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UFOP – UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

RAFAEL DE OLIVEIRA VIEIRA

Guerras do Brasil.doc:
Uma análise

MARIANA/MG.
2021
RAFAEL DE OLIVIEIRA VIEIRA

Guerras do Brasil.doc:
Uma análise

Trabalho apresentado por exigência da disciplina de


história do Brasil III do curso de História, UFOP
(Universidade Federal de Ouro preto), em Mariana-MG.
Professor: Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira.

MARIANA/MG
2021
A série documental “Guerras do Brasil.doc”, do diretor Luiz Bolognesi e emitido,
originalmente, pela Curta!, é um trabalho imprescindível para olhar com outros olhos a
realidade atual, sendo capaz de oferecer munição contra os negacionismos e revisionismos tão
presentes. No documentário, que se divide em cinco episódios de vinte e seis minutos cada, são
reunidas narrativas acerca de conflitos armados, e violentos no geral, que marcaram a história
do Brasil. Os episódios são estruturados de forma a prender o espectador, contanto com, além
da participação dos especialistas depoentes, imagens, trilhas sonoras e citações que compõe a
obra e a enriquecem.
Os episódios são organizados de maneira cronológica, porém, independentes uns dos
outros, o que os torna voláteis para utilização, por exemplo, em sala de aula (caso a necessidade
seja específica). O primeiro deles trata das - controversas- Guerras de Conquista, que se iniciam
com as invasões portuguesas, marcadas pelo massacre e que permanecem até a
contemporaneidade. Seguindo, se tem os relatos sobre a Guerra de Palmares, demonstrando
como a resistência dos escravizados se deu tendo, do outro lado, uma sociedade opressora; e,
assim como com os indígenas, a violência contra a população preta permanece. O terceiro
episódio retrata o que foi a maior guerra da América do Sul: a Guerra do Paraguai. A Revolução
de 1930 é o tema do quarto episódio, no qual as nuances do processo de instauração da Era
Vargas são demonstradas. E, por fim, a Universidade do Crime, episódio em que são
explicitadas as condições, razões e perpetuação e desdobramentos das facções de crime
organizado brasileiras.
As guerras de conquista.
A primeira, e chocante, informação levantada pelo historiador e filósofo Ailton Krenak,
indígena da tribo Krenak, é que o Brasil não existiu, mas foi inventado. Krenak diz isso por
conta de que não há uma construção desse território, ou uma evolução inata do mesmo, mas
uma invasão, iniciada pelos portugueses, de um espaço que já era habitado há milhares de anos.
Essas invasões, segundo o historiador, jamais tiveram fim, a guerra contra os indígenas
permanece até a atualidade. É curioso pensar que, mesmo após a luta indígena, os movimentos
sociais, as pautas de minorias, a invasão de terras, o preconceito e a invisibilidade indígena
permaneçam.
Essa realidade fica clara, por exemplo, no livro “Guia politicamente incorreto da história
do Brasil”, do jornalista Leandro Narloch; como muito bem aponta Renato Venancio1, em sua

1
VENANCIO, Renato. O incorreto no guia politicamente incorreto da história do Brasil. HH Magazine, 09 de
nov. de 2018. Disponível em:<https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-guia-politicamente-incorreto-da-
historia-do-brasil/>. Acesso em: 26 de jul. de 2021.
resenha crítica sobre o livro, Narloch manipula as fontes para construir uma realidade distorcida
dos fatos. Sobre os indígenas, o jornalista teria afirmado barbaridades como “os indígenas
destruíram a mata atlântica”, Venancio desconstrói essa pós verdade demonstrando que, por
mais que os indígenas vivessem na floresta e, por vezes, houvesse a necessidade de
desmatamento, eles viviam em comunhão com a natureza, tudo era feito de maneira controlada
e inconstante, dando tempo para a regeneração da floresta. Discursos como esse são comuns, e
cada vez mais são encontrados na população comum, assusta, também, o fato de o presidente
do Brasil, Jair Bolsonaro, corroborar com visões distorcidas como essa. Tudo isso mostra a
importância do documentário na construção de um pensamento crítico.
E o plano se torna ainda mais triste quando se entende a realidade existente anterior à
invasão europeia em Abya Yala2. Centenas de povos já viviam no que viria a ser o Brasil,
segundo Krenak, os Guarani já tinham consciência de si como povo 4000 anos antes da chegada
dos portugueses. Quando se explora o território brasileiro, mesmo longe das fontes de água,
resquícios de sociedades indígenas antigas são encontradas; a extensão dos povos era imensa,
seus costumes, bem definidos. Apesar das fronteiras, que realmente existiam naquele universo,
a interação entre os povos era notável. Ailton Krenak informa que povos indígenas, hoje no
Brasil, se relacionavam com povos andinos; haviam, inclusive, rotas comerciais.
Em “O eterno retorno do encontro”, Ailton Krenak discute algumas narrativas sobre os
povos originários do Brasil e da América, no geral. O historiador afirma que alguns povos já
previam o encontro com os homens brancos, e alguns deles, inclusive, previam algum desastre.
No entanto, para a grande maioria, os brancos seriam como uma parte da tribo que se separou
por algum motivo, e que agora estaria retornando. Sendo assim, quando os portugueses chegam,
são vistos como apenas mais um povo, mais uma cultura, dentro de um universo pluricultural
já existente. Não por acaso, são recebidos e mesmo auxiliados pelos indígenas, afinal, chegando
ao solo sem noção do que enfrentariam, como comer, andar, sobreviver, sem a ajuda, ou, caso
os indígenas tivessem atacado, era óbvia a morte.
No entanto, o que acontece não é uma retribuição amigável dos europeus para com os
indígenas. Esses, que a princípio estabeleceram trocas comerciais, buscas por minerais e
madeira, já olhavam para os indígenas pensando em explora-los ao máximo. Enquanto os povos
originários buscavam entender quem eram os europeus, estes discutiam acerca da alma dos

2
“Na língua do povo Kuna significa “terra madura”, “terra viva” ou “terra em florescimento” e é sinônimo de
América. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Abya Yala. Enciclopédia Latino Americana, São Paulo.
Disponível em: <http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/a/abya-yala>. Acesso em: 26 de jul. de 2021.
povos e a possibilidade de escravização, afinal, para a exploração do território, havia
necessidade de mão de obra.
Como se sabe, a história da colonização é uma história de guerra e conflito sem fim. Ao
passo que os portugueses buscavam, pela violência, impor aquilo que queriam, havia a
resistência indígena na oura face. Não faltavam artifícios legais para justificar os massacres
contra os indígenas, assim como a escravização, um exemplo seria a Guerra Justa. E se não
bastasse a violência direta, ainda se tem o problema das doenças, que contagiaram e
exterminaram milhares, milhões, de indígenas. Carlos Fausto, historiador que também
participou desse primeiro episódio da série, afirma que talvez tenha sido um dos maiores
holocaustos populacionais da história.
A exploração das terras demarcadas ainda é uma realidade, não se respeita o território
indígena. A violência contra os povos também é recorrente. Mesmo com o Serviço de Proteção
ao Índio, fundada em 1910, os massacres ainda ocorram, inclusive, o documentário relata a
participação de funcionários do SPI em um envenenamento de população indígena em 1960.
Na ditadura, segundo o documentário, 8500 indígenas foram mortos. Krenak, em “O eterno
retorno do encontro”, afirma que os contatos não se deram apenas em 1500, mas que vão
acontecendo durante o decorrer de toda a história, e, mesmo hoje, ainda se tem novos contatos,
novos 1500, que podem ser, inclusive, tão violentos quanto. Conflitos com agricultores,
madeireiros e garimpeiros acontecem todos os dias e, mesmo com a Constituição Cidadã e
demais órgãos de proteção, o desrespeito e ataque permanece imune à justiça.
As Guerras de Palmares
Existem fatos que chocam, porém, é difícil conseguir, em uma frase, relatar um fato tão
chocante quanto “A cada 23 minutos um negro é assassinado no Brasil”. E é assim que se inicia
o segundo episódio de Guerras do Brasil.doc, que traz um relato do que foram as Guerras de
Palmares. Algo interessante, e muito relevante, que acontece no início da obra é a explicação
do que foi o regime escravista africano. É relevante, principalmente, por conta dos
revisionismos que tanto permeiam o saber atual; o atual presidente da República, Jair
Bolsonaro, disse em uma entrevista, em 2018: “O português nem pisava na África. Foram os
próprios negros que entregavam os escravos”3. O problema dessa afirmação é justamente o
mesmo que Venancio afirma acontecer no livro de Narloch: uma manipulação dos fatos.

3
GONÇALVES, Géssica Brandino. Portugueses nem pisaram na África, diz Bolsonaro sobre escravidão. Folha
de São Paulo, São Paulo, 31 de jul de 2018. Disponível em:<
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/portugueses-nem-pisaram-na-africa-diz-bolsonaro.shtml>. Acesso
em: 26 de jul. de 2021.
Na série, é explicitado que sim, havia escravidão em Áfricas, porém, seria como a
escravidão romana, grega, portuguesa, enfim, o regime tradicional de guerra justa ou dívidas.
Isso acontecia por conta de África não ser uma nação, não existe um só povo, mas milhares,
portanto, haviam disputas e sistemas já existentes naquele local, o que os portugueses fazem é
cafrealizar. E, para controle dos territórios e do comércio, como se sabe, foram introduzidos
portugueses em solo africano.
O episódio segue demonstrando como realmente se deu o processo de escravização e
como o tráfico se formou e desdobrou. Por ser uma sociedade de antigo regime, ainda muito
marcada pela presença da Igreja, havia a necessidade de uma liberação da mesma para a
escravização. E não tardou, os africanos eram considerados marcados e, portanto, precisavam
submeter-se à fé e, como consequência, doarem-se enquanto escravos para pagar seus pecados.
Assim sendo, inicia-se o transporte dessas pessoas, incialmente para Portugal, depois para as
ilhas (como Madeira), que foram um protótipo da colonização no Brasil, e, por fim, cruzam o
atlântico. No documentário é relatado que nunca houve uma transferência forçada dessa
magnitude na história do mundo. A cada 100 indivíduos que entraram no Brasil entre 1550 e
1850, 86 eram africanos escravizados; não por acaso, brasileiros são fundamentalmente
formados por africanos.
A série informa que, chegando no Brasil, iriam trabalhar nos engenhos de açúcar. A
expectativa de vida seria baixíssima, afinal, o regime escravista era extremamente desumano.
Por conta dos maus tratos, da revolta em estar distante, de ser feito de objeto, escravizados
sempre fugiram e, para se esconder, montavam comunidades chamadas Quilombos, que seriam
uma espécie de acampamento militar. Palmares foi um grande exemplo.
Obviamente, os senhores de escravos não aceitavam essas fugas, afinal, os escravizados
seriam sua propriedade. Por conta disso, expedições sempre saíam das vilas para derrubar os
quilombos. No caso de Palmares, as forças portuguesas guerrearam com os palmaristas por
mais de um século. Por conta das invasões holandesas, vários engenhos e vilas foram
destruídos, isso fez com que se tornasse mais fácil a fuga dos escravizados, portanto, houve um
aumento significativo em Palmares. É importante frisar que o território do quilombo de
palmares era extenso, sendo, na realidade, um conglomerado de mucambos. Macacos, um
desses mucambos, chegou a possuir cerca de 6000 pessoas, sendo que, em Recife, à época, a
população era de cerca de 8000.
Por conta da forte cultura Bantu presente, o Quilombo era organizado de forma a haver
um líder (que seria político e religioso), comunicaria com os ancestrais e daria ordens no espaço
e um conselho, que auxiliaria na organização. Um desses líderes seria Zumbi, no entanto, como
a série ressalta, Zumbi seria um título, algo como “senhor da guerra”, podendo ter havido um
os mais Zumbis, poderia ser um cargo. Outra manipulação das fontes, que é utilizada para
realizar uma tentativa de desmerecimento de Zumbi, é o fato de haver cativeiros em Palmares.
Era comum que houvessem retaliações em fazendas que atacassem o quilombo e, quando
invadidas pelos palmarinos, poderiam ser capturados escravizados e levados como cativos para
o quilombo. Porém, tudo isso se dava na lógica de escravidão já mencionada nesse texto, sem
contar que, passado o tempo, havia a possibilidade de libertação, e isso não era incomum.
Após consecutivas derrotas para Palmares, a coroa decide investir pesado em uma
expedição. Para isso, convoca Fernão Carrilho, que monta um arraial próximo a Palmares e,
depois da vitória, consegue capturar Ganga Zumba, um dos líderes quilombolas. Com a captura,
é constituído o acordo de Cucaú, no qual se constrói um mucambo, também chamado Cacaú,
em que os quilombolas capturados fossem residir sob inspeção da coroa, tornando-se súditos.
Uma das propostas no acordo seria de que os nascidos em palmares estariam livres, mas os
fugidos (das fazendas) voltariam a ser escravizados, o que causa a cisão entre Ganga Zumba e
Zumbi.
Dessa cisão, Zumbi sai como líder palmarino e leva consigo uma parte dos que residiam
em Cucaú para refundar um quilombo na floresta. Posteriormente, Ganga Zumba é envenenado
e morto, o que gera rebeliões em Cucaú e a situação novamente piora para a coroa. Por conta
do reestabelecimento de palmares com Zumbi, bandeirantes, que eram um grupo de guerra
criado e destinado à violência, são convocados para destruir Zumbi e os quilombolas. Nessa
expedição, Zumbi é capturado, fuzilado e decepado, sua cabeça é exposta no Recife para que
servisse de exemplo. Por conta de sua luta, Zumbi se tornou símbolo nacional da luta contra a
violência preta, porém, esta ainda perdura, como afirma Alencastro. O historiador cita um
exemplo: o aeroporto Zumbi dos Palmares, em Maceió, porém, infelizmente, se localiza
justamente no estado em que mais se matam jovens negros.
A violência permanece, nos últimos anos o que se observa é o crescimento do racismo,
não seu distanciamento. Marielle Franco, Marcelo Guimarães, Ágatha e, de forma chocante, no
dia da consciência negra, João Alberto, espancado até a morte no supermercado. Alguns
exemplos de que a luta de Zumbi ainda não teve fim. Mesmo a perpetuação de uma teórica
superioridade branca, travestida de democracia racial permanece; O presidente Bolsonaro
afirmou, na mesma entrevista citada anteriormente, que “o negro não é melhor do que eu e nem
eu sou melhor do que o negro [...]. Pra quê cotas?”4. Luis Felipe de Alencastro responde essa

4
GONÇALVES, Géssica Brandino. Ibid.
pergunta em seu parecer, dado em 2010, sobre a política de cotas. Com amplo acervo
historiográfico e estatístico, o historiador demonstra como a sociedade brasileira ainda é
completamente desigual, e isso é atenuado em relação aos negros. Não há como não defender
a política de cotas, é o mínimo para uma tentativa de inserção do negro em ambientes
majoritariamente brancos. Na universidade, ainda é ínfimo o estudo de personagens históricos
e textos negros, assim como a participação destes no ambiente acadêmico. Maria Lídia de
Godoy Pinn, em “‘Tem que se tornar visível, porque o rosto de um é o reflexo do outro, o corpo
de um é o reflexo do outro’: Maria Beatriz Nascimento e a reescrita da história do Brasil”,
demonstra esse fato a partir do estudo da vida e obra de Maria Beatriz Nascimento que, mesmo
sendo historiadora e importante produtora de material historiográfico e artístico sobre raça e
racismo, não é divulgada na comunidade, nem mesmo em revistas e periódicos importantes.
Esse é o retrato do Brasil, deitado, desde o princípio, em berço violento.
A guerra do Paraguai.
O terceiro episódio da série Guerras do Brasil.doc retrata a maior guerra da América do
Sul, travada entre o então Imperador do Brasil, Dom Pedro II e Solano Lopez, General de
família ditatorial paraguaia. Durante o governo de Lopez, o Paraguai viveu uma ditadura, um
país controlado, fechado e com leis rígidas, sendo passíveis de tortura como pena, sem contar
a cultura de guerra desenvolvida com o passar dos anos. No Brasil, o comércio estava se
desenvolvendo, e o Estado estava estável.
À época, o Uruguai possuía um tratado com o Brasil pelo qual se tornaria, legalmente,
submisso, visto que deixaria as fronteiras abertas caso houvesse a necessidade de buscar
escravos fugidos, como exemplo; não só isso, mas havia a cláusula de aceitação de uma
intervenção militar brasileira se houvesse a necessidade. O Uruguai passava por conflitos
internos constantes, em que dois partidos, os colorados (que era o partido no poder) e os blancos
(oposição). Chega um momento em que os blancos conseguem assumir o poder e, com isso,
rasgam o acordo com o Brasil. Com essa quebra, o Paraguai enxerga o Uruguai como possível
aliado, afinal, poderia usar o território como caminho para o mar, já que não existe essa abertura
em solo paraguaio. Porém, Dom Pedro II não concorda com o que estava acontecendo e ameaça
intervir; Lopez, insatisfeito, declara que em caso de interferência brasileira, declararia guerra.
Mas, em 1864, o Brasil interfere e recoloca os colorados no poder, estava declarada a guerra.
Ainda em 1864 o exército paraguaio sequestra o presidente da província do Mato Grosso
e invade o território brasileiro. A estratégia era simples: o Mato Grosso era campo aberto, mas
não por terra, para alcançar o exército paraguaio, as tropas brasileiras precisariam passar pela
bacia da prata, inclusive, pelo Paraguai. Também, a intenção do Paraguai seria descer pelo Rio
Grande do Sul e, posteriormente, para o Uruguai, a fim de reestabelecer os blancos no poder.
O erro é que, na caminhada, passaram pela Argentina, que então firma acordo com o Brasil e o
Uruguai (representado pelos colorados), forma-se a tríplice aliança para unir forças contra o
Paraguai e iniciar o conflito.
O Paraguai, pela cultura de guerra já existente, possuía superioridade numérica no
exército, portanto, foi necessário o recrutamento de soldados no Brasil. Mesmo negros e
mulatos foram se disponibilizar nos quartéis. O primeiro conflito se da em Riachuelo, com uma
investida paraguaia que, por acidente de percurso, perde o conflito e, com ele, o acesso ao rio,
o Paraguai fica isolado do mundo, não podendo mais comprar suprimentos. Assim, as tropas da
aliança iniciam o progresso rumo ao Paraguai. Em maio de 1866 acontece o maior confronto
campal da América Latina, a batalha de Tuiuti. Solano Lopez e seu exército perdem a batalha
e, com isso, buscam firmar acordo com a Argentina, no entanto, essa não era uma opção para
os aliados, a intenção seria a total derrota do Paraguai.
Dez dias depois de Tuiuti, Lopez tem sua revanche e, por conta da geografia do local e
de melhor preparo do exército, vence a batalha, provocando muitas baixas nos exércitos aliados.
Por conta disso, o Império necessita de conseguir mais contingente, para isso, surgem os
“voluntários da pátria”, que, na maioria das vezes, eram encurralados pelas forças armadas para
lutar na guerra. Em decorrência da desorganização do exército, Dom Pedro precisava de um
líder melhor, então, convoca Duque de Caxias. Este faz com que o exército melhore em
tecnologia, organização das tropas, etc. Com sua liderança, os aliados, em 1868, ultrapassam o
forte de Humaitá e abrem caminho para Assunção, capital do Paraguai. A vitória era
praticamente certa, mas a resistência continuava, batalhas sangrentas continuavam a acontecer,
como a batalha da dezembrada.
Assunção então é ocupada, mas ainda existiam, mesmo que ínfimos, contingentes de
resistência paraguaia. Caxias, então, pede demissão do exército, para ele, a guerra havia
acabado, a resistência não se extinguiria enquanto o último paraguaio não fosse morto, e ele
não queria fazer parte disso. Pedro II não aceitava isso como ponto final, Solano Lopez
precisava ser capturado, por isso, envia Conde D’eu para comandar as tropas e colocar fim
nessa guerra que já perdurava por muitos anos. Para a proteção dos territórios, o exército
paraguaio teve que colocar, como frente de batalha, crianças. Em 1869 acontece o último grande
confronto: a batalha de campo grande. Após esse confronto, Lopez foge e se esconde até que,
em 1870, é descoberto e assassinado. No fim, o que fica marcado é a violência; 70 mil soldados
aliados mortos, 300 mil paraguaios também. A miséria assola o Paraguai no pós guerra. Apesar
de tudo, a guerra influenciou diretamente no abolicionismo brasileiro, afinal, negros e pardos
que lutaram na guerra se tornaram irmãos em armas. Também, em decorrência da politização
do exército pós guerra, o Golpe Civil Militar de 1889 foi realizado.
A revolução de 1930
Antes dos conflitos de 1930 e a instauração do governo de Getúlio Vargas, o Brasil vivia
um momento no qual existia uma sociedade de maioria analfabeta e rural. Um país recém saído
da escravidão e com alto índice de imigração. A pobreza e a exclusão eram generalizadas. O
café era a principal parte da economia, muito voltado para o comércio exterior. Na política,
arbitrariedades profundas, o direito a voto era vetado aos analfabetos, o que resultava na
exclusão de pelo menos 80% da população. Entre os votantes, a insatisfação era grande, afinal,
não se confiava no poder do voto; não existia um tribunal eleitoral e as fraudes eram recorrentes.
Um pacto entre grandes oligarquias dos estados mais poderosos sempre era firmado, visando a
decisão do presidente.
Em 1922, Artur Bernardes é eleito, escolhido por São Paulo e Minas Gerais. Porém,
surgem diversas revoltas com a eleição, tendo como principal argumento as fraudes eleitorais.
Houve, por exemplo, a revolta dos 18 do forte de Copacabana, organizada por Tenentes do
exército (que viriam a ser os articuladores das próximas revoltas também). Obviamente, foram
massacrados, mas geraram grande apelo popular. Em 1824, nova revolta, buscando depor o
presidente Bernardes; esse foi o maior conflito armado da cidade de São Paulo. No fim, as
forças do Estado venceram, porém, os Tenentes ganham mais apoio popular e mesmo
oligárquico (dos jovens, que não tinham acesso ao poder).
Com a união desses grupos, surge a Aliança Liberal (composta de rebeldes do Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba), que buscavam disputar as eleições de 1930. O
candidato escolhido foi Getúlio Vargas, que faz um acordo com Washington Luiz, então
presidente, para que não fizesse campanha em troca de uma não interferência no Sul. Isso
contribui para a derrota, nas urnas, da aliança liberal. No entanto, os rebeldes não desistem,
enquanto planejavam uma tomada do poder a força, o candidato a vice, João Pessoa, é
assassinado. Com isso, uma onda revolucionária toma conta do país, até que, em 1 de novembro
de 1930, tomam o poder e Vargas é colocado como presidente.
Vargas realizou muitas contribuições para o Brasil naquele tempo. A maioria voltada
para a política social; o voto das mulheres e a criação de um tribunal eleitoral, por exemplo.
Uma nova constituição é feita, e respeitada até que, em 1937, Getúlio dê um golpe, feche o
congresso e instaure uma verdadeira ditadura. O presidente, que flertava com o autoritarismo
fascista, visava um estado forte e autoritário rumo à modernização, mesmo sendo anticomunista
e antiliberal. Durante os 15 ano do período conhecido como Era Vargas, a oposição não podia
se fazer presente, afinal, seria presa. Infelizmente, mais um retrato da violência tomando as
rédeas do país.
Universidade do Crime
Em 1960, com a criminalidade crescente no Brasil, e particularmente no Rio de Janeiro,
são encontrados armas e dinheiro em presídios na capital carioca. Como forma de combate a
isso, mandam cerca de 1000 presidiários de crimes violentos para a prisão em Ilha Grande. O
presídio, que era remoto, de alta insalubridade e abandonado, era o lugar perfeito para a
instauração de grupos, formados a fim de se defender, chamados falanges. Os presidiários
recém chegados, por conta de seus crimes, recebiam uma linha vermelha na ficha, por conta
disso, criam um grupo chamado falange vermelha. Esse grupo começa a organizar o presidio,
colocar leis e coletivizando o espaço. Era o início do Comando Vermelho, o início do crime
organizado no Rio de Janeiro. Os membros começam a se espalhar e, em pouco tempo,
dominam os morros cariocas e, para defesa de território, buscam se armar.
Também nos anos 60, São Paulo se vê em um constante crescimento, muitos imigrantes,
brasileiros e estrangeiros, começam a se mudar para a cidade. O medo e a violência policial
começam a se tornar recorrentes. Para acabar com a bandidagem, a ordem era matar; com isso,
sobe a taxa de homicídio, tanto de policiais quanto de civis. As taxas de presidiários também
sobem indefinidamente e, assim como em ilha grande, os presídios eram precários. Isso,
somado à violência policial, faz com que os conflitos se tornassem constantes resultando em
massacres, como o Carandiru. Em Taubaté, nos anos 90, depois de um desentendimento em
uma partida de futebol, duas pessoas são mortas no presídio. Os responsáveis pelos homicídios
se unem em comum proteção. Surge, então, o primeiro comando capital, o PCC.
O Estado Brasileiro começa a perder o controle da população carcerária para as facções
organizadas, que cada vez mais se fortaleciam com o tráfico. Várias revoltas em presídios
começam a acontecer no Estado de São Paulo, a violência nas ruas também aumentava, assim,
ocorre um encontro entre os líderes do PCC e representantes do Estado; há uma negação de um
pacto, mas as revoltas se encerraram no outro dia (mas não a violência). No Rio, são criadas as
UPP’s como tentativa de acabar com o crime nas favelas, porém, com o passar do tempo, os
policiais começam a formar alianças com os traficantes, o controle dos morros começa a ser
dividido e ocultado pelas guerras que continuam acontecendo.
O Estado Brasileiro nunca assumiu, verdadeiramente, um combate ao crime organizado.
Segundo o que diz Camila Nunes Dias na série, no Brasil a situação é singular, todos os grandes
grupos se formam nos presídios, propriedade do Estado. A violência, a forma com que se
“combate” a criminalidade demonstra, com exatidão, que ou se é burro ou alguém dentro do
Estado lucra com a não destruição do crime organizado. Com tudo isso, quem perde é a
população brasileira, que vê, todos os dias, manchetes sobre o aumento da violência e, mesmo
assim, a conivência do Estado, que como foi visto, se forjou em um terreno de sangue.
Pequenas considerações finais
O Estado Brasileiro, desde seu âmago, convive com a violência exacerbada. Tudo se
inicia com a invasão do território brasileiro, que até hoje é desbravado, não respeitando os povos
originários. Mesmo tendo, em suas origens, uma grande parte preta, o Brasil de hoje ainda
convive com o racismo, a guerra contra os pobres é uma realidade, mas o massacre contra os
negros é ainda mais evidente. A cultura do Rap, desde que se inicia no Brasil, demonstra como
o racismo está diretamente atrelado à violência policial nas favelas e periferias no geral, não só
isso, mas há um discurso de miscigenação, de democracia racial, pregado há muitos anos e que
não passa de uma falácia. Para que os grupos autoritários, reacionários, dentro do estado
mantenham seu poder, é conveniente que a violência seja uma realidade; por conta disso, as
políticas públicas de acesso à educação e o combate efetivo à criminalidade e reinserção de
presidiários na sociedade é pífia, o inimigo precisa existir para que o Estado tenha liberdade de
colocar sua capa de justiceiro e posar como herói. Guerras do Brasil.doc foi produzido lançado
em 2019, seus temas são históricos, mas não totalmente assíncronos; mesmo com rupturas, as
guerras continuam acontecendo, os indígenas são atacados, os negros desprezados, o
autoritarismo é realidade e a violência intrinsecamente ligada à política. A série é extremamente
necessária para se repensar como se portar diante de todos esses fatos, como tentar mudar tudo
isso, basta.
Referências
ALENCASTRO, Luis Felipe de. Cotas: parecer de Luis Felipe de Alencastro. Fundação
Perseu Abramo, 24 de mar. De 2010. Disponível
em:<https://fpabramo.org.br/2010/03/24/cotas-parecer-de-luis-felipe-de-alencastro/>. Acesso
em: 26 de jul. de 2021.

GONÇALVES, Géssica Brandino. Portugueses nem pisaram na África, diz Bolsonaro sobre
escravidão. Folha de São Paulo, São Paulo, 31 de jul. de 2018. Disponível em:<
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/07/portugueses-nem-pisaram-na-africa-diz-
bolsonaro.shtml>. Acesso em: 26 de jul. de 2021.

VIVA, Nossa História. Guerras do Brasil.doc. Youtube, 13 de jul. de 2020. Disponível em:<
https://www.youtube.com/playlist?list=PLJFnBOiJ5F5Rhmbt_ePwIiM6RBWXJge7j>.
Acesso em: 26 de jul. de 2021.

KRENAK, Ailton. O eterno retorno do encontro. Povos indígenas no Brasil, 25 de jan. de


2021. Disponível em:<https://pib.socioambiental.org/pt/O_eterno_retorno_do_encontro>.
Acesso em 26 de jul. de 2021.

PINN, Maria Lídia de Godoy. Tem-se que se tornar visível, porque o rosto de um é o
reflexo do outro, o corpo de um é o reflexo do outro: Maria Beatriz Nascimento e a
reescrita da história do Brasil. 2021. 100 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto
de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2021.
Disponível em:< http://www.repositorio.ufop.br/jspui/handle/123456789/13252>. Acesso
em: 26 de jul. de 2021.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Abya Yala. Enciclopédia Latino Americana, São


Paulo. Disponível em: <http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/a/abya-yala>. Acesso em: 26
de jul. de 2021.

VENANCIO, Renato. O incorreto no guia politicamente incorreto da história do Brasil. HH


Magazine, 09 de nov. de 2018. Disponível em:<https://hhmagazine.com.br/o-incorreto-no-
guia-politicamente-incorreto-da-historia-do-brasil/>. Acesso em: 26 de jul. de 2021.

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