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Seminário de teoria

Contexto: Explicar o Holocausto, solução final, 3º reich. – Vários historiadores de diferentes


áreas escrevem sobre o assunto por se tratar de um atentado violento à cultura ocidental, que é
burocrática e organizada.
A solução final rompe com o caráter humanista ocidental, com sua racionalidade. Sendo
assim, torna-se um evento inexplicável para os pensadores ocidentais.
O autor busca entender a partir de que momento se torna impossível dizer algo sobre o
holocausto. Para isso, se utilizará de dois conceitos de Jörn Rüsen: Teoria das crises e Teoria
tropológica de formas narrativas, a partir disso, será encontrado o déficit hermêutico – a
incapacidade de explicar o fenômeno. Para analisar esse déficit, utilizará do método
compreensivo de Droysen, buscando o que pode ser dito ao invés de necessariamente
demonstrar a causa.

Jörn Rüsen e o déficit hermenêutico


História Viva – Narrativa e representação como fundamentos do conhecimento histórico.
“Cada forma narrativa é responsável pela elaboração de variadas identidades históricas”.
Krise, trauma, identität – Teoria das crises. Crise = experiência de contingencias no tempo, ou
seja, algo que sai da intenção do homem, que é o formador de história.
3 tipos:
 Crise normal – Assimilada de forma natural e harmônica, a partir de conhecimentos
preexistentes dentro da história.
 Crise crítica – Quando é necessário buscar novos elementos para que seja entendido o
contexto e se renove a forma de pensar a própria crise.
 Crise catastrófica – Não há possibilidades de atribuição de sentidos. Esta é proveniente
de um trauma. Segundo Frank Ankersmit:

Ou seja, o próprio Rüsen não teria pensado explicitamente em uma crise catastrófica, afinal,
não há como atribuir sentido realmente à mesma.
As narrativas atribuem sentido à história de quatro maneiras:
 Atribuição tradicional de sentido: Um princípio originário e orgânico é o que dá
sentido, repetindo-se ao longo da história e formando a identidade. Não existe crise.
 Atribuição exemplar de sentido: Uma ruptura, uma contingência, se destaca da
normalidade e se torna normativa. A partir disso, é buscado na sabedoria objetiva a
forma de assimilar o ocorrido. Pode-se falar em crise, mas apenas a crise normal,
afinal, a partir de experiência prévias, pode-se seguir o curso natural histórico.
 Atribuição crítica de sentido: Toda a memória é colocada em xeque, já não há
conhecimento prévio que dê sentido à narrativa. É preciso constituir novos elementos
para que as rupturas sejam assimiladas. Entra-se na crise crítica, o passado precisa ser
julgado com “novas armas” para que o presente seja modificado positivamente.
 Atribuição genética de sentido: O tempo, enquanto mudança, é ele próprio formador
de sentido. As diferenças entre os tempos são elaboradas de forma positiva, são formas
de atualização da realidade. Estética da recepção: Aquele que recebe dá sentido à
experiência... Dom quixote – 1605, século XVII, por Miguel de Cervantes. diferentes
tempos geram diferentes interpretações, mudando o sentido original para algo
inimaginável no contexto original.

Questionamentos do autor: Seria a cultura alemã, ou ocidental, capaz de reconstituir suas


forças perdidas?
Seria o dito trauma justamente o processo de enfraquecimento em que a formação da
identidade torna-se impossível?
A primeira resposta deve ser afirmativa, afinal, caso a crise fosse realmente traumática, não
haveria cura narrativa para tal. Mas pelo contrário, o ocidente, com dificuldades, se
reconstituiu e se reconstitui todos os dias. Tudo isso com a formação de novas identidades.

Mas da mesma forma, a constituição genética de sentido não encontra equivalente na teoria
das crises. Surge o déficit hermenêutico. O tempo como portador de sentido é insuficiente.

Déficit hermenêutico: O entendimento de que a atribuição genética (na qual o tempo por
si só é portador de sentido) se torna insuficiente para explicar os fenômenos.
Segundo Nietzsche, cada modalidade histórica teria um prejuízo para a realidade.

Apesar da dificuldade em representar o holocausto, cabe testar os diferentes tipos de


verdades históricas acerca do tema. O uso da verdade histórica, nesse caso, se faz valer
pelo fato de que houve um trauma e, para que não haja relativismos em um caso tão grave,
faz-se necessário os desenvolvimentos dessas verdades. Por exemplo: alguns
acontecimentos naquele contexto serem inegáveis (como as câmaras de gás),
Então, novamente, o autor afirma que o intuito do artigo será examinar, de alguma forma,
o conceito de verdade na historiografia do holocausto. Testar os limites do limite da
representação por meio de um exame hermenêutico, que se mostrou impotente na teoria
das crises de Rusen.

Critérios para a verdade histórica


Johhan Gustav Droysen: Historik – tipologia de formas de interpretação histórica. 4
níveis:
 Interpretação pragmática: Interpretação dos vestígios, do que restou do passado e o
fazer mesmo que por comparação; isso resultará em uma verdade empírica. Por
exemplo: Uma estátua quebrada deverá ser comparada com outras de mesmo tipo, do
mesmo autor, da mesma época, da mesma região. Por não ter o objeto em si próprio a
capacidade de explicação, necessitando de outros pontos, trata-se de um exercício
subjetivo. Sendo assim, faz-se necessária a criação de um campo de fontes abrangente
para que se chegue ao resultado mais objetivo possível.
 Interpretação das condições: Os fatores históricos para que haja sentido no objeto.
Essa interpretação leva a uma verdade lógica – Busca entender as determinações
causais necessárias (ainda que insuficientes) para o entendimento de uma situação
histórica. Mas por ser a história fruto das ações dos homens, que são diversas mesmo
em contextos iguais ou semelhantes, não basta o estudo como se fossem leis naturais,
mas há a necessidade de entender o sentido da ação em uma condição necessária ainda
que insuficiente.
 Interpretação psicológica: Entender as intenções daqueles que se estuda a partir de um
exercício de empatia. Isso leva a uma verdade intersubjetiva (O fato + interpretação se
colocando no lugar). Mas não basta se transportar ao passado, já que com isso o
interprete se anularia. É preciso que o intérprete tenha total noção do que faz, para que
interprete de maneira correta o que estuda, e, também, que o sujeito estudado tenha se
mantido idêntico a si mesmo durante toda sua vida para que uma biografia seja fonte
segura de interpretação. Isso gera um paradoxo por colocar a ciência histórica com
características essencialistas (como as ciências da natureza, que no século XIX eram
imutáveis em relação ao tempo e lugar).
 Interpretação das ideias: O sentido mais profundo que está em curso a partir das ações
dos agentes históricos. Ou seja, aquilo que os agentes nem poderiam imaginar
acontecer a partir de ações tomadas... Weber sobre o capitalismo estar ligado ao
protestantismo – Lutero jamais imaginaria. Isso apenas o historiador pode verificar,
chega-se à verdade espiritual.

O teste hermenêutico
Haveria dificuldade extrema em definir os vestígios e os tomar como fonte inequívoca. As
testemunhas, segundo Primo Levi, verdadeiras do holocausto, teriam sido aqueles que
morreram, que não tiveram como voltar para contar o que aconteceu. Outra dificuldade seria
baseada na ausência de fontes concretas das intenções do alto escalão do terceiro reich. Foram
cuidadosos em não deixar escrito algum. Durante a reunião sobre o Protocolo de Wannsee,
Hitler nem mesmo estava presente. Interpretações como a de David Irving surgem: Hitler,
talvez, nem mesmo teria conhecimento do fato.
 Debate entre intencionalismo (Reconstrução das ideias principais que fundamentam a
intenção de Hitler – Lucy Dawidowicz: Mein Kampf é suficiente para provar as
intenções de Hitler para com o Holocausto) e funcionalismo (O vocabulário do
extermínio não pode ser lido de maneira literal por existirem outros documentos que
poderiam, teoricamente, colocar em xeque a autoridade suprema de Hitler,
transferindo algumas de suas responsabilidades para uma sociedade do alto escalão
nazista). Na ausência de um testemunho de Hitler, historiadores precisam usar de suas
fontes para tentar alguma reconstrução. Isso tudo estaria inserido na verdade empírica.
O “Modernismo reacionário” de Jeffrey Herf e o “Habitus” de Norbert Elias – Sem um
contexto, formado a partir das condições necessárias (não suficientes) para o Holocausto, não
seria possível compreender o mesmo. fascismo um conjunto de fatores intelectuais, culturais e
emocionais. De fato, é bastante difícil pensar o surgimento dos partidos fascistas sem
considerar fatores como: a afirmação dos limites da racionalidade, a difusão do
darwinismo social, a angústia causada pelo med do fim dos laços comunitários de origem
rural, a importância da biologia (verificada na bacteriologia de Pasteur e na genética de
Mendel), entre outros
 Para Elias, a cultura do ideal nacional alemão (rígido e sem fraquezas, soberania). Para
Herf, o nacionalismo hipertrofiado, sentimentos nostálgicos, potencializados por uma
necessidade de modernização e evolução. (Darwinismo social, limites da
racionalidade, importância da biologia, nostalgia rural etc – Pensado por Robert
Paxton para definir o contexto fascista). Isso leva à forma de verdade lógica. Causas
necessárias, mas não suficientes.
 Não são suficientes porque, como escreve Ian Kershaw, Hitler teria sido um homem
comum, sem antecedentes políticos ou econômicos, que se tornou o homem mais
poderoso da Europa. Um forasteiro alemão ganhando total controle sobre o país. Para
fazê-lo, Hitler precisou unir os movimentos de extrema direita, obter apoio das elites
tradicionais e adquirir a massa eleitoral, importante peça para a vitória em um sistema
plebiscitário. Hitler, então, teria se tornado um “líder carismático”. Entra então a
verdade construída intersubjetivamente, afinal, é o historiador que, ao entender o que
se passava na mente de Hitler ao unir áreas tão distintas da sociedade sem ter qualquer
vantagem prévia, pode descrever o processo histórico. Processo esse que seria
totalmente diferente a depender do agente histórico.
 O homem comum, ou, segundo Hannah Arendt, “a banalidade do mal”. Como pode
ser violenta a ação não pensada. Adolf Eichmann seria um homem incapaz de pensar,
se colocar na perspectiva do outro, tampouco capaz de se comunicar. Um homem que
define a banalidade do mal quando, ao utilizar-se apenas de clichês (sem refletir
acerca de suas ações), ocupa uma posição central na hierarquia do poder de um Estado
imperialista e genocida. Mas a banalidade do mal vai além da incapacidade de pensar,
no caso de Eichmann, duas ciências (Psiquiatria e Direito) respaldaram suas ações em
certos momentos. A psiquiatria quando descobriu em Eichmann um amigo e pai de
família e gentil e desejável (ao entrevista-lo). E o direito internacional quando apenas
foi permitido capturar e enviar Eichmann para um tribunal em Jerusalém por estar em
território argentino, ou seja, ser um réu apátrida e não por ser um genocida. Isso não
retira dele sua culpa, mas não se pode apontar dedos e o definir somente pelo plano da
intenção, afinal, pelos vestígios, seria apenas um homem medíocre. Esta seria a
representação da banalidade do mal como forma espiritual de verdade (relembrando,
quando o curso histórico talvez nem fosse imaginado pelo agente).

Das conclusões
As pesquisas históricas realizadas pelo Holocausto, por mais completas e importantes que
tenham sido para o entendimento daquele evento, podem ser classificadas dentro de um
padrão desenvolvido em meados do século XIX. Isso não faz com que o tema Holocausto
deve ser encerrado por ser excepcional, mas deve ser entendido que verificar os critérios
para a construção do discurso histórico. Como fica claro, existem ainda fenômenos dentro
do Holocausto que necessitam de explicação. Fenômenos estes incomparáveis na história
– Como Arendt explicita a escravização x campos de concentração. Os primeiros faziam
parte de uma ordem social, havia um valor no escravizado e um proprietário; já nos
campos, não havia valor (eram substituíveis) e o proprietário jamais era visto. Arendt
ainda pergunta: Se não era visto, como pode ser lembrado. Mas fica a questão, se Arendt
estiver certa, resta algo para interpretar? Daí a falha hermenêutica explicitada neste
trabalho.

VELOSO, Carolina. 2016. “A estética da recepção e o leitor da literatura popular


brasileira (folhetos de cordel).” Revista do Curso de Letras da UNIABEU, v. 7, nº 2: 58-
70.

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