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ASSOCIAÇÃO MISSIONÁRIA DE DIFUSÃO DO EVANGELHO

A SINERGIA ENTRE CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS , DONS


ESPIRITUAIS E A DIACONIA PARA MISSÃO INTEGRAL DA IGREJA NO
CONTEXTO URBANO NA CIDADE DO RECANTO DAS EMAS

SERGIO WILSON OLIVEIRA REZENDE

BRASÍLIA/DF

2011
SERGIO WILSON OLIVIERA REZENDE

A SINERGIA ENTRE O CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS , DONS


ESPIRITUAIS E A DIACONIA PARA UMA MISSÃO INTEGRAL DA IGREJA NO
CONTEXTO URBANO NA CIDADE DO RECANTO DAS EMAS

Dissertação apresentada à Associação Missionária de Difusão


do Evangelho, como requisito principal para obtenção do
título de Mestre.

Orientador: Drº. Rubens Muzio

Brasília, DF

2011
Aos meus filhos,

Por me incentivarem e colaborarem com este projeto;

A minha esposa,

Pelo carinho e companheirismo;

OFEREÇO
Aos meus amigos, professores, cooperadores missionários e pastores que
compartilham e comungam deste presente que é a vida em Cristo Jesus;

DEDICO
AGRADECIMENTOS

Meus agradecimentos ao meu orientador, que incentivou a participação nesta jornada de


conhecimento, compartilhando suas concepções e reflexões e possibilitando assim o
aperfeiçoamento missiológio. Agradeço também aos meus amigos pastores e cooperadores de
ministério que contribuíram com aportes intelectuais, espirituais e discussões teológicas de grande
valia para elaboração do trabalho.

Às instituições tenho a agradecer, inicialmente, as igrejas parceiras da Associação


Missionária Vidas em Ação a oportunidade de participação em atividades missionárias de relevância
para as comunidades carentes nas cidades satélites e na região Nordeste do Brasil. Com relação à
Secretaria de Educação do Distrito Federal, agradeço a oportunidade de compor a equipe de
profissionais de educação da Diretoria Regional de Ensino do Recanto das Emas onde obtive apoio e
colaboração da chefia imediata para desenvolver este trabalho.
BIOGRAFIA:

Sergio Wilson de Oliveira Rezende, professor de Educação Física, pós-


graduado pela Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro em 1994, Bacharel em Teologia pelo
Seminário Presbiteriano de Brasília, cursando mestrado em “Teologia de Missões” na Associação
Missionária de Difusão do Evangelho. Atua como pastor e diretor executivo da Associação
Missionária Vidas em Ação e como coordenador do Projeto Missionário Rally da Misericórdia
com enfoque em missão integral, desenvolvimento comunitário e evangelismo nas regiões
Nordeste, Sul do Brasil e Distrito Federal.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 8

1 A SINERGIA ENTRE O CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS E DONS ESPIRITUAIS E A


MISSÃO DIACONAL NA DIMENSÃO PROFÉTICA COMO MISSÃO DA IGREJA NO CONTEXTO
URBANO DO RECANTO DAS EMAS ........................................................................................ 17
1.1 A dimensão profética ....................................................................................................................... 23
1.2 A dimensão profética na perspectiva veterotestamentária ............................................. 26
1.3 A dimensão profética na perspectiva neotestamentária .................................................... 30
1.4 A dimensão profética na perspectiva da reforma protestante ......................................... 33
2.5 A dimensão profética para missão integral da igreja no contexto urbano do
Recanto das Emas ..................................................................................................................................... 37

2 A SINERGIA ENTRE CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS E DONS ESPIRITUAIS E A


MISSÃO DIACONAL PARA EXTENSÃO DA AÇÃO SOCIAL CRISTÃ COMO MISSÃO DA IGREJA NO
CONTEXTO URBANO DO RECANTO DAS EMAS ...................................................................... 42
2.1 A extensão da ação social cristã urbana ................................................................................... 43
2.2 O alcance da ação social cristã na perspectiva da reforma protestante ....................... 46
2.3 A ação social cristã no contexto urbano na cidade do Recanto das Emas..................... 48

3 A SINERGIA ENTRE CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS E DONS ESPIRITUAIS E A


MISSÃO DIACONAL NA DINÂMICA DA ÉTICA CRISTÃ COMO MISSÃO DA IGREJA NO CONTEXTO
URBANO DO RECANTO DAS EMAS ........................................................................................ 52
3.1 Introdução à ética ............................................................................................................................. 52
3.2 A dinâmica da ética cristã para a missão integral ................................................................. 53
3.3 A dinâmica da ética cristã no contexto urbano no Recanto das Emas ........................... 55
4 A SINERGIA ENTRE CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS , DONS ESPIRITUAIS E A
MISSÃO DIACONAL COMO UMA PERSPECTIVA MISSIONÁRIA INTEGRAL DA IGREJA NO
CONTEXTO URBANO DO REACANTO DAS EMAS .................................................................... 58
4.1 Introdução a Missio Dei ................................................................................................................. 59
4.2 A perspectiva da missão integral da igreja .............................................................................. 62
4.3 A perspectiva missionária da igreja no contexto urbano do Recanto das Emas ........ 66

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 70

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 73


8

INTRODUÇÃO

O Recanto das Emas foi criado em 28 de Julho de 1993, por meio da lei 510/93,
com o objetivo de atender ao Programa de Assentamento do Governo do Distrito Federal.
Os antigos moradores desta região relatam que quando foram divididos os loteamentos, esta
era uma reunião de chácaras, onde se destacava a existência de uma espécie de arbusto
chamado canela-de-ema. Existia também no local um sítio chamado Recanto, onde vivia
grande quantidade de emas, espécie própria do cerrado. Desta forma originou-se o nome
Recanto das Emas.

A área prevista para dar origem à nova cidade localizava-se entre o Gama e
Samambaia e era ocupada por chácaras que pertenciam à Fundação Zoobotânica que foram
desapropriadas para distribuição dos primeiros lotes. Na época foram distribuídos 15.619
lotes para inquilinos de várias Regiões Administrativas, numa previsão de 86 mil
habitantes1. Este assentamento inicialmente recebia pessoas com deficiências mentais e
físicas que tinham duas opções: irem para este assentamento ou ficarem pelas ruas.

Atualmente a cidade vem- se transformando numa das que mais crescem no Distrito
Federal do ponto de vista quantitativo. Sua população já ultrapassa os 150 mil habitantes e
continua crescendo em função da imigração das famílias nordestinas, em busca de melhores
condições de vida2. Todavia, estas famílias se deparam com o desemprego por falta de
qualificação profissional e conseqüentemente desestrutura familiar e outros aspectos sociais
que aparecem em função da vulnerabilidade social. Ainda que hoje a cidade do Recanto das
Emas falte: um Hospital Público, uma Universidade Pública, uma estrutura mínima para o
Conselho Tutelar, um Conselho de Saúde e outros segmentos organizacionais, os

1
Dados disponíveis no site: http://www.recanto.df.gov.br
2
Idem
9

moradores a definem pelo que ela possui e ao fazê-lo, nos convidam a refletir sobre quais
objetos somos capazes de reconhecer quando percorremos as periferias da cidade.

Os desafios da igreja hoje não são os métodos evangelísticos para


crescimento numérico da igreja, mas o sair da condição de acomodação e realmente
percorrer as periferias para observar, pesquisar e refletir sobre a práxis evangélica a partir
dos desafios urbano da igreja no século XXI para uma missão que seja integral.

Por isso, tendo em vista estes desafios, reuni um grupo de alunos da


Escola de Missões e Ministério Pastoral uma parceria entre a Associação Missionária Vidas
em Ação e a Igreja Jesus Vive, para uma pesquisa onde estou atuando como diretor e
supervisor da prática missionária para realizar uma observação participante, ou seja, um dos
métodos utilizados pelos historiadores e sociólogos. Essa pesquisa é acompanhada de uma
delimitação geográfica, onde comporemos apenas a quadra 803 entre os conjuntos 22 a 30
do Recanto das Emas, a fim de buscar subsídios sobre o contexto social, cultural e
espiritual da comunidade recantense.

A importância da pesquisa observativa parte do pressuposto de que o


observador deve possuir interesse pela atividade científica; compromisso
com a observação direta dos fatos; segurança sobre os resultados
experimentais ou observacionais; rigor e perseverança. A pesquisa
observativa não implica intervenção imediata em um fenônemo ou
problema. Ao contrário, em sua fase inicial, os fenômenos, tal como se
manifestam são apenas observados, uma vez que seu papel é decisivo na
criação de condições para intervenções posteriores. (CRUZ, 2001, p. 15)

Através da observação participante, conversamos com cerca de 20


famílias e percebemos alguns fatores como desestrutura familiar, preocupação com a
violência, o tráfico de drogas, falta de qualificação profissional na juventude, analfabetismo
e carência na área espiritual demonstrado diante de um forte desejo das famílias em
conhecer a Palavra de Deus.
10

Dentre os elementos percebidos na comunidade o que nos chamou


atenção foi o fato de ter encontrado uma concepção formada por parte da comunidade
quanto a tarefa da igreja, ou seja, as famílias observadas através de uma conversa informal
se posicionaram de forma contundente expressando o desejo de ver as igrejas locais se
envolvendo nas questões sociais contribuindo assim para a transformação da sua
comunidade.

Estas observações serviram com o objetivo de se refletir como a missão


da igreja deve se expressar de forma integral nas comunidades carentes, a fim de
reconstruir uma missiologia que contemple doutrinas espirituais básicas que fazem parte da
natureza missionária da igreja, ou seja, os dons espirituais e o ministério da diaconia na
perspectiva da aplicabilidade e funcionalidade através da prestação de serviços essenciais
as comunidades carentes nas áreas de saúde físicas, emocionais e espirituais.

Desta forma se têm como objetivo a busca por uma liturgia de vida que
gere transformação histórico sócio espiritual nas comunidades carentes do Recanto das
Emas. Um exemplo desta liturgia de vida que se deve buscar como servo (a) de Deus se
percebe neste testemunho de vida cristã de Dona Zênia Birznick tinha quase quarenta anos
de idade quando começou a preparar-se para o serviço missionário. Como não possuía
nenhuma qualificação formal, ela freqüentou um curso de enfermagem de nível técnico e
um curso de técnica de laboratório. Sua intenção desde o início era atender tanto as
necessidades físicas quanto as espirituais. Embora tenha um nome estrangeiro, é brasileira,
tendo chegado da Lituânia com idade de cinco anos.

Quando Dona Zênia mudou para Japaratuba, no interior de Sergipe, as


pessoas eram tão hostis aos evangélicos que se negavam a vender pão a ela. Doze anos
mais tarde, contudo, foi nomeada cidadã honorária da cidade.

Naturalmente, o seu ministério social era na área de saúde, tanto


curativa como preventiva. Por muitos anos, ela foi a única pessoa a fazer exame de fezes
11

para os médicos e clínicas da área. Ela prestou assistência em outras cidadezinhas ao redor
de Japaratuba, onde se especializou em ajudar o povo a livrar-se de parasitas intestinais e
em modificar a forma de vida a fim de evitar novos vermes. Ela também ajudou as mães
para melhor criarem os seus filhos.

Uma igreja e três congregações ativas resultaram dos cultos que Dona
Zênia fazia antes ou depois do trabalho como enfermeira e técnica de laboratório. Dona
Zênia não tentou fazer tudo sozinha. Muitas vezes, ela conta com a ajuda de uma ou duas
garotas na clínica e nas reuniões para as crianças e um leigo da capital ajuda fazendo a
maioria das pregações.

Outra experiência que deu certo foi aconteceu na cidade de Iporá no


estado do Goiás. O Projeto Maranata é formado por um grupo de profissionais médicos de
Minas Gerias. Tudo começou a partir da necessidade que sentimos, quando estudantes, de
darmos testemunho vivo de Jesus, tentando atingir o homem na sua totalidade, em todos os
aspectos de sua personalidade. Isso foi amadurecido com oração, com aquilo que
aprendemos na ABU (Aliança Brasileira Universitária) , e Deus foi confirmando em nossos
corações a sua vontade.

O tema da dissertação: A sinergia entre o corpo de Cristo com seus


talentos e dons espirituais e a missão diaconal para uma missão da igreja no contexto
urbano na cidade do Recanto das Emas é consideravelmente bíblico, relevante e
fundamental e contextualizada. Pois, a proposição do tema visa enfatizar e buscar
subsídios, teológicos e missiológicos sobre a importância dos dons espirituais e da diaconia
para a realização de tarefas que fazem parte da natureza da igreja como: missão integral. A
proposição inicial é a reflexão sobre a perspectiva missionária que poderá gerar nas esferas
espiritual, social, política e cultural para o desenvolvimento comunitário na cidade do
Recanto das Emas através do engajamento voluntário dos cristãos como mordomos dos
dons e ministérios outorgados pelo Espírito Santo.
12

No segundo momento proponho dois aspectos para a seguinte


reflexão: a acomodação e o conformismo de alguns cristãos e líderes recantenses em não se
posicionarem com relação à missão de Deus que não se restringe ao evangelismo, mas
incorpora ações sociais, políticas, econômicas, culturais, artísticas e outros.

O que fundamenta estas reflexões é o fato de existirem mais de 300


igrejas evangélicas no Recanto das Emas segundo pesquisa observativa realizada pela
Regional de Ensino do Recanto das Emas no ano de 2009. O objetivo era identificar quais
delas estariam interessadas em desenvolver o curso de alfabetização de adultos.Segundo a
Secretaria de Estado de Educação, a meta é que, até o final da atual gestão, em 2014, o
índice de analfabetos no DF seja igual a 0%3. De acordo com o Instituto de Pesquisas
Econômicas Aplicadas - IPEA, atualmente o percentual de analfabetos com 15 anos ou
mais no Brasil é de 9,7%. No DF, o número cai para 3,4%, a segunda menor taxa do País4.
Mesmo não sendo um percentual preocupante, a Secretaria quer reduzir ainda mais o índice
de analfabetismo.

Entretanto, muitas destas igrejas de forma deliberada ou


conscientemente não se colocaram à disposição para o engajamento social de alfabetizar
pessoas, talvez por não conhecerem a fundo a sua natureza missionária e o seu papel de
servidora das comunidades Porém, os problemas não são apenas na área de educação,
outros aspectos espirituais e sociais estão presentes na vida da cidade como: o alto índice de
violência, de injustiça social, de desigualdade social, péssimas condições das escolas e falta
de perspectivas profissionais para jovens e adolescentes, mas como boa parte da liderança
local desconhece o seu papel missionário como igreja na perspectiva da integralidade
acabam negligenciando o chamado missionário integral. Todavia, existe um grupo dos que
se preocupam e estão engajados neste processo missional que de certa forma serão os
precursores e multiplicadores da visão missionária integral.

3
Disponível no site: www.seedf.gov.br

4
Disponível em www.ipea.org.br
13

Na função de pastor missionário e concomitantemente professor da


Secretaria de Educação do Distrito Federal envolvido com esta cidade há 12 anos e
integrado na comunidade escolar para interagir de forma dialógica com pais e líderes
comunitários deparei-me com a seguinte reflexão: “se existem muitas igrejas evangélicas,
cristãos nascidos de novo, selados pelo Espírito Santo da promessa, justificados pela fé e
cheios do Espírito Santo, por que as mudanças e transformações concretas na cidade
caminham de forma tímida do ponto de vista espiritual e social? Onde estão os cristãos, as
ações proféticas, os talentos , a manifestação dos dons espirituais e os ministérios engajados
na perspectiva diaconal para uma missão integral da igreja?”

Para começar a responder estas perguntas é fundamental trazer


esclarecimento sobre: o que é missio Dei ? Pois, a partir do conceito desta expressão se
chegará ao entendimento dos questionamentos acerca da comunidade recantense.
A missio Dei é o próprio Deus em missão, ou seja, a missão não é
exclusiva da igreja e muito menos da igreja, pois, a missão é obra de Deus. Ele é o Senhor,
o doador da tarefa, o proprietário, o executante. Ele é o sujeito ativo da missão. Se
atribuirmos a missão desse modo a Deus, ela está isenta de todo arbítrio humano. Portanto,
se entende que Deus quer a missão e ele próprio a executa. Com isso está estabelecido os
parâmetros necessários, ou seja, a missão, e com ela a igreja, são obra do próprio Deus.
Assim, ambas são tão somente instrumentos de Deus, através dos quais Deus promove sua
missão.
Portanto, somente, quando a igreja cumpre, em obediência, a intenção
missionária dele, ela pode também falar de sua missão, porque esta então está acolhida na
missio Dei. Assim, o próprio Deus faz missão.
A igreja por meio do Espírito Santo pode agir do modo como Deus agiu
com seu filho. O primeiro exemplo disso é At 13.1-3. A igreja agora executa a missão e,
através dela, a missio Dei se torna visível ao mundo. Nesse processo Deus determina quem
deverá enviar e quem deverá ser enviado. Esse envio é descrito em At 14.26 ... de onde
haviam sido recomendados á graça de Deus para a obra que já haviam cumprido. O
sentido último do envio consiste no fato de os mensageiros estarem sendo colocados á
14

disposição de Deus, para o serviço entre os gentios. Com isso não está sendo dito apenas
que os missionários encontram sua ajuda, alegria e consolo em Deus, mas que Deus podia
dispor inteiramente deles. A vida dos missionários estava inteiramente nas mãos de Deus,
de onde não havia mais retorno. Do mesmo modo como os discípulos se põem a serviço do
Senhor com tudo que são, assim podem agora ser recomendados a ele para testemunhar do
evangelho tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra
(At 1.8), aonde quer que esteja o crente, ele é chamado e convocado a participar da missão
de Deus que tem um alcance não somente geográfico, mas espiritual, comunitário, cultural,
social e político.
Infelizmente em alguns círculos evangélicos principalmente no meio
Neo-pentecostal a expressão missio Dei passa por um reducionismo, ou seja, a igreja não se
faz presente em todas as esferas da vida tendo na Palavra de Deus os princípios e valores do
Reino de Deus para transformação das comunidades vulneráveis em todos os aspectos da
vida humana.
Todavia, a igreja e a missão só podem ter sucesso se oferecerem sua
mensagem sem causar uma ruptura social; o convertido continuaria em contato com sua
família e parentela; a comunidade se tornaria, desde sua criação, uma grandeza social que
oferece segurança, e, dessa maneira, uma comunidade também poderia ser elemento
transformador quando os líderes cristãos através da pregação do evangelho em
concordância com a missio Dei implantando valores e princípios do reino que será
determinante para a reconstrução da nação.
Porém, por desconhecerem o que seja missão integral tonam
deliberadamente a atitude protecionista do rebanho que Deus lhe confiou para não se
envolverem com as coisas do mundo, mas se esquecem que Jesus nos enviou para o mundo
a fim de salgá-lo e iluminá-lo. Por isso, se encontra no circulo evangélico um reducionismo
na missão da igreja onde se enfatiza a evangelização, o que não deixa de ser correto e
essencial, mas negligencia-se a missão diaconal, ou seja, aplicabilidade da ação social que
faz parte da vida cristã e foi preparado antes da fundação do mundo para que andássemos
nela ( Ef 2.9-10) para o cumprimento integral da grande comissão.
15

Este trabalho acadêmico, se propõem a trazer aos leitores sejam cristãos


ou não a funcionalidade da sinergia entre o corpo de Cristo com seus talentos e dons
espirituais e a ministério diaconal nas seguintes esferas espirituais: na dimensão profética,
na extensão da ação social, na dinâmica da ética cristã e na perspectiva da missão integral
para transformação histórica sócio espiritual das comunidades carentes.

Parte-se do pressuposto que através da sinergia entre o corpo de Cristo


com seus talentos , dons espirituais e o ministério diaconal os cristãos assumiriam seu papel
missionário de servir o cordeiro de Deus movendo-se e interagindo-se em prol da cidade
onde vivem buscando a sua transformação.Todavia, não basta apenas usar os dons
espirituais e os talentos ou habilidades profissionais por meio do ministério da diaconia. É
fundamental que haja unidade no corpo de Cristo, a fim de que a proposta sinergética
funcione para edificação desta comunidade no aspecto social e principalmente espiritual
com o objetivo de que os recantenses se reencontrem com o seu Criador tanto nos aspecto
da redenção espiritual como no histórico político-social.

A minha proposição é possibilitar aos cristãos o conhecimento sobre


talentos , dons espirituais e diaconia por ser extremamente significativo para os rumos
missiológicos da Igreja. Pois, se realmente há uma perspectiva missionária da igreja local é
necessário que haja uma sinergia, ou seja, interação e cooperação entre o corpo de Cristo
com seus talentos e dons espirituais e ministérios direcionados para o crescimento
qualitativo e quantitativo da igreja e da comunidade. De certa forma também provocar uma
reflexão teológica e missiológica a luz das Sagradas Escrituras e do legado da Reforma
Protestante acerca de um assunto pouco explorado nas igrejas. Isso é compreensível, pois
há anos a igreja evangélica vem negligenciando a importância do corpo vivo em ação e do
cristianismo relacional diante da sociedade e entre o corpo de Cristo, pois, em boa parte do
mundo evangélico as pessoas passam a depender do pregador e do pastor para a obra do
ministério compondo a mentalidade de que a vocação espiritual é exclusivista para
missionários e pastores e não uma vocação universal de todos os cristãos.
16

De fato a proposição: A Sinergia entre dons espirituais e Diaconia


para uma missão integral da igreja no contexto urbano na cidade do Recanto das Emas
chama atenção pela relevância, atualidade do tema e por se tratar de uma das disciplinas
espirituais de maior controvérsia na atualidade, ou seja, os dons espirituais.

Portanto, são quatro aspectos que se levantam para justificar a escolha


desta proposição: Em primeiro lugar a percepção acerca do verdadeiro conceito bíblico
sobre dons espirituais, tendo em vista que nos seminários teológicos e escolas dominicais
pouco ou quase nada se ensina acerca desta doutrina bíblica.

De forma deliberada algumas denominações principalmente as


históricas deixaram este assunto de lado, pois, entenderam que as manifestações dos dons
cessaram com os apóstolos. Todavia, para os pentecostais e neopentecostais a
contemporaneidade dos dons é uma realidade viva, eficaz e ativa na vida da igreja.

Entretanto, o objetivo não é responder e muito menos defender as


respectivas denominações sobre suas concepções acerca dos dons espirituais, mas
desenvolver uma pesquisa que possa contribuir para que os cristãos conheçam um pouco
mais sobre dons espirituais e assim coloque-os a disposição e a serviço no reino de Deus.

O Segundo diz respeito à diaconia termo extraído das Sagradas


Escrituras que denota o dom espiritual de serviço no reino de Deus, pois, muitos cristãos
desconhecem suas responsabilidades e compromissos no que diz respeito ao chamado para
servir ou exercer um ministério no reino de Deus. A tendência é sempre deixar que a
função ministerial de servir em especial as comunidades nos mais variados ministérios
fique a cargo dos pastores, evangelistas, mestres e profetas, mas na realidade estes
ministérios foram chamados para a capacitação dos santos, a fim de que sejam
aperfeiçoados e edificados para a obra que Deus os tem chamado, tendo em vista que o
Espírito Santo outorgou aos cristãos os dons espirituais necessários para o exercício
ministerial.
17

1 A SINERGIA ENTRE O CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS E DONS


ESPIRITUAIS E A MISSÃO DIACONAL NA DIMENSÃO PROFÉTICA COMO
MISSÃO DA IGREJA NO CONTEXTO URBANO DO RECANTO DAS EMAS

Neste capítulo, pretende-se expor os conceitos entre sinergia, talentos,


dons espirituais e missão diaconal como ferramentas espirituais de transformação de
comunidades carentes do ponto de vista da missio dei. Para isso, alguns conceitos sobre o
tema desta dissertação que em destaque traz a seguinte expressão: sinergia entre o corpo de
Cristo com seus talentos e dons espirituais e a missão diaconal, a fim de que
estratégicamente e etimológicamente acrescente mais informações sobre: o conceito de
sinergia, talentos, dons espirituais , vocação, missão diaconal e a perspectiva bíblica sobre
dimensão profética.

Pedagogicamente inicia-se este projeto dissertativo conceituando o


que seja sinergia, pois, a língua grega esclarece etimológicamente que sinergia deriva do
grego synergía, que significa cooperação do termo sýn , que somada com érgon , trabalho,
trás o senguinte sentido: o efeito ativo e retroativo do trabalho ou esforço coordenado de
vários subsistemas na realização de uma tarefa complexa ou função.

Quando se tem a associação concomitante de vários dispositivos


executores de determinadas funções que contribuem para uma ação coordenada, ou seja, a
somatória de esforços em prol do mesmo fim, tem-se sinergia.

Com o intuito de explicitar o assunto se trás o seguinte exemplo


prático de como funciona a sinergia: se uma pessoa A sozinha é muito baixa para alcançar
uma maçã em uma árvore , e uma pessoa B é muito baixa também, mas se subindo nos
ombros da pessoa A, a pessoa B estiver em altura suficiente para alcançar a maçã e o fizer,
então o produto da sinergia das duas pessoas terá sido alcançar uma maçã.
18

Entretanto, além deste exemplo prático busca-se um paradigma do


que seja sinergia do ponto de vista bíblico com vistas a ações de esforços colaborativos
entre talentos , dons espirituais e diaconia para uma missão integral da igreja no contexto
urbano. Para isso, nos reportamos ao modelo bíblico na epístola aos Romanos no cap 12
e na primeira epístola aos Coríntios no cap 12.

O apóstolo Paulo apresenta a metáfora do corpo humano para explicar


de forma que se torne compreensível o funcionamento daquilo que ele denomina o “Corpo
de Cristo”. O que é este Corpo? Ele é formado daqueles que, pela fé, se aproximaram do
sacrifício de Cristo e nasceram de novo; daqueles que se reconhecem propriedade exclusiva
de Cristo, daqueles habitados pelo Espírito Santo.

Todos os crentes possuem diferentes talentos e dons espirituais,


segundo a graça que foi dada” por Cristo ( Rm 12.6 – NVI ). Um membro do corpo não
pode dizer ao outro: “Não tenho necessidade de ti(I Co 12.21)5 .Visto que a igreja é
“muitos membros, mas um só corpo” ( I Co 12.20)6, todos os membros devem contribuir
para o crescimento do corpo. Qualquer coisa que prejudique o “ Corpo em ação” prejudica
o processo de edificação ( GETZ, 2007, p.174 )

Um corpo, para funcionar em dado momento, precisa contar com a


cooperação espontânea de vários membros para o bem geral. Observemos, por exemplo,
quantos membros precisam unir as forças para uma pessoa simplesmente se deitar ou
levantar, para dirigir um carro ou trabalhar num balção de uma loja.
19

Por outro lado, pode ser exigido o sacrifício de um ou outro membro para
o bem comum de todo o corpo. Exemplo disso é o paladar que ao apreciar
grandemente uma fruta, o cérebro, no entanto, manda um lembrete à mão
e à boca: “Deixe essa fruta para lá! Há membros deste corpo que têm
alergia à manga. Um pouco de cooperação, por favor!” E assim o paladar,
auxiliado pelo raciocínio do cérebro, abre mão de saborear aquilo que
faria bem a ele, mas não para algums dos seus companheiros no corpo.
(KNIGHT, 1994, p. 23)

Da mesma forma, o Corpo de Cristo é formado por pessoas dotadas por Deus de
talentos e dons espirituais e para o Corpo funcionar harmoniosamente é preciso,
frequentemente, contar com a cooperação espontânea de vários dons espirituais e talentos,
representando aqui a diaconia que expressa um elemento espiritual e doutrinal da igreja que
é o serviço no reino de Deus e na sociedade. Portanto, todos os membros deveriam estar de
prontidão para entrar em campo na perspectiva da sinergia entre dons espirituais, talentos
e diaconia.

A preposição “entre” neste contexto denota a importância da palavra sinergia, a fim


de ressaltar a sua função ou aplicabilidade do ponto de vista do contexto bíblico bsucando
compreender melhor o que seja espiritualmente uma ação entre talentos , dons espirituais e
missão diaconal , pois cada crente recebe um talento e um dom ou vários dons não para
uma postura triunfalista ou exclusivista, mas para um chamado, a fim de desenvolvê-lo
dentro de uma dimensão profética no Reino de Deus através de serviços ou ministérios
que glorifiquem a Deus.

Pretende-se, antes mesmo de falar acerca do que significa missão


diaconal, ressaltar, à luz das Sagradas Escrituras, o conceito de vocação com o intuito de
reforçar o cerne desta dissertação. De fato, serviço ou ministério na perspectiva de
dimensão profética nos remete ao conceito do que seja a teologia da vocação, porque parte
do pressuposto de que todo cristão nascido de novo é: chamado para se relacionar com
Deus numa vida de intimidade, oração e adoração e consequentemente, numa disposição
ativa em Cristo que transborde numa vida prática de serviço no reino de Deus.
20

O dicionário teológico do Novo Testamento conceitua o termo técnico


que estuda a vocação, ou seja, a Clesiologia que significa: Klesis+logia = Chamado ou
vocação que na perspectiva neotestamentária tem origens gregas no verbo kaleo e suas
seguintes variações: o substantivo klêsis e o adjetivo kletos. O verbo kaleo significa:
chamo, nomeio, convoco: “Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de
modo digno da vocação a que fostes chamados” epístola do apóstolo Paulo aos Efésios,
Cap. 4. Vers.17. O substantivo klêsis significa vocação, chamado, convite: “Irmãos, reparai,
pois, na vossa vocação” segundo a primeira carta do apóstolo Paulo aos Coríntios no Cap.
1. Vers. 26. O adjetivo kletós significa chamado, convocado: “de cujo número é também
vós, chamados para serdes de Jesus Cristo” Rm 1.6.

Esses termos quase sempre são empregados com o sentido de


vocação procedente da parte de Deus, ou seja, é o Senhor dirigindo-se ao homem,
convocando-o para a salvação e para o serviço do seu reino. É o Pai dizendo em tom
soberano: Venha, filho! Assim, o sentido original da vocação divina não soa nas
Escrituras como gentil convite da parte do Deus misericordioso e amável, ao qual o
homem pode ou não atender, mas como um chamado, uma convocação, uma intimação
irrecusável.

Portanto, a vocação do corpo de Cristo é servir o Cordeiro de Deus


no poder do Espírito Santo por meio de dons espirituais e dos talentos que se
desenvolvem através de ministérios ou serviço, inclusive nas comunidades como a cidade
satélite do Recanto das Emas no Distrito Federal.

Outros elementos espirituais são fundamentais para interação,


integração e mobilização do corpo de Cristo na perspectiva da vocação. São eles os
talentos , dons espirituais e a missão diaconal.

7
CÉSAR, Kléos Magalhães Lenz. Vocação Perspectivas Bíblicas e teológicas. Viçosa: Editora Ultimato,

1997. p.19
21

Deus nos criou e, imediatamente, deu-nos um talento. Aquilo que


você sabe fazer como ninguém, que lhe rende elogios por todos, é um talento, um
presente dado por Deus a você.

Esse talento lhe permite desenvolver outras qualidades durante toda a vida, para
que você realize tudo com excelência. Porém, quando você não conhece o seu talento,
não é possível desenvolvê-lo, ou seja, ele se transforma em um recurso inutilizado ou
subutilizado.

Todos os homens e todas as mulheres receberam talentos de


Deus, independentemente de aceitarem a Jesus como Senhor e Salvador de suas vidas.
Esses talentos resultam de uma combinação genética.

A pergunta para você neste momento é: "Qual é o seu


talento?". A maior mentira é que você não sabe fazer nada, ou ainda que não tem nenhum
talento. Você tem sim! Deus deu a você assim como ele distribuiu para Bezalel e Auliabe
os construtores do tabernáculo de Deus . Outros homens e mulheres da Bíblia receberam
de Deus talentos como: José do Egito que tinha o talento para a administração , Neeminas
que cultivava o talento de copeiro do rei como também um exime estrategista logístico e
administrativo , o apóstolo Paulo que era fazedor de Tendas , ou seja, um engenheiro civil
na sua época.

O termo dons espirituais que no grego é charisma que significa um


dom gratuito e imerecido, alguma coisa dada ao homem sem trabalho nem merecimento,
algo que vem da graça de Deus e que nunca poderia ter sido realizado galgado ou
possuído pelo esforço do próprio homem.

A palavra era sempre usada no sentido de ganhar um presente, não


um prêmio pelo qual se podia esforçar-se ou obter pela sorte, como numa loteria, mas a
22

Bíblia nos relata que dons espirituais é na realidade um chamado de Deus ao trabalho, não
ao privilégio ou engrandecimento pessoal.

De fato, pressupõem-se que os dons espirituais e a missão diaconal


existem para gerar uma ação sinergica no corpo de Cristo, a fim de tornar eficiente e bem
feito o serviço que Deus reservou aos seus filhos. Os dons espirituais provavelmente são
manifestações desta vocação ou chamado para um serviço específico, isto é, as boas obras
preparadas antes da fundação do mundo como a vontade de Deus para seus filhos
realizarem no reino de Deus segundo a epístola do apóstolo Paulo aos Efésios Cap. 2.10.

Quase tudo quanto Deus está fazendo no mundo é feito através de crentes
que estão trabalhando juntos, em uma comunidade complementando-se
uns aos outros, com os seus dons espirituais, em suas respectivas
congregações locais. Mas o ponto é que estes dons, mesmo quando olham
para fora do corpo, ainda assim, não se destinam a crentes isolados, mas a
crentes que trabalham em equipe, para que o trabalho seja feito da melhor
maneira possível. (CHOWN, 1977, p.19)

Outro fator espiritual de destaque nesta dissertação é o termo grego


encontrado na epístola de Paulo aos Romanos 12.7, diaconia que significa ministério
usado principalmente para se referir a um cargo, uma incumbência, uma profissão que é
colocada a disposição para servir no reino de Deus, como por exemplo: um ministério
entre os meninos de rua, um ministério entre os pescadores ajudando-os acerca das
questões ligadas ao empreendedorismo pesqueiro, um ministério empresarial que
proporciona emprego para os muçulmanos convertidos ao cristianismo que são expulsos
dos seus respectivos trabalhos em função de professarem sua fé em outra religião.

Portanto, o que se pretende esclarecer e ressaltar no tema desta dissertação acerca


da missão diaconal é a sua funcionalidade enquanto para uma missão ministerial em prol
da sociedade. Por isso, para uma sustentabilidade da referida proposição: A sinergia entre
23

dons espirituais e missão diaconal para uma missão da igreja no contexto urbano do
Recanto das Emas, busca-se esclarecer que a intenção não é redundância, no que diz
respeito a esta expressão entre dons espirituais e missão diaconal, pois, a despeito de
entender que diaconia é também um dom , mas o sentido do contexto é expressar a
função da diaconia enquanto uma missão integral na sociedade.

Este substantivo diakonia é usado 34 vezes no Novo Testamento de


diferentes maneiras, contextos e sentidos: a) Como forma de serviço atendendo às
necessidades domésticas - Lucas 10.40; b) Como forma de serviço de amor expresso na
coleta para irmãos necessitados - Atos 11.29; C. Como forma de serviço da obra
missionária e da pregação da Palavra - 2 Timóteo 4.1.

No Novo Testamento, esta palavra aparece em três classes: Diakoneo = servir


(verb0); B. Diakonia = serviço (substantivo) ; C. Diácono = diácono (substantivo)

A partir destes esclarecimentos sobre elementos espirituais como


vocação, dons espirituais e missão diaconal ou ministério, inicia-se o capítulo primeiro
sobre dimensão profética e a sua tríplice perspectiva histórica, ou seja, a
véterotestamentária, a neotestamentária e a reforma protestante, a fim de reavivar o legado
histórico bíblico e eclesiástico como ferramenta de transformação para a cidade do Recanto
das Emas

2.1 A dimensão profética

O significado da palavra dimensão no dicionário Aurélio é: “Extensão em qualquer


sentido” ou “importância e grandeza”. Neste sentido, entendemos que a dimensão nos
remete para uma das reflexões missiológicas considerada chave para o cristão e também
para descobrirmos a essência da dimensão profética do evangelho segundo o livro de
24

Mateus no cap. 6.33, quando Jesus Cristo disse aos seus discípulos: “Buscai em primeiro
lugar o reino de Deus e a sua justiça e as demais coisas vos serão acrescentadas”.

Porém, apenas um devocional superficial das Escrituras, junto com a memorização


de alguns versículos prediletos, se torna incompleto para buscarmos o reino de Deus é
preciso nos colocar diante de problemas como a podridão moral, corrupção política,
descaso com os direitos humanos, uso incontrolável dos recursos naturais, má distribuição
equitativa dos bens, crime, violência e dezenas de outros flagelos sociais.

É necessária uma reflexão missiológica fazendo o seguinte questionamento aos


cristãos: será que os investimentos no reino de Deus, legítima a afirmação de cristãos sobre
buscar o reino de Deus e a sua justiça em primeiro lugar?

Se realmente o nosso discurso justifica a nossa prática estamos bem,


mas se não, é preciso mudar nossa conduta e compromisso com Deus e o seu reino. A
realidade é que a igreja vive dentro desta dimensão social caótica, porém não para ser
paralisada e se conformar, mas para ser modelo de dimensão profética conforme o que o
doutor Lucas no Cp. 24 Vers.19 nos retrata acerca do Nazareno que no caminho de Emaus
se encontra com dois de seus discípulos que não o reconheceram, mas um deles ao fazer o
comentário acerca de Cristo disse: “que era varão profeta, poderoso em obras e palavras,
diante de Deus e de todo povo”. Assim Jesus Cristo demonstra para nós que é necessário
anunciar e encarnar o evangelho expressando os valores e os princípios do reino de Deus de
forma proativa, ou seja, profética.

Para realizar seus propósitos eternos, Deus usa homens e mulheres que não
reconheceram sua soberania e exemplos não faltam nas Sagradas Escrituras acerca deste
fato, pois, Deus chamou um rei pagão, Nabucodonosor, de “meu servo”, e outro, Ciro, de
“ungido”, e disse dele: “é meu pastor, e cumprirá tudo o que me apraz” (Jr 27.9; Is 44.28 e
45.1). Deus não mudou. Ele não tem permanecido neutro nos assuntos políticos, sociais,
econômicos, e muito menos nos assuntos morais e espirituais da humanidade. Na dimensão
25

profética é preciso agir com ações concretas que aspirem muito mais do que o anúncio da
Palavra de Deus e a denúncia da corrupção instalada em determinados setores da sociedade,
é o cumprimento das ordens de Jesus Cristo segundo Mateus 28.18-20.

Para o cumprimento destas ordens espirituais, em determinadas situações, Deus usa


pessoas que apesar de não reconhecerem sua soberania, não terem nenhum compromisso
sério com o Senhor e muito menos o dom espiritual de profeta, são instrumentos de Deus
para cumprir seus desígnios e propósitos. Assim, foi o caso de Chico Mendes, ecologista e
sindicalista que na década de 70 no Brasil denunciava a ganância e o egoísmo responsáveis
pela devastação na Amazônia.

O sindicalista e ecologista Chico Mendes foi assassinado por causa da sua


coragem em desmascarar, em público, os pecados contra a natureza, que é
patrimônio precioso dado por Deus a todos. Porém, alguns filhos de Deus,
se omitiram e outros, com os olhos abertos para os problemas do
imediatismo, formam movimentos na tentativa de mudar situações,
porém sem o poder e a graça de Deus. Algo é realizado por estes, mas em
geral a nova situação não ganha da anterior. Não há arrependimento, não
há mudança íntima nos seres humanos. ( CHOWN, 1977, p.19)

Os profetas seculares como por exemplo: Chico Mendes, Betinho e outros


fazem tudo na força de seu próprio braço. Todavia, percebe-se que quando se trata de
denunciar a falta de justiça na sociedade é algo que os não crentes fazem melhor e com
mais resultado do que os cristãos, pois, utilizando-se de uma passagem bíblica nos
evangelhos na forma de uma paráfrase que diz: Os Filhos das trevas são mais espertos do
que os filhos da luz. Será que Deus se compraz nesta nossa acomodação?

Porém, esta não era a situação dos profetas de Deus no Velho Testamento,
no Novo Testamento na pessoa de João Batista e do nosso Senhor Jesus Cristo, todos
denunciaram injustiças praticadas nos seus dias. O pastor Robson Cavalcanti tem uma
concepção sobre este assunto:
26

Diante de tantas e tamanhas violações dos direitos humanos em nosso país


(Fome, nudez, desabrigo, doenças, ignorância, tortura, trabalho escravo
infantil etc.), onde estão os heróis cristãos? Nossas bandeiras bíblicas e
históricas permanecerão em mãos alheias? Onde estão os pastores?
(CAVALCANTI, 1988, p.38).

Seria melhor perguntar a cada cristão, onde estão os pastores e leigos


com o precioso dom de profeta? E onde estão os irmãos e as igrejas na perspectiva da
dimensão profética para receber o recado duro de Deus e assim apoiar os profetas
moralmente e financeiramente, se for o caso?

Portanto, para atingir um nível de profundidade na dimensão profética


é necessário fazer uma ponte entre a teoria e a prática, ou seja, anunciar o amor de Deus
pelo mundo enfatizando a redenção pessoal e os propósitos de Deus acerca da conduta dos
assuntos humanos como: a proteção da sociedade, a retidão sobre o mal nas instituições
governamentais, influenciar positivamente o povo e a opinião pública através dos valores e
princípios do Reino de Deus.

2.2 A dimensão profética na perspectiva veterotestamentária

No Antigo Testamento (AT) a dimensão profética parte do princípio


da Torá, ou seja, a lei e os mandamentos de Deus para Israel e por extensão para todas as
nações. A expectativa de Yaweh do ponto de vista profético é que o povo escolhido e de
propriedade exclusiva dele buscasse uma vida em comunidade expressando santidade,
justiça e adoração.

A história bíblica nos relata um panorama de desobediência, injustiça


social, corrupção e tirania, ou seja, a insurgência pecaminosa de um povo separado por
Deus para ser santo e profético.

A metade posterior do capítulo 7 do pequeno livro de Amós nos traz


inestimáveis lições. As palavras do profeta incomodam e provocam a reação de pessoas
27

concretas, aliás, são dois nomes, Amazias e Jeroboão, atores de um contexto de tirania,
injustiça e corrupção. Jeroboão é o rei, autoridade atingida pela denúncia do profeta e
Amazias é o sacerdote e aliado religioso do rei.

De acordo com Banora (1983, p.19), a mensagem de Amós, num


momento em que o reino do norte estava em pleno esplendor político e econômico, era a
palavra de um desmancha prazeres: Amós apregoava: “Jeroboão morrerá pela espada e
Israel será deportado para longe de sua terra” (7.11). Era um anúncio inquietante e
perturbador: morte do rei, exílio do povo! Israel acabou. O sacerdote Amazias, percebendo
toda a força explosiva da proclamação do profeta, o denuncia às autoridades. E para que a
sua acusação se torne mais eficaz, chama-o de conspirador. O choque entre Amós e
Amazias é notável. Eles representam a instituição e o carisma, o trono e o púlpito profético,
o sacerdócio e o profetismo.

Todavia, a história da nação nem sempre foi assim, pois, Israel teve
seus momentos de glória, justiça e paz no governo de Davi onde o reino alcançou sua
máxima extensão em toda a sua história sendo conduzido sob a obediência de Deus e seus
mandamentos.

A dimensão profética no AT parte da direção de Deus para a nação de


Israel, é uma palavra de ordem direta de Deus para o seu agente na terra. Este agente passa
pelo processo do chamado de Deus para ser seu mobilizador na nação de Israel. Mas, quem
é este agente? É o profeta! Chamado para ir ao encontro da vontade de Deus para o seu
povo em momentos específicos da história para edificar, exortar e ensinar a nação de
propriedade exclusiva de Deus.

O possuidor deste dom é poderosamente motivado por Deus a ser seu


porta-voz para suprir necessidades espirituais de indivíduos ou grupos, dentro ou fora da
nação de Israel, tomando como alvos a injustiça praticada contra Deus, contra o próximo e
28

o indivíduo que não faz ou não conhece a vontade de Deus. Um dos teólogos estudiosos
sobre dons espirituais emite a seguinte concepção.

O profeta chama a atenção de um indivíduo ou de uma nação para aquilo


que está errado; mas ele o faz, não para empurrar a pessoa ou nação para o
desespero, mas para chamar sua atenção para o caminho da cura, da
reforma e da justiça. (KNIGHT, 1994, p. 85)

A dimensão profética no AT se apresenta em meio a um contexto


idolátrico, de injustiça social e opressão aos órfãos e viúvas que era corrente na sociedade
israelita tanto no pré quanto no pós-exílio de forma deliberada e velada pelos reis ímpios,
sacerdotes corrompidos e falsos profetas, que se desviaram anunciando mensagens que não
vinham da parte de Deus, mas utilizavam-se dos benefícios de servirem aos reis como
funcionários públicos, pagos para falarem o que encantava os corações dos reis e sacerdotes
corruptos.

A profecia tem a característica espiritual de mudar as motivações


equivocadas, daqueles que se rebelam contra Deus. Portanto, a profecia continua sendo
uma arma espiritual para a correção do povo de Deus, a fim de que possa abandonar suas
atitudes e comportamentos escusos.

No AT a dimensão profética foi atingindo seu objetivo de forma


gradativa, pois, à medida que Israel obedecia a sua mensagem proferida pelos profetas
maiores e melhores coisas aconteciam e Deus era glorificado. Porém, na medida em que os
falsos profetas se levantavam em rebeldia insurgindo contra a palavra de Deus a nação de
Israel sofria com a disciplina imputada por Deus no enfretamento de dois exílios, o
primeiro na Assíria local de exílio dos israelitas do reino do norte e o outro no cativeiro
babilônico do povo de Deus no reino do sul.

Entretanto, o exílio foi apenas instrumento de restauração para que


Israel voltasse a adorar ao único Deus e Senhor de todas as nações e a visão de Deus se
29

manteve na perspectiva profética de justiça, retidão, santidade, adoração e de proclamação


dos seus mandamentos.

No AT há três importantes dimensões pedagógicas de Deus que


norteavam as ações proféticas: A primeira delas é o culto onde somente Yaweh deveria ser
adorado e louvado, pois, essa foi à atitude do profeta Daniel que mesmo no exílio
babilônico, longe do templo, do local de contemplação e adoração para Israel, preferiu ir
para a cova dos leões do que deixar de adorar ao único Deus Vivo e Verdadeiro, ou seja,
Yahwe, o Senhor Todo Poderoso.

A segunda dimensão é o ensino, pois, a palavra de Deus é a bússula


para Israel e além disso Israel é considerado como guardião da Torá e os mestres da lei, ou
seja, os rabinos cumprem a função de interpretá-las e instruir as famílias israelitas. A
terceira esfera da dimensão profética é a justiça, pois, o tema justiça é fundamental para
uma adequada compreensão da ação de Deus no mundo. No AT, justiça é um mundo em
ordem (Sedeq). Nessa perspectiva, o mundo deve ser ordenado pelo princípio da justiça.
Percebe-se também que há uma íntima ligação entre justiça e a paz que na língua original
do AT é Shalom.

Todavia, esta expressão na língua portuguesa é bastante reducionista,


pois, Shalom, na língua hebraica em que foi escrita o AT, é muito mais do que paz, ou
seja, representa um estado de harmonia, integridade, inteireza, unidade e totalidade. É o
bem estar social, plenitude de vida, harmonia consigo mesmo, com o próximo, com a
natureza e com Deus.

Portanto, a dimensão profética no AT identifica, define e repudia o mal,


e se entristece com ele (Mq 3.7-12). Tem um senso profundo do certo e do errado, sendo
intolerante para com a verdade parcial, por ver tudo em preto e branco, aponta o dedo
procurando motivar mudanças de comportamento.
30

2.3 A dimensão profética na perspectiva neotestamentária

A dimensão profética na perspectiva do Novo Testamento (NT) traz no seu escopo o


sermão do monte segundo o evangelho de Mateus nos capítulos 5, 6 e 7, mas também
passa por duas vias de comunicação: a primeira é Deus se revelando ao homem caído e
nas trevas o seu plano de salvação, ou seja, o evangelho de Cristo (Rm 1.16-17) e a
segunda via de comunicação parte do princípio de que o homem redimido recebe os
dons espirituais e também vocação para servir no reino de Deus proclamando o
evangelho aos homens pecadores.

No Novo Testamento Deus levantou profetas, para anunciar a sua palavra,


denunciar as injustiças sociais contra os pobres, viúvas e órfãos e resistir a idolatria
imposta pelo império romano com adoração única e exclusiva a César, através da fé
evangélica

Dentro deste contexto de vulnerabilidade e hostilidade do império cesariano os


cristãos do primeiro século depois da morte e ressurreição de Cristo mantinham sua fé e
adoração exclusivas e vivas á Cristo. A dimensão profética no NT se inaugurou com o
precursor de Jesus Cristo de Nazaré, o profeta João Batista relatando a chegada do reino de
Deus e batizando os judeus com o batismo de arrependimento. Sua mensagem no
evangelho de Lucas (3.11) já demonstrava a dimensão profética que estava para chegar com
o batismo do Cristo, ou seja, o Messias resplandeceria a glória de Deus no seu ministério
considerado profético.

A proclamação de João Batista foi irrestrita, pois sua mensagem


andava afinada com a vontade de Deus para o homem pecador. Então, suas palavras eram:
“arrependeis-vos e convertei-vos porque está próximo o reino de Deus.” O filho de Deus,
Jesus Cristo inicia seu ministério na terra proclamando a mesma mensagem: “arrependam-
se porque está próximo o reino de Deus.”
31

Este reino foi proclamado por Cristo e depois com a sua ascensão aos
céus derramou poder sobre os apóstolos segundo as Sagradas Escrituras em Atos 1.8 onde a
mensagem do reino passa ser tarefa exclusiva da Igreja.

À medida que se propagava a mensagem do evangelho, através da vida


de dois líderes da igreja primitiva, Pedro e João, homens simples, iletrados, mas cheios do
poder de Deus, o próprio Deus fazia grandes milagres e milhares de pessoas eram salvas e
curadas de suas enfermidades. Aos poucos, fora surgindo outros líderes, fruto do
discipulado destes homens.

A maneira de viver dos discípulos no NT era uma busca intensa por


uma vida comunitária que se expressava com cultos diários, assembleias periódicas,
refeições em conjunto, doações voluntárias resultante de vendas de propriedades conforme
a necessidade dos irmãos e posteriormente foram eleitos homens cheios do poder de Deus
para cuidar das viúvas e órfãos. Através do relato bíblico podemos perceber que as questões
existentes entre o corpo de Cristo eram resolvidas pelo bom senso, pelo diálogo e consenso
comunitário como fundamento de uma vida de comunhão. Esta comunhão que na língua
grega no original do NT significa Koinonia, ou seja, traz a ideia de unidade de um grupo de
pessoas que labutam e convivem em prol de um objetivo comum.

Todavia, a principal limitação dessa experiência comunitária e


evangelística da igreja primitiva pode ser sentida na ausência de uma proposta clara de
transformação para a sociedade a sua volta.

Talvez por um ufanismo messiânico ou uma visão escatológica


imediatista, os discípulos de Cristo não esboçaram nenhuma outra ação profética além de
anunciar o evangelho reduzindo-o ao aspecto apenas da salvação e incorporação de pessoas
ao grupo da igreja primitiva.
32

Para compreendermos melhor o aspecto de transformação na sociedade


e o papel dos dons espirituais e da diaconia neste processo a comissão de Lausanne para a
Evangelização Mundial disse:

A mensagem de salvação implica também uma mensagem de juízo sobre


toda a forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos
ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando
as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem
procurar não só evidenciar o evangelho, mas também divulgar a retidão
do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir
deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades
pessoais e sociais. (STOTT, 2003, p.91)

Desta forma onde o reino de Deus se manifestava o governo de Deus


era estabelecido nos corações dos crentes e a providência de Deus era presente em todas as
esferas da vida da igreja. Portanto, a dimensão profética no NT atinge seu ápice com a
inauguração do reino de Deus na terra na pregação de Jesus Cristo e na vida dos discípulos
e da igreja primitiva segundo relato das Sagradas Escrituras no livro dos Atos dos
Apóstolos 2.42-45.

Verdadeiramente os mandamentos de Cristo estavam sendo aplicados


nesta comunidade que era movida pelos dons espirituais e a aplicação destes na vida das
pessoas através de ações diaconais. Porém, a igreja primitiva vivia numa funcionalidade
para dentro do corpo, mas em função da perseguição que resultou na morte de Estevão, o
testemunho, o engajamento, o serviço e o amparo a sociedade gentílica tornou-se marca da
igreja primitiva na diáspora que inicialmente ficou restrita apenas ao corpo de Cristo.

Para uma maior amplitude da missão da igreja, para o planejamento


estratégico, para o encorajamento mútuo e para o compartilhamento de
recursos e de experiências é necessário trabalhar juntos e também a dar
uns aos outros, e receber uns dos outros, os dons benéficos que Deus nos
concedeu , sejam eles quais forem. (STIER, 2008 p. 201)
33

Portanto, quando em um determinado momento da história da igreja


houver uma busca para a amplitude de sua missão entende-se que pode ser fruto de
perseguição, tendo em vista que o testemunho cristão na sociedade deve-se pautar de ações
concretas de justiça, de ética e de compromisso com o anuncio da Palavra de Deus onde o
que se proclama se vive integralmente, ou seja, não basta apenas ouvir o evangelho, mas
praticá-lo.

Por isso, a missão da igreja não se restringe somente para dentro do corpo,
mas abrange uma vida de planejamento, organização, cooperação e do poder de Deus para
um envolvimento, engajamento e enfretamento através da funcionalidade do ministério de
diaconia como uma das funções primordiais da igreja para servir as comunidades
vulneráveis com disposição e excelência como marca funcional da igreja que se move em
prol dos mais fracos.

2.4 A dimensão profética na perspectiva da reforma protestante

A Reforma da Igreja aconteceu num contexto de dogmas religiosos,


corrupção eclesiástica, injustiça social e opressão por parte de reis. A libertação chegou
com a abertura espiritual quando a Bíblia passou a ser instrumento de fé e prática na Europa
graças ao mover de Deus levantando homens para este projeto. Enquanto a Igreja se
tornava cada vez mais corrupta e opressora, começava a surgir uma busca por um
cristianismo mais bíblico. A crença por trás deste movimento reformista era de que a Bíblia
deveria ser a origem de toda a autoridade para moldar todos os aspectos da vida de uma
pessoa, e a base da verdade para as comunidades e as nações.
34

Um passo vital em direção a este alvo era que as pessoas tivessem a


Palavra de Deus em seus idiomas e em seus lares. Infelizmente a resistência veio da própria
Igreja, que, em troca, instigou o governo a perseguir quem fosse adepto a este movimento.

Forçadas a fugir, os adeptos acabaram espalhando o movimento pela


Europa onde surgem vultos da reforma como Zwinglio em Zurich e Lutero na Alemanha,
que se queixavam de que através dos séculos o cristianismo havia deixado de ser o que era
nos tempos do Novo Testamento. Lutero deseja livrá-lo de tudo o que era contrário às
Escrituras. Zwínglio ia mais longe e sustentava que somente deveria ser praticado aquilo
em que se cresse ou aquilo que era encontrado na Bíblia.

Enquanto Lutero foi a alma atormentada que por fim encontrou sua paz
na mensagem bíblica da justificação pela fé, Zwínglio foi o erudito humanista, que se
dedicou a estudar as Escrituras porque elas eram a fonte da fé cristã, e a parte do
movimento humanista consistia precisamente em regressar às fontes da antiguidade. Por
isso que a teologia de Zwínglio é mais racionalista que a de Lutero.

Caminhando através dos relatos históricos sobre a Reforma Protestante ressaltamos


outro ícone do movimento, João Calvino, que não tinha a menor intenção de dedicar-se à
vida ativa de seus correligionários que em diversas partes levaram a cabo a obra
reformadora. Mesmo que sentisse para com eles profundo respeito e admiração, estava
convencido de que seus dons não eram o de pastor, mas sim o de estudioso e de escritor.

Depois de uma breve visita a Ferrara, e outra à França decidiu estabelecer seu
domicílio em Estarburgo, onde a causa reformadora havia triunfado, e onde havia uma
grande atividade teológica e literária que lhe parecia oferecer um ambiente propício para
seus trabalhos de escritor e teólogo. Mas o caminho mais direto para Estrasburgo estava
fechado por razões de uma guerra e Calvino teve que se desviar e passar por Genebra.

A situação nessa cidade era confusa. Algum tempo antes, a cidade


protestante de Berna havia enviado missionários a Genebra e estes tinham conseguido o
35

apoio de um pequeno núcleo de leigos instruídos que ansiavam pela reforma da igreja e de
um forte contingente de burgueses cujo principal desejo parece ter sido o de ganhar certas
vantagens e liberdades que não tinham sob o regime católico.

O clero, em geral, de escassa instrução e menor convicção,


simplesmente havia seguido ordens do governo de Genebra quando este decidiu abolir a
missa e optar pelo protestantismo. Isto tinha ocorrido poucos meses antes da chegada de
Calvino a Genebra e, portanto, os missionários procedentes de Berna, cujo líder era Farel,
se encontravam à frente da vida religiosa de toda uma cidade e carentes de pessoal
necessário. O convite forçado de Willian Farel, o ruivo, evangelista francês de
temperamento esquentado apelou a Calvino dizendo:

Deus amaldiçoe teu descanso e a tranquilidade que buscas para estudar, se


diante de uma necessidade tão grande te retiras e te negas a prestar
socorro e ajuda. E assim começou a carreira de João Calvino como
reformador em Genebra. ( GONZALEZ, 1983,p.120)

Mesmo que de início Calvino aceitasse simplesmente permanecer na


cidade, e colaborar com Farel, logo sua habilidade teológica, seu conhecimento da
jurisprudência e seu zelo reformador fizeram dele o personagem central da vida religiosa da
cidade, enquanto que Farel satisfatoriamente se tornava seu colaborador.

A dimensão profética na reforma passa pela revolução do ensino


bíblico saindo do exclusivismo da nobreza e do clero para chegar até as camadas mais
pobres da população. A ação profética na Europa parte em busca de um cristianismo mais
bíblico e a partir dela molda todos os aspectos da vida de uma pessoa, e é à base da verdade
para as comunidades e as nações. Pois, os europeus estavam enfrentando questões de vida e
morte e algumas perguntas ficaram no ar: Como devemos viver? Será que existe uma
36

maneira melhor de cuidar de nossas famílias? De administrar à economia? Cuidar dos


pobres? Qual a responsabilidade de cada cidadão?

O povo estava cheio de perguntas, mas a igreja não estava dando as


respostas. Assim como muitos países do mundo de hoje, eles necessitavam de soluções para
as diversas áreas da política, educação, saúde, vida em família e moralidade.

Um passo vital em direção a este alvo era que as pessoas tivessem a


Palavra de Deus em seus idiomas e em seus lares. Infelizmente a resistência veio da própria
igreja, que, em troca, instigou o governo a perseguir quem fosse adepto a este movimento,
por isso sendo forçados a fugir, os adeptos da reforma acabaram espalhando o movimento
pela Europa.

O movimento reformista em Genebra representado por Calvino


escolheu a cidade chave da reforma protestante, Genebra, como refúgio especialmente dos
italianos, ingleses e franceses e concomitantemente com comerciantes bagunceiros,
criminosos, refugiados políticos e espiões. Embriaguez era algo comum, as casas de
prostituição da cidade enriqueciam e as famílias ficavam cada vez mais pobres e se
acabavam.

Diante desta realidade, Calvino implanta alguns princípios para a


reconstrução da cidade: pregar o evangelho aos indivíduos, ensinar a cidade para que as
pessoas saibam como viver, as autoridades saibam como governar e todos saibam como
trabalhar dentro de suas esferas e prestações de contas para os indivíduos e formação de
líderes em cada área da sociedade, para que ensinamentos não ficassem na teoria, mas que
fossem aplicados em todas as áreas da vida.

Na Reforma Protestante a ação profética foi vital para a transformação


das cidades, ou seja, são atitudes concretas de transformação na sociedade através do
anuncio da Palavra de Deus, do reconhecimento de estado de pecado que se encontra a
sociedade e o engajamento e cooperação mútua dos cristãos com os dons e talentos
37

recebidos por intermédio da graça irresistível do Espírito Santo em suas vidas. Esta
aplicação da revelação bíblica na vida da cidade de Genebra impulsionou mudanças
radicais nas diversas áreas. Na família, os homens eram irresponsáveis, com propensão a
bebedeira e desonestidade. A desordem na cidade e em suas vidas se dava por causa da
pobreza e da imoralidade.

Então os reformadores passaram a ensinar as pessoas quanto à


responsabilidade individual, que significa antes de tudo cuidar da família onde os
responsáveis deveriam trabalhar duro, pagar suas contas, dar o dízimo e economizar seu
dinheiro. Na sociedade os reformadores ensinaram a cuidar dos pobres e necessitados. Eles
estabeleceram casas de refúgio abrigo para cuidar dos protestantes, viúvas e órfãos. Na área
da educação, era a primeira vez na história do mundo que isso acontece todas as crianças
de uma nação eram ensinadas a ler, inclusive as garotas ( STIER; Poor; Orvis, 2008 ),

Infelizmente, hoje em dia as pessoas que treinam os educadores se


esqueceram de que a alfabetização para todos é uma ideia bíblica. O legado da reforma
mostra que realmente a Palavra de Deus foi o cerne das transformações ocorridas em
Genebra. Aliás, hoje Genebra é considerada a capital diplomática do mundo.

Portanto, a dimensão profética na Reforma Protestante foi


extremamente significativa e vanguardista na história. Por isso, entendo que é necessário
reavivar o legado da reforma para uma ação profética transformadora através de aplicações
práticas da Palavra de Deus nas comunidades do Recanto das Emas.

2.5 A dimensão profética para missão integral da igreja no contexto urbano do


Recanto das Emas

Quando vislumbrasse a dimensão profética possivelmente vem a


mente a palavra profecia, ou seja, um dom espiritual conforme a epístola do apóstolo Paulo
aos efésios no cap.4.11 onde o Espírito Santo outorga ao crente o dom de profecia que tem
como objetivo edificar, ensinar, exortar e aperfeiçoar os santos para o desempenho de seu
38

serviço. Esta é a palavra que proclama a vontade de Deus e traz a sua direção para ensinar,
edificar e exortar a igreja. Porém, o que pretendemos é introduzir um novo conceito, o da
ação profética, ou ações iluminadas pelo Espírito Santo que impõem e implicam cuidado,
zelo e aplicação de forma prática da Palavra de Deus nas comunidades carentes para uma
transformação histórica, social e espiritual.

O doutor em teologia, Rubens Muzio, faz menção sobre o aspecto da missão


integral do ponto de vista da transformação holística nas comunidades por meio da ação do
ministério da igreja quando diz:

Porém, o exercício dessa prática sócio-assistencial bíblica e


contextualizada requer cristãos sinceramente envolvidos para que, como
igreja, possam cumprir a dimensão do servir no contexto e através da
Igreja. Jesus, nosso exemplo maior, declarou [ ...] tal como o Filho do
Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida
em resgate de muito( Mt 20.28). Ele veio para servir! E esse “servir” tem
dois momentos importantes que se articulam configurando o plano
salvador de Deus; Servir se doando em ações de assistência e cura aos
necessitados, que é propriamente o serviço, hoje, no contexto da Igreja;
servir se doando como salvador, na cruz, pelos nossos pecados. É um
serviço que traz a dimensão material e espiritual, que contempla a pessoa
humana como ser completo e contextualizado. (MUZIO, 2006, p.127-
grifo do autor )

O que associar à dimensão profética? O amor, que é devido a Deus e


ao próximo, pois, sem amor não atingiremos comunidades carentes no contexto urbano
onde se encontram pessoas pobres, necessitadas, sobrecarregadas e que não teriam
condições se quer de construir nada que pudesse minimizar a sua pobreza tanto física como
espiritual. O que despertaria esta comunidade? Somente o evangelho que é a própria
encarnação de Cristo como agente da ação profética onde se mostrou envolvido ( Mt 9.35-
38). Por isso, o chamado para uma missão integral passa pela disposição de crentes com
seus dons espirituais para uma ação de restauração, reconciliação e desenvolvimento
comunitário.
39

Entender que existe o dom de profecia, ou de ser “profeta”, parte da


própria vida de Jesus Cristo como varão profeta e poderoso em obras e palavras diante de
Deus e de todo o povo (Lc 24.19). Portanto, profeta não é aquele que deseja apenas
interferir na vida alheia dizendo: “Deus quer que você se case com fulano”; na vida da
igreja: “Deus me disse que fulano precisa ser eleito diácono, ou que “beltrano não é pastor
certo para nossa igreja; ele terá que sair”, ou “Deus não quer que a nossa igreja continue
neste bairro.”

A dimensão profética que destaco são ações concretas através do


anuncio da Palavra de Deus movidas pelo Espírito Santo na vida do crente que manifeste o
fruto de arrependimento e se expresse com ações concretas de valores e princípios do reino
de Deus, alinhando a vontade de Deus junto as comunidades oprimidas, desestruturadas e
dissociadas da verdade de Deus.

A perspectiva da dimensão profética é reestruturar a justiça, a ordem


pública e estabilidade econômica na sociedade, mas principalmente aos mais necessitados
levando a proposta do evangelho integral com o intuito de transformar comunidades através
de uma aplicabilidade sinergética entre o corpo de Cristo com seus talentos e dons
espirituais partindo de dentro para fora funcionado como uma engrenagem em prol de
serviços comunitários onde legitimaremos e autenticaremos a missão integral da Igreja nas
comunidades carentes.

Esta aplicabilidade sinergética sinalizaria o reino de Deus nas


comunidades carentes por meio de ações denominadas de proféticas na perspectiva de
alguns projetos de transformação: a) Um clube de senhoras que promova o valor e a
dignidade da mulher recantense através de palestras acerca de cidadania da mulher; b) Uma
horta comunitária, mostrando que é possível trabalhar em conjunto, para o bem da
coletividade, tirando proveito da terra para satisfação das necessidades da comunidade;
c)Um clube de desempregados, que restaure a esperança de chefes de família; d)Um clube
da terceira idade, trazendo alegria a idosos semi-abandonados (CUNHA, 2003); e) Cursos
40

de informática com ênfase no aprendizado de novas ferramentas tecnológicas para subsidiar


renda para os alunos carentes da rede pública de ensino do Recanto das Emas; f) Cursos de
mecânica de automóveis, avião e motos para abertura de novas lojas na comunidade do
Recanto das Emas; f) Implantação de faculdades para crescimento acadêmico da
comunidade recantense;

Existe uma situação emergencial na sociedade e doravante se torna


uma proposição para a igreja e de forma direta aos cristãos brasileiros que são chamados
pela vontade de Deus a forjar uma democracia viva de maior compromisso com a
promoção de justiça pública e igualdade social que servirá de modelo de orientação para as
ações governamentais a partir de uma dimensão social cristã que manifesta a vontade de
Deus em questões desta natureza.

Por isso, a igreja tem um papel de extrema importância na sociedade;


aplicar a justiça do ponto de vista social que no hebraico quer dizer mishpat, ou seja,
cidadã e que são traduzidas por justiça ou direito que é algo recorrente no AT e NT.

Precisamos buscar uma sinergia que se fortaleça a partir do respeito à


diversidade dos atores evangélicos conscientizados de seu papel na
proclamação do evangelho integral no combate a todas as fomes, através
de ações emergenciais e estruturais. (CUNHA,2003, p. 42)

Portanto, parte-se do pressuposto de que a sinergia entre o corpo de


Cristo com seus talentos, dons espirituais e ministériais contribuirá para a extensão da ação
social cristã quando partimos de uma visão pastoral bíblica e holística que orienta e
sustenta a prática dos cristãos em todos os espaços da sociedade inclusive o público, por
meio de uma fé cidadã, permitindo que a igreja possa colaborar na construção de uma
democracia viva com maior justiça e igualdade social nas comunidades carentes do Recanto
41

das Emas. Pois, evangelizar é viver o reino de Deus e a consequência deste processo é a
prática sócio espiritual e bíblica.
42

3 A SINERGIA ENTRE CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS E DONS


ESPIRITUAIS E A MISSÃO DIACONAL PARA EXTENSÃO DA AÇÃO SOCIAL
CRISTÃ COMO MISSÃO DA IGREJA NO CONTEXTO URBANO DO RECANTO
DAS EMAS

A proposta com este capítulo é conceituar o que seja extensão da ação


social do ponto de vista secular ou humanista e a partir disto complementar como uma
concepção Cristã acerca do alcance da ação social cristã na perspectiva protestante do
século XVI, ou seja, o legado deixado pelos reformadores na área social e assim
apresentarmos uma proposta para os dias atuais.

Quando se faz referência à extensão da ação social obviamente quero


referir acerca dá cidadania, ou seja, direitos e deveres dos cidadãos. Segundo o sociólogo
inglês T. H.Marshall que na década de 1940 começou a desenvolver um conceito do que
seja direitos, que segundo ele , estava intimamente associado à noção de cidadania, onde
direito não é algo que se tenha em abstrato, mas define uma relação entre os membros de
um estado nação . Para ele, há três tipos de direitos que se desenvolveram com a criação
dos estados modernos, democráticos, orientados para o bem estar social.

O primeiro são os direitos civis, o segundo, o direito político e o


terceiro são os direitos sociais. Portanto, para Marshall os direitos civis e políticos são
passivos, no sentido de que dependem preponderantemente de regras legais do jogo de
convivência democrática, mas os direitos sociais são ativos e requerem grandes instituições
dotadas de recursos significativos e a distribuição ativa de benefícios à população como:
educação, saúde, segurança e outros.

Portanto, o intuito é esclarecer o que seja extensão da ação social cristã


e como ela se faz presente na perspectiva da reforma protestante e nos dias atuais para uma
atuação da igreja na forma de missão integral.
43

3.1 A extensão da ação social cristã urbana

A extensão da ação social urbana é um novo eixo motor do século


XXI e não funciona sob o ponto de vista lucrativo, mas exige a dinâmica de cooperação. É
uma nova forma de organização social que está surgindo e que não se origina de uma
ideologia, mas da evolução das estruturas da sociedade. O agravamento das desigualdades
sociais em muitos países, a altíssima concentração de riqueza e o desequilíbrio ambiental
estão levando a sociedade a repensar sua estrutura e seus valores em todos os sentidos.

Os cenários nacionais e mundiais trouxeram várias surpresas. A


injustiça que enche nossas comunidades pobres de outros atores sociais não conhecidos em
décadas anteriores como a violência urbana e seus desdobramentos no tráfico internacional
de drogas que fez aflorar um novo tipo de liderança que controla as favelas. Os Grupos
marginais organizados em zonas rurais põem sob ameaça as lideranças de associações de
trabalhadores do campo. São situações que demandam articulações e negociações com
atores não evidentes em décadas anteriores, nas comunidades pobres.

A globalização da economia liberal provocou uma inversão no papel


do estado: em vez de usar seus recursos para proteção do cidadão, passa a utilizá-lo para
protecionismo da empresa privada.

Para Calvino, a missão política do estado implica, pois, em intervenção na


esfera econômica; não tanto como produtor de bens, mas como regulador
das trocas econômicas e da distribuição da riqueza. Na ausência desse
regulador, o bom funcionamento da vida econômica é corrompido pelo
pecado. A ganância e os monopólios obstruem a circulação dos bens entre
todos, e o esbanjamento de alguns dizima as riquezas da sociedade.
(BIÉLER apud SAPSEZIAM, 1970, p.21)
44

Esses e outros fatores exigem transformação, em vários níveis da


sociedade, forçam a aplicação de estratégias mais eficazes, apelam para abordagens mais
construtivas e, quem sabe alternativas de intervenção ainda não conhecidas.

Diante desta faceta social complexa os protagonistas experimentam


como cidadãos um sistema capitalista do século XXI que é um bom produtor , mas não
promove distribuição de renda. Por isso, é necessário repensar e reconstruir uma sociedade
a partir da comunicação do evangelho para que a comunidade recantense se torne
economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente equilibrada. Para isso
proponho uma proposição teológica bíblica, reformada e contextualizada para um
envolvimento sinergético do corpo de Cristo com os respectivos dons espirituais labutando
em prol de comunidades carentes com aplicações práticas por meio de uma missão integral
da igreja no contexto urbano do Recanto das Emas.

Pretendo aguçar na mente dos leitores com um dos assuntos que


chama mais atenção neste século XXI, a dimensão social, porém na perspectiva cristã,
entendendo que estamos lidando como uma crise sem precedentes do ponto de vista social,
político e ecológico. A chance dos pobres sobreviverem dignamente no planeta terra,
depende necessariamente da graça de Deus manifestada na pessoa de seu filho Jesus Cristo
e expressada na dedicação da igreja através da missão integral que tem no seu conceito a
seguinte proposição: A responsabilidade social da Igreja na ótica divina para uma atuação
nas comunidades carentes na dimensão social do século XXI.

Para isso, é necessário buscar conexões entre a compreensão de Deus


e a visão das necessidades humanas que são antigas, mas deliberadamente foi quase sempre
incoerente e esporádica; só gradualmente ela ganhou a convicção principalmente com o
pacto de Laussanne de que não pode haver compreensão válida de Deus sem uma tomada
de posição frente às carências sociais do ser humano.
45

Assim que a Missão Antioquia iniciou o ministério com crianças de rua,


algumas pessoas pensaram que estávamos perdendo nossa visão
missionária. Nós também acabamos pensando o mesmo. Parecia que
estávamos mudando de rumo. Hoje entendemos que o problema é aquela
divisão entre evangelização e ministério social. Na verdade, continuamos
enviando missionários como antes, e fazendo tudo o que podemos por
missões. (SANTOS, 1997, p. 110)

A convicção comum hoje é que o Evangelho tem uma vocação


transformadora no mundo, não só com vistas a um futuro distante, e isso mediante nossa
participação na ação transformadora contínua de Deus. Em geral, a comunidade cristã deve
se envolver ativamente na sociedade partindo do ponto de vista da cosmovisão bíblica
sintetizada à luz das Sagradas Escrituras no texto de Habacuque 2.14 e a partir da análise
cuidadosa do primeiro mandado de Deus a Adão e Eva, onde o progenitor de todas as
nações revela um mandato muito mais abrangente e global do que geralmente se
compreende.

O mandado de Deus (Gn 1.28) é global em sua natureza e abrangente


em sua extensão. Devemos encher a terra, e todas as áreas da vida estão incluídas neste
plano holístico para a sua Criação. A divisão sagrado e secular não existe. Devemos olhar
para o horizonte e ver demonstrações de seu Reino em cada aspecto da criação.

Se Deus se importa somente com a salvação espiritual da alma de um


indivíduo, por que tantos capítulos de orientações na Tora referentes a tantos aspectos da
vida privada e da vida pública? No AT, Deus ensinou a geração de Moisés quanto a:
adoração e economia, liderança governamental e jurídica, relacionamento familiar e
comemorações cívicas, educação e assistência aos necessitados, leis de imigração e
procedimentos médicos.

Esta revelação do AT prepara o cenário para entendermos melhor o


Reino de Deus e o mandamento de Jesus em Mateus 28.19-20 onde existem quatro verbos
chaves: façam discípulos, indo, batizando e ensinando. Este último verbo faz diferença
46

quando se compreende que o ensino sobre o Reino de Deus deve ser saturado em uma
cultura até que a sociedade seja transformada pelos princípios do evangelho.

Cada setor da sociedade deve demonstrar o caráter e os caminhos de


Deus. Os setores da sociedade incluem: família, clãs, tribos e povos; igreja local e missões;
educação em todos os níveis; mídia, economia, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento,
produção, comércio e serviços; governo e os poderes executivo, legislativo e judiciário.

3.2 O alcance da ação social cristã na perspectiva da reforma protestante

O que mais chama atenção na Reforma Protestante do início do século


XVI é o fato de que Genebra era uma cidade selvagem conhecida como um local onde
transitavam pessoas a caminho da França, Itália, Alemanha ou Austrália. Com mais
hospedaria do que qualquer outra cidade de sua época, Genebra, vivia repleta de
comerciantes bagunceiros, criminosos, refugiados políticos e homens preguiçosos.

O desafio do reformador Calvino, que teve uma carreira cristã


bivocacional, como advogado e pastor foi praticar os dons espirituais e talentos recebidos,
não por méritos, mas pela graça de Deus por meio dos quais pôde analisar as questões
sociais e espirituais da cidade de Genebra, a fim de reconstruí-la através de princípios
bíblicos.

Partindo, destes princípios a primeira esfera de atuação deste servo de


Deus em Genebra foi na área da educação e como a cidade decidiu tornar-se protestante,
os cidadãos de Genebra se tinham comprometido em educar seus filhos nos princípios e
valores do reino de Deus. Este compromisso era resultado da teologia reformada de que
cada pessoa foi criada à imagem e semelhança de Deus e que todos poderiam ter um
relacionamento direto com Deus precisando apenas ler a bíblia para saber como isso
deveria proceder.
47

A preocupação dos reformadores do ponto de vista da responsabilidade


social da igreja também era cuidar dos pobres e marginalizados. Foram implantadas
organizações para cuidar dos órfãos e viúvas que vieram refugiados de outras nações para a
Suíça. Na área familiar, foi criado um tipo de tribunal do cidadão para lidar com as crises
familiares nos bairros da cidade. A reforma protestante foi abrangente nas ações proféticas
e os protagonistas levantados por Deus como: Lutero, Calvino, John Wesley, George
Whitefied, dentre outros, conduziram o povo diretamente às importantes reformas e o
desenvolvimento de instituições que a nossa sociedade ocidental moderna considera como
algo comum.

Todavia, esferas importantes da sociedade receberam atenção especial como por


parte dos reformistas gerando ações, tais como: a) A abolição da escravatura: John Wesley
três dias antes de morrer escreveu ao jovem parlamentar cristão William Wilberfoce
impelindo-o a perseverar na sua luta contra a escravidão até que aquele mal fosse
completamente eliminado da Inglaterra. A luta de Wilberforce levou a abolição do
comércio escravo britânico em 1807; b) A abolição da escravidão industrial: Lord
Shaftesbury, um político cristão inglês, lutou pelos direitos dos trabalhadores das fábricas e
das minas, pela proteção das mulheres e crianças contra a exploração, por normas de
segurança, e pelo período máximo de dez horas de trabalho. Este “herói dos trabalhadores”
é homenageado até hoje na cidade de Londres por uma estátua na Piccadilly Circus; c) A
emancipação das mulheres: Ao reconhecer o papel de Wesley ao tratar homens e mulheres
como espiritualmente iguais, os historiadores socialistas Sidney e Beatrice Webb
apontaram o fundador Metodista como pioneiro na libertação feminina no século XVII; d)
Educação: O cristianismo tem uma longa história de promoção da educação. Reformadores
e educadores como John Knox (Século XVI, Escócia) e Jan Amos Comenius, “o pai da
Educação moderna” (Século XVII, Morávia, Inglaterra e Holanda); e eventualmente no
Novo Mundo onde as escolas da American Ivy League em Princeton, Harvard, Yale e
Uinion foram originalmente estabelecidas por cristãos para um ensino fundamental bíblico.
( STIER, 2009, p.143).
48

e) Orfanatos, instituições para deficientes mentais, hospitais e enfermarias e


reformas penitenciarias. Homens e mulheres tocados pelo avivamento e motivados pelo
amor a Deus viram a necessidade em muitas áreas relacionadas com a responsabilidade
social da igreja. Entre estes homens estavam George Muller e Thomas Barnardo, que
fundaram orfanatos para garotos de rua rejeitados pela sociedade, transformaram hospitais
de lugares infernais e de entretenimento para visitantes em lugares onde os pacientes
passaram a ser tratados com dignidade e respeito.

Estas esferas de atuação na reforma protestante sinalizaram a


necessidade de cristãos se envolverem na perspectiva da cooperação entre dons e
ministérios. Seja qual for a área de atuação da igreja na sociedade é significativo o processo
de mutualidade entre cristãos desenvolvendo seus dons e ministérios (diaconia) para servir
a sociedade e desta forma glorificar a Deus.

3.3 A ação social cristã no contexto urbano na cidade do Recanto das Emas

Destacarei neste contexto a ação social na perspectiva cristã a partir da


missão integral da igreja na cidade do Recanto das Emas. Por isso, inicialmente busquei
esclarecer a realidade sócio econômico e espiritual desta cidade, a fim de que, estejamos
familiarizados acerca do contexto em que as famílias recantenses estão inseridas atualmente
e como podemos intervir com a graça de Deus através de manifestações espirituais que
advêm do exercício dos dons espirituais e de serviços por meio da diaconia.

Partindo da seguinte premissa: a responsabilidade social da igreja não


como opção e sim como mandamento como igreja pode se envolver ativamente na
sociedade recantense e dar-lhe testemunho. Entendemos que este testemunho consiste em
boas obras; Mateus 5.16; Efésios 2.9-10 gerando esperança e amor de Deus na sociedade,
pois, sem o mesmo, nada do que se tem feito perdurará, porque o amor é o vínculo da
perfeição.
49

A missão integral é de natureza exclusiva da igreja, pois, é o corpo de


Cristo indo de encontro às demandas e necessidades sociais das comunidades carentes
através de uma ação social bíblica que vai exigir e requerer da vida cristã sinceridade na fé,
espírito voluntário, unidade, cooperação e mutualidade na perspectiva sinergética entre
dons espirituais e ministeriais. É isso que desejamos ressaltar neste contexto onde
membros do corpo de Cristo se unem e se interagem para servir as comunidades carentes
do Recanto das Emas com seus dons espirituais e talentos.

É importante ressaltar que a unidade do corpo de Cristo tem um


propósito explícito porque glorifica a Deus e mostra para o mundo quem é Deus, o Pai e
seu Filho Jesus Cristo. Pois, no evangelho de João no cap. 15.21 Jesus disse aos seus
discípulos: “a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também
sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste.”

O propósito de servir às comunidade recantense é demonstrar,


através do aperfeiçoamento da unidade no corpo de Cristo, o amor de Deus se manifestando
em ações práticas de cooperação mútua de forma integral nas comunidades carentes. Para
demonstrar esta manifestação de amor prático, reportamos para a defesa de elementos
espirituais que devem estar presente no meio evangélico como os dons espirituais e serviço
(diaconia) das quais enfatizasse as seguintes:

a) Implantação de reforço escolar para crianças carentes e com dificuldades de


aprendizagem na escola pública;

b) Implantação de escola de música para crianças carentes;

c) Implantação do banco de doações, ou seja, arrecadação de doações de todos os tipos:


roupas, calçados, móveis, eletro domésticos usados. Todas essas doações passariam por
uma triagem e seriam entregues para pessoas carentes. Porém, para a implantação de todas
essas ações é significativo a presença do corpo de Cristo em movimento e sinergia entre os
dons espirituais de serviço, misericórdia, contribuição e socorro através de ministérios
50

específicos amparando e assistindo as deficiências e necessidades das comunidades


carentes.

O servo Jesus Cristo se envolveu com as ações sociais da seguinte


forma: ensinando, pregando, curando, saciando a fome física e espiritual e desta forma
proporcionando dignidade aos necessitados. A cruz de Cristo é a chave para que este palco
de injustiça na contemporaneidade seja alterado através da proclamação do reino de Deus
que liberta e resgata o homem do império das trevas e transporta-o para o reino de Deus.

Porém, é necessário entendermos que ação social vai além de


assistencialismo e paternalismo, pois, elas não promovem transformações e nem
desenvolvimento espiritual, social, educacional, moral, emocional, econômico e político.
Porque criam uma dependência e negam à sociedade sua condição de cidadania.

O trabalho participativo é a melhor maneira de evitarmos o paternalismo:


“Fazer por uma pessoa tudo aquilo que ela poderia fazer por ela mesma”.
No nosso país, temos uma tradição de paternalismo muito arraigada nas
relações sociais. Nas igrejas não é diferente. Há uma tendência em sermos
extremamente paternalista. (CUNHA, 2009,p. 111).

Para que a ação social cristã seja uma realidade de transformação na


comunidade recantense não adiantam somente boas estruturas e instituições organizadas
com suas ações paternalistas, mas é necessário que a comunidade compreenda a
paternidade que pode responder às necessidades e expectativas dos filhos. É preciso contar
com cristãos voluntários e dispostos a colocarem os dons espirituais à disposição de Deus
na perspectiva sinergética da interação e integração entre o corpo de Cristo com seus
talentos e dons espirituais na perspectiva de ministérios específicos que tenham
responsabilidades e ética cristã pautada em compromisso com as comunidades imprimindo
um padrão moral em todas as esferas da sociedade, a fim de que o cenário contemporâneo
51

de miséria, pobreza extrema, opressão e de conflitos espirituais na sociedade seja redimido


em Cristo Jesus. Portanto, para uma maior compreensão do que seja o papel da ética cristã
na sociedade, estaremos explanando no próximo capítulo o conceito de ética cristã e sua
aplicabilidade na missão integral.
52

4 A SINERGIA ENTRE CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS E DONS


ESPIRITUAIS E A MISSÃO DIACONAL NA DINÂMICA DA ÉTICA CRISTÃ
COMO MISSÃO DA IGREJA NO CONTEXTO URBANO DO RECANTO DAS
EMAS

A nossa proposta com este capítulo é estudar, do ponto de vista da ética


cristã, quais são as responsabilidades da Igreja em realizar a missão integral sabendo que as
Sagradas Escrituras é o manual ético para todo o cristão e, sem sombra de dúvidas, para
toda a humanidade.

4.1. Introdução à ética

O termo ética deriva do grego ethos que significa: caráter, modo de ser
e de viver de uma pessoa ou grupo. O conceito de ética se apresenta como um conjunto de
valores e princípios que norteiam a conduta do homem na sociedade ou em um grupo. É
construída por uma sociedade com base nos valores históricos e culturais através de
intervenções no mundo em sua volta por meio de relações justas e aceitáveis
fundamentadas nas idéias do bem e da virtude.

Todavia, a ética do ponto de vista do Cristianismo deve ter como


ponto de partida a compreensão, a interpretação e a luz que a mensagem de Cristo traz
sobre toda a Bíblia como núcleo da moral cristã. A lei, os mandamentos, os profetas, o
ensino de Jesus, a doutrina dos apóstolos, a tradição e os costumes são fundamentos das
Escrituras Sagradas onde encontramos a verdade, autoridade e padrão ético de todos os
tempos, ou seja, Jesus Cristo o novo Adão, padrão para uma nova humanidade.
53

As normas propostas pela ética cristã pressupõem a regeneração


espiritual do homem e a assistência do Espírito Santo para andar na presença de Deus.

Partindo desta perspectiva, alguns fatores da vida humana sofrem


transformações como: a relação social, segundo a epístola do apóstolo Paulo aos Romanos
no Cap. 13:8-10, que nos move para pagar dívidas e honrar os empréstimos, a autoridade
familiar, marido, esposa, pais, mais velhos, segundo a epístola de Paulo aos Efésios Cap.
5:13-18, apresenta-se como comportamento ético e modo de proceder com justiça,
esperança, alegria.

4.2 A dinâmica da ética cristã para a missão integral

O panorama histórico me leva a uma reflexão sobre a dinâmica da


ética cristã a partir do século XVI com dois grandes desafios: o primeiro, o dos novos
modos e possibilidades de conhecimento (em particular o das ciências naturais); e,
segundo, diz respeito aos valores fundamentais da vida que só podiam ser determinados
pela razão, ou seja, tudo que o cristianismo afirmava sobre Deus e a vida humana era
inverificável e, portanto duvidoso.

No século XVIII, devido à ética cristã, ocorreu uma acomodação e


preferência às questões morais e intelectuais das classes superiores em detrimento da
Revolução Industrial em que as classes dominantes enfatizaram o sistema político e
econômico e conseqüentemente desrespeitavam a dignidade humana em busca de lucros
cada vez maiores. Quanto aos séculos XIX e XX, ao utilizarem a mesma ética, os cristãos
foram fecundos em realizações e teorias as mais diversas e em todos os setores da vida
humana. Mas seu resultado, em termos de progresso moral da sociedade humana, foi
ambivalente e contraditório. Tudo isso sugere que o ser humano é muito mais capaz de
analisar, conceber e fazer funcionar sistemas mecânicos e físicos do que de lidar com
realidades sociais e espirituais.
54

Hoje, nosso conhecimento do mundo natural é imenso e continua


crescendo, mas a possibilidade de destruirmos o nosso planeta é mais real do que nunca,
porém, a nossa trajetória cristã é certa, mas daqueles que desobedecem o chamado do
evangelho é incerta! Por isso o desafio que o mundo moderno lança à fé e à vida cristã é
contundente e incontornável. Importa recuperar a noção de que somos, antes de tudo,
agentes, atores, protagonistas e dependentes de Deus.

Então fica evidente que a ética cristã pressupõe certo equilíbrio entre
razão, fé e uma liturgia prática da vida cristã. Daí pode-se dizer que a fé cristã é
fundamentalmente engajamento ético; não no sentido de abraçar uma regra de conduta
particular, mas de entrar no processo de uma nova vida onde reina a vontade de Deus.

“Entrar no Reino de Deus é aceitar participar da ação de Deus no


universo. Por isso, que o verdadeiro contexto da ética cristã, longe de ser
um código de regulamentos morais, é a comunhão da ceia eucarística. É
no partir do pão e na benção do cálice que a comunidade cristã afirma o
paradoxo da morte e da nova vida. É nesse ato que ela manifesta o perdão
definitivo de Deus e a caminhada da nova vida rumo às suas infinitas
possibilidades”. ( KEELING ,2002, p.194)

Portanto, se entrar no Reino de Deus é aceitar a participação da ação de Deus no universo,


ou seja, é encarnar o evangelho para vivenciar e buscar uma visão de ética cristã na
perspectiva das Sagradas Escrituras para uma missão integral da Igreja que expresse na
atual conjuntura da pós modernidade uma nova vida cristã pautada na comunhão e sobre
tudo na misericórdia ( Miquéias 6.8).
55

4.3 A dinâmica da ética cristã no contexto urbano no Recanto das Emas

A partir de observações participativas na quadra 803 da cidade do


Recanto das Emas detectamos alguns aspectos contextuais da realidade urbana como:
violência, desestrutura familiar, a vulnerabilidade dos jovens e falta de perspectiva
profissional.

Estes aspectos começam a ganhar destaque na dinâmica social


contemporânea em função da sua relevância e a busca de uma saída para minimizar este
contexto. Por isso, estes quatro aspectos da ética cristã precisam ganhar proeminência na
missão da igreja visando à integração entre dons ministeriais (Efésios 4.11) com o fim
proveitoso de edificar o corpo de Cristo para o serviço (Efésios 4.12) nesta comunidade
vulnerável e carente pelo fato de não existir uma cosmovisão bíblica acerca das normas,
princípios e valores do reino de Deus.

A missão integral da Igreja ganha relevância e funciona de forma


prática quando os atores de transformação, ou seja, os cristãos que se inspiram em Jesus
Cristo como base da visão, da força e da motivação de uma ética cristã que busca mudar a
dimensão social de vulnerabilidade da comunidade.

A Bíblia é bem clara quanto ao propósito de Deus para os cristãos na


terra. Não estamos aqui basicamente para ganhar a vida ou para conseguir uma segurança
material para nós mesmos e para as nossas famílias, embora ambos sejam motivos
legítimos. Todavia, o objetivo premente do cristão é cumprir a grande comissão de nosso
Senhor Jesus Cristo: “fazer discípulos e ensinar-lhes” acerca dos valores e princípios do
reino de Deus, a fim de preservar as nações da decadência moral e espiritual.

A comunidade recantense traz no seu histórico um contexto de


violência. A definição de violência usada no relatório da OMS é: “Uso intencional de força
56

física ou poder, real ou em ameaça contra a si próprio, contra outra pessoa, ou contra um
grupo ou comunidade que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano
psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”. ( MOURA, 2008, p. 69).

Diante desta definição é necessário refletirmos de forma mais profunda


sobre a nossa teologia e missiologia, pois, partindo do pressuposto que a igreja é a agência
de transformação histórica nas comunidades carentes, precisamos reavaliar a nossa
ortodoxia e ortopráxia, a fim de buscarmos uma ponte de contextualização que facilite a
transposição de uma para outra sem prejudicar a essência do evangelho.

A missão da igreja de forma integral na comunidade recantense na


perspectiva da ética cristã é ascender nas comunidades espaço de construção coletiva que
incluem iniciativas governamentais, educacionais, jurídicas e da sociedade civil organizada.

A OMS declara que, em todo o mundo, a violência vem se


consolidando como um dos mais graves problemas sociais
e de saúde pública. Em seu Relatório Mundial sobre Violência
e Saúde, a organização registra que mais de 1,6 milhões de
pessoas morrem vítimas de violência auto-infligida ou
coletiva por ano. ( MOURA, 2008, p. 121)

Partindo do pressuposto que a temática “violência”, necessita de


outros segmentos da sociedade como políticas públicas de segurança, ações concretas das
instituições educacionais, acompanhamento técnico-jurídico, o envolvimento da sociedade
civil organizada e o aconselhamento cristão que são precípuas para minimizar os seus
efeitos sociais na cidade do Recanto das Emas encontramos na sinergia dos dons espirituais
e diaconia a multiforme graça de Deus para atuar concomitantemente com todos os outros
segmentos da sociedade. Portanto, o primeiro aspecto desta sinergia é a vida de oração do
crente que sinalize ações proféticas através de atitudes concretas na sociedade recantense
57

por meio de ministérios ou serviços que gere realmente transformações para minimizar a
violência e a degeneração moral e espiritual na cidade.

A realidade política do Distrito Federal não é diferente do resto do país,


ou seja, os governantes brasilienses dependem da graça de Deus para governar e da igreja
de Jesus Cristo para interceder e proclamar a mensagem profética do evangelho de Cristo.

Todavia, os movimentos de oração em prol de todos os homens e


governantes conforme a ordenança das Sagradas Escrituras na carta pastoral do apóstolo
Paulo a Timóteo (I Tm 2.1-4) exige de nós uma disposição sinergética de unidade
denominacional do corpo de Cristo (Ef 4.10-111).

O segundo aspecto observado na quadra 803 dos conjuntos 15 a 30 do


Recanto das Emas na perspectiva da ética cristã e que reflete em parte a cultura da cidade, a
desestrutura familiar e as conseqüências sociais que se apresentam nas estatísticas sobre
casais separados. Por isso, a missão da igreja deve compor ações onde a sinergia entre o
dom de misericórdia e o ministério de aconselhamento cristão somem esforços em prol da
estruturação de famílias que se encontram em situações vulneráveis.

A vulnerabilidade é uma situação em que estão presentes três


componentes: exposição ao risco, incapacidade de reação e dificuldade de
adaptação diante da materialização do risco em vários aspectos do ponto
de vista social e espiritual. (Moura, 2008. p. 45)

Terceiro aspecto da ética cristã encontrada através da observação


participativa é a juventude recantense e os problemas enfrentados na cidade, tendo em vista
a cultura da prostituição, drogas e a formação de gangues. Entretanto, a missão da igreja é
fundamental para minimizar e reestruturar a juventude recantense através da mobilização
das comunidades evangélicas do Recanto das Emas por meio da sinergia entre o ministério
pastoral e o dom de socorro, a fim de amparar os jovens carentes e em estado de
vulnerabilidade no Recanto das Emas.
58

5 A SINERGIA ENTRE CORPO DE CRISTO COM SEUS TALENTOS , DONS


ESPIRITUAIS E A MISSÃO DIACONAL COMO UMA PERSPECTIVA
MISSIONÁRIA INTEGRAL DA IGREJA NO CONTEXTO URBANO DO
REACANTO DAS EMAS

Neste capítulo pretende-se desenvolver o conceito de Missio Dei que


me parece ser uma expressão nova no meio evangélico do século XXI e pouco difundida
nos púlpitos das igrejas. Todavia, no meio teológico e principalmente missiológico o
assunto começa a fazer parte do contexto da igreja a partir do congresso mundial de
missões em Lausanne em 1974 onde líderes e pastores de várias denominações e países
foram impactados com a proposta do evangelho integral, ou seja, o evangelho todo para o
homem todo.

O congresso culminou com um pacto onde todos os líderes se


comprometeram a difundir nos seus púlpitos a mais nova concepção de integralidade
missiológica onde aparece o evangelismo interagindo com a ação social, ou seja, associação
do evangelismo e ação social.

Portanto, a proposta é conceituar o que seja missão integral e,


principalmente, onde e como esta missão pode atuar diante da realidade social do século
XXI. O intuito é enfatizar e ressaltar as ações concretas através da missio dei e da missão
integral na comunidade carente do Recanto das Emas.

Para isso, o meio é a busca intensa na Palavra de Deus como bússula


para nortear a comunidade recantense e construir os valores e os princípios do reino de
Deus enfrentando a pluralidade cultural, religiosa e filosófica corrente nestas comunidades.
Por isso as intervenções da igreja por meio da missão integral precisam ser do tipo 360
59

graus, ou seja, o emponderamento espiritual e social com perspectiva de ascensão a


democracia viva que fomenta os valores do reino de Deus.

5.1 Introdução a Missio Dei

É preciso memorizar que a igreja não possui uma missão que seja
estritamente sua, ou seja, a missão da igreja é derivada da Missio Dei. Esse conceito ligado
à missão da Igreja é derivado da própria natureza de Deus.

A doutrina clássica da Missio Dei como Deus, o Pai, enviando o Filho, e


Deus, o Pai e o Filho, enviando o Espírito foi expandida no sentido de
incluir ainda outro movimento: Pai, Filho e Espírito Santo enviando a
igreja para dentro do mundo... Nossa missão não tem vida própria: só nas
mãos do Deus que envia pode-se denominá-la verdadeiramente de missão,
mormente porque a iniciativa missionária provém de Deus. (VICEDOM,
1996, p. 44).

Existe o perigo de a igreja tornar-se o ponto de partida da missão, seu


objetivo, seu sujeito. No entanto, com base na Escritura ela não é isso. Pois, o atuante
sempre é o próprio Deus triúno, que incorpora seus crentes em seu reino. Também a Igreja
é apenas um instrumento na mão de Deus. Ela própria é o resultado da atividade do Deus
que envia e salva. Para descrever esse fato, a conferência de Willingem adotou o conceito
de missio Dei.

A missão não é somente obdiência a uma palavra do Senhor, não é apenas


o compromisso de congregar a comunidade; ela é participação na missão
do Filho, na missio Dei, com o abrangente objetivo do estabelecimento do
senhorio de Cristo sobre toda a criação redimida. ( HARTENSTEIN,
1952, p.54)

Assim não há dúvida que a missão da Igreja, na verdade é o


cumprimento de parte da missão de Deus, abarca algo muito mais amplo e diverso que a
segmentação em termos de salvação de almas ou transformações sociais. Refere-se a toda a
ação de Deus em todas as esferas naturais e sobrenaturais.
60

Missão ocorre onde a igreja, no seu desenvolvimento total com o mundo e


com a compreensividade da sua mensagem, dá testemunho por palavra e
ação na forma de um servo, com referência à descrença, exploração,
discriminação e violência, mas também com referência à salvação, cura,
libertação, reconciliação e retidão. (CARRIKER, 1992, p.106).

A criação do mundo partiu da iniciativa e da exclusiva vontade de


Deus, mas também porque Deus se alegra nele e cuida de todas as suas criaturas. Toda a
criação, até mesmo a vida não humana, serve e glorifica a Deus (Sl 19.1-6; Is 40.22-31).

Deus se deleita com a criação e dela cuida independentemente da sua


importância para os seres humanos (Jó 38.33-41; Sl 104.10-13). Isso significa que a
preocupação com o meio ambiente por causa do bem estar futuro da humanidade não é
radical o suficiente. É aquém da perspectiva bíblica, que procura na ecologia não apenas a
sobrevivência da humanidade, mas louvor e a glória devida a Deus.

Cumprir com a missão significa agir no sentido de restaurar o que foi


ferido, maculado pelo pecado, Lou seja, implica na atuação dos representantes do Reino de
Deus (a Igreja) em todas as áreas da existência. Diz respeito às relações interpessoais,
culturais, afetivas, emocionais, sociais, econômicas, humanas, institucionais, trabalho e
ecologia.

Todavia, é um processo longo e trabalhoso, mas não impossível, pois,


implica em mudanças de comportamento e paradigmas, ou seja, é necessário uma reforma
no sentindo de restaurar o que foi manchado pelo pecado. Talvez o inimigo temesse tanto
que outra reforma acontecesse em Genebra que ele tomou todas as precauções necessárias
para conter o avivamento do Século XIX trazendo os do iluminismo. Sob esta influência, a
igreja do avivamento acreditou que não tinha muito a dizer sobre governo, pobreza ou
61

injustiça. A igreja se recolheu, deixando o caminho livre para que outros discipulassem as
nações.

Somando-se a isso, um novo ensino surgia na igreja que dizia que um


arrebatamento estava para acontecer a qualquer momento então era melhor você estar
preparado e também tentar salvar o máximo de almas possíveis. Esses são bons ensinos,
mas se forem isolados podem levar os cristãos a não se preocuparem com os assuntos da
nação. Os cristãos daquela época começaram a se retirar das universidades, da vida política
e especialmente da mídia. Anos mais tarde eles ficaram surpresos ao perceber que todos
esses lugares foram tomados por pagãos.

A Genebra de João Calvino continuou com a unção de ensinar as


nações. No início do século XX, um jovem revolucionário chegou à cidade para estudar.Ele
passou dois anos estudando e escrevendo na biblioteca da Universidade de Genebra. A
maior parte do planejamento e preparação para a revolução que ele tinha em mente
aconteceu ali. Neste processo, o jovem pegou o manto de ensinar as nações, seu nome era
Wladimir Llyich Lenin. Até o ano de 1989, suas ideias, conhecidas como sistema Marxista-
Leninista, estavam sendo ensinadas para 80% da população mundial. (STIER, Jim, PORR,
Richlyn e ORVIS, Lisa. Op.Cit).

As ideias que foram desenvolvidas por Lenin foram adotadas por


algumas nações no que diz respeito ao sistema de ensino, economia, exército e política,
tendo em vista que nenhum outro modelo era tão atraente naquele momento, porém,
entendemos que no decorrer da história esta ideologia realmente fracassou. Portanto, seja
qual for a ordem sociopolítica, ideológica e filosófica na contemporaneidade o que
realmente vai revolucionar e reconstruir é, a expressão do evangelho com seus valores e
princípios do reino de Deus para o discipulado de nações.

Portanto, a Missio Dei, ou seja, a missão de Deus na terra não se


restringe apenas nas ações evangelísticas de salvação da alma do ser humano, mas vai, além
disso, pois, o legado da Reforma Protestante em Genebra aponta para um tempo especial da
62

igreja e olha para história com o objetivo de discipular nações que está intimamente ligado
à missão de Deus move servos (as) para cumprimento dos desígnios da sua palavra.

As nações de hoje estão à procura de respostas. E mais do que isso, é


um mandamento de Jesus Cristo e o chamado da Igreja ensinar às nações. Por isso, gostaria
de trazer alguns fatos históricos do legado em Genebra durante o século XVI sobre o ensino
ou discipulado das nações.

a) A igreja reagiu ao vazio moral e espiritual da época com a pregação do evangelho para a
salvação individual por toda uma geração. Isso foi acompanhado com ensinamentos sobre
como os convertidos deveriam viver a fé cristã na prática em todos os aspectos da
sociedade.

b) A igreja era profundamente comprometida com os pobres e necessitados, cuidando das


necessidades físicas imediatas e capacitando os pobres para terem uma vida digna e auto-
suficiente.

c) A igreja orava e estudava as Escrituras em busca das verdades bíblicas que pudessem
transformar todas as esferas da sociedade, e era proativa em trazer esses ensinamentos e
prestação de contas moral para os líderes de cada esfera.

d) A igreja não se escondia dentro de seus templos, mas era uma presença forte por toda a
cidade.

Portanto, que realmente possamos aprender que a missão de Deus na


terra é proativa em todas as áreas da vida humana através da igreja que deve apresentar uma
alternativa bíblica atraente e inteligente para as nações.

5.2 A perspectiva da missão integral da igreja


A expressão missão integral foi gerada principalmente no seio da
Fraternidade Teológica Latino-Americana há mais ou menos duas décadas. Ela foi, na
63

realidade, uma tentativa de destacar a importância de conceber a missão da igreja dentro de


um marco de referência teológico mais bíblico que o tradicional, ou seja, o que se havia
instalado nos círculos evangélicos, especialmente por influência do movimento missionário
moderno.

A raiz da Missão Integral é o próprio Jesus Cristo, pois, ele pregou,


assistiu e amparou homens e mulheres durante seu ministério na suas necessidades físicas
realizando milagres, curando as emoções das pessoas e de forma fundamental e essencial
salvando as pessoas da ira vindoura do Pai, quando as mesmas depositam sua fé em Cristo,
pois, sem fé é impossível agradar a Deus. Porém, a missão continua em obediência a
Palavra de Deus em Mateus 28.16-20, onde Cristo ordena: ide e fazei discípulos, portanto a
missão integral ganha força e expressividade quando se encarna o evangelho de Cristo.

A missão integral é a tarefa e ao mesmo tempo a essência de ser igreja,


que busca incessantemente proclamar o evangelho da graça ao homem em estado de
pecado, mas que necessita reencontrar-se com Deus por meio do evangelho de Jesus Cristo
que é a justiça de Deus. Todavia, esta não é responsabilidade de um pequeno grupo que se
sente chamado para a missão seja ela urbana ou transcultural, ou seja, todos os membros da
igreja, sem exceção, devem ser integrados, pois recebem dons e ministérios para o exercício
de seu sacerdócio universal.

Infelizmente em alguns círculos evangélicos principalmente se no meio


Neo-pentecostal a expressão missão integral é reduzida pelos líderes espirituais a uma
tarefa de evangelização no sentido de levar a alma do pecador para o céu e mantê-las dentro
da igreja o que não é errado, porém a realidade espiritual da missio dei abrange esferas
espirituais e sociais. Todavia, muitos líderes com o discurso de proteger o rebanho do
mundo, se enveredam por meio de mensagens antropocêntrica, buscando tirar proveito
político e financeiro da massa evangélica.
64

Entretanto, o entendimento acerca de missão integral vai, além disso,


ou seja, seu alcance é abrangente e sua ação é holística. Pois, cada geração de cristãos em
todos os lugares recebe o poder do Espírito que torna possível o testemunho do evangelho
“tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (At 1.8), e
onde quer que esteja o crente, ele é chamado e convocado a participar na missão de Deus
que tem um alcance não somente geográfico, mas espiritual, comunitário, cultural, social e
político.

O compromisso com a missão está na própria essência de ser igreja; portanto,


a igreja que não se compromete com a missão de testificar acerca de Jesus
Cristo, para assim cruzar a fronteira entre o que é fé e o que não é, deixa de
ser igreja e se transforma em um clube religioso, um mero grupo de amigos
ou uma agência de bem-estar social. (PADILLA, 2009, p. 34)

Quando a igreja se compromete com a missão integral e se propõe


comunicar o evangelho mediante tudo o que é, faz e diz, ela entende que seu propósito não
é chegar a ser grande numericamente,ou rica materialmente, ou poderosa politicamente.Seu
propósito é encarnar os valores do reino de Deus e testificar do amor e da justiça revelados
em Jesus Cristo, no poder do Espírito, em função da transformação da vida humana em
todas as suas dimensões, tanto em âmbito pessoal como em âmbito comunitário.

O cumprimento deste propósito pressupõe que os membros da igreja,


sem exceção, simplesmente por haverem sido integrados ao Corpo de Cristo, recebam dons
e ministérios para o exercício de seu sacerdócio, ao qual foram ordenados mediante o
batismo. A missão não é responsabilidade e privilégio de um pequeno grupo de fiéis que se
sentem chamados ao campo missionário (geralmente no exterior), mas sim de todos os
membros, já que todos são membros do sacerdócio real e, como tais, foram chamados por
Deus a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz ( I Pe 2.9) onde quer que se encontrem.
65

Lemos em Gênesis que, ao criar o homem, Deus lhe diz para cultivar o
solo e o guardar (Gn 2.15). Essa passagem é o exemplo daquilo que alguns denominam de
mandato cultural. Como sacerdotes de Deus, temos a obrigação de ser diligentes com a
Criação divina, cultivando-a e guardando-a. Ao nos fazer a sua imagem e semelhança Deus
nos deu capacidade criativa e disto decorre nossa responsabilidade diante da criação, ou
seja, uma postura de “soberania” amorosa e cuidadosa, refletindo a soberania de Deus (Gn
1.26-28).

Por intermédio deste Mandato Cultural somos levados a compreender o


Evangelho de forma holística, integral. “Cultivar e guardar” implica numa vida responsável
com toda a criação, não somente a reconciliação do ser humano e da natureza com Deus,
mas também o desejo de que o Reino de Deus se faça presente em todas as esferas da vida
humana da forma mais imediata possível.

Todavia, o homem não foi criado apenas para administrar aos deuses, ou
seja, uma administração “espiritual”, como nas várias mitologias antigas, mas foi criado
para civilizar ou ordenar a criação através de uma administração secular (Sl 8.5,6).

Na teologia, refere-se a essa administração humana sobre a criação como


mandato cultural. O missiólogo Timóteo Carriker ilustra essa relação da seguinte forma:

O homem é a única criatura que Deus fez cujo ser não está em si mesmo,
e que por si mesmo não é nada. A canicidade do cão está no cão, mas a
humanidade do homem não está no homem. Está na sua relação com
Deus. O homem é homem porque reflete Deus, e somente quando ele
assim o faz. (CARRIKER, 2001, p.29)

Portanto, ser criado à imagem e semelhança de Deus é estar em relação


responsável com a terra e com toda forma de vida. Pois, em (Gn 1.28) esclarece o que
significa a função que Deus deu ao homem dominar a criação.
66

A imagem de Deus no homem abrange três áreas de responsabilidade e


administração: sua experiência social e familiar: multiplicar, encher, dar nome , sua
experiência econômica e ecológica: sujeitar, cuiltivar, guardar, e o governo ou área política
dominar, dar nome.

Esses mandamentos ( Gn 1.28; 2.15, 18-25) marcam o início de uma


série de obrigações; o mandato para a família, para a comunidade, para a lei e a ordem
pública, para a cultura e civilização que se alarga e se aprofunda ao longo do
desdobramento da revelação divina. Isto, é tarefa comum de todo cristão e portanto, não
existe área proibida, o que deve existir é a responsabilidade de mordomo de Deus para
assegurar a permanência e o equilíbrio da criação.

5.3. A perspectiva missionária da igreja no contexto urbano do Recanto das Emas

O fato de termos muitas igrejas na cidade do Recanto das Emas não


pressupõem mudanças espirituais e muito menos sociais, pois, os fatores que podem gerar
mudanças não são realmente a quantidade numérica de cristãos, mas a postura e o
compromisso com o Reino de Deus e a implantação de seus valores e princípios na
comunidade.

Atualmente, a dimensão missionária da igreja na cidade do Recanto das


Emas é o retrato da missão tradicional, ou seja, plantar igrejas, evangelizar, salvar vidas e
mantê-las no arraial das suas respectivas denominações instaladas na cidade.

Entendemos através do capítulo sobre missão integral que a missão da


igreja é abrangente e dinâmica e que nos dias atuais não nos permite mais ficarmos parados
no tempo e no espaço é preciso avançar e influenciar a sociedade com os valores e
princípios do reino de Deus. “A igreja que não se compromete com a missão de testificar
acerca de Jesus Cristo, para assim cruzar a fronteira entre o que é fé e o que não é, deixa de
ser igreja.” (PADILHA, 2009, p.16)
67

É extremamente significativo ver a igreja avançando no serviço e nas


mais variadas formas de ações proativas que permita apoiar as comunidades vulneráveis,
porém, estes aspectos devem ser articulados através de uma proposta missionária de caráter
integral e que seja favorável a realidade do grupo que se propõem a fazê-lo de maneira
cooperadora e integradora. Entretanto, tenho percebido na cidade do Recanto das Emas
algumas ações isoladas, ou seja, individualizadas, nominalistas e exclusivistas que de certa
forma é o reflexo de uma igreja que ainda anda na contra mão da Missio Dei.

Os dons espirituais são necessários para que os ministérios locais sejam de: ação
social, missões, evangelismo, louvor, departamento infantil dentre outros se desenvolvam
na perspectiva ministerial. Por isso, é fundamental que os crentes busquem os melhores
dons espirituais (I Coríntios 14.1-4), ou seja, não no sentido de encontrar, mas no sentido
de exercitar, pois, quando somos batizados no Espírito Santo os dons são entregues para
serem exercitados em prol de serviços ao próximo e não a nós mesmos.

Estes serviços em prol da sociedade são sinais da disposição do crente


após a sua conversão que se tornam visíveis através de ações ministeriais proativas em
favor da comunidade recantense.

Você não é um acidente; foi planejado antes da fundação do mundo, para


ser você mesmo (Ef 1.4). Você deveria usar aquilo que recebeu. Aceite
que é este o plano de Deus e não corra atrás de algo que você não tem;
não tente ser algo que não tenha condições de ser. Mas diga: “Deus, se é
isto que seu sou, então percebo que é a tua vontade. Percebo dignidade
nisto e serei servo em Teu nome (KNIGHIT, 1994, p.16)

Partindo deste argumento nota-se que os cristãos foram chamados para


a responsabilidade de servir as comunidades com ações que refletirão os aspectos de sua
filiação em Cristo. O testemunho cristão transcende a pregação. É preciso vivê-lo. E essa
vida se dá no dia a dia do mundo. Desde pequenas atitudes como não jogar papel no chão
até grandes imperativos éticos que remetem a honestidade e a promoção de justiça. Nossas
ações devem ter sempre em mente o Cultivar e o Guardar da Criação.
68

A cooperação e a unidade ministerial entre os dons espirituais e a


diaconia funcionam como andaimes, permitindo que o edifício da igreja cresça naquele
contexto comunitário e a luz do evangelho brilhe através de ações integrais e interativas que
surtem mudanças significativas na comunidade.

Em se tratando de comunidade recantense, entendemos após a nossa


observação participativa de campo na quadra 803, que esta comunidade necessita mais do
que algumas intervenções governamentais e institucionais e possíveis ações
denominacionais isoladas de assistencialismo. Na realidade a demanda nos aponta para uma
intervenção mais complexa e concreta que necessitaria de unidade ministerial e
institucional para emponderamento desta comunidade por meio do evangelho.

Por isso, a igreja deve romper com o exclusivismo denominacional e


partir para a unidade do corpo de Cristo, a fim de reeditar uma missão que abrange todas as
esferas vitais da vida cotidiana do recantense, utilizando-se dos dons ministeriais de
profeta, apóstolo, mestre, evangelista e pastor, tendo em vista que estes dons são entregues
ao corpo de Cristo com um fim proveitoso, ou seja, a capacitação dos santos que
obviamente, estes dons ministeriais fazem parte do processo de preparação do corpo de
Cristo, a fim de expandir o Reino de Deus na terra.

Proclamar a mensagem de salvação é a vertente principal, mas não se


resume nisto, pois, na mensagem do evangelho vidas também são reeducadas e se
reencontram com o Criador para transformarem suas respectivas comunidades num local
de paz, justiça e alegria, pois, estes são os aspectos precípuos do reino de Deus que devem
ser vistos nas comunidades carentes e vulneráveis. Portanto, as dimensões missionárias da
igreja no contexto urbano do Recanto das Emas pressupõem transformações em todas as
esferas desta comunidade a partir do engajamento do corpo de Cristo, realizando suas
funções e atribuições por intermédio dos dons espirituais, a fim de experimentar a boa,
perfeita e vontade de Deus para a vida da cidade.
69

É pensando na boa e perfeita vontade de Deus para a comunidade recantense que


vou me dedicar neste momento a explanar algumas experiências válidas e que deram
resultados em outras localidades do Brasil e creio que possam ser implantadas na
comunidade recantense

Eles escolheram juntos suas áreas de especialização quando ainda


estudantes, a fim de darem apoio uns aos outros e oferecerem um serviço médico o mais
amplo possível. O projeto definiu-se antes mesmo de formarem- se , quando compraram
um hospital em Córrego de Ouro, no sudeste de Goiás, em 1975.

Os primeiros estudantes que se formaram estabeleceram residência na


cidade, enquanto os outros iam ajudar durante o período de férias. Essa pequena equipe
forneceu o primeiro serviço médico permanente na cidade. Além disso, iniciaram uma
igreja, que hoje tem aproximadamente 50 pessoas freqüentando regularmente os trabalhos.

Essas e outras experiências missionárias demonstram que a sinergia é


um fato permanente nestes projetos realizando aquilo que ela representa: cooperação,
integração e, principalmente, interação entre o corpo de Cristo com seus talentos, dons
espirituais e seus respectivos ministérios. Portanto, é incrível que tenhamos chegado ao
extremo de colocar a evangelização e a ação social em oposição, como se mutuamente se
excluíssem. Ambas devem ser expressões de amor ao próximo.

Quem é meu próximo, a quem devo amar? Não é um corpo sem alma,
nem uma alma descarnada, nem um indivíduo solitário alienado de um contexto social.
Deus o criou como uma unidade integral e físico espiritual, que vive em comunidade. E não
posso dizer que amo a meu próximo se estou interessado somente em um aspecto da sua
pessoa, quer seja a alma, quer seja o seu corpo ou sua posição na comunidade.
70

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Construir uma dissertação acerca de um assunto pouco difundido nos


seminários teológicos e, por extensão, nas escolas bíblicas dominicais foi um grande
desafio, pois, o tema proposto “A sinergia entre Corpo de Cristo com seus talentos, dons
espirituais e diaconia para uma missão integral da igreja no contexto urbano do Recanto das
Emas” me fez enxergar o quanto este assunto é relevante para os dias atuais, tendo em vista
os desafios contemporâneos que a igreja tem enfrentado no século XXI como: o
nominalismo, o individualismo, a impessoalidade e o hedonismo.

Chegou se ao entendimento que para combater estes desafios


necessitasse voltar para a doutrina dos apóstolos e ao evangelho de Cristo de forma que se
encarne na vida dos crentes.

Descobriu-se que através de ferramentas utilizadas para esta dissertação


como: as pesquisas bibliográficas do ponto de vista bíblico, histórico eclesiástico e
especialmente a pesquisa observativa na perspectiva biopsicossocial realizada na quadra
803 da cidade do Recanto das Emas que a capacitação acerca de elementos espirituais como
dons espirituais, vocação e diaconia são fundamentais para o crescimento espiritual dos
crentes, para edificação da igreja e concomitantemente para a transformação histórica das
comunidades carentes do Recanto das Emas como tarefa integral do corpo de Cristo.

Por isso a nossa defesa de que a igreja para cumprir seu chamado deve
estar suscetível à sinergia, ou seja, a cooperação do corpo de Cristo, a integração e
interação do corpo de Cristo para um bem comum em prol das comunidades carentes
servindo ao próximo com as ações evangelísticas e diaconais que são elementos espirituais
outorgados pelo Espírito Santo.

Por conta desta capacitação divina através dos dons espirituais na vida do
crente descobrimos que a diaconia, ou seja, o ato de serviço deve amalgamar aos dons
espirituais para que o propósito de Deus se cumpra nas comunidades carentes do Recanto
71

das Emas de forma prática por meio da missão integral que tem na sua essência a obra
encarnada de Cristo demonstrada nos evangelhos.

A pesquisa não ficou restrita ao aspecto do conhecimento sobre a


sinergia entre dons e diaconia, mas avançou sobre a proposta de apontar as dimensões por
onde a igreja pode atuar na perspectiva da missão integral. As dimensões abordadas são
consideradas pertinentes para o cumprimento da tarefa da igreja que é genuinamente
missionária. Não disponibilizou-se os assuntos em ordem de importância, mas em
disposição aleatória, tendo em vista que o que vale é a fundamentação de cada elemento e
como a igreja se interage através dos dons e diaconia dentro de cada esfera sócio espiritual.

Na dimensão profética o destaque está na característica de uma igreja


que se move e age em favor de uma ação profética, ou seja, a materialização do mandato
divino por meio de ações concretas onde denominamos de implantação dos valores e
princípios do reino de Deus. Esta expansão se dá através de tarefas cumpridas que estão
reveladas aos servos (as) através das Sagradas Escrituras.

Na extensão da ação social cristã percebe que as mudanças globais ou a


globalização tem afetado a vida de todos os seres humanos e inclusive dos mais pobres.

Todavia, a resposta para as dificuldades sociais das comunidades


carentes não cabem somente aos governantes e a iniciativa privada, mas, principalmente, a
igreja que tem a resposta para a transformação de comunidades, ou seja, o evangelho, que
é a única maneira de reconciliar todas as coisas com o criador e emponderá-las para saírem
da condição de vulnerábilidade.

Na dinâmica da ética cristã, encontramos na cosmovisão bíblica o


padrão para que as comunidades carentes sejam estimuladas a converter seus pensamentos,
crendices e valores para a vontade de Deus. Todavia, descobrimos que é necessário um
conjunto de instituições, instruções e ações para que a realidade bíblica seja estabelecida.
72

Na perspectiva missionária encontramos a proposta prática do


evangelho que transforma comunidades vulneráveis através de uma ação completa dos
elementos espirituais como a vocação, os dons espirituais, a diaconia e a missão integral
por meio dos protagonistas que são servos e servas que se dedicam voluntariamente para
desenvolver ações missionárias, encarnando o Cristo em suas vidas e buscando em primeiro
lugar o interesse do próximo como marca indizível do cristão que deseja ser sal da terra e
luz do mundo.

Esta dissertação me fez refletir sobre a potencialidade que existe no


corpo de Cristo através da sinergia entre dons espirituais e diaconia quando a mesma é
canalizada para uma missão integral que definisse como uma ação missional, ou seja, uma
missão que encarna as obras de Cristo neste mundo que necessita de luzeiros e saleiros para
iluminar e temperar todos os espaços seja da razão, da ciência, da filosofia, da política e
principalmente da religião. Pois, o pecado maculou tanto o homem como toda a criação,
portanto é necessário que a missão caracterizada de integral consolide em Cristo a sua
identidade para interagir com ações proféticas de transformação na sociedade.
73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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apud SAPSEZIAN, A. O Humanismo Social de Calvino. São Paulo: Edições Oikoumene,
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Editora Ultimato, 1997.

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75

ANEXO - PRÉ PROJETO

1 INTRODUÇÃO

O tema de nossa dissertação: A sinergia entre dons espirituais e


diaconia para uma missão integral da igreja no contexto urbano na cidade do Recanto
das Emas é consideravelmente bíblico, relevante e fundamentalmente contextualizada .

O termo Sinergia será conceituado posteriormente, mas em se tratando


das disciplinas espirituais como dons espirituais e diaconia será destaque, tendo em vista
que são doutrinas bíblicas pouco exploradas e fomentadas nos seminários teológicos e
escolas bíblicas dominicais da igreja local.

A preposição entre, foi acrescentada por considerar que é preciso


destacar a presença de uma ação divina através da manifestação dos dons espirituais que
são outorgados pelo Espírito Santo e uma ação humana para a práxis da diaconia como
ministério funcional enquanto missão integral da igreja, ou seja, a encarnação dos passos
de Cristo em direção as comunidades pobres, desassistidas e vulneráveis. Para isso a
igreja se apresenta como a derivação da Missio Dei passando a ser instrumento de
promoção de atos de misericórdia no contexto urbano.

A proposição que se propõem deseja enfatizar e buscar subsídios


teológicos e missiológicos sobre a importância dos dons espirituais e da diaconia para a
realização de tarefas que fazem parte da natureza da igreja como: a missão integral.

Essa pesquisa é acompanhada de uma delimitação geográfica onde


comporemos apenas o contexto urbano, tendo em vista o fenômeno mundial da
urbanização e o crescimento assustador das metrópoles que se apresenta como um desafio
para a igreja no século XXI.
76

Para elaboração desta dissertação se atentou para algumas definições


como: o que é sinergia? Qual a sua função entre dons espirituais e diaconia? O que é Dom
espiritual? Como se processa a vocação para a missão integral?

Para responder estas perguntas se utilizará de inúmeras referências


bíblicas que sustentará e fundamentará a proposição como, por exemplo: I Co 12.1-12; I
Co 14.1; Rm 12.3-8 e I Pe 4.9-11 e Ef 4.11 e Ef 4.28 sendo fundamental para se explorar
o que seja uma ação integral da igreja coorporativa entre os dons espirituais e o ministério
diaconal que se expressa em serviços de várias formas na cidade do Recanto das Emas
conforme a multiforma e graça de Deus.
77

2 OBJETIVO GERAL

Buscar através de subsídios teológicos e missiológicos do ponto de


vista bíblico o conhecimento sobre a função entre dons espirituais e a diaconia. Todavia,
em se tratando do elemento espiritual diaconia o que se deseja destacar e enfatizar não é o
aspecto irrevogável do dom espiritual, mas a sua funcionalidade enquanto função
ministerial ou missional para uma missão integral da igreja, a fim de servir com os seus
dons e talentos na comunidade recantense.

O que se pretende e, é óbvio que, ao estudar sobre dons espirituais, a


nossa preocupação não é esclarecer quais são os tipos de dons, mas como estes dons
espirituais podem ser utilizados para edificação da igreja e concomitantemente para servir
ao próximo nas suas necessidades físicas, emocionais e principalmente espirituais.

A perspectiva é despertar nos leitores o interesse por uma missão


integral que redunde em uma prática de desenvolvimento comunitário no Recanto das
Emas, enquanto cidade em que se concentram boa parte dos imigrantes nordestinos que
chegam em busca de conquistar uma melhor condição de vida. Porém, antes mesmos da
extrema despreparação profissional, chegam à cidade carregando em suas bagagens,
crendices, sincretismo religioso, uma tênue condição sócia econômica e vulnerabilidade
espiritual.

Por isso, a proposta desta dissertação é oferecer ao corpo de Cristo


ferramentas missiológicas e teológicas para aplicação da missão integral utilizando-se dos
elementos espirituais que o crente recebe do Espírito Santo: os dons espirituais e o
diaconia enquanto a sua funcionalidade ministerial como meio de servirem as
comunidades carentes no contexto urbano diante destas condições espirituais e sociais a
intenção é explorar os segmentos da missiologia que possam gerar transformações em
todas as esferas da vida humana, ou seja, amparar o homem nas suas necessidades físicas,
emocionais e espirituais.
78

Todavia, quando se fala em amparar física e emocionalmente o


homem não requer que o foco seja o assistencialismo e o paternalismo, mas muito pelo
contrário, ou seja, o amparo vem com ações evangelísticas de abundante programação do
evangelho seguida de atitudes práticas de ação social que expresse os princípios e valores
do reino de Deus que leve o homem ao reconhecimento do pecado e desperte-o para a
reconciliação com o Criador e assim enfrente os problemas munido logicamente da graça
de Deus e por extensão busque o emponderamento social que permita-lhe desenvolver sua
comunidade como agente de transformação histórica na sua comunidade.

Empoderamento, nesse sentido, é formar um contingente maior de


pessoas para organizar e conquistar aspectos da cidadania endereçados de maneira
seletiva a grupos que detêm os meios de produção8.

Por isso, se busca neste trabalho enfatizar o desenvolvimento


comunitário passando em primeiro lugar pela transformação espiritual que é consequência
da abundância da pregação do evangelho, a fim de que os sujeitos desta comunidade
saiam do estado de vulnerabilidade socioeconômica para uma transformação histórico
social e espiritual.

8
MOURA, Leide 2008 Letras Livres, 131
79

2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

No primeiro capítulo pretende-se descobrir como se expressa


dimensão profética dentro de um contexto bíblico histórico no AT e NT e suas
conseqüências e implicações para uma missão integral urbana da igreja para o século
XXI.

No segundo capítulo se propõem a explicar a importância da


extensão social e o legado deixado pela reforma protestante como fator premente para
desenvolvimento comunitário nas comunidades vulneráveis se utilizando da sinergia
entre dons espirituais e ministérios diaconais para a transformação histórico social e
espiritual das comunidades

No terceiro capítulo se desenvolve na perspectiva de descobrir como a


dimensão da ética cristã pode contribuir para a missão integral da igreja nas
comunidades vulneráveis do Recanto das Emas.

O quarto capítulo dedica-se a descobrir como à missiologia ou prática


missionária integral se desenvolve na perspectiva da missio dei e da missão integral da
igreja, a fim de despertar o crente para uma vivencia missionária bíblica segundo a
Palavra de Deus.

Portanto, sintetizando os objetivos propostos o que se pretende


alcançar nesta dissertação é a verdadeira razão de possuir um dom espiritual, um
talento, ministério ou serviço (Diaconia) para uma missão integral da igreja.
80

3 JUSTIFICATIVA

O terceiro aspecto que nos chama atenção é o abismo que existe no


meio cristão entre o conhecimento e a prática, pois, se enfatiza o conhecimento, mas não se
prioriza a prática, ou seja, o desenvolvimento das ações ministeriais em prol das
comunidades carentes.

O quarto aspecto diz respeito à missão integral da igreja e a perspectiva


missionária tanto para o aspecto da proclamação do evangelho como para a ação
transformadora da missio Dei e da igreja como instrumento e agência de transformação
histórica na sociedade.

4 PERGUNTA PROBLEMA

Na atualidade se observa que existe nas igrejas um movimento forte na


área da adoração, pois, isto é legítimo, mas a adoração não é apenas aquele momento de
81

louvor durante os cultos e não se restringe somente a este movimento, pois, em se


tratando do verdadeiro sentido da adoração o que se deve esperar dos súditos do reino de
Deus são ações de serviço devido à Deus e ao próximo através do poder do Espírito
Santo.

Partindo do pressuposto de que todo cristão nascido de novo, selado


pelo espírito santo de Deus, justificado pela fé em Cristo Jesus é chamado para dar os
primeiros passos na vida cristã glorificando a Deus através de atos de adoração em
serviço no Reino de Deus, porque efetivamente no meio evangélico brasileiro em pleno
século XXI ainda se depara com crentes em uma situação tênue e infrutífera e sem
perseverança no serviço prático no reino de Deus.

Portanto, subtende-se que é necessário reconstruir uma conscientização


missiológica acerca de algumas marcas espirituais da igreja, ou seja, os dons espirituais e
da diaconia enquanto elemento espiritual de funcionalidade para ações práticas em
detrimento da verdadeira natureza da igreja que é ser missionária.

5 HIPÓTESE

Um dado relevante da ONU chama atenção acerca da corrupção no


Brasil, pois, ela está classificada junto a 163 países, em 70° lugar no ranking total. E em
14° entre os países da América na percepção de corrupção entre autoridades públicas e
políticos, no chamado “índice de percepção de corrupção”. O Brasil caiu oito posições no
ano de 2006, comparado ao ano passado. A corrupção é latente e está por toda parte, nos
bancos, no comércio, as repartições públicas. É inestimável, o que está acontecendo hoje
em dia na nação brasileira e a cada dia nós somos bombardiados como uma avalanche de
denuncias e atos de corrupção por parte de deputados, prefeitos, senadores, policiais e etc.
82

O Brasil é considerado a terceira maior nação evangélica do mundo,


porém, porque está tão alto o índice de corrupção? Porque a educação, a saúde e outras
áreas da esfera humana estão tão precárias. É óbvio que tudo isso tem explicação do ponto
de vista bíblico, ou seja, o pecado maculou e destruiu o relacionamento do homem com o
seu Criador e consequentemente gerou questões de desarmonia espiritual e social ( Rm
3,23; Rm 8.22).

Porém, o que vai minimizar as conseqüências desta desarmonia seria a


elaboração de leis ao combate da corrupção? É óbvio que faz parte da organização e ordem
pública, mas o problema é que a raiz da corrupção está no coração do homem e, portanto,
é necessário outra esfera de atuação, ou seja, a pregação abundante do evangelho.

Portanto, subtende-se que além de leis bem elaboradas, ações de ordem


pública e outras ações são extremanente importantes e fazem parte do mandato de Deus
para o homem, mas talvez outras atitudes seriam importantes para que haja a valorização de
uma democracia viva no país.

Talvez, alguns fatores como a vida infrutífera dos cristãos, a falta de


testemunho não tenha gerado uma dimensão profética n ávida da igreja que possibilite
sinalizar os valores e princípios do reino de Deus na perspectiva de uma revolução
silenciosa nas esferas da vida espiritual, socio econômica, cultural e política na nação
Brasileira. Possivelmente, outro fator fundamental que falte na vida da igreja seria uma
ética segundo a Palavra de Deus evitando que esta geração e a próxima venha a se
corromper.

Talvez outro aspecto que esteje faltando é o engajamento da igreja na


esfera social de amparar e assistir os mais pobres desta nação como mandato social de
Cristo onde a distribuição de renda, analfabetismo, violência desenfreada, juros
exorbitantes que massacram os mais pobres sejam minimizados na nação brasileira.
83

A história da igreja nos relata que os seguidores de Cristo sempre


estiveram na vanguarda dos movimentos na sociedade e que revelam a misericórdia, o
serviço, a bondade e a justiça de Deus.

Um exemplo disso foi à abolição da escravatura na Inglaterra onde Deus


usa por graça e misericórdia a vida de William Wilberforce no parlamento, que foi
encorajado por amigos cristãos que viam a injustiça e o mal da escravatura.

A vida de John Wesley sendo usada por Deus para organizar orfanatos,
escolas para cegos e surdos, ministérios com deficientes, necessitados e oprimidos. Este
legado da Reforma Protestante deixou raízes profundas e solidificadas através das igrejas
que realmente demonstravam sua função de agência de transformação histórica em um
período de guerras, conflitos políticos e desestrutura social

Não seria a partir deste legado da reforma que a igreja redescobria a sua
função de ensinar eficazmente através dos seus ministérios sobre o verdadeiro sentido e
propósito dos dons espirituais a luz das Sagradas Escrituras ou entendimento acerca da
verdadeira razão de um dom espiritual, um talento, ministério ou serviço para uma missão
integral da igreja.

. “Nossa missão não tem vida própria: só nas mãos


de Deus que envia pode-se denominá-la verdadeiramente de missão,
normalmente porque a iniciativa missionária provém de Deus” (Davi
Boch, 2002, p.29)

Os embaixadores desta reconciliação são todos os cristãos chamados e


vocacionados para este propósito diante de Deus, entendendo que o Senhor deseja
reconciliar todas as esferas da vida terrena e celestial segundo o apóstolo Paulo nos ensina
84

em (Colossenses 1. 15-20). Porém, é necessário que os cristãos conheçam e exercitem seus


dons espirituais e conseqüentemente coloque em prática a diakonia (serviço), com o
propósito de glorificar a Deus, pois, Deus age de forma ativa e soberana na história da
humanidade para cumprir os seus propósitos e os seus desígnios revelados na sua Palavra.
Por isso, a necessidade de reinterpretar o plano de Jesus Cristo é
revelado ao mundo inteiro por meio da missão de Deus e do seu instrumento a igreja que é
missional.
85

6 METODOLOGIA

A dissertação utilizará ferramentas como a hermenêutica, exegese,


biografias, comentários bíblicos e dicionários teológicos para buscar subsídios sobre o
referido tema. Outro elemento de pesquisa a ser utilizado será pequenas entrevistas com
crentes, a fim de buscarmos o entendimento dos cristãos no que diz respeito a dons
espirituais e seu desenvolvimento prático no Reino de Deus para uma ação de serviço
(Diakonia) na esfera urbana da missão de Deus.
86

7 REFERENCIAL TEÓRICO

O assunto desta dissertação é melhor representado por dois ícones


contemporâneos da apologética no que dizem respeito à dimensão profética, a natureza
missionária e a responsabilidade social da igreja. São eles Darrowl Milher e Maurico
Cunha, apesar de existirem outros autores, no momento estes dois são conceituados para os
nossos estudos acerca da missão integral da igreja e do desenvolvimento comunitário nas
comunidades carentes e vulneráveis.

Darrowl Miller teólogo e pastor que traz ideias sobre como as nações
podem ser discipuladas e quais as ferramentas devem ser utilizadas. Sua concepção parte do
princípio de que Jesus deu uma ordem: “Ide e fazei discípulos em todas as nações”.

O autor estuda e desenvolve pensamentos e concepções sobre as esferas


de domínio na sociedade como: esferas da fé, da cultural e do ponto de vista sociopolítico
que os cristãos devem e podem se envolver em todas estas esferas partindo do pressuposto
de que o cristão tem uma vocação para o trabalho enquanto mandato de Deus para o
homem a luz das Sagradas Escrituras para se envolverem em todas as áreas da vida
humana.

Acredito que estas esferas que Miller aborda parte do pressuposto de


que precisamos estar atentos quanto aos dons espirituais e os talentos que temos para servir
no reino de Deus e na sociedade.

Localizamos outro estudioso e apaixonado por projetos de


desenvolvimento comunitário, Mauricio Cunha, missionário, engenheiro agrônomo e
Administrador de Empresas com vasta experiência em missão integral no Brasil e nas
nações e vanguardista no que diz respeito a trabalhos práticos de desenvolvimento
comunitário no estado do Paraná especificamente na periferia da cidade de Curitiba.
87

Portanto, fundamentar-se-á a referida dissertação nestes referenciais


teóricos por saber que ambos escrevem com base bíblica acerca de missão integral na
perspectiva apologética para desenvolvimento comunitário nas comunidades carentes.

O Congresso na Cidade do Cabo contou com quatro mil delegados de


aproximadamente 200 países. Tive o imenso privilégio de participar deste
verdadeiro “Concílio de Nicéia” dos nossos tempos, um banquete da
Igreja. Foi lindo ver gente de tantas cores e culturas tão diferentes unidos
por uma missão e identidade comum (Mauricio, 2010, p.22).

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