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MERCADO | Habitação

TEM HAVIDO POLÍTICAS DE HABITAÇÃO


DESDE O INÍCIO DO SÉCULO XXI?

por Fernando Santo


Engenheiro

O acesso à habitação continua a ser um dos principais problemas que as


famílias enfrentam, decorridas as duas primeiras décadas deste século, pelo
que se justifica identificar as principais políticas de habitação que contribuí-
ram para melhorar as condições de acesso.

N esta matéria, contudo, e pese em-


bora a pesquisa, pouco consigo destacar
gicas, não contribuíram para resolver as
necessidades das famílias, pelo contrário,
que possa contribuir para aumentar de
forma minimamente significativa a oferta
pela positiva. Pelo contrário, há a registar agravaram, pois o mercado de arrenda- de habitações públicas, ou a atribuição de
uma grave deterioração do acesso à habi- mento deixou de existir a partir de 1974, subsídios de renda com uma dimensão
tação, com muitas dezenas de milhares de devido ao ataque aos senhorios, que pas- adequada às necessidades, apesar de nos
famílias que perderam as suas residências, saram a ter o ónus de assegurar a prote- últimos anos ter aumentado o número
a par da crescente dificuldade em encon- ção social dos inquilinos, o que deveria
trar uma habitação a preços adequados pertencer ao Estado. A ausência de novas
aos rendimentos, a que acresce a não di- habitações no mercado de arrendamen-
namização do mercado de arrendamento to obrigou os portugueses a uma única
como alternativa à compra de casa. solução, comprar casa, recorrendo a em-
Se compararmos este período com os úl- préstimos, que chegaram a atingir mais
timos 30 anos do século passado, percebe- de 120 mil milhões de euros. Infelizmente
-se melhor o que acabo de referir. No iní- muitas dessas famílias ficaram sem habita-
cio das décadas de 1970 e 1980 Portugal ção após a crise iniciada em 2009, quando
enfrentava uma situação grave de acesso deixaram de poder pagar os emprésti-
à habitação, em quantidade e qualidade, mos e o ónus da proteção social que foi
com centenas de milhares de famílias a vi- imposto aos senhorios não foi aplicado
ver em barracas. Contudo, entre 1971 e nestes casos.
2001 o parque habitacional passou de 2,25 Apesar da importância que este subsetor
milhões para 5 milhões de habitações, ou tem para os portugueses, seja qual for o
seja, cresceu 2,75 milhões, a par da melho- critério, parece evidente o desinteresse a
ria da qualidade, com quase 100% de abas- que foi sujeito, como evidencia o facto de
tecimento de água, energia e saneamento. ter sido extinta a Secretaria de Estado da
No que respeita à eliminação dos bairros Habitação, entre julho de 2004 e julho de
de barracas, o progresso foi também notá- 2017, quando o atual Governo voltou a
vel e chegámos ao fim do século com um criar esta pasta.
número reduzido e com cerca de 120 mil Com ou sem pasta, a ausência de polí-
habitações de âmbito social. ticas de habitação adequadas aos desa-
fios contribuiu para não haver resposta
Arrendamento urbano à crescente dificuldade dos portugueses.
Apenas as políticas públicas sobre o ar- Divulgam-se estratégias, alteram-se leis,
rendamento urbano, por razões ideoló- anunciam-se medidas, mas nada se passa

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de famílias, em particular os jovens, com pliação das situações de transmissão por ideológicas colocaram de fora esse apoio
mais necessidades de apoio. morte do contrato de arrendamento, que e de forma demagógica tentam atribuir
A política tem sido concentrada nas al- passa a abranger filho ou enteado (com a responsabilidade aos proprietários ou
terações cirúrgicas do regime de arren- 65 anos ou mais); a limitação da possibili- aos senhorios.
damento urbano ou no ataque aos fun- dade de o senhorio se opor à renovação Não são apenas os senhorios o alvo da
dos imobiliários, o que certamente não ou denunciar contratos de duração limi- chamada Nova Geração de Políticas de
irá contribuir para aumentar e dinamizar tada para fins habitacionais celebrados na Habitação, também o turismo e os resi-
este mercado, pelo contrário, conduz, vigência do RAU, ou seja, depois de 15 de dentes estrangeiros que optaram por vi-
uma vez mais, às consequências das po- novembro de 1990, entre outras medidas. ver em Portugal mais de seis meses passa-
líticas do século passado que destruíram Em conclusão, as alterações introduzidas ram a ser o alvo e responsabilizados pe-
o mercado de arrendamento, protegendo pela Lei n.º 12/2019 visam aumentar a los mesmos problemas. Mas não se pode
quem tem contratos de arrendamento, proteção jurídica do arrendatário, inver- ter sol na eira e chuva no nabal, como
mas não fomentando o mercado para tendo a maior liberalização do mercado se costuma dizer, pois foi o turismo e os
quem precisa de uma habitação. de arrendamento introduzida pela Lei estrangeiros que permitiram iniciar a rea-
n.º 31/2012 de 14 de agosto, procurando bilitação urbana, requalificar as cidades e
Alterações recentes atribuir aos senhorios a responsabilidade dinamizar o setor da construção, sendo
Ainda recentemente, em 12 de fevereiro, pela ineficiência do mercado, consequên- os principais responsáveis pela redução
foi publicada a Lei nº 13/2019 que intro- cia da ausência de habitações apoiadas muito significativa do desemprego e pelo
duziu várias alterações no Regime de Ar- pelo Estado. Só que a questão de fundo, crescimento económico.
rendamento Urbano (RAU), destacando- ou seja, a oferta de mais habitação e a
-se: a forma e o prazo dos contratos; a preços mais reduzidos, passa ao lado, por- Receitas do turismo
indemnização em caso de mora do arren- que alterar leis é muitíssimo mais barato Segundo informação da secretária de Es-
datário; a oposição e período de renova- e até parece que resolve os problemas. tado do Turismo, as receitas com o turis-
ção do contrato; a criação da injunção, a A habitação, tal como a saúde ou a edu- mo cresceram 45% entre 2015 e 2018,
qual permite ao arrendatário exigir do cação, são bens essenciais, mas de custo tendo passado de 11,5 mil milhões de
senhorio, entre outros, o reembolso dos elevado, razão pela qual o Estado assume euros para 16,6 mil milhões, enquanto o
montantes despendidos pela realização o seu custo garantindo assim a proteção saldo da balança turística atingiu 11,9 mil
de obras que, nos termos da lei, deves- dos que têm menos condições, mas no milhões de euros em 2018, ano em que
sem ser executadas pelo senhorio; a am- caso do acesso à habitação as razões os turistas gastaram 46 milhões de euros
por dia.
Também ao nível do reconhecimento
internacional, Portugal, como destino
turístico, recebeu 4254 prémios e re-
gistou uma maior diversificação dos
produtos, com mais 609 congressos nos
últimos três anos, destacando-se o tu-
rismo religioso.
Atualmente, fruto das taxas de juro mui-
to baixas e da enorme quantidade de
habitações e terrenos loteados que são
propriedade do sistema bancário, exis-
tem condições únicas para se promover
políticas que permitissem aumentar a
oferta e contribuir para soluções mais
diversificadas a preços mais reduzidos,
começando por um dos maiores pesa-
delos de qualquer promotor, obter uma
licença de construção, de reabilitação
ou de utilização. Mas quando as políti-
cas não conseguem ter em conta as di-
ficuldades do processo produtivo e dos
custos inerentes, dificilmente poderão
alcançar os resultados que permitam re-
solver os problemas.

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