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PERDA DA EFICÁCIA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS – EX NUNC OU

EX TUNC?
(Revisado em 13 de fevereiro de 2008)

Otávio Piva

Com o advento da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro


de 2001, a disciplina constitucional das medidas provisórias sofreu
profunda mudança, especialmente nos âmbitos material, temporal e
procedimental.

Dentre inúmeras e relevantes alterações, destaca-se a inclusão do §


3º no art. 62, o qual se apresenta comparativamente à redação original:

REDAÇÃO ORIGINÁRIA DE 1988 REDAÇÃO DADA PELA EC 32/01


Art. 62, parágrafo único. Art. 62, § 3º.

As medidas provisórias, ressalvado o


As medidas provisórias perderão disposto nos §§ 11 e 12 perderão
eficácia, desde a edição, se não eficácia, desde a edição, se não forem
forem convertidas em lei no prazo de convertidas em lei no prazo de sessenta
trinta dias, a partir de sua publicação, dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma

devendo o Congresso Nacional vez por igual período, devendo o Congresso


Nacional disciplinar, por decreto legislativo,
disciplinar as relações jurídicas delas
as relações jurídicas delas decorrentes.
decorrentes.

Ocorre que, com a inclusão da ressalva dos §§ 11 e 12, uma


das principais questões, a perda da eficácia por decurso de prazo ou por
rejeição expressa das medidas provisórias, passou a ter nova e
diversa resolução.

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Explica-se: é que, nos termos da redação originária, haveria perda
de eficácia “retroativa”, ou seja, “ex tunc”, quando a Medida Provisória
não fosse convertida em lei, já que esta perderia sua eficácia “desde a
edição”.

Conseqüentemente, a edição de um Decreto Legislativo seria


imprescindível para regular as relações jurídicas que nasceram na vigência
da MP e dela decorreram.

Essa era a unânime opinião doutrinária, antes da EC 32/01, por


exemplo:

“A decadência da Medida Provisória, pelo decurso do prazo


constitucional, opera a desconstituição, com efeitos
retroativos, dos atos produzidos durante sua vigência.”

(MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5 ed. São


Paulo: Atlas, 1999, p. 505).

Todavia, a redação do § 11 do art. 62 (incluído pela EC 32/01) não


deixa dúvidas que a questão, atualmente, deve ser resolvida
diferentemente:

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o §


3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia
de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e
decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas.

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Hoje, então, com a novel regra do § 11, no caso de o Congresso
Nacional não editar o Decreto Legislativo em prazo de 60 dias após a
rejeição (expressa ou tácita) da MP, os atos que nasceram decorrentes da
MP, no período em que ela vigorou, conservar-se-ão por ela regidos.
Isso significa que, atualmente, a perda de eficácia, em regra,
opera efeitos EX NUNC.

Observe-se o pequeno sistema abaixo:

Prorrogação

Perda de
eficácia

Publicação
§ 7º
§ 4º § 3º Até 60 dias

0 A B 120 d
60 d
Prazo para
editar o
Decreto
Legislativo
que regule o
período A +
B

Mais uma vez, veja-se que, se uma medida provisória vigorou, por
exemplo, por 120 dias (A + B) e, no dia 120, perdeu sua eficácia pelo
decurso de prazo, somente haverá retroação se, repita-se, se o
Congresso Nacional editar o Decreto Legislativo para regular o
período A + B.

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Caso contrário, não editado o Decreto Legislativo em 60 dias (no
período pontilhado), nos termos do § 11 do art. 62, tudo o que se
constituiu no período A + B conservar-se-á regido pela própria MP.

Ora, isso demonstra que a perda de eficácia ocorre a partir do dia


em que a MP perdeu sua eficácia e não mais retroativamente como no
modelo originário de 1988!

Essa mudança de perspectiva é compartilhada pela melhor


doutrina:

“(...) Embora o § 3º do art. 62, novo, continue a prever


que as medidas provisórias não convertidas em lei
perderão eficácia ex tunc, ele ressalva as situações regidas
pelos §§ 11 e 12.
Ora, este § 11 mantém regidas pela medida provisória não
convertida as situações dela decorrentes. Entretanto, nos
primeiros sessenta dias posteriores à perda de eficácia da media,
decreto legislativo poderá dispor sobre essas relações jurídicas,
consoante prevê o § 3º, in fine.
Há muito nisto uma profunda modificação relativamente ao
que resultava do texto primitivo. Neste, os efeitos da medida
provisória não convertida se desconstituíam, salvo se o decreto
legislativo dispuser em contrário. Ao invés, hoje, eles
perduram válidos, salvo se o decreto legislativo dispuser
em contrário. E isto o prazo de sessenta dias mencionado.

(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito


Constitucional. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 209).

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“Relativamente ao modelo originário de 1988, houve uma
importante inversão de lógica. Antes, as relações jurídicas
decorrentes da medida provisória rejeitada ou caduca por decurso
de prazo desconstituíam-se retroativamente desde a perda de
eficácia da medida, exceto se o Congresso Nacional votasse
decreto legislativo preservando-as. Agora, ‘(...) as relações
jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados
durante (...)’ a vigência da medida provisória rejeitada ou
caduca por decurso de prazo somente são desconstituídas
se acaso o Congresso Nacional se manifestar neste sentido
por decreto legislativo no prazo de sessenta dias a contar
do respectivo ato declaratório de rejeição ou de
caducidade; do contrário, tais relações são mantidas.”

(AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. Medida Provisória e a sua


Conversão em Lei: a emenda constitucional n. 32 e o papel do
Congresso Nacional. São Paulo: RT, 2004, p. 259).

“Já a não conversão da medida provisória pode acarretar a perda


da eficácia desta, como se jamais houvesse existido, consoante
indica o § 3º do art. 62 da CF. No entanto, pela nova
sistemática constitucional é imprescindível, para que se
opere essa desconstituição retroativa, que seja editado o
decreto legislativo reclamado no citado preceito da Lei
Magna. Isso porque, na ausência do decreto legislativo, incidirá o
§ 11 do art. 62, dispondo que nesta hipótese ‘as relações jurídicas
constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
[da medida] conservar-se-ão por ela regidas.’”

(DAMUS, Wadih e DINO, Flávio. Medidas Provisórias no Brasil: Origem,


Evolução e Novo Regime Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2005, p. 116).

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Assim, poder-se-ia concluir que a EC 32/01 prestigiou a segurança
jurídica, abolindo a esdrúxula situação trazida pela Constituição originária
de “retroatividade máxima” (ex tunc) e, com isso, permitindo que o
Congresso Nacional, querendo, possa disciplinar de forma retroativa os
atos decorrentes da MP no período em que esta vigorou.

Finalmente, mesmo com o robusto pronunciamento doutrinário


sobre a questão da perda de eficácia das MP ser retroativa ou não,
impende salientar que a dúvida será definitivamente resolvida quando o
Plenário do STF analisar a ADPF nº 84 (Ver Informativo nº 429 do
STF).

O problema, está, portanto, sub judice..

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