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NEGÓCIO PRELIMINAR DE COMPRA E VENDA DE BENS

IMÓVEIS E SEUS EFEITOS: UMA PASSAGEM DO DIREITO

OBRIGACIONAL PARA O DIREITO REAL

Pedro Luiz Pozza

Juiz de Direito no Rio Grande do Sul

SUMÁRIO

1. Introdução – noções gerais sobre a compra e venda

2. Contrato Preliminar de Compra e Venda

2.1.Origem do instituto

2.2.O Instituto no Direito Comparado

3. O contrato preliminar de compra e venda de imóveis no Direito

brasileiro – algumas noções

3.1. Natureza dos direitos decorrentes do contrato preliminar de compra e

venda de bem imóvel

3.1.1. Direito obrigacional

3.1.2. Direito real

3.2. A defesa do promitente comprador via embargos de terceiro – evolução

da posição do STF (súmula nº 621) para a do STJ (súmula nº 84):

4. Conclusões

5. Bibliografia
1. Introdução – noções gerais sobre a compra e venda

Segundo PONTES DE MIRANDA, o contrato de compra e venda é

negócio jurídico essencialmente bilateral. Na linguagem portuguesa e na brasileira, o

nome é expressivo: compra e venda. Noutras línguas, os juristas satisfazem-se com um

só termo: achat, kauf (compra), vendita que, no Brasil, a compra e venda pode ter

por objeto tanto a propriedade corpórea como a incorpórea. 1

No direito romano antigo, era mais importante a entrega da coisa e

o preço do que o próprio consenso. Assim como em todos os povos primitivos, a

compra e venda era, geralmente, de contado.

Na mancipatio, o comprador apanhava o bem com a mão, na frente

das testemunhas e do porta-balança (libripens). Pronunciava uma fórmula, batia

na balança com um pedaço de cobre, alcançando-o ao vendedor que, se ficasse

em silêncio, estava de acordo com o negócio.

Com o passar do tempo, a mancipatio passou a ser negócio jurídico

abstrato, de alienação, com o pagamento, enquanto as compras-e-vendas de

contado mantinham o caráter real.

1- TRATADO DE DIREITO PRIVADO, Ed. Revista dos Tribunais, 3ª edição, São Paulo, 1984,
Parte Especial, vol. 39, pág. 5.
A partir do momento em que se permitiu o pagamento do preço a

prazo, fez-se necessário pensar em dois negócios distintos: o consensual,

obrigacional, e o real, da alienação. Assim, surgiu no século II antes de Cristo o

contrato consensual, que ocorria anteriormente ao acordo de transmissão, esse

sim, real e abstrato. A simultaneidade era típica apenas do contrato de compra e

venda de contado, pois esse pressupunha o pagamento do preço ao mesmo

tempo em que a coisa era entregue.

No direito francês, segundo VILOBALDO BASTOS DE

MAGALHÃES, “consoante a disposição do art. 1.538 do Código Civil, a

transferência da coisa vendida não é um efeito da tradição, mas do próprio

contrato. Esta regra especial deriva dos princípios consignados nos arts. 711 e

1.138 do mencionado Código, que consagram a transmissão da propriedade solo

consensu. Mas quanto à estrutura da compra e venda, verifica-se que os seus

essentialia negotii encastelam-se na disposição do mencionado art. 1583 do

Código. Como no direito romano, o acordo de vontades sobre a coisa e o preço

torna perfeito o contrato, independentemente não só da observância da forma

escrita, pública ou particular, como também da entrega da res e do pagamento

do pretium. Por isso, a doutrina considera a compra e venda um contrato

consensual, quanto à sua formação, sob o fundamento de que, segundo Marty et

Raynaud, o Code Civil traduziu os resultados da evolução que o precedeu e

realizou uma espiritualização do direito, destacando-o do formalismo, pelo

reconhecimento da força criadora da simples troca de consentimentos”. 2

2- COMPRA E VENDA E SISTEMAS DE TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE, Ed. Forense, 1ª


edição, Rio de Janeiro, págs. 15/16.
É o contrato de compra e venda, pois, modo de aquisição da

propriedade, assim como a doação e a permuta, indiferente à tradição do bem e

a eventual registro daquele no álbum imobiliário que, em França, é

administrativo e tem caráter declaratório e não constitutivo de direitos.

A Alemanha, todavia, manteve-se ligada ao sistema romano do

contrato obrigatório, com algumas alterações peculiares. De acordo com o art. 433

do Código Civil alemão, na compra e venda, impõe-se ao vendedor o ônus

primordial de transmitir a propriedade de uma coisa ou de um direito,

mediante o pagamento do preço.

Entretanto, para que haja a transmissão da propriedade, necessária

a realização de outro negócio de cumprimento do primeiro contrato que, quanto

aos móveis, conforme o art. 929 do Código alemão, abrange a entrega da coisa e o

acordo de transmissão. Em relação aos imóveis, impõe-se a formalização de

convênio de transmissão e sua inscrição no registro imobiliário. Trata-se, conforme

VILOBALDO DE MAGALHÃES, “do chamado princípio do consentimento, por

força do qual, as partes firmam dois acordos, um sobre a obrigação de transferir

o domínio (negócio causal ou obrigatório), e o outro sobre a própria transmissão

(negócio de disposição).

O primeiro tem efeito apenas entre as partes; o segundo, porém,

possui eficácia erga omnes.


Decorrência desse especial sistema é o princípio da abstração, vez

que eventuais defeitos do contrato obrigatório não afeta o jurídico-real. Quer dizer

que mesmo nulo aquele, esse último não será atingido, permanecendo o

domínio com o adquirente que, logicamente, poderá ser compelido ao

pagamento do preço para evitar o enriquecimento sem causa, não pelo contrato

primeiro que se reconheceu viciado. Ação essa, entretanto, que se limita ao

campo obrigacional, não levando, pois, à retransmissão do domínio a não ser

que o vendedor valha-se de uma ação real.

Exceções têm sido abertas, no entanto, pela doutrina e

jurisprudência, na hipótese de o vício que atinge o primeiro contrato também

fulmine o negócio de transmissão, quando também esse pode ser reconhecido

nulo. 3

Na Itália, o sistema é similar ao francês, ou seja, o contrato de

compra e venda transfere, solo consensu, a propriedade. Isso em decorrência das

disposições dos arts. 1376, 1470 e 1476 do Código Civil Italiano.

Como diz VILOBALDO MAGALHÃES, “Erige-se, assim, destas

disposições legais, o princípio da transmissão consensualista da propriedade.

Configura-se a regra da compra e venda instantaneamente translativa. Desde ao

plano excepcional a natureza obrigatória deste contrato”. 4

3 - obra citada, pág. 28.


4 - idem, pág. 36.
Em se tratando de bem imóvel, porém, mesmo que o contrato de

compra e venda transfira a propriedade, é obrigatória a transcrição daquele no

registro público, conforme o art. 2.643, alínea primeira, do estatuto civil italiano,

visando à publicidade (mesmo código, art. 2643). Entretanto, por força do art.

2644, a transcrição é que assegura o direito de preferência na hipótese de dois

contratos de compra e venda tendo por objeto do mesmo bem imóvel. Nesse

ponto, o sistema italiano aproxima-se do brasileiro.

Isso significa que a regra é de que o registro público do contrato

tem apenas efeito declaratório, somente marcando uma aquisição já efetivada.

Todavia, em casos raros, em que houver mais de um contrato tendo por objeto o

mesmo imóvel, é o registro que assegura a propriedade ao comprador.

No Brasil, o contrato de compra e venda tem por finalidade a

transferência da propriedade que, todavia, não a transfere, pois não se pode

confundir a transferência com a promessa de transferência. Seu conteúdo

(finalidade do negócio jurídico) é a propriedade, assim como, na locação, é o

uso; no penhor, o ius distrahendi.

Por esse contrato, promete-se a transferência de direito de

propriedade ou de posse. Não é, pois, a compra e venda, contrato translativo,

sendo grave erro tal afirmativa. Translativo, segundo PONTES, “é o acordo de

transmissão, translativa é a tradição, o constituto possessório. Não, o contrato de


compra e venda, que é consensual e somente gera dívida, pretensões pessoais e

ações pessoais”. 5

Trata-se de contrato oneroso, no qual cada um dos contraentes

visa e busca a vantagem econômica, prestando ao outro, por sua vez, outra

vantagem. Para o comprador, ela é o bem; para o vendedor, o preço.

Logicamente, prepondera o bem, que é o objeto da prestação prometida pelo

vendedor, o que, todavia, não afasta a importância da prestação do comprador,

que é o preço.

Quanto ao objeto (bem), ele pode ser determinado ou somente

determinável. Quer dizer: o objeto pode ser especificado posteriormente, seja

pela vontade previamente ajustada pelos contratantes, seja inclusive por arbítrio

de um terceiro por eles designado.

Acerca do preço, é prestado pelo comprador, sem o qual não há

compra e venda, ainda que possa haver preço sem que haja compra e venda,

como, por exemplo, na locação de serviços, na de obra, na de coisas, no contrato

de trabalho e em outros negócios jurídicos. Ainda que o preço deva ser em

dinheiro, não há obrigatoriedade de que seja em moeda nacional, podendo ser

ajustado em qualquer moeda estrangeira.

O estabelecimento do preço não pode ficar ao arbítrio de uma das

partes. Se isso acontecer, o contrato é nulo (art. 1125 do Código Civil revogado e

5 - idem, pág. 14.


489 do novo Código Civil). Pode ser determinado, ou seja, aquele que se

conhece na conclusão do contrato, ou determinável, aquele que, segundo

PONTES, do qual “não se tem conhecimento objetivo do quanto, ou dele não se

tem conhecimento subjetivo, mas já se sabe como se há de determinar. Tem-se o

critério de fixação, não se tem a fixação. Há a vinculação, o efeito mínimo do

negócio jurídico (pois concluso está)”. 6

Como hipóteses de preço determinável pode-se citar aquelas da

fixação do preço por terceiro (art. 1123 do Código Civil revogado e 485 do novo

Código Civil) ou à taxa do mercado ou da bolsa em certo e determinados dia e

lugar (arts. 1124 do Código Civil revogado e 486 do novo Código Civil).

Na compra e venda, temos as figuras do comprador e do

vendedor, um ofertando, o outro aceitando. Qualquer deles pode oferecer – o

comprador, o preço; o vendedor, a coisa. Ambos devem ser capazes, ainda que

sejam válidas as vendas feitas por menores, presumindo-se sejam instrumentos

de quem seja, efetivamente, o dono da coisa vendida.

6 - op. cit., pág. 36.


2. Contrato preliminar de compra e venda:

2.1. Origem do Instituto:

DARCI BESSONE refere que “a garantia do crédito, tão ligada à

vida econômica e, de certo modo, condicionada às concepções éticas, reclama do

direito técnicas atualizadas”. 7

Anteriormente à lei Poetelia (ano 326 a.C), era o próprio devedor

que garantia o cumprimento da obrigação, pelo que não era necessário que as

coisas garantissem o crédito. As injustiças perpetradas por credores contra seus

devedores, normalmente mais fracos, levaram a uma alteração do sistema, que

passou a vislumbrar no patrimônio desses uma forma de garantir o

cumprimento da obrigação. Assim, surgiram duas espécies de garantias reais: o

pignus e a fiducia. No primeiro, inicialmente, o credor apenas tomava posse da

coisa dada em garantia. Com o passar do tempo, para reforçar a garantia,

passou-se a admitir que o credor vendesse a coisa para a satisfação de seu

crédito (pactum distrahendi) ou, então, que o próprio credor se apropriasse da

coisa (lex commissoria). Também se permitiu que o próprio devedor ficasse na

posse da coisa dada em garantia (conventio pignoris), ainda que pudesse ocorrer

o contrário (datio pignoris).

7 - DA COMPRA E VENDA – PROMESSA E RESERVA DE DOMÍNIO, Editora SARAIVA, 3ª


edição, São Paulo, 1988, pág. 5.
Antes da concepção do pactum distrahendi ou da lex commissoria, em

que o credor era apenas uma espécie de depositário do bem dado em garantia,

surgiu também a fiducia, na qual o devedor transferia a propriedade do bem ao

credor, mas ajustando-se que, paga a dívida, aquela lhe voltaria por

remancipação ou retrocessão. Todavia, como ela tinha os mesmos defeitos da lex

commissoria, ou seja, por permitir a apropriação de bem de valor bem superior

ao da dívida, tal instituto não se pode manter, em vista de conceitos morais não

compatíveis com o pragmatismo dos romanos.

Vários foram os outros instrumentos para garantir ao credor a

satisfação de seu crédito, sem prejudicar o uso do bem dado em garantia pelo

próprio devedor. Atualmente, dois são os mais utilizados, mormente quando se

trata de compra e venda: a promessa de compra e venda, em relação aos bens

imóveis, e a compra e venda com reserva de domínio, para os bens móveis, que

permitem justamente que o devedor usufrua o bem adquirido e o credor tenha

uma garantia real, ambos assemelhando-se à hipoteca e ao penhor, sem

desapossamento da coisa.

2.2. O instituto no Direito comparado:

2.2.1. Direito Italiano

Leonardo Coviello foi quem, por primeiro, cuidou do instituto na

Itália, ainda antes de o ordenamento jurídico dele tratar. Isso por inspiração do
art. 1589 do Code Civil e em vista do tratamento doutrinário a ele dado na

Alemanha. Coviello chamou-o de contratto preliminare, optando por concebê-lo

como negócio autônomo especialmente porque a realidade do mercado

imobiliário impunha a utilização, paralelamente com a venda com eficácia real,

de instrumento similar à compra e venda obrigacional, que possibilitasse a

concretização do negócio após o decurso de tempo necessário à integração de

todos os requisitos para a transferência da propriedade.

Tal entendimento, todavia, não foi aceito por todos, havendo

corrente minoritária, inclusive na jurisprudência, no sentido de que a omissão

do legislador civil italiano de 1865 evidenciava que o contrato preliminar de

compra e venda deveria ser equiparado à própria compra e venda, conforme o

art. 1589 do código civil francês. A discussão, todavia, foi sepultada por decisão

da Corte de Cassação que, em 28.11.1921 distinguiu contrato-promessa do

contrato definitivo, e que os efeitos desse dependiam de novo acordo de

vontades, posterior à promessa.

Houve, entretanto, dificuldades para superar o problema

decorrente da recusa do promitente vendedor em firmar o contrato definitivo,

sustentando Chiovenda a possibilidade de que o consentimento negado pudesse

ser suprido em juízo. Prevaleceu, no entanto, na falta de norma similar ao § 894

do ZPO alemão ou o § 376 do regulamento executivo austríaco, tanto na

doutrina como na jurisprudência, o entendimento de que a inadimplência do

vendedor poderia resultar tão-somente em indenização por perdas e danos.


Dificuldade, porém, superada com o novo CCItaliano, que em seu

art. 2932 adotou a solução preconizada por Chiovenda, porém, com a ressalva

do art. 1351, que dispõe que “o contrato-promessa é nulo se não for feito na

mesma forma que a lei prescrever para o contrato definitivo”. A partir daí,

passou-se a sustentar o cabimento do suprimento judicial do consentimento

negado pelo promitente-vendedor à celebração do contrato definitivo.

Na Itália, também a lei civil dispõe sobre o sinal, que, à falta de

disposição contratual no sentido de ser penitencial (art. 1386), presume-se

confirmatório (art. 1385).

2.2.2. Direito Francês:

A redação do art. 1589 do Code Civil só veio a formalizar a corrente

doutrinária dominante desde o século XVIII. Assim, equiparada a promessa de

compra e venda à própria compra e venda, desde que o contrato preliminar

tivesse todos os elementos essenciais do definitivo, aquela também passou a ter

efeitos reais e não apenas obrigacionais, em vista do art. 1583 do mesmo código.

A razão de ser dessa interpretação teria origens históricas, pois visava à abolição

do sistema anterior que distinguia titulus acquirendi e modus acquirendi, usados

pela aristocracia em prejuízo da burguesia nascente.

Recentemente, entretanto, passou-se a divergir a respeito, pois

alguns entendem que a equiparação decorrente da interpretação do art. 1589 é

inaceitável sempre que a vontade das partes não seja somente postergar os
efeitos da compra e venda, mas a própria formação do pacto definitivo; houve

outros, ainda, que a despeito de aceitarem a equiparação, tenham como

promessa sinalagmática o pacto onde os contraentes ajustem a posterior

contratação, sem, porém, fixarem os seus elementos essenciais.

Mais recentemente, o Código da construção e da habitação francês

passou a prever um contrato preliminar através do qual o construtor se obriga a

reservar um imóvel ou parte de imóvel a quem efetuar um depósito de garantia

em percentual de até 5% do preço a constar do futuro contrato definitivo, até

quando o depósito é indisponível, não cedível e impenhorável, devendo ser

restituído se não firmado o contrato definitivo no prazo de três meses. Como

inicialmente tal disposição só se aplicava a imóveis em construção, alterou-se o

Code Civil para abranger também os empreiteiros, que construiu ou mandou

construir o imóvel.

Outra novidade nesse campo é a Lei nº 89-1010, que instituiu um

prazo de sete dias (que pode ser maior se assim fixado em outra lei) para

retratação do comprador não profissional, dentro do qual ele poderá desistir da

formalização do contrato definitivo que tenha por objeto a compra e venda de

bem imóvel ou de lacation-accession.

Acerca da forma, haja vista a equiparação entre o contrato

preliminar e o definitivo, tem-se entendido majoritariamente, na doutrina e

jurisprudência, que ela deve ser a mesma exigida para o contrato definitivo.

Admite-se, entretanto, o uso do instrumento particular, esse último registrado


no prazo de dez dias na hipótese de promessa unilateral de venda de imóvel ou

de um direito imobiliário.

Não há, no direito francês, previsão à execução forçada da

promessa de compra e venda, pelo que o seu descumprimento dá ensejo apenas

à indenização por perdas e danos. Algumas decisões, entretanto, utilizam-se do

art. 1178 do Code Civil, na medida em que se uma das partes impede

culposamente a verificação da condição necessária à celebração do contrato

definitivo, a outra pode reputá-la como ocorrida, desde que preenchidos os

requisitos daquele.

2.2.3. Direito alemão:

Na Alemanha, o Vorvertrag, como é chamado o contrato-promessa,

é de uso pouco difundido especialmente no setor de compra e venda de

imóveis, mormente em vista do fato da legislação distinguir claramente entre o

contrato de compra e venda com efeitos meramente obrigacionais e o negócio

abstrato de transferência da propriedade. O instituto não tem regulamentação

especial no BGB, preocupando-se esse, apenas, com a promessa de mútuo (§

610), o que, somado à raridade de seu uso nos negócios, leva a jurisprudência a

considerar que, na dúvida, está-se diante do contrato definitivo, não de um

contrato-promessa.

Sobre a forma, a tendência inicial de exigir a mesma do contrato

definitivo foi aos poucos abrandada pelo Bundesgerichtshof, que passou a admitir
que o contrato-promessa só deve observar a do definitivo quando tal se faça

necessário em função do conteúdo e do objetivo da disposição formal. A não ser

que as partes assim o tenham ajustado, hipótese em que se impõe interpretar se

essa foi realmente a vontade daquelas.

O ZPO dispõe, em seu § 894, ser possível ao contratante lesado

obter, numa fase pré-execução, a condenação do inadimplente a emitir a

declaração de vontade a que se obrigou pelo contrato-promessa, se ele não o

fizer até o trânsito em julgado. Apenas na hipótese de impossibilidade de

conclusão do pacto definitivo é que o credor fica limitado à pretensão

indenizatória por perdas e danos.

2.2.4. Direito Suíço:

Na Suíça, o contrato-promessa foi introduzido no seu Código das

Obrigações em 1911, dispondo o seu art. 22º que ele deve observar a forma

prescrita para a validade do contrato principal, quando essa destinar-se à

proteção das partes. Ainda, o art. 216, 2, estabelece o ato autêntico como

requisito de validade das promessas de venda de imóveis.

Mesmo com certas reservas, a doutrina tem admitido, em vista do

princípio da liberdade contratual, a autonomia dos dois contratos – promessa e

definitivo.
O contrato-promessa é de pouco uso nos cantões alemães e de

Zurique; ao contrário, nos cantões franceses e italiano, surge com mais

freqüência nos negócios.

Assim como na Alemanha, a lei processual consagra a

possibilidade de suprimento da vontade da parte que recusar a firmar o

contrato definitivo pela via judicial (por exemplo, ZPO do cantão de Berna, §

407 e CPC de 1947, art. 78).

2.2.5. Direito Português:

Em Portugal, o contrato-promessa surge apenas no Código Civil

de 1867, cujo art. 1548 dispõe ser a promessa de compra e venda mera

convenção de prestação de fato, a ser regulada nos termos gerais dos contratos.

A partir de 1930, passou-se a exigir o escrito para os contratos-promessa tendo

por objeto bens imóveis.

Acerca do sinal de pagamento, era presumido como penitencial.

Assim, qualquer quantia recebida pelo promitente vendedor era a prefixação

das perdas e danos, perdendo-o quem o pagou ou restituindo-a em dobro quem

a recebeu. Alguns doutrinadores, todavia, distinguiam o simples sinal de

princípio de pagamento, sendo aquele mero contrato-promessa e esse uma

venda da contratada. Em sendo sinal, não havia possibilidade de execução

específica da obrigação.
Atualmente, o contrato promessa está regulado no código civil de

1966, art. 410, cujo nº 1 dispõe que aquele é a “convenção pela qual alguém se

obriga a celebrar um certo contrato”.

A regra é de que os contratos-promessa não obrigam à conclusão

do contrato definitivo, podendo qualquer das partes dele desvincular-se desde

que suportando as perdas e danos, ou seja, a perda do sinal pago ou a sua

restituição em dobro que se presume sempre dado em caráter penitencial.

Todavia, o nº 3 do art. 410 enumera os tipos de contratos-promessa

em que não só se afasta o caráter penitencial do sinal, mas é vedada qualquer

convenção que impeça a execução específica.

ANA PRATA 8
critica ferrenhamente essa posição do legislador,

que “nem o estágio de evolução do direito civil em geral, qualquer análise

sociológica dos interesses que motivam o recurso ao contrato-promessa na

sociedade portuguesa actual parecem justificar”. Ainda mais em vista do

disposto no art. 809 do mesmo código civil, que não admite ao credor renunciar

ao direito de exigir judicialmente o cumprimento do contrato.

Assim, a despeito de em algumas oportunidades o contrato-

promessa “poder constituir instrumento jurídico de uma vinculação provisória,

permissiva de uma ulterior reponderação”, não se pode “em nome da liberdade

8- O CONTRATO PROMESSA E O SEU REGIME CIVIL, Livraria ALMEDINA, 1ª edição,


Coimbra, 1999, pág. 287.
contratual, permitir, pelo ínvio caminho de mais do que discutíveis presunções

legais, graves violações da liberdade da parte contratualmente mais débil e

evidente prejuízo daquela que é indissociável conseqüência da liberdade

contratual, que é vinculatividade das convenções livremente estabelecidas”. 9

Tem-se admitido, de qualquer sorte, especialmente se verificada a

tradição da coisa em função do contrato-promessa, criando com isso uma sólida

expectativa de que o contrato definitivo será formalizado, o afastamento da

presunção do caráter penitencial do sinal e, com isso, o direito à execução

específica do contrato-promessa. 10

9 - obra citada, pág. 290.


10 - idem, pág. 947.
3. O contrato preliminar de compra e venda de imóveis no

Direito brasileiro – algumas noções:

Segundo DARCI BESSONE, 11


o “contrato preliminar, ou a

promessa de contratar, caracteriza-se por seu objeto, que é um contrahere, uma

obrigação de contratar”. Executa-se, normalmente, através de da conclusão do

contrato definitivo que, em conseqüência, se torna, simultaneamente, solutório e

constitutivo. Será solutório, ou liberatório, enquanto consistir no cumprimento de

obrigações assumidas no contrato precedente, extinguindo-as. Será constitutivo

no concernente às novas relações que dele resultarem, em caráter definitivo”.

Refere também que essa espécie de contrato tinha lugar apenas no

art. 1088 do Código Civil revogado, o que levava ao entendimento de que,

descumprida a promessa de compra e venda, só restava o direito às perdas e

danos, porque o dispositivo legal garantia o direito de arrependimento.

ORLANDO GOMES, lecionando sobre o compromisso de venda,

por sua vez, refere 12


que “Duas particularidades impedem considera-lo, em

nosso Direito, espécie do contrato preliminar em sua tradicional conceituação.

Primeiramente, a possibilidade, prevista em lei, de se substituir o contrato

definitivo por uma sentença constitutiva. Em seguida, a atribuição, ao

promitente-comprador, de um direito real sobre o bem que se comprometeu a

comprar, numa qualificação discutível.

11 - obra citada, pág. 62.


12 - CONTRATOS, Editora FORENSE, 22ª edição, Rio de Janeiro, 2000, pág. 243.
No Brasil, a primeira legislação específica sobre o contrato

preliminar de compra e venda de bens imóveis surgiu com o Decreto-Lei nº 58,

de 10 de dezembro de 1937, regulamentado pelo Decreto nº 3.079, de 15 de

setembro do ano seguinte.

Tratava-se de projeto do professor Waldemar Ferreira que, quando

de sua apresentação, atacou os defeitos do art. 1088 do Código Civil revogado,

justificando a necessidade de resguardar os interesses dos promitentes

compradores de imóveis loteados que, muitas vezes, perdiam os lotes

compromissados em ações movidas contra os vendedores. 13

A lei nº 649, de 11 de março de 1949, alterada pela Lei nº 6.014, de

27 de dezembro de 1973, determinou a aplicação aos imóveis não loteados de

algumas regras protetivas do DL 58/37.

A lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, regulou o parcelamento

do solo para fins urbanos, “preocupando-se especialmente com os requisitos

urbanísticos para loteamentos, mas disciplinando também matéria jurídica,

como, por exemplo, o registro do loteamento e desmembramento e os contratos

de compromisso de compra e venda, cessões e promessas de cessão”. 14

13 - DARCI BESSONE, obra citada, págs. 78/79.


14 - idem, pág. 79.
Justifica-se a proteção legislativa porque o art. 1088 do Código

Civil revogado, regra que aparentemente servia aos dois contratantes, era usada

apenas pelo promitente-vendedor, pois somente a ele interessava o

arrependimento na conclusão do contrato definitivo, na medida em que os

imóveis valorizavam constantemente e, assim, era bom negócio desfazer o

ajuste, restituindo os valores recebidos, bem inferiores ao atual valor do imóvel

prometido vender, que poderia ser, então, transacionada com terceiro por

importância bem superior.

Diferentemente do Código Civil revogado, que não protegia

adequadamente os promitentes-compradores, tarefa da legislação extravagante,

tem disposições específicas sobre o assunto, em seus arts. 1417 e 1418, sob o

título (IX) DO DIREITO DO PROMITENTE COMPRADOR, dispondo sobre

direito real e o de adjudicação compulsória.

3.1. Natureza dos direitos decorrentes do contrato

preliminar de compra e venda de bem imóvel:

3.1.1. Direito obrigacional:

Segundo DARCI BESSONE, “Do próprio conceito do contrato

preliminar, ou da promessa de contratar, decorre que o seu objeto é o contrahere, é


o ato de contratar, uma vez que as partes se comprometem a celebrar, mais tarde,

outro contrato, considerado principal ou definitivo”. 15

A pergunta que surge é a seguinte: o direito do promissário seria

de natureza real ou pessoal. Para respondê-la, DARCI BESSONE diz ser

necessário distinguir entre direito real e o direito pessoal ou obrigacional.

O primeiro, é o direito que liga duas pessoas, assumindo uma a

obrigação de prestar algo em favor da outra. Ao direito pessoal corresponde

uma obrigação, que se executa voluntária ou coativamente. Assim, se o devedor

nega-se a adimplir espontaneamente a obrigação, ao credor surge o direito de

exigi-lo coativamente, ou seja, em juízo. 16

A obrigação mais comum é a de dar que, por sua própria natureza,

admite a execução coativa na forma específica. Já as obrigações de fazer, que

entre elas está a decorrente do contrato preliminar de compra e venda,

despertaram desde o início discussão acerca de sua execução coativa, muitos

sustentando que ela só poderia ser resolvida em perdas e danos, na hipótese de

o devedor recusar-se ao seu cumprimento.

No direito brasileiro, a princípio, foi essa a idéia que predominou

inicialmente, inclusive na jurisprudência do STF (súmulas nº 167 e 413). 17

15 - obra citada, pág. 96.


16 - DARCI BESSONE, obra citada, pág. 99.
17 - a primeira dispõe que NÃO SE APLICA O REGIME DO DEL 58, DE 10 12 1937, AO

COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO INSCRITO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO,


JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER, referindo-se ao art. 1056 do

Código Civil revogado, diz que “A partir deste dispositivo havia, entre nós, um

preconceito arraigado, contra a execução específica das obrigações. Em se

tratando, por exemplo, de promessa de compra e venda não registrada,

entendia-se que o promitente comprador não tinha ação para haver a própria

coisa (embora permanecendo o promitente vendedor com sua propriedade e

posse); deveria contentar-se com perdas e danos”. 18

Todavia, na doutrina, antes mesmo do DL 58, já havia opiniões no

sentido de que a promessa de compra e venda poderia ser objeto de execução

específica.

O DL 58/37, por seu turno, veio a atribuir não só o direito à

adjudicação compulsória, decorrente apenas do próprio contrato, nos termos

dos arts. 15 e 16. Assim, claro ficou aquele direito, ainda mais em função da Lei

nº 6.014/73, que adaptou aquele DL ao CPC de 1973, e alterando seu art. 22, que

remete expressamente aos arts. 640 e 641 do CPC, que tratam da execução da

obrigação de fazer, ou seja, de firmar o contrato definitivo.

SALVO SE O PROMITENTE VENDEDOR SE OBRIGOU A EFETUAR O REGISTRO. A


segunda, que O COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS, AINDA QUE NÃO
LOTEADOS, DA DIREITO A EXECUÇÃO COMPULSÓRIA, QUANDO REUNIDOS OS
REQUISITOS LEGAIS. Ou seja, se não houvesse registro, inviável a adjudicação compulsória.
18 - AÇÕES COLETIVAS PRÓ-CONSUMIDOR, in Revista da AJURIS, vol. 54, pág. 95.
No mesmo sentido o art. 25 da Lei nº 6.766/76, que também fez a

distinção entre o direito obrigacional à adjudicação compulsória do direito real

decorrente do registro. O art. 27 também albergou a tese da execução específica

ou in natura da obrigação, com a aplicação dos arts. 639 e 640 do CPC.

Especificamente no art. 25 da lei do parcelamento do solo constou que, em se

tratando de terreno loteado, não pode haver cláusula que assegure o direito ao

arrependimento.

Mais recentemente, o STJ editou a súmula nº 84, que assegura o

direito à adjudicação compulsória, ainda que o contrato não tenha sido

registrado, sepultando, assim, de vez com o entendimento contrário consagrado

pelo STF nas súmulas nº 167 e 413.

Um dos arestos que serviram como paradigma à edição da citada

súmula, pelo STJ, foi o proferido pela 4ª Turma no REsp 37466/RS, julgado em

25.11.96, em que foi relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Importante

transcrever parte de seu voto: “Tomando como premissa a natureza dos


direitos em pauta, a demanda a ser utilizada pelos contratantes também
se reveste da característica pessoal, pelo que se dispensa a inscrição do
contrato no registro imobiliário. Desta forma, cuidando-se de ação que
visa a exigir o cumprimento do contrato, com efeitos entre as partes, o
registro não emerge como condição essencial ao seu ajuizamento, seja
ação de obrigação de fazer, do que não se tem mais dúvida, seja
adjudicação compulsória, consoante entendimento atual deste Tribunal,
de que é exemplo, dentre outros, o REsp 13.639-SP (DJ 16.11.92),
também por mim relatado”.
Cumpre referir, no ponto, a doutrina do Professor CARLOS

ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, quando diz que “De qualquer modo, a


questão foi grandemente facilitada no direito brasileiro, em razão do novo
tratamento do cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer operado pelo art.
461 do CPC e especialmente, quanto ao ponto, por seu § 1º (Lei 8.952, de
13.12.1994). Por essa norma, deu-se a inversão do princípio Nemo praecise poteste
cogi ad factum (ninguém pode precisamente ser coagido a fazer alguma coisa): “A
obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.”
Afastou-se, assim, a leitura equivocada dos glosadores, privilegiando-se, do ponto
de vista do direito material, o respeito à força do negócio jurídico ou do contrato,
banidos é claro os meios que violentem a pessoa ou a dignidade do devedor,
19
permitindo-se o constrangimento indireto”.

Ou seja, caem por terra as opiniões de DÉCIO ANTONIO ERPEN


20
e CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, 21
no sentido de que o direito ao

contrato definitivo ou à adjudicação compulsória estão condicionados ao

registro do compromisso de compra e venda, confundindo o direito

obrigacional à outorga da escritura ou, não atendida, à substituição da vontade

do promitente vendedor pela sentença judicial, com o direito real decorrente do

registro, cuja razão de ser é apenas a eficácia perante terceiros.

O único requisito que se faz para o direito à adjudicação

compulsória é que o preço esteja integral e comprovadamente quitado, seja á

19- O PROBLEMA DA EFICÁCIA DA SENTENÇA, Revista da AJURIS, vol. 92, pág. 160.
20- DA EXECUÇÃO DE PRÉ-CONTRATO, in Revista da AJURIS, vol. 41, pág. 48/49, 51/52.
21 - INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL, Ed. Forense, 12ª edição, Rio de Janeiro, 1996, vol. IV,

pág. 318.
vista, seja em prestações; e, em se tratando de imóvel não loteado (quanto aos

loteados, já foi dito que o art. 25 da Lei nº 6766/76 proíbe a estipulação de

cláusula de arrependimento), não pode haver cláusula de arrependimento ou,

mesmo que ela conste do contrato, ela só tem eficácia antes do integral

pagamento do preço, a partir de quando tal direito não mais pode ser exercido

pelo promitente vendedor.

Discussão, entretanto, poderá surgir acerca da interpretação dos

arts. 1417 e 1418 do novo Código Civil. Ocorre que, ao contrário dos arts. 22 do

DL 58/37 e art. 25 da Lei nº 6.766/76, o art. 1417 do novo Código Civil dispõe que

o direito à aquisição tem natureza real e não obrigacional, como até então foi

entendido, e está condicionado ao registro do contrato de promessa de compra e

venda.

Não se pode admitir o retrocesso imposto pelo legislador a uma

interpretação que, ao fim de longos anos de discussão doutrinária e

jurisprudencial, pendeu em favor do promitente comprador. Admitir-se que

somente o registro gera o direito à aquisição do imóvel prometido vender, uma

vez recusado pelo promitente vendedor o cumprimento do contrato seria

retroagir no tempo.

Ademais, o legislador confunde o direito de natureza obrigacional,

que dá ensejo à adjudicação compulsória, com o direito real, cuja única

finalidade é dar publicidade a terceiros, ou seja, eficácia erga omnes à promessa.


Mas isso é trabalho para os doutrinadores e para os julgadores.

Há, ainda, outro direito decorrente da promessa de compra e

venda, mesmo não registrada, desde que firmada em caráter irrevogável e

irretratável (ou nas hipóteses de terrenos loteados, em que ela tem essa

característica por força de lei), que vem sendo reconhecido pelo STJ, e que

assegura ao promitente comprador o poder de reivindicar o imóvel objeto do

contrato, como se proprietário fosse. Nesse sentido, entre tantos, o REsp nº

55941/RJ, 3ª Turma, relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado

em 17.02.98, in DJU 01.06.98, pag. 77.

Em seu voto, diz o relator que “Ao assinar a promessa de compra


e venda irretratável e averbada, o promitente vendedor, a meu juízo,
transmite ao promitente comprador todos os direitos sobre o imóvel
prometido vender, dentre os quais aquele de reaver o bem de “quem quer que
injustamente o possua” (art. 524 do Código Civil). Na verdade, o que ocorre é
uma transferência do promitente vendedor para o promitente comprador dos
direitos inerentes ao exercício do domínio sobre o bem prometido vender, sob
pena de negar-se a própria configuração do compromisso de compra e venda
como um contrato típico, para lembrar qualificação de Arnold Wald, capaz de
gerar direito real, direito à aquisição por usucapião ordinário, que a
legislação e a jurisprudência, atentas ao evoluir constante do direito, já
reconhecem, sem tergiversação. O pedido reivindicatório, dessa maneira,
pode e deve ser exercido pelo promitente comprador, ainda mais
considerando que o estreitamento da legitimação ativa, para a ação
reivindicatória, em tais casos, beneficia, exclusivamente, o terceiro possuidor
sem justo título”.

3.1.2. Direito real:

Ao contrário do que decorre do art. 1.417 do novo Código Civil, o

direito real decorrente do registro não se confunde com o direito obrigacional à

outorga da escritura pública ou à adjudicação compulsória, na hipótese de,

quitado o preço e, em não havendo cláusula de arrependimento ou não mais

podendo ser exercido (não se olvide dos imóveis loteados, em que é nula de

pleno direito cláusula de arrependimento por parte do promitente vendedor),

houve recusa do promitente vendedor à contratação definitiva.

O art. 5º do DL 58/37 é claro no sentido de que a averbação do

contrato no registro de imóveis constitui direito real oponível a terceiro, quanto

à alienação ou oneração posterior.

O art. 25 da lei nº 6766/79 também dispõe que o registro do

contrato no álbum imobiliário confere ao promitente comprador direito real

oponível a terceiros.

Logicamente, a expressão oponível a terceiros seria dispensável,

pois essa é a natureza do próprio direito real. Nem precisaria, inclusive, que o

legislador dispusesse acerca do direito real decorrente do registro, pois isso é da

natureza de nosso sistema registral.


Assim como o contrato de promessa de compra e venda, também

devem ser registrados no álbum imobiliário os contratos de cessão e de

promessa de cessão relativos a promessas de compra e venda, para que possam

ter eficácia e ser oponíveis perante terceiros.

Como se disse, ainda que o registro não seja requisito para a

adjudicação compulsória, ele faz-se necessário para que o promitente

comprador não seja surpreendido pela atitude do promitente vendedor de

contratar outra promessa e o segundo promitente comprador, mais ágil,

proceder ao registro e, assim, assegurar para ele o direito real. Além disso, pode

o promitente vendedor outorgar título de domínio a outrem. Nas palavras de

SYDNEY SANCHES, referindo-se à ação visando à outorga de escritura pública

contra o promitente vendedor, regulada pelos arts. 639 e 641 do CPC, “Se

alguém obtiver sentença favorável em ação dessa espécie, e terceiro já tiver

registrado um compromisso de compra ou de cessão, o julgado não terá eficácia

contra este”. 22

Certo, sempre haverá a possibilidade de o promitente comprador

preterido lograr demonstrar a má-fé do segundo promitente comprador ou de

quem recebeu o domínio e, com isso, obter o cancelamento do registro

imobiliário. Entretanto, tal tarefa pode demonstrar-se extremamente espinhosa,

em vista da regra vigente no ordenamento jurídico pátrio, no sentido de que a

boa-fé é presumida.

22 - COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA, in Revista da AJURIS, vol. 25, pág. 10.


3.2. A defesa do promitente comprador via embargos de

terceiro – evolução da posição do STF (súmula nº 621) para a do STJ

(súmula nº 84):

Cumpre, finalmente, examinar a questão relativa à defesa do

promitente comprador que tem o imóvel objeto do contrato preliminar

penhorado por dívida do promitente vendedor.

O entendimento inicial da jurisprudência, antes da instalação do

STJ, era no sentido de que só poderia opor-se à constrição judicial o promitente

comprador na hipótese do contrato estar registrado no álbum imobiliário.

Entendimento que se solidificou na súmula nº 621 do STF.

Esta súmula, editada em 1984, decorreu de vários julgamentos do

Plenário do STF, um deles o proferido nos Embargos de Divergência no RE nº

89696, em que venceu, por maioria, a tese do descabimento dos embargos de

terceiro para a defesa da posse pelo promitente comprador, visando a afastar a

constrição do imóvel prometido vender em execução contra o promitente

vendedor. Cumpre, todavia, referir o voto do Ministro Soares Muñoz, que na

ocasião ficou vencido: “Mas insisto, data venia, no meu ponto de vista,

entendendo que a posse do promitente comprador não é em nome de outrem; E

em nome próprio, desde que o proprietário lha tenha transmiti do em razão do

contrato, A posse, nos termos do art. 493, III, do Código Civil, se transmite por

qual quer doa meios de aquisição em geral. O promitente vendedor pode


acrescer à obrigação da outorgar a escritura definitiva a de imitir, desde logo, o

promitente comprador na posse do imóvel. Foi o que ocorreu na espécie “sub-

judice”. Celebrado o contrato de promessa da compra e venda através de

escritura pública, o promitente comprador passou a residir no apartamento,

como se proprietário fosse. Não necessitava inscrever no registro de imóveis a

avença para obter a imissão na posse, porque já se achava nela há muitos anos.

De outro Lado, a situação de visibilidade da propriedade resultante dessa posse

confere compromissário legitimidade “ad causam’ para propor embargos de

terceiro possuidor (Ag. inst. 28.756, RE 19.642, 62.198, 71.162). A pretensão a

embargar, por parte do possuidor, salienta Pontes de Miranda, dá a quem quer

que tenha posse indireta ou direta, a legitimação ativa (Comentários ao Código

de Processo Civil de 1939, Tomo IX, pag. 52)”.

Felizmente, instalado o STJ, a jurisprudência sobre o assunto

sofreu mudança de cento e oitenta graus, iniciando pelo julgamento do REsp nº

188, pela Quarta Turma, em que foi relator o Ministro Bueno de Souza (julgado

em 08.08.89, in DJU 31.10.89, pag. 16557).

No REsp nº 1172, da mesma Turma, relatado pelo Ministro Athos

Carneiro, a tese foi reforçada, tendo o aresto a seguinte ementa: EMBARGOS DE


TERCEIRO POSSUIDOR, OPOSTOS POR PROMITENTE COMPRADOR ANTE

PENHORA DO IMÓVEL PROMETIDO COMPRAR. O PROMITENTE COMPRADOR,

POR CONTRATO IRREVOGÁVEL, DEVIDAMENTE IMITIDO NA POSSE PLENA DO

IMÓVEL, PODE OPOR EMBARGOS DE TERCEIRO POSSUIDOR - CPC, ART. 1.046,

PAR-1. - PARA IMPEDIR PENHORA PROMOVIDA POR CREDOR DO PROMITENTE


VENDEDOR. A AÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR NÃO E OBSTADA PELA

CIRCUNSTANCIA DE NÃO SE ENCONTRAR O PRÉ-CONTRATO REGISTRADO

NO OFICIO IMOBILIÁRIO. INOCORRÊNCIA DE FRAUDE A EXECUÇÃO. O

REGISTRO IMOBILIÁRIO SOMENTE E IMPRESCINDÍVEL PARA A

OPONIBILIDADE FACE AQUELES TERCEIROS QUE PRETENDAM SOBRE O

IMÓVEL DIREITO JURIDICAMENTE INCOMPATÍVEL COM A PRETENSÃO

AQUISITIVA DO PROMITENTE COMPRADOR. NÃO E O CASO DO CREDOR DO

PROMITENTE VENDEDOR. ORIENTAÇÃO DE AMBAS AS TURMAS DA 2. SEÇÃO

DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELA

LETRA C (SUMULA 621), MAS NÃO PROVIDO. 23

Lembre-se, ainda, de que, em embargos de terceiro opostos por

promitente comprador de bem imóvel, é cabível ao embargado suscitar apenas a

fraude à execução, não a contra credores, consoante a súmula nº 195 do STJ.

Orientação mais recente da mesma Corte, do mesmo modo

protetiva do promitente comprador, foi construída em casos de execução

hipotecária promovida por agente financeiro do SFH que alcança a empresa do

ramo da construção civil empréstimo para financiar a construção de unidades

habitacionais que são negociadas, não respondendo o promitente comprador a

não ser pelo débito assumido perante a construtora. Um desses julgados, da

Quarta Turma, da relatoria do Min. Ruy Rosado, foi assim ementado:

“EMBARGOS DE TERCEIROS. Promessa de compra e venda. Falta de


registro. Hipoteca. Cédula de crédito comercial. A falta de registro do
contrato de promessa de compra e venda de unidades residenciais

23 - julgado em 13.02.90, in DJU 16.04.90, pág. 2878.


integrantes de empreendimento imobiliário não impede a defesa da posse por
embargos de terceiros, oferecidos pelos promissários compradores contra a
execução hipotecária promovida pelo banco credor de cédula de crédito
comercial emitida por empresa integrante do mesmo grupo da construtora
dos apartamentos, figurando esta como garantidora do financiamento. Ao
celebrar o contrato de financiamento, facilmente poderia o banco inteirar-se
das condições dos imóveis, necessariamente destinados à venda, já oferecidos
ao público e, no caso, com preço total ou parcialmente pago pelos terceiros
adquirentes de boa fé”.

No mesmo sentido o REsp 415667/SP, Quarta Turma, relator o

Ministro Aldir Passarinho Junior, julgado em 20.02.2003, in DJU 07.04.2003, pag.

293. 24

24- é o seguinte o teor da ementa do aresto: CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.


HIPOTECA INCIDENTE SOBRE UNIDADES AUTÔNOMAS. PAGAMENTO INTEGRAL DO
DÉBITO PELO PROMITENTE COMPRADOR. CONSTRUTORA QUE NÃO HONROU SEUS
COMPROMISSOS PERANTE O BANCO FINANCIADOR DO EMPREENDIMENTO.
EXECUÇÃO. PENHORA. I. O adquirente de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é
responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo
sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o
banco financiador do empreendimento, uma vez que, depois de celebrada a promessa de
compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato
individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/65. II. Precedentes do STJ. III. Recurso
especial não conhecido”.
4. Conclusões:

Do exposto, pode-se afirmar:

- do contrato preliminar de compra e venda resulta ao promitente

comprador dois direitos: um de caráter obrigacional, que, uma vez quitado o

preço e, não havendo cláusula de arrependimento ou não exercida essa pelo

promitente vendedor no momento oportuno, quer dizer, antes de quitado

integralmente o preço, assegura o direito à adjudicação compulsória (ou à ação

visando à obtenção da escritura pública, na forma dos arts. 639 e 640 do CPC),

independentemente do registro do pacto no álbum imobiliário, que é apenas

condição ao surgimento do direito de caráter real, visando à eficácia da

promessa perante terceiros;

- o promitente comprador pode opor-se à penhora do imóvel

objeto da promessa de compra e venda em execução promovida contra o

promitente comprador, admitindo-se, todavia, que o embargado-exeqüente

prove a ocorrência de fraude à execução, inviável, nos termos da súmula nº 195

do STJ, a discussão acerca da ocorrência de fraude contra credores.

- o promitente comprador de unidade habitacional em construção

responde apenas pela quitação do preço de sua unidade, não podendo o imóvel

ser excutido em vista de hipoteca concedida pelo construtor a agente financeiro

do SFH, a não ser até o preço ajustado por aquele.


5. BIBLIOGRAFIA:

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SENTENÇA, Revista da AJURIS, vol. 92, págs. 149/162.

ASSIS, Araken de, NATUREZA OBRIGACIONAL, OU REAL E EFICÁCIA

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MAGALHÃES, Vilobaldo Bastos de, COMPRA E VENDA E SISTEMAS DE

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MIRANDA, Pontes de, TRATADO DE DIREITO PRIVADO, Ed. Revista dos Tribunais,

3ª edição, São Paulo, 1984, Parte Especial, vol. 39.

MOURA, Mário Aguiar, PROMESSA DE COMPRA E VENDA, Ed. AIDE, 1ª edição, Rio

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ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA COM FUNDAMENTO EM

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FRAUDE CONTRA CREDORES E EMBARGOS DE TERCEIRO, in

Revista da AJURIS, vol. 42, págs. 251/255.


PEREIRA, Caio Mário da Silva, INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL, Ed. Forense, 12ª

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PRATA, Ana, O CONTRATO PROMESSA E O SEU REGIME CIVIL, Livraria

ALMEDINA, 1ª edição, Coimbra, 1999.

SANCHES, Sydney, COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA, in Revista da AJURIS,

vol. 25, págs. 7/21.

TESHEINER, José Maria Rosa, AÇÕES COLETIVAS PRÓ-CONSUMIDOR, in Revista

da AJURIS, vol. 54, págs. 75/106.

VIANA, Marco Aurélio S., DA PROMESSA IRRETRATÁVEL DE VENDA, in Revista

da AJURIS, vol. 25, págs. 180/186.

* - Trabalho apresentado na disciplina de TEORIA GERAL DO DIREITO

PRIVADO, do Professor Doutor Luis Renato Ferreira da Silva, no curso de

Mestrado em Direito Processual Civil da Universidade Federal do Rio Grande

do Sul.

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