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MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. 10.ed.

Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 1989.

Cecília Meireles, especialista em Literatura e Folclore, professora, jornalista,


escritora e conferencista, publicou seu primeiro livros aos 18 anos, sob a influência
de filosofias orientais combinou em sua poesia uma espiritualidade fina e delicada
com um modo feminino de perceber o universo.
A obra Romanceiro da Inconfidência é uma narrativa rimada, na própria
definição da autora que, lhe consumiu dez anos de pesquisa, sendo que sua
temática de caráter histórico e nacionalista, remete o leitor à inconfidência mineira. A
poeta, como gostava de ser chamada, associa a verdade histórica com tradições e
lendas e, ao utilizar-se da técnica ibérica dos romances populares, recria a
atmosfera de Ouro Preto, Vila Rica dos Inconfidentes. Na obra, aparecem
alternados, os romances, os cenários e as falas.
Os romances, reconstituindo a história compõem o fio narrativo. Os cenários,
situando os ambientes marcam as mudanças de atmosfera e localizam os
acontecimentos. As falas por sua vez representam uma intervenção do poeta-
narrador, tecendo comentários e levando o leitor a reflexão dos fatos referidos. Nas
páginas do Romanceiro da Inconfidência encontram-se a mineração, as rivalidades
e contendas, os impostos cobrados pela coroa, a conscientização de alguns
intelectuais e os ideais de liberdade além da defesa dos oprimidos.
O narrador dos 85 romances é uma voz lírica que ocasionalmente intervêm na
história no intento de levar o leitor a refletir sobre a questão abordada, como
acontece no episódio da morte (suicídio?) de Claudio Manoel da Costa, por
exemplo.
Desfilam nos poemas três tipos de personagens: históricos, míticos/folclóricos
e populares, principalmente:
 Cláudio Manoel da Costa – apontado como um dos cabeças da
frustrada rebelião de 1789, enforcou-se poucos dias depois de ser
preso. A lenda atribui sua morte a causa criminosa.
 Inácio José de Alvarenga Peixoto – considerado um dos principais
chefes da conjuração foi desterrado para terras africanas. Era tenente-
coronel da cavalaria e poeta de grande mérito.
 Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes, representou o principal
papel da Inconfidência mineira, aliciando cúmplices, propagando os
ideais libertários e buscando o apoio da força armada.
 Joaquim Silvério dos Reis – representa o Judas da inconfidência,
sendo o delator dos planos de rebeldia tramado por seus
companheiros ao Visconde de Barbacena
 Tomas Antonio Gonzaga – figura de maior destaque, depois de
Tiradentes, no movimento da inconfidência. Era ouvidor-mor,
correspondente hoje ao cargo de Juiz Federal. Foi denunciado como
membro da conjuração.

O tema apresentado nessa obra pela neo-simbolista Cecília Meireles é de


caráter histórico, remontando o Brasil colônia, século XVIII, Minas Gerais, Ciclo do
Ouro, inconfidência mineira.
Os poemas dessa coletânea cantam em seus versos a história de Minas
Gerais, do início da colonização até seu período áureo, a inconfidência mineira,
revolta ocorrida em fins do século XVIII.
Mais lírica do que narrativa, a obra assume o lado dos derrotados, os mártires
da independência do Brasil, denunciando o sistema colonial que favorece a
exploração dos desvalidos.
A reinterpretação da história serve, no entanto, de ponto de partida para uma
reflexão filosófica e metafísica sobre a condição humana. Surgindo Tiradentes como
um avatar de Cristo e sofrendo o sacrifício do bode expiatório, ele se torna num
redentor do Brasil, que abriria a nova era da liberdade.
Algumas características oscilam dentro da obra como:
a) a herança simbolista e o espiritualismo: dá um ar de mistério, de crença no
imaterial, no extraterreno, perpassa todo o poema. O culto do etéreo, das
palavras aéreas marca a ânsia de dar forma ao informe.
b) A utilização da redondilha maior: sem rimas externas regulares e a
exploração da camada sonora, através de aliterações e assonâncias,
conferindo a fala inicial um tom enfático, reforçado pelas exclamações e
interrogações.
c) O tom evocativo que mergulha no passado, no atroz labirinto do tempo,
nas ressonâncias incansáveis de Vila Rica revela a ânsia da procura de
um significado para os fatos.
d) O tom inquiridor: o clima de mistério e ansiedade, as lacunas históricas
incontornáveis e a busca de um sentido para os fatos projetam-se nas
interrogativas que surgem a cada momento.
e) A dualidade: reflete a ambivalência ou ambigüidade que caracterizam as
ações do homem – herói e traidor, ódio e amor, punhal e flor, bons e
maus, riqueza e miséria.

Apesar de ser essencialmente lírica, subjetiva e pessoal, Cecília Meireles não


deixou de realizar a chamada poesia social. E mesmo nesse campo, a poeta afirmou
sua subjetividade ao fato histórico. De fato a obra é a combinação da sensibilidade
poética, domínio absoluto da linguagem, erudição e pesquisa histórica. Antes de
tudo, o que se destaca nesse livro é a rigorosa unidade, desenhando-se como uma
obra que tem cabeça, tronco e membros e que leva a cabo um assunto difícil. Nela,
a autora não faz poesia-manifesto nem de programação política. A visão histórica e
social não influenciou sua expressão poética. Ao contrário, o mito e a dimensão
histórica surgem da riqueza poética.
Para isso, a autora remonta as origens da língua portuguesa, mostrando
extrema consciência do clássico e do moderno, retirando do particular o sentido
universal, projetando o passado para o futuro.
Caracterização do minerador, seu papel social e histórico suas figuras
humanas e sociais, suas crenças e expectativas. Elementos ligados a tradição
lendária ou a tradição histórica. De qualquer forma, toda esta primeira parte está
governada por um principio de reorganização lendária e folclórica da realidade
histórica, com intensa participação da atmosfera de estribilho popular e sugestão de
coral trágico.
Na segunda parte, aparecem, além do cenário o desenvolvimento da
conspiração, o seu fracasso e o prenúncio das desgraças que se abaterão sobre os
inconfidentes. A figura principal é o Alferes, em tomo do qual vários motivos
poéticos imprimem-lhe um aspecto lendário. Começa propriamente a articulação do
movimento rebelde contra a opressão lusitana. Não obstante toma vulto a agitação
preparatória do movimento, a fermentação das idéias liberais, a atividade incansável
de Tiradentes, a carta-denúncia de Joaquim Silvério e a repressão do governo
central, com a prisão dos principais envolvidos.
Na terceira parte, as circunstancias misteriosas em que se deu a morte de
Cláudio Manuel da Costa servem de substância para a divagação de Meireles. A
morte de Tiradentes, por sua vez, é antecipada nas palavras do carcereiro. Focaliza-
se também a Tomás Antonio Gonzaga, suas angústias e expectativas de prisioneiro,
seus sonhos, suas fracassadas tentativas de se libertar por meios judiciários. Esta
parte culmina com o momento verdadeiramente trágico de Tiradentes: seus passos
de condenado rumando à força, a indiferença ou o contentamento de uma parte da
população, etc.
A quarta parte se abre com um panorama do ambiente em que Gonzaga
vivera e se tornara magistrado e poeta de prestigio. Depois, vem caindo sobre ele a
ironia trágica, representada nas murmurações e desconfianças, na precipitação do
desterro e, portanto, na perda daquela manhã bela em que ele cantara com Dirceu
apaixonado.
A quinta parte representa um plano temporal diferente. É o fechamento da
obra, com alguns poemas de lamento e dramaticidade, reflexão dolorida sobre o
conjunto da tragédia mineira. Essa parte é curta e peremptória. Aparece D.Maria I,
que 20 anos antes decretara as sentenças de morte e degredo, agora louca,
contemplando a terra onde se desenvolveu o drama dos soldados, poetas e
doutores, seus remorsos e sua morte.

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