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Você não “DIUcide” nada!

Vitória Piucco1
Liton Lanes Pilau Sobrinho2

A história do corpo da mulher demorou para ter participação feminina em


seu próprio registro. Historicamente, todas as lutas femininas foram escritas e
controladas por homens. Infelizmente isso não é coisa de séculos passados,
alguns acontecimentos recentes no Brasil demonstram em não reconhecer os
privilégios herdados socialmente pela brutalidade do patriarcado. Insistem em
negar o argumentos das mulheres que se esforçam na luta sobre o sofrimento
causado pela cultura machista. Com o método dedutivo e de procedimento
bibliográfico, vislumbra-se estudar a exigência ilegal de consentimento do
cônjuge (marido) para a inserção do Dispositivo Intra-Uterino (DIU) em suas
companheiras, considerando a não equidade de gênero no Brasil.
A "Folha de S.Paulo" noticiou que cooperativas da Unimed estavam
exigindo que os maridos consentissem com a inserção do DIU em suas
companheiras, ou seja, a mulher deveria compartilhar o termo de
consentimento com seu companheiro. O DIU é um método contraceptivo
inserido cirurgicamente em mulheres, podendo ser não-hormonais e
hormonais, utilizados muitas vezes para tratar de problemas de saúde.
De acordo com a lei 9.263 de 12 de janeiro de 1996, no artigo 10º,
parágrafo 5º, determina que a esterilização voluntária em homens e mulheres
só pode ser realizada com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco
anos de idade ou, com dois filhos vivos. Em se tratando de sociedade
conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os
cônjuges, em uma perspectiva de fomentar decisões em comum quanto ao
planejamento familiar.
O Projeto de Lei nº 4515/20, visa acabar com as exigências do art. 10º,
inciso I e parágrafo 5º da referida lei, como forma a garantir livre acesso aos
métodos de esterilização cirúrgica a todos com capacidade civil plena e
maiores de vinte anos de idade, (nos casos das mulheres, é comum engravidar
1
Graduanda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo - UPF.
Bolsista PROBIC/FAPERGS. E-mail: viipiucco@gmail.com.
2
Professor dos cursos de Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí. Professor do Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu Mestrado em Direito da Universidade de Passo Fundo.
muito jovem e com esta idade já consideram um número Ideal de filhos), desde
que observado o prazo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o
ato cirúrgico.
A autonomia de decidir sobre o corpo deve ser preservada, sem
interferência de parceiros ou do Estado, onde não se aceita mais a decisão que
o corpo precisa ser submetido ao aval de outra pessoa.
Entretanto, ocorreu uma interpretação extensiva da lei. O DIU não é um
procedimento de esterilização e sim um método contraceptivo. Ou seja, não há
lei brasileira prevendo que o companheiro deva autorizar uma mulher utilizar
qualquer método contraceptivo da sua escolha.
A lei de planejamento familiar é objeto de críticas, com o caso do DIU e
a obrigação ilegal da assinatura do cônjuge, isso fica ainda mais evidente.
Além disso, a medida exposta ignora quase 100 mil 3 crianças nascidas
em 2021 no Brasil, no qual não têm o nome do pai no registro de nascimento,
criados por mães solo.
Conforme o art. 226, parágrafo 7º da CF4, o planejamento familiar é
livre decisão do casal, ou seja, ter ou não filhos deveria ser uma escolha do
casal, e não pela vontade arbitrária de apenas um dos parceiros.
Além disso, o art. 5º, inciso I da CF 5, trata da igualdade de gênero como
direito fundamental, no qual prevê que homens e mulheres são iguais, devendo
ter os mesmos direitos, oportunidades, responsabilidades e obrigações.
Não há duvida que o plano de saúde, está agindo de forma ilegal,
acarretando impactos ao direito à saúde reprodutiva das mulheres que foram
constrangidas com esse procedimento, no qual passam a submeter sua
liberdade de engravidar ou não ao seu marido. Além disso, ignorando
totalmente a possibilidade da mulher estar sendo coagida a ter uma gravidez
3
CORSINI, Iuri; GUEDES, Mylena. Número de crianças sem o nome do pai na certidão cresce
pelo 4° ano seguido. CNN BRASIL, 07 de agosto de 2021. Disponível em:
<https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/08/07/numero-de-criancas-sem-o-nome-do-pai-
na-certidao-cresce-pelo-4-ano-seguido>. Acesso em: 09 ago. 2021.
4
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º Fundado nos
princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento
familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de
instituições oficiais ou privadas.   
5
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
indesejada e que outros métodos anticoncepcionais, possam ser
contraindicados, pois colocam sua vida em risco.
A história e a legislação culpabilizam o corpo da mulher, cabendo
desconstruir gestos e atos herdados a tendência apreendida de diminuir ou
dominar a mulher. Cabe se libertar do machismo que oprime e obriga a uma
visão de mundo violento, a uma confirmação social pautada pela dominação do
outro. A sociedade precisa observar o calendário e notar que, embora não
pareça, estamos no século XXI.

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 07 ago. 2021.

BRASIL. LEI Nº 9.263, DE 12 DE JANEIRO DE 1996. Regula o §7º do art. 226


da CF, que trata do planejamento familiar. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9263.htm> Acesso em: 07 ago. 2021.

CÀMARA DOS DEPUTADOS. PL 4515/2020. Projeto de Lei. Disponível em: <


https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?
idProposicao=2262426>. Acesso em 07 ago. 2021.

CORSINI, Iuri; GUEDES, Mylena. Número de crianças sem o nome do pai na


certidão cresce pelo 4° ano seguido. CNN BRASIL, 07 de agosto de 2021.
Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/08/07/numero-de-
criancas-sem-o-nome-do-pai-na-certidao-cresce-pelo-4-ano-seguido>. Acesso
em: 09 ago. 2021.

DAMASCENO, Victoria. Seguros de saúde exigem consentimento do marido


para inserção do DIU em mulheres casadas. Folha de S.Paulo. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/08/seguros-de-saude-
exigem-consentimento-do-marido-para-insercao-do-diu-em-mulheres-
casadas.shtml> . Acesso em: 09 ago. 2021.

DEL PRIORE, Mary (org.) & BASSANEZI, Carla (coord. de textos). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto/Ed. UNESP, 1997.

MONDE, Isabela Del. Pedir autorização de marido para DIU é ilegal e põe em
risco vida da mulher. Universa UOL, 06 de agosto de 2021. Disponível em
<https://www.uol.com.br/universa/colunas/isabela-del-monde/2021/08/06/
consentimento-do-marido-para-diu-e-ilegal-e-poe-em-risco-vida-da-
mulher.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola>. Acesso em 09 ago. 2021.

RABISCAIS. Você não diucide nada. Instagram, 04 de agosto de 2021.


Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CSKz0OrloJ5/?
utm_source=ig_web_copy_link>. Acesso em: 09 ago. 2021.

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