Você está na página 1de 30

NÃO CUMULATIVIDADE EM DEBATE – Questões

polêmicas envolvendo os elementos da relação


jurídica de norma de crédito (decadência, saldo
credor e redução/relevação de multa)

Argos Campos Ribeiro Simões

 Agente Fiscal de Rendas.


 Juiz-presidente da 3ª Câmara do Tribunal de Impostos e Taxas de São
Paulo.
 Assistente Fiscal da Escola Fazendária da Secretaria da Fazenda de São
Paulo – FAZESP.
 Coordenador e professor dos Cursos de Especialização em Direito
Tributário Material e Processual e de Direito Público da FAZESP.
 Coordenador e professor do Curso de Especialização em Direito
Tributário Material e Processual e do Curso de Extensão em Prática
Tributária do ICMS das Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de
Toledo - Presidente Prudente.
 Professor do Curso de Especialização da GV-Law (setor tributário-
comercial – ICMS).
 Professor palestrante do IBET.
 Professor palestrante do COGEAE-Puc.
 Professor palestrante da FAAP-SP.
 Professor palestrante da EPD-SP.
 Professor palestrante da APET-SP.
 Especialista em Direito Tributário (IBET/IBDT)
 Especialista em Direito Tributário (FAZESP)
 Mestrando em Direito Tributário (PUC-SP)
2

ÍNDICE

INTRODUÇÃO...................................................................................

I – DO DIREITO POSITIVO – AMBIENTE SISTÊMICO

II – DA NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS – imposto devido, imposto

cobrado e compensação –

III – QUESTÃO ATUAL ICMS - CREDITAMENTO INDEVIDO – prazo de

natureza decadencial em face da legislação complementar e

paulista

IV – QUESTÃO ATUAL ICMS DO SALDO CREDOR DE ICMS E DE

SUA IRRELEVÂNCIA NAS AUTUAÇÕES DE CREDITAMENTO

INDEVIDO (Considerações em face da legislação paulista)

V – QUESTÃO ATUAL ICMS - DA POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO OU


DE RELEVAÇÃO DA MULTA NOS CASOS DE AUTUAÇÃO POR
CREDITAMENTO INDEVIDO (Considerações em face da legislação
paulista)

CONCLUSÃO ...............................

BIBLIOGRAFIA ...........
3

INTRODUÇÃO

Três perguntas pretendem ser respondidas neste ensaio, não com a


pretensão de esgotar os temas, nem de apresentar conclusão final e definitiva
sobre cada um deles, mas de abrir caminho para a discussão, tendo como
premissa o fato de que o conhecimento necessita da escolha de um método de
aproximação do objeto, sendo virtude a coerência em sua utilização e a
homogeneidade em sua aplicação.

Seria aplicável a norma de natureza decadencial nas autuações por


infração de creditamento indevido? Tais autuações deveriam ser lavradas na
presença de conta gráfica com saldo credor? Seria possível a redução e ou
relevação das multas nas autuações de creditamento indevido?

Estes os questionamentos que serão discutidos com base na visão de


Direito como sistema normativo, sendo que o método utilizado como bastante às
nossas conclusões será o da observação da linguagem normativa adequada ao
tema (fundamento e conteúdo de validade).

Para tanto, iniciamos lançando fundamentos teóricos limitados, restritos em


face dos temas, dissertando de forma objetiva sobre o ferramental de teoria geral
do Direito necessário às nossas discussões; nada mais, nada menos... esta a
nossa pretensão.

Assim, os conceitos de Direito, norma, validade, vigência, eficácia,


incidência, aplicação, não cumulatividade, compensação, imposto devido e
montante cobrado e de atividade de creditamento foram singularmente tratados.
4

Passamos a seguir analisando as três situações práticas e atuais


propostas, sendo que a questão da possibilidade da redução e ou relevação de
multas é tema inédito e ainda não suficientemente discutido na seara
administrativa.

A nossa contribuição passa ao largo de fornecer respostas prontas e


definitivas aos questionamentos propostos, mas de provocar a discussão na
busca, neste ensaio, de (in) consistências em nossas motivações.

I – DO DIREITO POSITIVO – AMBIENTE SISTÊMICO

Partilhando dos ensinamentos de PAULO DE BARROS CARVALHO1,


operamos no Direito Positivo, entendendo-o como sistema, cujo repertório
estruturado é constituído por normas jurídicas válidas (existentes) em
determinados território e momento.

Para que a discussão tenha algum sentido jurídico, destacamos conceitos


fundamentais à compreensão desse nosso Direito sob a ótica normativa.

Em nossa forma de trabalhar e de enxergar o Direito, temos que a validade


de uma norma confunde-se com sua existência, entendendo o elemento norma
jurídica como estrutura formal bimembre inserida no sistema jurídico por agente e
procedimento previstos no ordenamento, sendo atributiva de efeito prescritivo
(permitido, obrigatório ou proibido) à descrição de uma porção da realidade
possível do mundo-do-ser eleita como relevante pelo agente competente à
enunciação legislativa.

1
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Saraiva, São Paulo, 18ª edição, 2007, pág. 2
5

Nas lições de PAULO DE BARROS CARVALHO norma jurídica é norma


válida, constituindo a validade uma relação formal de pertinência da norma ao
sistema.

Destaca o ilustre professor que: “... as normas jurídicas, proposições


prescritivas que são, têm sua valência própria. Delas não se pode dizer que
sejam verdadeiras ou falsas, valores imanentes às proposições descritivas da
Ciência do Direito, mas as normas jurídicas serão sempre válidas ou
inválidas, com referência a um determinado sistema “S”...A validade não é,
portanto, atributo que qualifica a norma jurídica, tendo status de relação: é o
vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema do Direito
posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma “N” é válida, estaremos
expressando que ela pertence ao sistema “S””.2

Assim, o Direito é construção intelectual vertida em linguagem que só


reconhece os fatos sociais se internalizados no sistema jurídico via códigos
reconhecíveis pelo próprio Direito através da linguagem que ele mesmo criou.
Este Direito não é uma pessoa, não tem órgãos do sentido; ele não reconhece
nem toca a realidade.

Neste sentido TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM destaca que: “... (1) sem
linguagem não há realidade social (nem natural); (2) sem linguagem não há Direito
(objeto) e (3) sem linguagem não há conhecimento; logo, sem linguagem não há
Ciência do Direito.3

2
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. Noeses, São Paulo, 1ª edição,
2008, págs. 403/404.
3
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo, Noeses, 2006, pág. 22.
6

Sobre o Direito e a linguagem, afirma, ainda, o mestre capixaba: “O Direito


pertence à classe dos fatos culturais e, como tal, encontra-se necessariamente
plasmado em uma linguagem: a linguagem em sua função prescritiva, objetivada
em um corpus identificável na variedade dos textos normativos...”4

Apesar de sutis discordâncias entre os autores citados sobre o real papel


da linguagem no Direito: se Direito é linguagem ou se apenas a utiliza (TÁREK
ressalta que toma a linguagem como índice-temático e não como fim-temático)5
temos que há concordância entre os mestres quando tratam da intangibilidade
entre o mundo-do-ser e o mundo do dever-ser.

Neste sentido afirma TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM: “... a linguagem


prescritiva (dever-ser) é irredutível à linguagem descritiva (ser). As funções da
linguagem são inconfundíveis e, por isso, incomunicáveis entre si: são jogos
lingüísticos diferentes, cada qual com suas próprias regras.” 6

O mundo-do-ser (o evento) não é percebido pelo Direito. Neste sentido


EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI destaca que: “A realidade é algo que não
existe para o Direito, que constrói sua verdade sobre os tatos para efeito de
realizar seu processo de auto-reprodução...”7

É um sistema auto-referente que equipara a existência de uma norma à sua


validade. Uma norma é jurídica se for válida; e, se é válida, então existe. Se não é
válida, então não existe e não é norma jurídica.

4
Idem, p. 20.
5
Idem, p. 22.
6
Idem, p. 21.
7
SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. PUC/SP, São Paulo, Max
Limonad, 2000, pág. 44.
7

Esta visão reflete diretamente na fundamentação das decisões no Direito.


Os fatos somente serão fatos jurídicos (fatos juridicizados pelo Direito) se forem
expressões denotativas dos moldes conotativos insertos nas hipóteses
previstas no segmento descritivo de norma abstrata; senão, serão meros fatos
sem efeito jurídico algum.

Assim, as seguintes normas decisórias: (i)“Tendo em vista o exacerbado


valor da multa, se o contribuinte resolver pagar, necessariamente, fechará as
portas, então deve-ser o cancelamento do Auto de infração” ou (ii)“o Auto de
infração deverá ser mantido em face de que o prejuízo financeiro ao Erário será
enorme com seu cancelamento”, podem até descrever eventos verdadeiros e
possíveis no mundo-do-ser, mas, por tais eventos não terem sido eleitos pelo
legislador competente como hipóteses normativas suficientes a quaisquer efeitos
jurídicos, então, apesar de admitirmos a sua possível veracidade, não integram
normas válidas; não possuem juridicidade.

Não sendo fatos jurídicos; serão meros fatos insuficientes a integrarem a


motivação descritiva de uma norma decisória, seja para cancelar, seja para
manter um auto de infração.

Este é o nosso Direito, em que as normas não incidem automaticamente


com a mera ocorrência de um evento no mundo real, mas aguardam a figura do
agente competente a fazer a norma incidir sobre o fato (sobre a descrição do
evento), tornando-o fato jurídico. Aqui, incidência só ocorre com a aplicação do
Direito, com a criação normativa como linguagem posta.

Com precisão destaca PAULO DE BARROS CARVALHO que: “Em rigor,


não é o texto normativo que incide sobre o fato social, tornando-o jurídico. É o ser
humano que, buscando fundamento de validade em norma geral e abstrata,
constrói a norma jurídica individual e concreta, na sua bimembridade constitutiva,
8

empregando, para tanto, a linguagem que o sistema estabelece como adequada,


vale dizer, a linguagem competente.”8

Basta a norma ser vigente e teremos fato jurídico, efeito da subsunção da


linguagem do fato à linguagem da norma (ou do fato à norma, já que ambos só
são reconhecíveis através da linguagem).

Com o fato jurídico (elemento denotativo lingüísitico) teremos


individualizado o efeito jurídico previsto, de forma hipotética, na norma geral e
abstrata que lhe serve de modelo conotativo.

Se inexistirem obstáculos ao percurso da positivação do Direito, teremos


que a norma geral e abstrata a ser incidida/aplicada possui eficácia técnica.

Sobre o conceito de eficácia técnica destaca PAULO DE BARROS


CARVALHO: “Sob a rubrica de eficácia técnica vemos a condição que a regra de
Direito ostenta, no sentido de descrever acontecimentos que, uma vez ocorridos
no plano do real-social, tenham o condão de irradiar efeitos jurídicos, já
removidos os obstáculos que impediam tal propagação.”9

Se, de forma pragmática, os destinatários do dever-ser normativo


cumprirem o ali previsto, teremos a eficácia social. Como afirma PAULO DE
BARROS CARVALHO, “A eficácia social ou efetividade... diz com a produção das
conseqüências desejadas pelo elaborador das normas, verificando-se toda vez
que a conduta prefixada for cumprida pelo destinatário...”10

8
.CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. Noeses, São Paulo, 1ª edição,
2008, págs. 151/152.
9
Idem, p. 413.
10
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. Noeses, São Paulo, 1ª edição,
2008, p. 414.
9

Validade, vigência, incidência, aplicação, eventos, fatos, fatos jurídicos,


eficácia jurídica, eficácia técnica e eficácia social são conceitos jurídicos
fundamentais à compreensão do Direito que ora operamos. Sem restarem
fincadas tais imprescindíveis premissas, estaríamos a navegar com imprecisão
nas rotas jurídicas, pois nossos discursos seriam inócuos.

II – DA NÃO CUMULATIVIDADE DO ICMS – imposto devido, imposto

cobrado e compensação –

A CF/ 88, em seu art. 155, §2º, I prescreve para os legisladores do ICMS a
obrigatoriedade, quando de sua atividade de enunciação legislativa, à observância
ao princípio da não cumulatividade; assim, in verbis, dispõe a norma
constitucional.

I - O ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for


devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou
prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo
mesmo ou outro Estado, ou pelo DF.

O princípio constitucional da não cumulatividade permite a compensação


do chamado imposto devido com o montante cobrado em pretérita e imediata
operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços, como
verificamos da leitura do inciso I acima.

A exata significação dos termos compensação, imposto devido e


montante cobrado são essenciais para que o mecanismo constitucional da não
cumulatividade seja compreendido e aplicado em face da legislação de regência.
10

Como a construção do conhecimento de uma das realidades possíveis do


objeto reclama a homogeneidade do método de aproximação a ser utilizado,
analiticamente seccionando o heterogêneo real, optamos, em face de nossas
premissas, em utilizar o método da linguagem das normas válidas.

Assim, busquemos no ordenamento os conceitos lingüísticos pretendidos.

A CF/88 estabelece a competência e o alcance das normas que tratam da


não cumulatividade. Transcrevêmo-las abaixo:

Art. 146 CF/88 – Cabe à lei complementar:


III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:...crédito.

Art. 155, §2º, XII, “c” da CF/88 – O ICMS atenderá ao seguinte:


cabe à lei complementar: disciplinar o regime de compensação.

Assim, a CF/88 delegou ao veículo introdutório da Lei Complementar a


possibilidade de tratar da matéria da compensação; e a LC 87/96 o faz em seus
arts. 19 a 26, impondo restrições ao crédito.

Mas a própria LC8796, em seu art. 23, estabeleceu critérios para que a
chamada compensação se realizasse. Prescreve o dispositivo:

Art. 23 LC 87/96 – O Direito de crédito para efeito de


compensação com débito do imposto, reconhecido ao
estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o qual
tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade
da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e
condições estabelecidos na legislação.
11

Discute-se sobre a constitucionalidade deste artigo em face da


interpretação de que os óbices ao creditamento seriam somente aqueles já
previstos na própria Lei Maior (casos de isenção e de não incidência).

Mas nosso foco neste ensaio não é o de discutir a adequação ou não das
normas complementares na criação de obstáculos ao creditamento, mas, sim, o
de descobrir a significação normativamente contextualizada dos termos
(compensação, imposto devido e montante cobrado).

Partilhamos do entendimento de MARIA DO ROSÁRIO ESTEVES de que


os veículos normativos próprios para tratar da matéria crédito seriam os
produzidos pelos entes políticos competentes para instituir o correspondente
tributo e não pelo legislador complementar.

Assim preleciona a professora:

“A amplitude do art. 146, tal como entendem os membros da escola bem


comportada do Direito tributário brasileiro, mexe com as estruturas do
sistema. A norma geral é excepcionalíssima, devendo sua interpretação ser
restritiva. A regra é a exclusividade legislativa tributária de cada pessoa
jurídica de Direito público interno na estrita conformidade com suas
repartições constitucionais.

‘O legislador complementar, com fundamento no art. 146, não pode criar


tributos nem dispor acerca da exclusão, suspensão, constituição ou
extinção do crédito tributário, por exemplo. Tais matérias cabem apenas às
pessoas políticas com competência tributante para aquele tributo. Só pode
o legislador complementar definir um tributo e suas espécies, mexer no fato
gerador, base de cálculo e contribuintes de determinado imposto se for para
dispor sobre conflitos de competência. O mesmo quanto a obrigação,
lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.
12

‘A Constituição deu diretamente ao legislador comum a função de legislar


sobre suas próprias competências impositivas.”11

Com isso, as Leis Ordinárias Estaduais, com fundamento e conteúdo de


validade na própria CF/88, dispõem sobre as significações pretendidas.

Na órbita paulista, a Lei Ordinária Estadual 6.374/89, prescreve as


condições legais para a regular compensação e, por decorrência, do creditamento.

Artigo 36, Lei 6374/89 - O ICMS é não-cumulativo, compensando-se o


imposto que seja devido em cada operação ou prestação com o
anteriormente cobrado por este, outro Estado ou pelo Distrito Federal,
relativamente a mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida,
acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em
situação regular perante o fisco

§ 1º - Para efeitos deste artigo, considera-se:

1 - imposto devido, o resultante da aplicação da alíquota sobre a


base de cálculo de cada operação ou prestação sujeita a cobrança
de tributo;

2 - imposto anteriormente cobrado a importância calculada nos


termos do item precedente e destacada em documento fiscal
hábil;

3 - documento fiscal hábil, o que atenda a todas as exigências


da legislação pertinente, seja emitido por contribuinte em
situação regular perante o fisco e esteja acompanhado, quando
exigido, de comprovante do recolhimento do imposto;

11
ESTEVES, Maria do Rosário. Normas Gerais de Direito Tributário, Max Limonad, São Paulo, 1ª edição,
1997, pág. 106.
13

4 - situação regular perante o fisco, a do contribuinte que, à data


da operação, esteja inscrito na repartição fiscal competente, se
encontre em atividade no local indicado e possibilite a
comprovação da autenticidade dos demais dados cadastrais
apontados ao fisco.

Entendendo a compensação como forma preparatória à extinção de


obrigação tributária e à extinção de relação creditícia, através da confrontação de
normas individuais e concretas (uma de débito e outra de crédito), teremos a
possível extinção das relações jurídicas ali envolvidas.

A norma individual e concreta de débito tem origem no chamado fato


jurídico tributário (fato gerador; descritor de evento tributável), prescrevendo uma
obrigação tributária em que o contribuinte ocupa o pólo passivo de tal obrigação.

O objeto da relação obrigacional é uma prestação de dar, cujo objeto é um


montante a título de tributo; a sua formalização em linguagem competente
(emissão de notas fiscais, escrituração em registros fiscais ou declaração
ostensiva em Guias especiais) determina o momento da aplicação/incidência da
norma de débito e do conseqüente montante a ser pago pelo sujeito passivo
contribuinte.

A norma individual e concreta de crédito, por sua vez, tem origem na


descrição em linguagem competente da entrada de mercadorias em um
estabelecimento (registro em livros fiscais) associada a demais condições
estabelecidas pelo ordenamento complementar e ordinário estadual ou distrital.

A obrigação creditícia tem por objeto uma moeda escritural, cujo sujeito
ativo com direito subjetivo à utilização deste crédito é o contribuinte e cujo sujeito
passivo é o Estado que tem o dever jurídico de reconhecer tal direito.
14

Assim, a compensação prescrita na constitucional norma-princípio seria a


da possibilidade do encontro de duas relações jurídicas: a de débito com a de
crédito, resolvendo-se total ou parcialmente, em face dos montantes confrontados
(objetos prestacionais), as relações jurídicas envolvidas.

Precisando alguns dos aspectos da norma-matriz de débito e a de crédito


do ICMS, conforme ordenamento destacado, temos o seguinte:

ASPECTOS NORMA DE DÉBITO NORMA DE CRÉDITO


GENÉRICA GENÉRICA
MATERIAL Realizar operação de Realizar a entrada de
circulação de mercadoria mercadoria suportada por
ou prestação de serviço documento hábil
SUJEITO ATIVO ESTADO CONTRIBUINTE
SUJEITO PASSIVO CONTRIBUINTE ESTADO
QUANTITATIVO Montante a título de Moeda Escritural, fruto
IMPOSTO de uma cessão de
direitos

Verifica-se que a atividade de escriturar a débito (lançar ou de se


autolançar) é diversa da atividade de escriturar a crédito.

Esta é direito subjetivo do contribuinte, portanto, de sua exclusiva


titularidade ativa. Não se confunde com a atividade de lançamento.

Com esses alicerces teóricos passemos à análise das três situações


fácticas envolvendo crédito no ICMS em face da legislação constitucional,
nacional-complementar e ordinária paulista.
15

 III – CREDITAMENTO INDEVIDO – prazo de natureza

decadencial em face da legislação complementar e paulista

 Da situação fáctica

Contribuinte é autuado por creditar-se indevidamente em face de quaisquer


dos motivos infracionais elencados no rol de penalidades da Lei Ordinária
instituidora do ICMS.

Por exemplo, teríamos na Lei Ordinária Paulista 6.374/89, em seu art. 82,
II, além de outras, as situações infracionais de creditamento indevido por:
escrituração em livro fiscal de documento inábil acobertando a entrada de
mercadorias, escrituração sem a correspondente entrada de mercadorias,
apropriação de crédito em momento anterior ao da entrada de mercadorias e
outras.

Em várias situações, a data da regular notificação do auto de infração


ultrapassa o interregno de 5 (cinco) anos a contar da data em que o contribuinte
teria auto-formalizado em seus registros fiscais o montante a título de crédito
considerado indevido (a data da formalização da norma de crédito em que ele se
coloca como sujeito ativo em relação ao fisco, reclamando seu direito subjetivo ao
chamado crédito escritural).

Em face de tal fato reclamam os contribuintes a aplicação/incidência da


norma de natureza decadencial construída do art. 150, §4º do CTN, que obstaria
de forma imediata a fiscalização efetiva e de forma mediata a enunciação
legislativa geral e concreta do agente do fisco no sentido de proceder ao chamado
lançamento de ofício, inserindo no sistema normativo as normas individuais e
concretas a serem insertas em suporte físico auto de infração.
16

Sua fundamentação seria a de que o procedimento de ofício do lançamento


efetuado pelo agente fiscal restaria extemporâneo, por ultrapassar os 5 (cinco)
anos destacados na norma complementar, cujo termo a quo seria a “atividade”
de escrituração a crédito efetuada pelo contribuinte, sendo que operaria, em
prejuízo da ação fiscal, a chamada homologação tácita, considerando extinta
quaisquer relações jurídicas auto-formalizadas pelo contribuinte; inclusive a de
crédito.

 Uma proposta de solução

Nossa leitura da norma de natureza decadencial do art. 150, §4º do CTN


aponta no sentido de sua inaplicabilidade nos caso de creditamento indevido.
Justificamos:

O dispositivo complementar prescreve que:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos
cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento
sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a
referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida
pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a


contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a
Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o
lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a
ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Enxergamos 3 (três) critérios para aplicação/incidência da norma


complementar decadencial obstando a atividade de enunciação do fisco: (i) que o
tributo seja do tipo que comporte a possibilidade de atividade de auto-
formalização de crédito tributário pelo contribuinte; (ii) que haja data de evento
17

determinável necessário à contagem do prazo de 5 (cinco) anos e que (iii) não


esteja comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Destacamos neste ensaio apenas o primeiro critério, por restar suficiente,


nas situações de creditamento indevido, a verificação de que não existe
atividade a ser homologada, como motivo jurídico à inaplicação do art. 150, §4º
do CTN. Justificamos.

1º critério: Que se trate de tributo que prescreva ao contribuinte a


obrigatoriedade de realizar uma atividade de auto-formalização de débito
tributário

Quando o texto normativo destaca o enunciado “tributos cuja legislação


atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da
autoridade administrativa”, nossa interpretação é a de tratar-se de tributos, como o
ICMS, em que o contribuinte tenha a obrigatoriedade de fazer a criação de norma
individual e concreta colocando-se como sujeito passivo em relação ao fisco.

Assim pensamos tendo em vista o prescrito nos artigos 142 e 149, V e VI


do CTN que determinam o procedimento de ofício de construção reparadora e
complementar da norma de lançamento e da imposição, por ocorrência de
infração, de norma sancionatória.

O dispositivo complementar do art. 142 prescreve que:

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o


crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento
administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do
tributo devido, identificar o sujeito passivo e sendo caso, propor a
aplicação da penalidade cabível. [g.n.]
18

A norma de lançamento calcula o imposto devido, sendo que este, como


vimos acima, refere-se ao resultado da “aplicação da alíquota sobre a base de
cálculo de cada operação ou prestação sujeita a cobrança de tributo” (1, §1º, art.
36 da Lei 6.374/89).

Nesta ótica, no cálculo do imposto devido não se deve levar em


consideração, de ofício, os créditos do contribuinte; o imposto devido não se refere
ao resultado da compensação; não há norma que suporte tal interpretação. Esta a
premissa.

Neste sentido, os incisos V e VI do art. 149 do CTN prescrevem que:

Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade


administrativa nos seguintes casos:
V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa
legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo
seguinte;
VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de
terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade
pecuniária; [g.n.]

Se lançamento é para calcular imposto devido e se este, no caso do


ICMS, deve ser efetuado de ofício substituindo a atividade do contribuinte prevista
no art. 150 do CTN, então tal atividade é a de calcular também o imposto
devido, com a única diferença que o agente de sua enunciação não é o agente do
fisco, mas o próprio contribuinte.

A autoridade administrativa é agente competente para criar a norma de


lançamento; o contribuinte é agente competente para criar a norma de
autolançamento.
19

O procedimento de ofício do lançamento pretende substituir a irregular


atividade de autolançamento efetuada exclusivamente pelo contribuinte e
impropriamente chamada de lançamento por homologação, já que de lançamento
não se trata, pois o contribuinte não é autoridade administrativa, e, também, por
não constar do sistema norma que chancele permanentemente tal atividade (efeito
da chamada homologação).

O efeito homologatório seria apenas o resultado de uma comparação


normativa positiva a ser feita pelo agente fiscal, em face da atividade
autoformalizadora do contribuinte (homologação como comparação normativa).

Neste sentido, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI12:

“’Homologar’, do grego homós ‘igual, semelhante’, pressupõe operação


lógica de comparação entre duas proposições, no caso dusas proposições
prescritivas, duas relações jurídicas: uma, a ‘relação jurídica intranormativa’
presente no ato-norma de formalização instrumental praticado pelo
particular; outra, a ‘relação jurídica intranormativa’ do ‘ato-norma
administrativo de lançamento tributário’, efetuado segundo os modos ‘de
ofício’ ou ‘por declaração’.
‘O ato de homologação é paradigmático. Requer uma referência, pressupõe
‘ato-norma administrativo’ para cotejá-lo com aquele crédito anterior
formalizado pelo particular.

O enunciado do caput do art. 150 do CTN: “antecipar o pagamento”, se


considerado somente em sua literalidade e isolado do seu contexto normativo,
daria margem ao entendimento que a “atividade” ali destacada seria a de
pagamento de montante a título de imposto, como resultado de uma já
realizada compensação, modificando a interpretação a ser dada para o imposto
devido, pois este abarcaria tanto a atividade do contribuinte constituir relação

12
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário.Max Limonad, São Paulo, 2ª edição, 2001, pág.
219.
20

jurídica tributária colocando-se no seu pólo passivo (obrigação tributária), como a


de constituir o direito ao crédito (norma de crédito), como, ainda, a de constituir a
norma de compensação (efetuando o enfrentamento paralelo das duas relações
citadas).

Nesta ótica, imposto devido seria equivalente a imposto compensado,


o que vai de encontro à previsão normativa do item 1 do §1º do art. 36 da Lei
6.374/89.

Em resumo, o primeiro requisito à aplicação do prazo decadencial do art.


150, §4º do CTN seria o de tratar-se de tributo que exige uma atividade de
autoformalização do contribuinte.

E esta se daria na primeira formalização em linguagem reconhecível pelo


Direito (escrituração nos documentos fiscais) de norma que se estabelecesse uma
relação jurídica obrigacional tributária em que o contribuinte ocupasse o pólo
passivo de tal relação e não do simples pagamento. Neste sentido EURICO
MARCOS DINIZ DE SANTI13 preleciona que:

“Não há de se falar de homologação do pagamento, pois, basta estar o


crédito regularmente declarado para que se dê a homologação. O que a
autoridade administrativa homologa é o ‘crédito instrumental formalizado’:
homologa a ‘relação jurídica intranormativa’, produto do cumprimento dos
deveres instrumentais que disciplinam o modo de produção dessa norma
individual e concreta celebrada pelo particular.”

Entendemos que não procede a crítica de que a atividade (por ser norma)
só seria possível com a publicidade ostensiva da declaração do resultado da
compensação em guia própria; na tentativa de conceder à natureza jurídica tanto

13
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário.Max Limonad, São Paulo, 2ª edição, 2001, págs.
219/220
21

da atividade, como do imposto devido o efeito normativo da compensação


(liquidação de parte dos débitos com os créditos do período).

A atividade de escrituração nos documentos e livros fiscais goza de uma


publicidade não ostensiva prescrita pelo art. 195, caput e seu parágrafo único,
do CTN; transcrevo o dispositivo:

Art. 195. Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação


quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do Direito de
examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos
comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da
obrigação destes de exibi-los.
Parágrafo único. Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e
os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até
que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações
a que se refiram.

Se a documentação resta passível de ser verificada, ela goza do atributo da


publicidade (senão a fiscalização incorreria em quebra de sigilo fiscal e invasão de
privacidade). Publicidade tão restrita quanto à declarada em guia após a
compensação, apenas não ostensiva, aguardando o rompimento da inércia fiscal
em verificá-la.

Em conclusão, como na formalização do crédito o contribuinte não se


coloca como sujeito passivo em relação obrigacional, mas sim, como sujeito
ativo com direito subjetivo a um montante a título de crédito, não se trata da
atividade suficiente à comparação normativa (homologação) prevista no
dispositivo complementar do art. 150, §4º. Esta trata somente da atividade de
criação de relação jurídica em que o contribuinte é devedor e não credor.

Assim, inaplicável o prazo de natureza decadencial de 5 (cinco) anos para


os casos de creditamento indevido.
22

IV – DO SALDO CREDOR DE ICMS E DE SUA IRRELEVÂNCIA NAS

AUTUAÇÕES DE CREDITAMENTO INDEVIDO (Considerações em

face da legislação paulista)

Nessa questão, acolhemos a corrente da irrelevância do fato saldo


credor ou devedor na constatação da infração de creditamento indevido com a
exigibilidade pelo fisco do resgate da importância indevidamente creditada.

Posicionamentos contrários concluem que a manutenção da acusação na


presença de saldo credor seria fato suficiente ao locupletamento do erário, tendo
em vista que a prescrição normativa infracional de creditamento indevido somente
teria sentido jurídico quando houvesse tributo a ser recolhido, cujo montante
restasse efetivamente reduzido em face do indevido creditamento.

Tal conclusão seria fruto de interpretação jurídica sistemática e estaria em


sintonia com o princípio da não cumulatividade.

Os que assim concluem completam sua argumentação destacando que


pensar pela manutenção do AIIM teria como simples fundamentação uma
interpretação literal dos dispositivos citados, além de considerar, também, como
extremamente simples a saída jurídica de qualificar a infração de creditamento
indevido como de mera conduta.

Ora, também partilhamos de uma visão interpretativa buscando todos os


dispositivos normativos de quaisquer graus hierárquicos atinentes à matéria, por
isso nossa conclusão no sentido da irrelevância da existência de saldo devedor
ou credor na caracterização da infração de creditamento indevido.
23

E considerando a simplicidade de argumentos uma virtude, e não uma


demonstração de inconsistência, servimo-nos da constatação de que a legislação
aplicável não considerou como relevante à infração ora discutida (e às suas
pretensões exacionais) a ocorrência ou não de saldo devedor ou credor.

Sabemos que somente é devido o imposto na ocorrência de fato gerador.


No ICMS em comento, quando da entrada de mercadoria não temos imposto. O
princípio da não cumulatividade, como vimos acima, prescreve que quando houver
imposto devido, se cumpridas as prescrições normativas, pode o contribuinte
abater deste imposto o montante cobrado em operação anterior.

Este montante cobrado tem a natureza jurídica de imposto para aquele


que realizou o fato gerador da saída da mercadoria; assim, na exclusiva visão
de quem realiza a operação de circulação de mercadorias, o montante cobrado é
imposto.

Na visão daquele que recebe a mercadoria acompanhada de documento


hábil emitido pelo remetente com destaque de ICMS, tal montante representa uma
cessão de direito. Não é imposto, pois não há fato gerador na entrada.

Mas que direito seria esse? O de escriturar a crédito em seus registros este
montante que poderá ser eventualmente abatido do, aí sim, imposto devido
próprio relativo a futuras operações de circulação de mercadorias.

O direito a creditar-se, se exercido, tem como objeto prestacional uma


moeda escritural; fruto da escrituração regular do chamado montante cobrado
em operação anterior.

Assim, a premissa interpretativa da norma inserta no princípio da não


cumulatividade é de que imposto devido (como efeito de fato gerador) possa ser
reduzido em face de um direito ao crédito (de igual valor ao montante de
imposto cobrado na operação anterior de saída do fornecedor ou do
24

transmitente, mas de natureza jurídica diversa) e obtido quando das entradas


de mercadorias devidamente registradas historicamente em linguagem própria.

Este direito ao crédito para abatimento de montante a título de imposto


devido é que está sendo perseguido pelo fisco em face do entendimento de sua
ilegitimidade.

É moeda escritural na visão de PAULO DE BARROS CARVALHO14

“ O ‘crédito de ICMS’ decorre da prescrição constitucional que erige o


princípio da não-cumulatividade, surgindo em razão do acontecimento de
fato lícito, previsto na hipótese da regra-matriz do Direito ao crédito. Trata-
se de moeda escritural cujo uso é autorizado tão-somente para
compensação com o valor devido a título de ICMS em outra operação,
sendo inexigível sua percepção na forma pecuniária, quer por pedido
administrativo, que pela via judicial...”

O seu já exercício com a mera escrituração nos livros fiscais dá respaldo


normativo a este entendimento, conforme art. 38, §1º da Lei 6374/89,
fundamentado pela art. 23 da LC 87/96, como visto supra, que, in verbis,
dispõe:

Art. 38, §1º da Lei 6374/89: O Direito ao crédito do imposto


condiciona-se à escrituração do respectivo documento fiscal e ao
cumprimento dos demais requisitos exigidos pela legislação.

A opção do legislador não fora a de prescrever o estorno competente, nem


a de cobrar, aí sim, imposto por solidariedade e não incidido (por ausência de
formalização regular) em operação anterior; mas o de recuperar, a título de débito

CARVALHO, Paulo de Barros. Artigo “Crédito de ICMS” e “Crédito de Indébito Tributário”:


14

Conseqüências Jurídicas Desta Distinção. RDT nº 104. Malheiros Editores, pág. 22.
25

tributário, o montante escriturado a crédito, fruto do exercício de um direito que,


pela ótica do fisco, o contribuinte não faria jus.

A consideração do saldo credor ou devedor, porém, torna-se relevante na


cobrança de juros como aditivo ao débito fiscal formalizado em auto de infração.
Na presença de saldo credor não se cobra juros; não há posse indevida de capital
a título de imposto que deveria estar nas mãos do Estado e que não estava.

Com a premissa de que a natureza do montante a crédito não é a de


imposto, mas, a de moeda escritural, fruto de uma cessão de direitos, adotando,
assim, uma das possíveis visões interpretativas do termo montante cobrado
destacado na norma-princípio da não cumulatividade, temos como
fundamentada a exigência fiscal lastreada.

Assim, o montante a ser incluso na cobrança do débito tributário lançado de


ofício é exigência normativa legal e regulamentar construída sistematicamente
com o ordenamento constitucional, prescrevendo para a acusação de
creditamento indevido lastreada em documentos inidôneos, a cobrança de multa,
sem prejuízo do recolhimento da importância creditada. (art. 527, II, do
RICMS/00,em várias alíneas, com fundamento de validade no art. 85, II da Lei
6374/89, numa das visões possíveis a serem construídas do art. 155, §2º, I da
CF/88).

E com essas premissas, agora sim, pode-se afirmar, de forma simples, mas
fundamentada, que a infração de creditamento indevido é de mera conduta e
não que implica no resultado efetivo de falta de pagamento de imposto.

Apena-se, tão somente, a objetiva conduta infracional do contribuinte que


formalizara em seus registros, indevidamente, montante a título de crédito,
colocando-se como titular ativo com direito subjetivo ao reconhecimento de tal
montante em face do Estado; sendo irrelevantes, para a tipificação infracional-
administrativa, a ocorrência ou não do resultado de falta de pagamento de
26

imposto; o legislador competente desconsiderou tal fato como elemento do tipo


legal-infracional. Não faz parte da realidade jurídica infracional por ele
construída.

A importância cobrada e destacada no campo imposto no auto de infração


tem natureza jurídica de moeda escritural a ser recuperada, pois tal crédito fora
indevidamente considerado como legítimo pela próprio contribuinte e por ele
exercitado com a mera escrituração em seus registros.

Portanto, rejeitando a razão de não utilização efetiva do crédito glosado


como motivo jurídico suficiente a afastar quaisquer acusações envolvendo
creditamento indevido, consideramos despicienda a presença de saldo credor
ou devedor na conta fiscal do contribuinte autuado para a apreciação da infração
veiculada por meio do procedimento de ofício do lançamento (considerando todas
as normas insertas no suporte físico auto de infração).

V – DA POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO OU DE RELEVAÇÃO DA

MULTA NOS CASOS DE AUTUAÇÃO POR CREDITAMENTO

INDEVIDO (Considerações em face da legislação paulista)

Conseqüência imediata da consideração da natureza jurídica do objeto


prestacional da relação jurídica de crédito ser moeda escritural é a constatação
de que não se trata de cobrança de imposto a recuperar; conseqüência
mediata seria a possibilidade de redução ou de relevação da multa em face da
infração de creditamento indevido no caso da constatação de saldo credor, tendo
em vista os requisitos de aplicação do art. 92 da Lei 6.374/89 e seu §3º.

Transcrevendo os dispositivos normativos:


27

Artigo 92 - Salvo disposição em contrário, as multas aplicadas nos termos


do artigo 85 podem ser reduzidas ou relevadas pelos órgãos julgadores
administrativos, desde que as infrações tenham sido praticadas sem dolo,
fraude ou simulação e não impliquem falta de pagamento do imposto.

§ 3º - Para efeitos deste artigo, serão, também, examinados o porte


econômico e os antecedentes fiscais do contribuinte. [g.n.]

O artigo prescreve requisitos para sua aplicação. Só ocorrerá a


possibilidade de redução ou de relevação de multa se:

(i) Não restar comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação;


(ii) Não implicar a infração em falta de pagamento de imposto;
(iii) Porte econômico diminuto em face da multa aplicada e
(iv) Ausência de antecedentes fiscais desabonadores.

Fixando-nos no requisito da ausência de implicação da infração em falta de


pagamento do imposto e partindo da premissa de que a natureza jurídica do
crédito é de moeda escritural e não de imposto, temos que o montante cobrado
em diversas autuações por creditamento indevido, a título de recuperação da
importância indevidamente creditada, não trata de tributo.

Se o montante creditado não é imposto e, sim, moeda escritural, o que o


fisco pretende recuperar deve ter a mesma natureza: moeda escritural.

Se o montante levado irregularmente a crédito pelo contribuinte não teve


influência efetiva sobre a redução de ICMS a pagar (se o saldo continuou credor,
mesmo com o irregular acréscimo escritural), então, teremos que a infração
cometida não implicou em falta de pagamento de tributo.
28

Assim, o montante de crédito a recuperar destacado no auto de infração no


campo determinado para impostos, não acompanha a denominação ali atribuída;
há uma imprecisão terminológica; não se trata tal montante de um imposto, mas
de um valor equivalente ao quantum de moeda escritural indevidamente
escriturado no campo créditos dos registros fiscais do contribuinte.

Portanto, seja pela situação factual de saldo credor continuado


demonstrando a irrelevância efetiva do montante indevidamente creditado; seja
pela natureza jurídica de moeda escritural atribuível a tal montante, resta satisfeito
o requisito da ausência de implicação em falta de pagamento do imposto, como
destacado no art. 92 caput da Lei 6.374/89.

Há a possibilidade normativa de se efetuar a redução/relevação da multa


nas autuações de creditamento indevido, evidentemente se também satisfeitos os
demais requisitos normativos já elencados.

CONCLUSÃO

Longe de explanarmos uma unanimidade de pensamentos, todas as


questões suscitadas, assim como as parciais conclusões, precariamente
destacadas, são frutos de discussões práticas no nosso dia-a-dia no Tribunal de
Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, onde temos a honra de compartilhar
tais aventuras intelectuais com uma plêiade de colegas julgadores do mais alto
nível intelectual.

Respondendo às questões suscitadas, temos:

1) Sobre a aplicação ou não da norma do art. 150, §4º do CTN nos casos de
lançamento de ofício sobre creditamento indevido, concluímos pela sua
29

inadequação, tendo em vista restar ausente requisito essencial da atividade a ser


homologada.

A auto-formalização da norma de crédito não é a atividade passível de


homologação (como comparação) prevista no dispositivo complementar.

Ali, fala-se em norma cujo ocupante do pólo ativo é o Estado e do pólo


passivo o contribuinte.

Na norma de crédito o sujeito ativo é o contribuinte e o sujeito passivo o


Estado, por isso a inadequação da utilização indiscriminada do termo atividade,
pois ela tem contextualizada significação no art. 150, §4º do CTN. O dispositivo
trata de norma de débito do contribuinte e não de crédito.

2) Tendo em vista a natureza do objeto prestacional da norma de crédito ser


moeda escritural e não imposto, sua recuperação via lançamento de ofício, não
significa que teria havido efetiva falta de pagamento de tributo, nem que tal fato
deva ocorrer para a concretização típica lingüística da infração.

Conclui-se que a infração de creditamento indevido é de mera conduta;


assim, a existência de saldo credor não representa obstáculo à sua
caracterização.

3) Por fim, inovamos com a idéia de que, pela natureza escritural do crédito,
sua exigência de recuperação via auto de infração não implicaria,
necessariamente, em falta de pagamento de imposto.
30

Se a conta fiscal do contribuinte não restar devedora na ausência do


montante escritural indevidamente creditado; se o saldo permanecer credor,
mesmo descontando o indevido crédito, temos que não houve implicação em falta
de pagamento do imposto, assim, a multa pode ser mitigada em face do prescrito
pelo art. 92 da Lei Estadual Paulista 6.374/89.

Estas as nossas conclusões.

BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo,


Saraiva, 16ª edição, 2003.

________. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. Saraiva,


São Paulo, 2ª edição, 1999. **

________. Direito Tributário, Linguagem e Método. Noeses, São Paulo, 1ª


edição, 2008.

________. Artigo “Crédito de ICMS” e “Crédito de Indébito Tributário”:


Conseqüências Jurídicas Desta Distinção. RDT nº 104. Malheiros Editores,

ESTEVES, Maria do Rosário. Normas Gerais de Direito Tributário, Max


Limonad, São Paulo, 1ª edição, 1997,

MENDONÇA, Christine. A Não-cumulatividade do ICMS. Editora Quartier


Latin, 1ª Edição , 2005.

MOUSSALEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo, Max


Limonad, 2001.

SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento Tributário. PUC/SP, São Paulo, Max
Limonad, 1999.

______. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. PUC/SP, São Paulo,


Max Limonad, 2000,

Você também pode gostar