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XI

Passeio no Parque

Ela o ouvira com a velha mudez do passado, preparara seu café como no tempo do
bunker, e o serviu com uma cheesecake de amora comprada na loja chique do bairro. Ela
fez Shiatsu em seus pés, pressionando e aplicando-lhe gotas de óleos essenciais. Ela
propôs e assistiu com ele a comédia romântica sucesso do momento. Nada deu muito
certo, mas Maggie tinha o plano infalível: no dia seguinte o levaria a um passeio ao PDA, o
Parque de Diversões Adultas de São Paulo.

- Vamos anime-se! - disse Maggie, vendo que o “pesadelo” do escritor continuava lhe
impactando.

Os PDAs haviam se tornado um sucesso nas capitais de todo o mundo. Tratavam-se


de parques privados administrados em área pública, cercados e com entrada restrita a
maiores de 18 anos, à valores de assinatura ou dias avulsos. Tratavam-se de “ilhas”
urbanas que misturavam antigos conceitos de parques infantis e seus brinquedos,
destinados a uma população adulta cada vez mais pedófoba e peterpanicada. Além dos
brinquedos típicos adaptados à adultos (escorregadores, balanços e gangorras gigantes
eram regra) e de parques como montanhas russas, carros bate-bate, e rodas gigante, havia
setores de wellness com diversas áreas arborizadas, aparelhos de ginástica e aulas
diversas; e outros destinados a entretenimento eletrônico (o que poderia incluir campos de
caça de digipokemin, dentre outros. Além dessa base comum a todo PDA, eles poderiam ter
áreas temáticas reservadas. Singapura e Amsterdã haviam incluído uma “área sexy”; no
PDA de New York passarelas com holofotes conduziam a uma “área Broadway"; e o PDA
do Rio de Janeiro tinha a ala “Ever Carnival”. O de São Paulo se diferenciava por uma ter
área que mudava todos os anos, porque a novidade ali era o mais importante. Naquele ano,
sua área especial se chamava “New York MoMA Feeling”. Em geral, PDAs tornavam-se
áreas de lazer e ao mesmo tempo turísticas. Porque criticados pela profunda exclusão
social, os PDAS ofereciam à população desprivilegiada o sorteio mensal de vouchers. Uma
vez sorteados, os felizardos recebiam roupas novas, eram alimentados, corte de cabelo no
Centro Social do PDA, e não só: passavam por exame médico, e submetiam-se a dois dias
de treinamento de “uso adequado do equipamento público”. No dia da visita, um
colaborador era apresentado como “colega do sorteado” - serviço executado por
seguranças a paisana treinados para serem gentis. Naturalmente, se o candidato não
pudesse participar do programa prévio, fosse por acontecer em um dia de trabalho ou por
qualquer outro motivo, teria de dar o lugar a outro. Como a maioria não chegava a concluir a
maravilha do programa social do PDA, os frequentadores do parque dessa classe eram
incomuns. Quanto às acusações de apologia a pedofobia, os PDAs nada declaravam,
acobertados pelos governos a anunciarem que em todo o planeta, as pessoas “cada vez
menos querem ter filhos” e pelas bolhas de informação oferecidas pelos filtros das IAs.
Como 99,7% da informação de mundo de um assinante do PDA se originava na Rede, suas
IAs e filtros, para eles nada disso chegava, desfrutando do paraíso sem culpa ou
sentimentos exclusivos. Era assim para o escritor, de modo que se divertiu, no início com
resistência, mas depois, tomou sorvete, apreciou a vista, andou de patins, deu um ou outro
autógrafo, Ao final do passeio, na Área MoMa, Maggie e o escritor sentaram-se para
descansar. Foi quando ela mostrou sua real motivação em estar ali.
- Você ainda gosta de mim?
- Hã? Claro, eu…
- São as próteses? Você não é mais o mesmo desde aquele dia. Sabendo é mais fácil
perceber né? Eu posso colocar uma melhor.
- Não é nada disso.
- PHIL VOCÊ NÃO ME AMA MAIS! - e desandou a chorar.
- Não é isso, foi uma coincidência. Meu Deus, o que faço para te provar que… É
complexo, eu, o que sou…ou era…
- Está me escondendo algo?
- .
Maggie enxugou as lágrimas com um lencinho tirado da bolsa. Inspirou profundamente e
olhou para ele de um jeito um tanto duro.
- Sabe Phil, o mundo é bem melhor quando a gente só vive ele.

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