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Avaliação em Teatro: implicações, problemas e possibilidades

A valiação em Teatro: implicações,


problemas e possibilidades

B eatriz A.V.Cabral

Introdução obtém e interpreta informações sobre o conhe-

A
cimento, compreensão ou atitudes desta pessoa”
autonomia do aluno na esfera da aquisição (1977, p. 4). O professor ou diretor pode usar
e produção do conhecimento redefine os o resultado desta avaliação para preencher as
procedimentos tradicionais de avaliação. As exigências do sistema de ensino ou da produ-
implicações de avaliar seu desempenho em ção, ou apenas para levar o processo à frente.
teatro residem na dimensão artística da O desenvolvimento do processo depende
atividade – é o teatro enquanto arte que torna a da avaliação do que foi atingido até então. As-
experiência ou o processo relevante educacio- sim, é possível dizer que a avaliação é funda-
nalmente. Esta relevância decorre do uso seleti- mental mesmo para uma atividade centrada no
vo da linguagem e do gesto, do engajamento processo, e em decorrência, central a qualquer
pessoal e emocional com imagens, símbolos e abordagem curricular, uma vez que está associ-
metáforas, da identificação com o outro. Em ada à eficácia do ensino em termos de seu pla-
qualquer dos casos, a atividade se caracteriza nejamento e estrutura, e à comunicação em ter-
como processo de construção e comunicação mos de emissão e recepção de informações
em grupo, através de parâmetros artísticos pre- durante todas as etapas do trabalho.
viamente definidos, mesmo quando transgredi- Ao estruturar a atividade, estabelecer ob-
los torna-se o objetivo do artista. jetivos e selecionar estratégias, o professor está
Se o foco no processo tem sido tradicio- direcionando a atenção dos alunos para deter-
nalmente privilegiado em educação, em oposi- minados aspectos do texto ou situação. Suas
ção ao foco no produto (o espetáculo), a ten- opções delimitam o campo de expressão dos
dência hoje é considerar o processo como uma participantes, e ampliam suas possibilidades ao
contínua comunicação de produtos parciais e prover um foco coletivo e introduzir informa-
temporários que se configuram como a base da ções. As contradições postas pela intervenção do
avaliação. professor no processo criativo do aluno tem sido
A avaliação em educação, segundo Derek o principal questionamento da avaliação.
Rowntree, “pode ser pensada como aquela que Para Jon Nixon, a relação entre objetivos
ocorre quando uma pessoa, através da interação, e avaliação inicia o debate sobre “esta tarefa
direta ou indireta, com outra, conscientemente vexatória de rotular os alunos” (1987, p. 51).

Beatriz A. V. Cabral é professora da UDESC e da UFSC; doutora em Artes-Drama pela University of


Central England; membro da diretoria da ABRACE na gestão 2002-2004.

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Jonothan Neelands, por sua vez, observa que com ele a possibilidade de ter sua eficácia obje-
“ser muito definido e claro sobre as intenções e tivamente avaliada. Esta tendência, presente na
foco do trabalho, em drama, é negar aos alunos abordagem contextualista do ensino da arte, que
o poder e a experiência de serem artistas” (1990, considera esta como meio para o ensino de con-
p. 82); enquanto John O’Toole argumenta que teúdos diversos, inviabiliza a avaliação em artes
a avaliação não deve ir além de suposições ex- e como tal seu ensino, pois, como afirma David
plícitas “expressas nos objetivos das aulas e uni- Hornbrook, “se espera-se que os alunos apren-
dades de trabalho” (1992, p. 226). dam através do teatro, então o assunto a ser ava-
A suposição de que intenções muito defi- liado deve ser aquele que eles irão aprender e
nidas inibem os alunos de serem artistas tem seu não o teatro em si” (1991, p. 125).
equivalente em outras áreas da educação. Rown- Entretanto, ao fazer teatro, a aprendiza-
tree observa que “os atos melhor intencionados gem é em teatro – o tema ou o assunto não se-
podem produzir resultados diversos dos preten- ria o mesmo se a forma artística fosse outra. Sem
didos [...]; nós deixamos de compreender o fe- o conhecimento das formas e convenções tea-
nômeno estudado se nos preocuparmos apenas trais é improvável que os alunos possam se be-
com os objetivos pré-identificados e descon- neficiar deste processo de aprendizagem. É a
siderarmos os efeitos secundários” (1977, p. 35). forma que viabiliza a expressão e a comunica-
Sobre esta questão, Elliot Eisner enfatiza: “uma ção de conteúdos. Quanto melhor o aluno co-
coisa é perguntar, ‘o aluno aprendeu o que ele nhecer a forma artística, melhor será sua apro-
ou eu pretendemos?’. Outra coisa é perguntar ximação ao assunto em foco.
‘o que o aluno aprendeu?” (1972, p. 211). Para o desenvolvimento de estruturas
Abrir a avaliação para o imprevisível não próprias em uma determinada área do conheci-
significa que não haja previsão sobre o que es- mento – criação de analogias, novos significa-
perar do aluno quanto ao conhecimento, com- dos – é necessário evitar associar os procedimen-
preensão, habilidades e atitudes adquiridas. São tos de avaliação a objetivos de conteúdo
estas expectativas que definem os objetivos, as previamente determinados. Assim, se a expec-
estratégias e tarefas e tornam a avaliação rele- tativa é que os alunos aprendam ao fazer teatro,
vante. Afinal, os objetivos estão fundamentados o objeto de avaliação deve ser teatro. Ao formu-
na suposição de que o propósito da educação lar objetivos expressivos, o professor está abrin-
não é apenas informar, mas criar oportunidades do espaço para a performance pessoal e original
para que o aluno faça uso dos conhecimentos do aluno, que será a base da avaliação.
adquiridos em diferentes contextos e circuns- Uma análise da função da avaliação em
tâncias. Como argumenta Jerome Bruner, “nos- Drama e Teatro-Educação, baseada em publica-
so maior objetivo em ensinar uma disciplina ções inglesas do período de 1977 a 1992, ocasião
não é levar o aluno a incorporar um conteúdo da reforma curricular na Grã-Bretanha (Cabral,
específico à sua mente, mas sim, ensiná-lo a par- 1994), revelou padrões de referência em perío-
ticipar no processo que torna possível a incor- dos distintos: a priorização do experienciar e a
poração do conhecimento [...] conhecimento é avaliação coletiva do processo predominaram
um processo, não um produto” (apud Rown- nos anos 1970; listas de objetivos associados à
tree, 1977, p. 97). cognição, habilidades expressivas e comporta-
No ensino do teatro a dicotomia processo mentos proliferaram na década de 1980, na qual
versus produto foi agravada por uma tendência as dificuldades de avaliar foram computadas às
em associar ‘produto’ a ‘produção’ (espetáculo), implicações de julgar a qualidade de trabalhos
o que afastou a avaliação dos produtos parciais com base em sentimentos e intuição; análises
criados durante o processo. Como conseqüên- conceituais no início dos anos 1990 salientaram
cia, estes perderam seu status de ‘produtos’ e as limitações de se associar a avaliação em artes

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a objetivos definidos previamente. Em 1992, Para Gavin Bolton (1979), as implicações


David Hornbrook lança uma proposta curri- de avaliar mudanças de entendimento só podem
cular com objetivos específicos a cada faixa ser testadas fora do contexto dramático, através
etária e correspondentes expectativas de desem- da reflexão, enquanto mudanças de comporta-
penho, acirrando o debate. mento, tais como integridade e sensibilidade, só
O mapeamento dos principais problemas podem ser observadas algum tempo após o tra-
associados à avaliação do aluno no decorrer de balho. O bom desempenho, segundo o autor,
um processo dramático, apresentado a seguir, não está vinculado à aquisição de conhecimen-
visa ampliar o debate sobre julgamentos de va- tos específicos, mas à maturidade pessoal.
lor em teatro e as implicações de avaliar os altos Richard Courtney (1980, p. 78-80) vai
e baixos dos processos de criação e ensaios. Uma além e lista as dificuldades da avaliação em dra-
vez que os textos comentados mostram mudan- ma: aprendizagens múltiplas tornam difícil dis-
ças na forma de abordar a avaliação no espaço criminar ações sem distorcer o quadro geral;
de tempo investigado, a opção foi agrupá-los de medir um produto essencialmente temporal
acordo com seus focos de discussão. não acrescenta nada; o processo dramático con-
siste tanto de imaginação interior quanto de
1. O ‘drama’ pode ser avaliado? ação exterior e a avaliação se ocupa apenas do
comportamento externo. Para não violar a “na-
Ao publicar o resultado da pesquisa Drama no tureza holística do drama”, Courtney sugere um
Currículo: dos 10 a 16 anos, em 1977, McGre- método de avaliação que inclui três etapas: Ava-
gor, Tate e Robinson enfatizam que a avaliação liação Diagnóstica (antes da aula) – concentra-
só é indicada para julgamentos sobre o trabalho ção, sinceridade, absorção etc.; Avaliação
coletivo, e estes só podem ser feitos com base Formativa (níveis de conhecimento do aluno)
nos objetivos do professor em relação a um gru- – forma dramática, papéis e modelos etc.; Ava-
po específico. Para tanto, os autores sugerem liação Somativa (ao final do programa) – infor-
aspectos que devem ser considerados antes da mações sobre aquilo que os alunos alcançaram.
aula – prontidão do aluno; durante a aula – fle- O aspecto processual do drama é acentu-
xibilidade para aceitar mudanças e situações ado por Alan Lambert e Cecily O’Neill (1982,
emergentes; e possíveis desdobramentos – outros p. 145-46), para quem o maior problema da
tipos de aprendizagem além daquelas relaciona- avaliação é o fato de o professor precisar ser con-
das ao teatro (McGregor et al., 1977, p. 95-6). duzido por sinais exteriores para julgar o que
Uma segunda pesquisa sobre o teatro no pode ser basicamente uma experiência interior.
currículo (Stabler, 1978, p. 209-14) focaliza as Mudança de entendimento é difícil de avaliar,
dificuldades em avaliar a expressão de sentimen- pois drama se refere a realidades imaginárias,
tos e respostas espontâneas. Os professores ou- não a eventos acabados. Entretanto, objetivos
vidos reivindicam maiores opções metodoló- específicos para cada aula permitiriam examinar
gicas e reconhecem que a avaliação de um a aprendizagem emergente, o que pode ser me-
trabalho prático traz inúmeros problemas – evo- dido e demonstrado em algum grau. Para eles,
ca respostas originais e pessoais, requer material progressão não significa um aumento da com-
adicional (artes visuais, literatura), além da petência técnica para usar o medium, mas o au-
empatia e intuição do professor. mento do nível da complexidade naquilo que
As abordagens apresentadas a seguir ana- está sendo criado – a habilidade de descrever,
lisam as implicações em se avaliar o desempe- analisar, interpretar e avaliar.
nho do aluno de drama/teatro devido ao cará- Pat Cook (1982, p. 37-45) propõe avali-
ter pessoal e temporal do produto das tarefas ar a aquisição de conhecimento através da aná-
realizadas. lise do conteúdo da experiência. Ele questiona o

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tabu referente à subjetividade, e argumenta que ções no tocante à responsabilidade do professor


esta não deveria ser removida dos procedimen- frente à avaliação: atenção à qualidade da expe-
tos de avaliação, uma vez que o drama é uma riência, às diferenças de valor, ao fato de que o
atividade orientada por valores, contendo sóli- conhecimento em drama está baseado no senti-
dos critérios baseados em interpretação descri- mento e na intuição.
tiva e analítica e não em estratagemas estatísti- As respostas a este projeto variam da não
cos. Assim sendo, absorção, envolvimento, etc., aceitação da avaliação em si (Neelands), à con-
são pontos de partida para a aquisição de co- sideração da avaliação como um atendimento
nhecimentos e não atividades-fim. às exigências do sistema educacional (Haseman
Dorothy Heathcote (1985, p. 54-60) ar- e O’Toole), ou a constatação da necessidade de
gumenta que o drama sempre requer a cristali- promover cursos de semiótica para professores,
zação de idéias e que sua apresentação final deve a fim de ajudá-los a interpretar espetáculos tea-
ter uma “forma” capaz de ser compartilhada trais (Hornbrook).
com os espectadores. Entretanto, segundo Jonothan Neelands enfatiza o drama co-
Heathcote, a cristalização de idéias e a possibi- mo processo e a avaliação dentro do contexto da
lidade de compartilhá-las, quando concomi- ficção, centrada na percepção dos alunos e suas
tantes e baseadas em um mesmo texto, geral- expectativas sobre a continuidade da experiên-
mente têm objetivos muito vagos, e a avaliação cia. Seu argumento principal é que o drama,
acaba se baseando equivocadamente nos aspec- sendo uma forma de aprendizagem dialética e
tos de “mostrar” em vez de “experienciar”. não didática, “está centrado no desenvolvimen-
É possível identificar acima uma mudan- to de um processo através de questionamentos
ça de parâmetros – a questão inicial, “pode-se abertos” (1984, p. 56).
avaliar Drama?”, foi modificada e tornou-se Na mesma perspectiva, Ken Byron obser-
mais precisa: “os alunos podem ser avaliados em va que o drama em sala-de-aula refere-se a ha-
Drama?” A alegação de que a mudança de en- bilidades comuns para ler comportamentos e
tendimento e a dimensão temporal dos resultados interagir que todos nós empregamos diariamen-
apresentados dificulta a avaliação está, segun- te. Para ele, a forma mais eficaz de estimular a
do os autores acima, baseada em três principais autonomia e responsabilidade em classe, é man-
argumentos: ter discussões de avaliação regulares, centradas
1) a mudança de entendimento surge da em questões tais como: “O que faz isto funcio-
articulação de experiências imaginárias; depen- nar ou não? Como podemos lidar com este pro-
de da maturidade pessoal e não da aprendiza- blema?” (1986, p. 153)
gem em drama; usualmente está relacionada Para Jon Nixon (1987, p. 51-54), a ques-
com pistas em vez de evidências; tão sobre como avaliar drama, e mais ainda, se
2) o reconhecimento desta mudança de- cabe avaliá-lo, é na realidade vexatória. Como
pende do observador e varia de acordo com os alternativa, ele sugere a auto-avaliação e o rela-
valores do professor; tório referente ao progresso do aluno a ser envi-
3) o drama não lida com realidades aca- ado aos pais. Para tanto, propõe um questioná-
badas, mas com compromissos e conseqüências rio para subsidiar a auto-avaliação e sugere que
futuras; sua dimensão temporal implica em ava- os professores preparem seus relatórios com base
liar o que existe aqui e agora. nos comentários dos alunos, a fim de focalizar
as preocupações de cada um.
2. Chamada à responsabilidade John O’Toole e Brad Haseman (1988,
p. II-III) enfatizam que julgar a qualidade do
Em 1982, o Projeto Arte na Escola (Fundação trabalho do aluno significa exclusivamente res-
Gulbenkian) considerou as seguintes implica- ponder à demanda do sistema educacional. Eles

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consideram que julgamentos sobre respostas delo de Análise do Espetáculo proposto por
baseadas em sentimentos e crescimento emocio- Patrice Pavis.
nal sempre trazem problemas, e para minimizá- A natureza holística do drama foi acentu-
los os julgamentos devem ser relacionados com ada neste período como um processo contínuo,
a expressão, apropriação, manipulação e contro- que requer um método dialético baseado em
le do meio (medium). Os autores apresentam questionamento aberto, com pouco ou nenhum
uma série de técnicas a serem usadas na avalia- produto final, e respostas baseadas em senti-
ção, incluindo documentação dentro e fora do mentos. A dificuldade posta para a avaliação,
contexto dramático, análise de jornais elabora- segundo estes autores (com exceção de Horn-
dos pelos alunos, e reavaliação constante. brook), reside no fato de que a validade da tare-
Norah Morgan e Juliana Saxton (1987, fa de avaliar depende da natureza subjetiva do
p. 189-213) apresentam listas de critérios para avaliador e do avaliado. Enquanto Morgan e
avaliação nas esferas comportamentais, instru- Saxton apoiam a idéia de envolver o aluno na
cionais e prescritivas, a partir de uma perspecti- avaliação, equilibrando sua opinião com os jul-
va expressiva. Ao considerar a natureza subjeti- gamentos do professor, Hornbrook sugere o
va do avaliador, propõem a contribuição do aperfeiçoamento do professor.
aluno sendo avaliado, o qual deve estar ciente
dos critérios utilizados. Avaliação, para as auto- 3. A década de 1990
ras, deve ser formativa, cumulativa e contínua e
apesar de todas as implicações negativas, é um O debate sobre avaliação na primeira metade
componente vital da aprendizagem, ajudando dos anos 1990 contemplou e questionou as de-
o professor a identificar os próximos passos e a finições tomadas na implementação do novo
obter evidência do desenvolvimento do aluno. currículo (Education Reform Act – 1988). Por
John McLeod (1986, p. 29-36) identifi- um lado, a grande maioria de teóricos e profes-
ca quatro grupos de problemas: sores uniu-se contra a especificação de objeti-
1) subjetividade: os julgamentos represen- vos associados a expectativas de resultados, evo-
tam os valores do avaliador; cando seu efeito restritivo sobre o processo
2) evidência: relacionamento impreciso artístico. Por outro lado, houve quem conside-
entre significado e ação; rasse que as declarações de expectativas são um
3) validade: a avaliação de significados exemplo de como a progressão e os resultados
pessoais, pelo professor, deve ser questionada; alcançados podem ser identificados em drama.
4) generalização: critérios de avaliação Aspectos do subseqüente debate, mencionados
baseados em objetivos de aprendizagem não in- abaixo, pontuam questões sobre a natureza da
dicam ações específicas. atividade dramática.
Para David Hornbrook (1989, p. 131), o Para Jonothan Neelands (1990, p. 82), os
conteúdo de uma aula é sempre escolha do pro- contextos institucionais que promovem um cli-
fessor e a proficiência nos elementos básicos da ma de prestação de contas baseado na execução
arte dramática é uma maneira de medir a pro- de tarefas pré-determinadas e mesuráveis, pres-
gressão do aluno. O autor sugere dois modelos sionam o professor a direcionar o teatro para
alternativos de avaliação: o primeiro comparti- aspectos apenas instrumentais e esquecer ou
lha uma base conceitual com Artes Visuais, desvalorizar aspectos expressivos. Em publica-
Música e Dança, visando cursos que, através de ção mais recente, Neelands (1992, p. 64-6)
módulos restauram o status artístico para apre- aprofunda este questionamento, acrescentando
sentações escolares. O segundo pressupõe o de- que a aprendizagem em drama acontece através
senvolvimento da apreciação, cuja avaliação da experiência associada à reflexão pessoal e so-
pode ser facilitada através da utilização do mo- cial sobre ela; portanto a forma artística é um

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importante foco – a cena pode ser trabalhada os mais universais, mas os mais específicos, uma
de diversas maneiras, cada uma irá iluminá-la a vez que estes estão entrelaçados com o contexto
partir de uma perspectiva diferente. real (a resposta dos alunos a este contexto). O
Hornbrook (1991, p. 68-125), também contexto da ficção, ele acrescenta, permite que
em publicação posterior, afirma que a avaliação a realidade seja suspensa, mas ela permanece
em artes é tanto possível quanto necessária e, se presente, e a força do drama está na ressonância
estruturada adequadamente, pode ser uma con- entre os dois contextos.
tribuição positiva para a arte na educação. Ele Gavin Bolton propõe avaliações distintas
comenta a preocupação com a possibilidade de para o comportamento dramático e para a
um programa de avaliação distorcer os propósi- performance. Para o primeiro caso, ele levanta
tos curriculares ao concentrar-se nos aspectos da quatro pontos referentes às ações dos participan-
disciplina que mais prontamente facilitarão a tes:
avaliação. A fim de mostrar que é possível iden- 1) o conhecimento do conteúdo pelo alu-
tificar progressão e identificação de resultados no pode ser inadequado segundo as expectati-
em drama, o autor propõe três objetivos especí- vas do adulto;
ficos – fazer, representar e apreciar – e projeta a 2) os participantes podem não estar en-
partir deles uma série de expectativas de resul- volvidos ou não ter interesse naquele processo
tados para cada série escolar. ou tema;
A chamada à responsabilidade, segundo 3) um indivíduo no grupo pode estar mi-
David Davis (1992), pressiona o desenvolvi- nando o trabalho coletivo;
mento de objetivos de aprendizagem que incor- 4) o contexto dramático pode ter perdi-
porem as habilidades necessárias à criação artís- do o foco, e, em decorrência, os alunos desvia-
tica. Por “habilidades” ele entende “a capacidade do sua atenção.
de organizar a forma com sucesso, a fim de rea- Bolton considera que o desempenho do
lizar intenções”. O problema, argumenta, é que aluno dependerá muito da forma pela qual o
a evidência de uma boa forma é justamente sua trabalho é proposto e conduzido. “Nós daremos
imprecisão, a qual permite o movimento ou nota baixa aos alunos porque o professor pro-
deslocamento do conteúdo cada vez que o ob- pôs o trabalho de forma inadequada, ou dare-
servador entra em contato com a obra. A forma mos notas altas porque eles se saíram bem ape-
tem que provocar um movimento no receptor. sar do professor?” (1992, p. 128-144).
A conclusão de Davis é que o drama deve ser Quanto à performance, Bolton questiona
avaliado através da observação deste movimen- a eficácia de avaliar a originalidade de expres-
to, examinando como a forma permite a impre- são, uma vez que a repetição é uma das caracte-
cisão do conteúdo. rísticas da mesma. A sugestão do autor é que os
John O’Toole (1992, p. 226-35) afirma alunos sejam avaliados enquanto espectadores,
que o drama é um meio oblíquo do fazer artís- a fim de desenvolver a apreciação, e incluir na
tico, e não um espelho. Esta qualidade, associa- avaliação os “altos e baixos” dos processos de
da à impossibilidade de controlar o ponto de investigação e ensaio.
partida do criador, reforça a imprevisibilidade Os autores acima advogam que objetivos
do significado dos resultados apresentados. As- específicos restringem a dimensão expressiva do
sim, enquanto a educação formal se baseia em trabalho artístico e que nenhuma tarefa de ava-
suposições explícitas expressas em objetivos es- liação é capaz de responder à imprevisibilidade
pecíficos, a construção de significados em dra- da significação.
ma é acentuada tanto pela sua natureza oblíqua A primeira destas alegações revela uma preo-
quanto pela atitude dos alunos. Nesse sentido, cupação com a eventualidade do drama ser ensi-
os significados artísticos mais profundos não são nado de acordo com a pedagogia tradicional, a

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qual exige dos professores um papel ativo na duto, mas nas causas que interferiram na sua
transmissão do conhecimento e uma avaliação criação. Duas questões estão subjacentes: a pri-
segundo um modelo imposto de respostas váli- meira relaciona-se com alternativas metodo-
das. A idéia de que ao especificar os objetivos o lógicas para auxiliar os alunos na busca pela
professor teria que medir a resposta dos alunos melhor expressão, a segunda relaciona-se com
em face deles, sem deixar espaço para aspectos ética – as formas de abordar os julgamentos de
indeterminados ou expressivos, é um exemplo valor em público. É aqui que o esclarecimento
deste ponto de vista. A mesma preocupação está do conceito de intenção é importante, pois
manifesta na idéia de que ao especificar os ob- intenções e conceitos são culturalmente
jetivos se está especificando os resultados a se- historicizados.
rem obtidos. 2) subjetividade X objetividade – refere-se
Estas posições refletem a preocupação ge- à tradição, na cultura ocidental, de associar as
ral, mencionada por Hornbrook, de que um formas de expressão exclusivamente à visão pes-
programa de avaliação se concentre nos aspec- soal do artista e a interpretação a uma questão
tos mais fáceis de avaliar, os quais, de acordo de gosto. O subjetivo aqui aparece dissociado de
com Davis, significariam um retrocesso ao foco um contexto objetivo, no nível da realidade e
no exercício de habilidades, em detrimento do da ficção. Nesse sentido, a expressão subjetiva
conteúdo. diferencia-se da expressão individual, a qual
embora particular a um indivíduo, refere-se a
4. Reflexão final elementos que podem ser objetivamente obser-
vados e, portanto, abertos à argumentação. Essa
A revisão bibliográfica mostra que as dificulda- dicotomia revela a tendência para avaliar com-
des decorrentes das propostas para avaliação em portamentos em vez de desempenho artístico e
teatro resultam da compreensão conceitual de o receio de que os julgamentos emitidos sejam
seus autores sobre a natureza dos processos de considerados verdadeiros e definitivos, em vez
criação e recepção e não do conteúdo progra- de evidência da atuação do aluno naquele perí-
mático oferecido. Uma análise dos argumentos odo.
apresentados a favor ou contra a avaliação evi- 3) intuição X conhecimento – trabalhos e
dencia problemas de conceituação que podem narrativas pobres, assim como falta de coerên-
ser agrupados de acordo com as dicotomias que cia e soluções deus ex machina estão usualmente
subscrevem: relacionados com processos justificados como
1) intenção X expressão e a equivalente for- sendo baseados na intuição. Dissociar a intui-
ma X conteúdo – problemas de evidência para se ção do conhecimento inviabiliza não só a avali-
avaliar uma manifestação artística. Por exemplo, ação, mas a própria educação em artes. Entre-
tentar avaliar a intenção dos atores, argumentar tanto, a importância da avaliação torna-se ainda
que a preocupação com a forma revela descon- maior aqui, uma vez que tornará o artista cons-
sideração com o conteúdo. Para estes autores, o ciente de aspectos do seu trabalho que possam
foco na intenção estaria centrado não no pro- ter sido não intencionais ou acidentais.

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