Dentro da ideia de narrativa emergente, o
(SUVIN, 1972) ou nas limitações da nar- mediador, na figura do designer, é responsá-
ração de histórias [comuns às técnicas de vel por estabelecer as lentes a serem usadas,
construção de cenários em design] (MAR- estimular a troca de lentes quando necessá-
TIN & HANINGTON, 2012). Assim, para rio e tutorar as partes a não se apegarem a
um molde mais completo de trabalho com qualquer dado, conceito ou opinião. Nesse
futuros e emergências, é importante uma caso, a figura do designer passa para algo
adaptação da linha base de prospecção. que se mantém neutro e influenciador ape-
Um Design Emergente orientado às narra- nas de práticas para aumentar a eficiência
tivas é aquele que consegue trabalhar pro- do processo.

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Isso quer dizer que, em um sistema de nar- e tratadas. Por isso, através do Design Es-
rativa emergente, mais importante que a peculativo (DUNNE, 2013), são sugeridas a
própria emergência é a visão de todos os adição de três metáforas ao conjunto bási-
problemas como potenciais emergentes. co emergente:
Entretanto, nem tudo, porque emerge,
1) Narrativa — quando e onde as coisas
deve ser tratado sistêmica e adaptativa-
acontecem passa a ser importante, pois
mente. Assim, importante é a mentalidade
116 mesmo que cada mudança seja difícil de
de que as lentes existem não para serem o
prever, há sempre uma grande história sen-
Deus Ex Machina para o novo paradigma
do [ou a ser] contada.
de inovação, mas, para conscientizar seus
utilizadores que eles podem [e devem] tro- 2) Experimentação crítica — para prever
car de lente quando confrontados por um corretamente, primeiro, é preciso tentar.
problema que não consiga ser tratado pela Esse é um pensamento simples, mas por
que estão usando. vezes negligenciado. Se um indivíduo ou
grupo tentar mais antes de acertar, eles te-
No processo ilustrado acima, há espaço para
rão mais chances de acertar, não porque
todas as fases de design, mas elas não são
são melhores, mas porque aumentaram o
obrigatórias. Da mesma forma, há espaço
espaço amostral total das tentativas. Simi-
para todas as etapas dos estudos de futuro,
larmente, quanto menos tentativas, menos
mas eles também não são uma receita para
casos de sucesso. A experimentação através
a inovação. Mais importante que o simples
de cenários fictícios pode ajudar a reduzir o
inovar é facilitar a compreensão e a aceita-
estranhamento das partes ao processo e fa-
ção da mudança social pela cocriação e pela
cilitar a exportação de certos pensamentos,
noção de desapego criativo.
além da identificação dos que são nocivos
ao propósito estabelecido.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
3) Previsão — não adianta tentar mudar a
Qualquer operação dentro de uma “len-
forma como o designer participa do pro-
te emergente” precisa estar disposta a ser
cesso se ele insiste em se manter reativo
tão imprevisível quanto o problema que
às mudanças, isto é, esperando e intervin-
ela ataca. Só que, se os partícipes cami-
do apenas quando é provocado. É preciso
nham muito livres no processo, acabam se
aprender a antecipar as mudanças para fa-
desapropriando dos métodos e, o que já é
zer o correto direcionamento do time e dos
muito complexo e difuso, acaba gerando
esforços. Previsão é diferente de prevenção:
ainda mais ruído. Poderia haver um forta-
uma trata de projetar o pensamento sobre o
lecimento à lente emergente, adicionando
amanhã, outra de ter cuidado para com ele.
novas metáforas básicas que facilitassem
prever as mudanças e a forma como as in- O Design, nesse caso, não se trata de agir
formações no processo são compreendidas para trazer ordem à complexidade, mas de

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


algo que traz algum sentido a esses nós das Essa malha ainda trabalha numa narrativa,
redes de interações. “Isso é onde, pelo menos mas nenhuma das partes é mais importante
a partir de uma perspectiva de mentalidade, que a outra: toda a história traz dados do lu-
o Design pode ajudar: trazendo um pouco gar e da época, relevantes ao processo.
de clareza a essa imprecisão” (BERGEN et al.,
Com esse novo conjunto, podemos chegar
2012). Além dessas metáforas, há ainda uma
à conclusão de uma nova forma de condu-
série de princípios nessas duas vertentes do
ção do processo de design dentro do para-
117
Design. No Emergente, o senso de urgência
digma emergente: uma que não desaloca
aliado ao de uma solução que explode a par-
sua função de mediador ou lhe confere
tir da união de todas as partes cria um senso
mais poder; tampouco muda a participação
de fluidez (NJIS, 2019b).
dos stakeholders ou dos shareholders. Muito
Assim, poderiam ser integrados pelo menos pelo contrário, essas novas adições só fun-
dois princípios básicos adicionais à menta- cionam se o atual modelo, quando elas são
lidade do que é definido como emergente, incluídas, for o mesmo inconstante.
já comum aos estudiosos de futuro e mais
A diferença é sutil e muito mais ligada a
especificamente, do Design Especulativo
como o processo é compreendido pelas par-
(DUNNE, 2013). O primeiro princípio estaria
tes, além de ensinar que, mais importante
ligado à ideia de realidade projetada e de atra-
que a construção de uma lente emergente é
vessamento desta realidade pelos indivíduos;
o fato de a visão emergente permitir a cria-
o segundo, à noção de malha de realidade:
ção de lentes emergentes e não-emergentes
1) Quarta parede — não importa quão hu- ou de qualquer outro espectro de visão an-
mano, organizado, interpessoal, cocriativo terior ou posterior a ele. Ademais, a quebra
ou não-linear seja o processo, ele sempre da quarta parede (BORIE et al., 2004), no
será arquitetado pelas partes. Pode haver sentido de sair da visão de partícipe para
vezes em que o facilitador deva [ou possa] a visão do arquiteto, ou seja, de uma força
quebrar esta Quarta Parede, isto é, sair do observadora consciente da teatralidade do
palco teatral do processo para os bastidores processo, permitiria uma maior capacidade
ou arquibancada. Desta forma, ele poderá de previsão de outras mudanças vindouras,
entender que partes do sistema estão mais além da experimentação pela manipulação
ou menos engajadas, quais têm seus objeti- estratégica passiva das partes: deixar fluir os
vos atendidos e quais precisam de mudan- interesses e registrá-los sem induzi-los.
ças de perspectiva.
O Estranhamento Cognitivo (SUVIN, 1972)
2) Malha espaço-temporal — Não se trata ape- é trabalhado, então, não mais como algo
nas de um sistema não-linear e aberto, mas exclusivo dos produtos e serviços, mas no
de um que se tenciona, que se dobra ao es- processo para aumentar a suspensão de des-
forço, sem desfazer as conexões de sua malha crença não só nos usuários, como também
gravitacional ou os corpos que ela sustenta. nos stakeholders e nos shareholders. Dessa

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maneira, o processo a ser seguido em problemas emergentes, complexos se dará através da
participação de stakeholders, usuários e shareholders dentro de uma abordagem sistêmica.

Não são propostas mudanças significativas às metodologias compreendidas no Design Emer-


gente, porque não existe, de fato, uma visão certa ou errada sobre os processos criativos ou
para a resolução de problemas, o que existe são os paradigmas mais ou menos adequados
ao processo decisório dos stakeholders. Por esse motivo, todos os paradigmas anteriores de
118 design se mantêm ativos. E por este mesmo motivo, pode-se dizer que tais incrementos se-
jam, talvez, mais apropriados a uma nova lente, de um sexto paradigma, um Trans design,
o qual atravessa quaisquer barreiras disciplinares e age no panóptico social, enxergando o
sistema por completo e direciona seus esforços sem juízo de valor individual.

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DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.1039
Recebido em 25/04/2021; Aceito em 18/06/2021; Publicado na web em 24/07/2021

Ensino de gramática: formas remissivas


lexicais e formação de sentido
Leila Silvana Pontes1;
Marcelo Nicomedes dos Reis Silva Filho2;

1 Doutoranda em Letras na Unioeste, Mestre em Letras pela UEM, Professora do IFPR Campus Umuarama. E-mail: ls.pontes@hotmail.com;
121
2 Bolsista FAPEMA, Doutor em Letras pelo PPGL Unioeste, Mestre em Educação pelo PPGE UCB, Professor do Curso de Licenciatura em
Linguagens e Códigos - UFMA Campus São Bernardo. E-mail: nicomedes@gmail.com;

RESUMO
O presente estudo traz para discussão a renitente postura de ensino de gramática presa
a regras e a normas que não contribuem para o crescimento linguístico do aluno. A fim
de defender um ensino diferente, que privilegie o uso, os sujeitos e a reflexão sobre as-
pectos linguísticos, este trabalho propõe uma prática de ensino de gramática pautada
na Linguística Textual. Para isso, trabalhou coesão textual, especificamente, formas re-
missivas lexicais. Procurou resposta ao seguinte questionamento: Como o trabalho com
gramática, a partir da Linguística Textual, corrobora para o entendimento de que escolhas
lexicais mostram que os sujeitos são atuantes, sócio e historicamente determinados? A
análise, bibliográfica e qualitativa, buscou, dentre outros autores, fundamentação teórica,
principalmente, em Ingedore Koch (2001; 2006; 2009; 2012; 2014). Após levantamento
teórico, analisou-se um texto de autor indígena, considerando algumas subclassificações
das formas remissivas lexicais:1) Expressões ou Grupos Nominais Definidos; 2) Nomina-
lizações; 3) Expressões Sinônimas ou Quase Sinônimas”; 4) “Hiperônimos ou Indicadores
de Classe”. Objetivou-se, com isso analisar como o ensino de gramática contribui para o
entendimento das escolhas lexicais enquanto ação, identificação e determinação do sujei-
to. As análises mostraram que o trabalho com a coesão não precisa ser mecânico e que as
expressões e o léxico não estão fadados a um sentido fechado, uma vez que são clivados
pela história, contexto e intenções. Revelou que o sujeito, ao fazer uso das formas remis-
sivas lexicais, usa o referente conforme enxerga o seu universo ao interagir sociocogniti-
vamente com ele. As escolhas não são aleatórias, além de serem ações do sujeito, revelam
quem eles são, identificando-os e determinando-os.

Palavras-chave: Ensino de gramática; Linguística Textual, Formas Remissivas Lexicais.

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Grammar teaching: lexical remissive
forms and meaning formation
ABSTRACT
This study brings to discussion the reluctant posture of grammar teaching attached to rules and
122 norms that do not contribute to the student’s linguistic growth. To defend a different teaching,
which privileges the use, the subjects and the reflection on linguistic aspects, this work proposes
a practice of teaching grammar based on Textual Linguistics. For that, it was worked on textual
cohesion, specifically, the lexical remissive forms. It has been sought an answer to the following
question: How does the grammar teaching, based on Textual Linguistics, corroborates to the
understanding that lexical choices show that the subjects are active and socially and historically
determined? The analysis, bibliographic and qualitative, sought, among other authors, theoretical
foundation, mainly, in Ingedore Koch (2001; 2006; 2009; 2012; 2014). After a theoretical survey,
a text by an indigenous author was analyzed, considering some subclassifications of the lexical
remissive forms: 1) Defined Expressions or Nominal Groups; 2) Nominations; 3) Synonymous
or Almost Synonymous Expressions”; 4) “Hypernymies or Class Indicators”. The objective was
to analyze how the grammar teaching contributes to the understanding of lexical choices as
action, identification, and determination of the subject. The analyzes showed that the work with
cohesion does not need to be mechanical and that the expressions and the lexicon are not bound
to a closed sense since they are cleaved by history, context, and intentions. It is even more that the
subject, when making use of the lexical remissive forms, uses the referent as he sees his universe
when interacting sociocognitively with him. The choices are not random and, in addition to being
the subject actions, they reveal who they are, identifying and determining them.

Keywords: Teaching grammar; Textual Linguistics, Remissive lexical forms.

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1 INTRODUÇÃO são desconsiderados. Nesse aspecto, a lín-
gua, tratada como norma, apenas registra,
O trabalho com aspectos gramaticais é re-
segue estática, morta, alheia ao movimen-
corrente em salas de aula. Diante disso, lu-
to social e histórico de seus usuários, bem
tar contra a persistência ou resquícios de
como alheia a seus interesses. Obedece a
uma abordagem tradicional, normativa,
regras e ignora usuários e contexto. No que
descontextualizada e vazia de significado
se refere a isso, Bagno (1999, p. 10) afirma:
para a formação do sujeito é relevante no 123
contexto escolar, quando se refere ao en- Enquanto a língua é um rio caudalo-
so, longo e largo, que nunca se detém
sino de Língua Portuguesa. O apego à Gra-
em seu curso, a gramática normativa é
mática Tradicional (GT) e à Gramática Nor-
apenas um igapó, uma grande poça de
mativa (GN) distancia o ensino da língua
água parada, um charco de lodo, um
de suas manifestações reais de uso, ao focar brejo, um terreno alagado. Enquanto
e reduzir seu estudo a aspectos descritivos a água do rio/língua, por estar em mo-
e normativos. Não se pode desconsiderar a vimento, se renova incessantemente,
importante contribuição da GT para os es- a água do igapó/gramática normativa
tudos linguísticos. No entanto, no que se envelhece e só se renovará quando vier

refere ao ensino, ela impôs modelos de lín- a próxima cheia.

gua, desconsiderando o tempo, o contexto De acordo com Bakhitin (1998, p. 84), o


e os usuários. Outrossim, foram desconsi- olhar para modelos, para estruturas, para
derados os significados estabelecidos no aspectos mais fixos da língua se deu porque
processo de produção e recepção de textos, a linguística foi gerada em um momento
levou seu perfil prescritivo-normativo para em que a atenção da ciência estava volta-
a sala de aula, distanciando-se do uso da da para a unidade e não para a pluralida-
linguagem, da língua viva, em movimento de; em um momento que se valorizavam
e não representou um trabalho significati- “os aspectos mais resistentes, mais firmes,
vo para o “desenvolvimento da competên- mais estáveis e menos ambíguos do dis-
cia linguístico-discursiva (sic) do aluno” curso”. Contrariamente a isso, o ensino de
(PONTES, 2005, p. 22). gramática deve trabalhar a língua “situada
Em relação ao trabalho de língua portugue- no emaranhado das relações humanas, nas
sa, de acordo com Neves (1999), professores quais o aluno está mergulhado. Não a lín-
se sentem inseguros e recorrem às normas, gua divorciada do contexto social vivido”
à Gramática Normativa (GN). Essa, por (BRASIL, 1999, p. 141). No entanto, segun-
exemplo, é mais uma das causas de o en- do Antunes (2009, p. 13), um docente
sino enfatizar e se distanciar da língua cor- [...] ao voltar à sala de aula, depois de
rente - fazendo da sala de aula um trabalho estar afastada por dez anos, constatou
alheio ao universo histórico e social, um que se mantinha na escola a mesma
trabalho inócuo, no qual os interlocutores programação de ensino de língua: cada

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uma das classes gramaticais – repetidas na Linguística Textual (LT), cujo princi-
à exaustão, do fundamental ao ensino pal nome se refere a Ingedore Koch (2001;
médio. Que quase nada havia muda- 2006; 2009; 2012; 2014). Tendo em vista a
do, portanto, nesse espaço de tempo,
insistência de abordagens gramaticais irre-
apesar de tantos avanços das teorias,
levantes, porque são restritas às estruturas
respaldadas pelas pesquisas mais con-
e às normas, a análise visa responder ao
tundentes e especializadas.
seguinte questionamento: Como o ensino
124 Dessa maneira, entende-se que ainda há de gramática, a partir da LT, corrobora para
situações de trabalho com a língua portu- o entendimento de que escolhas lexicais
guesa em que a ênfase está pautada em an- mostram que os sujeitos são atuantes, so-
tigos comportamentos e direcionamentos cial e historicamente determinados? Diante
gramaticais como classificações e memori- disso, o corpus da pesquisa refere-se a uma
zações, por exemplo. Situações em que, no redação dissertativo-argumentativa de um
trabalho de ensino-aprendizagem de língua candidato ao vestibular indígena para aten-
portuguesa, no que se refere à gramática, o der à proposta de redação da Universidade
aluno é depósito de conteúdo, não é com- Estadual do Oeste do Paraná, cujo tema era
preendido, nem tratado como ser atuante “Demarcação de Terras Indígenas”, realiza-
em seu contexto sócio-histórico-social, não da em 2015. Nele, serão abordados aspec-
se consideram suas relações de interação, tos de coesão referencial: formas remissivas
bem como a relação com o outro. A pos- lexicais. Diante disso, propomos, como ob-
tura de ensino é basicamente tradicional, jetivo desta pesquisa, analisar como o ensi-
estruturalista (MARTELOTTA, 2012). no de gramática contribui para o entendi-
mento das escolhas lexicais enquanto ação,
Para atender ao que se propõe neste estudo,
identificação e determinação do sujeito.
o trabalho segue dividido em embasamen-
A execução do trabalho contou com pes-
to teórico sobre a LT, momento em que se-
quisa bibliográfica devido ao levantamen-
rão discutidas noções sobre sujeito, texto e
to de referências, conhecimentos prévios
construção de sentido; análise, na qual serão
(FONSECA, p. 202), principalmente, refe-
abordadas “formas remissivas lexicais a partir
rentes à LT. Contou também com pesquisa
do texto “Demarcação de terras indígenas”;
qualitativa, uma vez que “a pesquisa quali-
3) considerações finais e, por fim, referências.
tativa se preocupa, portanto, com aspectos
da realidade que não podem ser quantifi-
2 METODOLOGIA cados, centrando-se na compreensão e ex-
Para defender uma perspectiva de ensino plicação da dinâmica das relações sociais”
diferente, na qual sejam privilegiados o (GERHARDAT; SILVEIRA, 2002, p. 32). E,
uso, os sujeitos e a reflexão sobre aspectos nesse sentido, vai ao encontro da propos-
linguísticos, este trabalho visa propor uma ta de ensino de gramática deste estudo, ao
prática de ensino de gramática pautada valorizar o uso, a relação social e a intera-

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ção entre sujeitos. Em outros termos, por se Nessa perspectiva, o sujeito se constitui na
referir a uma proposta calcada na LT, que interação com o outro, o qual lhe dá os li-
entende as atividades verbais mites de quem é dentro de uma relação. A
como ações conjuntas, já que usar a partir dessa visão interacionista de língua, o
linguagem é sempre engajar-se em al- entendimento da LT é de um sujeito ativo,
guma ação em que ela é o próprio lugar um ator e construtor social que tem o texto
onde a ação acontece, necessariamente como seu lugar de interação. Nesse lugar, o
em coordenação com os outros. Essas 125
sujeito, no processamento textual, faz uso
ações não são simples realizações au-
de seu conhecimento enciclopédico, adqui-
tônomas de sujeito livres e iguais. São
ações que se desenrolam em contex- rido no decorrer de suas experiências e dei-
tos sociais, com finalidades sociais e xa suas características enquanto usuário da
com papéis distribuídos socialmente. língua. É nele, no texto, que se produzem e
(KOCH, 2014a, p. 20) se constroem sentidos, num processo inte-
rativo complexo, com o uso de elementos
3 LINGUÍSTICA TEXTUAL linguísticos organizados em sua superfície.
- TEXTO, SUJEITO E O texto, na LT, é um lugar de interação no
CONSTRUÇÃO DE qual se tem uma unidade, porém, compor-
SENTIDO ta um complexo emaranhado de ações pro-
A LT desenvolveu-se na Europa em 1960. movidas pelos sujeitos (KOCH, 2014b). Se-
No Brasil, ganhou expressividade a partir gundo Bakhtin (apud KOCH, 2006, p. 16),
de produções de linguistas como Ingedore o sujeito não é isolado e, no texto, interage
Koch, Luiz Antônio Marcuschi, dentre ou- com outros discursos, nessa interação, tan-
tros. Ela supera o entendimento de que o to se posiciona, quanto é posicionado. Nas
trabalho com a linguagem se restrinja a um palavras do filósofo, no texto, o sujeito
somatório de itens ou sintagmas, entende
encena, dramatiza essa relação. Nele,
que as relações textuais vão muito além
o sujeito divide seu espaço com o ou-
disso (OLIVEIRA, 2010) e possui uma con-
tro porque nenhum discurso provém
cepção interacionista de linguagem (MO- de um sujeito adâmico que, num ges-
RATO, 2005). Isso significa que tem to inaugural, emerge a cada vez que
uma posição externalista a respeito da fala/escreve como fonte única do seu
linguagem, isto é, que se interessa não dizer. Segundo essa perspectiva, o con-
apenas ou tão somente pelo tipo de sis- ceito de subjetividade se desloca para
tema que ela é, mas pelo modo através um sujeito que se cinde porque átomo,
do qual ela se relaciona com seus exte- partícula de um corpo histório-social
riores teóricos, com o mundo externo, no qual interage com outros discursos,
as condições múltiplas e heterogêneas de que se apossa ou diante dos quais
de sua constituição e funcionamento. se posiciona (ou é posicionado) para
(MORATO: 2005, p.312). construir sua fala.

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Para Koch, o texto é mesmo o lugar pró- zar anseios, percepções, valores e o “vasto
prio da interação. Nele, os sujeitos (interlo- conjunto de saberes”, que envolve conhe-
cutores) são ativos na medida em que são cimento linguístico, sociocognitivo e his-
atores e construtores sociais, constroem e tórico. Dentro desse processo de interação,
são construídos. Há, no texto, “toda uma há uma dinâmica de trocas discursivas que
gama de implícitos, dos mais variados ti- permitem, ou não, novas formulações,
pos, somente detectáveis quando se tem, avaliações sobre um assunto, sobre um re-
126
como pano de fundo, o contexto socio- ferente; que coloca em cena um “jogo de
cognitivo dos participantes da interação” imagens”, ou seja, um saber dos sujeitos em
(KOCH, 2006, p. 17). Corresponde a um produzir seu texto a partir da avaliação que
evento comunicativo e dialógico, um lugar fazem de si mesmos, do co-enunciador, da
no qual se encontram ações linguísticas, situação comunicativa e do assunto, enfim,
sociais e cognitivas, um lugar “de interação vários aspectos para que o processo intera-
entre sujeitos sociais - contemporâneos ou tivo seja bem-sucedido. Costa Val (1999, p.
não, co-presentes ou não, do mesmo grupo 4) aponta uma série de fatores pragmáticos
social ou não, mas em diálogo constante” que contribuem para a construção de senti-
(KOCH, 2006, p. 20). do de um texto:
Compreender um texto, dentro dessa concep- as intenções do produtor; o jogo de
ção de linguagem adotada pela LT, é muito imagens mentais que cada um dos in-

mais que realizar mera tradução de represen- terlocutores faz de si, do outro e do ou-
tro com relação a si mesmo e ao tema
tação mental ou de decodificação uma men-
do discurso; o espaço de perceptibili-
sagem emitida pelo emissor. É, na verdade,
dade visual e acústica comum, na co-
uma atividade interativa altamente municação face a face. Desse modo, o
complexa de produção de sentidos, que é pertinente numa situação pode
que se realiza, evidentemente, com não ser em outra. O contexto socio-
base nos elementos linguísticos presen- cultural em que se insere o discurso
tes na superfície textual e na sua forma também constitui elemento condicio-
de organização, mas que requer a mo- nante de seu sentido, na produção e na
bilização de um vasto conjunto de sa- recepção, na medida em que delimita
beres (enciclopédia) e sua reconstrução
os conhecimentos partilhados pelos in-
no interior do evento comunicativo.
terlocutores, inclusive quanto às regras
(KOCH,2006, p. 17).
sociais de interação comunicativa (uma
Assim, o sentido do texto, atividade so- “certa” etiqueta” sociocomunicativa,

ciocognitiva, é “construído na interação que determina a variação de registros,


de tom, de voz, de postura, etc.)
texto-sujeitos (ou texto-co-enunciadores)
e não algo que preexista a essa interação” Essas representações e imagens constituídas
(KOCH, 2006, p. 17). São os sujeitos so- pelo sujeito são manifestadas por meio de
ciais que irão, a partir da língua, mobili- textos, os quais, entendidos como formas

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de cognição social, permitem ao homem, (KOCH, 2012, p. 31). A remissão pode tan-
segundo KOCH, (2001, p. 151), to ser feita para trás: “O homenzinho subiu
organizar cognitivamente o mundo. E correndo os três lances de escadas. Lá em
é em razão dessa capacidade que são cima, ele parou diante de uma porta e ba-
também excelentes meios de interco- teu furiosamente. (anáfora)” (KOCH, 2012,
municação, bem como de produção, p. 31), em que o pronome ‘Ele’ retoma ‘O
preservação e transmissão do saber. De- homenzinho’, como ser feita para frente:
terminados aspectos de nossa realidade 127
“Ele era tão bom, o meu marido! (catáfora)”
social só são criados por meio da re-
(KOCH, 2012, p. 31), em que o pronome
presentação dessa realidade e só assim
‘Ele’ antecipa a expressão ‘o meu marido’.
adquirem validade e relevância social,
de tal modo que os textos não apenas De acordo com Koch (2006), no contexto
tornam o conhecimento visível, mas, de interação, que requer processamento
na realidade, socio-cognitivamente
textual, a referenciação passou a ser um dos
existente. A revolução e evolução do
principais assuntos da LT (KOCH, 2014a).
conhecimento necessita e exige, per-
Ao usarmos a referência, não estamos ape-
manentemente, formas de representa-
ção notoriamente novas e eficientes.
nas representando os referentes do mundo
extramental; mas sim,
O texto constitui-se por uma rede de senti-
acima de tudo, pela forma como, so-
do, sujeita, portanto, a um vasto saber enci-
ciocognitivamente, interagimos com
clopédico no interior do acontecimento co-
ele: interpretamos e construímos nos-
municativo e a uma complexa organização sos mundos através da interação com
dos elementos de sua superfície. De acordo o entorno físico, social e cultural. A re-
com Koch (2006, p.19), tanto o produtor de ferência passa a ser considerada como
texto quanto o interpretador têm uma par- o resultado da operação que realizamos

ticipação ativa na produção textual, pois quando, para designar, representar ou


sugerir algo, usamos um termo ou cria-
“ao jogarem o ‘jogo da linguagem’ mobi-
mos uma situação discursiva referen-
lizam uma série de estratégias - de ordem
cial com essa finalidade: as entidades
sociocognitiva, interacional e textual - com designadas são vistas como objetos de
vistas à produção do sentido.” discurso e não como objetos do mun-
do. (KOCH, 2006, p.79)
A coesão referencial por formas remissivas
diz respeito a essas estratégias. Koch (2010) Na perspectiva da LT, os aspectos da língua
explica que é aquela em que um compo- superam um ensino preso à GT e/ou à GN,
nente da superfície textual realiza uma re- em que modelos e normas não deixam es-
missão (“forma referencial ou remissiva”) a paço para ações de interlocutores e entre
um outro elemento do texto ou a elementos interlocutores e para aspectos sociais, por
que podem ser inferidos a partir dele (“ele- exemplo. Um ensino de língua portugue-
mento de referência ou referente Textual”) sa, ao dar relevância à interação, valoriza, a

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linguagem em uso, em movimento (MAR- (12) Para os indígenas (13) isto é muito

CUSCHI, 2008). importante, é a partir da demarcação


das terras, que vão dar continuidade
dos costumes e principalmente da cul-
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO tura para que ela seja levada adiante e

A fim de observarmos coesão referencial por a sério tanto para (14) os mais velhos,
quanto para os jovens e crianças, (15) isto
formas remissivas na prática, para atender a
evitará que a cultura seja esquecida.
128 proposta deste trabalho, iremos abordar/ana-
lisar, em texto de autoria indígena3, algumas Com relação às formas remissivas lexicais,

subclassificações das formas remissivas lexi- há, no texto, o que Koch chama de Expres-

cais apontadas por Koch (2012, p. 48-52): 1) sões ou Grupos Nominais Definidos. Isso
ocorre, por exemplo, quando: a) (11) “os
“Expressões ou Grupos Nominais Definidos”;
nossos objetivos” faz remissão à (9) “coi-
2) “Nominalizações”; 3) “Expressões Sinôni-
sas que queremos” (se fosse o contrário, ou
mas ou Quase Sinônimas (nomes genéricos:
seja, se o léxico “coisa” estivesse fazendo
coisa, pessoa, fato, fenômenos)”; 4) “Hiperô-
remissão, seria por nome genérico). Nesse
nimos ou Indicadores de Classe”.
caso, essa retomada não se refere a apenas
A Demarcação das terras indígenas uma troca de elementos, de palavras, há
(1) A demarcação das terras indígenas é uma interferência significativa no campo
um assunto que precisa ser discutido semântico do texto, pois “usar ‘os nossos
com cuidado e muita atenção, porque objetivos’ é uma ação mais argumentativa
gera opiniões diferentes positivas e ne- por parte do interlocutor, visto que ‘ter ob-
gativas. (2) A grande maioria das pessoas
jetivos’ envolve planejamento, espera, ex-
que “não são indígenas” não concordam
pectativa, todo um comprometimento não
com a possibilidade de as terras que os
apenas emocional como, principalmente,
produtos compraram e ocupam por
de atitudes. Diferentemente do ‘querer’,
muitos anos, seja tirada e transformada
que não remete o interlocutor, necessaria-
em (3) reserva para (4) índios.
mente, a tais sentidos, pois ‘querer’ pode se
Ainda existe (5) “gente” que pensa que
limitar ao desejo, ao sonho, a uma projeção
para (6) os indígenas (7) “tudo é de gra-
imaginária que não requer, necessariamen-
ça”, mas na realidade não é (8) assim.
te, atitude, ou não remete a um efeito de
Como qualquer pessoa precisamos cor-
sentido de ‘planejamento’; b) em (6), a for-
rer atrás ir em busca das (9) coisas que
queremos. (10) Nada é fácil na nossa ma remissiva “os indígenas” faz remissão a
vida precisamos nos esforçar sempre (4) “índios”. Nesse caso, chama a atenção
para que possamos alcançar (11) os nos- a presença do artigo definido em ‘os indí-
sos objetivos. genas’ e a ausência de artigo definido antes
do nome ‘índios’, no primeiro parágrafo.
3 No texto, foram inseridas numerações, a fim de se localizarem,
com mais facilidade, os elementos referenciais analisados. Essa referenciação explica a afirmação de

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Koch (2014b) de que o sujeito deixa mar- Em relação às Nominalizações, estas não
cadas no texto suas características por meio foram encontradas no texto. Entretanto, há
dos elementos linguísticos, ou seja, no mo- algumas Expressões Sinônimas ou Quase
mento em que o autor do texto, indígena, Sinônimas: a) Em (5) “gente”, o termo ge-
está mencionando as pessoas, ou a grande nérico faz remissão à (2) “A grande maioria
maioria delas, que são contrárias à demar- das pessoas que “não são indígenas”. Ao usar
cação de terras, o nome “índios” vem desa- a palavra “gente”, no texto, com aspas, o au-
companhado de artigo. 129
tor cria um aspecto semântico, ou melhor,
Assim, do pondo de vista do autor do texto, ativa um implícito, bastante interessante:
o homem branco enxerga o índio como um uma ironia, que pode mostrar ao leitor sua
ser qualquer, sem importância - é a “voz” aversão ao homem branco contrário à de-
do homem branco representada ali na au- marcação de terra. Ao dar novos nuances
sência do artigo: não se trata de “O índio”, para o elemento coesivo “gente”, o produtor
mas de ‘índio’, um qualquer, sem determi- do texto atua com a linguagem, revela algo
nação, visto de forma geral, sem importân- de si, anuncia sua opinião sobre o outro - de
cia. O autor indígena deixa marcado no onde vem essa opinião? De toda uma opres-
texto que, a seu ver, o homem branco não são histórica - o massacre que sofreram e so-
valoriza as suas especificidades, a sua his- frem. De perdas que tiveram e continuam
tória, as suas lutas, às suas crenças, à sua tendo. De lutas incessantes, dores e tristezas
terra, a sua gente. Pode se inferir crítica à do passado e que, agora, ainda são necessá-
falta de empatia do homem branco a ques- rias para defenderam seu espaço.
tão indígena, uma falta de empatia que se
Considerando aspectos históricos, sociais
arrasta no decorrer da história e faz vítimas
e culturais, evidencia-se aqui como o pro-
ao tirar-lhes a terra. Diferentemente, o au-
dutor age, sociocognitivamente, com o seu
tor, ao falar de sua gente, e, indiretamente,
dele mesmo, utiliza artigo definido, há pro- mundo e realidade. As aspas abrem espaço

priedade nisso: é o índio que se coloca na para uma ironia que supõe e sugere, inclusi-
sua história, no seu povo e marca suas ori- ve, um questionamento do autor: “É gente
gens. Ele define seu povo: ´Os indígenas’, quem pensa assim contra o índio?”. Ques-
que para ele não se referem a quaisquer pes- tionamento possível sobretudo quando se
soas. A partir da estrutura, da forma como pensa na trajetória de opressão vivida pelo
organiza o texto, ele aciona todo um co- seu povo, pensamento associado a um pas-
nhecimento implícito. Uma gama de repre- sado de ações violentas. Entende-se que a
sentações pode ser elucidada na ausência e escolha do elemento referencial não é alea-
na presença do artigo definido, a partir do tória, portanto, a análise não deve ser me-
momento em que se considera o pano de ramente classificatória, de reconhecimento
fundo dessa interação: interlocutores, con- de nomenclatura; b) em (3), “reserva” faz
texto social e histórico. remissão à (1) “A demarcação das terras

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


indígenas”. O termo “reserva” representa Para o autor do texto, a visão das pessoas
proteção. O povo indígena precisa de espa- sobre os índios é limitada por considerarem
ço para preservar sua cultura, sua gente, em que eles têm uma vida de regalias e reage
um país no qual eles vêm sendo dizimados. afirmando que ‘Nada é fácil na nossa vida
A palavra ‘reserva’ carrega uma conotação precisamos nos esforçar sempre para que
de proteção, de defesa, mais do que isola- possamos alcançar’. O ‘assim’ é uma reação
mento, é uma necessidade de preservação, do autor a um julgamento que considera
130
por isso o termo. Outras palavras como “lu- injusto para seu povo. Essa ideia pode ser
gar” para se referir à ‘demarcação’ não teria defendida, principalmente, quando se ob-
o mesmo impacto, o mesmo efeito que a serva que, na parte retomada, há a expres-
palavra ‘reserva’ nesse contexto, nessa in- são “Pensa”, ou seja, o autor deixa claro seu
terlocução. São os sujeitos representados ponto de vista: o de que a opinião do ou-
na língua, nas suas escolhas, significando- tro não procede e que isso lhe desagrada;
-se no texto e significando o texto, agindo b) Em (15), “isto” retoma a opinião do au-
uns sobre os outros e atuando no mundo a tor do texto apresentada anteriormente: “é
partir da língua/linguagem. a partir da demarcação das terras, que vão
dar continuidade dos costumes e principal-
Com relação aos Hiperônimos ou Indica-
mente da cultura para que ela seja levada
dores de Classe, conforme denomina Koch
adiante e a sério tanto para os mais velhos,
(2012, p. 51), há “Formas referenciais cujo
quanto para os jovens e crianças.” O ter-
lexema fornece instruções de sentido do le-
mo remissivo “isto” é seguido de informa-
xema e constituem uma “classificação” de
ção que fecha e finaliza a opinião do autor
partes anteriores ou seguintes do texto no
sobre a demarcação, deixando-a destacada
nível metalinguístico”. No texto, encontra-
“isto evitará que a cultura seja esquecida.”
ram-se apenas casos que se remetem a par-
tes anteriores (anáfora): a) em (8), “assim” De acordo com a teoria apresentada por
retoma toda uma parte anterior “Ainda Koch (2012), formas remissivas também
existe ‘gente’ que pensa que para os indí- designam “referentes extralinguísticos”.
genas “tudo é de graça”. O lexema “assim” Isso pode ser percebido no texto, nas ex-
pode levar o leitor a inferir uma indigna- pressões (1) “tudo é de graça” e (9) “Nada
ção do autor do texto, pois se assemelha a é fácil na nossa vida”, em que os termos
outras expressões, que no uso linguístico e, “Tudo” e “Nada”, que além de marcarem
não raras vezes, são usados para indicar não uma nítida oposição, uma antítese sobre
concordância com algo, com expressões o modo de entender a vida dos indígenas,
como: “Não é desse jeito!”, “Não é dessa não estão especificados linguisticamente
forma!”, ele reage afirmando que as pessoas no texto. São termos coesivos que direcio-
estão erradas, enganadas quanto à realida- nam o leitor para fora do texto, para seu co-
de dos indígenas. nhecimento prévio, o qual possibilitará ao

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leitor significar tais termos de acordo com 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
a respectiva situação linguística em relação
As observações aqui realizadas são bastante
com seu conhecimento de mundo.
breves e as análises não esgotaram o texto,
Além disso, em (13) “isto é muito impor- há muitos aspectos que podem ser aborda-
tante”, o “isto” provoca ambiguidade. A dos com base na teoria da LT, assim como
princípio, entende-se que o pronome reto- em outras teorias. Retomando a problemá-
ma o esforço necessário dos índios, porém, tica apresentada inicialmente, de que, no 131
no decorrer da leitura, percebe-se que se re- ensino de língua portuguesa, é renitente o
fere, na verdade, à demarcação de terras. Se- trabalho de gramática com modelos de lín-
gundo Koch (2012), essa é uma ocorrência gua, descrição dos fenômenos linguísticos e
comum e é o contexto que ajudará a desfa- procedimento normativos, denotando ape-
zer a ambiguidade. Segundo a autora, isso go à GT e GN, entende-se que é necessário
é comum tanto na referência quanto na re- um ensino de gramática no qual a reflexão
missão. Dependendo da situação, pode ha- deva ser privilegiada. No caso da coesão re-
ver mais de um referente para uma mesma ferencial, uma abordagem que se limita ao
forma remissiva, é, a partir do contexto, a reconhecimento de pronomes demonstra-
partir do que se comenta sobre as formas, tivos e a normas de bom uso empobrece o
que o sujeito irá tomar as decisões sobre o trabalho de língua portuguesa. É necessário
que resgatar, ou seja, a que se referir. um ensino que situe o aluno no ‘emaranha-
do das relações humanas’, ‘na língua rio’.
No último parágrafo, em (11) “Para os in-
dígenas” e (14) “os mais velhos, quanto Importa fazer o aluno entender que o su-
para os jovens e crianças”, observa-se que jeito, conforme enxerga o seu universo e
as expressões “os mais velhos”, “os jovens” interage sociocognitivamente com ele, di-
e “crianças” são hipônimos (subclasse) do reciona sua linguagem. Nesse sentido, pro-
hiperônimo “indígenas”. Só é possível per- curamos, através das formas remissivas le-
ceber isso a partir do contexto, porque tais xicais e a partir de uma abordagem da LT,
termos são genéricos, poderiam ser hipô- mostrar que é necessário relocar o ensino
nimos do léxico “pessoas”, por exemplo. de gramática. Fazendo dele uma ponte para
A escolha deste hiperônimo mostra que a o entendimento da língua relacionada a fa-
demarcação é importante e necessária, por- tores do homem inserido na história e (in-
que irá beneficiar todas as pessoas da tribo, ter)agindo com os demais sujeitos e com o
dos mais velhos aos mais jovens, deixando mundo por meio da linguagem.

implícita a ideia de preservação da história, Nesse sentido, retomamos ao objetivo desta


da cultura, das raízes na imagem dos mais pesquisa: “analisar como o ensino de gra-
antigos e de continuidade dessa cultura, mática contribui para o entendimento das
dos valores na imagem dos mais novos. escolhas lexicais enquanto ação e identifi-

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cação, determinação do sujeito”, para assinalar que o autor do texto, por meio da lingua-
gem, ao fazer suas escolhas lexicais, enquanto indígena, realizou ações, como: defendeu
seu povo, isso ficou claro ao usar a forma remissiva lexical ‘reserva’, sugerindo o quanto
os indígenas precisam de proteção. Também usou o hiperônimo “indígenas”, incluindo
idosos e crianças, buscando assim garantias de preservação da história, das raízes, do futu-
ro, da continuidade de seu povo; denunciou a indiferença do homem branco com relação
às pessoas de seu grupo ao omitir o artigo definido antes do termo ‘índio’; questionou a
132
humanidade do homem branco ao usar o referente ‘“gente”’ aspeado, veiculando uma
ironia, por este ser contrário à demarcação de terra como também responsável por uma
história de crueldade contra os indígenas. Diante disso, o sujeito não apenas pratica ações
com a linguagem, a própria linguagem revela quem ele é. Esse sujeito fala de uma posição
e sua linguagem releva suas origens e o identifica. Não se refere apenas a um indígena, é
também um sujeito comprometido com seu povo.

Assim, é possível entender que o trabalho com a gramática, no ensino de língua portu-
guesa, não pode se reduzir a terminologias, a regras, a normas, a descrições, a modelos de
língua que não consideram o sujeito inserido no mundo, o sujeito social, atuante e com
implicações históricas. É necessário trabalhar elementos da língua no ensino de gramáti-
ca, considerando que, no texto, constroem-se sentidos num processo interativo, no qual
importa um pano de fundo social e histórico dos participantes (KOCH, 2006).

Urge uma consciência de ensino de gramática nas aulas de língua portuguesa que leve o
aluno a uma postura reflexiva sobre dados da língua. Um ensino contextualizado. Con-
sideramos, a partir da análise, que o ensino de gramática subsidiado pela LT contribui
para isso. A partir da análise lexical, no texto, é possível compreender que as escolhas lin-
guísticas não são aleatórias. A posição social, seu lugar na história, suas experiências, seu
interlocutor, levaram-no a escolher um ou outro termo, uma ou outra estrutura.

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DOI: http://dx.doi.org/10.35818/acta.v16i1.1040
Recebido em 06/05/2021; Aceito em 21/05/2021; Publicado na web em 24/07/2021

Produção de mudas de maracujazeiro


sob lâminas e frequência de aplicação
de solução nutritiva
Pablianne Horrana dos Santos Barros1;
Tássyla Lohanne de Sousa Pereira2;
135
Rebecca Karoline Assunção Lima3;
Sâmia dos Santos Matos3;
Carlos José Gonçalves de Souza Lima4;
Gabriel Barbosa da Silva Júnior5;

1 Graduada em Engenharia Agronômica, Centro de Ciências Agrárias, CCA, Universidade Federal do Piauí, UFPI;
E-mail: pabliannepessoal@hotmail.com;

2 Estudante do Curso de Engenharia Agronômica, Centro de Ciências Agrárias, CCA, Universidade Federal do Piauí, UFPI;
E-mail: tassylasousapereira@gmail.com;

3 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Agronomia-Agricultura Tropical, Centro de Ciências Agrárias, CCA, Universidade Federal
do Piauí, UFPI; E-mail: rbekstark@gmail.com; E-mail: samiamatos2011@hotmail.com;

4 Docente do Departamento de Engenharia Agrícola e Solos, Centro de Ciências Agrárias, CCA, Universidade Federal do Piauí, UFPI;
E-mail: carloslima@ufpi.edu.br;

5 Docente do Departamento de Fitotecnia, Centro de Ciências Agrárias, CCA, Universidade Federal do Piauí, UFPI, Orientador;
E-mail: gabrielbarbosa@ufpi.edu.br

RESUMO
O suprimento de água e nutrientes em quantidades ideais é essencial para a qualidade
fitotécnica das mudas, especialmente na fase inicial de formação. Contudo, ainda são
incipientes os estudos sobre lâminas de irrigação e frequência de aplicação de solução nu-
tritiva em mudas de maracujazeiro-amarelo cultivado em sistema hidropônico. Neste sen-
tido, objetivou-se avaliar o crescimento e a produção de mudas de maracujazeiro-amarelo
em função de lâminas e frequência de aplicação de solução nutritiva. O experimento foi
conduzido em ambiente protegido, no Centro de Ciências Agrárias, UFPI. O delineamen-
to experimental foi inteiramente casualizado, com quatro repetições, em esquema fatorial
3 x 3, correspondendo a três lâminas de irrigação (50%, 75% e 100% da evapotranspiração
da cultura, ETc) e três frequências de aplicação de solução nutritiva (a cada 2 dias, 1 vez
ao dia e 2 vezes ao dia). Aos 25 dias após o transplantio, foram realizadas as avaliações
de altura de plantas, diâmetro do caule, número de folhas, área foliar, volume e compri-
mento de raiz e massa seca da parte aérea e da raiz. A lâmina de 75% da ETc e aplicação da
solução nutritiva, uma vez ao dia, contribuíram para o maior crescimento e produção de
matéria seca das plantas em relação as condições de déficit hídrico, na produção de mudas
de maracujazeiro-amarelo em sistema de fertirrigação em ambiente protegido. Sugere-se

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novos estudos, com maior tempo de avaliação de mudas de maracujazeiro, visando de-
finir a melhor interação entre volume e frequência de aplicação de solução nutritiva em
sistema de fertirrigação.

Palavras-chave: Passiflora edulis. Déficit hídrico. Fertirrigação. Qualidade de mudas.

136 Production of passion fruit seedlings


under fertirrigation frequency and
nutritive solution volume
ABSTRACT
The supply of water and nutrients in ideal quantities is essential for the phytotechnical quality
of seedlings, especially in the initial stage of formation. However, studies on irrigation depths
and frequency of application of nutrient solution in yellow passion fruit seedlings grown in
a hydroponic system. In this sense, the objective was to evaluate the growth and production
of yellow passion fruit seedlings according to blades and frequency of application of nutrient
solution. The experiment was conducted in a protected environment, at the Agricultural Sciences
Center, UFPI. The experimental design was completely randomized, with four replications, in
a 3 x 3 factorial scheme, corresponding to three irrigation depths (50%, 75% and 100% of the
crop evapotranspiration, ETc) and three frequencies of application of nutrient solution (a every 2
days, once a day and twice a day). At 25 days after transplanting, plant height, stem diameter,
number of leaves, leaf area, volume and length of root and dry mass of aerial part and root were
evaluated. The 75% ETc irrigation depths and application of the nutrient solution once a day,
contributed to the greater growth and dry matter production of the plants in relation to the water
deficit conditions, in the production of yellow passion fruit seedlings in a fertigation system in
protected environment. Further studies are suggested, with a longer evaluation time of passion
fruit seedlings, aiming to define the best interaction between volume and frequency of application
of nutrient solution in a fertigation system.

Keywords: Passiflora edulis. Water deficit. Fertigation. Seedling quality.

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1 INTRODUÇÃO água associado ao fornecimento de fertili-
zantes durante todas as fases de produção.
O Brasil ocupa lugar de destaque na produ-
ção do maracujazeiro, sendo o maior pro- A técnica da fertirrigação constitui uma
dutor e consumidor da fruta a nível mun- das maneiras mais eficientes na aplicação
dial, destacando-se a região nordeste, com dos fertilizantes, pois é feita em conjunto
o estado da Bahia sendo o maior produtor com a água da irrigação, o que pode facili-
nacional de maracujazeiro (IBGE, 2021). tar o manejo da adubação quanto às doses 137
Ademais, cerca de 60% do sucesso da cultu- e à frequência de aplicação (SAPADA et al.,
ra está na implantação de um pomar com 2019). O uso da fertirrigação permite a apli-
mudas de alta qualidade, as quais, desde cação constante de solução nutritiva, com
que manejadas adequadamente, originam menor concentração de nutrientes ao lon-
pomares produtivos e rentáveis (VERDIAL go do tempo, contribuindo para a maior
et al., 2000; PASQUAL et al., 2001). eficiência de absorção de nutrientes e maior
taxa de crescimento das mudas (OLIVEIRA
Atualmente, a forma mais empregada na
et al., 2013; SILVA JÚNIOR, 2015).
produção de mudas de frutíferas é o cultivo
em ambiente protegido, visando a garantia Com base nesses aspectos, são cada vez mais
de boa qualidade fitotécnica e sanitária das necessários os estudos que abordam o ma-
mudas, fatores fundamentais para o desen- nejo de produção, com o foco em tecnolo-
volvimento das plantas no campo, pois a gias alternativas que possibilitem minimi-
muda constitui a base da formação dos po- zar os custos com insumos e mão-de-obra
mares, refletindo no sucesso do empreendi- na fertirrigação das mudas de frutíferas. Os
mento ao longo dos anos de produção. ajustes na lâmina e frequência de aplicação
de solução nutritiva diminuem os custos de
Nesse cenário, atendendo às exigências im-
produção ao mesmo tempo em que incre-
postas na legislação de produção de mudas
mentam a qualidade das mudas que podem
do maracujazeiro, observa-se a expansão do
ser produzidas em menor tempo no viveiro.
cultivo de mudas dessa frutífera em siste-
mas hidropônicos ou fertirrigados, com uso Poucos estudos têm relatado o uso de so-
de substratos inertes, como a fibra de coco, lução nutritiva na produção de mudas de
casca de pínus e vermiculita, conforme pes- maracujazeiro, mostrando incrementos
quisa desenvolvidas por Lima (2018) e Silva nos parâmetros nutricionais e fitotécnicos
Júnior et al. (2019), adotando o manejo nu- (POSSE et al., 2018; SILVA JÚNIOR et al.,
tricional por meio da aplicação de solução 2020). Entretanto, a lâmina de irrigação e
nutritiva, o que caracteriza o cultivo hidro- a frequência de aplicação da solução nutri-
pônico de mudas (MIYAKE et al., 2017). No tiva em mudas de maracujazeiro-amarelo,
entanto, esse sistema de cultivo exige crité- via sistema de fertirrigação, ainda é desco-
rios técnicos para o manejo da aplicação de nhecida na literatura, apesar de essa técnica

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


ser fundamental para o sucesso do manejo localizado no Departamento de Fitotecnia,
da produção de mudas dessa frutífera. no Centro de Ciências Agrárias da Universi-
dade Federal do Piauí (UFPI), no município
O déficit hídrico é, por vezes, fator limitante
de Teresina-PI, localizado a 05° 05’ 05’’ S de
nos sistemas de produção de mudas, afetan-
latitude, 42º 05’ W de longitude e altitude
do de forma direta a qualidade das plantas,
de 77 metros.
e se tratando do excesso de água, há prejuí-
zos no crescimento das mudas (FELIPPE et A pesquisa foi realizada com mudas de ma-
138
al., 2020). Em condições de baixa disponi- racujazeiro-amarelo, variedade Redondo
bilidade de água no meio de cultivo, vários Amarelo, cultivadas em bandejas compos-
processos metabólicos das plantas podem tas por 32 tubetes de 200 mL, preenchidos
ser influenciados, como o fechamento es- com vermiculita com granulometria de 6
tomático, redução da condutância estomá- mm e solução nutritiva fornecida via siste-

tica, redução da fotossíntese e transpiração ma de fertirrigação por gotejamento.

(TAIZ et al., 2017), levando ao declínio da O delineamento experimental foi inteira-


taxa de crescimento e produção de matéria mente casualizado, com quatro repetições,
seca, e pode ainda onerar os custos de pro- em esquema fatorial 3 x 3, com três lâmi-
dução, inviabilizando o empreendimento. nas de irrigação (50%, 75% e 100% da eva-
Assim, o suprimento de água e nutrientes potranspiração da cultura, ETc) e três fre-
em quantidades ideais é essencial para a quências de aplicação de solução nutritiva
boa qualidade fitotécnica e sanitária das (a cada 2 dias, 1 vez ao dia e 2 vezes ao dia).
plantas, com destaque para a fase inicial de Cada unidade experimental foi composta
formação das mudas (LIMA et al., 2019). por três mudas cultivadas em tubetes, tota-
lizando 108 plantas.
Portanto, em razão da escassez de pesquisas
sobre o manejo da fertirrigação na produ- A semeadura foi realizada em bandejas de

ção de mudas de maracujazeiro, objetivou- poliestireno de 220 células. O transplantio


para bandejas tipo tubete foi realizado aos
-se avaliar o crescimento e a produção de
15 dias após a emergência, quando as mu-
mudas de maracujazeiro-amarelo em fun-
das apresentavam dois pares de folhas com-
ção de lâminas e frequência de aplicação de
pletamente formadas. Após o transplantio,
solução nutritiva em ambiente protegido.
as mudas foram fertirrigadas com solução
nutritiva de Hoagland e Arnon (1950) (ta-
2 MATERIAL E MÉTODOS bela 1), com modificações nas concentra-
O trabalho foi realizado em telado (5,3 m ções de nitrogênio (amônio e nitrato), con-
de largura e 6,8 m de comprimento com forme recomendações de Silva Júnior et al.
2,0 m de altura), revestido lateralmente (2020) diluída a 10%, durante os 7 primei-
por sombrite com 50% de luminosidade e ros DAT (dias após o transplantio); à 25%
coberto com filme plástico de 150 micras, dos 8 aos 15 DAT; e a 50% dos 16 aos 25

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


DAT. A solução nutritiva foi mantida com valor de pH 6,0±0,1. A calibração do potencial
hidrogeniônico foi realizada com o uso de ácido clorídrico e hidróxido de sódio.

Tabela 1: Fontes e concentrações dos nutrientes utilizados no preparo da solução nutri-


tiva em função dos dias após o transplantio das mudas.

Dias após o transplantio


Fertilizantes Completo
1-7 8 a 15 16 a 25
-----------------------------------mmol L ----------------------------------
-1
139
KH2PO4 1,00 0,10 0,25 0,50
NH4Cl 4,50 0,45 1,12 2,25
KNO3 8,50 0,85 2,12 4,25
CaCl 5,00 0,50 1,25 2,5
MgSO4.7H2O 2,00 0,20 0,50 1,00
KCl 2,00 0,20 0,50 1,00
Micronutrientes 1,00 0,10 0,25 0,50

*Micronutrientes utilizados (g L-1): H3BO3 = 2,86; MnCl2. 4H2O = 1,81; ZnCl2 = 0,10; CuCl2 = 0,04;
H2MoO4H2O = 0,02 e Fe-EDDHMA = 40,0. Fonte: Adaptado de Hoagland e Arnon (1950).

O manejo da irrigação foi realizado com A aplicação das lâminas de irrigação foi
base na capacidade máxima de retenção de realizada com base em pesagens diárias das
água do substrato por meio do seguinte pro- unidades experimentais, considerando-se
cedimento: todos os tubetes de cada bandeja a massa do substrato e de água, confor-
foram preenchidos com 30 g de vermiculita, me metodologia descrita por Freire et al.
sendo então submetidos a ascensão capilar,
(1980). O sistema de irrigação utilizado foi
colocando-os em recipiente com lâmina de
por gotejamento adaptado para bandejas,
água contendo 2/3 da altura dos tubetes da
utilizando-se gotejadores do tipo microtu-
bandeja até a saturação do substrato. Após
bo Spaghetti com comprimento 30 cm, di-
esta etapa, procedeu-se com a drenagem na-
mensionado para operarem em uma vazão
tural, cobrindo-se as bandejas com plástico
preto para evitar a evaporação. As amostras de 0,168 L h-1 com uma carga hidráulica de

saturadas foram pesadas em balança analíti- 0,15 mca. A diferença de massa foi então
ca e levadas para a estufa de circulação força- atribuída à evapotranspiração das mudas e
da de ar a 105ºC até atingirem massa cons- as plantas foram então irrigadas com uma
tante, com duração de aproximadamente 24 lâmina de irrigação sempre maior que a
horas. Após este procedimento, a umidade evapotranspiração das plantas para garantir
foi quantificada pelo método gravimétrico que o substrato alcançasse sempre a capaci-
por meio da equação: dade de “container”, sendo esta, a quanti-
%Umidade = ((PU - PS) / PS) * 100 (PU (g) dade de água que permanecia no substrato
= peso úmido, PS (g) = peso seco) (1) após a drenagem e antes da evaporação.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


Aos 25 dias após o transplantio, ou aos 40 ção de solução nutritiva, as médias foram
dias após a emergência, foram realizadas comparadas pelo teste Tukey (P<0,05).
as seguintes avaliações: Altura de plantas
(cm), medida da base do caule ao ápice 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
da primeira folha completamente desen-
Para todas as variáveis de crescimento ava-
volvida com auxílio de trena milimétrica;
liadas, não houve efeito significativo de in-
diâmetro do caule (mm), que foi mensura-
140 teração entre frequência de fertirrigação e
do a 2 cm da base do caule da muda por
lâminas de irrigação na produção de mudas
meio de leitura com paquímetro digital
de maracujazeiro-amarelo. Para os parâ-
(Starrett® 727-2001, 0,01 cm); número
metros de crescimento, diâmetro do caule,
de folhas; comprimento radicular (cm), o
índice de clorofila foliar e volume de raiz,
qual foi determinado avaliando-se o com-
não houve efeito individual dos fatores
primento da raiz principal, com o auxílio
analisados. No entanto, houve efeito indi-
de régua milimetrada; volume radicular,
vidual da frequência de fertirrigação para
determinado pelo descolamento da coluna
altura de plantas (P< 0,05), matéria seca
de água presente em proveta graduada de
da parte aérea (P < 0,01) e matéria seca da
20 mL; índice de clorofila foliar, avaliando
raiz (P<0,05), enquanto que a lâmina cau-
a quarta folha completamente desenvolvi-
sou efeito significativo para número de fo-
da, considerada a folha diagnose de mudas
lhas (P<0,01), matéria seca da parte aérea
de maracujazeiro-amarelo (MALAVOLTA et
(P<0,05) e comprimento radicular (P<0,05)
al., 1997), utilizando-se clorofilômetro por-
de mudas maracujazeiro-amarelo.
tátil (ClorofiLOG®, CFM-1030, Falker).
O tratamento frequência de irrigação a cada
O material vegetal foi acondicionado em
dois dias não contribuiu para o desenvolvi-
sacos de papel tipo kraft devidamente iden-
mento das mudas, promovendo diminui-
tificados e levados para secagem em estufa
ção de 6%, 19,8% e 20% da altura de plan-
de circulação forçada de ar (65 ± 5ºC) até
tas (Tabela 2), matéria seca da parte aérea
atingir massa constante, com duração de
e das raízes (Tabela 3), respectivamente. A
aproximadamente 72 horas. Por fim, obti-
variação da lâmina de irrigação ocasionou
veram-se as massas da raiz e da parte aérea
alterações no número de folhas e produção
da planta seca em balança analítica (preci-
de matéria seca da parte aérea e no compri-
são de 0,01 g).
mento de raízes das mudas. O tratamento
Os resultados obtidos foram submetidos à com 50% da evapotranspiração ocasionou
análise de variância ao nível de 5% de pro- menor crescimento das plantas, com dimi-
babilidade (P<0,05), utilizando-se Software nuição de 9%, 17% e 6% dessas variáveis,
Assistat 7.6 beta (SILVA; AZEVEDO, 2006). respectivamente, em relação ao manejo de
Para os fatores qualitativos analisados, lâ- 75% da ETc. Por outro lado, as frequências
minas de irrigação e frequências de aplica- de uma vez ao dia e duas vezes ao dia pro-

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


moverem resultados similares, sendo estatisticamente iguais quanto ao crescimento das
mudas. Neste sentido, para o sistema de produção de mudas, recomenda-se a irrigação em
uma única vez ao dia, considerando o fator econômico do empreendimento, podendo
promover menor gasto de água, fertilizantes e energia, em relação ao fornecimento da
fertirrigação na frequência de duas vezes ao dia.

Tabela 2: Resumo da análise de variância e valores médios do índice de clorofila foliar,


altura de plantas, número de folhas e diâmetro de caule de mudas de maracujazeiro- 141
-amarelo em função de lâminas e frequência de aplicação de solução nutritiva.

Índice cloro- Altura de Número de Diâmetro do


Frequência (F) fila foliar plantas folhas caule
cm mm
Dois dias 27,64 a 7,11 b 3,92 a 0,90 a
1 x ao dia 26,10 a 7,53 a 4,11 a 0,88 a
2 x ao dia 27,38 a 7,56 a 4,11 a 0,92a
Lâmina (L)
50% da ETc 27,80 a 7,32 a 3,78 b 0,87 a
75% da ETc 26,80 a 7,51 a 4,20 a 0,91 a
100% da ETc 26,51 a 7,37 a 4,17 a 0,92 a
DMS 3,35 0,37 0,35 0,09
----------------------------------------Teste F----------------------------------------
(F) 0,74ns 5,60** 1,28ns 0,67ns
(L) 0,51ns 0,91ns 5,50** 0,75ns
Interação FxL 1,39ns 0,95ns 1,66ns 1,31ns
C.V. (%) 12,25 4,93 8,50 10,88
C.V. = Coeficiente de variação; *, ** e ns = significativo ao nível de P≤0,05, P≤0,01 e não significativo
respectivamente, pelo teste F. Fonte: Autor.

A diminuição do número de folhas no tratamento com 50% da ETc está relacionada, pos-
sivelmente, com os mecanismos de adaptação da planta ao estresse hídrico consistindo
no decréscimo da eficiência de uso da água. Por essa razão, Taiz et al. (2017) ressaltam que
as plantas desenvolvem adaptações para controlar a perda de água das folhas diminuindo
a condutância estomática por meio do fechamento dos estômatos, compensando as de-
mandas e otimizando a eficiência de absorção de CO2.

Avaliando os efeitos do estresse hídrico no crescimento inicial de mudas de mutambeira


(Guazuma ulmifolia Lam.), Scalon et al. (2011) observaram diminuição no crescimento e
produção de matéria seca das plantas e recomendam que o regime hídrico ideal na fase
inicial é de 100% da capacidade de vaso, porém as mudas também crescem satisfatoria-

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


mente sob restrição hídrica de 50%, sendo este, portanto, o manejo hídrico mais reco-
mendado do ponto de vista econômico.

Tabela 3: Resumo da análise de variância e valores médios de matéria seca da parte aé-
rea, matéria seca da raiz, comprimento da raiz e volume da raiz de mudas de maracuja-
zeiro-amarelo em função de lâminas e frequência de aplicação de solução nutritiva.

Matéria seca Volume da Comprimento


142 Matéria seca Parte aérea Raiz Raiz de Raiz
---------------- g -------------- cm3 cm
Dois dias 0,065 b 0,020 b 0,39 a 7,97 a
1 x ao dia 0,081 a 0,025 a 0,42 a 7,96 a
2 x ao dia 0,075 ab 0,021 b 0,36 a 8,05 a
Lâmina (L)
50% da ETc 0,065 b 0,020 a 0,39 a 7,70 b
75% da ETc 0,078 a 0,023 a 0,40 a 8,15 a
100% da ETc 0,077 a 0,023 a 0,38 a 8,12 a
DMS 0,011 0,003 0,11 0,41
------------------------------Teste F-------------------------------
(F) 7,00** 5,44* 1,05ns 0,17ns
(L) 4,89* 2,49ns 0,19ns 4,71*
Interação FxL 1,35ns
1,35 ns
0,83 ns
0,33ns
C.V. (%) 15,05 15,67 27,21 5,07

C.V. = Coeficiente de variação; *,** e ns = significativo ao nível de P≤ 0,05, P ≤ 0,01 e não significativo
respectivamente, pelo teste F. Fonte: Autor.

Durante o desenvolvimento inicial, as mu- tas foram cultivadas em condições de dé-


das de barueiro (Dipteryx alata) foram alta- ficit hídrico. Neste estudo, observa-se que
mente sensíveis ao déficit hídrico, desace- outros parâmetros também foram afetados
lerando significativamente o crescimento pelas baixas lâminas de irrigação, com des-
vegetativo. Os autores justificaram que taque para o índice de qualidade de Dick-
para se manterem vivas, as plantas reduzi- son, que apresentou menores médias quan-
ram drasticamente a taxa de transpiração do as plantas foram irrigadas com até 6 mm
como resultado da alta sensibilidade esto- por dia de evapotranspiração.
mática (MATOS et al., 2018).
Durante a fase inicial de desenvolvimen-
O efeito do manejo da irrigação sobre o de- to das plantas, o manejo da irrigação ou
senvolvimento de mudas de maracujazei- fertirrigação é fundamental para o suces-
ro-amarelo também foi estudado por Pos- so do cultivo, sabendo-se que o déficit hí-
se et al. (2018), que apresentaram menor drico pode comprometer o crescimento e
produção de matéria seca quando as plan- contribui para o aumento da mortalidade

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


das plantas. Na fase inicial de crescimen- dias ou no manejo de 50% da evapotranspi-
to, as mudas ainda apresentam o sistema ração. A cultura do maracujazeiro é exigente
radicular pouco desenvolvido, sendo mais em nutrientes, especialmente o nitrogênio,
susceptíveis à deficiência hídrica. Portanto, com elevada demanda na fase inicial de
a frequência de irrigação das mudas de ma- crescimento (SILVA JÚNIOR et al., 2020),
racujazeiro nas primeiras semanas de cul- podendo haver deficiência nutricional em
tivo deve ser ajustada para que não ocorra condições de escassez hídrica.
143
déficit hídrico, que pode retardar o tempo Nesse contexto, é importante destacar que
de formação das mudas, sobretudo nas re- o manejo da fertirrigação, envolvendo a
giões mais quentes, com cultivos de mudas frequência e a lâmina de solução nutriti-
em ambientes protegidos. Conforme dados va aplicada, pode contribuir para a otimi-
apresentados por Lima (2018) em estudos zação na aplicação de água e fertilizantes,
com produção de mudas de maracujazei- elevando o nível de tecnificação do sistema
ro-amarelo em estufa, nas condições de Te- de produção de mudas. De fato, observa-se
resina-PI, a temperatura média dentro do que os estudos envolvendo manejo hídrico
ambiente de cultivo pode ser superior a 30 (POSSE et al., 2018) e o uso de solução nu-
ºC, interferindo diretamente no desenvol- tritiva (SILVA JÚNIOR et al., 2020) na pro-
vimento das mudas, quantificado pelo acú- dução de mudas de maracujazeiro revelam
mulo de graus-dia. incrementos significativos nos parâmetros
Os danos causados pela deficiência hídri- nutricionais e fitotécnicos das plantas,
ca sobre as plantas são bastante estudados, apresentando informações técnicas que são
sendo que os mecanismos de resistência ao fundamentais para os ajustes no manejo da
estresse hídrico estão relacionados à capaci- produção de mudas dessa frutífera.
dade das plantas reduzirem o potencial hí-
drico, aliado às adaptações fisiológicas, ana- 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
tômicas e morfológicas (TAIZ et al., 2017). A lâmina de 75% da ETc e aplicação da so-
Em complemento, ressalta-se que o forneci- lução nutritiva uma vez ao dia contribuí-
mento hídrico está associado ao suplemento ram para o maior crescimento e produção
nutricional, principalmente quando a apli- de matéria seca das plantas em relação às
cação da água é realizada por meio da fertir- condições de déficit hídrico, na produção de
rigação. Dessa forma, nos tratamentos que mudas de maracujazeiro-amarelo em siste-
ocasionaram déficit hídrico, houve menor ma de fertirrigação em ambiente protegido.
fornecimento de nutrientes para as mudas, Sugere-se novos estudos, com maior tempo
interferindo, provavelmente, na absorção e de avaliação de mudas de maracujazeiro, vi-
assimilação dos elementos essenciais, fator sando definir a melhor interação entre vo-
que contribuiu para a menor produção de lume e frequência de aplicação de solução
matéria seca das mudas irrigadas a cada dois nutritiva em sistema de fertirrigação.

ACTA TECNOLÓGICA v.16, nº 1, 2021


AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela conces-
são da bolsa de iniciação científica e à Universidade Federal do Piauí por proporcionar as
condições para a realização dessa pesquisa e pelo título de Engenheira Agrônoma conce-
dido à primeira autora.

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